Jornal Germinal - Especial EBSERH n. 03 - Criminalização dos/as que lutam e nossa resposta

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Nesta edição do Jornal Germinal, especial sobre a repressão da Reitoria da UFPR e as perspectivas do movimento, há dois recortes. O primeiro é o de lições de nossa luta local contra a privatização do Hospital de Clínicas, os movimentos de repressão da Reitoria da UFPR e os nossos aprendizados, enquanto parte com lado na defesa da saúde e educação. A seguir, problematizamos algumas perspectivas deste segundo semestre, em especial no movimento estudantil. Trata-se de nosso terceiro esforço de sistematização, enquanto núcleo Curitiba do Jornal Germinal, a respeito da luta contra a EBSERH no Paraná. Convidamos também a ler nossas edições anteriores, disponíveis em nossas banquinhas no Restaurante Universitário e no nosso site (www.jornalgerminal.wordpress.com), bem como a conhecer e participar de nossas lutas, nucleando-se e participando das reuniões. Entenda e participe da resistência que tem se organizado à sua volta! Faça críticas, sugestões, torne-se protagonista de nossas lutas! Boa leitura!

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Jornal Germinal, setembro de 2014 || Edição especial EBSERH, n. 03. || Criminalização dos/as que lutam e nossas respostas || http://www.jornalgerminal.wordpress.com

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Page 1: Jornal Germinal - Especial EBSERH n. 03 - Criminalização dos/as que lutam e nossa resposta

Nesta edição do Jornal Germinal, especial sobre a repressão da Reitoria da UFPR e as perspectivas do movimento, há dois recortes. O primeiro é o de lições de nossa luta local contra a privatização do Hospital de Clínicas, os movimentos de repressão da Reitoria da UFPR e os nossos aprendizados, enquanto parte com lado na defesa da saúde e educação. A seguir, problematizamos algumas perspectivas deste segundo semestre, em especial no movimento estudantil.

Trata-se de nosso terceiro esforço de sistematização, enquanto núcleo Curitiba do Jornal Germinal, a respeito da luta contra a EBSERH no Paraná. Convidamos também a ler nossas edições anteriores, disponíveis em nossas banquinhas no Restaurante Universitário e no nosso site (www.jornalgerminal.wordpress.com), bem como a conhecer e participar de nossas lutas, nucleando-se e participando das reuniões. Entenda e participe da resistência que tem se organizado à sua volta! Faça críticas, sugestões, torne-se protagonista de nossas lutas!

Boa leitura!

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No ano passado, as “Jornadas de junho” tiveram destaque em centenas de cidades no Brasil. Explodiram o descontentamento de milhões de pessoas com sua situação de trabalho, saúde, educação e transporte. Foi a gota d'água com um sistema que não dá condições de vida dignas e, igualmente, não comove esperança na mobilização política por meio das burocracias tradicionais de organizações, partidos e sindicatos.

Restaram poucas certezas e indiferenças. As pessoas se tornaram mais abertas para discutir política e para se mobilizarem. A esperança no melhorismo gradual petista se transformou em abertura para criticar este governo e seus aliados, pressioná-lo, fazer avançar conquistas. Os garis do Rio de Janeiro, em pleno carnaval, obtiveram um dos maiores aumentos que sua categoria já teve. Fizeram isso dando visibilidade a uma categoria precarizada, eminentemente negra, há anos dominada por uma burocracia sindical pelega.

A luta avançou, com a radicalização das bases de

trabalhadores/as, e a burguesia deu sua resposta. O maior legado da “Copa das Tropas” foi a repressão que se mantém e fortalece nas cidades-sede dos jogos. Foi a repressão da Copa que demitiu 42 grevistas dos metroviários em São Paulo, todos com estabilidade sindical. Também foi essa repressão que demitiu educadores/as (professoras e funcionárias/os) do estado do RJ, após greve do SEPE-RJ. No Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, ocorreram uma série de prisões arbitrárias de manifestantes, bem como indiciamentos em inquéritos e processos judiciais ainda em curso.

A resposta do governo federal e de seus aliados ao nosso novo momento político é de amedrontamento dos/as que lutam, via repressão e criminalização. Do nosso lado, a palavra de ordem tem sido: ninguém fica pra trás! Em resposta à criminalização dos movimentos, fortaleceremos ainda mais nossa luta e militância, e não depositaremos nenhuma esperança em quem não tem receio de nos tirar empregos e nos colocar na cadeia!

Nota divulgada pela coordenação nacional do MTST, com vitórias garantidas na negociação com o governo federal, após pressão e luta:

“O MTST concluiu hoje [09 de junho] as negociações sobre a pauta que temos defendido nas ruas nos últimos meses. E de forma vitoriosa.

Nossas 3 principais pautas foram atendidas hoje pelo Governo Federal, com participação dos Governos Estadual e Municipal.

1. OCUPAÇÃO COPA DO POVO: Será feito projeto para a construção de cerca de 2 mil moradias no terreno da ocupação para atender a demanda do MTST. O Empreendimento contara com recursos federais do MCMV, com complemento de subsidio do Governo Estadual e Prefeitura de São Paulo. A concretização deste ponto ainda depende da aprovação do Plano Diretor do município.

2. COMISSÃO DE PREVENÇÃO DE DESPEJOS: Será criada pelo Governo Federal uma Comissão interministerial para a prevenção de despejos forçados no país, visando evitar conflitos e violência policial.

3. MUDANÇAS NO MCMV: Medidas, que detalharemos posteriormente, que fortalecem a gestão direta dos empreendimentos e a qualidade e melhor localização das moradias. Além disso, alteração em Portaria, fortalecendo o atendimento de famílias com ônus excessivo de aluguel pelo Programa.

O Governo Federal se comprometeu em anunciar ainda hoje por meio de Declaração pública e Nota à Imprensa os compromissos firmados com o MTST.

Entendemos que esta grande vitoria foi resultado da mobilização forte e intensa do Movimento nos últimos meses, de nossa aposta no Poder Popular. Além disso, as conquistas alcançadas não trarão benefício somente para as milhares de famílias organizadas pelo MTST, mas também para as milhões que sofrem com o problema da moradia no Brasil.

Um passo na luta por uma Reforma Urbana Popular. O MTST permanecerá mobilizado e ativo, como esteve nos 17 anos de sua existência. Nos prepararemos para as novas batalhas, a começar pela votação final do Plano Diretor de São Paulo nos próximos dias.

A luta é pra valer!”

Fonte: Coordenação Nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

O extermínio do povo negro é um dado da realidade no Brasil. A criminalização dos que lutam, que voltou a avançar este ano, não é mais do que um avanço das polícias também contra trabalhadores sindicalizados e movimentos sociais. Trata-se de uma expansão do aparato repressor do Estado, por motivos diferentes, mas sem significar uma modificação no seu caráter de classe, repressor de “perigos”. Seguem os dados de extermínio do povo negro:

- Morrem 153,4% mais negros do que brancos por homicídios no Brasil. Os números do estudo Homicídios e Juventude no Brasil, do Mapa da Violência 2013, mostram a brutal desigualdade na violência no País. Com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, aponta que 71,4% das 49,3 mil vítimas de homicídios em 2011 eram negras – o que corresponde a 35,2 mil assassinatos.

- A cada homicídio de um não negro (brancos, indígenas e indivíduos de cor/raça amarela, de acordo com a classificação do IBGE), 2,4 negros são assassinados no Brasil. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e fazem parte de um estudo, publicado nesta semana, sobre os efeitos do racismo no país.

- De acordo com informações do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/MS) e do IBGE, apresentadas pelo Ipea, enquanto a taxa de assassinatos de negros no Brasil é de 36 mortes por 100 mil negros, entre não negros, esta taxa é de 15,2.

Fonte: Coordenação Nacional do MTST (Movimento dos

Trabalhadores Sem Teto).

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Em 2014, completamos 50 anos de distância temporal da ditadura civil-militar. Essa “distância” foi marcada pela volta da ocorrência, re i terada, de pr isões arbitrárias de manifestantes e demissões de grevistas, mesmo com estabilidade sindical. Na UFPR, acontecimentos graves também foram marcantes. Nossa Reitoria voltou a perseguir grevistas, cortar negociações com manifestantes, bem como utilizar da polícia e da distorção contra quem discordou do arcaico Conselho Universitário (COUN).

O dia 28 de agosto ficou marcado em nossa na história. Vivenciamos o processo de maior repressão em nossa Universidade desde 1968, quando Suplicy Lacerda, então Reitor, mandou a polícia para cima de estudantes que protestavam contra a instituição de cursos pagos na UFPR. Suplicy, ainda este ano, possuía uma homenagem em forma de busto de bronze no pátio da Reitoria. Em manifestação, o busto foi arrancado, simbolizando a

importância de não “homenagearmos” nossos inimigos. No entanto, nosso Reitor atual, Zaki Akel, não entendeu o sentido da manifestação. Pelo contrário, reclamou que

tenha sido arrancado o busto, como “dano ao patrimônio” da UFPR. Decerto, já se prevê que eventual busto seu, no futuro, terá o mesmo destino…

Na quinta, buscamos ter voz e fazer valer as decisões da comunidade universitária em assembleias da comunidade. Para tanto, impedimos a realização de COUN ilegítimo.

Nosso pedido era simples: um plebiscito sobre a decisão, para que todos/as pudessem opinar. Fizemos nossa reivindicação com tudo que temos: nossos corpos e vozes, nossos braços unidos em corrente, nossa organização coletiva, nossos anseios sinceros de defesa da educação e saúde públicas.

O Reitor fez sua escolha: entre a comunidade universitária e as instâncias da ditadura, Zaki Akel escolheu as instâncias da ditadura. Nelas, ele se porta como “Senhor Presidente”, distribui benesses para os diretores que votam com ele, ameaça e constrange as vozes divergentes. Tudo, é claro, em defesa da “democracia” e da “ordem” das “instituições”. Democracia, para nosso Reitor, significa tomar as grandes decisões da Universidade em salas fechadas, cujo

regramento e composição são ditados por normas da ditadura civil militar (regimento e estatuto da UFPR, datados da década de 60).

Mas é ainda mais grave. Nosso Reitor não apenas quer decidir com base no regramento da ditadura: quer estar acima mesmo desses regramentos. Por isso comete ilegalidade sobre ilegalidade, ignora requisitos de convocatória e de quórum, bem como utiliza a polícia militar, também da ditadura, contra manifestantes. Não se trata de um ditador comum, que age no âmbito do “jogo da democracia”. Trata-se de um inimigo de classe; seu método é o da coerção, da violência, do “vale tudo”. Lutar contra ele ensina: a tarefa de derrubar esta classe não é pequena e requer uma luta contínua e crescente.

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Se nosso inimigo é um inimigo de classe, é necessário compreender como se move essa classe na sua dominação histórica contra trabalhadores/as. Não se trata de uma tarefa teórica. A compreensão dos mecanismos de dominação tem um ob je t i vo m i l i t an te : com base no conhecimento das formas de ataque que sofremos, conseguimos planejar a resistência, contra-atacar, não ser apenas vítimas no cenário político, mas sobretudo agentes de denúncia, organização e transformação.

Historicamente, as principais formas pelas quais a classe dominante age politicamente são por meio da ideologia e da repressão. Ideologicamente, age de forma negativa e positiva: por um lado, distorce fatos, mente, engana, ilude; por outro lado, incentiva valores individualistas e perspectivas divisionistas, isto é, molda visões de mundo e perspectivas “possíveis”, sempre de forma a atrapalhar nosso reconhecimento entre iguais. Quando, apesar da ideologia e contra ela, nos reconhecemos entre iguais e disputamos consciências e política, resta à classe dominante nos reprimir e tentar nos devolver à inércia cotidiana. O objetivo é nos dar exemplos: “joguem nas regras do jogo e para perder, senão…”.

Zaki Akel nos deu uma aula prática sobre mecanismos de dominação. Pela “ideologia negativa”, mentiu, distorceu e iludiu a c o m u n i d a d e u n i v e r s i t á r i a s o b r e f inanciamentos nunca confirmados, supostos avanços no contrato de gestão com a EBSERH, estabilidade de trabalhadores da FUNPAR etc. Pela “ideologia positiva”, afirmou que não havia outro caminho

possível, brincou de dividir trabalhadores/as da FUNPAR, colocando uns contra outros, e incentivou a visão de que a resposta legítima deveria ser dada pela “instituição”, via COUN, e não pela base da comunidade universitária, por meio de debates abertos ou plebiscito.

Nada disso nos enganou ou iludiu. Zaki, então, não hesitou em nos reprimir fortemente, com policiais militares, federais e também com seguranças privados. Agora, após a repressão, novamente utiliza-se da ideologia, para difundir que fez “o possível” ou “o necessário”. Seu esforço é de legitimar suas ações, para tentar nos fazer acreditar que devemos voltar a nos dividir, nos mais diversos imaginários separados: a divisão em cursos, em áreas,

em campi, em categorias. Primeiro ideologia, depois repressão, depois novamente ideologia. E a ingenuidade de alguns ainda permite pensar que é “natural” que nos entendamos como “minoria”, que es te jamos separados e não nos reconheçamos entre os/as que lutam.

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O que significa perder uma luta dessa dimensão? O que significa a privatização do terceiro maior Hospital Universitário do país e maior Hospital público do Paraná? O que significa entregar mais de mil funcionários, um enorme complexo patrimonial de prédios e equipamentos e um orçamento anual de R$ 200 milhões para uma Empresa, cuja gerência se dá em Brasília, sem representação da comunidade universitária e sem nenhum estudante de nenhum lugar do país?

Algumas conclusões saltam aos olhos e não podem ser ignoradas. A primeira delas é a força e o tamanho de nossos inimigos: reitoria, empresários da saúde, governo federal, mídia e polícias, somados, não são facilmente derrotáveis. Uma segunda conclusão é que todos esses atores possuem nomes concretos: Zaki Akel, Dilma Roussef, Partido dos Trabalhadores, P f i z e r , U n i m e d , R P C T V / R e d e Globo/Gazeta do Povo; os interesses são distintos, mas se complementam e se retribuem. Uma terceira conclusão é que, se eles são nossos inimigos, é nossa tarefa concreta buscar derrubá-los: não podemos nos esquivar de fazer a luta da educação e da saúde públicas, confrontá-los nos terrenos em que atuam, demonstrar que

temos lado e não é o deles. Trata-se de não aceitar neutralidade ou “meio-termo”, nem fugir para terrenos “mais fáceis”.

É por isso que lamentamos que alguns militantes ajam como se as lutas sociais fossem mercadorias em um supermercado. Não é uma “questão de escolha individual” lutar contra a EBSERH. É uma questão de responsabilidade com a educação e a saúde públicas, das quais depende a classe trabalhadora cotidianamente. As pessoas e organizações que não priorizam essa luta esquivam-se do terreno político, ou por medo dos inimigos colocados, ou por rabo preso com eles. Esse diagnóstico é duro e às vezes triste, mas necessário.

Vivemos um intenso processo de m e r c a n t i l i z a ç ã o , p r e c a r i z a ç ã o e privatização da educação. As disputas reais que tem ocorrido exigem que a militância não se mova pelas escolhas fáceis, em que não sejam incluídas polarização com governos e empresários. Um exemplo clássico é o das pessoas que escolhem como militância exclusivamente a “pesquisa crítica” ou a “extensão popular”. É mesmo possível atuar na extensão universitária

sem dimensionar que a política de extensão do governo federal é de recursos insuficientes e favorecimento de pequenos centros de excelência em extensão, nas melhores universidades públicas, sem verba nem previsão de necessidade de extensão em privadas (que hoje representam mais de 80% das Instituições de Ensino Superior)? É possível ser coerente e atuar “apenas na extensão”, sem lutar junto ao movimento da educação por mais financiamento e por debates de concepção de educação, extensão e pesquisa?

Dimensionar o tamanho de nossos inimigos não deve servir apenas para sofrimentos individuais a respeito da difícil tarefa que temos. Trata-se, muito pelo contrário, de ganhar maturidade e responsabilidade em nossas lutas. O processo de imposição da EBSERH na UFPR nos mostrou, nitidamente, alguns de nossos principais inimigos. Não esqueceremos seus nomes, nem nos esquivaremos de construir o movimento da educação, em contraposição aos seus projetos privatistas.

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Jornal Germinal (JG): Como podemos localizar o atual momento político, de aumento da repressão, no ano seguinte ao das jornadas de junho?

José Campos Ferreira (JCF): É preciso que os ativistas e as organizações se dediquem a discutir os acontecimentos iniciados em “Junho” de forma séria. Não basta afirmar que junho confirmou análises ou políticas já antes desenvolvidas. Também não basta, e é ainda pior, dizer-se “porta-voz de junho” nas eleições. Junho é o prenúncio de algo grande, um processo em disputa e determinado pelo esgotamento do modelo que, com diferentes matizes, desde Collor reinseriu o país no mercado mundial. Essa forma de participação indica estar esgotada pela baixas taxas de crescimento econômico recorrentes, o recuo da indústria, os problemas quantitativos e qualitativos da infra-estrutura e dos serviços públicos.

Lula teve alguns anos fora dessa curva. Na segunda metade do seu governo, beneficiou-se da demanda internacional por matérias-primas e produtos do agronegócio – em particular alimentada pela China –, de um parque industrial instalado com ampla capacidade ociosa, uma conjunção que respondeu rapidamente à política de crédito. Junto a isso, houve certa redistribuição de renda através de programas sociais compensatórios. Mas desde Collor o país se debate pela necessidade da burguesia de aprofundar as reformas que consolidem e permitam uma maior inserção do país no mercado mundial. Busca-se uma margem um pouco maior que lhes permita continuar fazendo frente à divida pública, ocupar o papel de exportador de matérias primas e atrair novos investimentos. As reformas propostas por FHC (reforma trabalhista, previdenciária, tributaria, sindical) e as privatizações tiveram continuidade com Lula e Dilma, porém numa velocidade e com uma forma pouco satisfatória no julgamento dos que defendem e participam desses interesses.

Junho marca o surgimento de uma geração que atinge a maioridade com o fim desse ciclo iniciado por Collor em termos econômicos e, ao mesmo tempo, o colapso das alternativas políticas geradas no processo de redemocratização. As ruas de junho colocaram o problema, pontuaram os pontos críticos e apresentaram as suas reivindicações em sentido preciso, ainda que pontualmente muitas fossem contraditórias. Pediram saúde e educação, segurança, saneamento, salários, moradia, fim da corrupção. Junto a isso, foram enfeixadas pelo grito uníssono de que “ninguém nos representa”, demonstrando, como dissemos, que faliram estruturalmente os partidos políticos organizados na luta pela redemocratização.

Faliram porque o programa que defendem e as práticas públicas que exercitam estão delimitadas por um programa que reflete a inserção no mercado mundial que referimos; uma inserção submissa e

Trecho de entrevista do Jornal Germinal com José Campos Ferreira (Coletivo Alicerce e Coordenação Nacional da FENASPS – Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social). Originalmente publicada em contribuição do Germinal ao XXXV Encontro Nacional de Estudantes de Direito, realizado em Brasília, julho de 2014.

mesmo assim incompleta. Junho grita que ninguém nos representa e isso significa que está ausente na sociedade brasileira o programa que solucione do ponto de vista das/os exploradas/os as contradições que transformam em pesadelo diário a vida da maioria das pessoas.

JG: Como explicar o atual posicionamento do governo PT enquanto um dos agentes da repressão aos movimentos sociais? É possível afirmar que se trata de um governo em disputa? Em disputa por quem?

JCF: O PT no governo se transformou na principal aposta de gestão dos interesses gerais da burguesia. Isso significa que a maior parte das frações dessa classe acreditam que o PT é o partido que nessa quadra histórica melhor pode garantir estabilidade de forma a permitir o processo de acumulação de capital no país. O PT, desde a primeira derrota de Lula para Collor, buscou se transformar numa alternativa confiável e construiu uma mediação entre os interesses da sua base social e os da burguesia. A Carta ao Povo Brasileiro, em 2002, foi uma espécie de anúncio público de que aceitava em definitivo que essa conciliação, no governo, fosse hierarquizada pela lógica dos interesses do capital. O governo do PT distribui renda com o objetivo de ampliar o consumo e garantir a lucratividade das empresas. A melhoria das condições de vida das pessoas é um efeito colateral. O mesmo ocorre nos programas ligados a educação, saúde, etc.

Passados 12 anos de mandatos petistas no governo federal, dezenas de mandatos em governos estaduais, prefeituras, centenas de vereadores, deputados, senadores é praticamente impossível dizer que esse governo esteja em disputa pelos trabalhadores. Não ẽ um governo que possa ser disputado para tomar medidas de ruptura econômica e social que ponham em risco a institucionalidade. Não é, portanto, um governo que possa ser disputado para garantir as medidas estruturais capazes de responder do ponto de vista dos trabalhadores as demandas levantadas nas ruas em junho. Em 12 anos o país realmente mudou cosmeticamente, não houve nenhuma mudança estrutural e qualitativa.

Mas é um governo em disputa em outro sentido. É um governo em disputa entre as diversas facções da burguesia, que querem utilizá-lo como o instrumento das reformas necessárias à sua lógica. Assim setores da burguesia disputam o PT e o apoiam porque o julgam mais seguro do que o PSDB, por exemplo, para fazer o que julgam necessário. Acham que o PT tem maior capacidade de acalmar as organizações dos movimentos sociais diante de medidas impopulares. Uma coisa é o PT fazer a reforma trabalhista com o apoio ou a apatia das Centrais sindicais, outra coisa é o PSDB que não as controla tomar essa inciativa. Uma coisa é o Ministro da Justiça do PP, PMDB ou PTB

afirmarem que as recentes prisões no Rio são legitimas e legais, outra coisa é um Ministro da Justiça do PT fazer o mesmo. Tem outro peso.

JG: Os protestos demonstram um maior

reconhecimento de classe entre trabalhadores/as no Brasil ou são levantes pontuais? É possível afirmar que os trabalhadores tem conquistado vitórias?

JCF: Junho é uma explosão de setores amplos da sociedade brasileira, ainda que de vanguarda em relação ao conjunto da população. Uma explosão que empalmou um sentimento geral de que havia um hiato abissal entre a propaganda oficial e a realidade das pessoas no dia a dia. Foi uma explosão da juventude, dos trabalhadores, dos estudantes, dos negros, da “classe média” e de todos os setores que de uma forma ou outra sentem e pressentem que se entrou num momento de disputa do que será o país nos próximos anos.

Não foi exatamente um movimento dos trabalhadores com seus métodos de assembleia, greves, piquetes, marchas e passeata a partir das categorias profissionais. Mas foi sim um movimento que partiu também do processo de greves que vinha se ampliando nos anos anteriores e o reforçou, abrindo a possibilidade de vitórias importantes como a dos garis do RJ, da construção civil em vários estados e de muitas categorias. Junho, ao conquistar a redução da tarifa em várias cidades, amplificou a senha: quem luta conquista. E os trabalhadores e os mais diversos movimentos depois de junho intensificaram a atividade e tem sido vitoriosos, o que não exclui o fato de que também vemos derrotas importantes.

A criminalização do movimento, a ação da grande mídia e dos aparelhos controlados pela burguesia são ações preventivas nessa disputa. As medidas autoritárias, as ações desproporcionais das polícias militares em conluio com o Poder Judiciário na repressâo às manifestações, a demissão de professores, trabalhadores do IBGE, dos metroviários de SP, a perseguição aos ativistas apresentados como baderneiros e terroristas são medidas preventivas frente aos primeiros sinais de contestação institucionalidade. Procura-se evitar que das manifestações e lutas em curso surjam nosso programa, as organizações e as pessoas que finalmente possam mais que representar os explorados: liquidar com a própria exploração e a necessidade de os explorados serem representados.

Para ler a íntegra, acesse www.jornalgerminalwordpress.com

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A Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde sistematizou alguns dados relevantes para compreendermos que a luta contra a EBSERH não termina com a adesão à Empresa. Pelo contrário, onde já houve adesão há uma série de denúncias de irregularidades, bem como greves e manifestações.

Principais problemas sistematizados pela Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde:

1) Irregularidades, prejuízos financeiros e insuficientes serviços de saúde aos usuários;

2) Indícios de desperdícios no uso do dinheiro público nas capacitações de gestores da Empresa;

3) Irregularidades nos "concursos" realizados pela EBSERH;

4) Insatisfação dos empregados contratados pela EBSERH explicitada através da deflagração de greves;

5) Desrespeito à autonomia universitária e aos órgãos colegiados de deliberação nos processos de adesão à EBSERH;

6) Judicialização de demandas contra a EBSERH.

Algumas irregularidades nos “concursos” realizados pela EBSERH

- Rio Grande do Norte: 41 denúncias de irregularidades no MPF e suspensão do concurso.

- Ceará: pacote das avaliações com lacre rompido, provas faltando e possíveis avaliações trocadas.

- Maranhão: desorganização e irregularidades, a exemplo do atraso na chegada das provas.

- Alagoas: terceirização de pessoal da área de tecnologia da informação por parte da EBSERH sob justificativa do “aquecimento do mercado e alta demanda por este tipo de profissional”.

Fonte: Relatório Analítico das irregularidades e dos prejuízos à

Sociedade, aos Trabalhadores e ao Erário causados pela Empresa

Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH

Desrespeito à autonomia universitária em outras universidades para adesão à EBSERH:

- UFMA: conselho com maioria de membros em situação irregular e representantes dos departamentos com projetos de ensino, pesquisa e extensão no HUUFMA não foram convocados;

- UFTM: conselho tinha decidido pela realização de discussão e plebiscito, mas foi surpreendido pela decisão monocrática do reitor.

- UFJF: plebiscito rejeitou a adesão à universidade, grandes somas foram cortadas

dos recursos destinados ao HU, coagindo assim a aderir à EBSERH.

- UFCG: o Colegiado Pleno rejeitou a Empresa em reunião no dia 29 de outubro de 2012 e o Reitor decidiu, monocraticamente, em 26 de março de 2014, pela adesão.

- UFMA, UFAL, UFMT, UFES, UFS e UNIVASF: decisões autocráticas, tomadas exclusivamente pelo Reitor.

Judicialização de demandas contra a EBSERH

- Ação civil pública: (a) MPF/DF, pleiteando a nulidade da adesão e do contrato da UnB com a empresa; (b) MPF/SE, solicitando a anulação do contrato da UFS com a Empresa e a suspensão do concurso público anunciado.

- Inquérito Civil Público: (a) MPF/MG, para apurar irregularidades no contrato da UFTM com a EBSERH; (b) MPF/AL, que questiona o ato do Reitor da UFAL na implementação da empresa.

- Ação Popular: UFCG, em que se pleiteia a revogação da adesão monocrática a EBSERH.

Fonte: Relatório Analítico das irregularidades e dos

prejuízos à Sociedade, aos Trabalhadores e ao Erário

causados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares –

EBSERH

Seguiremos em luta e em unidade! Nossa luta não se encerrou na última

quinta-feira, dia 28 de agosto de 2014! Tiros e bombas não nos farão voltar pra casa; não nos farão convencer de que nosso papel na luta de classes é coadjuvante, de comentadores ou observadores dos conflitos que nos movem. Mas não voltaremos pra casa, sobretudo, porque naquela manhã de quinta ajudamos a escrever mais um capítulo nas lutas do movimento da educação. Em outras palavras, a luta contra a privatização do HC/UFPR representa um passo importante na consolidação do compromisso histórico que

estudantes e trabalhadoras/es da educação já firmaram há muito na defesa da educação e saúde públicas e do qual não desistiremos jamais!

Entretanto, ainda que a adesão da UFPR a EBSERH seja questão não decidida em definitivo – visto que o contrato de gestão também deve ser aprovado pelo Conselho de Planejamento e Administração da UFPR e que haverá uma disputa judicial em torno da legalidade do Conselho Universitário do dia 28 –, ou seja, se é cedo demais para a tropa do ZAKI cantar vitória sobre nós, de uma coisa

tem-se absoluta certeza: nós temos uma vitória, a vitória da unidade! Durante os últimos meses resistimos bravamente contra as tentativas da Reitoria em nos fragmentar mais ainda e reduzir nossa força a pó. No entanto, a luta contra a privatização do HC fez renascer na UFPR a necessária unidade na luta, nas ruas e nos movimentos entre estudantes e trabalhadores, entre toda/os a/os lutadora/es que não aceitam a entrega da educação e da saúde públicas. Conseguimos, de modo vitorioso, opor à reitoria uma resistência articulada e coletiva à EBSERH.

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A luta contra a EBSERH, além de estabelecer a unidade na luta como um ponto do qual não retrocederemos, nos indicou também que a Reitoria não trabalha sozinha pelo desmonte da universidade. A tropa do ZAKI contou e conta com uma maioria de representantes e diretores de setor para articular sua política. No enfrentamento contra estes nossos inimigos, não há fórmula mágica. Combater e minar os tentáculos de influência da Reitoria nestes setores passa por fortalecer a atuação dos coletivos de curso, dos diretórios e centros acadêmicos e do DCE, enfim, pelo trabalho de base.

É importante que entendamos que trabalho de base não significa apenas uma busca basista de “adesão máxima” dos estudantes dos nossos cursos. Pelo contrário, na maior parte das vezes somos nós mesmos que somos a “base” que está se trabalhando-educando, ao protagonizar a atuação política em determinado curso. E nos educamos ma l , des i s t imos , lamentamos, fugimos da tarefa de nossa própria auto-educação… É preciso que se diga: de maneira geral, temos dificuldade para reconhecer como iguais nossos colegas que também tem buscado se educar na militância. Não raro, nosso processo de militância é apenas uma crítica narcisista, competitiva e auto-afirmatória de que somos “mais militantes” do que outros militantes, por sermos mais

“esclarecidos”, mais “tarefistas”, mais “coerentes”, entre outros.

Queremos dizer que fazer trabalho de base, estar em centros acadêmicos, coletivos de curso e DCE, é também educar-se como ator político. Organizar-se coletivamente não é fácil. Muitas vezes pensamos que se trata apenas de afirmar uma série de posições, sem possuir uma política unitária de intervenção nos cursos e na universidade. Outras vezes até possuímos uma política unitária, mas não conseguimos fazer com que ela possua corpo na polarização com a direita de nossos cursos.

É preciso ter uma política concreta, que dispute processos reais, polarize com a direita e o governismo, enfrente nossos inimigos. Para tanto precisamos aprender a fazer análise de conjuntura dos cursos, da universidade, da educação; aprender a pensar política que dispute correlação de forças; aprender a tirar a política do papel e torná-la práxis; aprender a dividir tarefas nessa práxis. Quem, mesmo sem ter aprendido grande parte disso, considera-se já um “militante pronto”, cujo maior problema é a “falta de adesão das bases”, precisa se jogar em mais processos de disputas reais, como da EBSERH. Ou todos/as nós disputamos com força máxima e sem erros a base de nossos cursos e o voto de nossos diretores de Setor?

Para quem mantém a humildade de se entender como base e buscar sua auto-educação militante, o segundo semestre está apenas no começo. Enfrentaremos ainda eleições nos mais diversos centros acadêmicos e no DCE, com muita polarização entre esquerda e direita, governismo e antigovernismo. Não existe neutralidade. Educar-se como ator político significa tomar partido ou ser indiferente: não apenas por um ou outro ano, mas por toda a vida. A construção de projetos passa por um compromisso permanente com intervenção e protagonismo nas disputas políticas!

Também neste semestre, teremos mais um Congresso Estudantil na UFPR. É tempo de fazer o balanço das lutas do ano, na educação, no transporte, na saúde, no combate às opressões. Também será o momento de conseguirmos dar unidade e reconhecimento às lutas pontuais de militantes dos mais diversos cursos, buscando garantir saltos qualitativos na nossa formação e intervenção. Se vivemos um ano com processos polít icos importantes, de dimensionamento dos nossos inimigos e da necessidade de reconhecimento entre iguais, não podemos deixar de aproveitar a oportunidade de participar dos debates do Congresso, aprender com companheiros/as de outras áreas e avançar em nossa intervenção e compromisso militante!

Nos dias 08, 09 e 10 de outubro, lugar de militante do movimento estudantil é no Congresso de Estudantes da UFPR!

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