Jornal Impressão 192, Cadernos 1

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Ano 30 • número 192 • Julho de 2013 • Belo Horizonte/MG Façam suas apostas! No ringue da tecnologia, rivalidades opõem usuários e estimulam competição entre fabricantes de celulares e games PÁGINAS 10 a 13 Caderno DO!S - Música caipira, lei do silêncio, Pequeno Príncipe e os dilemas de uma não-reportagem JÉSSICA AMARAL

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Setembro de 2013

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Ano 30 • número 192 • Julho de 2013 • Belo Horizonte/MG

Façam suasapostas!

No ringue da tecnologia, rivalidades opõem usuários e estimulam competição entre fabricantes de celulares e games PÁGINAS 10 a 13

Caderno Do!s - música caipira, lei do silêncio, pequeno príncipe e os dilemas de uma não-reportagem

JéSSICA AMARAL

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primeiras palavras Impressão2 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

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REITORProf. Rivadávia C. D. de Alvarenga Neto

INSTITUTO DE CIÊNCIASSOCIAIS APLICADASProf. Rodrigo Neiva (diretor)Profa. Cynthia Enoque (diretora adjunta)

COORDENAÇÃO DO CURSO DE JORNALISMOProf. João Carvalho

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LAB. DE CONVERGÊNCIA DE MÍDIASEDITORAProfa. Lorena Tárcia

ParceriasLACP – Lab. de Criação PublicitáriaLaboratório de Convergência de MídiasLaboratório de Fotografi a

IMPRESSÃO / TIRAGEMSempre Editora2000 exemplares

eleito o melhor Jornal-laboratório do país na expocom 2009

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O jornal IMPRESSÃO é um projeto de ensino coordenado pelos professores Maurício Guilherme e Leo Cunha, com os alunos do curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo - do UniBH.

Mesmo como projeto do curso de Jorna-lismo, o jornal está aberto a colaborações de alunos e professores de outros cursos do Centro Universitário. Espera-se que os alunos possam exercitar a prática e divul-gar suas produções neste espaço.

Participe do IMPRESSÃO e faça contato com a nossa equipe:

Rua Diamantina, 463Lagoinha – BH/MGCEP: 31.110-320Telefone: (31) 3207-2811Email: [email protected]

Karla Lopes 5º Período

Escrever sobre blogs femininos (matéria na página 15) foi muito fá-cil para mim, principalmente por-que também sou blogueira. Como disse na reportagem, hoje em dia, os blogs deixaram de ser somente um diário na internet e se transfor-maram, para muitas pessoas, em fonte de renda. Esse é o meu caso.

Comecei na “blogosfera” de for-ma despretensiosa. Não sabia que o Hey Cute, meu blog, iria crescer a ponto de se tornar um trabalho. As coisas foram acontecendo aos poucos, o número de visitas au-mentava a cada dia e, com dois anos de blog, comecei minhas pri-meiras parcerias. Hoje, quatro anos

depois, encaro o HC como algo divertido, em que ganho dinheiro exercitando minha criatividade.

Conversa de amiga na internet. É assim que penso o Hey Cute. O blog trata de forma leve, diverti-da e interativa sobre assuntos que, normalmente, a gente conversa entre amigas. A ideia é promover o diálogo e trocar impressões sobre o que engloba o universo femini-no. Sabendo que existem muitos blogs que seguem a mesma linha, faço do HC um espaço que vai mui-to além do look do dia.

Por trás de todos os press-kits, brindes que as empresas enviam para divulgar seus produtos, pre-sentes e eventos, há muito traba-lho e dedicação. Para gerar um conteúdo bacana, é preciso pes-quisa. E isso leva um bom tempo. Além de pensar, é claro, no texto, é necessário reunir imagens que, muitas vezes, são feitas por mim mesma. Além disso, acho que a parte mais difícil de blogar é conse-guir conciliar o HC com a faculdade

e os estágios. No fi nal, sempre dá tudo certo, mas é corrido, viu...

A faculdade me ajudou muito nestes dois últimos anos. Acho que é uma via de mão dupla. O jornalis-mo me fez melhorar o blog, enten-der meu público, o que ele gosta de ler e, é claro, ajudou, e muito, nas construções dos meus textos. Em resposta, o blog abriu muitas portas de estágios para mim. Dois deles, no Portal Uai e na empresa Aassessoria, consegui porque seus responsáveis conheciam o Hey Cute.

Acho que todo mundo deveria ter um blog, ou qualquer outro espaço na internet para divulgar o que sabe fazer. É uma forma de se manter inspirado, compartilhar conteúdo interessante e, se isso render uma grana, melhor ainda. Mais do que nunca, penso que a internet é a mídia do futuro. Se começarmos a usá-la como nossa aliada desde agora, só temos a ga-nhar quando ela, de fato, dominar o mundo.

Talvez esse seja uma das edições mais ecléticas ao longo dos 30 anos do IMPRESSÃO. Ao mesmo tempo em que navegamos nas ondas da tecnologia Android e iOS - que se enfrentam no ringue das preferências - e nos aven-turamos no mundo dos gamers, há uma pausa po-ética e reflexiva para o en-saio fotográfico “Todas as janelas do dia”. Vencedor de concurso do qual par-ticiparam alunos do curso de jornalismo do UniBH, o ensaio teve seu título em-prestado do segundo CD da banda belo-horizontina Cinco Rios.

Janelas são molduras nas quais o emoldurado, seja ele interior ou exterior, é mutável, assim como a moda e as tendências dos blogs “arcoírísticos” do universo feminino, nesta edição nomeados Blogs de Ouro e Blogs de Rímel. Também no universo das cores, destaque para a re-portagem sobre a Parada Gay de Toronto, sob o prisma de quem lá esteve e voltou para nos contar.

Ainda no âmbito es-trangeiro, uma matéria re-corda e homenageia os 70 anos de O Pequeno Príncipe, obra traduzida para 220 idiomas e que atingiu ven-dagem superior a 150 mi-lhões de exemplares. (as pessoas grandes adoram

números!) Nesse ambien-te, no qual o singelo é pro-fundo e, infelizmente, in-visível aos olhos de muitas pessoas grandes, encontra-mos a música caipira, que não é um mero chapéu disforme, mas um elefante dentro da jiboia chamada indústria cultural.

É importante ressaltar que, quando ameaçada, a jiboia expele aquilo que ainda não digeriu. Assim tem sido a vida dos caipiras que digladiam, a ostentar a viola, contra a indústria fo-nográfica do sertanejo uni-versitário: ameaçam para que não sejam engolidos. Dessa maneira, entrevista-mos o violeiro Almir Sa-ter, para assuntar sobre o gênero musical que nasceu

intrínseco à nossa nação, de forma “miscigemônica”, e abarcou características e elementos das culturas que originaram nossa pátria. O que culminou com o “Você já ouviu?”, a respeito de um CD de 2012 que dá continuidade à tradição da música caipira, que muitos acreditavam estar extinta e limitada a regravações.

Acreditava-se também estar extinta a mentalida-de revolucionária dos sau-dosistas do “Diretas Já” e “Fora Collor”, que jamais pensaram que grandes ma-nifestações públicas volta-riam a pautar os meios de comunicação. A página de opinião apresenta os arti-gos “Por que fui às ruas” e “Por que não fui às ruas”,

lembrando aos nostálgicos que “o impossível não é um fato, é uma opinião”.

Portanto, leitor, você tem em mãos um jornal que, parafraseando Mário Sergio Cortella, “não é re-fém da indigência mental e muito menos imperme-ável à capacidade daquilo que está fora da nossa ca-pacidade”.

Assim como a música caipira, o IMPRESSÃO é antigo, mas não é velho, pois estamos calcados na ideologia de que é preci-so aprender, modificar e abrir a cabeça para poder transmitir a sabedoria, pois aquilo que envelhece apodrece; já o que é an-tigo ganha consistência, maturação.

“Inovação é dar vitalidade ao antigo”André Zuliani8° PERÍODOedição: dany Starling

NATANAEL VIEIRA

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Visão críticaImpressão 3Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Por que fui pra ruaMaria Beatriz de Castro3º Período

Eu fui. Na primeira marcha, caí de paraquedas: participava do ato con-tra o Estatuto do Nascituro (que visa a transformar a vítima em criminosa e o estuprador em pai), e iríamos nos juntar ao ato pela redução das passa-gens. O efeito foi contrário: ao invés de somar na luta, fomos engolidos pelo tal gigante, que, com empáfia de dar desgosto, ofuscou nossa causa e se apoderou das ruas sem pedir licença.

Mesmo assim, segui com a marcha que apresentava uma massa hetero-gênea: de um lado, cidadãos que ex-pressavam uma revolta genérica, con-tra a corrupção e a violência (que é a mesma coisa que lutar contra o mal), e, do outro, movimentos que sempre se organizaram em prol da justiça so-cial. Mas a pluralidade foi nociva um tanto quanto: dotados do sentimento antipartidário oriundo da ditadura, pessoas agrediram física e verbalmen-te militantes de partidos que levavam suas bandeiras.

Num movimento que se dizia “do povo”, há de se questionar a cassação de carteirinha dos manifestantes. Fui para casa frustrada e decidida a não mais participar. Porém, a multidão só crescia, e, apesar de ser “muito lindo” ver a classe média enrolada na bandei-ra nacional, era cada vez mais preocu-pante a forma como a direita conser-vadora tomava os protestos. Militantes de causas sociais foram ocupar seu lu-gar nas ruas - e eu fui com eles.

No dia 22 de junho, fui da Pra-ça Sete ao Mineirão, e constatei que outras pautas se formaram: as discor-

dâncias perante as exigências da Fifa, a PEC-37 etc. Dentre as exigências legítimas, também surgiram reclama-ções absurdas, que ignoravam as atri-buições dos Poderes e denunciavam a necessidade de um foco. Em meio à truculência da PM, as ruas foram to-madas por pessoas bradando que “o gigante acordou”, remontando ao lema da Tradição, Família e Propriedade (TFP) à época do golpe de 1964. Ape-sar de ver militantes de movimentos que estavam bem acordados enquanto a classe média dormia, havia pessoas com camisa da seleção sentados no meio da rua e sorrindo para fotos. Afi-nal, que protesto era aquele?

O hino nacional se fez trilha sono-ra de um ato em que as pessoas não decidiam se lutavam pela pátria ou pelo povo. Após essa marcha, decidi não ir às posteriores, uma vez que não me senti representada pelas pautas conservadoras e pela falta de infor-mação, assim como pelo clima de mi-careta (beber cerveja no meio de um protesto?). De uma forma ou de outra, vieram os resultados, mas sinto que foi um tiro no escuro que acertou um alvo aleatório. Como militante, não posso valorar de forma negativa a ocupação das ruas; assim como não acho que uma multidão de pessoas sem enfoque concreto vá mudar algo. Que tal abrir um livro de história antes de rechaçar movimentos sociais e protestar contra tudo ao mesmo tempo? É importante que os estudantes queiram participar da vida pública e se inteirar sobre po-lítica. Mas, sem articulação, diálogo e conhecimento de causa, é impossível que a massa tenha êxito. A rua é nos-sa. Vamos ocupá-la e politizá-la!

FERNANDO DUTRA

Por que não fui pra ruadany Starling8º Período

Eu tinha apenas três anos quando o Brasil gritou por eleições diretas. Ti-nha 11 quando os caras-pintadas in-vadiram as ruas exigindo que Collor fosse apeado do poder. Não entendia bem os movimentos que clamavam “Fora FHC!” e “Fora FMI!”. Dessa vez, contudo, nada me impedia de participar dos manifestos que toma-ram conta de Belo Horizonte e do país no último mês de junho. #Vem-prarua, Dany!, cobravam amigos e co-nhecidos. Não, muito obrigado. Prefi-ro capinar um lote.

Não fui e digo o porquê, valendo-me da expressão que está na moda: esses neorrevolucionários não me representam. Em sua maioria, não passam de garotos de classes sociais privilegiadas, mas de conhecimentos parcos, que inspirados pelo pau que comeu em São Paulo no lombo dos membros do Movimento Passe Livre, foram para as ruas protestar. Mas pro-testar contra o que? O que os motiva-va? Quais suas bandeiras?

Alguns movimentos eram, de fato, legítimos. Como clamar contra o au-mento das passagens de ônibus. Ou o levante contra o Estatuto do Nascitu-ro. No mais, o que se via nos cartazes? Fim da PEC-37, Abaixo a Corrupção, Fora Feliciano, Fora Renan, Fora Fifa, Fora Dilma, Fora Qualquer Um. Tudo ao mesmo tempo agora. Co-bravam tudo, eram contra tudo, mas poucos sabiam o que estavam cobran-do. Criou-se a “passeata-micareta”.

O que me incomodou, desde o co-meço dessas passeatas, foi a ausência

de povo. As ruas foram tomadas por meninos que fazem parte do que de pior existe no país: uma classe média ignóbil, enfurecida com os rumos to-mados pelo Brasil nos últimos anos. Que não suporta ver pessoas de me-nor poder aquisitivo comprar carros, ir a shoppings centers, voar para lá e para cá, frequentar bons restaurantes, dançar nas boates da moda, dividir salas de aula em universidades, ter direitos. Mas, ignorantes que são, vão contra tudo que for governo com uma única desculpa – a mais fácil: chega de corrupção! Como se a corrupção fosse uma invenção da última década.

Esse discurso neoudenista me fez temer que o “gigante enfurecido”, guiado pela imprensa golpista que assola o país, acabasse virando ainda mais à direita. Só faltou reviverem a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, de 1964. Ficou perto disso. A sorte é que essa molecada é fogo de palha. O frio os cansou. A maioria já voltou para seus tablets, videogames e baladinhas. Resultado? Até agora, nenhum. Ok, a PEC-37 foi derrubada. Mas será que já consegui-ram descobrir, finalmente, do que ela se trata?

O Brasil tem problemas. O gover-no Dilma Rousseff tem problemas, como tiveram as gestões Lula e FHC. O que o país precisa, contudo, não é de gente bradando a esmo nas ruas. É de pessoas que entendam esses pro-blemas e tenham consciência deles na hora de votar, na hora de cobrar seus candidatos e no apoio a este ou aquele grupo político. Que discutam os pro-blemas e apontem soluções. Aí, sim, serei o primeiro a ir para as ruas.

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tramas esportivas Impressão4 Belo HorIzonte, JUlHo De 2012

onde fracos não têm vezRugby em cadeira de rodas inspira sonho paraolímpico e transforma vida dos praticantes

Fernando dutra Gabriel LopesGabriel MedeirosVânder JúniorWerlison Martins 6º Períodoedição: dany Starling

Em 2016, o Brasil sedia-rá os Jogos Olímpicos e Pa-raolímpicos. Boa parte da população mundial estará envolvida em clima de espor-tividade, competitividade e nacionalismo, sobretudo du-rante os eventos. Embora as atividades paraolímpicas não tenham o mesmo clamor po-pular, são também responsá-veis por disseminar os valores da competição – baseados, como se sabe, na ideia de in-tegração entre nações e seus povos –, de modo a estimular a celebração da paz e o respei-to mútuo entre as pessoas.

Nas últimas edições dos Jogos, o Brasil vem se reve-lando grande potência em esportes voltados aos defi-cientes – mesmo com a notó-ria falta de incentivo e apoio estatal. Na Paraolimpíada de 2012, em Londres, os brasi-leiros trouxeram para casa 43 medalhas. Foram 21 de ouro, 14 de prata e oito de bronze, o que deu ao país a sétima colocação geral na competi-ção. Tais números, aliás, são bem melhores que os obtidos nos jogos “tradicionais”, nos quais o Brasil, com apenas três medalhas de ouro, cinco de prata e nove de bronze, terminou em 22ª lugar.

rugby paraolímpicoModalidade paraolímpica

pouco conhecida é o rúgbi em cadeira de rodas, tam-bém chamado de quad rugby. Inventado em Winnipeg, no Canadá, por volta de 1979, a foi introduzido como es-porte de exibição, nos Jogos Paraolímpicos de Atlanta, em 1996. Até o momento, o Brasil ainda não conseguiu bons resultados na categoria, muito em função da falta de estrutura e de equipamentos para fomento do desporto.

As dificuldades vão além dos altos valores necessários para aquisição de cadeiras de rodas adaptadas ao rúgbi. Para Everton Miranda, 31, e que pratica a modalidade há três anos, o esporte ainda demorará a evoluir. “Infeliz-mente, o crescimento será muito lento, por falta de in-centivo. Não temos estímulo para nada. Outro fator nega-tivo é que praticamente nin-guém conhece o rúgbi”.

Os esportes voltados a deficientes apresentam ca-racterísticas específicas para as modalidades. Na natação, responsável pelo maior nú-mero de medalhas do Brasil em jogos paraolímpicos, a divisão de categorias ocorre segundo as limitações físico--motoras, visuais e mentais. O quad rugby, por sua vez, é esporte voltado a pessoas que apresentam quadro de tetra-plegia, ou seja, limitações motoras em braços e pernas.

Minas Quad rugbyA capital mineira é um

exemplo de como o esporte ainda precisa de apoio para resultar em bons resulta-dos, tanto em nível nacional quanto internacional. Além da falta de informação – mui-tas pessoas nem sabem da sua existência, muito menos de que se trata de modalidade paraolímpica –, quem quiser praticar o rúgbi em cadeira de rodas tem apenas uma opção: o Minas Quad Rugby, único time de Minas Gerais. “Aqui, a gente não está brincando. Temos o compromisso de representar o Estado, pois, hoje, só existe nosso time”, destaca Leonardo Pezzi, 40, atleta da equipe e praticante do esporte há três anos.

Atualmente, a equipe do Minas Quad Rugby – que conta com grupo de jogado-res bastante heterogêneo – treina em espaços do Centro de Referência Esportiva para Pessoa Portadora de Defici-ência (CRE-PPD), em Belo Horizonte. Dentre os partici-pantes, há quem pratique o esporte por hobby, e outros que podem ser considerados verdadeiros atletas, com am-bições no esporte. Que o diga Carlos Eduardo Moreira, 30, com quatro anos de prática no quad rugby. Recentemen-te, ele recebeu convite para atuar pela equipe da Univer-sidade Estadual de Campi-nas (Unicamp), no interior do Estado de São Paulo, com auxílio de bolsa.

Embora o rúgbi em ca-deira de rodas seja um es-porte novo no país, ele tem conquistado cada vez mais adeptos, sempre em busca de ação, como Luan Bruno, 25. “Escolhi o rúgbi por causa da emoção, de adrenalina, garra e força. A competição é óti-ma”. A opinião de Luan é compartilhada pelos demais jogadores, para quem o rugby de cadeirantes pode se reve-lar até mais violento do que o “tradicional”.

Independência“O rúgbi me trouxe auto-

nomia social. É muito bom conviver com todos esses ‘caras’. Não saía de casa e, agora, venho treinar de ôni-bus, mesmo morando em Santa Luzia”. As palavras de Everton demonstram o per-fil humanista e socializante do rugby para cadeirantes. Assim como em qualquer modalidade, seja olímpica ou não, a função primordial da prática esportiva é ser agente de formação, transformação e inserção. A maior parte dos atletas não compete em olimpíadas ou mundiais, mas atua nos times das ruas, dos bairros, dos amigos. Quan-do muito, ganham ajuda de custo. O maior benefício do esporte, inclusive no quad ru-gby, é a inserção social. Trata--se da oportunidade de as pessoas se sentirem parte da sociedade, de contribuírem de alguma forma, de serem aceitos.

DesafioVítor Pereira da Silva, 15,

nasceu com paralisia cerebral e já praticava natação, esgri-ma e bocha quando, há um ano, conheceu o rúgbi para cadeirantes. Desde então, o jovem não perde um treino, nem faz corpo mole. Na ver-dade, ele pega pesado na pre-paração. “Muitas vezes, a gen-te precisa carregar pneu. Em certos dias, termina cedo, em outros, tarde. Fico bem can-sado”, conta.

O caso de Vitor é uma exceção na equipe do Minas Quad Rugby. A grande maio-

ria dos jogadores tornou-se deficiente após acidentes em piscinas rasas ou cachoeiras, e tiveram de superar o trau-ma para dar a volta por cima. Neste sentido, o rugby foi um instrumento importante para a superação. “O pessoal via a cadeira do Carlos Eduardo. Hoje, eles veem o atleta Car-los Eduardo, o homem Car-los Eduardo. Coisas assim só vieram a acrescentar na vida, pelo esporte”.

Treinador do Minas

Quad Rugby, o estudante de educação física e voluntário Gustavo Cruz, 22, destaca que o grande desafio impos-to pelos cadeirantes não diz respeito ao aspecto técnico, mas ao conhecimentos dos limites de cada um: “O limite deles vai até onde quiserem. Se a pessoa acreditar que será capaz, vai executar aqui-lo com todos os problemas que tiver. No esporte parao-límpico, a galera se supera a cada dia”.

Localizado na Avenida Nossa Senhora de Fátima, 2.283, no bairro Carlos Pra-tes, em Belo Horizonte, o Centro de Referência Espor-tiva para Pessoa Portadora de Deficiência “CRE-PPD” tem papel importante na inclusão de portadores de deficiência. Segundo o pro-fessor de Educação Física e psicólogo Marcelo de Melo Mendes, membro do progra-ma Superar, que funciona na unidade, o local atende cerca de 600 pessoas, divididas em três turnos.

O Centro oferece aos alu-nos diversas possibilidades de prática esportiva, como futsal para pessoas com defi-ciência intelectual, auditiva e física (paralisia cerebral); basquete para indivíduos com deficiência intelectual e cadeirantes; bocha parao-límpica, rúgbi em cadeira de rodas, patinação, judô, tênis de mesa, goalball, musculação

(ginástica de salão), natação, hidroginástica e dança (para pessoas com qualquer tipo de deficiência). Os usuários e seus responsáveis contam, também, com atendimento médico e fisioterápico.

Totalmente pensado para pessoas com deficiência, o espaço conta com rampas e elevadores para cadeirantes, além de banheiros adapta-dos. A unidade possui, ain-da, ginásio poliesportivo co-berto, piscinas semiolímpica aquecida e infantil, tatame, vestiários, cozinha e ambula-tório médico.

A unidade do bairro Car-los Prates é responsável pelo atendimento a 600 usuários, nos turnos da manhã, da tar-de e da noite. “Isso aqui seria um núcleo do Superar, mas o programa vai além. Traba-lha com fomentos de esporte para pessoa com deficiência e outras ações, como formação de profissionais”, disse.

Superando os limites

Vitor nasceu com paralisia cerebral e sempre se dedicou aos esportes paraolímpicos

VÂNDER JÚNIOR

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tramas esportivasImpressão 5Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

dentro do alambradoO futebol amador - e suas excêntricas histórias - por um ângulo que você não conhece

Nelson Nunes 5º Períodoedição: dany Starling

Começa mais uma par-tida no terrão. Com seu tra-dicional uniforme amarelo, a equipe da casa, Sampdoria Futebol Clube, já foi esca-lada pelo técnico Jurubeba, apelido que revela o gosto do comandante pela “mar-gada”. No gol, Vôzinho, ser-vente de pedreiro; na lateral direita, Diego (“Oreia Seca”), peão de obra. Na ala esquer-da, Juninho, motoboy que comemorava seu seguro de-semprego; na zaga, Douglas, auxiliar de cozinha – ainda bêbado, reflexo da noitada anterior – e Éder, mais um funcionário da construção civil. Completam o time o jornalista e meio campo Gle-dson, esportista um pouco fora de forma; Dodô, eletri-cista; Maicon, serralheiro e meia direita, e Neuber, ven-dedor e verdadeiro craque do time. No ataque, Guilherme, desempregado, e o veterano José Oliveira.

Naquele domingo de sol e campo vazio, a “família Ju-rubeba” enfrentaria o selecio-nado Pontual Esporte Clube, time que não queria muita conversa com este repórter. De toda forma, importante listar o escrete “pontualen-se”, escalado pelo técnico e primeiro volante Jamanta: na baliza, Dodô; na zaga, Jo-natas e Willian; nas laterais, Tiririca e Henrique; no meio campo, Marques e Fortim, e, no ataque, Dé, Nin e Esquer-

dinha. Depois de os “atletas” espantarem os quatro cavalos que pastavam, calma e inteli-gentemente, na única parte gramada das quatro linhas, começa, com uma hora de atraso, às 10h25, a partida – que acabaria, por volta das 12h, com o resultado de 3 a 3, com gols de Fortim, Dodô e Guilherme, para o Pontual, e 3 de Neuber, para a felicida-de do professor Jurubeba.

Escalados os times e re-latado o placar da partida, o importante é lembrar ao leitor o quão irrelevantes são o resultado e o rendimento dos jogadores. O mais inte-ressante do jogo, na verdade, é a resenha final: na várzea, não existe salário e as chutei-ras não são as ferramentas de trabalho. Por isso, o que vale o esforço – e o suor – de to-dos é a diversão. Trata-se, afi-nal, de 22 trabalhadores que, todo domingo, encontram-se para correr atrás de uma bola – tesouro supremo – e tomar aquela cervejinha ao fim da “jornada”.

Em Minas Gerais, o fute-bol amador se revela bastante fértil. São 400 equipes regis-tradas na Federação Mineira de Futebol, e outras 200 que nem se deram ao luxo de se oficializar. Quanto às arenas, os números também se mos-tram largos: 200 campos de futebol, dos quais 80 se en-contram em perfeitas condi-ções de receber partidas, mui-tas cores e times que primam pela criatividade no momen-to do batismo: Bonfinense, Naja, Cruz Azul, Peladeiros,

Beira de Buteco, Bebedores, Acaiaca, Rio Limpo e, curio-samente, “Rio Sujo”. Wikipé-dia do futebol amador, Leo Cunha – homônimo de um dos coordenadores do IM-PRESSÃO – administra um dos principais sites que falam sobre o esporte no estado, o futebolbh.com.br. Além de acompanhar os principais campeonatos, ele atualiza as tabelas e posta a resenha dos jogos.

Cunha destaca, em pri-meiro lugar, que o futebol amador não tem idade exa-ta. “Em BH, há um clube, chamado Ferroviário, que completou 80 anos em 2012. Segundo informações que tenho, quando esta mesma equipe nasceu, o campeona-to amador já era disputado na cidade. Ou seja, creio que podemos falar em 90 anos de vida”, comenta.

Oficialmente, são 15 tor-neios, alguns realizados sob a batuta da Federação Mineira, outros bancados por empre-sas, além dos não oficiais, organizados pelas agremia-ções. A Copa Itatiaia, criada em 1962 pela emissora de rá-dio que dá nome ao torneio, talvez seja a competição de maior prestigio. Tanto que é considerada a “Copa do Mundo da Várzea”. Nela participam 32 equipes, di-vididas em dois grupos – as chaves Belo Horizonte e Me-tropolitana. O jogo final é transmitido pela televisão, e disputado sempre em um dos grandes palcos do futebol mi-neiro – Mineirão, Indepen-

dência ou Arena do Jacaré. Em 2009, com patrocínio da TV Globo, criou-se o torneio Corujão, outro campeonato de destaque, com partidas re-alizadas à noite.

Alma da várzeaMesmo com tantos cam-

peonatos considerados “im-portantes”, a alma do futebol de várzea está nas disputas entre agremiações de bairro. Bom exemplo é o clássico do Bairro Novo Aarão Reis: a partida entre Cachoeira Futebol Clube e Associação Esportiva Novo Aarão Reis altera completamente a roti-na da favela.

Os fogos são ouvidos do início ao fim do dia, e os co-merciantes mais fanáticos fe-cham suas lojas para assistir ao clássico. Some-se a tudo isso a imperdível resenha nos botecos: quem está mais bem preparado? E quais as apostas sobre o resultado?

Ao final da partida, os es-portistas dos campos de terra comemoram o resultado no famoso Bar do Jorge, reduto dos jogadores do time Cacho-eira, onde os vencedores cele-bram junto aos perdedores. A rivalidade, afinal restringe--se ao campo.

Outra curiosidade é a capacidade de organização das partidas. Muitas equipes não disputam campeonatos, ou preferem ficar na infor-malidade. Para esses times, existe a “Federação”, a forma mais fácil de marcar um jogo. Trata-se de um encontro in-formal realizado às segundas--feiras na Rua de Janeiro, no Centro de Belo Horizonte, entre donos de times, joga-dores e curiosos. Já me per-guntei, por vezes, o que seria aquela aglomeração. Quando descobri, fiquei surpreso e pude constatar a força do fu-tebol de várzea.

Pessoas de sucessoO futebol amador já foi

celeiro de jogadores como Toninho Cerezo, Paulo Isi-doro, Euller e, atualmente, Rodriguinho, atleta do Amé-rica Mineiro. “Boleiros” que saíram dos campos de terra e ganharam o mundo. Atu-almente, o número de reve-lações é bem menor, pois os clubes investem muito nas categorias de base. Projetos sociais também auxiliam os amadores, da formação dos atletas ao atendimento a ga-rotos na ociosidade.

Conheci o Projeto União Celeste, nascido em 1982, por meio de uma reunião de pais e moradores dos bair-ros Ribeiro de Abreu e Bel-monte. Todos ali estavam descontentes com a falta de atividades das crianças e com os altos índices de criminali-dade da região. Muitos garo-tos e garotas começavam a ser recrutados, desde muito novos, para o “caminho do mal”. A iniciativa é finan-ciada pelos pais da garotada, que pagam mensalidade de 25 reais, e comerciantes da região, que doam alimentos, bolas e dinheiro para ajudar nos custos. Como o valor da mensalidade é baixo, o proje-to vive, mesmo, das doações.

O treinador dos jovens é o cabo Álvaro, do Batalhão Rotam, militar que divide seu tempo entre o treino das crianças, a família e a atividade policial. “Nosso objetivo não é formar atle-tas, mas cidadãos. Quando conseguimos dar ocupação a uma criança, é uma pessoas a menos no mundo do cri-me. Já perdi um aluno para a bandidagem. Por isso é que falo dos perigos da droga e da importância de obede-cer aos pais. A principal re-gra é divertir-se de maneira saudável”,destaca.

Gol, o grande momento do futebol, na várzea ou em qualquer lugar

números da várzea

- 400 equipes cadastradas em MG e 200 não registradas

- 200 campos na RMBH, 82 em condições de jogos

- Estima se que o futebol tenha começado, em BH, no ano de 1897, data da inauguração de cidade

- O campo do Prado Mineiro abrigou o 1º Campeonato oficial da Federação, vencido pelo Atlético, em 1915

- No futebol amador, há campeonatos da 1ª, 2ª e 3ª ° di-visões, organizados pela Federação Mineira de Futebol

NELSON NUNES

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Bruna Tavares5º Períodoedição: dany Starling

Era dia 5 de agosto de 2012. De-pois de um pouco mais de 20 dias em Vancouver – período em que explorei os mínimos detalhes da cidade – cur-vava a minha atenção, finalmente, para o que, no Brasil, é parada obri-gatória de todo turista – mas que, no Canadá, parece, tão somente, um componente estético natural: a praia.

Banhada pelas águas geladas do Pacífico, a principal praia de “Vanci-ty”, a English Bay, fica ofuscada e es-quecida em boa parte do ano. Como boa mineira que sou, não poderia perder a oportunidade de curtir um banho de mar sob céu azul limpinho e sol escaldante. Afinal, os dias de extremo calor logo chegariam ao fim.

Combinei, então, com o Hugo Costa, outro intercambista de BH, de encontrarmos em Downtown às 10h, dentro do Pacific Centre, no Tim Hortons, o Starbucks do Canadá.

O trajeto de minha casa ao centro era extenso e eu gastava pouco mais de uma hora. Por isso, resolvi sair às 8h50. Já dentro do ônibus 100 Mar-pole, deparei com pessoas um tanto curiosas, e, devo dizer, foi a primeira vez que sentia tamanho desconforto desde que chegara a Vancouver. Sen-ti-me em um carnaval de cores, numa festa arco-íris, e com a leve impres-são de que todo mundo ia ao mesmo lugar, menos eu. Logo lembrei que tinha visto no jornal, a caminho da escola, que, naquele sábado, seria rea-lizada a Parada do Orgulho Gay.

Passaram-se quarteirões, e ficou impossível não analisar cada cidadão

do ônibus e suas roupas, um tanto engraçadas. “Eu amo lésbicas”, “Sou gay com muito orgulho” e várias men-sagens de simpatia à causa estampa-vam camisetas de quem, assim como eu, ia para a Estação de metrô Ma-rine Drive em direção à Waterfront, no centro.

Para todas as idadesJá dentro do skytrain completamen-

te lotado, me surpreendi por ver tan-tas crianças, pré-adolescentes e idosos também unidos em prol da causa gay. Não precisou nem de cinco minutos para ouvir um brasileiro comentando com outro que não sabia que tinha viajado para uma cidade onde só ti-nha “viado” e simpatizantes. Era níti-do que os únicos deslocados daquele vagão eram os intercambistas, prin-cipalmente os asiáticos, que, com os

olhos esbugalhados, resumiam-se em balbuciar “ooooh’s” e rir sem enten-der muito bem a situação.

Em Waterfront, acabei me encon-trando, sem querer, com Jinkyoung, uma sul-coreana que, mais tarde, se tornaria minha melhor amiga. Ao caminhar em direção à saída da esta-ção, Jin – como gosta de ser chamada - me cutucou, assustada. Não conse-gui entender o porquê de tamanho choque, até que ela apontou para um casal heterossexual abraçado, sendo que o homem apoiava uma das mãos no traseiro da namorada. “Se isso é motivo para tamanho espanto, ima-gina o que Jin está pensando sobre as pessoas que estarão na parada?”, in-daguei. “Na Coreia, é impossível pre-senciar esse tipo de coisa. É grosseiro e desrespeitoso”, retrucou ela.

Ao sair da estação, dava para per-ceber que a cidade estava comple-tamente diferente. O jeito frio dos canadenses ficou de lado, para, no lugar, uma onda de confraternização e alegria tomar conta de cada canto do centro da cidade. Encontrei-me com Hugo no Tim Hortons, tomei o meu French Vanilla com donuts de chocolate, como sempre, e, antes de partir em direção à praia, de longe, avistamos Flávio, outro intercambis-ta de BH, que iria se juntar a nós.

Estávamos na Seymour Street e, dobrando a esquina, entramos na Graville Street para poder pegar o ônibus 6, rumo à Davie Street, rua de frente para a English Bay. Depois de algum tempo, percebemos que os ônibus não estavam funcionando, e que todos deveriam seguir a pé para a praia - e, automaticamente, para a Parada Gay.

A paradaO caminho era longo. Cerca de 10

quarteirões nos separavam do destino final. O fato de não andar de ônibus me possibilitou ter visão diferencia-da do que estava para acontecer. Na rua, casais gays caminhavam de mãos dadas, trocavam beijos calorosos no meio da multidão, sem preocupação e sem temer o que os outros pensariam (até por que, certamente, ninguém se importava, mesmo).

Conversando mentalmente comi-go mesma, logo comecei a pensar em Belo Horizonte e cheguei à conclusão de que nunca tinha visto demonstra-ções de afeto tão à flor da pele entre pessoas do mesmo sexo. “Bem, tal-vez eu tenha visto alguma coisa um pouco parecida na Savassi e na Praça Raul Soares”, completava o risonho Hugo, como se soubesse o que eu es-tava pensando.

Sempre tive amigos gays desde a época em que nem sabia direito o que tal palavra significava. Também conhecia lésbicas, mas, por puro pre-conceito, preferia evitá-las, até que, um dia, fui obrigada a fazer trabalho

eu estava lá... Impressão6 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Um passeio pelasAo visitar a parada do orgulho gay de Vancouver, no Canadá, é possível perceber

Símbolo mundial do Movimento LGBT, arco-íris é destaque no festival

FOTOS: BRUNA TAVARES

Page 7: Jornal Impressão 192, Cadernos 1

eu estava lá...Impressão 7Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

em dupla com uma e isso me ajudou a diminuir meu preconceito. Hoje, considero algo normal, ou pelo me-nos achei que assim pensava. A Para-da Gay em Vancouver, que, por sinal, não era uma parada qualquer, e sim, uma celebração do orgulho gay, foi a prova final para que qualquer traço de preconceito ficasse de lado - e que novos conceitos fossem criados.

Ainda no meio do caminho, na Nelson Street, Flávio apontou o dedo indicador para cima e soltou um so-noro palavrão. A imagem realmente era impressionante. Um outdoor com homens musculosos, sem camisa, em posições provocantes e aos beijos, sal-tava diante de nossos olhos. Tratava--se da propaganda de um bate-papo gay pelo telefone, uma espécie de “ve-nha, você pode acabar conhecendo o seu companheiro”. Mais uma vez, aquele sentimento de constrangimen-to voltou à tona, afinal, a possibilida-de de se ter uma propaganda homos-sexual nas ruas do Brasil é zero.

Já na Davie Street, eu e os meni-nos procurávamos um jeito de tentar atravessar a rua para chegar à praia. Era tarde demais. Carros alegóricos, trios elétricos e milhares de pessoas de sexos e tribos diferentes domina-vam a rua ao som de música alta, se-gurando placas e cartazes, desfilando ao ar livre, com roupas extravagantes ou praticamente despidas. Flávio e Hugo não perderam tempo e come-çaram a fotografar tudo, enquanto eu tentava chegar mais perto.

Finalmente, a praia! Por meio de cartazes e placas, o

público ganhava voz: “Gays or Strai-ght, our kids are great”, “It’s not a choice”, “Love is unconditional”

Após acompanhar policiais, bom-beiros e todos os personagens ca-racterizados desfilando, uma jovem começou a jogar pulseiras e colares roxos, de plástico, em minha direção. O engraçado é que um dos colares foi parar, exatamente, na mão do Hugo, que não pensou duas vezes e me deu o objeto. Decidimos, então, que iría-mos passar no meio do movimento e, realmente, ir à praia.

Dito e feito. Apesar da vergonha, aceleramos o passo e, finalmente, avistamos a areia (um tanto quanto feia e escura, diga-se de passagem) e o mar.

Mesmo sentada na areia, de fren-te à água, foi impossível não pensar no que tinha acabado de presenciar. Meu conceito sobre o que é liberdade tinha caído por terra.

Em Vancouver, as pessoas não são oprimidas e não se oprimem por cau-sa de ninguém. Ninguém se preocupa se você é negro, travesti, pinta o cabe-lo de rosa choque ou é estrangeiro. Faz parte da cultura dos canadenses fazer com que você se sinta bem-vindo do jeito que realmente é. É claro que, também, há pessoas intolerantes. Po-rém, esses poucos indivíduos sabem que esse tipo de pensamento não tem espaço para ser compartilhado den-tro da sociedade em que vivem.

ruas da liberdadeque, em uma sociedade na qual a aparência não importa, ser “diferente” é ser livre

Diversidade e bom humor: marcas da Parada Gay canadense

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ensaio Impressão8 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Todas as janelas do diahIAGO SOARES

JéSSICA AMARAL

JéSSICA AMARAL

Page 9: Jornal Impressão 192, Cadernos 1

ensaioImpressão 9Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Todas as janelas do diahIAGO SOARES

hIAGO SOARES

hIAGO SOARES

JéSSICA AMARAL

JéSSICA AMARAL

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Dossiê Impressão10 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

disputa na palma da mão

Fanáticos pelo iPhone e pelo sistema Android travam duelo entre smartphonesLilia Santos 2º Períododany Starling8º Períodoedição: André Zuliani

Embates tecnológicos são constantes na sociedade mo-derna. Na década de 1980, por exemplo, os consumido-res se indagavam sobre qual era o videocassete ideal, se VHS ou Betamax. A década de 1990 foi marcada pela disputa entre computadores (PC x MAC) e sistemas ope-racionais (Windows, Linux, OS/2, OS X). Os usuários de internet debatem qual o melhor navegador para a rede, se Explorer, Safari, Fire-fox ou Chrome. Até poucos anos atrás, discutia-se quem era melhor, se ICQ ou MSN e, posteriormente, Orkut ou Facebook.

Com a evolução dos celu-lares para smartphones, a bri-ga entre os telefones móveis deixou de se referir apenas à marca. A tecnologia usada nos aparelhos, hoje, é tão ou mais importante que a aparência – ou mesmo a ope-radora de dados a ser contra-tada. Apesar de existirem ou-

tras variedades, a contenda ficou mais acirrada em dois polos distintos: de um lado, o sistema iOS, utilizado pelo iPhone, da Apple. Do outro, a tecnologia Android, siste-ma operacional desenvolvido pela Open Handset Alliance, grupo de empresas lideradas pelo Google, como Dell, HTC, Motorola, Intel, Sam-sung e LG. Afinal de contas, qual é melhor?

Difícil responder. Em ter-mos de software, o Android tem a vantagem de ser mais versátil que o rival, já que permite ser customizado de acordo com as preferências de cada usuário. O iOS segue o padrão Apple, que impede o usuário de se valer de ou-tros aplicativos senão aque-les específicos para a linha. No quesito hardware, no entanto, o iPhone tem larga vantagem. Mesmo operando em dual core (núcleo duplo), superam os rivais, ainda que estes já utilizem a tecnologia quad core (núcleo quádruplo) de processamento.

“Ainda que, numa compa-ração item a item, o Android fique na frente do placar em termos de recursos disponí-

veis, não dá para dizer que um é superior ao outro”, ex-plica o engenheiro de com-putação Fernando Vieira. “O que se percebe é a Apple se aproximando da concorrên-cia. Ela passou a se aproveitar e, até mesmo, a melhorar al-gumas ideias, admitindo que os outros também podem apresentar boas inovações”, completa.

Do ponto de vista tecnoló-gico há ligeira vantagem para o Android, é preciso levar em consideração a importância dada pelos usuários ao esti-lo na hora de comprar seus smartphones. Para muitos, o simples fato de pertencer à Apple já basta para cravar o iPhone como melhor opção. A marca da maçã, fundada por Steve Jobs, Steve Woz-niak e Ronald Wayne em 1976, é referência mundial em tecnologia. O que talvez explique as intermináveis fi-las formadas nos shoppings centers brasileiros, em de-zembro de 2012, por cente-nas de consumidores, ávidos para comprar o iPhone5, a última versão do smartphone da empresa. Autênticos apple-maníacos.

opiniões divergentesTamirys Seno, jornalista

de Bauru (SP), não chega a fazer parte dos seguidores fanáticos de Steve Jobs, mas confessa que não troca seu iPhone por nada. Aliás, esse foi o título do artigo que ela escreveu para seu site, o Garotas Geek, no qual con-ta como se apaixonou pelo aparelho da Apple. Quase um ano após a publicação do texto, ela se mantém convicta quanto à escolha. “Já utilizei WindowsPhone e Android, mas gosto mais da interface do iPhone. Não gosto de te-las grandes demais, como as dos novos aparelhos da Sam-sung, e não acho a interface Android tão intuitiva como o iOS. O iPhone é perfeito para quem quer ter um smar-tphone de alta qualidade e que cabe na palma da mão com facilidade”, avalia.

Acostumada a lidar com comentários e opiniões de pessoas afeitas à tecnologia em seu site, Tamirys vê maior fidelidade entre os usuários do iOS. “Quem tem iPhone segue a linha da Apple de corpo e alma. É impossível ver um consumidor de algum

produto da Apple que não seja apaixonado pelo pro-duto que adquiriu”, julga a jornalista, que não pensa em mudar de lado tão cedo. “Só migraria para Android caso o iOS sofresse uma mudança muito drástica”.

A opinião do estudante de Direito Rodrigo Hirai é um contraponto à visão de Tamirys. Dono de um iPho-ne por quase dois anos, ele migrou para o sistema An-droid. E não se arrepende. Hoje proprietário de um Sa-msung Galaxy S3, o jovem de Presidente Prudente (SP) está satisfeito com a mudança. “Tive contato com o Android por meio de amigos que já usavam o sistema. Quatro meses atrás, mudei de apare-lho e gostei muito”, revela.

De acordo com Rodrigo, a grande vantagem de seu novo celular, em relação ao iPho-ne, é a personificação. “Posso modificá-lo, facilmente, de acordo com meus gostos, ou mesmo conforme as neces-sidades do momento”, afir-ma. Para ele, outra diferença crucial se dá nos aplicativos, baixados gratuitamente por quem tem Android. “Antes, eu tinha que pagar caro pelos apps na loja da Apple. Hoje, encontro tudo de graça no Google, sem gastar um centa-vo sequer”.

Se Rodrigo e Tamirys são cordiais na hora de explicitar suas opiniões e preferências, o mesmo não acontece nos inúmeros fóruns de tecnolo-gia espalhados pela internet e nas redes sociais. Neles, a disputa entre applemaníacos e androidmaníacos é beligeran-te, com constantes trocas de ofensas e agressões verbais. Os donos de iPhone são cha-mados de “fanboys”. Estes, por sua vez, retrucam que só usa Android quem não tem dinheiro para comprar os ce-lulares da Apple – mais caros que os rivais.

Para Tamirys, essa rivali-dade é fomentada pelos pró-prios fabricantes. “Acho que as empresas exploram isso, e muito bem. Esse é o grande diferencial do mercado tecno-lógico: o usuário se identifica tanto com o produto que pas-sa a defendê-lo com unhas e dentes”, pondera a jornalista.

JéSSICA AMARAL

Piquenique tecnológico: evolução dos celulares e tablets desperta polêmicas entre usuários

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DossiêImpressão 11Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Não é só a natureza dos aparelhos – e seu aparato tecnológico – que gera fris-son entre os donos de smar-tphones de última geração. As cases, ou capinhas para celulares, como popularmen-te conhecidas, também fazem sucesso e se tornaram peças disputadas e itens de coleção entre os aficionados.

Feitas de toda espécie de materiais, do alumínio ao plástico, passando por acrí-lico, borracha, couro, neo-prene, silicone e algodão, as capinhas surgiram, em um primeiro momento, como for-ma de proteção aos aparelhos, delicados e sujeitos a quebras ou telas trincadas. Hoje, no entanto, boa parte dos do-nos de smartphones escolhe a case muito mais por ques-tões de estilo e beleza que por mera preocupação em manter seus aparelhos incólumes.

A variedade é imensa. So-mente no site World Cases, que vende capinhas pela in-ternet, são mais de 100 mo-delos diferentes para iPhone. Aliás, nesse quesito, os apa-relhos da Apple têm ampla vantagem com relação aos rivais que operam com o siste-ma Android: a diversidade de capas para os smartphones da maçã é muito maior. O que é fácil de explicar. Como os iPhones são iguais, não exis-te diferença física entre os modelos (salvo na cor, preta ou branca), os donos apelam para as capinhas para diferen-ciar – e destacar – seus “brin-quedinhos”.

Em formatos clássicos, discretos ou espalhafatosos, simulando abridores de gar-rafa, antigas fitas K7 ou com imagens de bichinhos, almo-fadadas, de grifes famosas ou com peças de cristal e strass, as cases podem aparentar, ainda, vidros de esmalte, bar-ras de chocolate ou, até mes-mo, um soco-inglês. Meninos e meninas, homens e mulhe-res, dos mais diferentes esti-los, certamente encontrarão uma – ou mais – capinha que atenda seus gostos.

Mais de uma? Certamen-te. “É muito difícil a pessoa comprar uma só. O normal são duas ou três a cada pedi-do, mas já tive clientes que compraram sete de uma vez”, revela a empresária Thays Cardozo, dona do site World Cases. De Campinas, no inte-rior de São Paulo, ela vende capinhas para todo o Brasil. “Já mandei produtos para o Acre e para cidadezinhas do interior do Nordeste que eu nunca ouvira falar antes. Mas a maioria sai mesmo para Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais”, diz.

Há dois meses com o site no ar, Thays se espantou com a rápida repercussão de seu negócio, principalmente no Facebook. “Em pouco tem-po, a página da loja cresceu assustadoramente, coisa que eu não imaginava. Sabia que havia a demanda, mas não que o resultado viesse de for-ma tão rápida”. Com mais de 7 mil curtidores, a página é a principal fonte de divulgação

dos produtos, o que já rendeu à empresa perto de mil capi-nhas vendidas, com preço mé-dio de R$ 40 cada.

Thays conta que a insis-tência dos clientes para con-seguir determinada capinha é grande. “Não adianta eu dizer que a case está esgotada e que vai demorar a chegar. Algumas pessoas me pergun-tam todos os dias se ela já che-gou, querem a encomenda de qualquer jeito”. A empresária confirma a predominância de applemaníacos entre os com-pradores. “As capinhas para iPhone vendem muito mais. Nem dá pra comparar. Acho até que muitas pessoas com-pram um iPhone somente para ter uma capinha estilo-sa”, julga ela.

A febre das cases é tanta que já existem fabricantes ensinando como os usuários podem produzir suas peças de coleção. É o caso da universi-tária sul-mato-grossense Ra-faela Carretoni. Fã de moda e tecnologia, ela produz capi-nhas de maneira artesanal, usando pedrarias, correntes e miçangas. Diariamente, ela ensina as técnicas para alunas no centro de Campo Grande (MS), em cursos que custam R$ 15 por aula.

Industrializadas ou arte-sanais, simples ou fashion, masculinas ou femininas, não importa. As capinhas, assim como os próprios aparelhos, são alvo de cobiça pelos faná-ticos por smartphones. Resta saber apenas qual será a pró-xima moda.

o fetiche das capinhas

De acordo com sua experiên-cia no Garotas Geek, “o de-sign clássico da Apple e as di-versas opções de aparelhos e personalizações do Android” são os principais argumentos que temperam a briga.

rixa gera risadasO fanatismo dos usuários

é tanto que chega a ser en-graçado. Foi o que pensou o jornalista e humorista Chico Rezende, do Rio de Janeiro. Em seu canal de vídeos de humor no Youtube, ele não perdeu a oportunidade de fazer gozação com pessoas que sempre criticaram os ap-plemaníacos, mas que, após comprar ou ganhar um pro-duto da maçã, engrossaram as fileiras dos adoradores de Steve Jobs. O vídeo “Eu amo a Apple???”, publicado em ju-nho de 2012, possui quase 170 mil visualizações e é um dos mais assistidos do canal.

“A intenção foi mesmo fa-zer uma crítica às pessoas que adoram falar mal dos apple-maníacos, mas quando com-

pram um iPhone ou um iPad acabam se apaixonando”, diz o carioca, dono de um smar-tphone da Apple. “Mas não sou um apaixonado! Pelo me-nos ainda não”, se defende, ao risos. No decorrer do ví-deo, a crítica recai na fascina-ção que os aparelhos causam nos usuários, a ponto de não fazerem mais nada sem eles.

Chico entende que o fana-tismo dos usuários de smar-tphones, independentemente da marca ou modelo, recai na necessidade de fazer parte de algo específico, como se fos-se a sua turma. “Acho que as pessoas precisam estar em al-gum grupo para se sentirem felizes. PC x MAC, Android x iPhone, Nintendo x PS3, tanto faz. Ninguém quer es-tar sozinho e adora criar uma rivalidade para dar mais emo-ção para as coisas”, avalia.

Segundo Tamirys, essas disputas serviram para alte-rar a maneira como os fãs de tecnologia são vistos pela sociedade. “O estereótipo nerd/geek mudou. O que

antes era um perfil excluí-do, hoje se tornou popular. Afinal, quem entende desses assuntos está por dentro das novidades, tem status social. Além disso, esse conhecimen-to é fundamental no campo profissional. A tecnologia integrou a rotina humana e promete atrair mais pessoas”.

A briga entre Android e iOS não encerra um ciclo. A evolução tecnológica das últimas décadas tende a cres-cer ainda mais nos próximos anos. Novos embates virão, dando fruto a novas gera-ções de fanáticos por esse ou aquele produto. Que irão defender seus preferidos com

quaisquer argumentos, por mínimos que sejam. Como no caso dos smartphones, por exemplo. Afinal de con-tas, celular serve, primordial-mente, para fazer ligações telefônicas. Mas isso é o que menos conta para os usuá-rios na hora de escolher seus aparelhos.

Acúmulo de gafes

Contratar celebridades para divulgar marcas e modelos de smartphones nas redes sociais tem se tornado praxe entre as empresas do ramo. O objetivo é mos-trar artistas, cantores e esportistas como autênticos usuários dos aparelhos, seja por meio de elogios ou pelo uso de apli-cativos e ferramentas.

Em alguns casos, contudo, a prática tem gerado sérios constrangimentos para as empresas. No último mês de junho, a humorista Dani Calabresa, integrante do programa CQC, da Band, postou duas mensagens no twitter destacando as qualidades da Samsung. O problema é

que ela usou um iPhone para fazer os co-mentários. Os tuítes foram fl agrados pelo site Mac Magazine e apagados em segui-da, mas a gafe já havia se espalhado.

O erro de Calabresa não é isolado. Pelo contrário, tem acontecido com fre-quência no meio dos famosos. Em abril, o tenista espanhol David Ferrer também usou seu iPhone para elogiar o Galaxy S4, da Samsung. Acidentes parecidos ocorreram com a apresentadora Oprah Winfrey e com a cantora Alicia Keys. Se continuar assim, as empresas irão come-çar a pensar duas vezes antes de repetir a prática.

FOTOS: REPRODUçãO

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Guilherme Pacelli 4º PeríodoJoão Luís Chagas 7º Períodoedição: dany Starling

Há 20 anos, o mundo dos aficionados por games conhe-ceu uma das batalhas mais agressivas da história: Super Nintendo x Mega Drive. Os fãs de cada um dos consoles se envolviam em longas dis-cussões sobre qualidade grá-fica, tecnologia embarcada, preço, enfim, qualquer coisa que pudesse ser usada como argumento para ressaltar as qualidades de seu favorito. O ringue, ou melhor, o lu-gar das discussões, era quase sempre o mesmo: lojinhas e locadoras de games presentes em praticamente todos os bairros das cidades.

Nesse tempo, ter video-game em casa não era algo possível para todos por dois motivos: preço e disponi-bilidade. Por isso, existiam inúmeros estabelecimentos em que se podia pagar para jogar durante um tempo de-terminado. Hoje é possível comprar um console por me-nos de um salário mínimo e ainda parcelar em “suaves” prestações, mas, no inicio dos anos de 1990 a coisa era bem diferente.

O Super Nintendo (SNES) custava, em 1993, Cr$ 25 mil. Nesse período, a inflação registrada no país chegou a assustadores 2.798% ao ano,

e o salário mínimo corres-pondia a um quinto do valor do console. “Lembro que ganhei um Nintendo no meu aniversário de 12 anos. Era uma coisa de outro planeta, poucas crianças podiam ter um videogame em casa. As que tinham, como eu, ge-ralmente ficavam o resto do ano sem ganhar outros pre-sentes”, conta o analista de sistemas Gustavo Passos.

Passado o perrengue para conseguir o dinheiro, os joga-dores ainda tinham a tarefa de encontrar os videogames à venda. Como eram artigos muito caros, havia poucas unidades nas lojas. “No dia, rodei umas cinco ou seis lojas diferentes até encontrar uma única peça, na loja Arapuã do BH Shopping. Encontrar os jogos era duas vezes mais difícil, porque não havia mui-tas unidades de um mesmo título. Muitas vezes, tive que recorrer a uma tia que mora-va nos Estados Unidos para conseguir os cartuchos que desejava”, recorda Gustavo.

Toda essa dificuldade que os gamers enfrentavam expli-ca parte das desavenças entre jogadores do Brasil. Objeto de desejo, uma vez adquirido, o console era defendido com unhas e dentes. Quem tinha um modelo dificilmente ga-nharia ou compraria outro, o que gerava maior afinidade com fabricantes, jogos exclu-sivos e controles.

“Hoje você consegue ter

dois ou mais modelos em casa. Além da economia ter melhorado, o preço dos jogos e dos aparelhos caiu mui-to nos últimos 10 anos. Em 1996, um cartucho para Su-per Nintendo custava entre R$ 70 e R$ 100, o mesmo valor que os jogos para Xbox 360 e Playstation 3 custam hoje”, explica Ricardo Costa, ex-proprietário de uma loja e locadora de games.

Semeando a discórdiaOutro motivo da rivali-

dade entre os consumidores eram os jogos exclusivos, que

cada fabricante desenvolvia apenas para o console que fabricava. A prática foi mui-to usada entre 1983 e o fim dos anos de 1990, quando fo-ram lançados games clássicos como Super Mario Bros, Sonic the Hedgehog, The Legend of Zelda, Metal Gear Solid, Street Fighter, Mortal Kombat, Final Fantasy, dentre outros. Essa prática vem caindo em desu-so desde então. Atualmente, a maioria dos jogos é criada para rodar no maior número possível de videogames.

Para a produção de games exclusivos continuar em alta, as fabricantes cooptavam produtoras independentes. A ideia era ter o maior número de títulos exclusivos possível, numa tentativa de obrigar os consumidores a optar por uma plataforma específica. Esta foi uma prática forte-mente adotada pela Sony, que oferecia grandes vantagens econômicas para as empresas produtoras. Um exemplo foi a migração da franquia Final Fantasy, exclusiva da Ninten-do até meados dos anos 1990, para o Playstation.

O desenvolvimento de tí-tulos exclusivos acabou dan-do origem à batalha entre os mascotes da Nintendo e Sega. Mario e Sonic foram as principais figuras de inúme-ras campanhas de marketing em eventos voltados para os jogos eletrônicos. Isso sem falar nos inúmeros produtos licenciados que, até hoje, geram milionárias receitas

para as companhias que os criaram. Os fãs passaram a defender, além da tecnologia, as personagens-símbolos das duas empresas e os jogos nos quais eram protagonistas. A rivalidade só diminuiu a par-tir da metade dos anos 2000, até que, em 2008, o porco--espinho azul e o encanador italiano apareceram juntos, pela primeira vez, no jogo Mario & Sonic at The Olimpic Games.

os fanáticos

A redução na produção dos jogos exclusivos, a facili-dade em poder comprar mais de um console e o investimen-to das grandes companhias do segmento mudou o cená-rio dos games, especialmente em países em desenvolvimen-to como o Brasil. Isso acabou fazendo com o que o perfil dos gamers também mudasse e o fanatismo cego por uma marca praticamente desapare-cesse. Um olhar sensato e crí-tico por parte dos jogadores nasceu, até mesmo pelos que não são fanáticos, mas confes-sam ter preferência por algum console das três grandes fabri-cantes atuais, Sony, Nintendo e Microsoft.

O estudante de computa-ção Anderson Almeida, que já teve um Playstation 1 nos anos 1990, e atualmente pos-sui um Playstation 3, é o que se pode chamar de “Sonysta”. Confessa que sua admiração e preferência pelos produtos

Dossiê Impressão12 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Hadouken nelesDesavenças e disputas marcaram os fanáticos por games nas décadas de

1980 e 1990. hoje, eles se dizem mais moderados. Mas nem tanto

O nintendista Silas Fulan exibe, orgulhoso, seus “brinquedos”

Controle do PS4 agita mundo dos sonystas

GUILhERME PACELLI

FOTOS: REPRODUçãO

Page 13: Jornal Impressão 192, Cadernos 1

e principalmente videogames da Sony, em grande parte, se deve aos jogos exclusivos que eram lançados para os apare-lhos da empresa. Ele conside-ra que o fanatismo dos joga-dores mudou. “Hoje o ‘ismo’ gira em torno dos fãs da Nin-tendo - que seja lá o que a em-presa fizer, vão segui-la cega-mente -, e de adolescentes que não podem comprar mais de um console e protegem com afinco o seu lado”, diz.

O desenvolvedor de jogos digitais e administrador de uma página no Facebook com mais de 10 mil seguidores, in-titulada Nintendistas, Silas Fulan, já teve vários video-games, de diversas marcas. Entre as máquinas que já pos-suiu estão aparelhos da Sega, Sony, e claro, Nintendo. Ele declarou que, desde a primei-ra vez que jogou Super Mario, adquiriu uma paixão incondi-cional pela marca. Contudo, não se considera um fanático cego e acredita que, apesar de ainda existir, essa é uma prá-tica infantil e os adeptos dela só tem a perder. “Infelizmen-te, ainda temos muitos ‘istas’ por ai, que só enxergam o próprio console, e ignoram totalmente as obras da con-corrência, deixando de jogar games muito bons pelo fato de não terem o selo ‘Ninten-do’ em sua caixa.”

Apesar de algumas dis-cordâncias, Anderson e Silas, o sonysta e o ninten-dista, concordam em uma coisa: em épocas de feiras especializadas, como a Ele-tronic Entertaiment Expo (E3) - maior evento de jogos eletrônicos do mundo -, esse comportamente considerado infantil, tende a se aflorar. A

feira, que acontece todos os anos em Los Angeles (EUA), é o evento mais aguardado do ano pelas comunidades de jogadores, por causa dos lançamentos e anúncios de projetos futuros das maiores fabricantes e produtoras.

O sonysta Anderson acre-dita ser normal as brigas entre fãs nessa época, até porque as próprias desenvol-vedoras e fabricantes fazem provocações muitas vezes di-retas umas as outras, o que acaba por inflar sentimentos extremistas entre os jogado-res. Já Silas crê que essa é a época ideal para os fanáticos cegos mostrarem a face. “A época das feiras é o momento em que os “istas” costumam sair de suas cavernas e, na maioria das vezes, deixam de acompanhar a conferência da sua empresa favorita para pescar os defeitos das compa-nhias adversárias do ramo de games. Depois, correm para as redes sociais para divulgar essas falhas e procurar outros istas para discutir”, critica.

A edição 2013 da feira, que aconteceu no mês de ju-nho, fez com que radicalismo se espalhasse novamente, po-tencializado pela web, como ocorre nos últimos anos. Sony e Microsoft apresenta-ram, de forma mais detalha-da, a próxima de geração dos consoles Playstation e Xbox e também continuações de suas franquias de jogos exclu-sivos, como Forza e Killzone. Piadas e sátiras pipocavam na medida em que as novi-dades eram anunciadas. O conteúdo é o mais variado

possível e inclui desde o de-sign dos novos consoles, até as palavras repetidas à exaus-tão pelos executivos das duas empresas.

O canal de humor do Youtube, 5 Alguma Coisa, por exemplo, teve mais de 700 mil visualizações em dois vídeos humorísticos sobre os consoles recém lançados, lis-tando cinco coisas que todos deveriam saber sobre os lan-çamento. Entre elas as múlti-plas funções exibidas durante conferência na E3 e a paixão irracional dos fãs da Sony.

DossiêImpressão 13Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Rivais históricos fi nalmente se encontram no mesmo game

• Sonysta - Fã dos videogames produzidos pela empresa japonesa Sony. (Playstation 1, Playstation 2, Playstation 3, Playstation 4, Playstation Portable, Playstation Vita).

• Nintendista - Fã dos videogames produzidos pela empresa japonesa Nintendo. (Nintendo, Super Ninten-do, Nintendo 64, Game Cube, Wii, Wii U, Nintendo DS, Game Boy e outros).

• nintendo Wii - Videogame de sétima geração lan-çado ofi cialmente em 2006. É o console atualmente produzido pela Nintendo e já vendeu mais de 100 milhões de exemplares.

• Sega - Empresa Japonesa, que até 2001 era uma das grandes fabricantes de videogame. Hoje em dia, pas-sou a produzir jogos para os videogames das antigas concorrentes.

• Super Nintendo (SNES) - Videogame da Nintendo, muito popular no Brasil na década de 90. Foi lançado por aqui em 1993.

• Mega Drive - Videogame da Sega que competiu di-retamente com o Super Nintendo nos anos 90. Lança-do no Brasil, pela TecToy, fez grande sucesso.

• Super Mário - Perso-nagem de videogame

criado pela Nintendo, que desde os anos 80 é o mascote ofi cial e

símbolo da empresa.

• Caixista - Fã dos videogames produ-

zidos pela empresa americana Microsoft.

(Xbox, Xbox 360, Xbox One).

• Sonic - Personagem criado pela Sega no início dos anos 90, para competir diretamente com a popularidade de Mário, o mascote da principal con-corrente da empresa na época.

• Hadouken - “Poder” utilizado pelos per-sonagens Ryu, Ken e Akuma no game de luta Street Fighter, lançado em 1987 pela empresa japonesa Capcom e um dos mais populares da história.

• Playstation - Console produzido pela japonesa Sony e que já vai para sua quarta geração. Revolucionou o mundo dos games por sua qualidade gráfi ca e jogabi-lidade. Em 2004, ganhou sua primeira versão portátil, Playstation Portable (PSP).

• Xbox - Fabricado pela Microsoft, foi lançando em 2001 para competir com o Playstation 2, da Sony. Foi o primeiro game de uma empresa americana desde a retirada do Atari Jaguar, em 1996. • Atari - Primeiro console popular do mundo. Lançado nos Estados Unidos em 1977, suas vendas ganharam força no Brasil a partir de 1983. Alguns dos jogos mais conhecidos do arcade migraram para o Atari, como Pac-Man, Enduro e River Raid.

• E3 - Sigla de Eletronic Entertaiment Expo. É a maior feira especializada em videogames do mundo. Acon-tece anualmente, desde 1995, nos EUA. O evento é considerado o período mais aguardado do ano para os jogadores, pois é nele que as empresas mostram as novidades e futuros lançamentos.

Conceitos e curiosidades

• Super Márionagem de videogame

“Infelizmente, ainda temosmuitospor aí que só enxergam o próprio console e ignoram totalmente as obras da concorrência, deixando de jogar games muito bons”

Silas Fulan

DIVULGAçãO

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minha BH Impressão14 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Blogs de ouroProfissionais de comunicação têm boa oportunidade de ganho em blogs. Mas como fazer?

Jane Fernandes 8º Períodoedição: dany Starling

O trabalho de blogueiro pode ser considerado o ofí-cio da década. Amantes de temas específicos veem nos blogs um espaço para falar so-bre aquilo que amam, como cinema, música, culinária ou moda, ou, ainda, para manter páginas pessoais na internet por pura oportuni-dade. Com a migração da pu-blicidade dos veículos de co-municação tradicionais para a rede e com os avanços do marketing tradicional para o digital, tais profissionais têm reconhecido ser possível unir

o útil ao agradável. E sem sair de casa.

Exemplos internacionais ilustram bem o que ocorre hoje na internet. Blogs como PerezHilton, BoingBoing, Talkingpointsmemo e Pro-blogger chegam a faturar mi-lhões de dólares por ano com publicidade. Criador do Pe-rezHilton, o blogueiro e ator americano Mario Lavandeira conta fofocas sobre as cele-bridades do mundo todo, o que lhe rende cerca de quatro milhões de visitantes por dia.

No Brasil, ainda não exis-te nada que se compare aos valores obtidos com blogs em outros países. O mercado lo-cal, contudo, vem sendo ex-plorado, principalmente, por profissionais do jornalismo. É o caso de Márcio Couti-nho, jornalista especializado em marketing que, em 2008, logo após ter se formado, criou o Blog do Cout, para publicar artigos autorais. En-tre um texto e outro, postava vagas de emprego destinadas à área de comunicação.

Um ano após a estreia, o blog transformou-se em espa-ço exclusivo para publicação de vagas de emprego endere-

çadas a comunicadores. Em 2012, já com três mil visitas diárias, Coutinho viu a pos-sibilidade de rentabilizar seu trabalho. O blogueiro conta que percebeu a oportunida-de no setor de vagas de co-municação em função de os grandes sites de emprego não terem foco no setor, e, ain-da, devido às reclamações de usuários.

A demanda aumentou tanto que, hoje, Coutinho conta com ajuda de um esta-giário remunerado. “Temos cerca de 400 clientes, que pagam para usar o serviço e manter o projeto em movi-mento. Mantemos contato com quase cinco mil empre-

sas no país para captação de oportunidades. Cerca de 200 delas confiam em nosso ser-viço e nos procuram, regu-larmente, para divulgar suas vagas”. A meta do jornalista é ultrapassar 500 clientes e ampliar a atuação do blog na região Sul do país até o final deste ano.

outros ganhosMercado Web Minas

também é um blog voltado a oportunidades de emprego para comunicadores e pro-fissionais de Tecnologia da Informação. Marcelo Sander é o responsável pela criação da página, no ar desde 2008. Jornalista e especialista em marketing político, o profis-sional mineiro conta que o número de acessos do blog gira entre 11 mil e 17 mil visi-tas ao mês.

Apesar de o blog ser re-conhecido por profissionais de comunicação de todo o estado, Sander afirma ainda não ganhar dinheiro com ele: “De vez em quando, cai um troco aqui, outro ali, e apa-rece um ou outro banner ou alguns dólares anuais de Ad-Sense [remunerador de pu-

blicidade da Google]. Não se trata de nada, porém, que eu possa dizer que dê dinheiro. Ganhar remuneração, para mim, é poder viver só disso. Mas são poucos no Brasil que conseguem viver assim. Aqui em Minas, não conhe-ço ninguém que viva só de blogs. Talvez a Cris Guerra [blogueira de moda]”.

Sander considera que o maior ganho obtido com o blog relaciona-se à própria profissão. “Estou sempre por dentro do mercado e me atu-alizo constantemente. Fico sabendo de vagas antes de todo mundo. Faço ótimos contatos, parcerias, ‘freelas’. Participo de eventos, cursos

etc. Enfim, não há dinheiro no mundo que pague o co-nhecimento e o networking que faço”, salienta.

Viciada em séries de TV, a jornalista Laís Menini é res-ponsável, dentre outros, pelo blog Serieterapia.com, o que ela mantém mais atualizado. A página foi criada em 2011, porque queria “desabafar” com os amigos sobre os mais de 40 seriados de TV a que ela assistia. Em abril de 2013, o blog obteve mais de 9 mil acessos. Até o momento, so-mam-se mais de 21 mil visitas na página.

Laís ainda não ganha di-

nheiro com o blog, tendo em vista que, somente em abril, ela resolveu “monetizar” a página. “Percebi que podia ganhar uma grana quando comecei a trabalhar como redatora web freelancer. Eu era paga para escrever textos para outros blogs e comecei a entender que aquilo ali dava algum dinheiro. Afinal, já que estavam me pagando...”.

Mesmo que ainda não renda lucros, o blog foi res-ponsável por importante ganho na vida de Laís, que recebeu convite para assumir o cargo de coordenadora de conteúdo na agência 5Seleto, onde trabalha atualmente. A jornalista conta que um dos

líderes da empresa acompa-nhava seu blog e, segundo ela, apreciava muito os arti-gos postados.

Fábrica de blogsMarcelo Sander e Laís

Menini são exemplos dife-rentes, porém ilustrativos, de perfis de blogueiros com certo grau de sucesso. Assim como Sander, ver oportuni-dades em temas pouco explo-rados pode ser a chave para a notoriedade. Ou, no caso de Laís, a paixão por deter-minado assunto torna-se a resposta encorajadora para que a pessoa se aventure pela

internet, escrevendo artigos em blogs.

Sander lembra que os amigos sempre cobraram um blog dele, mas o jornalista não sabia sobre o que falar: “Como vinha de experiência em agências e sentia falta de um ambiente único para co-mentar sobre esse universo, pesquisei na internet e vi que não havia nada parecido. Es-perei sair de agências e traba-lhar do outro lado do balcão para ter mais independência editorial e conseguir credibi-lidade”, explica.

FormaçãoAssim como os profissio-

nais citados nesta reporta-gem, diversos outros jornalis-tas buscam aprimoramento, no que diz respeito, princi-palmente, à linguagem da in-ternet. Neste cenário, a espe-cialização em marketing pode ser uma saída, já que as asses-sorias de imprensa e agências revelam-se, por natureza, os locais onde, hoje, a maior parte dos jornalistas gradua-dos consegue emprego.

Para a professora Lorena Tárcia, do Centro Univer-sitário de Belo Horizonte (UniBH), não seria função

das faculdades de jornalis-mo formar indivíduos espe-cializados em apenas uma mídia, como a internet. “A digitalização está inserida em praticamente todas as disci-plinas. Não faz muito sentido diferenciá-las. Rádio, TV, im-presso e fotografia incluem a digitalização nos processos de captação, edição e difusão. Talvez o maior desafio seja conectar este aprendizado por meio da convergência”.

Lorena acredita que, no UniBH, tal ensinamento es-teja sendo proporcionado por meio do Trabalho Interdisci-plinar de Graduação (TIG).

REPRODUçãO

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minha BHImpressão 15Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Blogs de rímelAntes diários íntimos, blogs femininos revelam-se poderosos e influentes

Karla Lopes 5º Períodoedição: dany Starling

Definitivamente, ele não é uma ferramenta desconhe-cida. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o blog era usado pela maioria dos adolescentes, que deseja-vam um espaço para postar textos sobre seu dia a dia. Na verdade, tratava-se da possibi-lidade de manter um diário na internet. Ainda que sejam utilizados neste formato, os blogs, hoje, transformaram-se num meio influente. As me-ninas que neles desabafavam cresceram e, agora, mostram que “blogar” também pode significar “ter uma profissão”.

As páginas específicas de moda e beleza ganharam es-paço gigantesco na internet e se tornaram uma espécie de guia. “Esses sites dedicados a mulheres mudaram a minha vida”, diz Luciana Guedes que, de leitora, passou a blo-gueira. O Devaneios de uma Camaleoa (www.devaneiosdeu-macamaleoa.com) nasceu de seu amor por blogs femini-nos. “Todos estes ambientes virtuais nos ajudam, e com todo tipo de informação. Ne-

les, aprendi muita coisa de maquiagem, cozinha, decora-ção. Nessas páginas, há tudo que uma mulher precisa”.

O sucesso dos blogs fe-mininos deve-se, por vezes, ao fato de as páginas serem atualizadas por mulheres co-muns, e não celebridades de TV ou modelos. Outro moti-vo é a diversidade de bloguei-ras existentes e que atendem a um público igualmente diversificado. Hoje, há blogs para todas: brancas, negras, altas, baixas, magras... En-fim, o leque é gigante e – ain-da bem! – não estereotipado.

Autora do blog Dona Onça (www.blogdonaonca.com), Ca-rol Alcântara festejas as mais de 150 mil visitas mensais em sua página. Segundo ela, com o passar do tempo, es-ses sites conquistaram papel importante na tomada de de-cisão de compras. “As mulhe-res estão sempre ligadas na internet e pesquisam bastan-te em blogs antes de comprar alguma coisa, pois apresen-tam opiniões abrangentes, as famosas resenhas, a respeito de determinado produto”, explica.

Para Carol, os blogs fun-cionam como uma conversa

entre amigas, em que uma pessoa igual a você opina, ajuda e compartilha experi-ências próprias sobre artigos femininos. “Há bastante tro-ca. A blogueira discute deter-minado assunto, a leitora co-menta, vem outra e também participa. Com isso, cria-se um diálogo rico em informa-ção”, afirma. Outro papel im-portante dos blogs é inspirar as leitoras, ajudando tanto na escolha de um visual para o trabalho quanto nas deci-sões, digamos, mais pessoais.

Muitas vezes, os espaços também estão aliados à au-toestima: “Passei a me arru-mar muito mais depois que comecei a ler sobre beleza na internet”, conta a estudante Caroline Santana, que acom-panha mais de trinta blogs nacionais e internacionais. “Com os blogs, posso me inspirar e aprender com me-ninas que são iguais a mim, que trabalham, estudam, têm espinhas e nem sempre estão com o cabelo impecá-vel”, comemora.

Fonte de rendaCom a crescente rele-

vância dos blogs femininos, empresas e agências de publi-

cidade que trabalham com o mesmo segmento perceberam a oportunidade de anunciar suas marcas e produtos. “Por ter um público específico, é mais fácil de o anúncio atingir seu objetivo”, explica Victoria Siqueira, que, além de blo-gueira, trabalha como geren-te de relacionamento digital numa empresa que atende di-versas marcas do segmento. O mercado descobriu que, além de eficaz, anunciar em blogs é mais barato que outras mí-dias, como TVs e revistas.

Apesar da facilidade de atrair anúncios, blogueiras de repercussão já enfrentam pro-blemas com o Conselho Na-cional de Autorregulamen-tação Publicitária (Conar). Alguns posts publicitários feitos por elas – os famosos “publieditoriais” – não foram sinalizados como propagan-da, o que é considerado cri-me e, também, é claro, falta de ética com as leitoras, que confiam na opinião das do-nas dos blogs.

Além das blogueiras, mui-tas marcas ainda não apren-deram como lidar com propa-gandas em blogs. “O primeiro passo é encarar o anúncio como publicidade. Ou seja: é preciso sinalizar. Trata-se de sinal de respeito da marca, e do blogueiro, com os consu-midores e leitores”, alerta Vic-toria. Outro importante pon-to para que as marcas lidem com tal tipo de propaganda é a pesquisa. “Precisamos pa-rar e pensar onde anunciar, levantando pontos como au-diência qualitativa ou quan-titativa, perfil dos leitores e perfil do blogueiro”, comple-ta a profissional. Tomados esses cuidados, a relação das marcas e empresas com blogs só tende a crescer e melhorar. “Neste novo formato, vistos como formadores de opinião, eles chegaram para ficar”.

Camila Gomes, do blog Sim, senhorita (www.srtase-nhorita.com), usa seu espaço na internet como fonte de renda. “Com os posts publi-citários, campanhas e anun-ciantes, acabo ganhando di-nheiro com o blog”, diz. As páginas, geralmente, lucram com banners e posts patroci-nados. Os preços são cobra-dos de acordo com o número de visualizações que tal blog recebe mensalmente.

Quem também lucra com seu espaço na internet é Mar-cela Thiemi, do blog Assim como vocês (www.assimcomovcs.com), que, além de trabalhar com publicidade elaborada por agências, usa o Google como aliado. “Os anúncios da ferramenta Google Adsen-se são ótima opção. O melhor é que ele paga em dólar, de acordo com a quantidade de cliques contabilizados num banner da empresa inserido no blog”, explica.

As internautas contam que nem sempre a blogueira conseguirá ganhar dinhei-ro com sua página. “Muita gente cria um blog achando que vai ficar rico, mas não é sempre assim”, afirma Cami-la. Marcela ressalta a impor-tância de levar o que é feito a sério, para que a página se transforme em renda. “É pre-ciso se dedicar para que você seja enxergada pelas agências, que, assim podem querer fe-char um anúncio e pagar por seu trabalho”, diz.

A criação do blog precisa ser feita naturalmente, sem desespero em conseguir gran-des parcerias logo de início. É necessário ter paciência e não correr atrás das agências implorando por um publie-ditorial. “As empresas não gostam de pedintes. Se você faz um trabalho bem feito, ele será visto e reconhecido”, finaliza Camila.

Blogueiras x Jornalistas

Em grandes eventos de moda, como São Paulo Fashion Week e Fashion Rio, sempre são divulgados textos dizendo que blogueiras e jornalistas não devem frequentar o mesmo espaço. Com o crescimento dos blogs, contudo, seus autores também são bem-vindos nos eventos. “O blogueiro transmite a notícia com o olhar de consumidor, ao contrário do jornalista. As duas atividades são diferentes e cada um já aprendeu o seu lugar. Apesar de ainda existir, essa rixa deve ser deixada de lado”, destaca a jornalista Marcela Colasurdo.

REPRODUçãO

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Um dia com... Impressão16 Belo HorIzonte, JUlHo De 2013

Grito da sobrevivênciaAmbulantes do Centro de Belo horizonte buscam formas dignas de ganhar a vida

Nayara Morais5º PeríodoAnita Andreoni6º Períodoedição: André Zuliani

O dia mal amanheceu e os pri-meiros passos no Centro de Belo Horizonte já vêm acompanhados de trilha sonora familiar a nossos ouvi-dos. Que atire a primeira pedra quem nunca passou pela Praça Sete e se re-voltou com os gritos dos vendedores ambulantes. Não neles! Calma... A vida de um ambulante, com certeza, não é das mais fáceis. E a região cen-tral de BH tem voz própria e muita história para contar.

Em breve caminhada pelas ruas da capital mineira, encontramos a se-xagenária Maria de Jesus, que deixou o trabalho de babá há seis anos para trabalhar na rua, “convocando” as pessoas para tirar fotos 3X4. Segundo Maria, que perdeu o filho de 27 anos e, atualmente, vive sozinha, o ofício é uma forma de escapar da solidão. A quase aposentada pega no batente às seis da matina e, geralmente, para às três da tarde – a não ser nos dias em que atinge a meta diária com rapidez e consegue ir embora mais cedo.

Os gritos dos trabalhadores infor-mais, chamados de “pregões”, nada mais são que os embriões dos slogans e dos jingles publicitários. Para Renato Vilaça, professor do curso de Publi-cidade do UniBH, esses vendedores funcionam como publicitários das próprias mercadorias. “A maioria deles é altamente eficaz e competente, pois imprime uma marca pessoal à propa-

ganda do serviço oferecido”, explica.Ao contrário da maior parte dos

trabalhadores do setor, que tem pou-co tempo no serviço, Rafael de Souza, 50, está há 12 anos chamando pesso-as a frequentar um salão de beleza na rua Carijós. De sua rotina, ressalta o aprendizado maior: “Na rua, você tem que saber viver”, diz, com a típica ma-lícia de quem conhece bem o próprio ofício. Antes de ser “profissional do grito”, Rafael era marceneiro, mas com o desemprego resolveu procurar o ami-go e proprietário do salão onde hoje trabalha. Depois de alguns anos, ele diz já ter se acostumado com a rotina e não tem vontade de fazer outra coisa.

Berro com identidadeSegundo dados do Instituto Bra-

sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a informalidade predomina entre idosos com mais de 60 anos e jovens de 16 a 24 anos. O estudo, de 2012, indica que mais de 70% da po-pulação idosa ocupada, com mais de seis décadas de vida, encontra-se hoje em trabalhos informais. Isso por que pessoas que atingem certa idade são facilmente descartadas do mercado de trabalho, mas, como possuem benefí-cios como pensão ou aposentadoria, a carteira assinada não é um fator que chama a atenção na hora de procurar uma atividade profissional.

Já para os 46% dos jovens ocupa-dos no Brasil, a busca do primeiro emprego, por vezes, vem acompanha-da da falta de experiência, que deles é cobrada no mercado de trabalho. A juventude precisa da remuneração e encontra no trabalho informal a saí-

da mais viável e honesta de conseguir dinheiro no final do mês. Eis o caso de Tainá Oliveira, 17, está no ramo da compra e venda de ouro há dois me-ses. Ela pega serviço às 9 e o deixa às 19h. Logo depois, segue para a escola, onde cursa o 2° ano do ensino médio.

“Não pretendo ficar a vida intei-ra por conta das vendas. Estou aqui porque é uma forma de conseguir di-nheiro fácil e sem cobrança de patrão, como em meu antigo emprego”, con-ta. A garota sonha em ser advogada e pretende dedicar-se aos estudos para que isso se torne realidade. “Na rua, você vive por si mesma. Já tive muita vergonha de trabalhar aqui, mas, ago-ra, me acostumei com os gritos. Eles são nossa identidade”, destaca.

Vendedores ambulantes são consi-derados parte importante das cidades e das economias dos grandes centros urbanos de todo o mundo. Eles distri-buem bens e serviços acessíveis, ofe-recendo aos consumidores opções de varejo convenientes, instantâneas e ba-ratas. Tremendo de frio é que Adriano, 31, nos conta como são difíceis as con-dições de trabalho na rua. “Trabalhar aqui é ruim. Há o clima frio ou quen-te, a chuva... Não temos para onde cor-rer. Chego às 8h e saio às 18h. Ganho 250 por semana e tenho um filho de três anos pra sustentar”, desabafa, com voz gaguejante e braços encolhidos, de quem espanta a friagem.

O trabalho informal chama a aten-ção de quem o procura, pela remune-ração razoável e por não exigir experi-ência e escolaridade de quem está em busca de emprego. “Devido à falta de estudo de muitos de nós, uma das úni-

cas profissões dignas, que dão retorno satisfatório pra gente, é isso aqui. Foi a única forma que encontrei de traba-lhar honestamente”, completa.

Gritos ou sussurros?A ausência de carteira assinada

resulta em vasta desmotivação das pessoas, e em falta de perspectiva de vida. Mesmo com tantos anos pela frente, muitos trabalhadores não que-rem abandonar o que fazem e, sim-plesmente, param no tempo, como se nunca mais conseguissem realizar algo melhor. Foi o que vimos em Val-quíria Silva, 27. Para ela, o lado bom é a convivência com as pessoas na rua. Quando lhe perguntamos sobre algum sonho de vida, porém, ela é bem direta: “Acho que não consigo mais sonhar”, afirma, com o olhar dis-tante, como se quisesse algo que está longe demais para a realidade daquela garota que, desde cedo, precisou en-frentar dificuldades.

Os “profissionais do grito” são bem conhecidos dos moradores da cidade, mas o berro nem sempre é a tática usada por eles para conseguir o clien-te. Creuza dos Santos, de 52 anos, por exemplo, trabalha com fotos, mas pre-fere não gritar. Segundo ela, que está no emprego há seis anos, é melhor cha-mar as pessoas com mais calma, sem grandes alardes. Para Creuza, afinal, o grito, na maioria das vezes, pode afas-tar os fregueses. “Gosto de trabalhar aqui. A gente vê muitas pessoas du-rante todo o dia, além de muita coisa interessante. Tudo se torna distração para a maioria de nós, que podemos compartilhar experiências de vida”.

Fala mansa de Creuza se destaca em meio ao escarcéu dos comerciantes de rua

NAyARA MORAIS