Jornal Memai - Letras e Artes Japonesas

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00 - Curitiba - Agosto de 2009 Distribuição gratuita www.jornalmemai.com.br ISHIN DENSHIN _ CLAUDIO SETO _ SHAKUHACHI _ WILSON BUENO _ GHIBLI

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Primeiro jornal literário no Brasil sobre Cultura Japonesa

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00 - Curitiba - Agosto de 2009

Distribuição gratuitawww.jornalmemai.com.br

ISHIN DENSHIN _ CLAUDIO SETO _ SHAKUHACHI _ WILSON BUENO _ GHIBLI

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00

O que leva um não-nipodescenden-te a buscar aprender um instrumento cujo aprendizado é considerado “complexo” por muita gente no próprio Japão? Eu poderia, perfeitamente, ser um desses casos “estra-nhos”, de indivíduos que resolvem mergu-lhar em um aspecto inusitado de uma cultura alheia e retornar de lá com um cocar na cabe-ça ou como ícone do interculturalismo. Ob-servando o cenário brasileiro, porém, veri' co que, como eu, existem outros fascinados pelo shakuhachi. Não muitos, mas certamente muito apaixonados pela arte. Criaturas como Shen Ribeiro e Matheus Ferreira, mestres de São Paulo, Sérgio Vinícius Monfernatti, excepcional player de Curitiba ou o gaúcho Henrique Elias Sulzbacher, provavelmente o mais entusiasmado tocador de shakuhachi que já conheci. Cada qual devidamente agar-rado à sua * auta, soprando com empenho e sonhando em ganhar mundos de conheci-mento tão amplos quanto o alcance de suas notas. Retorno à egocêntrica questão que alimenta este artigo. Se bem me lembro, mi-nha mais antiga experiência com a * auta de raiz de bambu se deu ainda na infância, ao assistir a série “Cosmos”, de Carl Sagan. Em um dos episódios, no qual o apresentador falava sobre seleção das espécies, ele contou a história dos caranguejos heikegani (平家蟹), da região de Danno Ura (uma porção interior de mar no Japão), cuja carapaça se

assemelha ao rosto de um samurai feroz. Ob-servou que, originalmente, tal con' guração de casca provavelmente era exceção, tornada regra por força de uma crença local que asso-ciava os “caranguejos-samurais” às almas dos guerreiros (os bushi do clã Heike) que ali se mataram por afogamento após uma derrota no dia 24 de abril de 1185. Compartilhan-do a dor – e, certamente, receando despertar a fúria dos combatentes mortos -, os pesca-dores passaram a devolver ao mar todos os espécimes “diferentes”, acabando por moldar e substituir, por um processo de “seleção cul-tural”, a espécie original de carapaça lisa. Se, per se, a história já era das mais interessantes, ' cou ainda mais atraente ao chegar acompanhada pelas notas cavas de um shakuhachi tocado pelo grande mestre Goro Yamaguchi. Não sei, de fato, por que, mas a música - Sokaku-Reibo (巣鶴鈴慕) ou Tsuru-no-Sugomori (鶴の巣籠, na Escola Kinko) – simplesmente hip-notizou aquele guri de dez ou onze anos. Tanto, que ' cou gravada no espírito e acabou redescoberta anos depois, durante uma seção de com-pra de CDs de música étnica na saudosa “801”, loja que Horácio Tomizawa de Bonis mantinha no Setor Histórico de Curitiba. Fato é que, depois desse dia, o tema das cegonhas no ninho e a arte de Goro Yamaguchi passaram a fazer parte de minha “trilha sonora pessoal”. O shakuhachi, porém, não tem ape-nas um apelo sonoro. Visualmente, a * au-ta de sete orifícios construída com bambu madaké encarna tudo o que um ocidental poderia conceber sobre a nobreza e a arcani-dade das culturas do Oriente. Wabi-sabi (侘寂) em estado puro, mesmo para quem se-quer imagina o que isso signi' ca. Foi essa, ao menos, minha percepção pessoal ao ver uma dessas * autas pela primeira vez, em um inusi-tado ambiente de prática de Kung-Fu. O ano era 1985, e a história do shakuhachi chinês apenas ilustra o quanto as coisas podem ser coloridas. A * auta, en' m, pertencia ao mes-tre Lee Chung Deh, herdada de um pai que, durante a Segunda Guerra Mundial, em uma Taiwan invadida, a teria recebido em uma aposta com um o' cial do Exército Imperial Japonês. Uau!, sonhou o garoto, como sonha até hoje o homem ao pensar nos trajetos que ligam as pessoas às coisas na vida. O fato é que Kwai Chang Caine, o célebre monge Shaolin do seriado de tevê Kung-Fu (inspira-dor de nove entre dez praticantes de Kung-Fu dos Anos 70 e 80) tocava * auta entre uma sessão e outra de ' losó' ca pancadaria. Assim,

no ' nal de minhas primeiras aulas de arte marcial chinesa, passei a tentar tocar a * auta, percebendo, de cara (e ' cando instigado por isso), a tremenda di' culdade de emitir sons. Meu contato mais recente com o instrumento aconteceu há coisa de quatro anos, quando conheci minha esposa, Lina Saheki. Em um de nossos primeiros contatos, pela internet – ela morava em Vitória e eu, em Curitiba -, comentei que gostava muito de shakuhachi, e obtive como inesperada res-posta a informação de que ela possuía uma * auta em casa, silente há muito por falta de quem a tocasse. A peça pertencera a Inoma-ta Chüshiroo, seu bisavô materno, e chegara ao Brasil em 1933, na bagagem de imigrante. Lina comentou que, se eu conseguisse tirar algum som, se quisesse tentar e me esforçasse para tanto (santo Yamato Damashii!), a * au-ta seria minha. Alguns dias depois, recebi a peça em casa, a enviei para restauro por um

dos maiores especialistas do mundo – o americano Mon-ty Levenson, um herdeiro da Contracultura que trocou Jimmy Hendrix pelo madake – e, em pouco tempo, eu es-tava a “brigar” pela música com um grupo de músicos e cantores idosos japoneses de Minyo (música folclórica ja-

ponesa) em Curitiba. Hoje, posso dizer que, na companhia de amigos , emito alguns sons distantes da beleza, mas, certamente não des-providos de um santo desejo de melhorar. Ao conhecer tal série de pessoas e circunstâncias – do Kung-Fu à contracultura, passando por imigrantes japoneses, internet, seriados de tevê e guerreiros do Japão pré-feudal -, é possível que você ache essa história fantástica. Fantástica, com efeito, não é mi-nha própria experiência; como ela, evidente-mente, há muitas outras, cada qual com uma con' guração que lhe confere cor e essência. Fantástico é perceber que, em uma aparen-te sucessão de acasos, muitas e boas coisas podem acontecer. O maior de todos os per-formers de shakuhachi, descon' o, ainda está por nascer. Quem sabe ele não está apenas es-perando por um jornal, chegado em momen-to incomum (ou totalmente previsível), para descobrir isso? Notável, en' m, é a vida – com suas múltiplas possibilidades.

Rodrigo Wol! Apolloni é jornalista em Curitiba, praticante de Kung-Fu, doutorando em Sociologia pela UFPR e apaixonado por shakuhachi.

DO KUNG-FU À CONTRACULTURAWabi Sabi: Shakuhachi

A paixão pela * auta de bambu japonesa levou o jornalista a uma viagem que in-cluiu enlatados americanos e ex-adeptos do # ower power até chegar a fazer o vento

dançar.

por Rodrigo Wolff Apolloni

Wabi-Sabi (侘寂)- É a beleza que deriva da imperfeição. Essa imperfeição -expressão da própria natureza - produz originalidade e fornece elementos para uma visão ampliada da realidade.”Yamato Damashii” (大和魂) - Expressão que representa características associadas ao espírito nacional japonês: honra, coragem, bravura, perseverança e valor na adversidade.”- 02 -

A ! auta de sete orifícios construída com bambu madaké encarna tudo o que um ocidental po-deria conceber sobre a nobreza e a arcanidade das culturas do Oriente

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言葉

Kotoba

Por que lançar um jornal de artes e literatura japonesas? Vai longe o tempo em que o Japão era considerado um país de cultura exótica e distante. Hoje é uma civilização vertigi-nosa, capaz de surpreender por seus contrastes. Vertiginosa é a época em que vivemos – de experimentações cientí' cas, alucinações nucleares, fragmentação na comunicação. No redemoinho das sensações de nosso tempo, o Jornal Memai – que na língua japonesa signi' ca exatamente vertigem - pretende divulgar as várias faces de uma cultura em mutação. Memai é a impressão subjetiva diante do novo e da diferença. A cultura japonesa leva o estrangeiro a sofrer uma espécie de encantamento, e simultaneamente, a sentir-se fora de foco, sem saber para que direção olhar, criando a sensação de leve vertigem. Memai convida o leitor a se aproximar da vertigem e descobrir o que está por trás deste redemoinho. Acompanhar as criações estéticas de um povo que, no século 20, dissolveu um sistema econômico medieval e saltou para a era industrial sem abrir mão de uma cultura ancestral. Assim, em lugar do extremo individualismo conserva o sentimento de coletividade e um sentido ritualístico da vida que encanta o Ocidente. Memai não é uma publicação exclusivamente para os descendentes de japoneses, com o objetivo de preservar a cultura. É voltada para os que apreciam a cultura japo-nesa, com o ' m de agregar o gen oriental às três raças tristes da formação do povo brasileiro, segundo o conceito macunaímico. Por isto, o jornal faz questão de trazer em suas páginas poetas, escritores, intelectuais, artistas e jornalistas brasileiros fascinados pelo Extremo Oriente ao lado de nipo-brasileiros e japoneses. Memai traz um substrato conceitual conhecido pelas comunidades nipo-brasileiras - a de que é possível iniciar um movimento cultural reunindo pessoas com a' ni-dade de pensamento e sensibilidade.

Boa Leitura!

“O Sol se Põe em São Paulo”(Companhia das Le-tras, 2007, 168 páginas), de Bernardo de Carvalho, é um bom cruzamento de Brasil-Japão. Ele teve que se aproximar bastante da cultura japonesa, pes-quisar sobre o assunto para situar seus personagens no presente e no passado. O livro tem um enredo bem construído entre o que “é “e o que “parece ser” e o que “pode ser ou não”. Tem algo da delicadeza da alma japonesa.

“Gourmet” (Editora Conrad, 2009, 200 páginas) é uma verdadeira viagem gastronômica apresenta-da ao leitor, que tem a oportunidade de conhecer muito mais da culinária tradicional japonesa, além do sushi, sashimi e yakissoba. O mangá tem um glossário para você entender e saborear melhor as comidas. A história é simples: o personagem é um comerciante que viaja a trabalho por vários distritos de Tóquio e quando a fome aperta a história ' ca mais emocionante. Bom apetite! Quer dizer, boa leitura!

O ESPÍRITO DO IDEOGRAMA LEITURAS

ISSHIN DENSHIN: De coração para coração

por Lina Saheki

No caminho do auto-conhecimento, uma palavra, é – e não é – uma palavra

心伝心Conta a tradição que a origem do zen-budis-mo tem como marco uma transmissão sem palavras conhecida hoje como “o Sermão da Flor”. Nessa história, o Buda histórico, Sidar-ta Gautama, teria se mantido por um longo período em silêncio, apenas contemplando uma * or, diante de um grupo de discípulos atônitos ansiosos pelos seus ensinamentos até que um deles, Mahakashyapa, irrompeu o silêncio com um riso ao compreender o sentido inexprimível da * or e da existência. Correspondendo ao riso, Buda teria dito: Eu possuo o Tesouro do Correto Dharma e a Maravilhosa Mente de Nirva-na (Shobogenzo Nehan Myoshin) e agora o transmito a você.” Traduzido frequentemente como transmissão de coração para coração, trans-missão sem palavras ou transmissão de mente para mente, o termo isshin denshin, tão ama-do pelos próprios japoneses, pode auxilliar a compreender um pouco mais como funciona a visão de mundo no Japão. Nascido na China como pictograma que representava o coração físico e depois simpli' cado para facilitar a escrita, o ideo-grama shin ou kokoro (心) signi' ca, a um só tempo, coração, mente e espírito. Assim, a moderna divisão/oposição que fazemos no Ocidente entre os conceitos de coração e mente – moderna, porque entre os romanos ele também sediava sentimentos, como corda - é superada por esse signi' cante, cuja essên-cia abarca, compreende e ultrapassa qualquer dualidade. Shin não é, portanto, apenas um órgão ou uma sede física, mas um dado ima-terial. Já o símbolo do ichi (一), que signi' ca, literalmente, “um”, é utilizado para represen-tar a unidade. Por sua vez, o ideograma den (伝), que traz os radicais para pessoa e para o número dois, indica um modo de transmis-são, caminho ou tradição. Assim, o conjunto dessas representa-ções busca traduzir um estado de espírito no

qual a compreensão silenciosa do outro torna as palavras supér* uas, convertendo qualquer tentativa de comunicação formal não só em algo desnecessário, mas inútil. No Japão, assim como na China, existe uma preocupação acentuada com a fun-ção das palavras e seus símbolos, bem como com a correta transmissão de sentimentos e sensações. Acredita-se que as palavras devam transmitir não somente mensagens frias, atre-ladas exclusivamente à sua representação for-mal. Mais do que isso, elas também devem transmitir valores que vão além (isso explica a grande preocupação estética presente na es-crita oriental, que deu origem, por exemplo, ao Shodô). Valores que revelam e indicam o signi' cado esotérico da própria palavra, ou seja, aquele que lhe é mais caro e que está vedado a receptores incapazes de percebê-lo. A' nal, como dizem os japoneses: as palavras têm espírito. Tal espírito-coração-mente pode ser apreendido e percebido, em parte, pelo pró-prio estudo dos ideogramas sino-japoneses conhecidos como kanji (ou hanzi na China). O estudo do kanji como caminho dessa apro-ximação revela, por exemplo, que o símbolo de honestidade, verdade, ' delidade - 信 (que também se lê shin) - é composto pela união de dois ideogramas: pessoa, 人 (hito) e falar, 言 (iu).Esse é um único exemplo –capaz, porém, de abarcar completamente os múltiplos níveis de informação e signi' cado presentes na escrita/leitura clássica de países como Japão e China. Uma palavra, en' m, é – e não é – apenas uma palavra.

Lina Saheki é diretora do Centro Cultural Oriental Tomodachi, professora de japonês, especialista em ética e mestre em Direitos Humanos.

Coração (Editora Globo, 2008, 280 páginas. Kokoro no original) de Natsume Soseki, é um livro que valeu muito a pena ler. O título pode até en-ganar, mas a leveza da linguagem parece reforçar o drama contido do personagem. Gostei da narrativa dividida em duas partes: são dois narradores — na primeira parte é um jovem e na segunda, um pro-fessor que narra através de uma carta. Acho que esse é um tipo de livro em que não se deve contar o re-sumo da história.

Equipe: Editora: Marília Kubota - Colaboradores: Célio Yano, Mylle Silva, Rodrigo Apolloni , Lina Saheki, Shigueo Murakami (Capa) Programação visual: Diogo Saito Takeuchi – Apoio: Curso de Letras Japonês da Universidade Federal do Paraná e Associação Paranaense de Ex-Bolsistas Brasil- Japão. Contatos: [email protected] – Correspondências: Av. Jaime Reis, 28 - sobreloja - 8050-010 - São Francisco - Curitiba – PR.

Lúcia Hiratsuka, ilustradora e escritora de livros infanto-juvenis

A! onso Romano de Sant Anna, poeta, ensaísta e pro-fessor universitário, com mais de 40 livros publicados.

Mitie Utrabo, comerciante, uma das proprietarias da Itiban Comic Shop

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00

Wilson Bueno é autor de títulos literários em várias vertentes e gêneros. Sua obra de maior im-pacto é a novela Mar Paraguayo (editora Iluminuras, São Paulo), publicada na Argentina, Chile, México, Cuba, Estados Unidos, e objeto de teses e seminários, por sua inventiva construção ( portunhol e guarani). É também autor de mais 11 livros de ' cção, entre eles “A Copista de Kafka”, ' nalista do Prêmio São Paulo de Literatura e Prêmio APCA de Literatura – Associação Paulista dos Críticos de Arte em 2008. Criador e editor, por oito anos, do premiado jornal Nicolau (1987-1994), considerado um dos mais importantes tablóides culturais brasileiros. É colaborador regular do Trópico (www.uol.com.br/tropico), site de arte e cultura do UOL, e do suplemento “Cultura” do jornal O Estado de São Paulo.

MEMAI - Quando você foi editor do jornal de cultura “Nicolau”, aliás, sua cria, desde o nome, em pelo menos 1/3 das edições estavam pautadas matérias sobre cultura japonesa. Isto se devia a sua paixão pela cultura japonesa ou re# etia uma tendência da época, de cultuar o zen e as artes clássicas japonesas?

WILSON BUENO - Desde cedo a minha paixão pela cultura japonesa foi muito mar-cada e marcante. Não só para mim, mas também para grande parte da geração a que pertenço, herdeira dos beatniks. Nas viagens lisérgicas do meu tempo buscávamos o zen, aquela coisa “essencial” das artes clássicas do Japão. Gostávamos de interpretar o mundo a partir do aparente nonsense dos koans bú-dicos... Era, digamos, a nossa ' loso' a, em oposição ao “catolicismo” feudal do Ociden-te, com tudo o que vinha nele de moralismos congelados, estanques. Eu, em particular, sou um lewiscarrolliano por excelência, um dis-cípulo aplicado igualmente de Edward Lear, hoje aliás tão meticulosamente estudado no Brasil por Dirce Waltrick do Amarante. E não poderia ser de outro modo num jornal que tinha à frente das diversas equipes que por ele passaram, este locutor que vos fala, não é mesmo?

MEMAI – Você teve algum envolvimento com a comunidade nipo-brasileira no interior do Pa-raná, onde nasceu ? Qual a sua primeira ima-gem dos nihonjin (japoneses) ?

BUENO - Os nihonjin, por outras vias, estão presentes desde sempre em minha vida. No sertão profundo, onde nasci, na aldeia Água do Salto, a 50 km de Jaguapitã, plantavam café e algodão. Em Curitiba, para onde vim com 7 anos, estudei com muitos deles – do antigo primário aos igualmente antigos gi-násio e cientí' co. Admirava-os porque eram sobretudo “ordeiros”, me identi' cava com aquela dedicação deles aos estudos. Como era meu vício ser o primeiro aluno da classe, era muito mais fácil para mim estreitar laços de amizade com os meninos japoneses do que com os demais.E depois tinha que, sobretudo em Curitiba, éramos todos migrantes – fos-sem os japoneses ou os “sertanejos” do Norte pioneiro (norte do estado do Paraná), os ' -lhos de polacos ou de ucranianos. Ah, e tam-bém os descendentes dos árabes

A TRANSFIGURAÇÃO DO TANKAFu: Wilson Bueno

O Jornal Memai abre a edição inaugural com Wilson Bueno, autor de “`Peque-no Tratado de Brinquedos” e “Pincel de Kyoto”, dois singelos livros de tanka – a

forma poética japonesa clássica de 31 sílabas, que consagrou poetas japoneses mo-dernos, como Takuboku Ishikawa: Como o grande poeta japonês, Bueno recriou a

forma clássica para seu tempo e lugar por Marilia Kubota

“Nas viagens lisérgicas do meu tempo buscáva-mos o zen, aquela coisa “essencial” das artes clássicas do Japão.”

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MEMAI- O haiku, no Brasil chamado hai-cai, se tornou uma forma poética popular. Você fugiu desta forma, preferindo criar poemas em tankas. Por quê ?

BUENO - Porque sempre me moveu e me move o desejo de fazer diferente, o que até pode sugerir uma coisa pernóstica, mas é que, já repeti isso em várias ocasiões, não sei ser de outro modo. Não manejo, não consigo manejar aquilo que todo mundo, em dado momento, está fazendo. Aí, como conciliar a paixão pelos versos japoneses senão pela via do tanka, embora eu seja autor de dezenas de haicais? E depois tem que me impus um desa' o: o tanka, sabemos, carrega consigo o chamado “olho” do haicai e ainda pede uma “conclusão” em dois versos ' nais. Sempre, claro, na rigorosa métrica que inventamos para ele, para trans' gurá-lo, creio. Uma “ma-temática” que me seduz, – 5/7/5 ( o haicai!) e 7/7 a dita “conclusão”, uma sutil “moral” da história... Como em “Magrura” (Pequeno Tratado de Brinquedos): “minha meia-irmã/ chegou de Piracicaba/ ainda mais magra/ corremos em seu socorro/ de magra voou pro morro”. A métrica, inventada aqui, também é um exercício de humildade – você se vê obri-gado a desprezar o que julga um achado precioso porque este tal de “precioso” o poe-ma só pode acolhê-lo se em rigorosas e calculadas sílabas poéticas. Temos que recusar, jogar literal-mente no lixo o que consideramos grandes “insights”, porque não cabem no metro do poema, você me entende?

MEMAI – Sim, é um exercício de humildade. Falando nos mestres da humildade, no “Pe-queno Tratado...” há referências a Bashô, Issa, Buda. Quais são seus poetas japoneses preferidos ? E os poetas que fazem tanka ?

BUENO - Kobaiashi Issa me parece insupe-rável. Só pra lembrar, de cor, uma autêntica jóia, eterna: “Ao Fuji sobes/ Pequeno caracol/ – Mas sobes”. Acho a nossa Helena Kolody (1912 - 2004 ) , a minha mais decisiva in* u-ência e estímulo para ir ao tanka como quem vai com gula a um pote de mel. A saudosa Helena tem tankas lindíssimos, de uma deli-cadeza que era dela sua maior marca. E, claro, alguns clássicos, só encontráveis infelizmente em inglês, ou espanhol, reunidos numa anto-logia chamada Kojiki e que conta as origens do Japão e que, curiosamente foi escrito em chinês, me ensinaram muito. Aprendi, apren-do e creio que continuarei aprendendo com a leitura dos fragmentos encontráveis por aí desse livro fantástico.

MEMAI - No Japão o haiku é uma forma poé-tica não-subjetiva, que procura eliminar o “eu”, como num exercício zen. O poema clássico não tem rima nem titulo. Quando esta forma poé-tica é trazida para o Ocidente, estas regras são subvertidas: aparecem titulo, rimas e subjetivi-dade. Seria uma adaptação da poesia japonesa no Brasil, um país de tradição trovadoresca?

BUENO - Sem dúvida, a adaptação da po-esia japonesa ao Brasil é justamente o que, me parece, enriquece, ainda mais uma tra-

dição clássica. Os brasileiros somos useiros e vezeiros em reinventar as artes alheias. Veja com o futebol, o rude esporte bretão, o que ' zemos. Virou uma coisa transcendente o que antes era só um esporte tosco. Não digo que o poema clássico, sem rima nem título, como é praticado pelos orientais, seja tosco, pelo contrário. Chamo atenção é para essa capacidade brasileira de trans' gurar as coisas. Há um tanka em Pequeno Tratado de Brin-quedos em que tento focar essa dissolução do “eu”... Chama-se justamente “Anônimo”. Se você me permite, lembro de cor: “eu e a minha mestra/ saímos caçar cepilhos/ só co-lhemos grilo/ tarde voltamos com fome/ jan-tamos os nossos nomes”.

MEMAI - Que tipo de repercussão tiveram seus livros de tankas ?

BUENO - Enorme. Há leitores apaixona-dos que me passam e-mails, absolutamente encantados com os meus tankas. Em Mato Grosso do Sul, alguns formandos, do maravi-

lhoso curso de Letras que tem lá a UFMS, estão realizando teses de mestrado exclusiva-mente em torno dos meus únicos livros de tankas – o Pe-queno Tratado... e Pincel de Kyoto... Justamente descen-dentes de japoneses, o que é interessantíssimo e me honra muito, acredite. E o Pequeno

Tratado... já está em segunda edição, o que é raro para um livro de poesia, no Brasil, ainda mais de tankas, você não acha?

MEMAI - Depois destas boas respostas, você pretende lançar mais algum livro de tankas ? É uma forma poética na qual você compõe com regularidade ?

BUENO - Sempre digo, e repito, que estes serão meus únicos livros de poesia, estrito senso. Sou basicamente um ' ccionista, com inúmeros títulos nessa área. Embora tenha, inéditas, e guardadas a sete chaves, mais duas reuniões de poesia – o “13” ( sonetos eróti-cos, que pretendo sejam póstumos...) e o “35. Poemas de Amor”, barroquíssimos, que sin-ceramente não sei quando publicarei... Cinco desses últimos foram publicados pelo site de arte e cultura do UOL, o Trópico ( www.uol.com.br/tropico ). Tenho também, e inédito, um livro com mais de 50 tankas chamado “Casa do Poeta”. Hesito muito em publicar poesia. Quero crer que sou um ' ccionista, e não mais que isso.

MEMAI – E por falar em 7 cção, que escritores japoneses contemporâneos você lê?

BUENO - Sou apaixonado pela literatura moderna do Japão. Tenho um pequeno en-saio sobre Yasunari Kawabata, um dos meus ícones, e sempre retorno a este autêntico titã das letras contemporâneas que é Yukio Mishima.A prosa japonesa contemporânea é de um vigor extraordinário Quem quiser escrever ' cção, em qualquer língua, tem que conhecer esses e outros autores, penso eu.

Marília Kubota é escritora e jornalista., integrante de seis antologias de poesia e crônicas e autora do livro Selva de Sentidos (2008).

I

casa do poetafolhas brancas no escritório

chá das cinco horasda janela o cinamomo

conta estórias passam os anos

II

casa do poetasilva a serra motriz– uma nova mesa!

panelas, pratos de estanhono retrato, o avô piscando

IV

casa do poetadesenho de passarinho

de Rogério Diastrês deles se escondem álacres

atrás de um bico-de-lacre!

III

casa do poetade vez em quando uma lágrima

chove na vidraçano céu o céu cor de cinza

saudades nunca não passam

V

casa do poetanum canto a teia de aranha

' a ouro ao solo musical meio-dia

réstia de luz no varal

“Acho a nossa Helena Kolody (1912 - 2004) , a minha mais decisiva in! uência e estímulo para ir ao tanka como quem vai com gula a um pote de mel.”

Do livro Casa do Poeta (inédito)

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00

nasceu em 1944, na cidade de Guaiçara, in-terior de São Paulo. O artista, por sua vez, roubou a cena 23 anos depois, com o lança-mento do primeiro gibi, “O Samurai”, pela editora Edrel. Em um cenário dominado pela fe-bre de publicações como Mandrake, Super-Homem e Tio Patinhas, seu quadrinho de lançamento destoava nas bancas nos idos de 1967. Nas histórias de Seto não havia moral ou heróis, mas sangue e violência promovida por um código de honra totalmente à parte da realidade brasileira. Outra criação do artista, também de 1967, no entanto, é que se tornou best sel-ler da editora: a Maria Erótica – personagem que deliciava os adolescentes da época e que entrou para a história dos quadrinhos adultos brasileiros. A in* uência, nunca escondeu, to-mou dos mangakás Mi-zuno Hideko e Shirato Sanpei, seguidores do “deus do mangá” Osamu Tezuka (1928-1989). Chegou inclusive a co-nhecer Tezuka, durante os cinco anos em que viveu em Kyushu, no Japão, embora tenha co-meçado a desenhar pro-' ssionalmente apenas após voltar ao Brasil. Em 1967, depois de pintar portas de caminhões acabou conseguindo uma oportunidade na Edrel. Trabalhou até encerramento das ati-vidades da editora, que ocorreu em 1973. Dois anos mais tarde, em julho de 1975, viajou para Curitiba para passar uns dias. Passaria pela capital paranaense apenas para buscar uma espada pertencente a seu tio-avô cujo paradeiro fora desconhecido ao longo de 30 anos e que – descobrira posteriormente – houvera ' cado guardada por um senhor no Paraná. Quando entregou a espada, o por-tador teria instruído para que não sacasse o objeto, pois caso não o utilizasse para matar alguém, algo inesperado poderia acontecer. Na manhã seguinte, após levantar a arma, deparou-se, com uma Curitiba coberta de neve. O visitante talvez nem soubesse, mas era a primeira vez que nevava na cidade em 47 anos. A alegria dos moradores com o fe-nômeno encantou Seto, que decidiu que era ali que viveria a partir de então. Ninguém se atreve a contestá-lo, mas poucos sabem o que há de verdade e de ' c-ção neste e em outros de seus relatos. Chegou a anunciar, certa vez, que, tinha um irmão gêmeo, univitelino. Seriam idênticos, de tal forma que pouquíssimos saberiam diferenciá-

Só de ouvir seu nome, alguns dirão que foi um grande artista. Os que conhecem mi-nimamente seu trabalho, entretanto, dis-cordarão: “Claudio Seto não foi um grande artista”, dirão. “Foi vários”. E se há críticas controversas a respeito de seu trabalho como escritor, poeta, jornalista, fotógrafo ou artista plástico, nada disso invalida a a' rmação. Seu talento como quadrinista e a importância que teve no âmbito da nona arte fazem seu legado equivaler ao de muitos. De um início de carreira sem gran-des pretensões, em poucos anos tornou-se re-conhecido como o pioneiro do gênero mangá no Brasil e foi capaz de desa' ar a égide do regime militar como um dos expoentes dos quadrinhos eróticos, além de se antecipar a tendências mundiais na área. O homem Seto

los, o que permitiria a um ocupar o lugar do outro sem que qualquer pessoa se desse conta. De prosa em prosa, foi capaz de transcender o espaço limitado do papel, invertendo a lógica da produção artística, para levar à história a realidade fabulosa dos quadrinhos.

O Samurai Silencioso

Fato é que, em Curitiba, a partir de 1977, passou a trabalhar na Gra' par, editora fundada por Faruk El Khatib. Lá deu seqüên-cia a seu legado, com a produção de desenhos e argumentos para revistas como Eros, Pro-ton, Neuros e Perícia, que traziam histórias de ' cção cientí' ca, terror e crimes, com pi-tadas de erotismo e críticas sociais. Em 1980, o departamento de arte da editora passou a ser comandado por Seto, que, ainda que em posição de liderança, preferia manter a con-

versação, como sempre fez, dominada por mo-nossílabos. Nomes como Mozart Couto, Watson Portela, Rodval Matias, Gustavo Machado, Fran-co de Rosa, Flávio Colin e e Fernando Bonini assi-navam as publicações da Gra' par, que, por uma série de di' culdades ' -nanceiras, acabou encer-rando as atividades em 1983.

Sem editora para publicar suas his-torietas, passou a dar aulas de desenho na Gibiteca de Curitiba no início da década de 1990 – conforme lembram seus alunos, sem pronunciar uma única palavra. Com uma co-leção in' ndável de gibis na garagem de sua casa, recebia prazerosamente os aprendizes que queriam obter fontes de inspiração. Até que em 1993 foi convidado pela prefeitura de Curitiba, à época administrada pelo arquiteto Jaime Lerner, a registrar em quadrinhos a história da capital paranaense, que naquele ano completava seu terceiro sé-culo de fundação. Ao cabo da produção da “História de Curitiba em Quadrinhos”, em parceria com a historiadora Cassiana Lacerda Carollo, deixou de vez de se dedicar à arte sequencial. Obviamente não abandonou o de-senho, o qual praticou por meio de tirinhas e charges nos jornais Correio de Notícias, O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná. Sem-pre ligado às raízes nipônicas, fazia questão de ilustrar todas as lendas japonesas que es-crevia para o Jornal Nikkei – que depois veio a se chamar Planeta Zen – e para o livro que veio a publicar em 2008, na ocasião do cen-tenário da imigração japonesa no Brasil.

Mil Garças para o Samurai de CuritibaYugen: Cláudio Seto

Entre mito e verdade transitava o personagem Claudio Seto. como os grandes fabulistas, um criador de sua própria história , prestes a se tornar

uma lenda na terra do leite quente

por Célio Yano

“Nas histórias de Seto não havia moral ou he-róis, mas sangue e vio-lência promovida por um código de honra to-talmente à parte da rea-lidade brasileira.”

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No mês de julho do mesmo históri-co ano, foi homenageado durante a cerimô-nia de entrega do 20º troféu HQ Mix, em São Paulo: a estatueta do prêmio, esculpida pelo artista Olintho Tahara, representava o personagem Samurai. A mesma ' gura, uma de suas mais célebres criações, rendeu o mais conhecido apelido de Seto – com consenti-mento ou não, o cidadão honorário da ca-pital paranaense tomou para si, de uma vez, o título Samurai de Curitiba, assim mesmo, tal qual o de Vampiro ' cou com o escritor Dalton Trevisan.

Espada sem + o

Morreu em conseqüência de um acidente vascular cerebral no dia 15 de no-vembro de 2008. Em meio ao mesmo silên-cio com que fez parceria durante a carreira, despediu-se subitamente da vida, deixando esposa, três ' lhos e um dos mais importantes marcos para o universo brasileiro dos quadri-nhos. Os que acompanharam de longe di-rão que Seto se decidiu pelo andar de cima quando viu cumprida sua missão – e se equi-

vocarão. Seu trabalho, na verdade, não coube no perímetro da própria vida, de modo que, em túmulo, seguiu lançando obras. Vive atu-almente neste e em centenas de milhares de textos, conversas e desenhos em que procura perpetuar seu legado, seja na área de quadri-nhos, de pesquisa ou da difusão cultural. Vive como uma lenda, daquelas que ele mesmo contava.

Célio Yano é jornalista, técnico em infor-mática, e estudante do curso de Letras - Japonês pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Desde 2008 é repórter do jornal Gazeta do Povo.

Antologia de textos literários extraídos de 21 blogues, entre eles as das nipo-brasilei-ras Marília Kubota e Gabriela Kimura. Au-tores: Ademir Assunção, Ana Paula Maia, Ana Rüsche, Andréa del Fuego, Bruna Be-ber, Cassy Dias, Claudio Brites, Claudio Daniel, Edson Cruz, Fábio Fernandes, Fab-rício Carpinejar, Gabriela Kimura, Índigo, Ivana Arruda Leite, Laura Fuentes, Linaldo Guedes, Marcelino Freire, Marcelo Maluf, Marilia Kubota, Petê Rissatti e Rinaldo de Fernandes.

O álbum reúne cinco histórias - “Flores Man-chadas de Sangue”, “O Monge Maldito”, “Idealismo Frustrado”, “OSósia” e “A Flor Maldita” - já publicadas pela lendária editora Edrel. As histórias foram escolhidas pelo pró-prio autor, que também fez textos de apresen-tação para cada uma e reviu o material antes de ser impresso.Além de ser uma edição histórica, a obra tor-nou-se uma homenagem póstuma a ClaudioSeto, que é considerado o introdutor do mangá no Brasil por ter lançado as primeiras histórias do gênero, na década de 60.

Entre os 18 mil verbetes do Dicionário Guarani-Português/Português-Guarani, uma preciosidade: 30 haicais nas exempli' ca-ções, traduzindo o gosto da autora por essa forma poética. A obra é fruto de longos anos de estudo e pesquisa, iniciados com o Proje-to Karumbe. Cecy, escritora profícua, não só investe em pesquisa como estudou as línguas inglesa e japonesa e nos surpreende com a seguinte a' rmação: “A estrutura do guarani tem semelhança com o japonês. Facilita o en-tendimento desta última”. Isto pode ser um bom motivo para o interesse de estudos hai-caístas da língua guarani.

B L A B L A B L O G U E - CRÕNICAS E CON-FISSÕES , organização de Nelson de Oliveira, Terra-cota Editora, São Paulo, 160 paginas, R$25,00. Contato da editora: Clau-dio Brites - (11)2645-0549

FLORES MANCHADAS DE SANGUE, de Clau-dio Seto, Editora Devir/Jacarandá, São Paulo, 128 páginas, R$ 28.

DICIONÁRIO GUARA-NI-PORTUGUÊS, orga-nizado por Cecy Fernandes de Assis. 2ª edição, Editora Luiz Assis, 954 páginas. Contato: [email protected]

Lançamentos

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Jornal de Letras e Artes Japonesas Edição 00

Uma das primeiras imagens que temos ao pensarmos em animações japonesas – os ani-mês – são os desenhos de olhos grandes, com certo grau de violência ou ainda cheios de ninjas e bichinhos bonitinhos lutando entre si. No entanto, muitas vezes nos esquecemos que o mercado japonês é bastante diversi' ca-do e segmentado, além de esconder verdadei-ras obras de arte por trás dessa aparente “cul-tura para os jovens”. Um bom exemplo disso é o diretor Hayao Miyazaki, que conquistou fãs no mundo inteiro fazendo animações para crianças. Animais falantes, bruxos, dragões marinhos, construções que se movimentam, demônios, deuses, sereias... E uma in' nida-de de cores que mexem com a imaginação de qualquer um. Ao contrário das animações do estúdio Walt Disney, que apostam em “desenhos musicais” e em histórias de amor para cativar o público, Miyazaki lança mão do imaginário infantil para compor seus mais cativantes personagens. O Estúdio Ghibli foi fundado em 1985 por Hayao Miyazaki e Isao Takahata. A animação “Nausicaä do Vale do Vento” é considerado o trabalho de estréia do estúdio, mesmo tendo sido lançado um ano antes da fundação do estúdio. Ghibli signi' ca “ventos quentes soprando no Deserto do Saara” e era o nome dado aos aviões italianos que sobre-voavam a região. A teoria por trás do nome é de que o Estúdio Ghibli iria dar um sopro na mente dos criadores de anime. Yasuki Hamano, professor da Uni-versidade de Tóquio e amigo pessoal de Hayao Miyazaki, conta que o importante para o diretor são as crianças e por isso pro-duz animações pensando nelas. Além disso, Miyazaki preocupa-se bastante com o meio ambiente, tanto que os lucros do longa “Nau-sicaä do Vale do Vento” (1984) foi doada para ações ambientais. Outra animação na qual é possível notar a preocupação com o meio am-biente é “Mononoke Hime” (1997).

Hamano é também diretor do Mu-seu Ghibli, localizado em Tóquio e inaugura-do em 2001. O espaço abriga várias exposi-ções permanentes sobre a história e a ciência da animação, além de rascunhos, story bo-ards, entre outros materiais de referência do estúdio. No topo do website do museu a seguinte frase está em destaque: “Vamos nos tornar crianças perdidas, juntos” (迷子になろうよ、いっしょに, Maigo ni narō yo, isshoni).

Hayao Miyazaki e Ghibli no Brasil

Na década de 90 foram lançados alguns VHS e DVDs no Brasil – entre eles “Meu Vizinho Totoro” e “Porco Rosso” – mas o público só voltou-se para o estúdio quando o longa “A Viagem de Chihiro” ganhou o Oscar de Me-lhor Filme de Animação, em 2003. Foi nes-sa mesma época que a animação chegou aos nossos cinemas, seguido de “O Castelo Ani-mado”, que foi indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2006. Em julho de 2006 começou a ser publicado o mangá de Miyazaki que serviu de base para o longa “Nausicaä do Vale do Vento”, uma verdadeira obra prima que tem atraído o público. A publicação está no quin-to número e irá até o sétimo, sem previsão exata de quando chegará ao ' m. De qualquer maneira, muitos fãs que têm acesso aos vídeos e conhecem a língua japonesa fazem legendas e distribuem as có-pias pela Internet, facilitando assim o acesso ao material que quase nunca chega por aqui. Então se você ' cou interessado em conhecer um pouco mais dos trabalhos do Estúdio Ghibli é só ir até a locadora mais próxima ou dar uma vasculhada na rede e se deixar levar pelo encantador universo Ghibli.

Mylle Silva é jornalista do site www.tadaimacuriti-ba.com.br e estudante de Letras Japonês da Univer-sidade Federal do Paraná.

O ENCANTADOR UNIVERSO GHIBLIKarumi: Hayao Miyazaki

Hayao Miyazaki, um dos grandes nomes do cinema japonês, mostra para o mundo que as animações feitas pelo Estúdio Ghibli são feitas para crianças de todas as idades

por Mylle Silva