Jornal Mural Disparate!

2
Jornalistas fogem do tradicional ao unir o romance e a realidade S ão, grosso modo, 7 anos de jor- nalismo em 390 páginas. Lança- do no Brasil em 2010, o livro A turma que não escrevia direito (edito- ra Record) traz a história por trás das histórias: o contexto e as situações que envolveram a produção das reporta- gens de Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. ompson, Joan Didion, Lillian Ross, John Sack e Mi- chael Herr, escritores e repórteres que fizeram parte do chamado Novo Jor- nalismo. Marc Weingarten, também autor de Quem Tem Medo de Tom Wolfe?, entrevistou os principais par- ticipantes do movimento que decidiu utilizar recursos da literatura em re- portagens jornalísticas e buscar uma forma de contar os fatos que explicasse as grandes mudanças políticas, sociais e culturais da sociedade americana nos anos 60. Eles eram cronistas de uma época frenética: os norte- -americanos estavam envolvidos com a guerra e havia o rock’n’roll, as drogas, os hippies e o presidente Nixon. Havia também uma insatisfação geral com a forma com que o jornalismo era feito e um grupo totalmente disper- so e diferente que resolveu mudar. “Não vejo porque eu não deveria tentar fazer um artigo factual em forma de romance, ou talvez um romance em formato factual”, dizia Lillian Ross. “O que estava er- rado em todo o jornalismo era que o repórter tendia a ser objetivo e que esta era uma das maiores mentiras de todos os tempos”, di- zia Norman Mailer. Bancados por corajosos editores simpáticos à mudança, os escritores faziam o que bem entendiam - e dava certo. “A regra número um do novo jornalis- mo é: as antigas regras não se aplicam”, disse Tom Wolfe, quem nomeou o movimento e o definiu como sendo “um jornalismo que se lê como ficção e que soa como a verdade do fato relatado”. Segundo Clay Felker, editor da revista New York, Norman Mailer “simplesmente pegou o formato e o explodiu, mostrou aos escrito- res que havia outras possibilidades” - e isso se aplica a todos eles. Não se tratava, por exemplo, de conse- guir descrever bem e corretamente um indivíduo, mas jun- tar características de vários para montar o que seria a personificação de uma ten- dência. “Pensávamos em idéias como sendo o nosso assunto. As pessoas eram interessantes para nós na medi- da em que personificavam certos con- ceitos”, disse um dos editores da New York, Jack Nessel. “Um grande dogma do Novo Jornalismo era colorir fatos e personagens como um aquarelista para chegar a uma verdade emocional e filosófica maior”, diz o autor do livro. Entre os recursos do Novo Jorna- lismo estavam a descrição minuciosa da aparência física e da personalidade de pessoas, a reconstituição de diálo- gos, a criação de monólogos internos (pensamentos) e as onomatopeias (“Ggghhzzzzzzhhhhhggggggzzzzzzeeeeong – gawdam!”, interpretação de Wolfe para o arrancar de um carro). Era comum o repórter se colocar como personagem da história, modificar aquilo sobre o que escrevia e en- feitar situações. Hunter S. ompson era quem levava esses instrumentos ao extremo - às vezes além da con- ta. Uma frase que ompson escreveu em um de seus ensaios talvez represente essa vontade que eles tinham de “escrever errado”: “Retroceda as páginas da história e veja os homens que moldaram o destino do mundo. Segurança nunca era com eles, mas eles vive- ram, em vez de existi- rem”. O estilo dos novos jornalistas gerou muita controvérsia, mas as re- portagens conseguiam explicar contextos e nu- ances que o jornalismo comum não alcançava. Foram alguns poucos veículos que protagoni- zaram o “motim” con- tra tudo que era considerado convencional: a revista Esquire, o suplemento dominical do jornal New York Herald Tribune, a revista New York (que surgiu a partir do Tribune) e a Rolling Stone. Com o passar dos anos, porém, todos passaram a se adequar a demandas do pú- blico e dos anunciantes, publicando mais matérias de serviço e comportamento do que qualquer outra coisa. Em A turma que não escrevia direito, Weingarten mostra como o Novo Jornalismo foi tragado pelas exi- gências do mercado e o quanto se perdeu com isso. Faz com que os leitores se interessem pelas referências que traz e, mais que isso, evidencia o buraco no qual a im- prensa de hoje se enterrou - buraco de onde saem pe- quenas porções de informação facilmente digeríveis. A maior discussão que ele faz não é sobre uma ques- tão de estilo, sobre “escrever direito”, mas sim sobre a função do jornalista de ampliar o fato para o leitor além do que aconteceu. Porque atualmente os profissionais se escondem atrás da imparcialidade, e se esquivam de fazer o que seria, verdadeiramente, o jornalismo. Autores norte-americanos utilizam as liberdades dos recursos literários para retratar tendências culturais da década de 1960 A redação da Realidade, revista que publicava textos com traços de literatura “Trata-se do jornalismo que se lê como ficção, e soa como a verdade do fato relatado” Um homem do povo e dos incendiários James Earl “Jimmy” Breslin foi recrutado para trabalhar no suplemento dominical do New York Herald Tribune, um dos redutos do Novo Jornalismo, quando era repórter na editoria de esportes do New York Journal-American, em 1983. Fascinado pelos personagens derrotados e inspirado pelo lugar onde nasceu - o Que- ens-, Breslin passou a escrever colunas sobre indivíduos que nunca conseguiram ir muito longe. Filho de dois alcoólatras, era um estudante pobre, fazia faculdade de noite e escrevia de dia. As melhores histórias de Nova York estavam, para ele, na classe trabalhadora. Breslin fazia todas as suas pesquisas a pé, frequentemente em bares. Percebia que as melhores idéias de reportagens eram aquelas que soavam boas depois da ressaca. Descrevia persona- gens como “Marvin the Torch”, incendiário profissional, e com suas narrativas dava vida ao que relatava como nenhum outro repórter da época. Com muitos diálogos e humor negro, buscava arrancar risadas dos leitores. Enquanto todos escreviam com relativa ante- cedência, Breslin tinha uma luta ferrenha com os prazos de entrega das matérias: sentava à maquina quando só faltava uma hora e meia para o dea- dline. Não mudava seu texto por nada, nem pelo homem que assinava seu cheque toda semana, e se vários repórte- res seguiam em uma direção, Breslin ia para o outro lado, em busca da “verdadeira história”. Dos Novos Jornalistas, ele se considera o último. Quando soube da morte de Norman Mailer, em 2007, o New York Times relatou sua reação aos telefonemas da imprensa na ocasião: “‘Todo mundo já morreu” Breslin disse, e o tele- fone tocou. Era a NPR [rádio pública nacional dos EUA] ligando de novo, e ele gritou para sua mulher ‘fala pra eles que eu morri’”. O humor negro continua sendo um dos seus pontos fortes. E ele continua escrevendo, no alto dos seus 82 anos - mas agora, na internet. Leia em: http://goo.gl/iiq8e Repórter não é visto como um escritor Foram bastante esporádicas as manifestações do uso da literatura no jornalismo do Brasil, segundo Neila Bianchin, professora e escritora do livro Romance Reportagem. A maior delas, diz, é a revista Realidade, com um texto “mais livre e rico em contextualização” do que a maior parte dos veículos da época. Bianchin defende que essas tentativas, de uma forma geral, representam uma insatisfação dos jornalistas com um texto que só respondia as perguntas “O que? Quando? Onde? Como? Por quê?”. Como nos jornais não ha- via espaço ou incentivo para reportagens do tipo, Bianchin diz que os jornalistas come- çaram a utilizar as notícias publicadas para escrever livros. “Eles se propunham a ‘contar a história verdadeira’, explo- rar os motivos e contextos de determinadas situações. Isso aconteceu principalmente com matérias de polícia”. Para ela, foi assim que surgiu o “Roman- ce Reportagem”, um híbrido de jornalismo e literatura que pode ser comparado ao Novo Jornalismo americano. Esses livros, como Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (José Louzeiro) e A menina que comeu césio (Fernando Pinto), foram criticados por não serem nem a literatura padrão, e nem bem jornalismo - ao roman- cear o fato, as obras estariam pecando na objetividade jorna- lística. Para escrever de forma romanceada, diz Bianchin, o repórter não pode modificar o fato e deve ser ético - mas isso “não necessariamente precisa limitar os instrumentos utiliza- dos para conduzir a narrativa”. A reportagem convencional não conseguia explicar o contexto social da contracultura Jorge Butsen Associated Press Florianópolis, 29 de novembro de 2012 Edição nº1 - Ano 1 Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto • Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Luisa Tavares • Colaboração: Júlia Schutz, Lucas Sampaio e Rafaella Coury • Serviços editoriais: e New York Times e Observatório da Imprensa Impressão: Postmix • Novembro de 2012 Retrato dos bastidores do “new journalism” 1

description

Jornal Mural produzido para a disciplina Edição, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.

Transcript of Jornal Mural Disparate!

Jornalistas fogem do tradicional ao unir o romance e a realidade

São, grosso modo, 7 anos de jor-nalismo em 390 páginas. Lança-do no Brasil em 2010, o livro A

turma que não escrevia direito (edito-ra Record) traz a história por trás das histórias: o contexto e as situações que envolveram a produção das reporta-gens de Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. Thompson, Joan Didion, Lillian Ross, John Sack e Mi-chael Herr, escritores e repórteres que fizeram parte do chamado Novo Jor-nalismo. Marc Weingarten, também autor de Quem Tem Medo de Tom Wolfe?, entrevistou os principais par-ticipantes do movimento que decidiu utilizar recursos da literatura em re-portagens jornalísticas e buscar uma forma de contar os fatos que explicasse as grandes mudanças políticas, sociais e culturais da sociedade americana nos anos 60.

Eles eram cronistas de uma época frenética: os norte--americanos estavam envolvidos com a guerra e havia o rock’n’roll, as drogas, os hippies e o presidente Nixon. Havia também uma insatisfação geral com a forma com que o jornalismo era feito e um grupo totalmente disper-so e diferente que resolveu mudar. “Não vejo porque eu não deveria tentar fazer um artigo factual em forma de romance, ou talvez um romance em formato factual”, dizia Lillian Ross. “O que estava er-rado em todo o jornalismo era que o repórter tendia a ser objetivo e que esta era uma das maiores mentiras de todos os tempos”, di-zia Norman Mailer. Bancados por corajosos editores simpáticos à mudança, os escritores faziam o que bem entendiam - e dava certo.

“A regra número um do novo jornalis-mo é: as antigas regras não se aplicam”, disse Tom Wolfe, quem nomeou o movimento e o definiu como sendo “um jornalismo que se lê como ficção e que soa como a verdade do fato relatado”. Segundo Clay Felker, editor da revista New

York, Norman Mailer “simplesmente pegou o formato e o explodiu, mostrou aos escrito-res que havia outras possibilidades” - e isso se aplica a todos eles.

Não se tratava, por exemplo, de conse-guir descrever bem e corretamente um indivíduo, mas jun-tar características de vários para montar o

que seria a personificação de uma ten-dência. “Pensávamos em idéias como sendo o nosso assunto. As pessoas eram interessantes para nós na medi-da em que personificavam certos con-ceitos”, disse um dos editores da New York, Jack Nessel. “Um grande dogma do Novo Jornalismo era colorir fatos e personagens como um aquarelista para chegar a uma verdade emocional e filosófica maior”, diz o autor do livro.

Entre os recursos do Novo Jorna-lismo estavam a descrição minuciosa da aparência física e da personalidade de pessoas, a reconstituição de diálo-gos, a criação de monólogos internos (pensamentos) e as onomatopeias

(“Ggghhzzzzzzhhhhhggggggzzzzzzeeeeong – gawdam!”, interpretação de Wolfe para o arrancar de um carro). Era comum o repórter se colocar como personagem da história, modificar aquilo sobre o que escrevia e en-feitar situações. Hunter S. Thompson era quem levava esses instrumentos ao extremo - às vezes além da con-ta. Uma frase que Thompson escreveu em um de seus ensaios talvez represente essa vontade que eles tinham de “escrever errado”: “Retroceda as páginas da história e veja os homens que moldaram o destino do mundo.

Segurança nunca era com eles, mas eles vive-ram, em vez de existi-rem”. O estilo dos novos jornalistas gerou muita controvérsia, mas as re-portagens conseguiam explicar contextos e nu-ances que o jornalismo comum não alcançava.

Foram alguns poucos veículos que protagoni-zaram o “motim” con-

tra tudo que era considerado convencional: a revista Esquire, o suplemento dominical do jornal New York Herald Tribune, a revista New York (que surgiu a partir do Tribune) e a Rolling Stone. Com o passar dos anos, porém, todos passaram a se adequar a demandas do pú-blico e dos anunciantes, publicando mais matérias de serviço e comportamento do que qualquer outra coisa.

Em A turma que não escrevia direito, Weingarten mostra como o Novo Jornalismo foi tragado pelas exi-gências do mercado e o quanto se perdeu com isso. Faz com que os leitores se interessem pelas referências que traz e, mais que isso, evidencia o buraco no qual a im-prensa de hoje se enterrou - buraco de onde saem pe-quenas porções de informação facilmente digeríveis. A maior discussão que ele faz não é sobre uma ques-tão de estilo, sobre “escrever direito”, mas sim sobre a função do jornalista de ampliar o fato para o leitor além do que aconteceu. Porque atualmente os profissionais se escondem atrás da imparcialidade, e se esquivam de fazer o que seria, verdadeiramente, o jornalismo.

Autores norte-americanos utilizam as liberdades dos recursos literários para retratar tendências culturais da década de 1960

A redação da Realidade, revista que publicava textos

com traços de literatura

“Trata-se do jornalismo que se lê como ficção, e soa como a verdade do fato relatado”

Um homemdo povo e dos

incendiáriosJames Earl “Jimmy” Breslin foi

recrutado para trabalhar no suplemento dominical do New

York Herald Tribune, um dos redutos do Novo Jornalismo,

quando era repórter na editoria de esportes do New York

Journal-American, em 1983. Fascinado pelos personagens

derrotados e inspirado pelo lugar onde nasceu - o Que-

ens-, Breslin passou a escrever colunas sobre indivíduos que nunca conseguiram ir muito

longe. Filho de dois alcoólatras, era um estudante pobre, fazia

faculdade de noite e escrevia de dia. As melhores histórias de Nova York estavam, para ele,

na classe trabalhadora. Breslin fazia todas as suas pesquisas a pé, frequentemente em bares.

Percebia que as melhores idéias de reportagens eram aquelas

que soavam boas depois da ressaca. Descrevia persona-

gens como “Marvin the Torch”, incendiário profissional, e com

suas narrativas dava vida ao que relatava como nenhum

outro repórter da época. Com muitos diálogos e humor

negro, buscava arrancar risadas dos leitores. Enquanto todos escreviam com relativa ante-cedência, Breslin tinha uma

luta ferrenha com os prazos de entrega das matérias: sentava à maquina quando só faltava uma hora e meia para o dea-dline. Não mudava seu texto por nada, nem pelo homem

que assinava seu cheque toda semana, e se vários repórte-

res seguiam em uma direção, Breslin ia para o outro lado, em

busca da “verdadeira história”. Dos Novos Jornalistas, ele se considera o último. Quando soube da morte de Norman

Mailer, em 2007, o New York Times relatou sua reação aos telefonemas da imprensa na

ocasião: “‘Todo mundo já morreu” Breslin disse, e o tele-

fone tocou. Era a NPR [rádio pública nacional dos EUA]

ligando de novo, e ele gritou para sua mulher ‘fala pra eles

que eu morri’”. O humor negro continua sendo um dos seus pontos fortes. E ele continua

escrevendo, no alto dos seus 82 anos - mas agora, na internet.

Leia em: http://goo.gl/iiq8e

Repórter nãoé visto comoum escritorForam bastante esporádicas as manifestações do uso da literatura no jornalismo do Brasil, segundo Neila Bianchin, professora e escritora do livro Romance Reportagem. A maior delas, diz, é a revista Realidade, com um texto “mais livre e rico em contextualização” do que a maior parte dos veículos da época. Bianchin defende que essas tentativas, de uma forma geral, representam uma insatisfação dos jornalistas com um texto que só respondia as perguntas “O que? Quando? Onde? Como? Por quê?”.Como nos jornais não ha-via espaço ou incentivo para reportagens do tipo, Bianchin diz que os jornalistas come-çaram a utilizar as notícias publicadas para escrever livros. “Eles se propunham a ‘contar a história verdadeira’, explo-rar os motivos e contextos de determinadas situações. Isso aconteceu principalmente com matérias de polícia”. Para ela, foi assim que surgiu o “Roman-ce Reportagem”, um híbrido de jornalismo e literatura que pode ser comparado ao Novo Jornalismo americano.Esses livros, como Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (José Louzeiro) e A menina que comeu césio (Fernando Pinto), foram criticados por não serem nem a literatura padrão, e nem bem jornalismo - ao roman-cear o fato, as obras estariam pecando na objetividade jorna-lística. Para escrever de forma romanceada, diz Bianchin, o repórter não pode modificar o fato e deve ser ético - mas isso “não necessariamente precisa limitar os instrumentos utiliza-dos para conduzir a narrativa”.

A reportagem convencional não conseguia explicar o contexto social da contracultura

Jorg

e But

sen

Ass

ocia

ted

Pres

s

Florianópolis, 29 de novembro de 2012 Edição nº1 - Ano 1

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina EdiçãoProfessor: Ricardo Barreto • Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Luisa Tavares • Colaboração: Júlia Schutz, Lucas Sampaio e Rafaella Coury • Serviços editoriais: The New York Times e Observatório da Imprensa Impressão: Postmix • Novembro de 2012

Retrato dos bastidores do “new journalism”

1

“O que estava errado era que o repórter tendia a ser objetivo, o que era uma mentira”

Sem espaço para grandes textosPara Nilson Lage, “a imprensa deixou de ser receptiva às boas reportagens”

Nilson Lage conversou com o Disparate! um dia depois do seu aniversário. “Na verdade eu nasci ontem, né?”. Apesar da

brincadeira, a experiência de um dos principais teóricos do jornalismo brasileiro não vem de on-tem. Em sua carreira como jornalista, Lage pas-sou pelos principais jornais da imprensa do Rio de Janeiro e participou da modernização da lin-guagem jornalística no país no Diário Carioca e no JB (Jornal do Brasil). Foi professor na Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é autor de cinco livros sobre a linguagem jornalística.

Disparate!: Uma das grandes críticas ao Novo Jornalismo era a parcialidade e falta de objeti-vidade. É possível que o jornalismo seja impar-cial?Nilson Lage: Em hipótese alguma! Mas isso não significa ser desonesto. O jornalista tem que ser honesto - e culto também - para compreender o contexto do que escreve e não falar bobagem. O New York Times é um bom jornal, mas o que se vê escrito de besteira sobre os árabes é desesperador. É por isso que é tão difícil fazer o que o Wolfe e o Mailer faziam. Não é qualquer um que consegue. Mas pretender a imparcialidade total é pensar que há uma verdade única. Isso não existe.D: O Novo Jornalismo chega mais perto de des-crever corretamente a realidade do que o jorna-lismo “comum”?NL: Imagine assim: eu sei histórias de pessoas que existem e não posso publicar porque passa-ria a vida inteira gastando com advogados. Esses caras aí se aproveitaram da literatura para contar o que não podiam. Em alguns casos os indivíduos são localizáveis, mas não tanto que possa dar pro-cesso. Então, o que é a realidade? O relato factual daquilo que pode ser dito ou o relato não factual do que realmente aconteceu? D: Houve tentativas de um Novo Jornalismo brasileiro?

NL: Você encontra tentativas esporádicas, um pouco na [revista] Realidade... mas sempre algo muito episódico. Porque a coisa mais fácil é aca-bar, na tentativa, fazendo uma espécie de “sub literatura”. Uma cópia sem criatividade. E o jorna-lismo é uma coisa de indústria, tem que sair todo mês aquele treco - ou toda semana. Arrumar um gênio por semana é complicado! E isso piora por-que cada vez mais o que se pratica nas redações é uma seleção natural ao contrário: os criativos e contestadores são excluídos. Hoje já não é mais

viável. Na época não era tão viável. Ago-ra, as obras que sobrevivem a isso são eventualmente espetaculares.D: Mas existem veículos que em outra época já deram melhores condições para que isso acontecesse?NL: Na época da Realidade esse modelo era novo, então tinha um esforço para reproduzir, imitar. Além dela teve, tal-vez, a revista Senhor. Mas acho que só. O Jornal da Tarde fazia tanto quanto fosse possível nas limitações de um jornal di-ário - o que não era muito. O problema do jornalismo literário é que não tem quem o faça e estrutura para suportá--lo - porque cada vez mais a informação se torna um objeto de consumo rápido. Para esse tipo de jornalismo ser viável, é preciso um investimento e confiabilida-de profissional que não se encontra em lugar nenhum do mundo. Também não dá pra fazer pura literatura com os per-sonagens, é preciso conseguir de algu-ma forma se ater aos fatos, e pra isso tem que ter uma tremenda bagagem cultural.D: Será que falta algo no perfil do jor-nalista de hoje?NL: Não só do jornalista, de todo mun-do. Acho que isso passa pela educação. A escola não deveria formar um traba-

lhador, devia formar um homem, uma criatura humana, um cidadão. Alguém que entenda mais o mundo. Para escrever o que os novos jornalistas escreviam, é preciso ter uma grandeza de espírito que não é a formada no nosso sistema. Literatura é um pouco de texto e muito de entender a vida. E isso não se forma - ou pelo menos não se tenta formar.D: Deveria?NL: É... Poderia.

“É uma seleção natural ao contrário: os criativos e contestadores são excluídos”

Inovação e originalidade eram regra no JTO Jornal da Tarde, cuja última edição cir-

culou no dia 31 de outubro deste ano, deixou de ser publicada porque o grupo

Estado, empresa que o editava, optou por focar em sua principal marca, o Estadão. O JT, como era conhecido, foi criado há 46 anos e trouxe inovações gráficas e textos leves ao jornalismo brasileiro: “ele tinha muitas sacadas inteligentes, fazia diferente daquela imprensa si-suda e daqueles títulos pesados que eram usados na época”, diz Mylton Severiano, jornalista que também fez parte da redação da revista Realidade.

O jornalista Alberto Dines, em seu artigo no Observatório da Imprensa, es-creveu em 30 de outubro que a empresa “oferecia um grau de liberdade único” e que a publicação seria um “jornal-revis-ta nos moldes do Herald Tribune, que lhe serviu de paradigma inicial” [o Tribune foi um dos poucos que deu espaço para as transgressões do Novo Jornalismo, nas décadas de 60 e 70, nos Estados Unidos]. Apesar de o JT dar valor às reportagens - o então repórter e hoje escritor Fernan-do Morais foi mandado para a Amazônia -, Mylton Severiano diz que o jornal tinha

as limitações de um produto diário administrado por uma família conservadora em plena época da ditadura. “Ele não pegou tão pesado como a Realidade nas pautas que fazia. Enquanto a revis-ta falava da fome, da prostituição, assuntos que iam no cerne da questão, o jornal era mais como uma New Yorker:

trazia a vida de São Paulo de uma manei-ra leve e divertida. Imagina que o JT ia lidar com o racismo, o homossexualismo... jamais!”.

O jornal não mexia com tabus e polêmicas, mas contestava o formato, a linguagem vigente no jornalismo da época - que Severiano chama de

“quase acadêmica”. “Era tudo menos popular”. E foi aí que a redação ousou: abria as fotos - an-tes pouco valorizadas - em páginas inteiras, utilizava o linguajar cotidiano nos textos e era transgressor na forma. Conseguiu atrair a juventude e as classes médias com “gente muito boa de texto, repórteres que tira-vam férias e iam fazer freelance para a Realidade”. Se os repórteres da revista

tinham três sema-nas de apuração, os do JT contavam, no máximo, com três dias. Eles fize-ram um grande trabalho dentro das possibilida-des de um jornal.

A foto que rendeu um prêmio Esso, na ocasião da derrota do Brasil na copa de 82, e a capa da última edição do jornal.

O papel doseditores passadespercebido“There goes (VAROOM! VA-ROOM!) that Kandy-Kolored (THPHHHHH) tangerine-flake streamline baby (RAHGH-HHHHH) around the bend (BRUMMMMMMMM)”. Esse foi o título dado por um dos editores da revista Esquire a um artigo de Tom Wolfe sobre uma feira de carros. Muitos subes-timam o papel que os editores exerceram no Novo Jornalismo. Clay Felker, editor da Esquire, do Herald Tribune e depois da New York, acertava ao combi-nar o escritor com a história e se arriscava ao publicar alguns artigos. Harold Hayes, tam-bém da Esquire, foi quem deu a chance para que Gay Talese começasse a escrever matérias para a revista, quando este era repórter de assuntos gerais no New York Times. E Jann Wen-ner, da Rolling Stone, foi quem a tornou palco de grandes repor-tagens. Esses eram os editores que mandavam repórteres para onde fosse - com dinheiro e a tarefa de escrever basicamente o que quisessem – e depois bancavam as loucuras que apa-reciam, criando títulos como o mencionado acima. Foram esses editores, também, que fizeram do Novo Jornalismo o que ele foi.

Capas de edições da revista Esquire, do New York Herald Tribune, e da New York (estampando a matéria de Tom Wolfe “Radical Chique”,

que depois se tornou um livro)

Norman Mailer

Curso de Jornalismo da UFSCAtividade da disciplina EdiçãoProfessor: Ricardo Barreto • Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Luisa Tavares • Colaboração: Júlia Schutz, Lucas Sampaio e Rafaella Coury • Serviços editoriais: The New York Times e Observatório da Imprensa Impressão: Postmix • Novembro de 2012

Florianópolis, 29 de novembro de 2012 Edição nº1 - Ano 1

2

Arqu

ivo

Pess

oal