Jornal "O Acadêmico" -

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O ACADÊMICO ANO 1 - Nº 1 - TERÇA-FEIRA, 24 DE NOVEMBRO DE 2009 - PELOTAS, RS CAFV entrevista Luís Roberto Barroso Um dos maiores constitucionalistas do país, advogado de Cesare Battisti e professor da UERJ. ARTIGOS Envolvimento Sustentável Com Montaigne A Rede Sob Ameaça Superficialidade e Direito Remanescentes, o quilombo pelo- tense e o direito de propriedade A Universidade e a Administração Pública. pg5-7 Descubra quais os projetos são desenvolvidos na Faculdade de Direito e INTEGRE-SE pg10-11 pg8-9 O PALCO Sentença de um juíz poeta pg12

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Jornal "O Acadêmico", produzido e editado pelo Centro Acadêmico Ferreira Vianna (CAFV), da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas.

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O ACADÊMICO

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ANO 1 - Nº 1 - TERÇA-FEIRA, 24 DE NOVEMBRO DE 2009 - PELOTAS, RS

CAFV entrevista Luís Roberto Barroso

Um dos maiores constitucionalistas do país, advogado de Cesare Battisti e professor da UERJ.

ARTIGOS

Envolvimento Sustentável

Com Montaigne

A Rede Sob Ameaça

Superficialidade e Direito

Remanescentes, o quilombo pelo-tense e o direito de propriedade

A Universidade e a Administração Pública.

pg5-7

Descubra quais os projetos são desenvolvidos

na Faculdade de Direito e INTEGRE-SEpg10-11

pg8-9

O PALCOSentença de um juíz poeta

pg12

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Este periódico nasceu no ano de 1919 coordena-do pelo então estudante Jorge Salis Goulart, tornando-se um elo entre os estudantes e o grêmio acadêmico jurídico (atual CAFV), sendo uma publicação de vei-culação limitada aos corredores de nossa instituição.

Em 1932 o jornal fora retomado sob a coorde-nação do Professor Bruno de Mendonça Lima, sendo Ernani de Couto o aluno responsável pela elabora-ção do mesmo. Nessa época O ACADÊMICO teve vida intensa e grande renome dentro e fora de Pelotas, uma vez que promoveu o intercâmbio com outras faculdades de Direito do país trazendo como princí-pios a difusão do bom nome desta instituição assim como primava pela publicação jurídica de qualidade.

Embora tenha ganhado prestígio e reconhe-cimento, perdeu sua vitalidade com a saída dos es-tudantes envolvidos com o jornal, culminando na sua extinção em 1934. Sendo em 1962 o último re-gistro da publicação do periódico na forma de uma edição comemorativa aos 50 anos da Faculdade.

Em decorrência da necessidade de formar no-vamente esse elo com a comunidade estudantil e

reconquistar um espaço como meio de comunica-ção e formação do pensamento crítico no seio aca-dêmico, colocamo-nos à frente da volta do periódico.

O ACADÊMICO traz na sua simplicidade a se-mente de uma mudança que pode vir a contribuir para a educação jurídica qualificada, visando à legí-tima formação dos futuros “aplicadores do Direito”. Acreditamos que o reconhecimento seja fruto do es-forço e da dedicação com que elaboramos esse jor-nal, uma vez que visamos algo maior e primordial: o incentivo a reflexão. Não queremos entregar concei-tos prontos, queremos que cada um elabore, crie ou modifique o seu para, assim, produzirmos os nossos.

Por fim, reafirmamos o nosso compromisso, em-penho e motivação e direcionamos nossos esforços para a consolidação do jornal assim como a sua credibilida-de e reconhecimento na busca por uma Universidade e uma formação acadêmica diferenciada. Nas palavras de Ernani de Couto na 1ª edição em 11 de maio de 1932: “Que os Deuses reservem para O ACADÊMICO vida longa e prosperidade”.

História d’O Acadêmico

Nota pública

O CAFV, Centro Acadêmico Ferreira Vianna, vem pe-rante os acadêmicos da Faculdade de Direito da UFPEL, dos quais constitui sua entidade representativa, mani-festar-se acerca da saída repentina do bar de sua sede. A referida saída deu-se em razão de determina-ção judicial, cujo processo está em trâmite desde o ano passado e da qual o CAFV não é parte. Ressalta que a presença do bar em seu espaço não está sob sua in-gerência ou possibilidade de atuação a curto prazo.Por fim, reitera sua constante preocupação em disponibilizar no seu espaço os serviços que a comunidade discente demanda.

Atenciosamente,Coordenação Geral do Centro Acadêmico Ferreira ViannaGestão 2009: Camarão que dorme a onda leva

Comissão Editorial do Jornal “O Acadêmico”:

Diagramação e arte final: Bruna da Rocha

Matérias: Bruno Kauss, Carina Goulart, Larissa Vollrath Bento, Lawrence Estivalet e Luís Henrique Orio

Seleção de Artigos: Carina Goulart, Iuscia Barboza e Larissa Vollrath Bento

Revisão:

Larissa Bento e Lawrence Estivalet

APRESENTAÇÃO2

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Os guardados de 2009Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la / Em cofre não se guarda coisa alguma / Em cofre perde-se a coisa à vista / Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado / Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela / Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro / Do que um pássaro sem vôos / Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema: / Para guardá-lo: / Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda: / Guarde o que quer que guarda um poema: / Por isso o lance do poema: / Por guardar-se o que se quer guardar. (Antônio Cícero em Guardar)

Queremos pensar este ano como algo a ser guardado ou, mais do que isso, como um conjunto de pesso-as e fatos a serem guardados. Faremos, neste pequeno texto, um breve relato, pontual e não exaustivo, das ações e relações que certamente ficam, abran-gendo palestras, debates, confrater-nizações e amigos promovidos pelo CAFV, que somos todos nós que, nun-ca sozinhos, estamos por esta Facul-dade e estes anseios sem dormir, não deixando que onda nenhuma nos leve. O ano de 2009 foi peculiar. Já de começo, sem sermos consulta-dos, quiserem que tivéssemos mais um mês de férias, sem justificativa senão a própria falta de competên-cia burocrática de alguns setores da UFPel, que em nada, nada mesmo, afe-taria a Faculdade de Direito. O CAFV promoveu, com o apoio de vários pro-fessores da Faculdade, ações de re-versão deste adiamento, conseguindo, finalmente, que começássemos con-forme fora previsto, para o bem, so-bretudo, dos estudantes do sexto ano, que poderiam perder sua formatura.

O primeiro ano, ainda assim, teve seu calendário mantido junto ao do res-to da UFPel, motivo pelo qual tivemos que pensar em duas aulas inaugurais, uma com o juiz e Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, sobre o princípio da dignidade da pessoa huma-na, e outra com a Prof. Dra. Deisy Ventu-ra, sobre os desafios da formação jurídica contemporânea, para além de duas festas, uma mais interna à Faculdade, o Botequim do CAFV e, em seguida, também a Ca-lourada do CAFV, ora no João Gilberto. Intentando abrir espaços de de-mocracia e debate na Faculdade, ademais, também promovemos 6 sessões do projeto Dialogando com a 7ª Arte, discutindo temas

sociais junto a estudantes dos mais variados cursos da UFPel, palestra sobre Ações Afirma-tivas, com a Prof. Dra. Jânia Saldanha, oficinas de Direito e Arte, com o prof. da FURG e mestrando na UNISINOS Hec-tor Soares, além da excursão e ajuda na organização do XIX Encontro Gaúcho de Estu-dantes de Direito (EGED), que ocorreu na FURG, e da 44ª Se-mana Acadêmica de Estudos Jurídicos e Sociais, que teve cerca de 300 inscritos e 16 es-paços de discussão, entre pai-

néis, oficinas, debates e mostra de pesqui-sa, com alguns dos maiores expoentes dos meios jurídico e social nos temas tratados.

Tudo o que organizamos, e inclusive este jornal e o recente campeonato de futsal, foi pensado em reuniões abertas, junto a to-dos que querem construir uma Faculdade me-lhor, faça ou não parte da diretoria eleita do CAFV. Democracia é isso: trabalharmos jun-tos pelo que discutirmos ser parte de nossos anseios, nossas vigílias, com os olhos abertos contra o aparelhamento e a falta de democra-cia e o coração sereno e aberto às críticas, às iniciativas de maior participação e às lembran-ças de mais um ano que fica selado na histó-ria da Faculdade de Direito. Guardemo-nos!

Palestra - Prof. Dr. Deisy Ventura (USP)

Calourada - Botequim do CAFV

Palestra – Juiz Dr. Ingo Sarlet (PUC-RS)

Delegação UFPel – EGED 2009 (FURG)

Palestra SEMAC – Prof. Ms. Cristine Zanella (FADISMA) Palestra – Prof. Dr. Jânia Saldanha (UNISINOS/UFSM)

CAFV 2009– Da gestão CAMARÃO QUE DORME A ONDA LEVA

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Movimento Estudantil de Direito:

atitude e participaçãoEs sólo una cuestión de actitud / entender lo que está escrito en el viento / Es sólo uma cuestión de actitud / ir con taco aguja en pista de hielo / Es sólo una cuestión de actitud / recibir los golpes, no tener miedo / Es sólo una cuestión de actitud / y no quejarse más de todo por cierto / Es sólo una cuestión de actitud / atreverse a atravesar el desierto (Fito Paez)

Se é espantosa a falta de democracia dos partidos aparelhando o movimento es-tudantil, se é assustador o disputismo dos espaços esvaziados, das siglas vazias, das entidades desacreditadas, é importante que se faça o contraste com outro movimento estudantil, apartidário declaradamente, que busca, sempre, atrever-se a afirmar que um outro movimento é possível, e tê-lo mais do que como princípio, buscando-o, efetivando-o, na UFPel, no Rio Grande do Sul, no Brasil. O Centro Acadêmico Ferreira Vian-na (CAFV) faz parte da mesa do Conselho de Centros Acadêmicos da UFPel, estando presente em diversas discussões que se im-põem, quase que literalmente, na Universida-de Federal de Pelotas, como a de implantação dos centros, que pode vir a suprimir a quase centenária Faculdade de Direito, e solidário a problemas como superlotação de ônibus, laboratórios interditados e bibliotecas fecha-das dos colegas dos outros campi da UFPelp, problemas certamente não desconexos. Também fazemos parte, em ní-vel regional, da diretoria da Coordena-ção Regional de Estudantes de Direito (CORED-RS), crendo-a como um espa-ço político de construção democrática dos estudantes, junto a D.A.s de Direi-to da FURG, da UNISINOS, da UFSM, da UFRGS, da FADISMA, da UNIRITTER e da URI. E tendo inclusive organizado o EGED na UFPel, no ano passado, para

além de sempre participar das reuniões de centros acadêmicos de direito do RS, ajudan-do a organizar os demais EGEDs, pensando-os, levando-lhes excursões para debate e inte-gração entre os estudantes de Direito do RS. A nível nacional, ademais, o CAFV passou a integrar, no final de setembro, a Comissão Gestora (CG) da Federação Nacio-nal dos Estudantes de Direito (FENED), como representante da Região Sul do Brasil. A FE-NED, que teve problemas gravíssimos de apa-relhamento partidário recentemente, com o ENED em Belém do Pará tendo sua plenária fantasma anulada e outras desorganizações inaceitáveis, tem também uma história muito forte de construção democrática alternativa à União Nacional dos Estudantes (UNE), com es-paços de debate horizontais e grandes nomes do meio jurídico nacional a reconhecendo ou tendo dela participado quando estudantes. Nesse sentido, e como atual Comis-são Gestora, a principal meta que temos é

de retomar a força da FENED já no próximo Encontro Nacional de Estudantes de Direi-to, que ocorrerá, em 2010, na Universidade de Brasília (UnB), legitimando-a novamente frente aos estudantes de Direito, a diretórios acadêmicos de Direito do país, às suas coor-denações regionais de estudantes de direito (COREDs) e a entidades como a OAB e a Asso-ciação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDi). Esperamos mais do que representar nossos estudantes nesses espaços, com se-riedade e competência; com a mesma posi-ção democrática da qual nunca abrimos mão, pois esperamos, muito antes, levá-los aos EGEDs, aos ENEDs, às discussões da Univer-sidade, para que se crie uma cultura política diferente da que atualmente as mais diversas siglas na UFPel promovem; intentamos uma cultura de participação, transparente e dire-ta, e não simplesmente de votação, de tiros no escuro em grupos repentinos e fechados. Dessa feita, fica o convite: participe! O

CAFV, a Faculdade, a Univer-sidade e também a sociedade esperam que os estudantes recuperem sua ousadia, sain-do das quatro paredes e das aulas-expositivas do ensino jurídico e também expondo sua opinião, seus anseios, nos espaços democráticos que es-tão ou precisam ser abertos para que deles participemos.

CORERED - Pelotas

CAFV 2009 – Da gestão CAMARÃO QUE DORME A ONDA LEVA

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Quando duas palavras se grudam nos discursos políticos, nunca mais se desatam. Exemplo: desenvolvimento sustentável. Na oratória demagógica, isso é sinônimo de um progresso responsá-vel, freado e refreado. Só que na prática ninguém quer maneirar no fermento e nossa vida só se entope de porcarias num desatino in-controlável. Mesmo assim o binômio não sai de cena. Seu prestígio só cresce, junto com a nossa insensatez e o tal desenvolvimento. O progresso, ele próprio, é a causa do nosso delírio. Representa um desvario que vem com as necessidades fajutas criadas em guerras, passeios espaciais, mergulhos abissais, etc. É assim que o quotidiano se dissolve em problemas artificiais, de segunda ordem. Pelo menos se as grandes invenções fossem ingênuas, como a panela de teflon, estaria tudo bem. Mas junto com a prosaica panela que não deixa gru-dar, a Segunda Guerra nos legou a bomba atômica. Tivemos prejuízo. Nessa brincadeira descontrolada da civilização, sempre sobra o pior para a dimensão ecológica da existência. E tem gente que vê nos proto-colos ambientais um entrave para, adivinhem, a evolução da humanidade. Recentemente o Ministro do Meio Ambiente anun-ciou um pacto verde com o BNDES para vetar incentivos a ne-

gócios ligados à pecuária na Amazônia, já que a criação de gado é a principal causa do desmatamento. Os pecuaristas retruca-ram, colocando em pauta o desenvolvimento da região Amazônica. Mas a floresta precisa é de conservação, e não de desenvolvimento! Assim como nós também não precisamos diminuir a espessura da TV e o tamanho do celular. Temos mesmo é de olhar para o grande débito acumu-lado e assimilar a gravidade da conjuntura. Enquanto a geração de 60 se preocupava em reinventar o mundo, a geração atual tem o trabalho de evitar que nosso pequeno planeta não se esvaia num colapso. Os veteranos falha-

ram, e se não houver uma virada os “bixos” caminharão pela mesma trilha.

Envolvimento SustentávelPor Anderson de Mello Rechow¹

¹Estudante de Direito na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Contato por <[email protected]>.

Dizer Montaigne: como? Tanto já se falou sobre ele; ele mesmo já falou tanto sobre si. Falar sobre Montaigne só faz sen-tido se falarmos com Montaigne – na esteira do que Roland Bar-thes ensina. E mesmo reconhecendo que o gênio suspende as fo-lhas do calendário e se situa, sempre, fora do tempo, vale dizer que Montaigne nasceu na França do século XVI, no ano de 1533, na região da Aquitânia, onde o espírito francês mistura-se com traços ingleses, tempera-se com os bascos, e de resto, com todo o mundo, já que sua capital, Bordeaux, é uma cidade portuária em permanente contato com o exterior. Daí talvez o cosmopolitismo de Montaigne, e já abandono minha escritura para ceder à voz do próprio autor, que diz melhor: Não porque o disse Sócrates, mas porque em verdade o penso, todos os homens são meus com-patriotas (...). Abraço um polonês como abraçaria um francês, fazendo passar os laços que unem os indivíduos de uma nação após os que vinculam uns aos outros os habitantes do mundo. O tal século de Montaigne, o XVI, constitui um período mar-cado por mutações significativas, como as grandes navegações e descobertas, por meio das quais o mundo se redesenhou e rein-ventaram-se os mapas; a difusão lenta, mas crescente, da palavra escrita, fruto da invenção da imprensa; o resgate da razão, pelo livre exame dos textos (mesmo, e sobretudo, os sagrados); e as reformas religiosas, que retiraram dos católicos o monopólio do discurso cristão. Nesse Renascimento, nem tudo é louvável: oito guerras de religião varrem a França e deixam episódios incontor-náveis para o imaginário ocidental, como a Noite de São Bartolo-meu, em que milhares de protestantes foram mortos. Logo, é ain-da mais importante que em meio à total intolerância Montaigne tenha estabelecido padrões de civilidade e liberdade válidos até hoje: cada homem traz em si a forma inteira da condição humana. A obra que porta suas idéias e que se confunde com sua vida são os Ensaios. O título diz tudo, ou quase: não se trata de um pensamento sistemático, mas de uma sucessão de tentati-vas e experiências. Montaigne cria um gênero literário novo em que a escritura é marcada pela subjetividade do autor (tenho uma maneira de pensar que me isola dos outros, e, por outro lado, sou de uma ignorância pueril acerca do que todo mun-do sabe), pela diversidade de temas (há ensaios sobre o medo,

o pedantismo, a educação das crianças, os canibais, os odores, a embriaguez, os polegares, a virtude... qualquer tema me ser-ve, uma simples mosca pode ser o pretexto) e por um método de abordagem livre (em um mesmo capítulo, fala sobre espirros, viagens, medo, luxo nas vestimentas e povos do novo mundo). “O que sei eu?” é a pergunta que orienta os Ensaios e a resposta de Montaigne é tanto mais extraordinária pelo fato de que aquilo que ele sabe, vai sabendo enquanto escreve. O ser e o saber de Montaigne confundem-se porque é a própria escritura que faz o homem, não as certidões do registro civil. E chega o mo-mento de perguntar: qual a relevância dos Ensaios para o direito? Em primeiro lugar, a pergunta “o que sei eu?” é muito pertinente ao jurídico (no aspecto legiferante, jurisprudencial, doutrinário – que sei sobre os fatos que se discutem nos au-tos? Que sei sobre as provas? Que sei sobre o direito, o justo, o legítimo?). Os Ensaios pretendem tratar de quase tudo e nisso também se assemelham ao direito, que visa regular a quase to-talidade dos fatos. Um direito totalizante pode evocar facilmen-te um direito totalitário, o que Montaigne combateu com máxi-mo vigor – esta é, aliás, sua maior contribuição ao jurídico: as três gerações de direitos fundamentais são antecipadas em sua obra; mesmo direitos sociais e difusos que só foram consagra-dos no século XX (e que ainda são com freqüência inobservados), como a cultura e o meio-ambiente, foram defendidos por ele. André Gide, em um ensaio sobre Montaigne, com-para-o ao Cristo, quando, no Evangelho de João, respon-de a pergunta posta por Pilatos (“que é a verdade?”): eu sou a verdade. Arriscando uma traição, prefiro roubar as pala-vras de Pilatos sobre o Cristo e usá-las para dizer Montaig-ne: eis o homem. Eis o homem que é credor de todos nós.

Com MontaignePor Marcelo C. S. Maraninchi²

²Estudante de Direito e de Letras na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Contato por <[email protected]>.

5ARTIGOS

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O ACADÊMICO

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Vejo aquela pessoa na rua como vejo os prédios. É apenas mais uma que passa. Na televisão, todo dia, as tragédias são digeridas junto ao café: engolimos e seguimos a rotina. Mas de que maneira isso se reflete em juízos morais, isto é, no modo pelo qual julgo uma ação? Quando falamos em maniqueísmo, vulgo bem versus mal, logo o tachamos de simplismo oco. Em outras palavras, ser-bom-e-ir-pro-céu ou ser-mau-e-ir-pro-inferno já não é uma escolha racional para a maioria das pessoas, que, com o avan-ço das ciências, notaram haver maior complexidade na socieda-de, seja no que concerne às relações interpessoais, seja no que concerne ao indivíduo em si. Desse modo, não há que se falar em um indivíduo intrinsecamente mau, tampouco se falará em relações inerentemente doentias. Seria o mesmo que dizer que nasceram com o Diabo, o que, embora aceitável religiosamen-te, cientificamente faz-se anedota. E o Direito não é uma piada. Contudo, estamos frente a uma superficialização cada vez maior dos problemas, fazendo com que nossa Ciência Jurídica, por parte das outras, seja motivo de risos. Quando, por exemplo, dis-cutimos aborto, ignoramos que há diversas concepções de come-ço de vida: falamos apenas em uma boa e em outra má; no mes-mo caminho, quando vemos alguém cair, nosso reflexo imediato se traduz em buscar algum pé no qual a pessoa tenha tropeçado. Um pé mau, claro, porque de maneira nenhuma haverá sido pedra, desequilíbrio ou distração; sempre há alguém e alguém culpado.

Superficialidade e DireitoPor Lawrence Estivalet 4

Dessarte, não temos sido uma sociedade que se uniu pelo bem comum, mas, sim, vários grupos unificados, que, frente a quaisquer conflitos, precisam expor um lado, qualquer lado, des-de que esse lado seja seu, fazendo com que, muitas vezes, criem-se pontos e contrapontos apenas para se ter o que defender. É a dialética do espetáculo: se não há conflito, dois lados, um para torcer e outro para bater, não há razão de existência. E nós, so-ciedade, pedimos ao Direito – sociedade –, que decida o corre-to. Porque, em honestas palavras, não somos capazes sozinhos. É necessário que, de uma vez por todas, debrucemo-nos sobre e para a crítica, para a instigação, para a investigação: é che-gada a hora de nos posicionarmos contrários à naturalização de tudo, oriunda desse simplismo (mal-)digerido que nos é imposto pela lei, pela mídia, notando que o Direito não parte apenas do consagrado pelas auctoritas: parte do dia-a-dia, da cultura, das ruas. Não é possível que se fechem os olhos à realidade social, aos avessos culturais e legais e, ainda assim, se possa falar em "justiça". Pois que sem observar cada situação-problema com a consciência de que nos falta uma consciência, perpetuaremos o desprestígio intelectual e moral do Direito – que, quanto à eficá-

cia, encontra-se separado de qualquer ética minimamente séria.

Estudante de Direito e de Filosofia na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Contato por <[email protected]>.

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A Rede Sob AmeaçaPor José Antônio Magalhães³

³Estudante de Direito na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Contato por <[email protected]>.

Enquanto isso, no Ministério da Justiça, Tarso Genro se posicio-nou contra o projeto do Senador Azeredo, criando uma proposta para diminuir os seus efeitos danosos. Contudo, o novo projeto está sendo reputado como ainda mais preocupante que o anterior. A proposta alar-mantemente inclui os provedores de conteúdo para que, assim como os de acesso, precisem ser capazes de levantar todos os dados de seus usuários e mantê-los disponíveis por longos períodos, sob pena de fortes sanções. Acontece que, como provedor de conteúdo, enquadra-se todo e qualquer site onde se acesse qualquer conteúdo. Dizer que cada provedor de conteúdo terá que ser capaz da fiscalização que se pretende é tornar inviável a esmagadora maioria dos sites dispo-níveis no país. Os pequenos sites nunca poderiam preencher as exi-gências e desapareceriam. Os grandes, de origem internacional, não iriam implementar as mudanças, restando dois caminhos: ou se-ria exigida a fiscalização apenas de sites brasileiros, o que seria uma injustiça, ou os sites internacionais seriam bloqueados no país. O que os opositores da liberdade na internet não percebem é que a fiscalização dos usuários e de seus movimentos, assim como o tratamento dos dados virtuais como se fossem bens móveis comuns, é um erro. Não percebem que o que temos aqui é um novo paradig-ma, que oferece muito mais possibilidades boas do que ruins, mas que não pode se submeter aos mesmos princípios usados anteriormente.A rede de computadores é o centro de uma nova era da cultura de mas-sas, que obedece a um novo conjunto de princípios. Sua característica é a fluidez de informações e a liberdade de acesso extremas. Mesmo que pareça um tanto assustador que não possamos aplicar a esse novo meio os nossos velhos métodos, esta é a realidade com que temos que lidar. É preciso muito cuidado com o novo, mas é preciso também que não nos deixemos desperdiçar as possibilidades que ele nos oferece.

Em Agosto do ano passado, foi aprovado no Senado o Subs-tutivo ao Projeto de Lei da Câmara nº89 de 2003, que pretende re-gulamentar o uso da internet, criando inclusive um novo conjun-to de tipos penais. Proposto pelo Senador tucano Eduardo Azeredo, o projeto, ainda em trâmite, vem sendo alvo de duras críticas por parte dos internautas, que já chegaram a apelidá-lo de AI-5 Digital. Inicialmente a intenção era que os usuários fossem obrigados a fornecer vários dados pessoais para qualquer atividade realizada na rede. Os provedores então teriam que fornecer esses dados, bem como o histó-rico de tudo o que o usuário praticou enquanto conectado, para as auto-ridades. O Art.22 do Substitutivo aprovado, embora não exija expressa-mente o provimento de dados pessoais, ainda institui o vigilantismo na rede e cria a figura do provedor delator, com pena para o que descumprir. Esta espécie de medidas sufocadoras, além de atentar con-tra a privacidade dos usuários comuns, seria extremamente one-rosa para os provedores, que teriam que estabelecer um sistema para coletar os dados e mantê-los armazenados pelo período de 3 anos. Os provedores, é claro, repassariam este custo aos usuá-rios, tornando a internet extremamente cara para uso doméstico. Ao mesmo tempo, enquanto os usuários comuns são fis-calizados e onerados desnecessariamente, os verdadeiros cri-minosos não serão afetados. Com efeito, os usuários mal in-tencionados saberão mascarar a sua identidade na rede, como sempre fizeram, ou usarão identidades falsas. Sairão intocados. E as críticas não se resumem a isso. Um dos principais opositores do projeto na internet, o acadêmico e blogueiro Sérgio Amadeu, defende que a dubiedade dos dispositivos pode impossibilitar qualquer ativida-de na internet, mesmo o puro e simples acesso a qualquer site da rede. Essas desproporções levam os críticos a se perguntarem por que há tanto interesse e pressa na aprovação dessas providências sem a devida discussão com a comunidade. O Doutor em Filosofia Bajonas de Brito Junior levanta que “os que mais desejam algemar a internet são os que mais lucram com ela: os bancos e as empresas de cartões de crédito” imaginando que terão maior proteção para seus dados contra os criminosos “às custas da privacidade de toda a população”.

6ARTIGOS

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O ACADÊMICO

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No começo deste ano letivo os grandes jornais do Estado noticiaram a situação de Geovan Araújo, morador de rua aprovado no vestibular da UFR-GS dezenove anos após concluir o ensino médio. Geovan não havia consegui-do efetivar sua matrícula por não possuir o histórico escolar de sua escola no Piauí. Entretanto, ao fim, ele conseguiu se matricular pela pressão da mí-dia, e com a ajuda do Governador de seu estado que remeteu os documen-tos por fax. Ocorre que, no mesmo dia, outro estudante aprovado no vesti-bular sofreu com o mesmo problema: calouro da Faculdade de Direito teve sua matrícula rejeitada por não possuir o histórico escolar que comprovas-se ter ele cursado mais da metade do ensino fundamental em escola pública. Este estudante, logo após a verificar seu nome no listão, dirigiu-se a sua escola para pegar uma via do seu histórico escolar. Informaram-lhe que este demoraria muito para ficar pronto, prometendo o documento para mais de três meses depois do pedido e que ele deveria voltar mais tar-de. Porém, sabendo que sua matrícula dependia de tal documento, diligen-ciou junto ao órgão da SEC para agilizar a confecção do documento. Prome-teram para o início de março (diminuindo o prazo para quase dois meses), mas lhe forneceram uma Declaração que poderia resolver o problema, pois declarava e atestava que ele havia estudado todo o ensino fundamental lá. Quando se dirigiu a Universidade para efetivar a matrícula, apesar de não possuir exatamente o documento exigido no Edital, possuía a Decla-ração. Detalhe: o documento dizia claramente que ele “(...) foi aluno de nos-sa instituição onde cursou o ensino fundamental iniciado em 1985 e concluí-do em 1992. O referido aluno portanto realizou seu ensino fundamental todo junto a nossa instituição que é uma escola pública. (...)”. Mas, mesmo assim, sua matrícula foi indeferida. Ou seja, não conseguiu se matricular apesar de efetivamente ter comprovado que estudou em escola pública, e por um documento emitido pela própria escola (assim como o histórico escolar!). Pois bem, a discussão trazida à tona por fatos como estes (os quais, com certeza, são mais corriqueiros do que parecem), gira não apenas em torno da burocracia da universidade, mas também sobre o dever da admi-nistração pública de fornecer documentos ao cidadão em tempo razoável. Ora, parece cristalino que a administração pública em geral tem o dever de prestar informações de forma célere. Poderia-se, aqui, citar dispo-sitivos e princípios constitucionais que garantem o devido processo no âm-bito administrativo e a celeridade processual no fornecimento de documen-tos. Contudo, fato é que para alguns estudantes brasileiros – os aqui citados são apenas dois exemplos – obter documentos é um processo kafkiniano bastante parecido com aquele em que se tenta cancelar uma linha telefô-nica. Faz-se do cidadão uma bola de pingue-pongue, de setor em setor, de ramal em ramal, até que em um longínquo dia a administração lhe “presta o favor” de lhe fornecer os raros exemplares dos documentos requeridos. Ironias à parte, a administração pública de modo geral não pode de-pender de pressão para fornecer documentos em tempo hábil. É preciso que

o estado preste o serviço público com qualidade e eficiência, como constitu-cionalmente previsto. Ser aprovado em concurso público como é o vestibu-lar e se matricular na universidade não pode ser uma corrida de obstáculos. Não obstante, no caso narrado, havia um documento público certifican-do que o estudante tinha sido aluno de determinado colégio estadual e que a confecção do histórico demoraria. Será que esse problema não poderia ter sido resolvido administrativamente? Não é exigível e razoável que haja uma alterna-tiva mais urbana, eficiente e legal ao simples e curto indeferimento da matrícu-la? O próprio edital do Vestibular e o sistema de matrícula não deveriam prever mecanismos para resolver essas (previsíveis) situações sem maiores traumas? Lembremos: estamos a discutir o direito fundamental à educação, de modo que o poder público deve facilitar sua efetivação ao invés de dificultá-la. Assim, evi-taríamos o desgaste de chamar o suplente, ele se matricular e posteriormente ser citado em processo judicial, correndo o risco de ser desligado da universidade. Com efeito, há que se diferenciar o que é legal, previsto na legislação e no próprio edital do Concurso Vestibular do que é um legalismo desarra-zoado. Muito se fala da boa e da má burocracia ou do formalismo excessi-vo. Nesse ponto, não se discute o histórico em si; naturalmente, exigir o his-tórico escolar é perfeitamente cabível e plenamente legal. No entanto, falha o serviço público quando não exerce seu papel de ponderar as nuances dos casos concretos, constituindo-se em um sistema incapaz de dar uma presta-ção eficiente e justa a qualquer situação que fuja minimamente do padrão. Se a administração pública tivesse sempre que agir como máquina, sem pon-derar as situações da vida real, não precisaríamos de funcionários públicos nem de administradores públicos, precisaríamos apenas de computadores... No caso do estudante do direito, apesar de ter interposto recurso ad-ministrativo em conjunto com o Centro Acadêmico, hoje, passado mais de meio semestre, o recurso sequer foi apreciado. Pelo menos, por meio da De-fensoria Pública da União ele conseguiu liminar que lhe garantiu a matrícula. Contudo, o suplente foi chamado e esta cursando a Facul-dade. Ao que tudo indica, também deverá ser chamado para se ma-nifestar no processo, pois se for procedente, perderá a vaga. Cer-tamente este constrangimento poderia – e deveria – ser evitado. O calouro de direito teve que começar sua vida acadêmi-ca apelando para o já abarrotado Poder Judiciário, afinal, governado-res não podem ajudar individualmente a cada cidadão deste país...

A Universidade e a Administração PúblicaPor Bruno Irion Coletto

Estudante de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato por <[email protected]>.

bos e a improdutividade de determinadas porções de terras por estarem situ-adas em beira de estradas e em pés de serra. Notou-se que o poder estatal não garante os direitos fundamentais básicos. Aquelas comunidades são tratadas desigualmente, vivendo isoladas, quase que escamoteadas da nação. Sem tra-balho fixo, garantia legal de nossa Constituição e da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); onde estes brasileiros sobrevivem da realização de “bicos” em propriedades particulares e assim por diante. Parece faltar interesse estatal na aplicação dos direitos estabelecidos, demonstrando com isso desconsiderar as minorias e afrontar o direito de propriedade constitucionalmente consagrado.As vozes por nós ouvidas, no calor das entrevistas, nos relataram fatos que cha-maram a atenção, como por exemplo: o desconhecimento da história dos seus antecedentes; a falta de conhecimento da ciência direito e com o que essa palavra pode se correlacionar; a falta da titulação das terras tanto no modo tradicional quanto no amparo peculiar legal previsto no contexto do artigo 68º do ADCT. O baixo grau de escolaridade também é impressionante, com a maioria tendo cur-sado apenas a escola primária e outros fatos que seguem a mesma linha negativa.A propriedade definitiva de suas terras com os respectivos títulos de propriedade constituiriam um passo significativo para diminuir as desigualdades, evitando assim a migração dos remanescentes para a zona urbana e o aumento da popula-ção carente nas áreas marginalizadas das cidades, eliminando conflitos e injus-tiças historicamente impostas aos negros. Conforme constatamos, tal direito de propriedade ainda não foi concretizado devido à morosidade burocrática estatal.

Remanescentes, o quilombo pelotense e o direito de propriedade

O texto apresenta uma abordagem interdisciplinar sobre a escra-vidão e algumas de suas conseqüências atuais, fundamentado na antropo-logia, história, sociologia, direito constitucional, direito de propriedade e, igualmente em uma pesquisa de campo nas comunidades quilombolas, em Pelotas. Para isso adotamos o método qualitativo, onde aplicamos aos qui-lombolas um questionário composto de quatorze perguntas (em outubro de 2007). Por se tratar de comunidades específicas, a cada entrevista aplicada uma novidade. Pesquisa de campo qualitativa tem dessas, e como nos ensi-na Boaventura de Sousa Santos (2006) só no contado direto para se come-çar a entender os diversos sabores e dissabores dos inúmeros grupos sociais. A formação histórica, cultural e o desenvolvimento do Brasil ocorreram através da migração forçada de escravos oriundos da África para trabalharem no cultivo da cana de açúcar, café e outras culturas. Em nossa região o trabalho escravo foi importantíssimo para o crescimento econômico da nossa cidade - as atividades nas charqueadas trouxeram prestígio e riqueza para os aristocratas do charque. Trabalhar na charqueada era considerado cruel, desumano e exausti-vo. Além disso, os escravos traziam consigo a tristeza de serem escravizados e maltratados, sem perspectivas de sobreviverem ao trabalho e aos castigos a que eram submetidos. Nestas circunstâncias fugiam em direção a denomi-nada Serra dos Tapes (zona rural de Pelotas) formando os quilombos, sendo o maior e mais importante o Quilombo de Manoel Padeiro. Após a abolição da escravatura, os negros ficaram entregues à sorte, pois não possuíam bens nem propriedades, fazendo com que alguns ex-escravos permanecessem nas fazendas trabalhando simplesmente para se alimentar. No entanto alguns permaneceram em seus antigos quilombos e muitos passaram a residir em torno dos centros urbanos constituindo assim as periferias (DE LEÓN, 1991).Constatamos a precariedade em que vivem esses remanescentes de quilom-

Por Elbio Hermes da Silva Gomes, Diego Furtado Linhares e Robson Jardel dos Santos Leal

Estudantes da Faculdade de Direito Anhanguera. Contato por <[email protected]>.

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7ARTIGOS

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O ACADÊMICO

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CAFV ENTREVISTA: ADVOGADO E PROFESSOR

DR. LUÍS ROBERTO BARROSOPor Lawrence Estivalet e Luís Henrique Orio

Começando um pouco pela sua trajetória,

1 Gostaríamos de saber o que trouxe o senhor para o Direito e, em específico, para o Direito Constitucional. Além disso, por que a escolha pela Academia e pela advocacia.

O Direito foi um caminho natural na minha vida. Não tive mui-tas dúvidas quando prestei vestibular. Minha família era de Vassou-ras, no interior do Estado do Rio, e mudamos para o Rio de Janeiro quando meu pai prestou concurso para o Ministério Público estadual. Minha mãe era igualmente advogada, em uma época na qual era me-nos comum as mulheres seguirem uma carreira profissional. De modo que eu cresci nesse ambiente e me identifiquei com ele desde cedo.Durante a Faculdade, eu me dividia entre estudar e participar intensa-mente do movimento estudantil. Isso foi na segunda metade da década de 70 do século passado. Já não eram os anos de chumbo, mas ainda eram tempos difíceis. Eu ajudei a reconstruir o Centro Acadêmico e era editor de um jornal universitário, o “Andaime”, que combatia o regime militar. Em 1979, penúltimo ano da Faculdade, eu tive que tomar uma decisão entre ir para a política ou ficar no direito. Foi aí que fiz a escolha pelo di-reito constitucional, que na minha cabeça era uma forma não partidária de fazer política e ajudar a desenvolver as instituições democráticas.A minha escolha principal na vida foi pela academia. Desde a primei-ra hora, era isso que eu queria. Eu sou um professor que advoga, e não um advogado que dá aulas. Mas a advocacia foi uma casualidade na minha vida. Não fazia parte do meu projeto. Em 1985, eu pres-tei concurso para a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro e pensava em parar por ali. Seria um professor e teria um cargo pú-blico razoavelmente remunerado. No início da década de 90, quan-do eu voltei da minha pós-graduação em Yale, nos Estados Unidos, os Estados da federação viviam uma crise financeira muito gran-de e a soma da remuneração das minhas duas atividades – UERJ e PGE – era muito baixa. Eu era recém-casado e precisei complemen-tar minha receita. Aí comecei a advogar, no início bem modesta-mente.Ainda hoje eu advogo em um número limitado de questões.

2 Como foi a sua atuação enquanto estudante de Direito na UERJ? Tivemos acesso à notícia de que o se-nhor fez parte da equipe editorial do jornal Andaime. Conte-nos um pouco a respeito dessa experiência.

Como disse, nós tínhamos um grupo que participou da re-construção do Centro Acadêmico Luiz Carpenter-Livre, como o chamávamos. Não éramos mais do que uma dúzia, talvez duas dezenas. Mas havia muitas divisões. Era uma época de extrema politização e havia representantes de todas as tendências: des-de a esquerda liberal até os que defendiam a luta armada. O gru-po ao qual eu pertencia chamava-se “Construção”, que congre-gava os socialistas democráticos e os liberais progressistas. Na minha biblioteca de casa eu ainda tenho uns pôsteres dessa época.Depois de muitos rachas, o nosso grupo se reuniu e nós fundamos o Andaime. Foi uma experiência de vida muito enriquecedora. Em primeiro lugar, pela oportunidade de passar do discurso à atuação concreta. Era um jornal mensal, mas dava um trabalho danado. Nós escrevíamos o jornal, rodávamos ele de madrugada na gráfica da Tribuna da Imprensa e depois vendíamos na Faculdade. Eram cer-ca de mil exemplares por edição. E ele contribuiu para um debate importante naquele final de regime militar. E isso em um ambien-

te tradicionalmente conservador, como era a Faculdade de Direito.

Quanto à teoria do Direito,

3 Com base em que premissas o senhor acre-dita que se perpetua a Dogmática Jurídica Tradicio-nal, com sua pretensão de completude, pureza cientí-fica, racionalidade da lei e neutralidade do intérprete?

Eu acho que o direito contemporâneo passou por uma revo-lução profunda e silenciosa em menos de uma geração. Essas cate-gorias tradicionais, que vêm do positivismo jurídico, ainda têm am-plo curso e, de certa forma, ainda preenchem um papel relevante. Mas há um conjunto de idéias novas, que se articulam em uma visão pós-positivista do direito, que contribuiu para o desenvolvimento de uma cultura jurídica menos rígida e mais progressista. Uma re-aproximação entre o direito e a ética, entre o direito e a teoria da justiça. Nesse mesmo processo, o princípio da dignidade da pes-soa humana passa para o centro do sistema jurídico e cria-se uma cultura fundada nos direitos humanos, nos direitos fundamentais. É claro que esse direitos não se realizaram em plenitude. Longe disso. Mas no plano das idéias, no plano moral, esta é uma cultu-ra vitoriosa. Tudo agora é uma questão de tempo e de compromis-so com as transformações das estruturas reais de riqueza e poder.

4 Como o senhor pensa que podemos conci-liar os compromissos da legalidade democrática com o compromisso pela emancipação dos sujeitos?

Na minha época do movimento estudantil, onde havia por parte de muitos a crença em alternativas revolucionárias autoritá-rias, causou grande impacto um artigo do Carlos Nelson Coutinho intitulado “A democracia como valor universal”. Ele foi enxova-lhado pela turma que tinha uma visão mais radical. Mas eu acho que ele estava certo. Nós temos que saber fazer o processo social avançar dentro do quadro das instituições democráticas, do plu-ralismo, da tolerância. Mas temos que ter compromisso com uma democracia inclusiva, com projetos ambiciosos em matéria de edu-cação, saúde, saneamento, financiamento habitacional para fa-mílias de baixa renda, serviços públicos de qualidade. Criar, pro-gressivamente, um ambiente de igualdade de oportunidades.

5 A educação jurídica tem alguma importância nesse papel? Qual?

Penso que tem tido, sim. O direito deixou de ser um mundo à parte, com sua linguagem hermética e seus ritos impenetráveis, e pas-sou a ser um componente importante da realidade social e política. Acho que nós nos aproximamos da sociedade. O próprio Poder Judi-ciário, há trinta anos atrás, era visto como algo distante do povo, do cidadão comum, a famosa “torre de marfim”. Era um condomínio de gente conservadora, elitista e reacionária, com as exceções que confir-mam a regra. Hoje, o Judiciário faz uma interlocução importante com a sociedade e tem sido um agente importante para o avanço social e mesmo para a moralidade política. Não quero induzir a uma imagem fantasiosa, mas há um Judiciário parceiro da sociedade. Antigamen-te, juízes e tribunais se achavam diferentes e, de certa forma, supe-riores. Magistrados não pagavam nem imposto de renda. Hoje isso

seria impensável. É muito nítido o avanço civilizatório nessa matéria.

ESPECIAL8

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– Luís Roberto Barroso possui graduação em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1980), mestrado (L. L. Master Of Laws) pela Universidade de Yale, EUA (1989) e doutorado em Di-reito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2008), livre-docência pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1990). Atualmente é pro-

fessor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

Tendo em vista sua inserção no tema, mediante publicações vinculadas à ADPF do governador Sérgio Cabral,

6 Qual a sua expectativa em relação à ação proposta pelo governador Sérgio Cabral acerca do reconhecimen-to de direitos dos ditos LGBT, tendo em vista (i) a recente decisão acerca do STF MED e (ii) a proposição de ADPF da Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat?

Acho que os que são contrários vão se apegar na questão do cabimento da ADPF. Mas acho que há chance de se formar uma maio-

ria favorável, nas duas ações.

7 Há quem defenda que a união estável é uma es-pécie de casamento de segunda classe. Por que, en-tão, não se buscar diretamente o casamento para os pa-res LGBT? Seria a união estável um avanço estratégico? Está lá no belo verso do poeta espanhol Antonio Machado: “Ca-minante no ha camino; Se hace camino al andar”. Eu acho que a ex-tensão do regime da união estável foi o caminho natural, na medida em que se caminhava. É provável que o caminho continue e leve a no-vos lugares. Não se pára a história com visões morais rígidas. Eu acho que a ética e a autenticidade levam mais longe do que as estratégias.

8 Qual a dimensão da interferência de prin-cípios religiosos nas decisões judiciais e legisla-tivas em questões como direitos LGBT e aborto?

A Igreja é uma força social importante em um país como o Brasil e acho que ela tem todo o direito de participar do debate público e pro-curar influenciar os comportamentos da sociedade. Mas sua autorida-de tem de ser a dos argumentos e não a do poder. O poder estatal tem que ser laico, tem que ser fundado na razão pública, e não em doutrinas morais ou religiosas abrangentes. A marca da democracia é o pluralis-mo, a existência de desacordo moral razoável entre as pessoas. Temos que encontrar meios de convivência civilizada e harmoniosa entre di-ferentes. Quem pensa de maneira diferente da minha não é meu inimi-go, mas meu parceiro em um mundo marcado pelo pluralismo e pela diversidade. Criminalizar a conduta razoável de quem pensa diferen-

temente de mim é uma forma autoritária e intolerante de vIver a vida.

Ainda sobre temas que estão em pauta na discussão pública, gostaríamos de saber a sua opinião sobre

9 A privatização dos presídios. Suas causas, sua efetivi-dade e seus perigos; e

Não me movo, nessa altura da vida, por palavras de ordem nem clichês. E procuro não ter preconceitos. Nessa, como em outras ques-tões envolvendo privatização, a pergunta a fazer é a seguinte: qual fórmula é melhor para a sociedade, para a dignidade humana, para a proteção dos diretos fundamentais? Quando a telefonia era esta-tal e uma empregada doméstica não tinha acesso a um telefone fixo, muito menos a um celular, o modelo não era democrático. Se agora tem acesso, a preço razoável, o modelo melhorou. Então, foi bom. Se a estrada ficou melhor com o pedágio, mas um trabalhador não tem mais condições de trabalhar na cidade vizinha porque o pedágio con-some seu salário todo, o modelo é ruim. Tem de haver uma alternativa para ele. De modo que é preciso olhar sem preconceitos. Se a experi-ência com a privatização permitir que o sistema penitenciário deixe de ser o mundo de horrores que é, eu acho boa. Se mantiver tudo como está, e virar fonte de lucro para os de sempre, eu acho ruim.

10 A recente decisão do STF acerca da inexigibilidade do diplo-ma para exercer a profissão de jornalista tem qual amplitude? Hou-ve, de fato, desregulamentação da profissão? Se sim, pode-se dizer que o Jornalismo foi a primeira de muitas profissões que seguirão pelo mesmo caminho? Eu não me considero um interlocutor especialmente qualificado para debater esta questão. Não a estudei. Como observador não-engaja-do, a decisão do STF me pareceu razoável na questão da profissão de jor-nalista. Mas não refleti sobre sua repercussão sobre outras profissões.

Por fim, quanto à sua atuação na defesa do caso Battisti,

10 O senhor pensa que há politização excessiva do Judi-ciário ao se defrontar com problemas como esse? Por quê?

O caso Battisti é um exemplo típico – embora não rotineiro – de má mistura entre política e direito. Para atender um pedido da Itália e por adversidade política com o Ministro da Justiça do Brasil, inúme-ras linhas jurisprudenciais consolidadas e corretas correm o risco de serem postas de lado. Isso em relação à distinção entre ato vinculado e discricionário, em relação à competência em matéria de relações in-ternacionais e em relação ao controle do mérito de atos políticos. E até no tocante à prescrição. Sem mencionar uma visão dos fatos que se funda em que não tenha havido nem legislação de exceção nem anos de chumbo na Itália. É claro que a jurisprudência pode mudar, mas não se deve tratar os precedentes com desimportância. O direito precisa de coerência, de respeito às categorias conceituais, à impesso-alidade. Nos Estados Unidos costuma-se dizer que “hard cases make bad Law”. Este é um bom exemplo. A Itália, a política, o anticomunis-mo tardio, a cobertura da imprensa e outras circunstâncias brasileiras transformaram uma questão simples em uma questão complexa. Ape-sar de tudo o que acabo dizer, se o STF decidir no sentido da extradi-ção e o Presidente da República optar por extraditar, a decisão deverá ser acatada. É preciso ter maturidade e respeitar as instituições mes-mo quando elas não satisfazem nossas expectativas circunstanciais.

9ESPECIAL

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INTEGRE-SE!

Serviço Universitário de Resistência e Justiça para a Autonomia

Algo que nasceu de um imperativo de consciência de quem lhe deu o ímpeto inicial não poderia ser batiza-do senão com um também imperativo. Imperativo este que não pretende determinar, em sua acepção grama-tical, mas sim expressar uma exortação, um clamor.Ao bradar “SURJA”, quiçá ainda um sussur-ro, o Serviço Universitário de Resistência e Jus-tiça para Autonomia, coletivo que aqui se apresenta, hermana seus braços e corações às cole-tividades para as quais surgir para o mundo é um desafio árduo e uma vocação a ser compartilhada.

I EFAJUP

No primeiro “Encontro de formação de assessoria jurídica universitária popular”, o SURJA lançou re-bentos. Durante os dias 10 e 11 de Julho, antevéspe-ra do Dia Mundial do Rock, e já no ensejo impetuoso da data (opcional, ;-p), produziu-se intenso debate, pré-propiciado por farto e abalizado material bi-bliográfico, acerca das possibilidades e caracterís-ticas de um coletivo de estudos e práticas eman-cipatórias e os caminhos de sua criação na UFPel.Pautando-se por um esforço multidisciplinar e de abertura das portas da percepção do Direito, de um paradigma libertário e incitante de educação e de uma revelação social autônoma, valendo-se de experiências históricas e precursoras de serviços legais e assessorias universitárias, delinearam-se leves feições do serviço. O entorno dialético teve ainda atividades lúdicas e dinâmicas inspiradoras.Não esgotadas as variáveis, mas já vislumbrado um horizonte, novos EFAJUPs de aformoseamento do SURJA virão, para os quais fica registrado o convite.

SURGE o SURJA

Bem assim, o Serviço Universitário de Resistência e Justiça para Autonomia se pretende, pois, um seg-mento de ação ampla junto a coletividades que des-cascam a unha seu dia-a-dia subumano, acompanha-das aquelas do necessário estudo e aprofundamento teórico. O mister do serviço é de assessoria multidis-ciplinar, com as ferramentas de práticas educativas principalmente, aproximação de recursos e orienta-ção e, em caráter adjacente, através de demandas ju-diciais de caráter coletivo. O diagnóstico das realida-des de atuação e mesmo a sua especificação prática serão expandidos com o desenvolvimento do grupo.Se o sistema trata de perpetuar a inércia e suprimir os sonhos, o SURJA se puxa para resistir a esta força inibitória. Resistir às forças que levam à inação e ao descompromisso é outro viés de sua personalidade.As instituições e institutos, por mais bem norte-ados que sejam, se mostram eventualmente re-trógrados e consagrados pela realidade material e com vistas a esta manter; daí que há de se bus-car a revisão das convenções, refazendo-as ins-trumento de alcance de autonomia e prota-gonismo amplo, ao cabo dos quais se possa produzir novos e progressistas paradigmas de valor. Ciente da dimensão do desafio, ciente da eficácia da utopia, eis aí o SURJA.

Projeto Areal – Direito de Ação:

O Projeto Areal – Direito de Ação tem como ob-jetivo a prestação de atendimento jurídico à co-munidade carente do bairro Areal. Com a super-visão de uma assistente social e de professores da Faculdade de Direito, os estudantes de Direito colocam em prática os conhecimentos adquiridos em sala de aula através da assistência judiciária.O projeto surgiu em 1999 com uma parceria en-tre a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Unidade Básica de Saúde (UBS) localizada no bair-ro Areal. Desde então o projeto de extensão tem sede no Centro Social Urbano do bairro Areal.A principal finalidade deste projeto é assegu-rar, para a população mais carente, os direi-tos previstos na nossa Carta Maior; é garantir para essa comunidade o direito à informação jurídica e o acesso à justiça de forma gratuita.A seleção para os alunos interessados em participar do projeto ocorre no início de todos os anos, e todos os estudantes de Direito da UFPel podem se inscrever.

nos projetos de extensão da Faculdade de Direito!

Integre-se!

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A seguir breve descritivo dos projetos mencionados:

Dialogando com a 7ª arte:Dialogando com a 7ª arte é um projeto de extensão que tem por finalidade incentivar o debate sobre temas jurí-dicos, sociológicos e filosóficos na comunidade universi-tária. Para tanto, utiliza-se do cinema como ponto de par-tida: os filmes são o pontapé inicial da discussão, que já versou sobre violência, aborto, sexualidade, ditadura etc.Esse projeto nasceu por iniciativa de membros do Centro Acadêmico Ferreira Vianna (CAFV), em 2008, e atualmente é um projeto de caráter transdisciplinar, contando com pes-soas de diversos cursos na sua organização: Biologia, Ciên-cias Sociais, Direito, Filosofia, Jornalismo e Administração.A cada sessão é apresentado um tema diferente. O objeti-vo é abrir um espaço para discutir, argumentar, apresen-

tar opiniões sobre os mais diversos (e sempre relevantes) temas. Ao mesmo tempo em que o objetivo do projeto é “mergulhar” em determinado tema e aprofundá-lo em cada sessão, também o é que se tenha a oportunidade de fazer isso várias vezes, cada vez com um tema diferente em foco.O Dialogando com a 7ª Arte ocorre mensalmen-te, aos sábados à tarde, na Faculdade de Direi-to da UFPel. É gratuito e confere certificado confor-me o número de sessões das quais se participou. Para mais informações, visite: http://www.cafv-ufpel.com/

INTEGRE-SE!nos projetos de extensão da Faculdade de Direito!

A Escola de Educação em Direitos Humanos e Cidadania – EDHUCA da Faculdade de Direito da UFPel realiza o “Projeto Tribunos da Ci-dadania” e o “Projeto EDHUCA: A Escola que Protege”, ambos tratam-se de projetos de extensão finan-ciados pelo Governo Federal, e vi-sam sobretudo a democratização

do acesso à justiça e a promoção, defesa e proteção dos direitos das mulheres, crianças e adolescentes.

A partir de atividades ligadas à comunidades do muni-cípio de Pelotas e de outros dez municípios da zona sul (Rio Grande, Capão do Leão, Morro Redondo, Turuçu, Canguçu, Arroio Grande, Jaguarão, Pedro Osório, Cerri-to e São Lourenço), tais projetos têm dois objetivos cen-trais dentro da ótica universitária: concretizar o tripé educacional composto por ensino, pesquisa e extensão, e, aproximar a Universidade de sua região de abrangên-cia, fazendo assim com que a comunidade apodere-se dos conhecimentos acadêmicos de que pode desfrutar.

TRIBUNOS DA CIDADANIA - é um projeto de inclusão social que tem como objetivo defender, garantir, e promover os di-reitos fundamentais do homem, na sua diversidade, indivisi-bilidade e universalidade, especialmente o dos grupos mais vulneráveis da população, assegurando o acesso democrático à justiça e à tutela jurisdicional do Estado. Pretende contri-buir para a construção coletiva de uma cidadania livre, igua-litária, inclusiva, pacífica, solidária, participativa, multicultu-ralista e democrática, pautada pela ética, pela tolerância, pela justiça social, e pela autonomia e dignidade do ser humano.

Algumas das ações desenvolvidas pelo projeto:

1 Assessoria Jurídica Popular: esta funcionará de forma descen-tralizada, em bairros de Pelotas tendo como foco a Mediação de Conflitos. Os alunos estagiários realizarão atendimentos sema-nais e serão orientados por dois advogados especializados em resolução pacífica de conflitos. Neste contexto, a comunidade

local será instada e estimulada para discutir temas e apresen-tar demandas relativas às suas necessidades. Serão formados grupos de discussão sobre o direito, a justiça, a mediação e o exercício dos direitos, formados por alunos e lideranças locais;

2 Realização de Curso de Formação em Mediação de Conflito, ministrado pela Associação Brasileira de Árbitros e Mediado-res - ABRAME. O curso tem como público alvo acadêmicos e aplicadores de direito em geral, as Promotoras Legais Popu-lares e lideranças comunitárias do município de Pelotas; e, 3 As mulheres que atuam como lideran-ças em suas comunidades serão capacitadas para atuarem como Promotoras Legais Popu-lares, podendo estas ao final do curso de ca-pacitação resolucionarem demandas de for-ma pacífica em seus bairros antes mesmo da necessidade de se recorrer as vias judiciais.

EDHUCA: A ESCOLA QUE PROTE-GE – é um projeto de extensão vol-tado para a capacitação de profis-sionais da área da educação básica para lidarem com o enfrentamento da violência escolar e doméstica,

transformando assim a escola em um espaço de difusão de informações relacionadas a defe-sa dos direitos das mulheres, crianças e adolescentes.

Algumas ações a serem desenvolvidas:

1 Capacitação de 800 profissionais ligados à educação básica visando o enfrentamento da violência domésti-ca e escolar contra mulheres, crianças e adolescentes;2 Produção e construção de material didático e para-didáti-co para instrução quanto a temática principal do projeto; e, 3 Atendimento especializado às demandas educa-cionais das escolas atendidas pelo projeto através de fóruns, debates, discussões, teatros, palestras, etc., relacionados à Educação em Direitos Humanos.

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O PALCO Espaço de cultura e arte!

Este é mais um processoDaqueles de dano moralO autor se diz ofendido Na Câmara e no jornal.

Tem até CD nos autosQue ouvi bem devagar

E não encontrei a calúniaNas palavras do Wilmar.

Numa festa sem fronteirasTeve início a brigantina

Tudo porque não dançouO Rincão da Carolina.

Já tinha visto falarDo Grupo da Pitangueira

Dançam chula com a lançaOu até cobra cruzeira.

Houve ato de repúdioE o réu falou sem rabisco

Criticando da tribuna O jeitão do Rui Francisco

Que o autor não presta contaNunca disse o demandado

Errou feio o jornalistaAo inventar o fraseado.Julgar briga de patrão

É coisa que não me aprazaO que me preocupa, isso simSão as bombas lá em Gaza.

Ausente a prova do fatoReformo a sentença guerreadaRogando aos nobres colegas

Que me acompanhem na estrada

Sem culpa no procederNão condeno um inocentePois todo o mal que se faz

Um dia volta pra gente

E fica aqui um pedidoLançado nos estertores

Que a paz volte ao seu trilhoNa terra do velho Flores.

Aos dias 21 de janeiro do corrente ano, acordam os in-tegrantes da Segunda Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, por una-nimidade dar provimento ao recurso de nº 71001770171. O juiz de Direito Dr. Afif Jorge Simões Neto assim proferiu seu voto:

Sentença de um Juiz Poeta

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O Direito ao Delírio

Que tal começarmos a exercerO direito de sonhar?Que tal se delirarmos um pouquinho?No próximo milênio, o ar estará limpode todo venenoO televisor deixará de sero membro mais importante da famíliaAs pessoas trabalharão para viver,em vez de viver para trabalhar.Os economistas não chamarãonível de vida o nível de consumo,nem chamarão qualidade de vidaa quantidade de coisas.Ninguém será considerado heróiou tolo só porque faz aquilo queacredita ser justo, em vez de fazeraquilo que mais lhe convém.A comida não será uma mercadoria,nem a comunicação um negócio,porque comida e comunicaçãosão direitos humanos.A educação não será um privilégioapenas de quem possa pagá-la.A polícia não será a maldição daquelesque não podem comprá-la.A justiça e a liberdade,irmãs siamesascondenadas a viverem separadas,voltarão a juntar-se, bem unidasombro com ombro.E os desertos do mundo e os desertosda alma serão reflorestados.

Eduardo Hughes GalenaoMontevidéu, Uruguai - 3 de Setembro de 1940

“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” - Cecília Meireles.

O Jovem Na floresta, não existejustiça ou castigo.Quando o álamo projetasua sombra sobre o solo,o cipreste não reclama:“isto é contra a lei”.Mas a justiça dos homensé como a neveque se derreteao primeiro olhar do sol Dá-me a flauta e canta,o canto é a justiçado coração,e o lamento da fautasobreviveao crime e ao castigo. Khalil Gibran