Jornal O Duque #04

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Jornal de arte de Maringá e região. Capa: Arthur Duarte Deisgn editorial: Gus Hermsdorff | Vila Ópera

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QUE LUTAVAM DIA-A-DIAONDE ESTÃO OS CARAS

SEM PERDER A

A nossa quarta edição nasceu de uma in-quietação. A mesma que, em meados de agosto, nos fez brilhar a ideia de fazer possível um sonho antigo: um jornal de

cultura feito com as nossas próprias mãos. É uma confiança plena na arte, aquela certeza de que a reinvenção da expressão artística pode - e deve - mover uma pessoa, um grupo, uma cidade inteira. Essa inquietude está em todas as formas de arte, da música ao teatro, das telas às produções, ins-pirando e transformando o tempo e o espaço que habitamos.

"Onde estão os caras que desenhavam novas ci-dades em guardanapos na mesa de um bar?", é uma referência clara à música "Segunda-feira Blues", dos Engenheiros do Hawaii, uma composição de-siludida que questiona onde foi parar todo aquele furor juvenil experimentado antes. Por isso a bela capa, montada pelo artista Arthur Duarte, de Lon-drina, tem a forma de um manifesto. Nós também, inquietos que somos, nos propomos a responder essa pergunta na matéria especial, que começa a partir da próxima página.

Repetindo a parceria muito bem aceita, o jornal O Duque ganha outra discussão sobre psicologia nas palavras de Rodrigo Corrêa, estudante da Uem e um dos editores do jornal Psicologia em Foco - que todos estão convidados a conhecer. Para essa edição, Rodrigo investiga, por meio de uma escrita afinadíssima, as páginas de um dos mais conheci-dos livros de Tolstói. O Diabo. Para encerrar o ano

do cinema, convidamos a crítica e jornalista Cibele Chacon para fazer uma retrospectiva e eleger os seis melhores filmes de 2013. Tarefa árdua, mas que ela tirou de letra e nos presenteia com uma bela seleção para ver nas férias.

A estreia dessa quarta edição ficou por conta da coluna de Filosofia, que aberta pelas discussões de Donizeti Pugin, mestrando da Filosofia da Uem. Para essa primeira aparição, Donizeti já nos lança a uma discussão deliciosa: o ceticismo - com a ajuda do filósofo, historiador e ensaísta escocês David Hume. Já conhecido dos nossos leitores, Gilmar Leal Santos traz uma valiosíssima discussão so-bre viagem, em sua coluna de poesia. "Três poetas, quatro estradas e vários caminhos" tem Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Ro-bert Frost para nos acompanhar.

Mais que uma resenha literária, a jornalista Ma-ria Joana Casagrande faz, para o leitor dO Duque, um convite para conhecermos e nos apaixonarmos por um livro recém-lançado. Ler "Eu Me Chamo Antônio", do publicitário Pedro Gabriel é, além de tudo, uma experiência estética ímpar, bem res-saltada pelo texto de Maria Joana. E pra fechar a nossa quarta edição, um texto-retrospectiva cheio de mágica e poesia escrito pela estudante de jornal-ismo Amanda Oliveira.

Boa Leitura!

Os editores

TERNURA JAMAIS?

As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

CONSELHO EDITORIALDezembro - Janeiro / Edição nº 04 / Ano I

O jornal da cultura de Maringá e região18.427.739/0001-40

EDITOR-CHEFEMiguel Fernando

JORNALISTA RESPONSÁVELGustavo Hermsdorff

CO-EDITORALuana Bernardes

COLABORADORES

DESIGN EDITORIAL E REPORTAGEM

CAPA E ILUSTRAÇÕES

Rodrigo Corrêa - Psicologia (página 09)Cibele Chacon - Cinema (página 10)Donizeti Pugin - Filosofia (página 11)Gilmar Leal Santos - Poesia (página 12)Maria Joana Casagrande - Literatura (página 14)Amanda Oliveira - #Sarau (página 15)

Arthur [email protected]

Impressão: Jornal O DiárioTiragem: 3.000 exemplares16 Páginas / Tablóide Americano

Críticas, dúvidas ou sugestõ[email protected]

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Especial //

Quem duvida do poder da arte? Quem de nós pode afirmar, sem medo, que o mundo so-breviveria sem qualquer expressão artística? É impossível imaginar o homem sem um toque de tinta, uma poesia sussurrada ou uma batu-cada despretensiosa. A arte já fez renascer o homem, impulsionando o pensamento acerca de como habitamos o nosso tempo. Cabe a ela, talvez, a forma mais bela de (r)evolução.

Com essa certeza fomos atrás de descobrir quem está mudando a forma de fazer arte em nossa cidade. Só que pra isso, estabelecemos um critério simples e objetivo: quem está fa-zendo arte a partir do seu próprio esforço, na raça, desenhando cidades em guardanapos na mesa do bar. A frase então, emprestada da le-

tra do gaúcho Humberto Gessinger, simboliza a forma mais simples de inspiração, aquela que precisa de pouco pra ganhar vida.

Por isso quando falamos de "desenhar uma nova cidade", nós estamos definindo exata-mente dos esforços, individuais ou coletivos, que inserem no nosso repertório uma nova forma de arte a ser admirada. Temos, claro, muita gente produzindo arte, mas a ideia sem-pre foi buscar o novo. Portanto, essa seleção não se trata de apontar os melhores em cada tipo de arte - não temos e nem teremos em cem anos capacidade técnica para uma aval-iação dessas - mas uma forma de olhar para o futuro e para o que ele nos reserva.

Como toda lista, é bem possível que tenha

falhas. E tomara que as tenha, porque afinal, será a prova clara que nossa cidade - e porque não nossa região? - tem uma produção artís-tica efervescente. Já imaginou quantas bandas, quantos pintores, quantos escritores e dança-rinos ainda estão começando? São dramatur-gos, cineastas, músicos e escultores com muito talento a ser descoberto, prestes a emprestá-lo para dar uma nova cara para a cidade que mo-ramos.

Que em 2014 façamos não só uma matéria especial, mas um jornal todo para dar conta de tanta gente disposta a construir uma nova ci-dade em guardanapos na mesa de um bar.

O Duque

UMA NOVA CIDADE A SER CONSTRUÍDA

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Especial //

A hesitação em concordar com uma entre-vista às 8h da manhã é a prova da vida noturna levada pelos músicos e, realmente, acordar cedo não deve ser nada fácil para quem toca madrugada adentro. Como não teve outra ma-neira, o jeito foi conversar em meio a um café da manhã mesmo e, apesar do cansaço, Rafael Morais não demonstrou querer outra rotina. O artista vive pela e para a música, cantando, compondo, arranjando e militando.

A primeira composição foi ainda ado-lescente e falava sobre macacos que queriam dominar o mundo. Hoje, Rafael não fala mais sobre macacos, e sim do que vive e sente, do que está ao redor, das pessoas, sempre acredi-tando que as músicas estão prontas em algum lugar e que ele apenas as encontra, aprende e as chama de suas. E foi nesse clima que o músico encontrou inspiração para o primeiro CD que será lançado oficialmente em 2014. Mas ele não vive pensando apenas no próp-rio trabalho, também é porta-voz de artistas e produtores culturais de Maringá que lutam diariamente para que a arte seja organizada e valorizada, mostrando que, além de criativos e talentosos, possuem ideais que podem ajudar a sociedade e a tornar todos os segmentos

mÚsicaartísticos mais acessíveis.

O ano que passou também colocou em evidencia outras bandas, comprovando ainda mais a diversidade musical da cidade, criando uma nova cada para a cidade. Tem o funk/soul com rock’n’roll do Montanas Trio, que lançou primeiro EP com cinco faixas, alguns vídeos ao vivo e ganhou projeção em outros estados. O hip hop com influência de outros gêneros dos Anônimos Abduzidos, que trabalharam no primeiro CD e se apresentaram em um cir-cuito de vias públicas por um mês, ganhando bastante destaque por onde passaram. O quin-teto maringaense do Kicking Bullets que, na tradução literal significa “chutando balas” e vem de uma expressão que se refere ao an-tigo hábito de atirarem nos pés das pessoas para fazê-las pular, é uma mistura de indie, grunge, folk rock e outros estilos e, também, lançou um álbum, além de abrir shows de bandas consagradas como O Rappa. O pessoal do Salamanders que ganhou destaque com o lançamento do segundo disco e de um video-clipe e, como a própria banda define, tem o es-tilo "Stonergroovesertametal" que conta como base o rock, mas traz diversas outras influên-cias para quem gosta de música de qualidade.

Por teatro podemos entender toda forma de arte em que um ator, ou um conjunto de atores, apresentam uma história para o público em um deter-minado lugar. Nessa lógica, inserem-se desde os mais requintados musicais da Broadway até a mais simples das apresentações de rua, cada uma com um público específico. A nossa cidade, como sabemos, sempre teve um públi-co muito sólido para peças que figuram celebridades, espetáculos infantis e grupos de comédia consagrados. Agora imagina você tentar inserir, nessa agen-da, um festival de dramaturgia contem-porânea reflexiva? Foi isso que fizeram Márcio Alex Pereira e Murilo Lazarin pela produtora Teatro e Ponto.

Criada há cinco anos, a produtora realiza peças teatrais, formação de gru-pos de estudo sobre teatro, organização de oficinas e animação de festas. A Teatro e Ponto já montou peças como “O Boi e o Burro a caminho de Belém”, de Maria Clara Machado e “Esta pro-priedade está condenada”, de Tennes-see Williams, além de estar a frente da organização da Mostra de Teatro

teatroContemporâneo de Maringá que, em 2013, realizou a 3ª edição com grande participação de público. Essa formação de uma plateia mais participativa é a resposta positiva ao trabalho realizado, mostrando que o teatro é realmente um instrumento potente e que possibilita um estudo contínuo e aprofundado do ser humano, podendo educar, alertar, sensibilizar, transformar e, claro, pro-vocar.

Em 2014 a produtora não vai parar. A intenção não é apenas repetir o su-cesso do ano que passou, mas superá-lo, presenteando o público com inúmeros trabalhos de qualidade. Entre os próxi-mos projetos estão os espetáculos “O rio da paz” e “Pequeno tratado sobre a morte”, do Grupo Teatro de Câmera e, também, circular com a peça “Esta pro-priedade está condenada”, do Coletivo Teatro e Ponto. Outro grande projeto é o de contar a história da Vila Operária desde o início, mostrando as lavadeiras do Ingá, as gangues, o Cine Horizonte e a relação com as pessoas que por lá passaram, e o de realizar a 4ª edição da Mostra de Teatro Contemporâneo.

CibeleChacon

[email protected]

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Especial //

De visual arrojado, rosto de um menino que carrega vinte anos de história – e que não precisa mais mudar a data das obras para aparentar maturidade –, Sérgio Augusto her-dou, mesmo que indiretamente, a vocação artística do avô que fora artesão, mas a adap-tou à pintura. A obra de Joan Miró tatuada no braço esquerdo comprova ainda mais a relação de simbiose com a arte. É a arte à flor da pele.

Contrariando o que dissera Renato Russo na música “esperando por mim”, o mal do século não pode ser a solidão. Não quando a arte nasce tão bela do silêncio e isolamento. E é assim, em “um quarto de vazio acompan-hado”, que Sérgio Augusto se sente quando está pintando. No quarto, com o próprio vazio, ao mesmo tempo em que está na companhia de seus retratos.

A tranquilidade que o artista precisa para trabalhar é inversamente proporcional ao ba-rulho que vem fazendo na internet e meios de comunicação com a série “Retrato de Tinta”. São pinturas feitas com tinta acrílica a par-tir de fotografias do Facebook de pessoas que ele conhece pessoalmente ou só no ambiente

ARTES PLÁSTICASvirtual. É uma série de retratos que falam so-bre as relações humanas a partir da percepção do pintor sobre cada um. Sérgio Augusto faz questão de ressaltar que nem sempre a pintura fica idêntica à pessoa, justamente porque car-rega as impressões dele a cada pincelada, e ele é fiel apenas ao que sente.

Em se tratando de emoção, Elisa Riemer também ganhou destaque ao potencializar seus sentimentos em forma de arte e os transformar em gritos sociais. A artista retrata as relações que a inquietam, a opressão, as injustiças, de maneira que cada trabalho seja um sopro de mudança.

E trocando os pincéis pelos sprays, Nuno Skor também se destacou em 2013, mas com o grafite. Começou o ano com a bienal Graf-fiti Fine Art Internacional em São Paulo, criou a empresa Marshmallow Estúdio e não parou mais. Esses diversos talentos comprovam que, independente da técnica, da temática ou da visão, Maringá tem sido cenário de inúmeros trabalhos que tratam de sentimentos, afetos, lembranças e, acima de tudo, que democrati-zam a arte.

PUBLICACÕESA produção artística em Maringá

e a reflexão em torno dela são plurais e pulsantes para dependerem dos poucos e limitados veículos de comunicação da cidade. Não fosse a divulgação nas redes sociais e o infalível boca a boca, muitos projetos concebidos “na raça” talvez não passariam de boas intenções, e as chances do público de conhecer os idealizadores seriam remotas. Com o objetivo de ser uma vitrine para os artistas locais e pro-mover a discussão cultural em nosso mu-nicípio que Miguel Fernando e Luana Bernardes, por exemplo, tiraram o jornal O Duque do papel. Ou melhor, ganhou

o papel, já que é uma das poucas publi-cações impressas e independentes com viés cultural de Maringá.

Mas ainda bem que não somos os únicos. De um trabalho de conclusão de curso para trafegar pelas ruas da cidade, as jornalistas Karen Gomes e Daniela Gianinni assumem a direção da Circu-lar Pocket, revista de bolso cujo nome foi inspirado no jargão maringaense para o nosso transporte coletivo. E com essa pegada “popular”, boicotando a hierar-quia e falando de igual para igual que o periódico apresenta uma gama de curi-osidades históricas, comportamentos e

hábitos que ajudam a definir a identidade cultural da cidade. Fora isso, música, perfil de personalidades, poesias e gastronomia constituem a proposta editorial da Circu-lar Pocket.

O público-alvo do periódico são pes-soas de 18 a 28 anos que apreciam con-sumir informação, mas a bem da verdade, o conteúdo é direcionado para quem está disposto, independente do sexo ou faixa etária, a conhecer um pouco mais do am-plo painel cultural de Maringá. É vivenciar a cidade e conhecer as múltiplas possibili-dades que a Cidade Canção pode oferecer.

Como qualquer condutor de primeira

viagem que se lança nas estradas, a Cir-cular Pocket também encontrou alguns buracos na malha viária. Correria para fechar edições, conciliar o projeto paralelo com o emprego fixo e, sobretudo, encon-trar parceiros com interesse de anunciar em uma revista de cultura foram alguns dos obstáculos. No entanto, são águas passadas. Para 2014, os planos é expandir o itinerário para Londrina e aumentar a tiragem para 2 mil exemplares. Como diz uma das próprias editoriais do periódico, “Maringá Exporta”. E quando o “produto” é cultura, é digno do nosso reconheci-mento.

EltonTelles

[email protected]

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Em resposta à falta de apoio e de divulgação de bandas autorais, dezenas de músicos e produtores culturais da ci-dade se reuniram para criar o Coletivo Maringá Independente. A primeira iniciativa do movimento foi a organi-zação no mês passado de um evento com quatro shows, cobrando módicos R$ 5 para o público prestigiar o cenário independente da cidade com muita arte e música. De lá pra cá, foram feitos out-ros cinco encontros, os quais os reali-zadores chamam de “atos”. Nos palcos, já se apresentaram mais de 20 bandas locais, como Ataque de Tubarão, Con-servantes, Algodão Doce de Chocolate, Comsequência e Berço do Mundo.

Além do som, os atos do Coletivo Maringá Independente cedem espaço para exposição de fotos e artes de Isa-dora Machado, Álvaro Sasaki, Evando Zibordi, dentre outros artistas com algo a dizer. O grupo encerrou as atividades neste ano, mas retorna em 2014 com toda disposição. Para acompanhar a agenda de shows, acesse o site do Co-letivo no Facebook. Todo o dinheiro da

“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” é a máxima do Cinema Novo, mas também pode ser adaptada para qualquer local que não seja polo cine-matográfico no Brasil, nem tenha muito incentivo do poder público. Na realidade de Maringá, a frase poderia ser completa com “e sem dinheiro no bolso”. Que o diga o cineasta Victor Machferreh, que fundou em 2010 a produtora indepen-dente Fantasia Filmes junto com o sócio, Fábio Mascarin. Desde então, a dupla

Especial //

PRODUCÕES

CINEMA E LITERATURA

portaria arrecadado com os 11 atos do projeto Alternativa Cultural será rever-tido para o evento principal e gratuito, que será realizado em fevereiro de 2014.

Já tradicional na cidade são os shows realizados pelo Projeto Zombilly, uma das produtoras independentes mais ativas do Paraná, coordenado pelo jor-nalista Andye Iore. As raízes do Zom-billy datam dos anos 1990 com o Porão Rock Show, e o projeto ganhou nova identidade em 2007, além da expansão das atividades para outros meios: da produção de shows, ganhou espaço tam-bém no rádio, blog e a criação de vídeos. Nem o Deus do Rock sabe quantas ban-das já passaram pelos palcos do Pro-jeto Zombilly, mas para além da música produzida em Maringá, já tocaram por aqui várias bandas gringas e outras com projeção nacional, como Cólera, Daniel Belleza e Bad Motors.

Mas música não é a prioridade do Zombilly em 2014. Já sedimentados no cenário musical, o projeto bota o pé na estrada no próximo ano para produção de eventos em outras cidades, como exposição de fotos de shows rockabilly, psychobilly, garage, punk e a finalização do documentário “Porreta!!!” (com três exclamações mesmo), que reúne uma

produziu três curtas-metragens, pelos quais receberam nove prêmios em festi-vais do Paraná e São Paulo. Entretanto, reconhecimento à parte, é um uníssono dos produtores audiovisuais da cidade a falta de interesse das empresas em pa-trocinar os filmes. Mesmo assim, os cine-astas seguem na labuta e prometem para 2014 o lançamento do primeiro longa-metragem da Fantasia Filmes, “Momen-tos Roubados”, previsto para fevereiro, além de dois curtas-metragens em fase de pré-produção.

No campo da Literatura, no entanto, Maringá recebe mais reconhecimento. Após Oscar Nakasato faturar o prêmio Jabuti em 2012 com o romance “Niho-jin”, neste ano o escritor naturalizado em Maringá, Marcos Peres, venceu o con-corrido Prêmio Sesc de Literatura com o livro “O Evangelho Segundo Hitler”, uma narrativa ousada envolvendo o ditador Adolf Hitler e o homônimo de um dos escritores argentinos mais influentes do século XX, Jorge Luis Borges, durante o apogeu da Segunda Guerra Mundial. Outro destaque foi o lançamento do primeiro livro com página comestível do mundo. “Sem Limites”, coassinado por Luiz Maurício Bidim e Rafael Pinhatti. Literalmente, um livro para ser devorado.

série de imagens de shows e entrevistas com bandas de rock enquanto Iore via-jou por cinco estados do Nordeste. Sem nenhum tipo de patrocínio, assim como a essência do Projeto Zombilly, todos os eventos e iniciativas são viabilizados com a participação e ajuda de amigos.

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Psicologia //

A mentira exige daquele que mente, ter pleno conhecimento da verdade que esconde. Por isso não vamos aqui, tra-tar o diabo como uma mentira, convém antes, analisa-lo por seu fim último: a salvação.

O diabo é um romance autobiográ-fico de Tolstói, que cria uma narrativa mais em torno das reflexões morais de Eugênio, personagem que poderia ser o próprio Tolstói, do que propriamente da notabilidade dos acontecimentos de sua vida. O protagonista mantém sem-pre viva uma consciência reflexiva sobre o próprio caráter, o que o tortura, pois se dá conta que a conduta honrada da qual se orgulha e, sobretudo, que alme-ja manter, muitas vezes se opõe a suas necessidades mais urgentes. Enquanto o peso e o rigor dos valores sociais lhe ordenam a casar e perpetuar a mo-nogamia exaltando-a como instituição fundamental, por exemplo, Eugênio em seu íntimo, deseja o contrário, não

um casamento, mas uma jovem casada. Nada mais contraditório. No entanto, Eugênio declina em seus desejos e assim que encontra uma mulher adequada a sua posição social, se casa, seguindo os preceitos comuns a um nobre em mea-dos do século XIX.

Mas sua tormenta só se agrava, o desejo permanece. A ideia de traição é insuportável, é preciso manter-se firme. Eugênio segue fiel. E a cada vez que via Stepanida, a jovem casada que o ten-tava, sentia a profunda solidão que há entre o desejo e o compromisso. Era preciso negá-la, se afastar, e cada vez mais Eugênio encontrava menos forças para manter esse propósito. A queda se aproximava sem nenhum amparo e Eu-gênio antevia sua própria submissão, es-tava possuído por ela, só havia uma con-clusão possível: Stepanida era o diabo!

Eugênio, durante tantas vezes ao longo da narrativa, pondera sobre a possibilidade de entregar-se à atração

O Diabo de Tolstói Estudante do 4° ano de psicologia da UEM

e membro do Jornal Psicologia em foco

Imagem: The Project Gutemberg

de Stepanida e sucessivas vezes escolhe honrar os laços do matrimônio. Mas para continuar sendo o marido fiel, Eugênio precisava se escolher, repetida-mente, enquanto tal. A cada aparição de Stepanida sua fidelidade precisava ser reeleita. O exercício é árduo e a cada repetição se tornava mais cansativo. Perto da exaustão, ele decide que Stepa-nida é o diabo, pois assim pode assumir sua fraqueza e permanecer santo, já que é da natureza do diabo tentar os homens para além de suas forças.

Eugênio transforma Stepanida em diabo para salvar-se de si. Eis a na-tureza do mal enquanto personificação: a ambiguidade da existência criou uma distância vertiginosa entre a vida ideali-zada, daquela prestes a ser escolhida. E ao olhar-se dessa distância, Eugênio não reconhece sua própria imagem, traçada em contornos insidiosos e preenchida com a textura opaca da angústia. Olha para a própria metamorfose e vê o diabo

pintado com o rosto de Stepanida. De fato, ele acredita estar possuído.

E o diabo aqui, não é uma mentira no sentido tradicional, aquela que exige um enganado e um enganador. Nesse caso só há aquele que se engana. Eugênio cria o diabo para justificar a própria fraqueza. Do contrário ele precisaria as-sumir a responsabilidade total sobre o declínio do marido fiel.

Um peso intolerável. Eugênio encontra na responsa-

bilidade a face mais cruel da liberdade. Percebe que a moral escolhida no pas-sado não se solidifica como um alicerce, servindo de sustentação às escolhas do futuro. Não há nada que o conduza ao marido exemplar ou ao amante adúlte-ro além da necessidade de escolher o homem que virá a ser.

Tolstói cria o diabo numa tentativa de renunciar à própria liberdade e negar a angústia inerente à escolha. Vai ao en-contro do diabo em busca de salvação.

Rodrigo Gonçalves

Corrêa

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Cinema //

O dinamarquês Thomas Vinterberg, um dos criadores do movimento Dogma 95, elabora uma história tão metodicamente cruel que, mesmo pas-sando perto de inúmeros clichês, consegue favorec-er a sutileza e introspecção até atingir sentimentos que passam do estupor ao repúdio e logo alcançam a violência. Protegido pela crença de que "crianças não mentem", uma comunidade toda transforma um fato em verdade, como uma espécie de histeria coletiva que devasta a vida de um professor infan-til. O filme retrata a suposta inocência da infância como estratégia de confiabilidade e, mesmo depois de recuperada, a inocência do adulto não consegue de fato redimi-lo, como se o que realmente fosse importante não é deliberar uma crítica moralista e sim mostrar como as pessoas tem dificuldades para desconstruir suas convicções.

“Você tem cara de Marcy May” é a frase que dá início a desconstrução de Martha – que também passa a responder como Marlene assim como todas as outras mulheres do grupo quando questionadas por estranhos. Pouco sabemos sobre o passado de Martha, a não ser seu sentimento de culpa e o fato de ter sido abandonada pela sua irmã, mas clara-mente percebemos alguém bastante danificada e que não está conseguindo se sentir a vontade na própria vida e nem nas novas identidades criadas em uma seita - não de cunho religioso e sim filosó-fico – na qual ela passa a viver. O líder do grupo apresenta uma postura machista e violenta, mas tenta remediá-las com belas palavras, e é impossível não identificar naquela situação a filosofia do abuso que se torna ainda mais aterrorizante com a escolha do diretor Sean Durkin em utilizar o silêncio para mostrar o grito de terror da personagem.

O cinema do austríaco Michael Haneke sem-pre nos apresenta uma ótica realista e perturba-dora sobre as relações humanas. Neste filme não é diferente, ele explora uma trajetória terrivelmente honesta que, por muitos, pode ser considerada um retrato sórdido e pessimista, mas por outros pode ser compreendido como libertação e, claro, amor. O longa fala sobre os momentos em que tudo pode mudar, onde as pessoas se tornam vítimas de situ-ações inevitáveis, sem espaço para lirismos, apenas observações precisas que não necessitam de ci-nismo e artificialidade. Poucas vezes o cinema de ficção fez um retrato tão duro e tão seco da velhice sem recorrer a nenhum tipo de eufemismo, apenas perturbando o espectador com uma excruciante re-alidade.

Amor

Frances Ha

Branca de Neve

A caça

César Deve Morrer

Martha Marcy May Marlene

Michael Haneke

Noah Baumbach

Pablo Berger

Thomas Vinterberg

Paolo Taviani e Vittorio Taviani

Sean Durkin

É um filme em movimento – dança, corre, salta, tanto quanto a personagem. Permite que a vida apresente as melodias a serem dançadas e nos convida a conhecer intimamente os momentos de Frances, dando até a impressão de estarmos sendo invasivos em algumas situações. Somos voyeurs do processo de maturidade de uma garota de 27 anos que está ficando “velha. E é justamente essa a ideia do diretor Noah Baumbach, que nos leva a passar um tempo ao lado da protagonista de uma maneira até mesmo aventureira, ao som de David Bowie acompanhando as corridas desajeitadas da protago-nista pelas ruas de Nova Iorque e vendo como ela se insere nesse ambiente urbano. Frances é uma pes-soa tão honesta e espontânea que é impossível não se apaixonar e não sentir suas dores.

Em uma das mais belas releituras de Branca de Neve, o diretor espanhol Pablo Berger faz uma ho-menagem ao cinema dos anos 1920 com uma obra em preto e branco e sem diálogos. Apropriando-se da cultura espanhola para contextualizar o conto de fadas dos irmãos Grimm, ele nos apresenta a uma Branca de Neve toureira e uma madrasta tão per-versa e narcisista quanto a da literatura. A astúcia do diretor se traduz em um espetáculo do cinema silencioso que, combinada com atuações pungentes e figurinos e maquiagens exageradas, não leva o es-pectador a criar expectativa sobre o que vai acon-tecer, mas sim sobre como será contado.

Os irmãos Paolo e Vittorio Taviani misturam detentos reais e atores para fazer em César Deve Morrer um docudrama sobre dignidade e danação coletiva no presídio de Rebibbia, no subúrbio de Roma. “Quando conheci a arte, essa cela se tornou uma prisão”, dita num dos momentos mais críticos do filme, exemplifica o que nos é transmitido, ou seja, a arte enquanto elemento transformador. O filme é uma mistura entre o biográfico e o fabulado e expõe a brutal distinção entre dois mundos, o da liberdade e o do cárcere. A teatralidade e a escolha pelo branco e preto intensificam ainda mais uma percepção completamente nova para quem assiste, o da prisão que ganha caráter oposto ao comumente manifesto, o de lugar da potência do pensamento e da arte.

CibeleChaconOs melhores do ano

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Filosofia //

Há muitasrazões praduvidar euma sópra crerQue é o homem? Um animal racio-nal, disse Aristóteles. Dotado de logos (fala e discurso), uma vez que consegue transcender à natureza (physis), torna-se superior aos outros seres por possuir e usar essa faculdade em suas decisões. Mas, seria a razão tão decisiva assim em nossas escolhas? Na Grécia antiga sur-giu um movimento filosófico que pre-tendia pôr em xeque a possibilidade do conhecimento, a validade de nossos juí-zos racionais: o ceticismo. Ele se susten-tava a partir da dúvida: duvidar de tudo era a prática comum e esperada dos cé-ticos gregos. À medida que começaram a ganhar fama e iam tornando-se mais radicais, os filósofos céticos passaram a ser vistos com suspeita por seus con-temporâneos, afinal, como pode viver alguém que duvida de tudo ou de quase tudo?

De fato, o que nos faz dormir tran-quilamente senão a crença de que o Sol aparecerá nas próximas horas, nos obrigando a levantarmos? Porque esco-vamos nossos dentes senão pela crença de que poderíamos perdê-los caso não cuidemos deles no presente? Porque tomamos café senão pela crença de que ele contém elementos químicos ca-pazes de nos tornar despertos? Porque comemos pão todos os dias senão pela crença de que ele vai nos alimentar como nos alimentou no dia anterior? E isso tudo antes mesmo de sairmos de casa! Como seriam as manhãs dos céti-cos? Como poderiam eles viver em so-ciedade, se a mesma se constitui a partir

de regras de convivência? Como seriam antipáticos tais homens. Quem teria paciência para tantos questionamen-tos? Quem os suportariam? A quem obedeceriam senão a si mesmos?

Um filósofo escocês, David Hume (1711-1776), retomou essas mesmas indagações em sua Investigação so-bre o entendimento humano (1748). Ele percebera que em nosso dia-a-dia somos guiados mais por crenças que pela razão. Que o Sol nascerá amanhã não o sabemos senão a partir de nossas experiências passadas, e quem garante que o dia de hoje não tenha sido o últi-mo em que ele nascera? E o pão que me alimentou ontem e em todos os outros dias de minha vida, o que me garante que ele me alimentará hoje? A maioria de nossas escolhas é guiada por crenças, de modo que a vida do cético torna-se

um pesado fardo. Até mesmo quando escolhemos agir conforme a razão não fazemos outra coisa senão manifestar nossa crença de que ela seria uma boa conselheira.

Não somos tão racionais quanto pensamos ser. Boa parte de nosso co-nhecimento não passa de probabilidade, diz Hume. O que afirmamos ser ver-dade é, na maioria das vezes, um efeito do hábito sobre nós. Criamos conexões necessárias entre fenômenos que pode-riam estar juntos apenas por acaso. Por habituar-se a ver o Sol levantando-se sobre suas cabeças e desaparecendo no horizonte ao fim do dia que os antigos afirmavam que a Terra, além de plana, era o centro do Universo.

Alguém poderia dizer, entretanto, que essas crenças que movem nossa vida cotidiana são inofensivas e, até

mesmo, necessárias para nossa sobre-vivência. Posso concordar com isso, mas logo me viria à mente a infindável lista das vítimas de crenças religiosas, políticas e ideológicas ao longo da história: mulheres, negros, índios, men-digos, homossexuais, prostitutas, mães solteiras, ateus, judeus, “bruxas”, hereg-es, imigrantes, comunistas, e por aí vai.

Para Hume, esse tipo de crença só pode ser superado ou, ao menos, a-tenuado, se conservarmos certo grau de ceticismo. Se, embora, não podemos abandonar todas as nossas crenças, o ceticismo funcionaria como um alerta para que não aceitemos de imediato certas verdades que derivam de nossas crenças. Nem todos podem ser julgados segundo as minhas crenças, visto que elas são apenas isso: CRENÇAS, e não necessariamente a VERDADE. No fun-do, é isso que os céticos queriam con-testar: a falsa relação estabelecida entre crença e verdade.

Ah, mas não precisamos ser céti-cos para isso! Basta que nos guiemos apenas pela ciência e todas as falsas crenças seriam refutadas. Será mesmo? Podemos confiar tanto assim na ciên-cia? Bem, isso é assunto para a próxima edição. Por enquanto, quero saber sua opinião: a saída para abandonarmos a ditadura das crenças passa pelo ceticis-mo ou pela ciência? Ou é melhor cada um viver com suas crenças? Envie sua opinião para: [email protected] e continuaremos essa conversa na próxi-ma edição.

Carlos Drummond de Andrade

Mestrando em filosofia (UEM)Donizeti

Pugin

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Poesia //

Três poetas, quatro estradas e vários caminhos

A vida é uma viagem! Sei que este é um velho clichê usado por letristas de música, poetas ou, algumas vezes, em cartões que acompanham flores; tão clichê quanto aquele que diz que o que importa é a viagem em si e não o destino final. Tá legal...

Acontece que no início do século pas-sado três poetas - que viriam a ser consa-grados ainda vivos - publicaram poemas que tinham a estrada como metáfora da vida: Robert Frost (1874/1963), estadu-nidense e os brasileiros Manuel Bandeira (1886/1968) e Carlos Drummond de An-drade (1902/1987).

É muito lindo (ou não, como diria Caetano!) observarmos como cada um des-ses poetas encarou o tema e o refletiu em sua poesia através de seus conceitos de estética, técnica e beleza. Mais lindo ainda é não nos darmos conta de nenhum desses elementos quando nos deparamos com o poema; nesse momento só nos sobra a emoção; e o clichê, que poderia soar piegas, simplesmente não aparece. Os três poemas são arte pura.

É conveniente entendermos a conjuntu-ra e a época em que foram escritos estes po-emas. No Brasil, os modernistas já tinham dado a sua cara e tanto Drummond quanto Bandeira eram protagonistas desse movi-mento modernista; principalmente em sua primeira fase, onde se procurava uma arte descontraída com poemas que ignoravam as velhas escolas literárias. Esses poemas tra-ziam em si uma linguagem mais coloquial que, eventualmente, fugia às regras grama-ticais, refletindo assim a fala popular.

Nesse mesmo tempo, Frost acabara de publicar “The Road Not Taken”. É aí que mora a beleza da coisa: Frost fez um poema repleto de técnica que está incrivelmente escondida em uma primeira leitura: ali está a rima; a assonância - são quatorze “o”s na primeira estrofe, quatro só no primeiro verso; a aliteração, como no trecho: equally lay / In leaves...; e, para encerrar o tecni-cismo, também facilmente encontramos rimas internas, rimas cruzadas e, princi-palmente, o ritmo que tem quatro sílabas tônicas por verso. Já Drummond e Bandei-ra queriam quebrar todo esse esquema de escrita e estilo.

Com este cenário, o poema “Estrada”, de Bandeira, foi publicado no livro “O Ritmo Dissoluto”, em 1924. O autor pensava as-sim de seu livro: ‘“O Ritmo Dissoluto” é um livro de transição entre dois momentos da minha poesia. Transição para quê? Para a afinação poética dentro da qual cheguei, tanto no verso livre como nos versos me-trificados e rimados, isso do ponto de vista da forma; e na expressão das minhas ideias e dos meus sentimentos, do ponto de vista do fundo, à completa liberdade de movimen-tos, liberdade de que cheguei a abusar no livro seguinte, a que por isso mesmo chamei Libertinagem’. “Estrada” nos faz perceber o caráter efêmero da vida, que é possível pela observação da vida tranquila de uma cidade interiorana, e nos faz refletir sobre o que é realmente importante e urgente.

Já o poema “No meio do Caminho”, de Drummond, foi o poema mais criticado, analisado, repudiado e escrachado do Movi-mento Modernista. O poema catalisou toda a raiva e abjeção à nova forma de poesia pre-tendida. Porém, vejam isto: “É formidável, o mais forte exemplo que conheço, mais bem frisado, mais psicológico de cansaço intelec-tual. Me irrita e me ilumina. É símbolo.”, escreveu Mário de Andrade. O poema não tem nenhuma palavra complexa, vale-se apenas das repetições, Drummond faz uma pedra insignificante exprimir o peso do mundo.

Por outro lado, comecei a me interessar pela poesia da língua inglesa por causa deste poema de Robert Frost que ousei traduzir para esta coluna: “The Road Not Taken”, publicado em 1920. É fácil de ver porque este poema é um dos meus favoritos, ele traz um pensamento que é tão incrivelmente simples quanto universal: todos nós nos sentimos únicos e todos olhamos para trás, às vezes com remorso outras com gratidão. A parábola ou a imagem da estrada da vida e os caminhos que escolhemos, muitas vezes sem muita lógica, é o que faz toda a dife-rença em nosso destino e em nossas vidas.

Boa caminhada!

poesiaColunista

GilmarLeal Santos

No meio do caminhoNo meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade(In Revista de Antropofagia, 1928)A Estrada

Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,Interessa mais que uma avenida urbana.Nas cidades todas as pessoas se parecem.Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.Cada criatura é única.Até os cães.Estes cães da roça parecem homens de negócios:Andam sempre preocupados.E quanta gente vem e vai!E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho manhoso.Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,Que a vida passa! Que a vida passa!E a mocidade vai acabar.

Manuel Bandeira(In Ritmo Dissoluto, 1924)

The Road Not Taken A Estrada Não TrilhadaTwo roads diverged in a yellow wood,And sorry I could not travel bothAnd be one traveler, long I stoodAnd looked down one as far as I couldTo where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,And having perhaps the better claim,Because it was grassy and wanted wear;Though as for that the passing thereHad worn them really about the same,

And both that morning equally layIn leaves no step had trodden black.Oh, I kept the first for another day! Yet knowing how way leads on to way,I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sighSomewhere ages and ages hence:Two roads diverged in a wood, and I -I took the one less traveled by,And that has made all the difference.

Duas estradas bifurcavam na mata amarela,E chateado eu não poderia segui-las juntasE ser um só viajante, fiquei ali paradoE olhei para uma delas até aonde a vista alcançavaOnde ela se misturava com as moitas rasteiras;

Então peguei a outra, tão boa quanto,Talvez tivesse uma acolhida melhor,Porque era gramada e quisesse ser usada;Apesar de que os que ali passavamDeveriam tê-las gastas como por igual,

Naquela manhã sobre as duas repousavamFolhas ilesas do preto de qualquer pisada.Ah, deixo a primeira para outro dia!Já sabendo como caminhos levam a outros,Duvido mesmo se um dia voltarei.

E deverei estar a dizer isso com um suspiroEm algum lugar distante no tempo:Duas estradas bifurcavam na mata, e eu -Eu peguei aquela menos trilhada,E isso tem feito toda a diferença.

Robert Frost (In Mount Interval, 1920)

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13dez / jan

Espetáculos culturais gratuitos em Maringá.Oferecer cultura para todos é fazer uma cidade cada vez melhor.

Com os programas Convite ao Teatro, ao Cinema, à Música, à Dança e às Artes Visuais, a Prefeitura de Maringá está colocando a cultura ao alcance de todas as classes. São centenas de espetáculos de graça durante o ano todo para os maringaenses.

CConfira a programação: www2.maringa.pr.gov.br/cultura

Faça da arteparte de você.

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Duas estradas bifurcavam na mata amarela,E chateado eu não poderia segui-las juntasE ser um só viajante, fiquei ali paradoE olhei para uma delas até aonde a vista alcançavaOnde ela se misturava com as moitas rasteiras;

Então peguei a outra, tão boa quanto,Talvez tivesse uma acolhida melhor,Porque era gramada e quisesse ser usada;Apesar de que os que ali passavamDeveriam tê-las gastas como por igual,

Naquela manhã sobre as duas repousavamFolhas ilesas do preto de qualquer pisada.Ah, deixo a primeira para outro dia!Já sabendo como caminhos levam a outros,Duvido mesmo se um dia voltarei.

E deverei estar a dizer isso com um suspiroEm algum lugar distante no tempo:Duas estradas bifurcavam na mata, e eu -Eu peguei aquela menos trilhada,E isso tem feito toda a diferença.

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Literatura //

“Olá, como você se ama?”

Porque “amar em paz exige um coração desarmado”* ou “quem nunca amou que jogue a primeira perda”. É possível transformar em prosa os po-emas escritos por Pedro Antônio Gabri-el Anhorn, o nome por trás de “Eu me chamo Antônio”, que nasceu em outubro de 2012 como um blog para divulgar as artes em guardanapos que o publicitário fazia à espera dos sanduíches de rosbife com queijo ao voltar para casa.

Simplicidade e delicadeza são as principais marcas do trabalho. As pala-vras escolhidas são comuns e, portanto, fáceis de entender. No entanto, a forma e a fôrma empregadas por Pedro Gabriel se mostram mais inteligentes e comple-xas do que se possa crer, a princípio. As-sim como os sentidos criados por cada um de seus poemas visuais. Pode-se fi-car semanas tentando digerir um único deles, embora o livro possa ser lido em “uma sentada”.

O guardanapo é o palco no qual Gabriel encena sua arte. A metáfora de trazer beleza ao objeto feito para um tipo de limpeza parece, ao mesmo tempo, di-vertir e instigar o autor, que brinca com as palavras. Brincadeira esta que se es-tende ao espaço limitado do pedaço de

papel, procurando preenchê-lo singela-mente com seus poemas.

“Sonhe alto. O máximo que pode acontecer é você realizar um sonho à altura.” Do blog a fan page de rede social (com quase 450 mil fãs) e livro sucesso de vendas passaram-se apenas 13 meses. A popularidade alcançada, bem como sua rapidez, surpreenderam o africano, nascido no Chade, que escreve também como um modo de calar a mente inqui-eta e aplacar a ansiedade.

A vida, de fato, levou Pedro Gabriel a alçar voos mais altos do que o previsto. Ele bem sabe disso e trabalha no rumo que os próximos ventos o irão guiar. “As coisas não mudam por dois motivos. Ou é medo ou é tarde.” Coragem (e com-petência), ele parece ter de sobra.

Sobre “Eu me chamo Antônio”

O livro está dividido em dez partes e conta com a arte de 96 guardanapos, muitos dos quais podem ser encontrados na fan page do Facebook ou na página do Tumblr. Mas quem se contentar apenas com as versões digitais certamente per-derá a possibilidade de se encantar com o projeto gráfico do livro. Entremeadas com ilustrações, fotografias ou cores sólidas de fundo, as páginas de “Eu me chamo Antônio” foram planejadas para desta-car e interligar os guardanapos-arte de Pedro Gabriel; arte delicada, em desenhos que formam palavras, abordando temas como amor, solidão, sonhos, desilusões, cotidiano, perseverança, simplicidade. O autor clama: “Leve-me o mundo anda tão pesado.” Após seu livro, Antônio, fica mais fácil atender ao pedido.

Vale a leitura!

Maria JoanaCasagrande

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15dez / jan

# SARAU

Nessa terrade um gigante,ja vimos tudo isso antes

Começou assim: o rei iluminado, de repente, decretou o fim. Não era jovem o suficiente, nem saúde tinha mais, resolveu deixar o cargo para des-cansar em paz. Houve então a votação, para um novo rei da luz surgir, toda a terra esperava a fumaça branca ao céu subir; sinal mais claro da aprovação divina ninguém inventara antes por aqui. Acontece que o Espírito Divino, preocupado em atender telefonemas, descuidou-se por um minuto e deu-se logo todo o problema. Seu primo, Espírito de Porco, num ímpeto de desa-tino, resolveu brincar com fogo e mandou-nos o nome de um rei argentino!

Falando em fogo - que tristeza -, dias antes à renúncia, um local feito para divertir, recebeu uma tragédia e, depois, a denúncia: não estava pre-parado para casos de emergência e funcionava normalmente sem ninguém tomar ciência. Espírito Divino e Espírito de Porco, no céu, ganharam a companhia de muitos jovens, que, aqui na terra deixaram cenas de agonia: descobriu-se que o descaso era com toda a juventude; a maioria das casas de divertir estava com tamanha similitude; num incêndio, estaríamos todos fritos, sem literalidade. Só então começou-se um mutirão para mudar essa realidade.

Outro caso de grande destaque, nessa terra de alegorias, foi o circo, montado havia muitos anos, na capital, lá em Terrília. Há tempos já vinha armado, mas foi agora o maior estardalhaço; o povo trocou de lugar e saiu da plateia pra virar palhaço. O julgamento era transmitido na TV, de norte a sul; depois de anos no vermelho a Terra parecia voltar a ser azul. No en-tanto, ora que novo, após dar nomes aos animais, o domador, tão aplaudido, pra jaula não os mandou mais. Estão livres, sem chicote, dando cambalho-tas triunfais.

Eis que na superfície, interrompe-se a canção de ninar; o despertador do Gigante finalmente começa a tocar. Levanta, sacode a poeira, chegou o dia de reinar! Olha a hora, não se atrasa, que o show vai começar! Pode vir, homem armado, seu spray não lhe machuca, afinal, quem sempre apanha, um dia aprende a ir à luta! Mas, espere - alguém avisa - o Gigante está deit-ando! Foi somente um breve susto de alguém que está sonhando. Olhando bem de pertinho, nem Gigante ele era; mas em Terra de baixinhos, quem tem 1,60m lidera.

Descobriram, então, algo terrível: alguém estava nos observando! Um rei-de-pele-escura da Terra Do Lado de Cima estava a rainha-de-vermelho monitorando. Pensa só que bafafá, mas que falta de respeito! Dá-nos pop e McDonalds e acha que está no direito. A rainha-de-vermelho decidiu, sem hesitar: chamaria medicineiros para uma cura inventar. Quem mais viria até aqui, nos nossos problemas ajudar?

Mas, que tolice a minha, nada disso vai importar quando em fevereiro o carnaval chegar. Ou quem sabe em julho, quando a bola, na rede, entrar. Uma hora ou outra, tudo fica bem; tudo passa pela avenida, o argentino fazendo suas preces e o rei-de-pele-escura assistindo de camarote também. O Gigante ligará a canção de ninar e, do sono dos deuses, enfim, voltará a desfrutar.

Numa terra onde ninguém nunca se levantaantes de fevereiro, é rei aquele que deixar oberço esplêndido primeiro

AmandaOliveira

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