Jornal Pedal n.º4

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Edição de abril do Jornal Pedal.

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está de lado, o objetivo é que todos cheguem à meta e a vitória é este jornal que têm em mãos.  Somos vários, uma equipa, que se vai formando a cada número, onde histórias e vivências são transportadas para papel e trabalhadas a pensar nesse suporte. Somos ciclistas de andar por casa (como sugere a capa), pois é dentro de quatro paredes que criamos e trabalhamos nos conteúdos que formam o jornal. Nas nossas pernas pesam os quilómetros pedalados diariamente, mas precisamos deste momento, à frente de um computador, sentados numa cadeira. Este talvez seja

Terminada mais uma etapa deste giro a que nos propusemos, temos tempo agora para descansar um pouco, definir e preparar estratégias para o desafio que se segue. 

Neste caso, esta é uma corrida em que a competição

Specialized lança bicicleta eléctricaChama-se Specialized Turbo, é a primeira bicicleta eléctrica da marca norte-americana e estará disponível em Portugal a partir de Setembro. A Turbo é uma bicicleta urbana com um motor eléctrico integrado e uma bateria que oferece uma velocidade máxima assistida de 45km/h. De acordo com a marca, “o design e a engenharia da Turbo é o fruto de três anos de desenvolvimento com o objectivo de torná-la na e-bike mais rápida de sempre”. Ainda segundo a Specialized, a bateria foi integrada discretamente no tubo diagonal por motivos estéticos. Esta e-bike foi concebida com eixos passantes que permitem facilidade ao desmontar a roda facilmente. A bicicleta vem equipada com toda a electrónica necessária, incluindo luzes à frente e atrás, controlo da potência sem fios, ciclo-computador e travões regenerativos que transformam a energia da travagem em carga para a bateria. Todos os dispositivos são conectados sem fios. Este controlo sem fios, simples e intuitivo, permite escolher entre pedalar sem assistência, assistência intermédia ajustável, máxima potência ou assistência negativa para carregar a bateria em

longas descidas, aumentando a respectiva autonomia. fg

novo eSpaço de cowork em liSboaFoi apresentado, no passado dia 30 de Março, o projecto de cowork que irá ocupar o Mercado do Forno do Tijolo, em Lisboa. O local passa a ter as condições necessárias para receber cerca de 90 postos de trabalho para além de um laboratório de prototipagem. O objectivo, segundo a Câmara Municipal de Lisboa é “manter a actividade principal do Mercado, mas dotando-o de uma nova vocação e criando dinâmicas próprias”. fg

murtoSa recebe iX congreSSo ibérico “a bicicleta e a cidade”Realiza-se entre os dias 27 de Abril e 1 de Maio, na vila da Murtosa, o IX Congresso Ibérico “A Bicicleta e a Cidade”. Este é um dos eventos de referência sobre a bicicleta como meio de

transporte urbano na Península Ibérica. O JORNAL PEDAL destaca a sessão plenária do segundo dia, Sábado, onde serão apresentados os projectos de cidades cicláveis dos municípios de Lisboa e de Oviedo (Espanha) e ainda do projecto “Murtosa Ciclável”.O encontro é organizado pela Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) em conjunto com a congénere espanhola CONBICI e pela edilidade da Murtosa. Este Congresso realiza-se há já 18 anos de forma alternada, entre Espanha e Portugal, sendo que a anterior edição realizou--se em Sevilha, em Outubro de 2010. Mais informações e programa completo deste evento disponíveis em murtosaciclavel.com. fg

barcelona celebra cinco anoS de bicingO serviço público de aluguer de bicicletas de Barcelona celebra cinco anos como um

CURTAS

ediToRiAl

o número mais heterogéneo do PEDAL até ao momento. Cruzamos gerações e ambientes distintos, mas procuramos entender o significado de um agir. Seja a força que tem uma Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta ou a abordagem que o músico Tiago Sousa faz a objectos da sua vida, bicicleta e piano. Ser ciclista de casa por vezes também é bom. É a oportunidade de pedalar em espaços protegidos e dar uso à reflexão. No entanto, anseia-se o Verão, está quase na altura de fazer bater nos raios o sol e ler o PEDAL enterrados em areia.

abril 2012

Nº4 – ABRIL DE 2012 Ficha Técnica — Director: Bráulio Amado (BA) [email protected] Directores Adjuntos: João Pinheiro (JP) [email protected], Luís Gregório (LG) [email protected] Editor: Filipe Gil (FG) [email protected] Redacção: Ricardo Sobral (RS)[email protected] Fotografia de Capa: Montanha Negra Colaboraram nesta edição: Fotografia: Ricardo Filho de Josefina, Montanha Negra, Fábio Gonçalves Ilustrações: Akacorleone, Ricardo Martins, Zana Moraes Textos: Miguel Carvalho, Rui Ventura, Augusto Pinheiro, Duarte Nuno, Ricardo Pinela Produção de Moda: Fotografia: Montanha Negra Maquilhagem: Carlos Santos Modelo: Nick Schiarizzi Banda Desenhada: Rick Smith Revisão: Babelia Traduções babelia.pt Design e Direcção de Arte: Estúdio HHH Comunicação: Helena César Departamento Comercial e-mail: [email protected] tlm: 915044437/935586915/933514506 Distribuição: Algarve: Francisco Rocha, Porto: Pedro Leitão Lisboa: Camisola Amarela JoRNAL PEDAL é uma marca registada / Morada: Praça Gonçalo Trancoso nº2 – 2.º esq, 1700-220 Lisboa Tel: 935586915/933514506/915044437 e-mail: [email protected] web: facebook.com/JornalPedal / jornalpedal.tumblr.com / twitter.com/JornalPedal Impressão: Empresa Gráfica Funchalense S.A. funchalense.pt | email: [email protected] Tel. 219677450 Fax 219677459 Tiragem: 5.000 exemplares Depósito Legal: 340117/12 o JoRNAL PEDAL faz parte da Cooperativa PoST postcoop.org / As opiniões expressas no JORNAL PEDAL são da exclusiva responsabilidade dos respectivos autores, e não vinculam ou reflectem necessariamente a posição da direcção do jornal. JORNAL PEDAL é uma publicação gratuita que não pode ser vendida.

dos que mais sucesso obteve em países do Sul da Europa. Actualmente, Barcelona é considerada uma das cidades mais cicláveis de acordo com o blogue do jornal El País dedicado ao uso da bicicleta, “I love Bicis”. Este serviço foi o primeiro a ser instalado numa cidade espanhola e foram precisos cinco anos para superar alguns problemas como a má distribuição da rede de bicicletas nos vários pontos da cidade, o custo da implementação do projecto, o conflito com os peões e a falta de medidas contra a sinistralidade, entre outros. Contudo, os catalães fidelizaram-se ao uso da bicicleta e, actualmente, realizam uma média de 110 mil trajectos diários de bicicleta, sendo que deste número 30% é feito utilizando o sistema Bicing. Em jeito de celebração foi anunciada a colaboração de patrocinador que irá financiar este sistema público a partir de 2013. fg

matilha deSenha SardinhaS de liSboaA Matilha Cycle Crew ganhou o concurso para o desenho das sardinhas das Festas de Lisboa deste ano (2012). A proposta da Matilha - grupo composto por designers da agência Brandia Central - foi a vencedora entre as mais de 3500 propostas de cerca de 1750 candidatos oriundos de 16 países. A escolha foi feita por um júri composto por Catarina Portas, empresária/jornalista, Jorge Silva, da Silvadesigners, Mário Mandacaru, presidente do Clube dos Criativos de Portugal e Rita Castel-Branco, directora de comunicação e imagem da EGEAC. De salientar que foram atribuídos um segundo e um terceiro prémios e haverá uma quarta sardinha que será escolhida, entre as 297 que compõem a shortlist, através de votação no Facebook. fg

david cameron oferece bicicleta ao primeiro-miniStro japonêSO primeiro-ministro britânico, David Cameron, ofereceu ao seu homólogo japonês, Yoshihiko Noda, uma bicicleta da marca Brompton durante a mais recente visita ao Japão. O presente foi oferecido no âmbito das celebrações da parceria nipo-britânica. Recorde-se que a Brompton é uma marca inglesa de bicicletas dobráveis feitas na única

fábrica de Londres que produz as peças manualmente. fg

curSoS de condução de bicicleta e mecânica – próXimaS acçõeSCom o objectivo de aumentar o número de ciclistas e a frequência, conforto e segurança com que circulam, a Cooperativa POST oferece formação específica para quem pretende começar a usar a bicicleta e aprofundar conhecimentos sobre condução em estrada e meio urbano. São ainda ministrados cursos de mecânica simples para o dia-a-dia e assistência em viagem, ideal para quem pretende aumentar a sua autonomia na estrada. 21/04/201210:00 - 12:30 Aprender a Andar de Bicicleta14:30 - 18:00 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 101/05/201214:30 - 17:00 Mecânica da Bicicleta - Rodas e Pneus17:30 - 20:00 Mecânica da Bicicleta - Identificar Problemas e Encontrar Soluções05/05/201210:00 - 13:30 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 214:30 - 17:30 Condução de Bicicleta na Cidade - Nível 3Mais informações e inscrições em postcoop.org. rs

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Specialized Turbo. DR Brompton. DR

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bikenomicSMiguel Carvalho · menos1carro.blogs.sapo.pt

A bicicleta pode ser boa para a economia? Não, não estou a pensar no nosso bolso. Aí todos sabemos que comprar uma bicicleta nova todos os anos sai mais barato que o passe dos transportes públicos e, mais ainda, que o seguro automóvel.

Estou a pensar na economia em geral. Por exemplo, gastos com estacionamento. Os residentes, depois de encherem os passeios com automóveis, pedem mais estacionamento e as câmaras mandam construir. Um lugar de estacionamento subterrâneo custa à volta de 20 mil euros, ao que acresce a manutenção 80€/mês. Por cada bicicleta, bastam 20€ para um lugar num U-rack, que nem precisa de manutenção.

Então e as estradas? Construir uma ciclovia custa entre 3 a 25 mil euros por cada quilómetro. No extremo oposto, estão as auto-estradas, cujo custo pode chegar aos 30 milhões por um simples quilómetro. E mantê-las? Peguemos num exemplo concreto. Graz, uma simpática cidade austríaca conhecida por ter sido a primeira no mundo (já lá vão 20 anos) a tornar--se numa enorme Zona 30. São poucas as pessoas que usam o automóvel, mas mesmo assim a câmara local gasta 60 milhões de euros todos os anos em gastos correntes devido aos automóveis. O valor gasto nos transportes públicos é menos de um terço. Na bicicleta nem se fala.

Mudar do automóvel para a bicicleta também ajuda o país a diminuir os desequilíbrios com o exterior, e sair da actual crise. Neste momento Portugal está a importar petróleo a um ritmo de 8 mil milhões de euros por ano, o que é mais ou menos igual ao défice comercial do país. A única coisa que a bicicleta queima como combustível, são os pneus da barriga.

Mas a bicicleta não é só boa em termos de menores gastos, ela traz também vários benefícios. O sedentarismo é das principais causas de doenças e mortes prematuras na nossa sociedade, e promover a bicicleta é acabar com o sedentarismo. As autoridades de Copenhaga calculam que por cada quilómetro percorrido de bicicleta há um benefício de 0,75€ em termos de saúde física, e psicológica! 30% desse benefício acaba por recair para a sociedade, em termos de poupança no sistema de saúde. Agora imaginem quanto poupam os habitantes de Copenhaga que fazem mais de um milhão de quilómetros por dia de bicicleta.

Trabalhadores mais saudáveis também são trabalhadores que faltam menos. Na Holanda estima-se que um aumento de 1% no número de trabalhadores que se deslocam de bicicleta levaria a uma poupança de 27 milhões de euros às empresas por ano, por haver menos faltas.

Pensando nisto tudo junto, a cidade de Portland pensa investir 140 a 600 milhões de dólares até 2040 em políticas pró-bicicleta, para aumentar o seu uso. Daí obterá um benefício de 390 a 600 milhões em cuidados de saúde, de 150 a 220 milhões em poupança de combustível, e de 7 a 12 mil milhões em melhorias de saúde.

Deixando de lado as vantagens e desvantagens para o ciclista, a bicicleta só traz benefícios para a sociedade. Do automóvel só se pode dizer o oposto. Cada quilómetro de automóvel significa mais congestionamento e tempo perdido, mais problemas de saúde, mais custos ambientais, etc.. Para pegar num caso extremo, a hora de ponta em Bruxelas: calcula--se que cada quilómetro de automóvel extra possa custar à sociedade mais de 1,5 euros. No caso de Copenhaga, cada quilómetro feito de carro é um encargo de 0,10€ para a sociedade em geral.

Por último, quem argumenta que o automóvel cria

mais emprego que a bicicleta, está a falhar o ponto. Se os consumidores gastassem uma parte substancial dos seus vencimentos noutro qualquer sector, em esferográficas, por exemplo, esse sector também criaria emprego. Poderíamos obrigar as bicicletas a custarem tanto como o automóvel, se quiséssemos. Obrigando as bicicletas a estacionar em gigantes garagens, a mudar o óleo e a fazer caríssimas revisões periodicamente, aumentando os preços das bicicletas e do seu uso até aos altos níveis dos preços dos automóveis, etc.. Então a bicicleta também criaria empregos! Mas isso seria dinheiro desperdiçado inutilmente, que bem poderia ser usado em coisas melhores. Inutilmente porque andar de bicicleta é tão barato e tão simples, “como andar de bicicleta”.

kinfolk / vilar / brompton – paiXõeS com comprimentoS de onda diferenteSRui Ventura · [email protected]

As bicicletas estão na moda, ou por outra, as bicicletas nunca saíram de moda, apenas estão mais apetecíveis para marcas que as utilizam como elemento estilístico na sua comunicação e publicidade; para grupos de trend-setters que as usam no seu dia-a-dia como uma extensão da sua personalidade e do seu estilo, para movimentos verdes que apelam à sustentabilidade ou à sua utilização nas cidades, ou até para líderes políticos que as usam como elementos de diferenciação nas suas campanhas eleitorais.

E este fenómeno, sendo eu um homem do marketing e da comunicação, interessa-me. As bicicletas são objectos mágicos, plenos de universalidade e memória colectiva e isso é algo extremamente importante para os dias de hoje, ou seja, dada a pulverização de assuntos, de interesses, de plataformas e de tipos de media, encontrar um fenómeno que congregue esta universalidade pode ser extremamente interessante para uma marca, por exemplo.

Todos nós temos memórias da nossa primeira bicicleta, do dia em que tirámos as rodinhas de apoio, da nossa primeira queda, dos namoricos em cima da bicicleta ou até do nome com o qual baptizámos a nossa primeira bicicleta.

E se a estes momentos emocionais de pura celebração da vida, juntarmos a cultura do cinema, da música, da publicidade ou do desporto, chegamos à fácil conclusão de que as bicicletas são elementos extremamente relevantes na nossa sociedade e na nossa cultura, e que são inclusivamente celebrados em festivais globais como o “Bicycle Film Festival”, que celebra a utilização das bicicletas e os seus reflexos noutras áreas culturais.

Ainda no campo do marketing, interessa-me sobretudo tentar perceber os fenómenos de diferenciação que as marcas de bicicletas desenvolvem para se tornarem objectos de desejo e verdadeiras love brands. E nesse sentido um dos melhores exemplos de diferenciação, na minha opinião, é o da marca Kinfolk. Uma pequena marca, que congrega as histórias, as vivências e as sensibilidades estéticas de quatro amigos de geografias distintas. O que é que Nova Iorque, Tóquio, Sidney e Los Angeles podem ter em comum? Exactamente aquilo que referi há pouco, memórias colectivas em torno da paixão pelas bicicletas e, nesse sentido, a Kinfolk celebra a qualidade, o design puro e o processo de manufactura artesanal. Os quadros são únicos e feitos à mão pelo artista japonês Kusaka, de acordo com as medidas do cliente. E por mês são produzidas no máximo cinco bicicletas, cada bicicleta demora em média quatro a seis semanas a ser produzida. Cada bicicleta é uma peça única, e o preço reflecte essa exclusividade. Com uma aposta clara na qualidade e na exclusividade, a Kinfolk aposta em parcerias estratégicas como a que celebrou com a Nike, com

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Ganhei asas! O vento soprava na minha cara e era eu que me movia montado na minha mágica bicicleta que ampliava a minha mobilidade, expandia o meu corpo através do espaço. Também me sofistiquei no equilíbrio: aprendi a andar sem mãos, a manter o equilíbrio com a bicicleta parada, subir e descer primeiro passeios e depois lances de escadas públicas. Tornei-me hábil em gincanas que fazia nos estaleiros das obras com outros putos, por cima de “pontes” de tábuas e tijolos, etc.. Estas proezas, que me obrigavam a manter as duas mãos no guiador, eram feitas sobretudo à custa da perna esquerda, porque a direita servia sobretudo para fazer a roda pedaleira andar para trás, para que o pedal esquerdo ficasse novamente em cima, pronto a receber a força da perna esquerda. Na verdade tinha de aproveitar ao máximo o momento, porque o pedal esquerdo tinha sido encurtado. Quando circulava normalmente, sem me ver obrigado a pôr as duas mãos no guiador, com a mão direita ajudava a perna direita a fazer força no pedal, para conseguir mais velocidade. Aventurei-me progressivamente nas imediações da cidade.

Fazia na bicicleta o que todos os putos fazem habitualmente. Só que eu apenas conseguia fazer tudo aquilo de bicicleta. Nunca a pé….

Hoje, quando me desloco a Lisboa, espero nos sinais e vejo a variabilidade de opções que se oferecem aos ciclistas nos seus percursos, penso na mobilidade reduzida a que estou confinado, como todos os automobilistas numa grande cidade. Sem me aperceber claramente, comecei a pensar que se vivesse em Lisboa, voltaria a andar de bicicleta, desta vez electrificada, por razões óbvias.

deSafio lucky luke dia 31 de outubroDuarte Nuno · [email protected]

a K-Swiss ou com a Wallpaper Magazine, que recentemente lhe atribuiu um prémio internacional de design. Para além da paixão pelas bicicletas, este colectivo desenvolve ainda projectos na área do design, da produção de conteúdos televisivos, e na área da restauração com um lounge bar, áreas que parecem distantes, mas se pensarmos que as marcas hoje têm uma forte necessidade de comunicação, de construção de conteúdos, e de interacção e celebração com os seus fãs, é natural esta extensão.

Historicamente, temos em Portugal, no mercado das bicicletas, exemplos incríveis de qualidade, de design e de inovação, basta pensar na histórica Vilar e nas suas bicicletas de dobrar, as primeiras a pensar nos dilemas do transporte e da arrumação, algo que a marca inglesa Brompton vende como seu atributo exclusivo, mas que já existia em Portugal desde os anos 60. Falta-nos talvez uma visão de marketing melhor direccionada que consiga transformar uma bicicleta num objecto de culto, ou como o jornal The Observer escreveu sobre a Kinfolk: “There are bikes, and then there are bikes”.

bicicleta: a libertação da mobilidade reduzidaAugusto Pinheiro · [email protected]

Devido a sequelas de uma poliomielite que diminuiu drasticamente a massa muscular da minha perna direita, até aos quinze anos desloquei-me com o auxílio de bengalas e de uma prótese. Essa prótese era constituída por uma estrutura de ferro cravada na bota direita, que subia até ao peito, com uma articulação no joelho e outra na anca e partes de couro com atacadores, para fixarem a estrutura à perna e ao tronco. Cada articulação tinha o seu travão que eu devia destravar ou travar conforme me sentava ou punha de pé. Caminhava devagar, apoiado na bengala, que ajudava a perna quase sem massa muscular a arrastar todo aquele ferro. Correr, nem pensar, como é compreensível.

Via os outros putos a correr e a jogar à bola. Invejava-os por poderem correr, via os cabelos deles a voar enquanto corriam e tentava ter essa sensação, quando punha a cabeça fora das janelas dos comboios em andamento e do carro dos meus pais. Sentia o ar na cara e nos cabelos e tentava imaginar que era eu a deslocar-me. A compensação era ténue.

Foi no ano de 1957, tinha eu nove anos. Logo a seguir ao meu aniversário, em Junho, fui sujeito a uma intervenção cirúrgica de ortopedia para corrigir a posição do pé. Passei as férias grandes na cama para que os ossos, tendões e músculos intervencionados se unissem. Quando o cirurgião me deu autorização para começar a andar, os meus pais ofereceram-me uma bicicleta. Iria andar nela com uns sapatos normais, sem prótese acoplada. No entanto, o meu pai mandou encurtar o pedal esquerdo, para que eu fizesse mais força com a perna direita. Uma forma de fazer exercício e atenuar a atrofia.

Fui com o meu pai comprar a minha bicicleta à pequena loja da cidade de província onde vivíamos. Fiquei encantado. Era uma robusta bicicleta inglesa, com a inscrição MADE IN ENGLAND gravada numa placa fixada no volante. Quadro e garfo grená, travões de alavanca, selim de couro com molas, guarda-lamas bege, encimados de veios cromados e uma sólida campainha que resistiu a tantas e tantas quedas.

A motivação era muito profunda e depressa aprendi a equilibrar-me. Como as rodinhas só me atrapalhavam, levantava-as quando andava e voltava a colocá-las no sítio quando chegava a casa. Quando o meu pai se apercebeu, retirou as rodinhas.

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Serpa, nove e meia da manhã e Estêvão despede-se dos lençóis e pijama. Pega na bicicleta ao ombro e quando vai a sair de casa:

“Onde é que vais? Não comes nada?” - conversa de mãe.

“Prometi à Filomena ir tomar o pequeno-almoço ao Alcaide.”

“Porque é que não me prometes dizer com antecedência onde vais? Leva o capacete!” - já não ouviu o que a mãe lhe disse, a porta da rua não permitiu.

Já a pedalar “ESTÊVÃO” - um grito feminino da Filomena fá-lo abrandar. Deram a mão para se cumprimentarem.

“Quem chegar ao Alcaide em último paga o pequeno-almoço.”

Um acenar de cabeça e “1, 2, 3” dá início à corrida. As pernas da Filó dão um bom arranque. Passam pelo meio de duas filas de pelo menos uns 12 carros atrás do semáforo. Os vermelhos não existem, existem espaços, como o Lucas diz. As buzinas e os elogios participam um pouco na corrida. Na última curva um carro mal estacionado dá a vantagem a Estêvão, mas a Filomena chega primeiro porque ultrapassa-o mesmo no fim. Quase paga o pequeno-almoço.

“Então o que é que me tinhas para dizer?” - diz a Filó.“Tu … que tens a mania … que és muito rápida...” - o

cansaço faz com que as palavras não saiam fluídas.“É mentira?” – confiante, ri-se. “Vá, não fiques

assim.” - com o sorriso na cara faz-lhe um carinho na mão.

“Tu tens a mania que és muito rápida, e vi no jornal uma prova de ciclismo mesmo adequada para ti, Desafio Lucky Luke.”

“Não me digas que tenho que ser mais rápida que a minha sombra?”

“É isso mesmo. Pedalar para seres mais rápida que a tua própria sombra.”

“Isso é parvo! Se ainda fosse com a tua sombra eu

dava uma abada.” - e sai um riso que fica o centro das atenções na esplanada.

“Sai duas torradas, uma sem manteiga e dois galões para o casal do canto.” - entoa o empregado.

“A regra é: tens que passar a tua sombra na recta do Infante. Para que não haja batotice tens que levar uma câmara no quadro.”

A Filó começa a pensar se aceita ou não.“Tens até Terça-Feira para pensares e inscrever-te.”“Aceito. Tenho é que ter tempo para treinar.” - o

Estêvão acena com a cabeça e abre os braços.“Se quiseres…” - a passagem de um homem de

bicicleta com tijolos atrás capta-lhes a atenção e interrompe-lhes a conversa.

“O que é que querias dizer?”“... Que freakalhada é esta? Esquece, já me esqueci do

que queria dizer.”“Este homem costuma passar à porta de minha casa

todos os dias mas é mais no fim da tarde.”No dia seguinte, bem de manhã pela fresquinha, Filó

instala a câmara e começa a tentar ser mais rápida que a própria sombra.

Quando acaba de treinar liga para o Estêvão.“Oi, tudo bem?”“...”“Olha terminei o treino e vou ver agora as filmagens.

Queres vir ter a minha casa?”“...”“Sim, acho que correu bem, não fiquei com a sensação

que consegui, ainda estou longe do objectivo.”“...”“Muito engraçado. Vá, até já, beijos”Estêvão toca à porta e sobe. Apanha a Filó com o

toalhão de banho à volta do corpo, nada que o incomode.“Vou vestir qualquer coisa. Já estou a descarregar os

vídeos para o computador.”“Ahahahah, belo fato de treino.” - goza o Estêvão. (continua no próximo número)

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Fotografia: Montanha Negra

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Maquilhagem: Carlos SantosModelo: Nick Schiarizzi

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Bicicleta: BianchiCadeado: Kryptonite

Casaco: Brooklyn IndustriesCamisa: Fred Perry

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Camisola: VansQuadro: BianchiRodas: Shimano

Selim: Specialized

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Capacete: One Industries – SixSixOneCamisa: Elwood

Bicicleta: Panasonic

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Tiago Sousa é um tipo simples. Mas não é a sua larga barba ou postura elegante a andar de bicicleta que mais impressiona. No sangue do Tiago fervilham as condicionantes de uma contemporaneidade, que ele clara e calmamente reflecte perante nós e apresenta em forma de música. Perceber que a música não é um adorno, ou que os objectos e a forma como os usamos não estão assim tão distantes daquilo que verdadeiramente somos, é algo oposto à correria e artificialidade presentes no nosso tempo.

No meio mais “alternativo”, o Tiago Sousa ficou conhecido por criar a Merzbau, antiga e seminal net-label, responsável pelos primeiros lançamentos de bandas como Lobster, Noiserv, B Fachada ou Frango. Mas é agora, e através do seu trabalho a solo, que Tiago Sousa chega a um outro público, tendo passado por sítios como o Teatro Maria Matos ou o Museu do oriente, em Lisboa.

Nesta entrevista atravessamos um pouco o seu percurso musical, da guitarra ao piano, entre o Barreiro e Lisboa, e procuramos compreender melhor as reflexões e as referências existentes no actual trabalho de Tiago Sousa. Para mais facilmente nos situarmos, podemos dizer que a sua música anda por universos entre um Debussy ou Erik Satie, mas é a sua abordagem ao piano e aos objectos que nos levou a procurá--lo. Bem, talvez tenha sido pelo facto do Tiago ser utilizador de bicicleta, mas talvez não sejam assim tão distintas as relações que estabelecemos com os diferentes objectos que escolhemos para povoar as nossas vidas.

Sejam as notas que fazemos soar de um piano ou a velocidade que atingimos ao pedalar numa bicicleta, o percurso até aí percorrido e reflectido pode não ser mais do que uma projecção de um mundo que desejamos.

Há quanto tempo andas de bicicleta?Há mais ou menos cinco anos que ando de bicicleta regularmente em Lisboa e no Barreiro. Comecei a sentir-me extremamente stres-sado com a questão do combustível estar sempre a aumentar e, na altura, ainda não estavam os preços estúpidos que há agora. O meu estilo de vida não possibilitava alimentar um carro e o que isso im-plica de seguros e mecânica. Tinha um carro velho, como é óbvio, e pareceu-me uma coisa que já estava a tornar-se mais um estorvo na minha vida do que propriamente algo que simplificasse.Na altura, tinha estado em Barcelona e vim de lá um bocado malu-co com a cena de toda a gente andar de bicicleta e pensei: "andar em Lisboa não há-de ser assim tão estupidamente difícil". Como sabia que havia a condicionante das colinas e etc., comprei uma Brompton, para facilitar essa questão. Mas depois com o tempo comecei a perceber que de facto não é assim tão difícil, “não é nenhum monstro de sete cabeças” e então acabei por pôr a dobrável um pouco de lado e comprei uma bicicleta mais utilitária.

Com que frequência usas a bicicleta?Faço uma utilização quotidiana da bicicleta. Apenas nas desloca-ções que são maiores ou em que necessito de transportar cargas grandes é que não utilizo. Mas em ambiente urbano é o meu transporte de eleição. Se não posso levar a bicicleta por algum motivo sinto-me doente. Essencialmente, como moro no Barreiro, utilizo a bicicleta em complemento com o barco, onde o transpor-te é gratuito.

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Texto: João Pinheiro

Fotografia: Ricardo Filho de Josefina

ricardofilhodejosefina.com

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SprintQue bicicleta?Neste momento tenho uma Estoril III da Órbita. É uma bicicleta bastante utilitária e acho que está bastante bem preparada para uma utilização numa cidade como Lisboa. Tem mudanças externas, não é estupidamente pesada e tem tudo o que necessito para o dia-a-dia. Tenho também uma Brompton que neste momento está encostada por motivos técnicos, ainda não lhe dei a atenção necessária para resolver isto. Já tive uma pasteleira clássica que tive de vender por falta de espaço.

Já foste dar um concerto de bicicleta?Fui sim. Acredita que é a maior sensação de liberdade. Das vezes que fui, fui na minha clássica pasteleira portuguesa. Meio na brincadeira, dir-te-ei que o meu próximo disco será um disco de piano solo para poder fazer esta tour de bicicleta.

De que sentes falta quando andas de bicicleta?Até há pouco tempo, sentia falta de algum civismo por parte dos outros veículos na estrada. Ultimamente a utilização da bicicleta começa a tornar-se mais banal e há cada vez menos automobilistas que se irritam com a nossa presença. Poderei referir uma série de situações que facilitariam a utilização da bicicleta na cidade, como ciclovias nas principais artérias da cidade, transformação das faixas BUS em faixas mistas para bicicletas, alteração da lei da prioridade ou do sentido proibido com excepção a ciclistas. Mas acho que o essencial será sempre uma maior massificação da bicicleta como transporte quotidiano. Desse modo estarão sempre asseguradas maiores condições de segurança para as bicicletas.

Moras no Barreiro mas muito do teu tempo é passado em Lisboa. Que diferenças sentes entre as duas cidades?Por acaso, o Barreiro acaba por ser uma cidade paradigmática, porque é uma cidade onde a bicicleta tem uma utilização bastante massiva. Sendo uma cidade relativamente pequena e plana, e como tem uma tradição de uma classe média mais remediada, as pessoas usam a bicicleta com uma grande frequência, mais aquela onda das bicicletas de montanha que compras no supermercado e que vais utilizando no teu quotidiano de uma forma bastante simples e intuitiva. Aqui em Lisboa nota-se que a cultura é um bocado dife-rente, é uma cultura mais urbana, mais próxima de cidades grandes como Londres ou Barcelona. É engraçado notar essas diferenças.

o teu percurso musical é bastante curioso. Como chegas ao piano?O piano surgiu quase como uma bóia de salvação. Antes de tocar piano, tocava essencialmente guitarra eléctrica e estava mais ligado a um universo indie-rock, ou o que tu lhe queiras chamar. Mas andava a sentir-me bastante frustrado porque não sentia que tivesse uma identidade muito forte com o instrumento. A guitarra é um instrumento muito ingrato a esse nível porque tem um universo bas-tante alargado. Muitos músicos já experimentaram muitas coisas e depois chega a uma altura em que te sentes um pouco limitado com o próprio instrumento. Como eu tinha tido aulas de piano quando era muito novo, com a minha avó, achei que poderia ser um desbloqueio interessante abordar um instrumento que tem uma tradição mais académica, mas eu não o iria abordar por essa perspectiva. Assumi desde o início que ía fazê-lo de uma forma autodidacta e pela aventura que isso iria significar, de me atirar a um instrumento sem qualquer tipo de preparação. E pela ligação que tinha ao meu passado, achei que poderia ser uma forma interessante de me redescobrir e criar uma identidade mais forte e encontrar uma coisa que pudesse dizer que era mais minha. De facto também existe um certo isolamento que é inerente a esta circunstância. A Merzbau, na altura, foi um catalisador brutal de criatividade para conhecer montes de músicos e montes de pessoas a fazer coisas completamente diferentes. Na altura em que começo a Merzbau, devia ter uns 19/20 anos mas não tinha muita vivência com a cena musical do Barreiro ou de Lisboa. A Merzbau é que me abriu um pouco esse contacto com as pessoas e com os concertos, com o estar presente e conhecer coisas diferentes, foi um boost criativo que eu recebi incrível.

Clássica ou erudita?Quanto à música, ela não é nem clássica, nem erudita. O meu método é muito pouco académico e tenho muito poucos conhecimentos técnicos para poder dar-me a essa nomenclatura. Faço música de tradição erudita através do método da música popular.

Local favorito para criar.Eu como toco piano estou sempre limitado relativamente aos espaços. Tendencialmente trabalho em casa, no meu quarto, que é onde tenho o meu piano. Mas qualquer oportunidade que eu tenho em ter um piano num sítio fixe é sempre uma oportunidade porreira de experimentar, mesmo acusticamente, outro tipo de fenómenos.

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Com o passar dos tempos, senti a necessidade de também investir um pouco mais na minha própria carreira, no meu próprio percurso musical e fui-me concentrando mais no piano e afastando-me um pouco dos próprios círculos. Hoje em dia talvez me vejas menos em concertos do que me vias há cinco anos, não sei exactamente ao certo porquê, mas é uma coisa que eu noto. Talvez também tenha outro tipo de interesses que me vão puxando nesta altura. E a músi-ca enquanto vivência numa cena cultural acaba por estar um pouco mais para segundo plano.

o teu último disco, o "Walden Pond's Monk", tem uma carga cultural e ideológica muito grande, como é que a incorporas?Tento que a música para mim não seja só um objecto ornamen-tal. Ou seja, considero que no momento em que estás a criar um objecto artístico, mesmo uma coisa como a música que é bastante abstracta, depende de uma série de opções que tomas, e que antes de serem opções estéticas, são opções ideológicas. A referência que fui tomar para o Walden foi um escritor americano chamado Henry David Thoreau que escreveu muita obra em torno disto, em torno da necessidade da emancipação individual e a necessidade de uma certa reclusão para a compreensão de quais são as nossas necessidades individuais como uma forma de chegar ao cerne de ti mesmo e ao cerne do que é que é a vida social. Ao ler a obra dele identifiquei-me muito primeiro com o homem e identifiquei-me também musicalmente muito com ele, esteticamente falando. Com-preendendo que elementos que ele no fundo advoga e que alimen-ta, como a simplicidade, a naturalidade, estão todos intimamente ligados com a minha própria música, o minimalismo que eu pratico e também com um certo lado de improviso que eu tenho e um certo lado de despojamento intelectual, naquela carga mais forte, mais académica e restringida e mais no sentido de te libertares a ti próprio, deixares os pensamentos fluírem e as coisas fluírem mais

naturalmente e não teres vergonha de assumir isso e de o fazeres. Todas essas questões acabam por estar intimamente ligadas com a minha própria abordagem ao piano e para mim fez todo o sentido pegar nessas questões que ele aborda nos livros e transformar aquilo em música. Ao fazê-lo, tentei fazê-lo não de uma forma muito narrativa. Tentei pegar nestas bases que são as referências ideológicas dele e tentei transformar isto num exercício estético, partindo deste pressuposto: que a estética é um exercício também de valores.

E onde estás tu no meio destas referências?No fundo o que eu estou a fazer é usar um subterfúgio. No fundo, estou sempre a ser eu e a ideia é um pouco essa. No “Insónia” isto não é tão claro, mas no “Western Lands” que é outro disco que escrevi, também o fiz em homenagem ao escritor americano William Burroughs, usando um livro que ele tem com o mesmo título. Tento sempre, e é uma coisa que é inevitável em mim, ir buscar referências de que gosto para dizer alguma coisa. Ou seja, é mais fácil se estabeleceres um paralelo com algo que já existe e remeteres para esse universo e dizeres coisas que, na minha música, sendo instrumental, não teria possibilidade de o fazer. Sendo que acredito que a minha música é uma expressão indivi-dual, acima de tudo. Mesmo pela questão do método, que é algo que sinto que é muito forte na minha circunstância, por es-sas questões que tinha enunciado. O renegar do lado académico e "virtuosístico” do instrumento e de tentar uma abordagem mais intuitiva e mais espontânea. Tudo está relacionado com a minha própria maneira de estar na vida, não dissocio uma coisa da outra. Portanto, considero que em cada momento estou a expressar-me a mim próprio e talvez até para sítios diferentes e a tentar também encontrar-me no meio disso.

Que projectos tens para o futuro?Neste momento estou a preparar um disco novo que sairá até ao final do ano e uma nova tour. Irei estar em Maio a tocar nalgu-mas cidades do centro da Europa e já me encontro a compor para o disco a seguir a este. Têm sido tempos animados.

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RepoRTAgeM

Para muitos de nós, ciclistas, a FPCUB significa essencial-mente uma coisa: o seguro de acidentes pessoais e de res-ponsabilidade civil. Esse é o principal serviço que presta à comunidade de utilizadores de bicicleta ou, talvez, o seu papel mais visível na defesa dos interesses velocipédicos. Pelo meio, há todo um trabalho de bastidores levado a cabo há mais de 25 anos que tem conseguido, pontualmente, melhorar as condições do uso da bicicleta em Portugal. O mote para a nossa conversa com o presidente José Manuel Caetano, um dos fundadores da instituição que dirige desde sempre, foi olhar em retrospectiva alguns dos momentos marcantes das últimas três décadas para perceber o que foi conquistado até hoje, de que forma e o que podemos aprender com a ex-periência. Antevêem-se anos prósperos para o uso da bicicleta mas existe um longo caminho a percorrer para a sua inclusão abrangente no quotidiano das cidades.

A ideia de criar uma instituição que representasse os utilizadores de bicicleta confunde-se com a história pessoal do pre-sidente Caetano, que decidiu começar a an-dar de bicicleta nos anos 80 como forma de lazer, altura em que o cicloturismo começava a expandir-se em Portugal. É precisamente com o advento e difusão desses novos concei-tos de uso da bicicleta como meio de recreação e de transporte (ou, antes, velhos conceitos agora reciclados em versão pós-moderna) que surge a necessidade de criar a FPCUB enquanto órgão direc-cionado para o uso não desportivo da bicicleta. Inicial-mente, a maioria dos seus sócios praticava o cicloturismo de estrada. Durante os anos 90 assistiu-se ao crescimento abissal do uso das bicicletas de montanha e a partir deste século começou a notar-se o lento mas ininterrupto cresci-mento do ciclismo urbano e utilitário. Hoje a FPCUB conta com cerca de 30 mil sócios registados e é com esse número expressivo que consegue-se criar algum peso político no momento de lutar pelos direitos dos ciclistas.

Na génese desta federação está uma visão unificadora onde se congregam modalidades distintas entre si que,

contudo, partilham os mesmos problemas e procuram os mesmos serviços, como o seguro de acidentes pessoais e descontos associados aos parceiros da FPCUB – há de tudo um pouco, desde hotéis, pousadas, a restaurantes e bares, passando por dentistas, oculistas, rent-a-car e, claro, lojas de bicicletas. Por outro lado, num meio tão pequeno como este, só através da coesão e união de esforços se poderia criar

peso político relevante para fazer a FPCUB funcionar verdadeiramente como agente de lóbi.

Como se Constrói um lóbi pela biCiCleta

Lóbi é uma palavra muitas vezes considerada feia não tanto pela forma como se conven-cionou traduzi-la do inglês lobby mas pelo que representa, enquanto actividade que exerce pressão sobre poderes públicos com o objectivo de defender interesses corpora-tivos e institucionais de diferentes ramos de actividade. Em Portugal continua a ser vista com alguma suspeição e confundida com actos ilícitos, mesmo sabendo-se que é uma

actividade reconhecida e acreditada a nível europeu. A definição e o conceito não chocam

o presidente da FPCUB, que lhe reconhece legitimidade enquanto forma de fazer política e

intervir civicamente: “há sempre aí qualquer coi-sa que pode ser perversa mas o lobbying, se for feito

por gente decente, é sempre positivo e também não vejo porque é que uma empresa não há-de poder fazer o

seu para ganhar alguma coisa, desde que respeite as regras e não faça nada contra o interesse da sociedade em geral”. Caberá, então, à sociedade em geral estabelecer as regras do jogo, que não depende da existência prévia das mesmas para ser jogado.

Existem consultores externos especializados em fazer lóbi que se dedicam a representar os seus clientes juntos dos ór-gãos legislativos, exercendo pressão em nome dos interesses particulares daqueles. Esta é uma actividade extremamente bem paga, sobretudo quando estão em causa interesses corporativos de grandes empresas e indústrias, o que faz

as terças e sextas-feiras são dias de alguma romaria ao número 35 da rua bernar-do lima, em lisboa, quando a federação portuguesa de

CiCloturismo e utilizadores de biCiCleta (fpCub) abre as

portas ao públiCo. enquanto o atendimento aos sóCios é

feito pelo seCretariado, Com-posto exClusivamente por jovens reCém-liCenCiados, o presidente josé manuel Cae-

tano vai reCebendo e Conver-sando Com quem apa-reCe por lá. fala-se de tudo um pouCo,

entre bi- CiCletas, polítiCa, ambiente, mobilida- de, até da

vida. o jornal pe- dal

fez uma visita numa

terça-feira de março para uma Conversa Com o presiden-te e fiCámos a saber um pouCo

mais sobre Como se faz lóbi pela biCiCleta em portugal.

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Page 13: Jornal Pedal n.º4

dessa opção um método só ao alcance de alguns. No caso da FPCUB, muito do lóbi é gerido e feito pelo seu presidente com base na sua rede de contactos pessoais e na facilidade com que os mantém. “Isso também é uma questão de feitio. Para fazer-se lóbi é preciso ser-se um bom relações públicas ou pelo menos ser uma pessoa de contacto fácil, diplomático e também ter alguma abertura para ouvir os outros e fazer o papel do esclarecimento”, diz-nos Caetano referindo como exemplo os vários telefonemas que recebe diariamente de sócios que sofreram acidentes de bicicleta e procuram saber como devem proceder. “A maior parte dos acidentes vêm dos praticantes de BTT”, conclui.

É necessário ter uma relação próxima com os centros de decisão quando se faz lóbi e, nesse aspecto, Caetano conseguiu atra-vés da actividade comercial que desenvolveu ao longo da sua vida, orientada para a classe média-alta, contactar com muitas pessoas a quem pôde recorrer mais tarde quando a luta pelas bicicletas assim o exigia. “Isso serviu-me para, quando eu tinha alguma dificuldade, conseguir coisas facilmente. As pessoas até me perguntavam porque é que não tinha ido para o golfe ou ténis, que era o que estava a sobressair naquela altura. Aliás, vê-se que eles têm um lóbi muito maior que o da bicicleta. Eu era criticado com alguma frequência por isso”. Hoje o panorama é outro, tendo começado a mudar quando a causa das bicicletas passou a atrair novos públicos que não só o desportivo e, sobretudo, quando alastrou a sua base social de apoio, deixando de ser conotado apenas com as classes mais baixas, quer enquanto meio de transporte, quer como desporto ou actividade de lazer.

A força da FPCUB está no seu número de associados. Os serviços prestados aos sócios tornam a Federação atractiva para os ciclistas e reconhecida nos órgãos de soberania. Esse reconhecimento traduz-se na abertura e estabelecimento de canais de comunicação privilegiados, formalizados muitas vezes na forma de protocolos que são uma forma de comprometer e “obrigar” à tomada de decisões. Em períodos eleitorais, a Federação e os eventos que esta organiza tornam-se num palco para os candida-tos expressarem o seu comprometimento com a causa das bicicletas e definirem uma agenda política, muitas vezes proposta ou influenciada pela própria FPCUB. “Eu tenho a consciência de que os políticos melhoram a sua imagem sempre que se põem em cima de uma bicicleta. Mas não pode haver “almoços grátis”, eles têm que dar alguma coisa em troca. Enquanto colaborarem têm o nosso apoio e não pode haver fidelidade a pessoas ou a partidos”, diz Caetano enquanto nos mostra algumas das propostas e cartas de recomendação que a Federação enviou anteriormente aos partidos com assento na Assembleia da República.

uma Causa Com várias frentesA revisão do Código da Estrada mantém-se até hoje como o principal foco de pressão com vista

à produção de leis mais favoráveis ao uso da bicicleta, não obstante algumas melhorias consegui-das ao longo dos anos. Alterá-lo terá o mesmo efeito, espera-se, que uma revisão constitucional, ou seja, trata-se de inscrever os direitos dos ciclistas no topo da hierarquia legislativa. “Ainda não ganhámos o Código da Estrada porque o lóbi do automóvel é fortíssimo”, esclarece Caetano. As últimas revisões permitiram eliminar o uso de matrícula e licença de condução obrigatória, que vigorou entre 1954 e 1994, e consagrar a prioridade das bicicletas dentro das rotundas, igual à dos restantes veículos, na revisão de 2005. Ambas as medidas foram propostas pela FPCUB e, neste momento, “há um documento na mão do secretário de Estado com a nossa proposta de revisão” que aguarda seguimento ainda durante esta legislatura, assim espera Caetano.

Contudo, enquanto se aguarda para que esse projecto saia da gaveta, há outras medidas que podem ser tomadas, como é o caso recente da acção de formação que a FPCUB organizou destina-da aos trabalhadores da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que não sabiam andar de bicicleta, bastante bem sucedida pelo número de aderentes e resultados alcançados. Para facilitar todo o processo, nada melhor do que dar formação aos trabalhadores de uma das principais

entidades envolvidas na revisão do Código da Estrada, sensibilizando-os e dando a conhecer as especificidades do uso da bicicleta.

O lóbi faz-se também através de acções paralelas que não interferem directamente com o acto de legislar mas contribuem para atrair a atenção mediática e sensibilizar a opinião pública. Em 2006 a FPCUB passou a atribuir anualmente o Prémio Nacional Mobilidade em Bicicleta, dando reconhecimento público a pessoas e entidades que em diferentes áreas tenham promovido a bicicleta. Como em qualquer entrega de prémios, a cerimónia transmite um certo glamour que valoriza simbolicamente não só os premiados como o próprio lóbi ciclista. O mesmo acontece com o Congresso Ibérico “A Bicicleta e a Cidade” que este ano tem lugar na Murtosa, Aveiro, naquela que será a sua nona edição.

Simultaneamente, outros lóbis podem esbarrar com a agenda política das bicicletas, como é o caso do lóbi auto-móvel. No panorama actual, extremar posições e acentuar o conflito de interesses latente poderia dar azo a uma concorrência no mínimo desigual, perante a diferença de recursos de um e de outro. Dadas as circunstâncias e re-centes acontecimentos em que o próprio Automóvel Clube de Portugal tem vindo a emitir opinião sobre a circulação de bicicletas nas estradas, a FPCUB acolheu como sua filiada uma nova associação que representa os automobi-

listas (também) utilizado-res de bicicleta – o Clube BICIAUTO – cuja missão passa por defender a con-vivência saudável entre automobilistas, ciclistas e peões, reconhecendo que, para muitos, estes meios de transporte são usados complementarmente. Ao fazê-lo, a FPCUB pretende promover o diálogo entre as partes.

fpcub.pt

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texto: RicaRdo SobRal

fotogRafia: fábio gonçalveS

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Sunday in hell – jørgen leth (1976)“E este foi o Paris-Roubaix de 1976, uma grande corrida com um vencedor inesperado.”

Paris-Roubaix é a mais famosa das provas clássicas de ciclismo. Teve a sua primeira edição em 1896 e só não decorreu nos anos onde se combateram as duas grandes guerras.

Jørgen Leth, um dos mais respeitáveis documentaristas da sua geração, apresenta-nos com este filme uma visão real, cinematográfica mas também poética do esforço enorme destes homens. Contra todas as adversidades desta prova, o mínimo deslize pode resultar em quedas graves, e existiram algumas, ou na perda da corrida para outro rival. A proximidade da câmara para com os ciclistas é soberba, eles deixam-se filmar com um à vontade raramente visto. Toda a preparação física, os momentos de stresse, a afinação das bicicletas e, no final, o mítico banho de água fria nos balneários do velódromo de Roubaix que é, sem dúvida, a cena mais bela de todo o filme.

Esta prova ciclista tinha uma enorme importância nessa altura, possível de constatar pela afluência enorme do público e a forma como vivem esse dia, mas também pelas manifestações que provocaram o caos durante o decorrer da prova, que foi praticamente interrompida por duas vezes.

É um enorme prazer ver ciclismo clássico, com bicicletas referenciais, os equipamentos coloridos e simples, filmado em película de uma forma nada pretensiosa porque Leth sabia, como amante do ciclismo, que os atletas valem mais que qualquer tentativa de distorcer a realidade, ele simplesmente observa e diz o que viu.

O Paris-Roubaix continua a ser uma prova fantástica, mas nunca será tão fantástica como outrora foi.

Ricardo Pinela · [email protected]

boneShaker magazine #8A Boneshaker Magazine é uma revista com um toque e um cheiro tipicamente ingleses, dados pelo habitual e belíssimo papel usado do outro lado do canal da Mancha. A revista é trimestral e é feita de textos, ilustrações e fotos de colaboradores que vão mudando de edição para edição.

Neste número, entre outras coisas, podemos descobrir como uma vitória na Volta à França impediu uma guerra civil em Itália; a viagem de dois irmãos pelos Estados Unidos da América e os seus encontros com rednecks; tudo aquilo que existe num qualquer caixote de lixo de um beco algures nos E.U.A, e a colecção de animais mortos que foram encontrando nas estradas dessa viagem; ou ainda como, devido à chuva de um dia de Primavera, nasceu em Graz, Áustria, o “Altbau Rad Kriterium”, ou deveremos chamar-lhe “Indoor Cycle Racing”? Mas nas 56 páginas que compõem esta edição muitas outras ideias, histórias ou imagens poderão ser descobertas.

A Boneshaker Magazine não tem qualquer tipo de publicidade e "sobrevive" apenas devido àqueles que pagam as 3.50£ para poderem lê-la e folheá-la; a revista poderá ser comprada online ou em alguma viagem ao Reino Unido.

No seu site (boneshakermag.com) é-nos dada a seguinte descrição: A “Boneshaker é a celebração do pedalar e de quem o faz” e, provavelmente, essa é a mais correcta e mais precisa definição desta revista.

Luís Gregório · [email protected]

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the urbaniStAndar de bicicleta pelas ruas das nossas cidades faz--nos olhar para estas de uma forma completamente diferente. É um observar mais minucioso feito de cabeça levantada e que nos torna em urbanistas, quase sem querermos. A percepção do espaço urbano torna-se mais presente quando se atravessa as suas artérias ou ruelas numa velocidade mais “humana” e sentimos que, afinal, as cidades foram feitas pelo e para o homem. Ora a conceituada revista Monocle, com sede em Londres - uma das cidades europeias que mais tem lutado pelos direitos dos ciclistas – quando lançou a sua rádio online, em finais de 2011, entendeu que devia dar atenção especial às cidades e às metrópoles. E assim criou o programa semanal “The Urbanist” que todas as quintas-feiras, pelas 19 horas, nos actualiza com reportagens, entrevistas e crónicas sobre as cidades e, sobretudo, as pessoas que estão a moldar a vida urbana actual nos quatro cantos do mundo. São 50 minutos que nos falam de tendências, de movimentos urbanos e de actualidade e que devem ser escutados com muita atenção. Disponível através do site monocle.com, o programa pode ser descarregado através de podcast para ouvirmos quando quisermos, quem sabe a andar de bicicleta.  

Filipe Gil · [email protected]

Programa de rádio

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YeHUdA MooN

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militância altivaHá uns anos, não muitos, os poucos ciclistas urbanos que circulavam pelas ruas de Lis-boa sentiam-se estranhos e mal-amados na maioria das lojas de bicicletas. Simplesmente porque tinham a sensação de estar a entrar num espaço onde o valor do seu veículo só encontrava paralelo no preço das barras energéticas ou das câmaras de ar, o que era no mínimo desprestigiante.

É normal, senão inevitável, o ciclista que começa a andar pela cidade tornar-se num militante da causa. Simplesmente porque é difícil ignorar as dificuldades que se lhe colocam a cada pedalada ou mesmo quando, já desmontado da bicicleta, procura estacionamento, apesar de o mobiliário urbano, quando bem explorado, oferecer soluções interessantes. O que não se esperava, à partida, é que este visionário do velocípede fosse alvo de chacota nas lojas que deviam existir para o servir.

À falta de alternativas, e tal como para outros desafios que a cidade exibe, o ciclista urba-no aparenta ter desenvolvido uma defesa pessoal com laivos de altivez para enfrentar o am-biente potencialmente hostil que têm as lojas de bicicletas especializadas em vender material desportivo da era espacial. É essa atitude que o reveste de uma camada protectora contra a cavaqueira, a laracha e o desprezo de que pode ser vítima num espaço tão afastado das suas necessida- des, que são básicas.

Consegue vislum- brar-se essa altivez quando o ciclista, feito militante, se dirige a quem o atende na loja dizendo: “mas, sabe, este é o meu meio de transporte diário”. Este charuto? Poderá pensar o mecânico. Mas a qualidade do material costuma importar-lhe na proporção inversa – menos é mais, pior é melhor – e altivez serve um propósito, senão vários.

O que o militan- te altivo pretende transmitir com a sua frase-chave é a ideia de que se vê forçado a abdicar de um elemento essencial à vida como água, muito embora, mais do que se tratar de uma forma de pres- sionar quem o atende a servi-lo depressa, o militante altivo quer acima de tudo deixar claro que ele anda de bicicleta pela cidade e que é de facto naquele chaço que se desloca para ir trabalhar. Isto é militância altiva, a fazer campanha para que as lojas o sirvam melhor, para que o ciclista urbano deixe de sentir-se estranho num espaço onde o grama é a unidade de medida oficial, para que lhe vendam peças baratas e para que não tenha que substituir a roda por uma nova sempre que se parte um raio.

Há ciclistas que não dão uma pedalada sem terem a certeza de estar tudo bem afinado e limpo e há quem se marimbe tanto para tudo isso que continua a pedalar para lá do ra-zoável, desafiando a longevidade dos materiais. Pelo meio há uma diversidade de graus e combinações possíveis destes dois extremos – o da picuinhice e o do desleixo. O militante altivo pode ser qualquer um desses ciclistas porque o que o distingue é a forma como se relaciona com a bicicleta independentemente do seu valor – é um objecto que vale mais pelo que representa do que pelo que anda, desde que ande sempre.

O militante é altivo porque nada é superior a isso. “Digam as facécias que quiserem sobre mim e o meu veículo, o que eu quero é tê-lo pronto amanhã sem falta porque, sabe...este é o meu meio de transporte diário.”

Ricardo Sobral · [email protected]

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protectora contra a cavaqueira, a laracha e o

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