Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

8
INFORMATIVO SEMANAL JORNAL PONTE GIRATÓRIA # EDIÇÃO 2 # MAIO 2013

description

Segunda edição do Jornal Ponte Giratória.

Transcript of Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

Page 1: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

INFORMATIVO SEMANAL

JORNAL PONTE GIRATÓRIA

# EDIÇÃO 2 # MAIO 2013

Page 2: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

JPG

• E

DIÇ

ÃO 2

• R

ECIF

E, 1

0 D

E M

AIO

DE

2013

SESC PERNAMBUCO

PresidenteJosias Silva de Albuquerque Diretor RegionalAntônio Inocêncio Lima Diretor de Administração e FinançasWladimir Paulino Vilela Diretora de Atividades SociaisSílvia Cavadinha Diretora de Educação e CulturaTeresa Cristina Ferraz Gerente de CulturaJosé Manoel Sobrinho Coordenadora do FestivalPalco Giratório RecifeGaliana Brasil Assessora de ComunicaçãoMaíra Rosas

JORNAL PONTE GIRATÓRIA EdiçãoValmir Santos (MTB 22.457/SP) TextosClarissa Falbo e Paula Melo

RevisãoRenata Pimentel Projeto GráficoRafa Mattos ApoioAssessoria de Comunicação do Sesc PE

Contato:[email protected]

O Jornal Ponte Giratória é uma ação integrada ao 7º Festival Palco Giratório Recife, realização conjunta do Sesc PE e do Departamento Nacional do Sesc. Os artigos opinativos não refletem, necessariamente, o ponto de vista da publicação.

Expediente

Tuca Siqueira/Divulgação

Gênero e sexualidade no teatro? Eita, coisa complexa, à mercê de convenções que atravessam os tempos e espalham-se por todos os cantos do mundo. Como essa é uma arte da “presentificação”, da corporificação e da alteridade, ficam nítidas as relações entre as três. Estamos diante de uma questão ontológica. Corpos, mentes e mentalidades (mesmo que não queiramos ou inventemos modismos) são ferramentas e matéria prima indispensáveis à criação cênica. Penso nas muitas vezes em que ocorreram restrições à participação de homens ou de mulheres na cena. Motivos? Muitos. Envolvendo problemáticas estilísticas, religiosas, sociais e morais. Em tradições diversas, do teatro grego ao elisabetano, da cena japonesa ao cavalo-marinho pernambucano, por longos períodos só homens atuaram, fossem em papeis masculinos ou femininos.

Desde quando ser atriz foi sinônimo de ser puta; e ator, viado? Como e por que se estabeleceu tal visão sobre os artífices da cena? O teatro deixou de ser coisa de “deuses” e passou a ser do “diabo” faz é tempo. Felizmente, em algumas partes do mundo os laços da cena com o sagrado, com o espiritual e com o ritualístico foram mantidos. Isso permitiu resgates da dignidade e redimensionamentos estéticos como bem se viu ao longo do século XX.

E a literatura dramática? Não para de provar que o embate e/ou o enlace entre homens, mulheres e seres desviantes sejam assunto que está longe de esgotar-se. Rendem cenas que nos fazem refletir sobre tais questões, até mesmo quando isso não é posto em foco. E nem vale a pena culpar Freud por meter o “sexo” em tudo. É coisa do ser humano. Está mais na cabeça de quem vê do que naquilo que se vislumbra. Se não estava entre as intenções de quem “escreveu”, pode surgir como proposição no olhar de quem lê e relê.

Resolvemos colocar lenha nessa fogueira com todos os espetáculos do Coletivo Angu de Teatro. Questões de gênero e de sexualidade aparecem de propósito em nossa cena. As figuras criadas por Marcelino Freire em Angu de sangue (2004) e Rasif – mar que arrebenta (2008), por Newton Moreno em Ópera (2007) e por Luce Pereira em Essa febre que não passa (2011) prestam-se muito bem a esse papel.

Os três autores fazem questão de embaralhar as cartas do politicamente correto e incorreto, de escancarar incoerências, dando nós no juízo ou na garganta do leitor ou espectador. Eles e nós, que os encenamos, defendemos o exercício do pensamento dialético. Achamos que isso é fundamental para, em “tempos felicianos”*, levar o público a olhar as coisas por mais de um ponto de vista. Parece mentira, mas muita gente ainda precisa ver que sexo e cena não são coisas “feias” e “sujas”.

*Referência ao pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), cuja presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, desde 7 de março passado, é contestada por grupos de ativistas sociais devido a declarações consideradas racistas e homofóbicas, o que o político nega.

Por Marcondes Lima

Marcondes Lima é cenógrafo, figurinista, maquiador, diretor, ator, bonequeiro e professor da Universidade Federal de Pernambuco. Integrante e cofundador da Companhia Mão Molenga Teatro de Bonecos (1986) e do Coletivo Angu de Teatro (2003).

SExO E cENANÃO SÃO cOISAS

“fEIAS” E “SuJAS”

O ator Fábio Caio em Ópera, do Coletivo Angu de Teatro

PENSATA

Multiartista cênico pernambucano reflete sobre sexualidade e gênero nas criações que abraça

cOMPARTILHE NOSSA VERSÃO ON-LINE

www.sescpe.com.br/palcogiratorio

SATISfEITA, YOLANDA?www.satisfeitayolanda.com.br

O blog das jornalistas Ivana Moura e Pollyanna Diniz colabora com o festival na recepção

crítica aos espetáculos.

Page 3: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

03

“Concurso de apoio a projetos de promoção das manifestações culturais com temática LGBT”. Foi num edital de nome pomposo, lançado pelo governo paulista em 2010 e voltado ao universo de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, que os artistas da Cia. Mungunzá de Teatro obtiveram os primeiros R$ 30 mil para produzir o espetáculo Luis Antônio – Gabriela. Ou seja, não se tratava de subsídio público vindo da rubrica das artes cênicas, mas da atenção às minorias. O desvio de origem diz muito sobre a natureza dessa obra que estreou em março de 2011 e não demorou a ser percebida como fenômeno de forma, conteúdo, público e crítica. A conferir em duas noites no Teatro de Santa Isabel, em 11 e 12/5, a bordo do Festival Palco Giratório.

Tudo é transbordamento na obra da Mungunzá, companhia fundada em 2006 por atores recém-formados e inclinados a mergulhar nos procedimentos do teatro épico, de mediação crítica entre sujeito, cena e sociedade, preconizado pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) e poroso às linguagens latentes na contemporaneidade.

Transbordamento à imagem da iguaria de batismo do núcleo, o milho cozido que vira mingau, vindo da tradição africana de oferenda aos orixás. Transbordamento na condição biográfica do autor e diretor Nelson Baskerville, que ousa trazer à luz, sob risco iminente de refestelar-se em divã público, os porões da vida familiar, as disfunções e os arranjos encarados por cada integrante para sobreviver.

O roteiro do autodefinido documentário cênico abre no ano 1953, quando nasce Luis Antônio, filho mais velho de cinco irmãos. Ele passa infância, adolescência e parte da juventude em Santos (SP) até rumar para a Espanha, aos 30 anos, já como a travesti Gabriela.

Cartas, fotos, ofícios e, sobretudo, rememorações do caçula Baskerville, de sua irmã Maria Cristina, de sua madrasta Doracy e do cabeleireiro Serginho, amigo de Luis Antônio, ajudam a construir a narrativa que vai até 2006, ano da morte do irmão na cidade espanhola de Bilbao, em consequência da Aids e de outras doenças. A existência do personagem-título afeta a todos, mesmo quando migra para o outro lado do Atlântico. Entre memória e presente, o espetáculo trança esses laços.

A mãe de Baskerville, Gladys, morreu no seu parto. Daí uma das frases lampejantes do texto: “Eu não soube nascer, mãe”. O pai, Paschoal, viúvo de seis filhos, casou-se dois anos depois com Doracy, também viúva e mãe de três. Na voz-dramaturgia do diretor: “Luis Antônio, pra mim, era aquele irmão, 8 anos mais velho, que sempre mantive na sombra. Só alguns poucos amigos sabiam da sua existência. Ele era aquele que, além de me seduzir, e abusar sexualmente, fazia com que muitos dedos da cidade de Santos fossem apontados pra nós, os ‘irmãos da bicha’, ‘a família do pederasta’ e outros nomes. Sou obrigado a confessar que a notícia da morte dele não me abalou nem um pouco. Eram quase 30 anos sem saber nada dele, sem saber se ele estava vivo ou morto.”

SER TRANSbORDANTE

Bob

Sou

sa/D

ivul

gaçã

o

Atores da Cia. Mungunzá em Luis Antônio – Gabriela

Por Valmir Santos

O projeto autobiográfico resulta um pedido de desculpas de Baskerville ao irmão. Para sorte do teatro brasileiro, ele o fez por meio de um espetáculo premiado (Shell e APCA, entre outros). Apesar de o encenador esgarçar sua intimidade e a de seus entes, consanguíneos ou não, a equipe de criação não move uma vírgula sem o talho da Arte.

A cena é francamente instável, como se guiada pelo signo do precário. O desempenho dos atores é lapidar nesse convencimento. A narrativa flui em vaivéns atemporais em meio ao espírito lúdico das crianças e à turbulência atávica dos adultos. Parte dos figurinos evidencia a deformação da pele por causa da aplicação de silicone. O espaço cênico entulha objetos, fios e aparelhagens de luz, som e vídeo. A música desabusada, cantada e tocada ao vivo, conduz a emoção de lidar ponderando as variações da violência. Enfim, tudo é transbordamento. Ou quase.

Os atores Day Porto, Lucas Beda, Marcos Felipe, Sandra Modesto, Verônica Gentilin e Virgínia Iglesias, ao lado do músico Gustavo Sarzi e do técnico performer Pedro Augusto, são os parceiros desse rio bonito e turvo no qual Nelson Baskerville meteu sua canoa, espelhando nas águas o quanto a vida de seu irmão foi desviada por causa da intolerância que ainda hoje põe à margem milhões de seres que acreditam nascidos em corpo errado.

Pensamento Giratório“Na via do desvio, o TRANS: da vida à cena; do masculino ao feminino”. Eis o tema sobre que o dramaturgo e diretor Nelson Baskerville e a professora de literatura Renata Pimentel (UFRPE), autora de Copi: transgressão e escrita transformista, vão refletir no encontro gratuito que acontece dia 10/5, sexta-feira, às 16h, no Teatro Marco Camarotti do Sesc Santo Amaro. A medição é do jornalista Valmir Santos.

Em Luis Antônio – Gabriela, a Cia. Mungunzá (SP) toca em questões profundas do desejo humano

Page 4: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

A cozinha como bastidor, a mesa como palco. Os pratos são as peças. O chef é o artista; e os comensais, a plateia. A experiência gastronômica atinge graus de fruição estética no espaço comandado por Claudio Kovacic, o restaurante Kovacic: A Arte de Cozinhar, na Boa Vista.

O cozinheiro é croata, tem singular trajetória de vida, morou em diversos países, está radicado em Pernambuco há sete anos e, não por acaso poliglota, concebe uma culinária contemporânea temática. A cada semana, o cardápio de sete pratos – petisco, entre petisco, entrada, três pratos principais e sobremesa – é inspirado em um mote. Convidado a participar da Cena Gastrô, Kovacic decidiu colocar em cartaz cinco menus. Ele atravessa maio com sua casa regida essencialmente pelo signo teatral ao contracenar com a ação do Festival Palco Giratório Recife.

O modo de produção das receitas foi único. O interesse pela arte e, principalmente, pelo teatro – ele chegou a cursar interpretação – o fez pesquisar a fundo cada uma das obras que inspirariam o menu. Da trilha musical à terra de origem do grupo, passando pela expressão corporal e pela sedução do olhar pactuada ao vivo pelo artista e pelo espectador, tudo lhe interessava como subsídio para o repertório que utilizaria na criação. Buscou referências também nos clássicos gregos, no teatro moderno e em grandes atores e atrizes.

Kovacic acredita que seu modo de criar tem a ver com a educação jesuíta que recebeu, na qual a comunicação é valorizada pela argumentação; e o conhecimento, constituído a partir de referenciais históricos. Estes não se dissolvem uns sob os outros, mas vão acrescentando mudanças ao saber, sem perder os laços com o passado, a memória, o rastro.

É como se quisesse contextualizar teorias científicas, entidades africanas e obras teatrais através da comida, como fez com o prato Peixe de syracusa, do cardápio Seres imaginários. “O pescado recebe oito asas feitas com fatias de maçã que remetem a uma libélula”, explica, indicando o mote para a peça O malefício da mariposa, do grupo Ave Lola Espaço de Criação (PR).

“Percebo a gastronomia como uma provocação cultural, a partir do vínculo inesperado entre a temática homenageada no cardápio e os ingredientes que compõem o prato. Ninguém espera falar de gastronomia ao mesmo tempo em que se fala de Vênus”, instiga, citando a deusa do amor e da beleza na mitologia romana.

Durante o processo de criação do cardápio, ele se deixa levar pela construção do imaginário: na crença da existência, ou não, de determinado ser, assim como no questionamento à existência da divindade; na metamorfose dos seres ou na da linguagem – única ou múltipla -, como a que apresenta o personagem de Amor por anexins [do Grupo de Teatro Cirquinho do Revirado, SC], que se comunica com a amada através de adágios populares. Por isso, se vale de tantas vias para criar, entre elas, a citada inspiração no mito do nascimento de Vênus.

O Peixe de syracusa, do cardápio Seres imaginários, é preparado no azeite de oliva e suco de limão, cozinhado na chapa e escoltado por angu de palmito

fotografia: Rafa Medeiros

fotografias: Rafa Medeiros

PROVOcAÇõES cuLTuRAIS DE uM

cOzINHEIROChef Claudio Kovacic elabora seus pratos sob o princípio artístico da inventividade e da ousadia

O cozinheiro Claudio Kovacic emana ousadia nas formas e nos conteúdos dos pratos

Page 5: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

SERVIÇO:

A gastronomia de Kovacic se faz como no teatro, assim o fator surpresa pode assumir papel de fio condutor. A plateia nunca sabe o que espera no próximo movimento: se irá rir ou chorar; chocar-se ou reconhecer-se; se aquilo, então, lhe resultará absurdo ou trivial. Afinal, de um espetáculo, nunca se sai incólume.

No restaurante, a degustação ganha atmosfera lúdica. Na trilha sonora, o chef também busca reproduzir musicalmente as atmosferas dos espetáculos em que se inspirou. Outra experiência em que Kovacic brinca com as sensações visuais e gustativas dos comensais é a sobremesa servida durante este mês, a Nemessis, uma torta que nasce, segundo seu criador, da cópula entre o brownie e a musse de chocolate. Há um ritual para saboreá-la: que se fechem os olhos, abra-se a boca e se absorva lentamente a iguaria.

Seguindo-se o processo criativo do provocador Kovacic, a escolha dos espetáculos foi guiada pela curiosidade despertada por cada um deles, o que lhe serviu de impulso para transformá-los em receita. “Eu não escolho a receita, escolho a temática, que é a ponte para a inspiração. Cada cardápio homenageia três espetáculos que me provocam. Pesquiso tudo. Nada é aleatório.”

Outra ação exclusiva inspirada pela adesão do chef à Cena Gastrô foi a transformação do restaurante no Bar as 4tas teatrales – a grafia já convida ao jogo de decifrar... A casa abrirá com um serviço diferente, nesses dias, especialmente para celebrar as montagens de Tempostepegoquedelícia e Bundaflor Bundamor, ambas da Eduardo Severino Cia. de Dança (RS), além de Luis Antônio - Gabriela, da Cia. Mungunzá de Teatro (SP). “É um espaço de convivência para as pessoas que frequentam os espetáculos, os membros das companhias e todos aqueles que procuram um encontro com as particularidades da criação artística”, afirma. Por Paula Melo

Do cardápio Beijos e olhares, o Guisado de boi no molho de coco sobre ninho de batatas-doces salteadas.

fotografia: Rafa Medeiros

KovacicRua Dom Pedro Henrique, 153-A, Boa VistaTelefone: (81) 9612-7776Horário de funcionamento:qua. a sáb. 12h/15h e 20h30/3h (fecha de dom. a ter; qua. apenas jantar)Não aceita cartõesFunciona apenas com reserva, pelo Facebook “Kovacic A Cozinha”e pelo telefone

Nossa CasaAvenida Oliveira Lima, 784,Boa VistaTelefone: (81) 3032-4408Horário de funcionamento:12h/15h (fecha sáb. e dom.)Cartões: M e V

Oficina do SaborRua do Amparo, 335, OlindaTelefone: (81) 3429-3331Horário de funcionamento: ter. a sex. 12h/16h e 18h/0h; sáb. 12h/1h; dom. 12h/17h; fecha seg.Cartões: H, D, A, V, MSite: www.oficinadosabor.com

Cozinhando EscondidinhoRua Conselheiro Peretti, 106,Casa AmarelaTelefones: (81) 8618-6781 e (81) 9669-3924Horário de funcionamento:qua. a dom. 12h/16h; sex. e sáb. até 22hCartões: V, M, H, D

Restaurante-Escola do SenacAvenida Visconde de Suassuna, 500,Santo AmaroTelefone: (81) 3413-6691Horário de funcionamento: 12h/15h(fecha sáb. e dom.)Cartões: V, M, A, DSite: www.pe.senac.br

foto

grafi

a: A

nder

son

Frei

re

Page 6: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

Foi no dia 29 de janeiro último que o ator Daniel Lucas, intérprete do espetáculo La perseguida, do grupo Teatro VagaMundo (RS), reencontrou o artista que marcou sua vida. O palhaço Bebé continuava fazendo seus números na cidade gaúcha de Bagé no mesmo circo frequentado por Daniel quando criança. “Foi emocionante. O Bebé segue firme e forte. Conversamos muito, contei que ia ao circo todos os dias e que ainda sei suas piadas de cor. Ele nunca pensou que poderia fazer alguém se tornar palhaço.”

O encontro ocorreu quando Daniel, que trabalha como ator desde 2004 e, em 2009, começou a se dedicar à arte do palhaço, apresentou La perseguida naquela cidadezinha, sua terra natal. O roteiro do espetáculo de rua é estruturado a partir de recriações do ator para números clássicos de grandes palhaços, as gags.

Rabito, o palhaço criado pelo ator, executa a sequência de gags enquanto espera o seu grande amor, em uma metáfora para tudo que um ser humano pode esperar e perseguir na vida. A atuação se resolve e se completa com o contato direto do público com o clown, uma mão dupla.

Em O fantástico circo-teatro de um homem só, da Cia. Rústica (RS), o ator Heinz Limaverde compartilha um relicário de lembranças e personagens que acumulou desde a infância no Ceará. Foi na cidade do Crato, também pequena e interiorana só que mais ao norte do Brasil, que Heinz descobriu que queria ser artista. Isso aconteceu depois de se encantar também com as figuras dos circos sem lona, conhecidos como “tomara que não chova”, que aportavam ali.

“O que me comovia naqueles circos e o que levamos para o espetáculo é a brincadeira com o fantástico. Quando não há nada, nem lona, nem ar condicionado, inventa-se um pinto que arrasta uma tora de madeira pelo picadeiro, um homem que passa sete dias enterrado, um leão bailarino etc. e se consegue que o público acredite em tudo isso”, conta o ator.

Montagens se apropriam da linguagem do circo para tratar da vida, da arte e dos artistas

No monólogo, Heinz, que não tem formação circense, interpreta três palhaços, dá vida a uma delicada mulher barbada, rende homenagens a Eloína, uma das últimas vedetes do teatro de revista, canta, dança, faz um número de mágica e compartilha suas memórias. “É um espetáculo de teatro que cita o circo. Começamos a receber convites para apresentá-lo em festivais circenses e percebemos que trata da realidade de todos os artistas, do sonho dos que querem viver de arte e precisam enfrentar os obstáculos desse caminho.”

O circo enquanto metáfora para a peregrinação do artista também está em O grande circo ínfimo, do Grupo Z de Teatro (ES). Quando os integrantes de uma trupe se veem obrigados a encerrar as atividades por não conseguirem competir com outras formas de diversão, a pergunta sobre qual é o lugar do artista na era do entretenimento emerge.

Para o diretor da peça, Fernando Marques, o circo está no imaginário das pessoas, em suas memórias, fantasias, afetividades, e por isso é uma metáfora excelente para falar da arte. “O universo circense é evocado pela história dos personagens e pelos figurinos e maquiagens, mas tudo já envelheceu, já perdeu o brilho e a pompa de outrora.”

Seja como metáfora, como memória ou como representação literal, a lona (ou a falta dela), as atrações e o encanto do circo se fazem presentes no Palco Giratório. Para além das sessões, há ainda atividades formativas direcionadas ao labor circense, entre elas, uma oficina ministrada pelo ator e palhaço Fernando Sampaio do grupo La Mínima (SP). Sampaio vai compartilhar suas experiências em bufonaria adquiridas desde a sua formação na Escola Picadeiro, passando pelos ensinamentos recebidos de Roger Avanzi, o palhaço Picolino, e ao longo dos 16 anos de La Mínima.

A POéTIcA DO PIcADEIRO

Conrado Falbo interpreta Solo para várias vozes

Fran

Reb

elat

to/D

ivul

gaçã

o

O palhaço Rabito (por Daniel Lucas) interage com o público em La perseguida

Heinz Limaverde compartilha recordações de seus primeiros contatos com o circo

Por clarissa falbo

JPG

• E

DIÇ

ÃO 2

• R

ECIF

E, 1

0 D

E M

AIO

DE

2013

Kir

an F

eder

ico

León

/Div

ulga

ção

Page 7: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

FÉ CÊNICA ESCULPIDANA DESCRENÇA

Do guarda-chuva do teatro de formas animadas (bonecos, sombras, objetos e afins), o Brasil evoluiu sensivelmente sua performance nas últimas duas décadas. Vai longe o tempo do acanhamento dramatúrgico, do comodismo dimensional do espaço cênico, das atuações tatibitate em obras endereçadas às crianças como se estas não fruíssem complexidades estruturais de linguagem, donas de percepção tão ou mais inventiva que a dos adultos. Como exemplo de dedicação contínua à pesquisa, podemos citar, entre outros, Grupo Giramundo e Oficcina Multimédia em Belo Horizonte; Caixa de Imagens, Companhia Truks e Morpheus Teatro em São Paulo; Companhia Teatro Lumbra de Animação em Porto Alegre; Companhia Mútua em Itajaí; e a Companhia Mão Molenga Teatro de Bonecos no Recife.

A passagem do Grupo Sobrevento pela capital pernambucana, dentro do Festival Palco Giratório, mostra que os teatros de objeto e de bonecos podem alcançar níveis ainda mais sofisticados. Os criadores desse núcleo de 26 anos, primeiro sediado no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, não abdicam da essência artesanal corresponsável pelo sopro que faz com que seres inanimados ganhem vida em cena.

No caso de São Manuel Bueno, mártir, três atores estão presentes de corpo inteiro. Saem do papel convencional de manipuladores para contracenar com esculturas talhadas em madeira, algumas delas bonecos estáticos e inarticulados. Medem poucos centímetros, são abstratas, mas podem apresentar traços levemente figurativos nos homens e nas mulheres dessa adaptação do romance de mesmo nome do espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936). A centelha do espetáculo reside no poder conferido à escala da representação, para lá de tridimensional, na multiplicidade de planos ao contar e dar a ver a história pungente de um padre que não esmorece o pensamento crítico diante do sagrado, enredando um ou outro fiel por igual autoquestionamento.

Tudo irradia de uma mesa circular no centro da cena, com pouco mais de um metro de diâmetro, onde o trio de atores, sentado, movimenta as peças de madeira sobre a superfície de vidro ou, em cima desta, sobre o “tapete” de terra em que se desenrola boa parte da trama. O espectador ocupa quatro nichos de arquibancadas, conformando uma arena. No vão entre o público e a mesa cênica, ficam os instrumentistas, que executam a trilha, ao vivo, no violão (Rafael Brides ou Carlos Amaral), violoncelo (Marina Estanislau ou Jorge Santos) e bandolim (William Guedes).

É aquele mundo em miniatura que os olhos do espectador vão mirar: sua gente, sua praça, suas festas, sua igreja. Muitas vezes não é possível enxergar nitidamente, pela distância, mas as silhuetas estão lá a orientar tal qual um boneco Waldorf estimula a criança a

projetar o rosto e a personalidade não definidos do seu interlocutor imaginário. Miniaturas amparadas por mãos firmes e delicadas do elenco, pela voz matizada na emoção singela da narradora e pelas composições instrumentais que remetem ao cancioneiro medieval ibero-americano.

Como a narradora Ângela, a atriz Sandra Vargas possui uma presença de espírito mais articulada quanto aos procedimentos técnicos da interpretação, notadamente o recurso vocal para tangenciar o melodrama sem sucumbir. Ela interage menos com os objetos do que seus pares.

No papel-título, Maurício Santana não transmite plenamente a densidade da angústia e a luminosidade da sabedoria na voz de Manuel, principal caminho do espectador até ele. Luiz André Cherubini é mais desenvolto ao equilibrar o registro dramático do irmão da moça, Lázaro, e seu contraponto cômico no sotaque acaipirado e no arqueamento físico do aldeão imitador. Ambos os atores se revelam ainda sutis e hábeis na condução das esculturas durante a jornada de metamorfoses dos sujeitos, espaços e tempos da história.

A menina Ângela vai para a cidade grande estudar, tem tudo para viver longe de sua província, mas para lá retorna, 15 anos depois, percebendo que nada mudou em termos de costumes e devoção. Quer dizer, quase nada. Acompanhamos, em tom confessional, seu amadurecimento diante das reflexões filosóficas e religiosas suscitadas pelo embate de seu irmão, vindo dos Estados Unidos, com o padre que depois vira santo e, a despeito de cultivar a dúvida quanto à vida após a morte e à própria existência de Deus, qual um Jó bíblico, jamais blasfema – ao contrário, cativa pela convicção humanista.

Na evocação da távola redonda e da arena de espectadores fica implícita a cosmogonia construída pelo Sobrevento nesta visita ao universo de Unamuno. A obra aproxima o teatro de animação da tradição oral do contador de histórias que conquista a escuta e o olhar da audiência, porque se sabe detentor de uma bela história. O grupo assume o prazer da deriva pelas linguagens que ampliam o horizonte narrativo, como ao conjugar o escultor Mandi e o compositor Henrique Annes, bem como a cenografia de Telumi Helen e o desenho de luz de Renato Machado.

Se São Manuel Bueno, mártir coloca a fé em xeque, não há dúvida de que até o espectador mais cético deixa o teatro tomado pela crença de que os artistas e os objetos voaram longe: a atmosfera de ascese corresponde à simbiose entre atores e objetos.

fotografias: Assis Lima/Divulgação

Santana contracena com escultura;no alto, elenco, músico e público

07

Grupo Sobrevento une atores e esculturas estáticas e inarticuladas para narrar os dilemas de um padre diante de Deus

Por Valmir Santos

CRÍT

ICA

Page 8: Jornal Ponte Giratória - 2ª Edição

Abides de Oliveira em Baldroca, do grupo alagoano Joana Gajuru

Cena de Benjamin, do coletivo capixaba Moinho

oãçagluviD/seriP ataneR

Aproximar os departamentos regionais de cultura de diferentes unidades do Sesc, com esse intento surgiu em 2012 o projeto Conexão REC/POA, ação exclusiva do Palco Giratório Recife. Com nome que lembra as inscrições em letreiros de rodoviária ou em painéis de aeroporto, a iniciativa estabelece um intercâmbio de produções teatrais de grupos da capital pernambucana e da gaúcha, Porto Alegre. Espetáculos de uma cidade viajam para se apresentar na outra e vice-versa.

Porto Alegre foi escolhida porque lá o Festival Palco Giratório (FPG) também é realizado no mês de maio, como em Recife. Já no ano inaugural do projeto seguiram para POA dois espetáculos pernambucanos e vieram para REC dois gaúchos. “Esse projeto é uma ação técnica da rede Sesc e tem a ver com o tipo de curadoria específica que precisamos fazer para realizar um projeto como o Palco Giratório. Trata-se de uma curadoria muito complexa, são 28 curadores espalhados pelo Brasil incumbidos de elaborar uma programação apta a atender a cidades de gostos e costumes diversos. Iniciativas como o REC/POA nos permitem trabalhar espetáculos potenciais, sentir a recepção de montagens que possam vir a participar do festival”, conta Galiana Brasil, coordenadora do Palco Giratório em Pernambuco e idealizadora do REC/POA.

Galiana explica que, apesar de o projeto ser uma ação técnica entre curadores, o público também é beneficiado pelo aumento e pela variedade da programação ofertada. Se houver demanda de peças infantis, por exemplo, as curadorias se comunicam e pedem que um trabalho desse gênero seja incluído via Conexão. “Posso apostar em um grupo experimental que ainda não está pronto para participar do Palco Giratório e o indico para o REC/POA como um piloto para ver se funciona.”

Este ano, Recife sediará apresentações de Coração randevú, de Patrícia Fagundes e Zé Adão Barbosa. O espetáculo é inspirado na obra do poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), à qual se somam textos criados na sala de ensaio para uma reflexão sobre a experiência sensível. Já Porto Alegre receberá o infantil As levianinhas, da Cia. Animé. No palco, uma banda composta por atrizes-palhaças toca músicas e executa números cômicos.

TROCASINTERESTADUAISIniciativa exclusiva do Palco Giratório Recife, intercâmbio com RS, ES e AL traz seis espetáculos desses Estados para a cidade

Por Clarissa Falbo

Outra iniciativa de troca de fazeres artísticos inclusa no FPG Recife são os Diálogos Capixabas. Formatada pela regional Sesc do Espírito Santo e apoiada pela regional pernambucana, a ação já levou espetáculos do Estado nordestino para Vitória. Nesta edição, é a vez de desembarcarem em Recife quatro montagens capixabas: A terra prometida, do grupo Quintal, Sonata para despertar, da Repertório Artes Cênicas e Cia., Benjamin, do Coletivo Moinho, e A saga amorosa dos amantes Píramo e Tisbe, do grupo Gota, Pó e Poeira.

Além dos espetáculos, os artistas capixabas vão participar de atividades formativas e discussões. A ideia é que esses grupos fiquem um tempo maior na cidade e troquem mais com os artistas e o público local.

Uma novidade na seara dos intercâmbios do FPG em Recife é a vinda da Associação Teatral Joana Gajuru, de Alagoas, com a peça Baldroca. O grupo completa 18 anos em 2013 e vem mostrar uma adaptação da obra do escritor mineiro Guimarães Rosa (1908-1967) para a linguagem do teatro de rua.

Jane Schöninger, da gerência de cultura do Sesc RS, acredita que as conexões podem evoluir ao longo das sucessivas edições do Palco Giratório, aumentando o número de grupos que vêm e vão, e com o implemento de ações durante o ano que fortaleçam o intercâmbio. “Esse movimento, terrestre por obviedade, é também um movimento de pensamento e de culturas e em tudo isso o público está inserido. Afinal, teatro é para o público”, diz .

Vlad

mir

Ale

xand

re/D

ivul

gaçã

o

Mel

l Nas

cim

ento

/Div

ulga

ção