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nOVEMBRO dE 2011. AnO ii. nMERO 8

ArrochaADRIANO ALMEIDA

distRiBuiO GRAtuitA - VEndA PROiBidA

Imperatriz: mltiplas culturas

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jORnAl lABORAtRiO dO cuRsO dE cOMunicAO sOciAl/jORnAlisMO dA ufMA, cAMPus dE iMPERAtRiz

2EDITORIAL - Miscelnea culturalQuantas vezes o leitor j deve ter ouvido a expresso: Imperatriz no tem cultura!? Intrigados com essa dvida e entendendo o conceito como algo muito mais amplo do que apenas manifestaes de lazer, os acadmicos do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz encararam o desafio de desvendar a multiplicidade de influncias que constituem a formao cultural da cidade. Nesta edio, o leitor vai encontrar matrias com temas variados, mas todas apontam para respostas semelhantes para a equao: a cultura de Imperatriz hbrida e plural, resultado, sim, das muitas correntes migratrias que a cidade tem recebido ao longo de toda sua histria seja pelos ciclos econmicos ou, mais recentemente, pela consolidao de um polo universitrio. Entre as reportagens, o jeito de falar imperatrizense; as

ArrochaCHARGE

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impresses dos que vieram de outros locais e por aqui ficaram; o que pensam os que foram embora; contribuies artsticas que herdamos, como as quadrilhas e a dana do Lind e sobre o que os estrangeiros acham de uma cidade com costumes to diferentes de suas terras natais. Para iluminar ainda mais a questo, uma entrevista com o escritor, jornalista e vereador Edmilson Sanches. Ele acredita que a miscelnea de culturas no caldeiro de Imperatriz a cara do Brasil. Boa leitura e vamos refletir mais sobre essa questo. Arrocha: uma expresso tpica da regio tocantina e tambm um ritmo musical do Nordeste. Significa algo prximo ao popular desembucha. Mas lembra tambm a rocha, algo inabalvel como o propsito tico desta publicao.

JADIEL REIS

Ensaio FotogrficoANtONIO WAgNER ELEN CRIS

MAIELY CABRAL

MIKAELLE MARtINS

ExpEDIEnTEJornal Arrocha. Ano II. nmero 8. novembro de 2011 Publicao laboratorial interdisciplinar do Curso de Comunicao Social/Jornalismo da Universidade Federal do Maranho (UFMA). As informaes aqui contidas no representam a opinio da Universidade. reitor - Prof. dr. natalino salgado filho | diretor do Campus de Imperatriz - Prof. dr. Marcelo donizetti chaves | Coordenadora do Curso de Jornalismo - Profa. M. Roseane Arcanjo Pinheiro.

Professores: M. Alexandre Maciel (jornalismo impresso), M. Marco Antnio Gehlen (Programao Visual), M. li chang shuen cristina (fotojornalismo). Reviso: dr. Marcos fbio Belo Matos. reportagem: Adriane Barreto, Antonio Wagner, Azaias ferro, carla Rejane dutra, clsio Mendes, diana cardoso, Elen cris, Esa Moraes, Geovana fraso, Gleziane sobrinho, isabela crema, jael Martins, juliana Guimares, Karlanny farias, Maiely cabral, Mariana de sousa, Marta nunes, Mikaelle Martins, Paula de trssia, safira Pinho e sara Batalha.

diagramao: Adriano ferreira da silva, Amanda da silva Oliveira, Antnio carlos santiago freitas, carlos Eduardo nascimento Oliveira, caroline coelho Mateus, cristina santos da costa, danyllo Batista da silva, dayane souza silva, denise de sousa da silva, Edynara Vieira da silva, Evanilde Miranda de souza, Heider Menezes de sousa, Helene santos silva, Heliud Pereira dos santos, Hilton Marcos ferreira dos santos, janilene de Macedo sousa, jssika Roberto Ribeiro, jlio Oliveira lima filho, Karla Mendes santos, Keylla nazar das neves silva, larissa leal de sousa, lineker costa silva, lus Guilherme Barros, Mauro Oliveira Ribeiro, Millena Marinho de Oliveira,

Patricia Arajo, Pedro Barjonas Elias lima, Priscila sa da silva, Raimundo nonato cardoso, Ramon Andr cordeiro cardoso, Rebeca de Andrade Avelar silva, silvanete Gomes de sousa, suzaira Bruzi nogueira Oliveira Menezes. Fotografia: Adriane Barreto, Adriano Almeida, Antonio Wagner, clsio Mendes, diana cardoso, Elen cris, Gleziane sobrinho, isabela crema, jael Martins, Karlanny farias, Maiely cabral, Maria jos, Mariana sousa, Marta nunes, Mikaelle Martins, safira Pinho, sara Batalha e Karla carvalho (tratamento de imagens).

Contatos:

www.imperatriznoticias.com.br Fone: (99) 3221-7625 Email: [email protected]

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ExpREssO forma de falar do imperatrizense caracterizada pelas mltiplas influncias regionais, expresses bem prprias, como benhi e eliminao de marcas do plural

Um jeitinho todo prprio de se comunicarJAEL MArtINS JAEL MARtINS

- E a? Quanto a ma?- Pergunta um homem de meia idade, camisa azul e cala de brim cinza. - dois real f, as sete. Vivian merm, vai guardano binh aquelas cebola. - tia, eu j terminei aqui! deu dois saco - Grita a sobrinha de Deusilene, 10 anos, que hoje ficou na barraca da tia, enquanto ela visitava o netinho recm -nascido. meio-dia de um domingo escaldante e na banca ao lado um amigo brinca com a vendedora, enquanto desmonta a sua barraca: - rumbora, rumbora Deusilene, arruma rpido a, vamo pra casa que olha a polcia! - Dexa a pulcia vim que eu fao gostar de pulicial, ainda mais se f bunitu. Deusilene de Sousa uma mulher rechonchuda com mais de 40 anos, usa blusa e legue azul com sandlias de dedo, tem o rosto pintado de manchas escuras e seus cabelos so crespos em um tom amarelado e castanho. Ela nasceu em Barra do Corda, mora em Governador Edson Lobo, mas est aqui todos os dias vendendo suas mas e cebolas. Deusilene usa uma linguagem bastante popular, recheada de expresses regionais e sotaque carregado. O professor de Lngua portuguesa do Instituto Federal do Maranho (IFMA), Andr Santos, explica que esse modo de falar mais regional que local. Imperatriz influencia muito e tambm muito influenciada.

CaractersticasO falar imperatrizense, livro escrito por Elaine Feitosa a partir de uma pesquisa monogrfica, explica algumas razes para o modo como Deusilene e muitos imperatrizenses falam. Imperatriz no deixa de ter algumas peculiaridades pertencentes ao falar nordestino. O falar carregado, cheio de sotaques e a sonoridade dois real as laranja, fi. As sete. Vai guardando binhi aquelas cebola: Feirante Deusilene de Sousa usa diversas expresses regionais para se comunicar com os clientes e sua fala comprova vrias influncias

a caracterstica do imperatrizense [...], outra caracterstica muito pertinente a eliminao das marcas do plural. O livro tambm cita a famosa assimilao: trocar a letra d pelo n, como o guardano, ao invs de guardando, dito pela vendedora. 78 por

cento dos falantes entrevistados tendem a esse fenmeno. O blog Cultura ItZ publicou um minidicionrio das expresses do imperatrizense, entre elas: Benh- antnimo de l, acol; enfarento- enjoado; marrap- afirmao positiva; magote- multido e jazim- pequena

demora. Que Imperatrizense nunca usou um desses dizeres? O que temos em Imperatriz uma miscelnia de falares, resultado do contigente migratrio oriundo das mais diversas regies do pas, atrado pelas inmeras possibilidades de emprego, explica a linguista

Orleane Santana, que pesquisa em seu doutorado aspectos do falar imperatrizense. E para quem pensa que Imperatriz no possui indentidade lingustica, ela faz uma ressalva: A diversidade de falares so as marcas lingusticas que a particularizam.

particularidades de Imperatriz chamam a ateno de quem veio de foraISABELA CREMA ISABELA CrEMA

Quando chegou a Imperatriz, em 1969, Augusto Quiroga, 71 anos, tinha a esperana de alavancar sua carreira mdica. Me falaram que aqui dava malria at em macaco e que todo dia tinha cirurgia para fazer. Alm disso, os paus-de-arara traziam migrantes de Minas Gerais, Bahia e Esprito Santo e como as estradas no eram asfaltadas, essas pessoas chegavam doentes ou machucadas. Como em uma balana, Quiroga explica que a primeira semelhana que encontrou entre Imperatriz e a Bolvia, pas onde nasceu e de onde veio faz 51 anos, foi o nvel cultural da populao, de maioria pobre. O vocabulrio j impressionava. Boca do estmago, p da barriga, gurgumim [nariz], eram coisas que eu no entendia. A

avaliao que ele faz que, com a miscigenao, a cultura da cidade melhorou consideravelmente e promete muito mais com os projetos de investimento das empresas locais. A iniciativa privada levantou a cidade, afirma, simulando com as mos um elevador. Os eventos culturais e a viso comercial de empresrios contriburam para a exploso imobiliria e o crescimento vertical. Ainda precisam fazer estudos para melhorar a questo de estacionamento e deslocamento de pedestres, porque as caladas so verdadeiras armadilhas, arapucas. Crticas parte, o que mais lhe agrada na cidade o fato de ter um rio perene. E sua maior saudade do frio da Bolvia.

TuristaDiariamente Imperatriz recebe pessoas de vrios lugares do pas. So 34 voos semanais, queMdico Augusto Quiroga, em Imperatriz desde 1969, acompanhou suas profundas mudanas

trazem turistas, residentes no

municpio e novos moradores. Em

um deles veio a capixaba rosane Xavier, 49 anos. A passeio na casa de amigos, ela diz que j se surpreendeu de dentro da aeronave quando viu as casas. tudo colada uma na outra, eu achei muito estranho recorda, com os olhos esbugalhados. Apesar disso, percebeu que as crticas negativas no eram assim to procedentes. Um dos alimentos mais consumidos nas ruas da cidade, a panelada, fez o gosto da cliente. Com certeza foi o que eu mais gostei aqui e queria que tivesse l Ela se refere ao Esprito Santo, estado de onde veio. O sotaque e as expresses locais tambm chamaram a ateno. Aqui chamam as pessoas de mulher. As expectativas quanto ao futuro da cidade so positivas. Para rosane, ainda h muito que melhorar, mas o potencial comercial de Imperatriz pode elev-la a um nvel bem alto.

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ACOLHIDA Migrantes de outros estados do nordeste, como cear, Piau, Pernambuco e Paraba, sentem saudade, falam de suas origens e sobre como vivem em imperatriz

nor-destinos de emoo, f e sorrisosFOtOS: SARA BAtALHA SArA BAtALhA

Cabelo branco, fala mansinha, culos no rosto, este o jeito da enfermeira aposentada Maria de Lourdes Alves Melo, 81 anos, que veio de Castelo do Piau (PI) com o esposo e cinco filhos. No se engane com a idade da vov, ela lembra bem o dia em que chegou: 30 de julho de 1972. A mudana de ambiente, a separao logo ao chegar a Imperatriz e o fato de ter que trabalhar ela e os filhos, foram as maiores dificuldades que eles experimentaram. Lourdes emocionou-se sentada bem ali naquela cadeira, do lado da redinha no quintal de sua casa, ao lembrar-se do Piauiso como ela chama. E, mesmo com o passar do tempo, ainda guarda no corao o desejo de voltar. Mas os filhos j so casados e ela reconhece que Castelo no lhes d mais oportunidade para viverem como aqui. No fim da rua Euclides da Cunha, no bairro Vila Nova, moram mais de sete famlias de cearenses e piauienses. A maioria veio para Imperatriz trabalhar como crediarista. A roa no lugar de coitadinho, lembra a dona de casa Zulene Leite Setubal, 55 anos, uma cearense que j lutou muito por aqui. teve que sustentar sozinha, por cerca de quatro anos, os trs filhos, mas continua dona de um nimo invejvel. Ela veio atrs do marido e primo legtimo, Jos Acena Setubal, que j chegara por volta de 1982, para trabalhar como crediarista. No passava necessidade na roa, mas queria uma vida melhor. hoje possui um bar bem no setor dos cearenses e piauienses ou na baixada, como eles batizaram. A rua tranquila, de asfalto, as casas so bem arrumadas, bem coloridas e limpas tambm, assim como o bar do seu Jos (Bar dos Credirios), todo em cermica preta e branca por dentro. Ele veio acompanhado do primo, Joo Farias Neto, 60 anos, um senhor gordinho que usa dentes de pra-

Ccera Sirqueira saiu da Paraba para Imperatriz com o marido e hoje comerciante

Maria de Lourdes tem saudades do Piau, mas fica em Imperatriz por causa dos filhos

Joo Farias Neto (esquerda), que j teve um minimercado no bairro e seu primo Jos (direita), dono do popular Bar dos Credirios, vieram do Cear para Imperatriz

ta como o cangaceiro do filme O Auto da Compadecida, brincalho como todo cearense. J possuiu um minimercado no bairro, era suficiente, mas a falta de liberdade o fez voltar para o credirio. Ele vai uma ou duas vezes por ano em Parambu (CE), pois possui terras e plantao l. Assim como seus primos, Jos e Zulene, ele tambm no pensa em voltar para Parambu, mas no

descarta essa possibilidade, caso precise.

maridosQuem tambm veio atrs dos maridos foram Ccera henriques Sirqueira, 55 anos e rita Emlia Barbosa de Moura, 60 anos. Ccera, paraibana de Princesa Isabel, no tinha planos de morar em Imperatriz, mas o marido j estava aqui h cinco meses.

Foi a que ela veio acompanhada do pai e da filha, Maria Paula, em outubro de 1982. hoje ela comerciante autnoma e lembra com saudade do povo trabalhador da Paraba, que aproveita cada pingo dgua que cai na terra. J a professora Emlia veio de trindade (PE) com quatro das cinco filhas em fevereiro do mesmo ano. O marido partiu sem avisar, ela no tinha ideia de onde ele es-

tava e, quando soube, embarcou para a cidade maranhense. E hoje as trs filhas que permaneceram se formaram e so professoras na Escolinha tia Emlia homenagem a ela e tambm atuam na coordenao. Emlia d uma pausa, chora com as mos no rosto de saudade do pai que j faleceu. Mas, apesar de tudo, os seis nordestinos entrevistados no abandonam o sorriso.

Imperatriz sempre adotou pessoas em busca de oportunidades de vidaGEOVANA FrASO

Inverno no Piau quase num tinha, era muito fraco. Dona Chatinha, do alto de seus 83 anos, lembra da difcil vida na terra natal, um dos motivos que a fizeram mudar com o marido e os filhos para Imperatriz, na dcada de 1960. Veio primeiro meu sogro. Ele recebeu uma carta de um genro dele, que tinha vindo antes e era pastor, dizendo que tinha uma cidade na beira de um rio que era muito boa. tinha muita terra sem dono. Chovia muito e era boa de plantao. A ele veio em 52. A piauense de Vargem Grande conta que o sogro veio com alguns filhos em 4 de setembro. A partir de ento, todos os parentes o seguiram ano aps ano. todo 4 de

setembro chegava uma ruma de gente. Os ltimos chegaram em 1970. Eu cheguei em 64. Eu vim de carro, no pau-dearara do Galinha, foi quatro dias de viagem. Eu tava grvida, dez dias depois a criana nasceu. A estrada para c era s areal e as pessoas vinham cortando cip com o faco. Naquele ano veio muita gente, foi um ano de grande seca. Quando cheguei tinha muita gente de olho amarelo, a eu disse comigo: meu Deus, aonde eu fui me socar? Susto e medo tomaram conta de dona Chatinha ao chegar em Imperatriz. Um surto de malria assolava a populao.tinha um cemitrio cheio de cova nova, tudo morto pela malria. Dona Chatinha lembra que a cidade era

pequenininha, num tinha quase casa, s duas ruas, a coronel e a 15 de novembro. No havia energia, nem gua encanada, as ruas eram s lama. Era o tempo da lamparina, tudo era mato.

mudanasO relato da retirante que migrou para Imperatriz fugindo da seca e em busca de terra para trabalhar ilustra o cenrio da vinda e chegada de milhares de pessoas, o que sonhavam e encontraram. Em pouco mais de seis dcadas, Imperatriz passou de cidade isolada e rural a movimentado centro econmico e cultural. Conforme o censo de 1950, naquele ano, a populao imperatrizense era de 5.015 habitantes. No ltimo censo realizado em 2010, nossa popula-

o chegou marca de 247.505. A exploso populacional se deu a partir da construo da rodovia BelmBraslia, iniciada em 1958. O historiador Adalberto Franklin afirma que para c vieram principalmente maranhenses de outras cidades, piauienses, cearenses, baianos. Os nordestinos chegavam fugindo da seca. h anos vagavam pela regio, ressabiados pelas condies climticas e empurrados pelos grandes latifndios. Eles foram atrados pelas riquezas da regio. O latifndio tomou conta do Nordeste desde o sculo XVII. terras devolutas s existiam na pr-Amaznia. Segundo a sociloga e antroploga da Universidade Estadual do Maranho (UEMA), rosa Maria Nunes, os migrantes do Centro-

Oeste e Sudeste vieram interessados na explorao de madeira. E por isso, a princpio, no se fixaram. Imperatriz, durante muito tempo, foi uma cidade de passagem. Essas pessoas trabalhavam, mas no permaneciam. Meu pai mesmo chegou em 74, comprou fazenda, eram muito baratas as terras. Eu cheguei em 80. A minha famlia voltou pra Bahia. Eu fiquei, trabalhei, constitui famlia. Quem para c veio trouxe consigo sua culinria, seus costumes, seus hbitos. O historiador Adalberto comenta que, antes da invaso forasteira, as manifestaes culturais por aqui praticadas eram predominantemente sertanejas. Isso explica, por exemplo, o gosto musical da cidade pela msica sertaneja.

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IMIGRAO casal de chineses considera aqueles que moram em imperatriz acolhedores, mas muito diferentes, com seu jeito mais sensual e engraado de falar e agir

Orientais tentam superar choque de nova culturaGLEZIANE SOBrINhO

gLEZIANE SOBRINHO

Eu acho tudo muito engraado aqui no Brasil, afirma a chinesa Liu Chan Xia. Ela conta sobre sua vida aos poucos, com muita cautela, cheia de caras e bocas, como algum que, na verdade, no est entendendo no fundo o que se passa. Comea por explicar que est sendo difcil ficar longe do pas em que nasceu, alega sentir muita falta de seu povo e seus costumes e mais uma vez deixa bem claro que acha muito engraado como as pessoas falam e agem. Eu nem entendo o que as pessoas me falam, e acho s vezes que elas me enganam. Liu Chan Xia, 21, casada, nascida na China, atualmente mora no Brasil com o marido, Chen Wei Ming, 30. Ambos passam por um processo ainda de adaptao, pois esto na cidade h quase um ano. J tou com vontade de voltar pro meu pas, declara Chen Wei. Eles vieram para o Brasil apenas para visitar seu irmo, Zen Chan, que imigrou com inteno de montar um negcio prprio, que acabou dando certo. Zen foi morar em So Paulo e sua irm ficou adminis-

trando o lanche. Liu comea a entrevista demonstrando nervosismo, esfrega uma mo na outra enquanto conta um pouco sobre sua infncia. Fala dos seus pais, de como eles sempre foram rgidos: Acho que foi por isso que me casei to cedo. E revela como conheceu seu esposo: Conheci o Chen quando eu tinha 13 anos e ele 22. Nunca pensei que ia casar com ele. Alguns anos depois, Liu viu-se casada e esperando seu primeiro filho.

HbitosFalando em costumes, ela se empolga lembrando do seu pas, das tradies e das pessoas. Confessa que crist e conta que a religio na China politeista, e isso gera conflito s vezes. Minha famlia toda crist. Sempre tive o costume de ir pro templo com minha me e meu pai. Eu e meus irmos fomos educados segundo a religio e assim vou educar meu filho. Ao comentar sobre impacto das tradies, Liu solta um riso e comenta: As mulheres daqui so muito bonitas e sexuais. Aqui na pastelaria sempre vem mulheres

Eu no entando o que as pessoas me falam e acho que s vezes me enganam. A chinesa Liu Chan tem uma lanchonete e busca se adaptar a Imperatriz

bonitas e eu fico de olho para ver se o Chen est olhando, sou muito ciumenta. Ela acha o povo de Imperatriz muito diferente, j que usam roupas que mostram o corpo quase todo. L no assim. Apesar de no entender o portugus muito bem, o casal afirma que gosta do Brasil e de Imperatriz e desta-

ca, inclusive, que o povo da cidade muito acolhedor . O local comea a encher muito rapidamente. J se ouvem os gritos afiados da chinesa Eiiiiii. Cinco pastis com frango catupiry de massa fesquinha. Do outro lado do balco, o fregus pergunta quanto a coca KS 290 ml. Liu ri

e fala que j decorou o preo: 1,25. Vai querer? E o cliente: um real? Ela, tentando explicar: No! Um real mais 0,25 centavos. Viu como as pessoas pensam que eu no entendo?. O tumulto inevitvel. Algumas pessoas sentadas, outras em p, esperando o famoso pastel chins.

De Karron, no Lbano, a Imperatriz: uma histria de surpresas e impactoKARLANNY FARIAS

muitas dificuldades para aprender o portugus, mas ainda hoje o sotaque rabe junto com a pele clara e o olhos de um azul intenso - denunciam que brasileira ela no .

AdaptaoPara ela, foi mais difcil aprender a escrever. Quando eu fui matricular os meus filhos na escola, a moa me deu uma ficha para preencher. Eu comecei a chorar, pois eu no sabia escrever!. Depois disso, ela decidiu estudar supletivo em uma escola da cidade para melhorar a escrita. Conseguiu. Alguns costumes tambm contriburam para o choque cultural da libanesa. Aqui os jovens namoram em qualquer lugar, saem muito. No meu pas no assim. A moa s namora na casa dos pais, e s sai acompanhada deles. E por falar em jovens, ela conta que, apesar de tudo, no impe a cultura do Lbano no cotidiano dos filhos. Eu os ensino como os meus pais me ensinaram: respeitar os mais velhos, serem honestos, essas coisas. J sobre religio, ela segue fielmente o Islamismo. Ora cinco vezes ao dia, sempre no mesmo horrio. A leitura do Alcoro no falha. tentou frequentar algumas igrejas daqui, mas no deu. Na minha religio, as mulheres rezam com trajes especficos e separadas dos rapazes. Aqui tudo realmente muito diferente.

Libanesa Smia Yassin Hassan segue fielmente o Islamismo, ora cinco vezes ao dia, sempre no mesmo horrio e nunca deixa de lado o Alcoro, livro sagrado dessa religioKArLANNy FArIAS

So apenas 9 horas da manh e o cheiro de po quentinho da padaria da dona Samia j expirou. J tarde para conseguir o po de queijo do desjejum. Bolinhos de chuva ainda permanecem em exibio na vitrine. Um rapaz atende aos que

ainda chegam. Dona Samia quem recebe o dinheiro, sentada ao caixa da panificadora da qual ela e o marido hassan so donos h vrios anos. Nascida na pequena cidade de Karron, no Lbano, Samia yassin hassan, 48, veio ao Brasil apenas para visitar alguns parentes que

moravam na cidade de Marab, no estado do Par. Mas o destino encarregou-se de traar novos planos, pois foi em terras tupiniquins que ela conheceu o colega de trabalho do seu irmo, que mais tarde viria a tornar-se seu marido, o tambm libans hassan youssef Moussa. Namoramos por alguns meses e

fomos para So Paulo s pra casar, pois aqui no havia Mesquitas. Logo depois, voltaram para Marab e aps alguns anos, e j com trs filhos, o casal decidiu mudar-se para Imperatriz. h 19 anos residem na cidade. Na poca em que era caloura no Brasil, Samia conta que no teve

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DIvERsIDADE Pela proximidade com dois estados e caractersticas de crescimento econmico que atraem pessoas de outras regies, imperatriz naturalmente plural

Imperatriz no tem cultura! ser mesmo?ARQUIVO PROJEtO COMCULtURA AZAIAS FErrO

Imperatriz no tem cultura. Voc, possivelmente, j ouviu essa frase. bvio que ela est incorreta, pois, como afirma o antroplogo roberto DaMatta, pode haver cultura sem sociedade, embora no possa existir uma sociedade sem cultura. A dificuldade em definir a cultura imperatrizense se d pelo fato de associar a ideia a uma manifestao cultural registrada. Mas ser que h mesmo uma manifestao que seja capaz de identificar to peculiarmente uma cidade, em especfico Imperatriz? Voltemos cidade na dcada de 50, quando o presidente Juscelino Kubitschek iniciou a construo da rodovia Belm-Braslia. O ndice de crescimento econmico e populacional aumentou em ritmo acelerado com a migrao de pessoas dos diversos estados da federao. A cidade foi influenciada culturalmente pelo contato com os migrantes. Alm do fator histrico, Imperatriz localiza-se na regio oeste do Maranho e tem proximidade com municpios dos estados Par e tocantins. natural que seja plural, diz Zeca tocantins, coordenador de Cultura da Fundao Cultural de Imperatriz. Para ele, no h necessidade de se ter uma caracterstica cultural prpria. O boi de Imperatriz no o boi de So Luis, diz Zeca, que defende a ideia de no haver uma manifestao genuna do municpio, o que, segundo ele, no um problema. tudo uma releitura. No necessita ter uma msica que nasceu aqui.

CaldeiroImperatriz possui uma riqueza cultural vasta, manifestada por meio da dana, msica, culinria, teatro e artesanato. A cidade um caldeiro de vrios hbitos e vrios costumes, afirma Osrio Neto, produtor cultural e fundador do Instituto de Cultura e Artes Sotaque, uma ONG que abrange proje-

tos nas reas da msica e dana, principalmente. A Cia Sotaque de rua, que utiliza a dana como forma de expresso cultural, mistura ritmos e coreografias do bumba-meu-boi, cacuri, coco, quadrilha e louvao do divino. O trabalho vem sendo realizado h dez anos e tem notoriedade tanto em Imperatriz quanto em diversos lugares, inclusive em So Lus. O artesanato um espetculo parte. Uma volta pelo Centro de Artesanato de Imperatriz revela a diversidade de cores, formas, materiais e texturas encontradas nas peas expostas. Por conta dessa diversidade, fica difcil definir, por meio do artesanato, qual a cara da cidade. Ns no encontramos, ainda, um produto que identifique, exclusivamente, Imperatriz, afirma a vice-presidente da Associao dos Artesos de Imperatriz (Assari), Francisca Veras. Com tanta pluralidade, ser que a cultura imperatrizense no sofre uma crise de identidade? Sim, a resposta do historiador, antroplogo e mestre em Educao e Cultura pela Universidade do Estado do Par (UEPA), Witembergue Zaparoli. Segundo ele, a cultura imperatrizense marcada pelo fenmeno e toda baixa de fenmeno gera crise de identidade. Para o antroplogo, no h problema em ter uma cultura plural. Imperatriz no poderia ser diferente, visto que a cidade uma sociedade de fronteiras e que sofre constantes mudanas mediante as relaes cclicas econmicas e sociais. Zaparoli destaca que no h obrigao de ter uma identidade marcada e afirma que a manuteno do fenmeno gera o marco de identidade. Eu sou mil possveis em mim, mas no posso me resignar a querer apenas um deles. A frase de roger Bastide parece definir bem a cultura imperatrizense, que se mostra cada vez mais hbrida e plural como uma grande e interminvel colcha de retalhos.

A Cia Sotaque de Rua utiliza a dana como forma de expresso cultural, misturando ritmos e coreografias do bumba-meu-boi, quadrilha e louvao do Divino

Movimento na economia influencia nas transformaes da cultura localMARtA NUNES MArtA NUNES

No d para dizer nesse momento que ns temos uma cultura definida. Mas eu creio que estamos caminhando para ter uma cultura genuinamente Imperatrizense. A viso do professor de Filosofia da UEMA, Domingos Furlan, contribui para o grande debate: Imperatriz tem uma identidade cultural? A nossa cultura est sendo criada, afirma Furlan. Assim, em sua opinio, o processo de manifestaes culturais de uma cidade deve ser lembrado e revivido a cada data, simbolizando seus aspectos culturais. No ocorrendo tais manifestaes, acontece o fenmeno da aculturao. Furlan d um exemplo: Quanto mais voc movimenta a economia mais voc movimenta a cultura.

Fato de Imperatriz receber fluxo constante de pessoas at mesmo de lugares prximos apontado como fator determinante para sua diversidade cultural

tendo ao fundo buzinas de carro e canes como Entre tapas beijos, alm de sucessos da banda Calypso, Berguisom do Nascimento atende a uma cliente no balco de celulares de uma loja de mveis e eletrodomsticos no centro do Mercadinho. Desenrolado, mostra os aparelhos do expositor cliente. tem muita gente de fora em Imperatriz, no s do Maranho, mas de cidades vizinhas, que vieram para estudar e trabalhar. muita gente que vem durante o dia volta noite para suas casas, fazer compras. Isto influencia a nossa cultura. Berguisom veio de Stio Novo do Maranho procurar melhoria de vida e cursa o quinto perodo do ensino superior. Pena que vim para Imperatriz um pouco velho, aos 20 anos.

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ArrochaANtONIO WAgNER

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DECIsO Histria do mineiro Lucas Alves, que hoje atua como professor em Imperatriz, condiz com outras tantas de quem escolheu a cidade como lar

no pensava em ficar, mas acabei ficandoalar voos longe de casa o fizeram arrumar sua malinha, no feriado do 7 de setembro de 2007, para conhecer o territrio que inesperadamente seria sua nova morada. Dois mil e cem quilmetros, 36 horas dentro de um nibus repleto de maranhenses e paraenses e ele ali, comeando seu primeiro processo de osmose cultural. Fato... Sotaques agudos e conversas calorosas o deixavam mais animados em conhecer a tal cidade. trs dias aqui, numa bagatela de aulas, testes, em um estranhamento necessrio, fizeram Lucas pesar na mente se valeria mesmo a pena largar as razes pela semente, os laos pelos ns, o certo pelo duvidoso, as Minas pelo Mara. Janeiro de 2008, mala feita e decises tambm... Lucas j um dos mais novos professores do Maranho. E aqui vieram a transbordar as suas vivncias, o encontro consigo mesmo, suas doaes e trocas. tudo em meio aos folguedos do sol escaldante, do calor humano, das danas, dos cheiros, sabores e cores particulares que fizeram o seu arco-ris desembocar no pote de ouro imperatrizense. realmente recebidas e intituladas de amor. Aqui, Lucas encontrou o grande amor da sua vida (t bom, mais uma histria de amor piegas com um finalzinho fuleiro? talvez, mas foi realmente o que aconteceu). recebidas porta de uma livraria, as flores marcaram o rapaz profundamente. Mas elas tiveram conotaes diferentes. Ele tem um irmo anjo, que faleceu aqui, neste lugar cheio de sonhos e prosperidade. O irmo no conseguiu realizar suas autopropostas e as flores aqui vieram cobri-lo de saudade. Em momentos trgicos, buscou de imediato as pessoas tidas como de sangue, para apoiarem uns aos outros. Foi assim que largou o Maranho e voltou para Minas. U?! Mas o ttulo da matria no incita permanncia em Imperatriz? Claro! Mas lembra aquela primeira flor, chamada amor? Ela exalou seu cheiro pelo serrado, enfrentou as montanhas de Minas e voltou a despertar, nos coraes separados, a magia do enfrentar tudo pela felicidade. E foi assim, voltou para ficar. O tempo curou tudo e Lucas pde vir para ver a semente florescer, ver os ns serem desfeitos, o duvidoso ser transformado em certeza e comprovar que o Mara realmente maravilhoso.

Estudantes universitrios, profissionais das mais diversas reas e moradores de regies vizinhas tentam a vida na terra do frei em busca de reconhecimentoANtONIO WAGNEr

No senso comum, para alguns, Imperatriz s um lugar de passagem. No foi o que aconteceu com Lucas Alves, 30 anos, mineiro de Santa rita de Cssia. Um e-mail bastou para ele mudar de vida e encarar trs longos dias at a terra do frei. Nas idas e vindas, grandes histrias e um amor. toca o sinal. Intervalo numa cidadezinha ao p da Serra da Canastra. Sai o professor de sua sala em

direo ao nico computador disponvel na salinha do mimegrafo. Sim, um mimegrafo em pleno sculo XXI. O cheiro de lcool ainda no ar, e Lucas ali, abrindo sua caixa de e-mails, totalmente despretensioso. Meio subitamente, uma mensagem de um colega que desde o trmino da faculdade no tinha contato. Ei Lucas, o qu voc est fazendo a no sudoeste de Minas? trabalhando? Ei, larga tudo a e vem pro Maranho! Assim, estranhssimo receber um e-mail de algum

com quem teve pouco contato, e mais estranho, com uma proposta de emprego para o Maranho. Bom, para quem no sabe, o Nordeste ainda visto como um lugar precrio e de vida difcil. tudo resqucio do tempo dos retirantes e que ainda hoje deixa sua marca, causando medo de encarar uma morada pra estas bandas. Pronto. Um simples e-mail bastou para a vida de Lucas mudar totalmente. Apesar de um rumo incerto, a curiosidade e a vontade de

FloresA partir da vieram as flores, no metaforicamente usadas, mas

Ex-moradores tm saudades, mas alegam que foram buscar novos rumosELEN CrIS ELEN CRIS

So vrios os motivos que levam as pessoas a deixarem suas cidades e procurarem outros lugares do Brasil e do mundo para viver. Apesar de estar crescendo, Imperatriz ainda no possui condies suficientes para satisfazer o desejo profissional e pessoal de muitos dos seus moradores. O aumento de cursos em universidades pblicas e privadas proporciona a Imperatriz a vinda de muitos estudantes, mas isso ainda no suficiente para evitar que estudantes daqui saiam para estudar fora. Fui embora para estudar porque Imperatriz no me proporcionou a realizao de um sonho, o curso de engenharia civil, afirmou o estudante Juan Clmaco, 20 anos, que atualmente reside em Manaus (AM). Apesar de estar em uma grande capital, com muitas oportunidades de emprego na rea civil, ele pretende retornar a Imperatriz assim que se formar, j que aqui segundo ele, no h muitas pessoas com formao na sua rea. No difcil encontrar pelas caladas da cidade pessoas sentadas nas portas de suas casas. E esse um dos costumes imperatrizenses que muitos sentem falta de fazer quando esto longe. Sinto

de e familiares. Lydiane declara que a melhor poca do ano para visitar Imperatriz nas frias de julho, tempo de praias.

Internacionalramon Allencar, 17 anos, se mudou para a capital da Blgica, Bruxelas, h um ano e sete meses para tentar melhores chances na carreira de jogador de futebol. Isso proporcionou a ele conhecer outra cultura totalmente diferente da nossa e aprender outros idiomas. ramon comenta que essa experincia nica em sua vida e quer aproveit-la ao mximo antes de voltar para Imperatriz. A humildade das pessoas da no se encontra em outro lugar. A infncia a mais bem aproveitada e apesar de a comida daqui ser muito boa, sinto falta da comida da, comenta, ao comparar Bruxelas a Imperatriz. Estudar, conseguir um emprego, aprender uma nova lngua, conhecer outras culturas o que muitas pessoas que saem de suas cidades de origem buscam alcanar em outros lugares. So vrias as saudades que Imperatriz deixa nas pessoas que por aqui passam. Para Juan Clmaco, quem bebe da gua do rio tocantins jamais esquece.

Praias de Imperatriz fazem parte da lembrana daqueles que partiram da cidade, como Lydiane Dourado, que mora hoje em Goinia, mas retorna nas frias

saudade de ficar sentada na porta de casa at altas horas conversando com meus vizinhos. Aqui onde

eu moro as pessoas no possuem esse costume, declarou Lydiane Dourado, 20 anos, que atualmen-

te mora em Goinia (GO). Sempre que possvel ela vem cidade para reencontrar seus laos de amiza-

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RAzEs segundo o cadastro da funai de imperatriz, 58 indgenas moram atualmente na cidade, sendo que 23 deles so estudantes, motivo comum para deixar as aldeias

Indgenas retornam em outro contexto

FOtOS: ADRIANO ALMEIDA

Guajajara, Krikati e Gavio so as etnias que ainda povoam a regio tocantina, totalizando oito mil pessoas. J foram 18 etniasPAULA DE trSSIA

A formao cultural indgena de Imperatriz no vem de uma matriz cultural, mas, sim, das culturas de populaes diferenciadas

Com novo estilo de vida, aos poucos eles voltam a morar em Imperatriz. Camisa bege, short jeans, sapato, 23 anos, sorridente, descolado e caractersticas fsicas indgenas marcantes, Alvino Guajajara, que residia na aldeia Coquinho, em Barra do Corda, agora mora em Imperatriz h dois anos. Vim para c pra trabalhar. Depois cursei at o segundo semestre de administrao numa faculdade particular. Na aldeia a gente no tem muita oportunidade. Ento a gente tem que buscar melhorias fora dela. Gosto da cidade, mas sin-

to falta dos amigos e das brincadeiras da aldeia. A presena de ndios no Maranho foi catalogada desde de 1612. registros do Conselho Indiginista Missionrio estimam que, no estado, existiram 80 etnias, formando uma populao de aproximadamente 500 mil pessoas. hoje, so 27 mil divididos em oito povos, originados de dois troncos lingusticos: tupi (Guajajara, Guaj e Caiap) e J ( Gavio, Krikati, ramkokamekra Canela- , Apaniekra Canela- e timbira). A chegada de sertanejos negros que vieram tangendo gado do Piau, Pernambuco e Bahia para c,

permitiu a unio com os indgenas que viviam aqui, formando uma populao afroindgena no Sul do Maranho, explica a historiadora e pesquisadora da cultura afroindgena de Imperatriz, Maristane Sousa.

EtniasGuajajara, Krikati e Gavio so as etnias que ainda povoam a regio tocantina, totalizando oito mil pessoas. No sculo XIX, na regio sul do Maranho, foi destacada a presena de 18 etnias indgenas: amanajs, angetgs, apinags, augutgs, canaquetgs, capiecrs, gamelas, guajajara, macramecrs (krah),

noroags, gavies krikati, ponecras, purecamecrs, sacamecrs, tacamedus, xavantes e xerentes. Elas foram expulsas das terras pela expanso pecuria, escravizadas e extintas dessa regio devido aos conflitos entre ndios e no ndios. Segundo o cadastro da Fundao Nacional do ndio (Funai) de Imperatriz, 58 indgenas moram aqui. Um total de 23 so estudantes, sendo desses oito da etnia gavio, sete Guajajara e oito krikati. Fazem parte desse cadastro aqueles que tm vnculo com rgo ou recebem algum benefcio do governo, portanto, no h preciso de quantos residem na cidade.

A formao cultural indgena de Imperatriz uma unio de vrias culturas aborgenes que ocuparam essa regio. Cada povo com lngua, artesanato, pintura, rituais, formando caractersticas prprias deles, que, em contato uma com a outra e com os no ndios, formaram essa cultura na regio tocantina. O que chamamos de formao cultural indgena na regio de Imperatriz no vem de uma matriz cultural, mas, sim, culturas de povos diferentes que se somam, dando um carter plural a essa formao cultural. O certo chamarmos culturas indgenas, afirma o antroplogo hemerson rubem.

negros lutam por mais respeito e valorizao de sua identidadeCLSIO MENDES CLSIO MENDES

Quem anda pelas ruas de Imperatriz em meio ao intenso movimento de veculos e pessoas, ainda no deve ter notado um detalhe bastante curioso em relao a seus moradores: so poucas as pessoas negras ou, como muitos dizem, de cor transitando pelas ruas. historicamente, os negros sempre formaram uma minoria na cidade. Dados do IBGE obtidos no censo de 2010 comprovam esse fato. Dos 247.505 moradores, 20.146 se declararam negros, ou seja, 8,14% da populao de Imperatriz. No momento, ainda no h estudos completos sobre a histria da populao negra de Imperatriz. Como toda minoria, os negros sofrem diariamente com os mais diversos tipos de discriminao, seja por meio das falas das pessoas, em piadinhas, frases e vcios de linguagem. Fui discriminada uma nica vez, na adolescncia e pela me de um colega de escola. uma sensao horrvel, afirma a estudante negra Estela Silva. h tambm quem no se importe com as ofensas: Quando algum me chama de preto eu simplesmente digo: Sou!

Dificuldades dirias no desanimam a comunidade negra de Imperatriz na conquista do seu espao. Na cidade, eles representam cerca de 8,14% da populao

E com muito orgulho!, responde o vendedor ambulante Antnio dos Santos. Alm desses, so inmeros os relatos de preconceito e essa manifestao racista acontece de forma explcita ou indireta.

racismoPesquisa feita pelo Datafolha em 2008 mostra que o racismo no Brasil diminuiu em comparao a outro estudo organizado em 1995. No entanto, ainda h uma forte percepo

de que o brasileiro continua sendo racista. Em 2008, para 91% dos entrevistados, os brancos tinham preconceito de cor em relao aos negros. No entanto, quando a pergunta era pessoal (excluindo os autodeclarados

negros), s 3% admitiram ter preconceito. Percebendo a necessidade da unio e luta dos negros por seus direitos na regio, foi fundado em Imperatriz em maro de 2002 o Centro de Cultura Negra Negro Cosme. A iniciativa partiu de um grupo de professores e universitrios da UEMA, campus de Imperatriz. Segundo a vice-presidente Doralice de Assuno Moura: A ideia de criao de um Centro de Cultura Negra local surgiu pelo fato de que at ento, no se falava ou discutia sobre o racismo em Imperatriz. Inspirado em outros movimentos j existentes no Maranho, o Centro tem sido o porta-voz dos negros em grande parte da regio tocantina. tem por objetivo combater o racismo na tentativa de despertar a conscincia crtica das pessoas para que o respeito e a valorizao do ser humano independam de sua raa ou etnia. Outra de suas finalidades a luta pela construo de uma sociedade sem preconceito ou discriminao racial. Para isso, promove eventos educativos e culturais, bem como palestras em escolas pblicas e privadas, com o intuito de conscientizar toda a populao sobre as dificuldades vividas historicamente pelo negro e a importncia do seu papel na sociedade.

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EnTREvIsTA Escritor, vereador e jornalista Edmilson sanches

Imperatriz como so paulo da regioEdmilson Sanches jornalista, escritor, professor, membro da Academia Imperatrizense de Letras e atualmente exerce o mandato de vereador em Imperatriz. Licenciado em Letras e tcnico em contabilidade, escreveu diversos livros nas reas de comunicao, administrao e desenvolvimento, tendo atuado como palestrante e conferencista em diversos pontos do pas. Em entrevista ao Arrocha, Edmilson Sanches aborda, entre outros assuntos, a questo polmica da existncia ou no da identidade culturalDIANA CARDOSO DIANA CArDOSO JULIANA GUIMArES

na cidade, Imperatriz como local de atrao de vrias culturas e sua posio como polo comercial.

A cultura brasileira a miscigenao de todas as etnias que aqui passaram, pisaram e fizeram morada. Imperatriz tambm desse povo que aqui se estabeleceu? Sim, Imperatriz uma espcie de So Paulo na pr-Amaznia maranhense. Para c vieram pessoas de todos os estados brasileiros e tambm imigrantes dos diversos continentes. At 1959, essa cidade tinha menos de dez mil habitantes, mas depois, com a construo e inaugurao da Br Belm-Braslia, vieram pessoas de todos os cantos e recantos do pas e de diversas outras partes do mundo. hoje ns temos uma sociedade formada por diversas pessoas, que vo do mineiro ao japons. Eu mesmo me pergunto onde sou filho de Caxias do Maranho, terra de Gonalves Dias, de Coelho Neto e tantas pessoas que se destacam na cultura em geral. Costumo dizer que tenho amor por Caxias, mas tenho paixo por Imperatriz. Qual foi o meio comercial que fez Imperatriz ganhar a categoria de polo? Qual foi o marco dessa consolidao no desenvolvimento de Imperatriz? Sobretudo o comrcio varejista, embora ns tenhamos nos destacado como um dos cinco maiores polos atacadistas do Brasil. Ao nvel de grandes cidades como Uberlndia, em Minas Gerais. Mas, houve uma reduo do comrcio atacadista e o comrcio varejista ainda subsiste de maneira forte, tanto que atrai a ateno de milhares de pessoas diariamente vindas do Sul do Par, do Norte do tocantins, do Gois e do Sudoeste do Maranho. O comrcio continua sendo uma representao forte e, como ele parte do setor de servios, faz com que este setor em Imperatriz chegue a mais de um bilho de reais na economia, que o PIB da cidade. O comrcio faz com que a sade e a educao sejam os maiores setores que constituem a economia de Imperatriz. Imperatriz, sendo vista como polo universitrio, tem estrutura? Ou seja, campo de trabalho para todos os cursos aqui ofertados? No tem. Ns temos cerca de 70 cursos universitrios em Imperatriz, do A de Administrao ao Z de Zootecnia, envolvendo a pelo menos perto de 20 mil estudantes universitrios. Enfim, Imperatriz hoje tem cerca de 100 mil pessoas estudando em algum tipo de curso formal. Que vo da educao infantil at ps-graduao, incluindo mestrados e alguns doutorados no presenciais, semipresenciais ou presenciais mesmo. Com certeza ns no temos emprego para todas as pessoas que aqui se formam. Nossa economia no to diversificada assim, preciso que cada administrao incorpore maneiras de ampliar isso para dar uma expectativa realista para

ratrizense, o nome que quiserem dar. Aqui no se v pronncia de maneira cantada, como a gente v no Sudeste e Sul do pas. Esse posicionamento geogrfico, privilegiado de Imperatriz, que liga as quatro grandes capitais, Palmas, Teresina, Belm e So Luis, foi importante para esse desenvolvimento da cidade? Sim, porque essas capitais esto muito distantes de Imperatriz. Assim, a cidade se torna, em termos econmicos e de referncia, a capital para o conjunto dos municpios que ficam entre Imperatriz. Ento podemos nos considerar, de maneira informal ou econmica, ou romntica tambm, uma espcie de capital do sul do Gois, do norte do tocantins, do sul do Par e do sudoeste do Maranho. Neste posicionamento geogrfico Imperatriz fica realmente no Norte ou Nordeste? Ns estamos em uma zona de transio econmica e, geograficamente, na pr-Amaznia. Portanto ns somos, de maneira ambiental, norte, geograficamente e politicamente, nordeste. Pertencemos regio Nordeste e so fortes as caractersticas do norte, que, aqui em Imperatriz, o governo reconhece como meio norte, que a juno de Maranho e Piau. A msica diz que o rio Tocantins o imperador de Imperatriz. Ele foi esse imperador no desenvolvimento de Imperatriz? Este um recurso da liberdade potica artstica musical, dando uma espcie de marido a Imperatriz. Sem o rio tocantins provavelmente nossa cidade demoraria muito a ser fundada. Porque o rio tocantins tem mais de dois mil quilmetros, nasce com o nome de Maranho, no Gois e morre quando desgua em Belm. um rio pelo qual veio o frei Manoel Procpio e sua comitiva. Parte da histria de Imperatriz deve-se ao rio tocantins, sem falar no transporte de alimentos e de outras coisas que vinham pelo rio, na ausncia de muitas estradas. Ento Imperatriz tem o rio tocantins como, se no seu imperador, no mnimo como uma via que possibilitou a fundao dessa cidade . Hoje, aps todas essas transformaes na cidade, qual a cara de Imperatriz? h uma cidade cosmopolita, cujo rosto a soma dos diversos rostos que existem nela. uma cidade nitidamente com a face urbana, j que tem 12 mil habitantes na zona rural e os outros 235 mil so urbanos. Imperatriz, apesar dos problemas, tem um rosto mais do Brasil do que do Maranho, porque ns somos uma cidade nitidamente povoada por pessoas dos diversos estados brasileiros e pases estrangeiros.

aqueles estudantes quando se formarem. No estamos formando s pessoas de Imperatriz, temos aqui milhares de estudantes de vrios estados e municpios. Ento no d para ns suprirmos com empregos a todas as pessoas que aqui concluem seu curso superior. Como voc analisa a questo da identidade cultural de Imperatriz? No aspecto cultural Imperatriz no tem do que se envergonhar. Ns temos uma Academia de Letras com membros que tm uma formao consolidada. Uma produo literria e tcnica de alto nvel, assim como temos representantes da cultura popular, desde a tradicional da dona Francisca do Lind e o Elias do Boi, os grupos de quadrilha junina, as associaes dos artesos, a Fundao Cultural. Ns temos uma identidade cultural. Voc afirmou que Imperatriz tem uma identidade cultural. Qual a cara de Imperatriz? a cara do nosso pas, que, no nvel geral, recebeu pessoas de diversos lugares do mundo. Os habitantes do Brasil se cruzam a

cada estado. Nenhum estado aqui tem muros e as pessoas migram de um lado para o outro.

cos, vai envolvendo os cidados de maneira que um participa do que prprio da cultura do outro. Ou seja, desse produto vasto uma identidade que comea a se Imperatricizensiar, mas nunca deixa de ser brasileiro. Essa miscigenao cultural tambm est na linguagem oral do imperatrizense? Imperatriz tem ou no tem sotaque? Eu quero acreditar que possa haver palavras ou expresses que sejam prprias das pessoas que habitam o municpio. Em relao a sotaque, que mais identificado como a maneira que se pronuncia e no o que se pronuncia, eu no vejo sotaque aqui. O r dos goianos que diz guarda. Eu no vejo aqui outros aspectos, a no ser por escolarizao ou linguagem informal de pronncia dos dgrafos nh, lh. A gente diz banho e s por comodismo dizemos bain. No vejo sotaque, posso acreditar que haja jargo ou palavras prprias de Imperatriz, assim como tem no Piau. O piauiense, em Minas Gerais, o mineiro, no Maranho deve ter o maranhs. Imperatriz deve ter o Impers, ou o impe-

A miscigenao diversifica e enriquece Imperatriz. Do contrrio seria criar guetos culturais, o que no bom em canto nenhum

A miscigenao ameaa a cultura de Imperatriz? No, ao contrrio: diversifica e a enriquece. Primeiro porque o contrrio disso seria criar guetos culturais, o que no bom em canto nenhum. Ento no h jogo de presso para que pessoas possam participar deste ou daquele aspecto cultural, mas a prpria sociedade, em seus fluxos dinmi-

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sERvIDOREs com o benefcio da estabilidade, profissionais chegam a imperatriz muitas vezes com medo da fama de pistolagem e costumam ter uma grata surpresa

Concursos pblicos atraem novos habitantesMARIANA DE SOUSA

Paola Damasceno mais um exemplo de profissional que encontrou seu caminho vindo morar em Imperatriz: Aqui eu me identifiquei e fui valorizadaMArIANA DE SOUSA

Na porta, uma inscrio: mdico. Mas quem atende l dentro a enfermeira Paola Letcia Damasceno Brito Coelho, 28 anos. Os pacientes chegam, e ela, muito atenciosa, examina, encaminha-os para os mdicos e solicita exames. h seis anos, desde quando ela

e o marido, que tambm enfermeiro e farmacutico, resolveram vir morar em Imperatriz ouve muito a seguinte frase: No vai que l muito perigoso. a cidade dos pistoleiros. Por questes polticas o casal teve de se mudar da cidade de origem, Bacabal. E o destino escolhido? Meu marido colocou na cabea

que queria vir pra c por que aqui era bom, que j tinha vindo aqui e gostado muito. Mesmo com o medo da violncia, no teve jeito, vieram os dois e a filha que estava para nascer. Pouco tempo depois foi aberto um concurso pblico municipal e os dois passaram. Essa foi a desculpa para ficarem de vez. Paola no pretende ir embora

e, com os olhos marejados, declara: Imperatriz foi um bero pra mim. Aqui que eu me identifiquei e fui valorizada como profissional. Ela chegou deprimida, mas hoje s sorrisos. Na Beira-rio, na romanos, no Boteco do Frei e por a vai. No posto de sade onde trabalha, PSF Santa Lcia, no faltam elogios. Ela to querida que quando quiseram transferi-la para outro posto, os moradores do bairro foram em um programa de tV e at fizeram abaixo-assinado para que isso no acontecesse. Num tira a Paolinha no. As crianas to tudo chorando querendo a Paolinha de volta, conta, em meio a risos. J o professor doutor Adenilson Oliveira dos Santos nem sabia dessa fama da pistolagem na cidade. Mas vrias pessoas disseram para ele no vir, pois aqui era interior. Ele veio. O objetivo era simples: ajudar a desenvolver o curso que estava bem no incio, engenharia de alimentos, no campus da UFMA. Natural de Londrina no Paran, ele tem ps-doutorado em Fsica e j morou em So Paulo, em Fortaleza e at na Inglaterra. Mas foi aqui que ele decidiu ficar. Vi que aqui tinha infraestrutura, aeroporto, Universidade Federal, poderia me proporcionar uma boa qualidade de vida, da decidi mudar. A esposa, que tambm ps-doutora em fsica e d aulas de clculo, assim como ele, no curso de engenharia, veio junto.

AlteraesSempre com um sorriso no rosto, ele explica que desde que chegou h dois anos e meio, muita coisa mudou. Os cursos do campus de Imperatriz evoluram com os projetos de iniciao cientfica, inclusive arrecadando cerca de trs milhes de reais (s o curso de engenharia) para compra de equipamentos e melhorias do campus do Bom Jesus. Ele j recebeu outras propostas de emprego, mas no aceitou. Quero que aqui d certo. J recebi vrias propostas, mas resolvi ficar aqui mesmo. Em meio a tantas perguntas e respostas, uma coisa chama a ateno: o sotaque. diferente, o r carregado. Ele esclareceu que no teve dificuldades, nem com a lngua nem com a cultura imperatrizense, pois j morou no Nordeste e estudou com pessoas dessa regio. Mas os alunos no perdoam. As brincadeiras so constantes em sala de aula, apesar de o professor considerar que o pessoal do rio Grande do Sul tem o r bem mais puxado. O bom humor, o sorriso constante e a disposio para ensinar so claramente visveis. E os alunos, s elogios. Ele um timo professor. Nos incentiva e, quando temos alguma dvida, ele est sempre pronto para esclarecer, afirma o estudante Iago hudson.

Universitrios migrantesCArLA rEJANE DUtrA

Imperatriz: bero da economia tocantinaSAFIRA PINHO SAFIrA PINhO

O que faz a cultura de Imperatriz a miscigenao de povos, cada qual trazer, partilhar as suas razes. Mas em Imperatriz existe sua especificao. assim que a universitria Bruna Ferreira define a cultura da cidade. Em Imperatriz, o polo universitrio tem crescido muito, e isso ajuda na atrao de pessoas de outras cidades do Maranho e de outros estados. So quatros instituies particulares e duas pblicas, com o acrscimo do Instituto Federal do Maranho (IFMA), que oferece o curso de Licenciatura em Fsica. Bruna Ferreira uma das muitas estudantes que optaram por fazer seu curso em Imperatriz. tem 23 anos, natural da cidade de So Paulo, mas com cinco anos foi morar em rondon do Par, no Par. h cinco anos veio para Imperatriz cursar histria Licenciatura, na Universidade Estadual do Maranho (UEMA). Conclui seu curso este ano, j trabalha na rea, e por enquanto no pensa em voltar para rondon. J criei um ciclo de amizade at grande, me adaptei, me acostumei com a cidade, comenta entusiasmada. Assim como Bruna, tiago Cruz, 23 anos, veio tambm de outro estado, de Juazeiro da Bahia e faz o 2 perodo de enfermagem, na Universidade Federal do Maranho (UFMA). Entrou na universidade por meio do Sistema de Seleo Unificada (SISU). Depois que termi-

nar o curso, pretende voltar para seu estado. tm alguns hbitos de Imperatriz com que ele ainda no conseguiu se acostumar, como a culinria, a msica e a forma de falar. Gostar, gostar, assim de Imperatriz... No me adaptei cidade, questo de costume mesmo, explica, sorrindo.

IdentificaoO processo de adaptao, estar em um lugar novo sem conhecer ningum, no fcil. S depois de um longo perodo que se afeioa s pessoas, aos hbitos e costumes. Josiene Lima, 24 anos, estuda na Faculdade de Imperatriz (Facimp), faz o 2 perodo de Enfermagem, mora na cidade desde 2007 e veio de Pacaj, Par. Antes, passou por outros municpios, mas foi de Imperatriz que mais gostou. Mas quando terminar o curso, promete voltar para perto da famlia. O namorado um dos fortes motivos que a levam sua cidade. A enfermeira Nereauite Corra, 25 anos, de Brejo Grande do Araguaia, Par, formou-se em fevereiro de 2010, na Facimp. No momento est desempregada, mas nem por isso pretende deixar Imperatriz. Como eu vim de uma cidade pequena, l no poderia me oferecer muitas coisas. Aqui me possibilita crescer na minha rea, eu no quero voltar para l. Durante esses seis anos na cidade, j conquistou muitos amigos e leva uma vida praticamente enraizada.

Imperatriz est em constante desenvolvimento econmico e a prova disso so os investimentos no municpio, como os novos shoppings, supermercados e na rea da construo civil. Segundo a Junta Comercial do Estado do Maranho - Imperatriz (Jucema), so 10.803 empresas registradas na cidade em diferentes ramos. Muitos empreendedores esto aqui por mais tempo, como o caso do empresrio Joo Borges Lira, 43 anos, que chegou a Imperatriz com 14 anos. Sou de origem humilde e vim para c em busca de condio de vida razovel por meio de estudo e trabalho. Ele de Anans (tO) e, antes de montar o GrupoLyra, no ramo de autopeas, com seu irmo roberval Borges Lira, j falecido, trabalhou na prefeitura, no escritrio de contabilidade e em uma indstria grfica. Meu irmo tinha experincia no ramo, ento nos unimos e abrimos a Motordiesel em 1995. Ao todo so cinco lojas de autopeas na cidade e uma em Marab. todas as lojas tm a mesma atividade, diferenciando-se nos segmentos de atuao. A rede de autopeas tem 15 anos no mercado e atua nos estados do tocantins, Par e em outros municpios do Maranho. Estamos bem posicionados no mercado, considerando o ponto de localizao e a dinmica flexvel. O cliente vem aqui e facilitamos

Empresrio Joo Borges Lira chegou a Imperatriz com 14 anos e hoje trabalha no ramo de autopeas

todas as formas de pagamento. Graas aos novos shoppings chegaram novas franquias como o Giraffas, que j garantiu uma loja no tocantins Shopping e tambm dever ter no Imperial Shopping. No Maranho, ao todo, so quatro fast foods da mesma franquia, sendo trs na capital e, agora, se instalou a primeira no interior do estado. O Giraffas no s hambrguer, lanches, temos gre-

lhados, uma refeio completa com uma diferena mnima de um prato de panelada, ressalta o proprietrio, Joaquim Pontes Mariano, 49 anos. A expanso econmica na cidade acontece por Imperatriz ser um grande polo comercial, centro de abastecimento em toda regio tocantina. Qualquer investimento em Imperatriz faz sucesso, enfatiza Joaquim Mariano.

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TRADIO cortez Moreira, Milhomem e Hernio so sobrenomes fortes em imperatriz e carregam at hoje parte da bagagem histrica da formao cultural desta cidade

Contribuies dos antepassados famososMIKAELLE MARtINS MIKAELLE MArtINS

O que ter acontecido h 60 ou 70 anos em Imperatriz? Quem no gostaria de saber sobre as primeiras ruas, casas e as tradicionais famlias? Fatos do passado so conhecidos por poucos e, vez ou outra, despertam curiosidade at nos mais leigos, incitando a descoberta histrica de sua prpria cidade. Em 1852, frei Manoel Procpio aportou na margem direita do rio tocantins e fundou o povoado de Santa teresa. terra essa que atraiu olhares de diversas famlias, por conta da sua imensa riqueza natural. Foram muitas dessas famlias que contriburam para a formao poltica, cultural e social da cidade. Cortez Moreira, Milhomem e hernio so sobrenomes fortes em Imperatriz e carregam at hoje parte da bagagem histrica da cidade. Meu av, Coriolano Milhomem e meu pai viram diante do rpido crescimento a necessidade de Imperatriz emancipar-se, ressalta Lamartine Milhomem, 63 anos. Ele filho de Gumercindo Milhomem, primeiro prefeito da cidade, que ajudou elevar a vila de Imperatriz categoria de municpio.

assassinado, em 1993. hoje, Lamartine Milhomem sente honra de ter contribudo para conduzir o municpio rumo a melhores condies de progresso econmico e social. Imperatriz hoje no uma cidade, e sim uma exploso de progresso. Eu s tenho o prazer de estar contribuindo e vivenciando todas essas pocas.

memriahilden hernio, 75 anos, filha de Amlia hernio e Jonas ribeiro, comenta que ouvia de seus pais histrias da construo da igreja de Santa teresa. Eles diziam que os jovens faziam uma fila. Cada um pegava vrios tijolos de barro. E foi assim que a igrejinha foi construda. hilden foi a segunda diretora da escola Governador Acher e ganhou do ministro da Educao, na poca, Jarbas Passarinho, os primeiros instrumentos musicais da escola estadual para os desfiles de 7 de Setembro. No dia que chegou esses instrumentos, eu pulei de alegria de ver a crianada toda reunida batendo tambor. hilden se considera filha de Imperatriz. tenho orgulho de ter formado minha famlia e criado os meus seis filhos nesta terra que dei, de alguma forma, minha contribuio.

Dona Hilden Hernio se emociona ao recordar de sua famlia em velhas fotografias de estante: Tenho orgulho de ter formado minha famlia nesta terra

PolticaEm 1945, Simplcio Moreira

foi eleito prefeito e lutou pelo progresso de sua terra. Construiu estradas e estimulou a educao, fundando a primeira escola pblica estadual de Imperatriz, a Governador Archer. Simplcio deixou um discpulo e herdeiro, seu filho, renato

Cortez Moreira. Engajado, assumiu o cargo de prefeito em 31 de janeiro de 1970 para um mandato de trs anos. renato dedicou-se educao e construiu 16 escolas municipais em Imperatriz e povoados. Meu pai j enxergava que a educao era o alicerce para a for-

mao de uma sociedade, revela o filho do ex-prefeito. Na poca, renato fundou o primeiro time de futebol, o renne. Proporcionou gua, luz, construiu o aeroporto e importantes logradouros como a avenida Bernardo Sayo. renato Cortez Moreira foi

Famlias humildes so importantes na histria de uma cidade acolhedoraADrIANE BArrEtO

Fim de tarde de um dia nublado com promessa de chuva no comeo da noite. rodeado de cajueiros e rvores frondosas, esconde-se um casaro que admirado por seu tamanho e pelos proprietrios que tem. No interior, com seis quartos, duas salas, cozinha grande e rea que se estende por mais de 14 metros, moram seu Francisco e dona Maria, conhecidos por todos no bairro em que vivem h mais de 50 anos. Francisco de Jesus ou Chico rebaceira como conhecido, 71 anos, natural de Parrusul, Piau. tem cabelos grisalhos, expresso forte e mos calejadas que denunciam vrios anos de trabalho na lavoura, de onde tira seu sustento at hoje. Lembra dos 30 dias no lombo de um jumento com sua famlia procurando lugar melhor at chegar a Imperatriz, no ano de 1958, com 18 de idade. Morou em vrios terrenos, que foram abandonados por achar que o progresso no chegaria to cedo regio mesmo com a construo da Belm-Braslia. Conquistar seu pequeno pedao de terra fora da cidade lhe trouxe muita alegria, que acabou se estendendo quando conheceu Maria.

EncantoMaria Olindina, 65, natural de Feira de Santana, Alagoas. More-

na de cabelos escuros e descendente de indgenas, encantou o jovem quando foi morar em frente sua casa. Encontrei o meu prncipe encantado e consegui os melhores presentes, meus oito filhos legtimos e mais dois que adotei. O pouco estudo de seu Francisco o privou de ser um homem bem sucedido hoje, mas mesmo assim recebeu prmios e medalhas como um dos fundadores do Sindicato de trabalhadores rurais de Imperatriz. Desfez-se de metade de sua propriedade por uma carroa, pois era de grande utilidade na poca. E hoje pode dizer que no se arrepende de tudo que fez para criar dez filhos. Est muito satisfeito pela famlia que tem. Dona Maria ainda est na luta cotidiana, doente por causa de seu esforo e seu excesso de peso. Sou muito feliz e realizada com meus dez filhos, 29 netos e sete bisnetos apesar da dificuldade que passei afirma, com lgrimas nos olhos e mos trmulas de emoo em falar de sua histria. Na casa mais frente se encontra Gerusa Maria da Silva, 81 anos. Natural de Nazar, Piau, cabelos brancos, magra e fraca por ter perdido seu Benedito, o homem de sua vida, e um dos filhos em menos de quatro meses. Chegou cidade em 1972, pegando o ltimo pedao de terra doado pelo governo na poca, adquirindo a quarta casa do bairro. No lembro muito bem, tinha

ADRIANE BARREtO

Desde 1958, Chico Rebaceira e Maria Olindina vivem em seu pequeno pedao de terra no bairro que ajudaram a fundar: 10 filhos, 29 netos e sete bisnetos

muito mato e areia, interrompe, com lgrimas nos olhos lembrando que quase todo o bairro foi construdo pelo marido j falecido. Segundo o IBGE, o Brasil tem

16,2 milhes de pessoas em extrema pobreza. O Maranho o Estado que tem a maior concentrao de pessoas em condies extremas de pobreza. Da populao de 6,5

milhes de habitantes, 1,7 milho est abaixo da linha de misria (ganham at r$ 70 por ms), isso representa 25,7% dos habitantes do estado.

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Arrocha

Jornal

Ano II. nmEro 8 ImPErATrIZ, novEmbro dE 2011

ALIMEnTAO no tem nenhum prato que venda mais do que o outro, todos so vendidos da mesma maneira, afirma a vendedora de tacac Maria dos santos

Deliciosos pratos tpicos tm vez na cidadeMAIELY CABRAL MAIELY CABRAL

Da Bahia, o imperatrizense adotou o vatap. Em dias de mais movimento, comerciantes chegam a ter lucro de at 300 reais

Vendedores dizem que difcil indicar qual prato importado pode ser considerado o mais querido dos moradores de Imperatriz

MAIELy CABrAL

Em Imperatriz existe uma grande variedade de alimentos trazidos de outras regies do Brasil e do mundo. Da Bahia, o acaraj e vatap. Da regio Norte, como Acre, roraima, Par e outros, o tacac. tambm se apreciam pratos de outros pases, como o sushi, sashimi e o yakisoba, do Japo. A vendedora Maria dos Santos Lucena, 58 anos, trabalha h 25 vendendo tacac, vatap e acaraj. Aprendi a preparar com a dona Eliza, que mora em uma rua estreita perto da Escola Santa te-

rezinha. Ela uma pessoa muito especial pra mim. Maria at tentou outras profisses nesse perodo. Durante sete anos trabalhei como cabeleireira, mas tive problemas com produtos qumicos e acabei voltando a vender. Maria dos Santos diz ainda que os alimentos oriundos de outras regies que se instalaram em Imperatriz so bem aceitos. No tem nenhum prato que venda mais do que o outro, todos so vendidos da mesma maneira. Atualmente trabalha na avenida Beirario, mas quando h eventos como Natal e festejo de Nossa Senhora

de Ftima, se desloca para a Praa de Ftima. Dona Maria de Ftima, 56 anos, trabalha h 15 com a venda dos mesmos produtos. Morei no Par com meu marido que era paraense e l aprendi a fazer essas comidas. No seu quiosque, o que mais vende o tacac, que custa seis reais, mesmo preo dos demais. Sua venda varia de 50 a 100 reais por noite e, em finais de semana, dona Maria chega a ganhar 300 reais. tem poca que as vendas no so muito boas, o tempo est chuvoso e dificulta as pessoas virem.

PaneladaMesmo com a variedade de comidas de outros lugares, um dos alimentos mais consumidos por imperatrizenses e visitantes a famosa panelada, prato tpico da cidade, que existe h cerca de 30 anos, encontrado em um dos pontos lderes de visitao: as Quatro Bocas, cruzamento da avenida Bernardo do Sayo com as ruas rio Grande do Norte e Cear, no bairro Nova Imperatriz. Maria rita de Sousa, 56 anos, natural da cidade de Brejo Paraibano, veio para Imperatriz no ano de 1977. Ao chegar na cidade tra-

balhei lavando roupas e na venda de ch-de-burro. A famlia foi aumentando e a renda de dona rita no estava suprindo as necessidades. Comeou, ento, a trabalhar na venda de panelada, e continua h 13 anos. o que sustenta sua famlia atualmente e no pretende deixar a profisso to cedo. Estou doida pra ganhar uma casa de 10 metros de frente por 40 de fundo pra morar com minha famlia. renata Soares Moreira conclui: A panelada um dos pratos simples de se fazer e uma delcia, timo pra quem aprecia uma boa comida caseira.

Lind e quadrilhas j ganham marca localESA MOrAES

MARIA JOS

Quando se pergunta qual a cara de Imperatriz, a resposta vem de supeto: aqui tem gente de todos os lugares desse Brasil. E a arte local, que influncia sofre dessa mistura de regies? A cultura de Imperatriz , sim, marcada pela diversidade de manifestaes artsticas. Como exemplo, as quadrilhas dos vizinhos nordestinos e at o Lind, trazido pelos colonizadores do pas.

foram os principais cenrios desse espetculo popular. No comeo, alguns tinham preconceito, diziam que era macumba. Mas, no geral, as pessoas gostavam, porque tambm queriam brincar. Em 2001, dona Maria recebeu a Comenda Frei Manuel Procpio, dada s personalidades que ajudaram no desenvolvimento de Imperatriz. Por causa de problemas de sa-

Lind em sua casa, numa conversa muito receptiva, que Maria Francisca Pereira da Silva, 67, nos conta a histria do Lind. Esse estilo de dana chegou, primeiramente, em Caxias (MA), junto com dois irmos portugueses, no ano de 1722. Eles ensinaram populao o que, na Europa, recebia o nome de Lindo. O Lind, como ficou conhecido no Brasil, uma dana de roda. Eu aprendi com a minha famlia, aos cinco anos, e, j mulher, vim para Imperatriz e ensinei aos meus filhos, explica dona Maria do Lind, como chamada. Ela conta que veio para a cidade aos 34 anos e comeou as primeiras rodas no bairro Santa Ins, onde mora at hoje. A Praa da Cultura e a Beira rio

No comeo as pessoas tinham preconceito com a dana do Lind, diziam que era macumba. Mas no geral, as pessoas gostavam, porque tambm queriam brincar

de, ela est um pouco afastada das apresentaes, mas ainda compe as msicas, baseada no que aprendeu em Caxias.

QuadrilhasImperatriz tambm possui outro patrimnio cultural vindo de fora. As quadrilhas, herana de For-

taleza (CE), j fazem parte dos festejos juninos. Segundo thaisia rocha, 20, integrante da quadrilha Arrasta P, os primeiros grupos foram trazidos por cearenses, cerca de duas dcadas atrs. A estudante lembra que seus pais j danavam a quadrilha quando ela, aos 11 anos, comeou a dar os primeiros passos na dana. A princpio, essa manifestao servia apenas para animar festas, como casamentos. Mais tarde, os grupos tradicionais se reuniram e formaram a Liga Imperatrizense de Quadrilhas. A Liga ainda no oficial. Por isso, a gente se une e, de forma amadora, realiza os eventos, explica thaisia. Juntas, quadrilhas como Suvaco de Cobra, Z Comeu e Arrasta P organizam disputas para escolher as melhores equipes. Os vencedores vo para as competies: regional e, depois, nacional. Vem gente de todo lugar do pas. Voc interage com outras pessoas e aprende muita coisa. O antroplogo Emerson rubens acredita que essas contribuies artsticas no significam dficit para a cultura local. Quando uma cultura se encontra com outra, nenhuma perde, pelo contrrio, elas se somam. Para dona Maria e thaisia, o Lind e a quadrilha j so a cara de Imperatriz.

Maria Francisca defende h anos a dana do Lind, que j virou uma manifestao tpica na cidade