JORNALISMO E SOCIALISMO DO SÉCULO XXI: a representação da Venezuela nas páginas do Granma

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Ariane Cristina Gervásio da Silva

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a representação da Venezuela nas páginas do Granma 

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2010

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Ariane Cristina Gervásio da Silva

JORNALISMO E SOCIALISMO DO SÉCULO XXI:

a representação da Venezuela nas páginas do Granma 

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte(UNI-BH) como requisito parcial para a obtenção do título debacharel em Jornalismo.

Orientadora: Maria Cristina Leite Peixoto

Belo Horizonte

Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH)

2010

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Dedico a os meus pais Nédina Maria e Geraldo Magela, minhas fontes

de inspiração e motivação, e ao meu noivo Carlos Eduardo.

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Agradeço à minha orientadora, Maria Cristina Leite Peixoto, por

acreditar na minha capacidade, e às professoras Érica Savernini,

Vanessa de Carvalho e Odila Valle, pelo empenho. Agradeço ao

professores de Relações Internacionais do UNI-BH por me guiarem

por essa área do conhecimento que coloca o mundo em nossas mãos.

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"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta

dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por

mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia?

Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar." (EDUARDO

GALEANO) 

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RESUMO

Depois de mais de 50 anos da Revolução Cubana, que instituiu o governo socialista em Cuba,

vive-se na América Latina uma nova tendência política caracterizada pelo crescimento de

países governados por líderes de esquerda. O precursor desse fenômeno é o polêmico

presidente da Venezuela Hugo Chávez com a ideologia do Socialismo do século XXI . Neste

trabalho, buscou-se pensar sobre as representações da Venezuela e desse novo socialismo no

 jornal cubano Granma . 

Palavras-chave: Granma, Venezuela, Socialismo, jornalismo internacional.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 07

2 AMÉRICA LATINA: TERRENO FÉRTIL PARA AS IDEIAS SOCIALISTAS........10

1.1 A experiência socialista em Cuba.......................................................................................10 

1.2 O governo Chávez e o socialismo do século XXI ............................................................. 17

3 JORNALISMO INTERNACIONAL NA AMÉRICA LATINA .................................... 26

3.1 Jornalismo Internacional: características e desafios .......................................................... 26

3.2 Valores/notícia e gêneros jornalísticos............................................................................... 33

3.2.1 Entre o acontecimento e a notícia.. ................................................................................ 33

3.2.2 As categorias e gêneros jornalísticos ............................................................................. 41

3.3 As particularidades da comunicação na América Latina................................................... 45

4 ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DA VENEZUELA NA EDITORIAINTERNACIONAL DO JORNAL GRANMA.................................................................... 49

4.1 A importância da Venezuela determinada pela editoração e gêneros jornalísticos ........... 49

4.2 Divergências e convergências entre os valores/notícia e as temáticas freqüentes ............ 57

4.3 Presença de elementos do jornalismo internacional latino-americano .............................. 59

4.4 Padrão de cobertura como determinante de posicionamento político ............................... 61

5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 64

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 66

ANEXOS ................................................................................................................................ 68

1 INTRODUÇÃO

O processo iniciado pelas duas Guerras Mundiais, reforçado pela Crise de 1929 e pela derrota

dos regimes nazi-fascistas desencadeou uma nova ordem geopolítica, marcada pela

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mas também pelo principio de abertura econômica de Cuba e a emergência de governos

populares como o do Brasil (Lula, a partir de 2003) e o da Bolívia (Evo Morales, a partir de

2005).

No caso específico venezuelano, o governo Chávez trouxe consigo um projeto socialista

chamado Socialismo do século XXI, marcado por uma clara oposição à política norte-

americana. As mudanças implementadas por Chávez e as ideológias políticas adotadas

geraram polêmica como a onda de nacionalizações de empresas multinacionais de petróleo na

Venezuela em 2006. Na ocasião, a empresa brasileira Petrobrás cedeu o controle de cinco

empreendimentos à Petróleo da Venezuela  –  PDVSA. Outra medida polêmica foi a nãorenovação da concessão da emissora de televisão Radio Caracas Televisión  –  RCTV, em

2007, em função do apoio dado pela emissora ao golpe de Estado contra Chávez em 2002 e à

sua oposição sistemática ao governo.

As mudanças também fazem parte da política cubana. Em 2008, Raul Castro, irmão de Fidel

Castro, assumiu a presidência e prometeu eliminar paulatinamente as proibições na ilha. Nomesmo ano, Raul liberou a venda de eletroeletrônicos como televisores, celulares e

computadores. A política externa também sofreu mudanças. Apesar do embargo comercial,

existente desde 1962, o presidente americano Barack Obama, em setembro de 2009,

suspendeu as restrições de viagens à ilha e autorizou as transferências de dinheiro de cidadãos

de origem cubana que vivem nos Estados Unidos para os residentes em Cuba.

A percepção desse novo cenário político na América Latina passa pelos processos

comunicacionais que, segundo Piernes (1990), são tão essenciais para a população latino-

americana como a solução de problemas sociais:

A comunicação é um bem social do tipo essencial que deve chegar ao povo puro, sem

mistificação, sem infiltração ideológica, sem interesses econômicos. [...] O direito de todos à

informação é tão prioritário quanto o direito à alimentação, à saúde, à educação, à moradia.

Entretanto, o direito à informação tem caído no ranking das prioridades humanas latino-americanas, superado pelos impactos psicológicos que representam a fome, o analfabetismo, a

mortandade e a promiscuidade. (PIERNES, 1990, p. 10-11)

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Neste aspecto, Rodrigues (2001) destaca que o jornalismo é essencial como processo que

torna uma situação acessível à população, sobretudo porque faz a transição do discurso

esotérico  –  típico de cada área de conhecimento  – para o exotérico, em princípio inteligível

para todos os interlocutores. As relações entre os países são assunto do jornalismo

internacional. “As editorias internacionais têm diariamente um mundo de notícias. No sentido

 próprio e também no sentido figurado” (NATALI, 2007, p.9).

Portanto, a compreensão da atual situação política e econômica da América Latina,particularmente as alterações no ambiente externo dos países, causadas pelo governo

socialista do Hugo Chávez, por exemplo, passa pela análise de como a Venezuela é

representada pelos veículos de comunicação ao redor do mundo.

Nesse contexto, o jornal Granma torna-se relevante pelo fato de Cuba ser a nação na América

Latina cujo socialismo persiste desde a década de 50 do século passado. Enquanto aVenezuela, a partir de 1999, com ascensão de Hugo Chávez à presidência, inaugurou um novo

período do socialismo na América Latina. Mesmo com a perspectiva política comum, essas

nações têm sofrido mudanças consideradas significativas, tanto para a América Latina quanto

para o mundo, que as deslocaram para os assuntos centrais da cobertura internacional atual.

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2 AMÉRICA LATINA: TERRENO FÉRTIL PARA AS IDEIAS SOCIALISTAS

2.1 A experiência socialista em Cuba

Sader (1992) acredita que a história cubana pode ser ancorada na palavra antes, pois existe no

imaginário da população uma referência à revolução acontecida em primeiro de janeiro de

1959 como a divisão da história do país. Graças a esse fato histórico, projetou-se para o centro

do cenário político mundial e viveu empiricamente uma experiência socialista, solitariamente

no século XX.

O país caribenho é dotado de particularidades históricas: 1) em primeiro lugar, foi onde os

espanhóis se estabeleceram na América Latina; 2) foi o local onde aconteceu o primeiro

genocídio das populações indígenas na América; 3) foi onde se iniciou o tráfico de escravos

para o continente; 4) foi o primeiro país a ter suas riquezas exploradas por colonizadores; 5)

em território cubano foram construídas a primeira catedral e a primeira universidade da

América; 6) foi a primeira e a ultima colônia espanhola (SADER, 1992). Essa independência

tardia fez do país um solo fértil para a proliferação de pensamentos progressistas:

Ao empreender uma guerra de independência muito mais tarde que os outros países, essa guerrapôde vincular-se com lutas sociais produzidas pelo desenvolvimento do capitalismo. Já havia umacerta burguesia comercial e até mesmo setores da classe operária. Isso permitiu que a conquista daindependência estivesse revestida de uma forte reivindicação nacional, além das de caráter social.(SADER, 1992, p.7)

Esses fatores fizeram com que Cuba saltasse da dependência espanhola para a dependência

norte-americana sem influência da dominação inglesa (SADER, 1992). Os Estados Unidos

ocuparam Cuba de diferentes formas: por meio da embaixada dos EUA em Havana, fazendo o

comércio de açúcar voltado apenas para o mercado americano, o domínio de “90% das minas,

50% das terras, 67% das exportações e 75% das importações” (SADER,1993, p.8), além do

domínio de empresas como Coca-Cola e Pan American (primeira empresa aérea a fazer o

trecho Miami-Havana).

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Não cabe aqui recontar a história da Revolução Cubana de 1959 que desembocou na

implementação do socialismo1. Deve-se lembrar, no entanto que:

[...] a luta dos revolucionários cubanos teve, inicialmente, o caráter de uma luta democrática etambém popular. Mas logo que ela começou a colocar em prática suas reformas, a revoluçãocubana ganhou também uma característica nacional, porque ela passou a se chocar frontalmentecom os interesses dos Estados Unidos, a principal potência internacional ligada ao antigo regime eàs elites dominantes do país. (SADER, 1992, p.15)

Usinas de açúcar, grandes proprietários rurais, empresas e o governo norte-americano

começaram a se posicionar contra o governo cubano, iniciando a sequência de boicotes

econômicos, políticos e militares dos EUA. Sader (1992) aponta que a resposta foi aintensificação das relações entre URSS e Cuba:

Primeiro vendendo para aquele país o substancial de sua safra de açúcar, que os EUA se negavama seguir comprando. Depois, recebendo da URSS o petróleo que o vizinho norte-americanodeixava de fornecer e, posteriormente, se abastecendo dos produtos que a interrupção brusca deseu intercâmbio com os EUA requeria. (SADER, 1992, p.18)

Nesse contexto, fica claro o cenário que iria perdurar por anos: a polarização do mundo entre

socialistas e capitalistas, sendo que os últimos mantinham o mesmo posicionamento norte-

americano de boicote a Cuba. Por outro lado, a aliança socialista garantia a sobrevivência da

ideologia. Sader (1992) considera três fatores que mudaram profundamente a economia

interna cubana: 1) recuperação dos bens malversados e a lei da reforma agrária; 2)

nacionalização do capital estrangeiro; 3) nacionalização geral das indústrias. Sobre a questão

social, merece destaque a campanha de alfabetização em tempo recorde. Outra estratégia dos

EUA e dos oposicionistas cubanos contra o regime socialista foi o reforço da religião

aproveitando-se da igreja cubana conservadora e tradicional. Tal estratégia não surtiu efeitos

consideráveis.

Contudo, só após enfrentamentos violentos, atentados e perdas materiais, Cuba assumiu

oposição aos Estados Unidos. Paulatinamente o governo norte-americano resolveu contra-

atacar “nos mesmos moldes que estava acostumado a organizar regimes que entravam em

1 Para detalhes sobre a Revolução Cubana, consulte: SADER, Emir. Cuba, Chile, Nicarágua:  socialismo naAmérica Latina. 8. ed. São Paulo: Atual, 1992.

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contradição com sua diretrizes” (SADER, 1992, p.19). O ápice da tensão foi o bloqueio

militar dos Estados Unidos quando Cuba havia instalado foguetes soviéticos em seu território.

A situação ficou conhecida como crise dos mísseis.

A polarização mundial entre capitalistas e socialistas e as mudanças políticas, ideológicas e

sociais na sociedade cubana consolidaram um novo momento para o país fortificado pela

figura de Fidel Castro (SADER, 1992). Contudo, o bloqueio à ilha se intensificou:

[...] o governo norte-americano decreta um bloqueio continental à ilha. Sob a alegação de que oregime cubano interferia nos assuntos internos de outros países, “exportando a revolução”,Washington consegue que a Organização dos Estados Americanos (OEA) decida pela ruptura derelações por parte de todos os governos do continente com Cuba, com as respectivasconseqüências no plano econômico (SADER, 1992, p.23)

Cuba, portanto, dependia de países distantes e a monocultura de açúcar na ilha sofreu um

impacto ainda maior fazendo com que, segundo Sader (1992), o governo tomasse uma série

de medidas econômicas, entre as quais: 1) a industrialização acelerada do país; 2)

diversificação da agricultura; 3) preferência aos produtos nacionais em detrimento dos

importados. Contudo, existiam entraves como a falta de qualificação de pessoal e recursos

financeiros limitados. Como a única base econômica do país era a agricultura, em 1970 foi

feita uma campanha para a obtenção de 10 milhões de toneladas na safra de açúcar, contudo, a

meta não foi cumprida, tanto pela falta de mão de obra quanto pela falta de mecanização do

campo. Tal fato coincidiu com o declínio de movimentos revolucionários [muitas vezes

financiados por Cuba] na América Latina e com a morte de Che Guevara.

Sader (1992) considera que, em geral, houve nos países socialistas uma espécie de distorção

das idéias marxistas, lembrando que Marx defendia que o socialismo deveria ser construído a

partir de um capitalismo avançado, o que não aconteceu. Mas, por outro lado, manteve-se

neles a idéia de sociedade baseada em altos índices de desenvolvimento econômico, social e

cultural. Cuba “apoiou-se na acumulação econômica existente nos países socialistas  –  

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especialmente na URSS  – para poder afirmar-se na construção da nova sociedade num país

exportador primário da periferia capitalista” (SADER, 1992, p.27).

Sader (1992) evidencia que nos anos de 1970 o país alcançou altos índices de

desenvolvimento com distribuição de renda igualitária, serviços de saúde e educação gratuitos

e queda na taxa de mortalidade. Paralelamente, acontecia a institucionalização do poder com a

aprovação por plebiscito da primeira constituição socialista. No tocante às relações

internacionais, nessa altura as relações com países da América Latina se normalizavam. O

primeiro a romper com o bloqueio da OEA foi general Velasco Alvarado (Peru), seguido por

Salvador Allende (Chile, 1970) e Hector Cámpora (Argentina, 1973) (SADER, 1992, p.29).

Sader (1992) aponta a existência de picos de relaxamento do bloqueio dos EUA contra Cuba

durante o governo Gerald Ford (1974 a 1977) e James Carter (1977 – 1980) e períodos tensos,

como nos governos Regan (1981  –  1988) e Bush (1989  –  1992). Esses últimos buscavam

sufocar qualquer movimento socialista existente na América Latina. “A militarização dos

conflitos internacionais patrocinada pelo governo dos EUA levou Cuba a dedicar maisrecursos e energias à sua defesa, especialmente depois da invasão de Granada e da

intensificação das ações terroristas contra o governo sandinista na Nicarágua” (SADER, 1992,

p.30). Além dos recursos repassados para a defesa, Cuba também foi afetada pela crise da

dívida que assolou a América Latina, caracterizada pelo aumento das dívidas externas dos

países. Contudo, a intenção era a continuidade dos investimentos internos:

[...] Para não sacrificar suas políticas internas de investimento e suas prioridades sociais, o governocubano, ante a falta de novos créditos, decretou uma moratória de sua dívida, em 1986. A partirdali, Cuba não teve outra saída a não ser a intensificação do seu comércio com a comunidadeeconômica socialista, que passou de 70% para 83% de seu intercambio externo. (SADER, 1992,p.30)

Entre 1970 e 1986, Cuba reorganizou sua economia baseada nos esquemas de planificação

centralizada copiada da URSS. Mas esse modelo tornava o desenvolvimento social, político e

cultural dependente da expansão econômica (SADER, 1992). A situação foi agravada poroutros motivos como a dificuldade de controle dos mercados paralelos, altas salariais em

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descompasso com a produtividade etc. A situação fez com que o governo cubano iniciasse a

campanha de retificações explicada por Sader como forma de corrigir os problemas

instalados, diminuindo desproporções salariais e proibindo o mercado livre, por exemplo.

Mas paralelamente a esse momento em que Cuba “aumentava seus intercâmbios com a

comunidade socialista, pelo fechamento do mercado capitalista” (SADER, 1992, p.31), a

comunidade socialista entrou em crise brusca e se desfez rapidamente.

Essa desintegração foi marcada pela queda do Muro de Berlim em 1989 que dividia a

Alemanha e o mundo entre duas lógicas socioeconômicas, o capitalismo e o socialismo, e fez

com que o bloco socialista sucumbir-se. Como parte desse episódio, a ilha caribenha viveu dadualidade entre os benefícios de ser socialista e as dificuldades da não inserção na lógica

capitalista:

[...] uma revolução socialista pôde se afirmar por mais de três décadas, demonstrando como a justiça social pode ser obtida mesmo num país atrasado, se seu sistema social rompe com a lógicaegoísta do capital. Mas esse mesmo país  – Cuba  – se desenvolveu em parte pela integração comuma comunidade que já não existe e terá agora que redefinir sua inserção internacional, nummundo que caminha em direção oposta aos seus critérios sociais. Nessa medida se futuro dependede reorientações internas, para possibilitar uma convivência com esse mundo. (SADER, 1992, p.79)

Conforme anteriormente mencionado, o socialismo na América Latina não foi pautado apenas

pelo anticapitalismo, mas sim, pela falência do capitalismo para resolver os problemas básicos

da população latina (SADER, 1992). No tocante ao colapso socialista, Sader (1992) acredita

que o fracasso do socialismo na América Latina, no Leste Europeu e na URSS representou

um golpe nas esperanças. Contudo, o autor observa que:

O socialismo nasceu [...] no marco de um tipo de sociedade libertário, de auto-emancipação doshomens, de eliminação de todos os tipos de exploração, opressão e discriminação. Tendo surgidoinicialmente em países da periferia capitalista, onde a exploração e a opressão eram maiores, e nãose estendendo para outras regiões, o socialismo viu-se prisioneiro do atraso e exposto a soluçõesautoritárias, como o stalinismo, que lhe bloqueou todo o potencial libertador e democrático.(SADER, 1992, p. 82)

De forma concreta a queda da ex-União Soviética representou um grande impacto em Cuba,

que vive com controle político firme e uma necessidade de maior flexibilização econômica.

Isso porque os subsídios soviéticos que variavam de US$ 4 bilhões a US$ 6 bilhões

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anualmente, cessaram nos anos 90 e o país ainda vive sob o impacto do embargo dos Estados

Unidos, em vigor desde 1961.

O embargo norte-americano se reflete diretamente nas condições socioeconômicas da ilha e

nas relações diplomáticas entre os dois países, sobretudo em assuntos ligados à imigração

ilegal. Dados do CIA Factbook2, mostraram que a guarda costeira americana interceptou em

2007 2656 cubanos que tentaram atravessar o estreito da Flórida por meio de jangadas

artesanais, pequenos aviões e facilitadores (pessoas com experiência em travessia ilegal de

fronteiras). Porém, paulatinamente as relações entre os dois países têm se tornado menos

tensas. O atual presidente americano, Barack Obama, em setembro de 2009, suspendeu asrestrições de viagens à ilha e autorizou transferências de dinheiro de cidadãos de origem

cubana que vivem nos Estados Unidos para os residentes em Cuba. Em âmbito interno a

mudança mais significativa aconteceu em fevereiro de 2008, quando Fidel Castro deixou o

cargo de governante do país, passando-o para o irmão Raul Castro.

Apesar dessa crise do pós Guerra Fria, Mesa-Lago (2003) aponta que a ilha, na década de 90,apresentava um processo longo e lento de recuperação. Mas em 2001, novos acontecimentos

em âmbito mundial romperam esse crescimento. Pode-se destacar como fatores relevantes: 1)

o reflexo no turismo causado pelos ataques de 11 de setembro e pela guerra no Afeganistão;

2) a recessão iniciada em março de 2001 e agravada em setembro, que também representou

queda de viagens internacionais e das remessas de dólares dos cubanos para o exterior; 3)

queda de 40% dos preços mundiais do níquel devido à recessão, bem como do açúcar e do

charutos cubanos; 4) os danos estimados em 1866 milhões de pesos causados pelo furacãoMichelle que atingiu a ilha; 5) o fim do pagamento feito pela Rússia de uma taxa anual de 200

milhões de dólares, com o fechamento da base de vigilância em Lourdes; 6) o recuo dos

investimentos estrangeiros diretos em 91%, impulsionados pela deterioração da economia

cubana; a falta de pagamento de credores e empréstimos em moeda forte mais apertados e

caros;7) a suspensão do fornecimento de petróleo causada pelas tensões políticas da

Venezuela em 2002 (MESA-LAGO, 2003).

2 https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/ 

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Por outro lado, Cuba consolidou acordos bilaterais com alguns países como, por exemplo, a

Venezuela que, segundo Mesa-Lago (2003), tornou-se seu principal parceiro comercial.

Segundo o CIA Factbook, desde 2000, a Venezuela oferece a Cuba cerca de 100.000 barris de

petróleo por dia. Em troca, a ilha caribenha oferece parte do pagamento em serviços,

incluindo 30.000 médicos profissionais.

A principal tendência para a recuperação de Cuba está na abertura econômica e na

movimentação de pequenos setores da economia baseados na autonomia e na geração de

empregos independente do setor estatal, ou seja, um conjunto de ações mais liberais quesocialistas:

Para promover um crescimento econômico mais forte é essencial que se façam as seguintesmudanças: abrir mais a economia; facilitar a expansão do setor privado; transformar as UBPC[Unidade Básica de Produção Cooperativa] em verdadeiras cooperativas autônomas, e com maisincentivos para aumentar a produção e a lucratividade; permitir que os formados pelasuniversidades pratiquem suas profissões por conta própria e autorizar os cidadãos cubanos egrupos de trabalhadores a administrar negócios pequenos e médios, criando assim empregossuficientes no setor não-estatal a fim de permitir a demissão de trabalhadores desnecessários do

setor estatal; completar a reforma bancária e implementar uma reforma de preços abrangente; criarum mercado de capitais interno; permitir que empresas estrangeiras e joint-ventures contratem,promovam e paguem seus empregados diretamente; estabelecer um peso realmente conversível;introduzir um imposto de renda progressivo e contribuições dos trabalhadores à previdência sociale reformar o sistema de pensões; e criar uma rede de segurança social para proteger os gruposmais vulneráveis da população. (MESA-LAGO, 2003, p. 217-218)

Segundo Sader (2009) na década de 1990, apenas Cuba se opôs à leva neoliberal que tomou

conta do continente. Mas na década de 2000, um novo impulso ao antiliberalismo foi dado

graças a uma nova personalidade, o atual presidente venezuelano Hugo Chávez. O primeiroindício dessa nova tendência ocorreu na reunião da Cúpula das Américas em 2000, quando os

Estados Unidos apresentaram a proposta da Alca:

Depois de muitos discursos, o presidente norte-americano submeteu a proposta à votação, pedindo,para facilitar, que quem fosse contra levantasse o braço. Hugo Chávez ergueu o braço, sozinho,olhou a seu redor e viu todos os outros – entre eles, Fernando Henrique Cardoso, Alberto Fujimori,Carlos Menem e Carlos Andrés Perez. Depois, em sua primeira Cúpula Ibero-Americana, Chávezrecebeu um bilhetinho de Fidel, em que este lhe dizia: “Finalmente já não sou o único diabo aqui”.

(SADER, 2009, p.33)

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A oposição de Chávez na ocasião, além de demonstrar um alinhamento com a política cubana,

representou o início de uma nova tendência de esquerda dos governantes latinos americanos

contemporâneos (SADER, 2009).

2.2 O governo Chávez e o socialismo no século XXI

Sader (2009) intitula o recente triunfo da esquerda na América Latina como a nova toupeira,

um fenômeno que foi criado a partir do extremismo do neoliberalismo na região:

O continente americano é o de maior grau de desigualdade no mundo  – e, portanto, de injustiça – ,situação que só se acentuou com a década neoliberal, mas os duros golpes sofridos pelo campopopular, tanto com as ditaduras quanto com as políticas neoliberais, não faziam pressagiar umamudança tão rápida e profunda. (SADER, 2009, p.33)

A ascensão de Chávez em 1998, foi seguida pela de Lula, em 2003, a de Néstor Kirchner na

Argentina, em 2003, a posse de Tabaré Vázquez no Uruguai, em 2004, Evo Morales na

Bolívia em 2006, em 2007, Rafael Correa no Equador e Daniel Ortega na Nicarágua, efinalmente, Fernando Lugo no Paraguai, em 2008 (SADER, 2009). Diante disso, compreender

a história da Venezuela é fundamental para a compreensão dos fatores que fomentaram o

estouro da nova toupeira naquele país.

Entre os anos de 1958 e 1989, a Venezuela viveu um momento de estabilidade democrática

baseada em um pacto de conciliação partidário intitulado Pacto de Punto Fijo. Romero3

 apud  Villa (2005) explica que o acordo “reconheceu que a existência de diversos partidos e as

naturais divergências entre estes podiam ser canalizadas no marco das pautas de convivência e

[no reconhecimento] de que existiam interesses comuns  na sobrevivência do sistema”

(VILLA, 2005, p.153).

3

ROMERO, Aníbal. Situación y perspectivas del sistema político venezolano. In: Manuel Vicente Magallanes(org.). Sistema político venezolano, clubes franceses y tendencias electorales. Caracas: Consejo SupremoElectoral, 1989.

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O governo mantinha uma política institucionalizada, pela qual as intervenções políticas dos

grupos considerados desestabilizadores do sistema eram sufocadas; mantendo uma diplomacia

defensiva, não reconhecia nenhum governo que tivesse origem em golpe de estado no

continente. A base material do pacto pela distribuição da renda petrolífera – principal produto

de exportação do país –  para todos os setores sociais, gerou uma espécie de clientelismo. Tal

ação “inibiu qualquer possibilidade de crítica sobre as conseqüências futuras do modelo

clientelista de conciliação adotado” (VILLA, 2005, p.154). 

O acordo e os benefícios petrolíferos aliado ao sistema institucional duraram cerca de trintaanos com base nas seguintes características: 1) sistema bipartidário dividido entre o partido

  Acción Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente 

(Copei), que sufocavam a voz das minorias; 2) a estabilidade gerada pelo alto índice de

institucionalização que evitava disputas polarizadas, conflitos diretos e possibilidade de

golpes de Estado; 3) o fato de que os partidos venezuelanos tinham raízes em todas as classes

sociais; 4) de que os partidos tinham estrutura interna rígida e não permitiam dissidência; 5)

de que o sistema era atrativo para os sócios de coalizão, os partidos pequenos tinham algumarepresentação e ganhavam cargos administrativos (VILLA, 2005).

A partir de 1989, a instabilidade começa a rondar a política venezuelana. Nessa época, é eleito

pela segunda vez, Carlos Andrés Pérez, social-democrata do partido  Acción Democrática. A

crise também era econômica: a partir de 1984, os preços internacionais do petróleo caíram

aumentando a dívida externa da Venezuela, contribuindo para ineficácia do Pacto de PuntoFijo.

Villa (2005) esclarece que diante da crise, Carlos Andrés Pérez adotou um pacote de medidas

neoliberais como ajuste fiscal, privatização de empresas – exceto petrolífera – e enxugamento

da máquina administrativa. As medidas contrariaram os setores populares do país e

motivaram o Caracaço, de 27 de fevereiro de 1989. O Caracaço “se constituiu de uma reação

militar repressiva dirigida ao protesto de setores mais pobres da população [...] contra as

medidas neoliberais de Pérez” (VILLA, 2005, p.156). A crise política se aprofundou em 1992

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e um grupo de oficiais, sob a liderança do então tenente-coronel Hugo Chávez Frias, tentou

um golpe de Estado, que fracassou.

No final de 1993, com um discurso populista e voltado para os setores populares e de classe

média, Rafael Caldeira – ex-partidario do Copei  –  tornou-se presidente, porém, aprofundou

as medidas neoliberais com a chamada Agenda Venezuela .

Por outro lado, no mesmo ano, a insatisfação dos setores populares fez com que as idéias de

Chávez ganhassem força e aceitação entre os venezuelanos. Segundo Marquez4  apud  Villa(2005) depois de 1993:

[...] Hugo Chávez reviu sua posição e, dada a grande aceitação popular em torno de sua figura,  propôs modificar as instituições de “dentro para fora”, por meio de uma Assembléia NacionalConstituinte. Com isso, tornou-se quase que vital a modificação de sua estratégia de ação políticasustentada ate então. Fazia-se necessária a defesa da participação nos próximos pleitos. Surge,assim, a maquinaria partidária chavista, então denominada de Movimento Quinta Republica(MVR) (VILLA, 2005, p.159).

O discurso chavista representava o desejo de transformação da população. Em dezembro de

1998, Chávez venceu as eleições presidenciais com 56,2% dos votos válidos. Villa (2005)

destaca que, além do triunfo nas eleições, a proposta de governo de Chávez foi movida por

uma forte tendência à administração de mudanças por meios democráticos.

Na América Latina o presidente venezuelano foi um fenômeno eleitoral e de popularidade .

“Chávez participa, em dezembro de 1998, ganha a presidência com 56,2% dos votos; no

chamado processo de relegitimação de julho de 2000 obtém 59,7% dos votos; e, no referendo

revogatório de agosto de 2004, obtém 59,1%” (VILLA, 2005, p.162). 

Entre as medidas de Chávez no primeiro ano de governo estão: 1) a realização de assembléia

nacional constituinte para produção da nova constituição – mais centralizadora; 2) criação do

4 MARQUEZ, Patricia. ¿Por que la gente voto por Hugo Chavez? In: Ellner, Steve e Hellinger, Daniel (eds.). La politica Venezolana en la epoca de Chavez: clases, polarizacion y conflicto . Caracas: Nueva Sociales, 2003.

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poder cidadão e eleitoral, além dos três poderes, por meio da nova constituição no final de

1999; 3) alteração do nome de Venezuela para República Bolivariana de Venezuela; 4)

concessão do direito de voto aos militares; 5) transformação do poder legislativo de bicameral

para unicameral (VILLA, 2005). A nova constituição tendia à concentração de poder nas

mãos de Chávez.

Além disso, o presidente venezuelano fez uso estratégico da figura nacionalista de Simon

Bolívar nos discursos, associando sua ideologia aos ideais libertários e igualitários

bolivarianos. No final do primeiro mandato, o governante tinha 70% de aprovação popular,

apesar dos índices de pobreza. Por outro lado, Chávez não foi capaz de institucionalizar a basepolítica e consolidar novos partidos. Mesmo o Movimento Quinta República, que poderia ser

considerado um partido, era apenas um movimento uniforme de forças sociais e políticas fiéis

a Chávez e não às instituições, como no Pacto Punto Fijo.

No final de 2000, duas leis aprovadas pela Assembléia Constituinte geraram polêmicas. A

primeira, a Lei dos Hidrocarbonetos, determinava que em parceria com petroleirasestrangeiras atuantes no país, o governo venezuelano tivesse maior número de ações. A

segunda, Lei das Terras, determinava que o latifúndio era contrário ao interesse social. Para

Villa (2005) a intensa discussão dessas leis, acrescida da radicalização do discurso chavista

geraram polarização de campos políticos:

O resultado foi que a classe média, além de sentir poucos sinais positivos de recuperação de seu

status e alto padrão de vida socioeconômico dos anos 1970 e início de 1980, começou a questionara eficácia da retórica presidencial para combater o desemprego (em torno de 18% em finais de2002), a desigualdade social e a violência urbana, alem de se sentir desconfortável em relação alinguagem radicalizada de Chávez (VILLA, 2005, p.163).

Essa polarização social pode ser observada em três momentos importantes. Primeiramente,

entre o final de 2002 e início de 2003, quando o setor petrolífero entrou em greve. Segundo,

com a tentativa de golpe de Estado em 2002 impulsionada por membros da classe média. E

finalmente, no referendo de 2004, quando Chávez recebeu votação significativa do setor

popular (VILLA, 2005).

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Após o golpe era essencial reaver o apoio da classe média. Contudo a polarização manteve-se

até o referendo revogatório presidencial em 2004. O referendo indicou a continuidade de

Chávez no poder  – com maioria dos votos populares  – refletindo as medidas sociais a favor

dos setores marginalizados da população e pelo menos um terço da classe média. Para Villa

(2005), de qualquer forma, a oposição conseguiu 40% dos votos, que poderiam fomentar

conflitos e desestabilizar a gestão de Chávez futuramente.

Para Villa (2005) entre os programas de pequeno e médio prazo que tiveram impacto positivo

estão: o Saúde Bairro Adentro, com médicos, em sua maioria cubanos, para a realização deconsultas 24 horas em regiões pobres da Venezuela; o programa  Mercal, que são feiras

populares que oferecem produtos da cesta básica com preços subsidiados pelo governo; e o

programa de alimentação gratuita para populares quase indigentes. A longo prazo eram: a

  Missão Robinson, que pretende alfabetizar 1,5 milhões de pessoas; a   Missão Ribas, para

inserir pessoas que não terminaram os estudos em escolas de Segundo Grau; e Missão Sucre 

que pretende incorporar estudantes no ensino superior publico e privado.

A aprovação no referendo também está associada aos indicadores macroeconômicos a partir

de 2004. De acordo com o Banco Central da Venezuela (BCV) depois da greve de finais de

2002 e início de 2003, deu-se uma recuperação substancial da economia no ano de 2004. No

primeiro semestre desse último ano, o PIB cresceu 23,1% em comparação ao mesmo período

de 2003. Esse comportamento da economia, por sua vez, refletiu-se na queda do desemprego,

que passou de 18% no primeiro semestre de 2003 para 15% no primeiro de 2004 (VILLA,2005, p.166).

Apesar da reeleição de Hugo Chávez em 2006 com 62,9% dos votos, a proposta da Reforma

Constitucional de 2007 foi rejeitada. O plebiscito realizado nesse ano propunha revisões em

artigos da constituição de 1999. Segundo dados do Conselho Nacional Eleitoral 5, o pacote

5  www.cne.gov.ve. Acesso em: 20 fev 2010.

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“A” –  proposta de alteração de 46 artigos – foi rejeitado por 50,7 % da população enquanto o

  pacote “B” – composto de 23 artigos – foi rejeitado por 51,5 %.

Para Carmona (2008) , os pacotes previam ações como eleições ilimitadas, alteração do nome

das Forças Armadas para Forças Armadas Bolivarianas, alteração da idade mínima para voto

e restrições à imprensa. Por outro lado, propunha-se um pacote de ações que aumentava a

participação popular como o artigo 70 que “estabelece os meios de participação e liderança do

povo no exercício direto de sua soberania e para a construção do socialismo. Entre tais meios

de participação e liderança da Assembléia estão incluídos os cidadãos e uma extensa gama de

Conselhos do Poder Popular” (CARMONA, 2008, p.64, tradução nossa). A emendaconstitucional que previa a reeleição presidencial infinita, foi colocada em pauta novamente

em 2008 e aprovada em um referendo em 2009.

Essa situação interna do país, de crescente polarização e radicalização, reflete-se diretamente

nas ações diplomáticas do governo Chávez em âmbito internacional. “Esse quadro interno que

terá repercussões nas motivações e na conduta diplomática da Venezuela e dos EstadosUnidos, em suas relações bilaterais e em fóruns de organizações internacionais (VILLA,

2004, p.6, tradução nossa)”. 

Villa (2004) salienta que a figura do presidente também refletiu-se consideravelmente nas

características a na agenda que orienta ações externas diplomaticamente. Somente em 1999, o

líder venezuelano visitou mais de 20 países e cerca de 40 em 2001, visitas que nãorepresentaram acordos efetivos em área de cooperação comercial, tecnologia e empréstimos.

Essa agenda internacional funcionou como instrumento para o cumprimento de três objetivos

nacionais: 1) criar ferramenta de marketing internacional para consolidação de uma imagem

positiva de estabilidade democrática no país; 2) defender o preço do petróleo, principal

produto na economia venezuelana; 3) evidenciar como ações diplomáticas de sua gestão

pretendem consolidá-lo como um ator internacional pequeno poderia manter uma política

externa mais autônoma (VILLA, 2004).

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No princípio, a política chavista na área internacional, sobretudo com os EUA, foi dotada de

certa cordialidade e pragmatismo. Contudo, Washington já temia rupturas institucionais e uma

radicalização autoritária. Os primeiros embates surgiram quando em 1999, o governo Chávez

se mostrou contrário ao uso do espaço aéreo venezuelano o para combate ao tráfico de drogas

por parte dos Estados Unidos. Para Villa (2004) a negativa venezuelana tem como principais

causas o temor pela militarização da região e ainda o temor das Forças Armadas

Venezuelanas de ter que apoiar os EUA na luta contra o narcotráfico.

Em 2000, o governo venezuelano propôs a criação de um exército latino-americano para

substituir o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca. A proposta era contrária à idéiaamericana de segurança no continente. “Além disso, funcionários americanos suspeitavam

que a administração chavista, além de sua proximidade com Cuba, tinha vínculos ideológicos

e logísticos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)” (VILLA, 2004,

p. 7, tradução nossa).

Passadas as discussões iniciais da gestão Chávez, Villa (2004) aponta a estréia de uma novafase nas relações entre Estados Unidos e Venezuela, com tensões muitos mais graves como a

questão da chamada Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos. O

mecanismo, aprovado em 2001, condena a ruptura democrática nos países do continente,

definindo a democracia representativa como a forma de governo vigente no local. No entanto,

a Venezuela adotava o conceito de democracia participativa e “o objetivo da diplomacia

venezuelana era dar suporte e cobrir de legitimidade seu processo político interno que vinha

se desenvolvendo desde 1999” (VILLA, 2004, p.10, tradução nossa). A democraciaparticipativa venezuelana foi rejeitada em 2001 na assembléia extraordinária da OEA em

Lima, traduzindo-se em uma derrota diplomática para Chávez.

A defesa de democracia participativa em detrimento da democracia representativa foi um dos

primeiros atos contrários ao governo americano. Podem-se destacar mais dois episódios.

Primeiro, a Venezuela defendeu como prioritária a ação da Organizações das Nações Unidas

para alcançar uma solução por meio de negociação em Kosovo (1999) e posicionou-se contra

o relatório da Comissão de Direitos Humanos que condenava a situação dos Direitos

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Humanos em Cuba, Iraque e China. “O voto contrário da Venezuela representava a

diplomacia venezuelana, que rompia com a posição abstencionista mantida durante as

administrações anteriores até Caldeira. Evidentemente, o relatório refletia a posição dos

Estados Unidos sobre os direitos humanos naqueles países” (VILLA, 2004, p.11, tradução

nossa).

Em 2000, Chávez fez uma visita a Saddam Hussein e a Muamar Kadafi , fato que, segundo

Villa (2004), foi entendido pelo governo americano como uma reunião de governantes de

Estados delinqüentes. Tratava-se mais de um encontro para discutir sobre o petróleo  –  

principal produto de exportação do país –  que afinidades políticas e ideológicas. Graças aoempenho diplomático de Chávez para o estabelecimento de cotas de produção e preços

internacionais, a Venezuela foi eleita presidente da Organização dos Países Produtores de

Petróleo, a OPEP.

O governo Bush acirrou as tensões consideravelmente após os atentados de 11 de setembro e

a Guerra do Afeganistão. O líder venezuelano era claramente contrário à guerra, chegando adeclarar que “não se pode combater o terror com mais terror”6. Tal declaração fez com que a

ala republicana do congresso americano exigisse a revisão das relações entre os dois países

(VILLA, 2004).

O ano de 2003 e o começo de 2004 foram marcados pelo início do confronto direto entre o

governo Chávez e o governo Bush. Depois do golpe de Estado contra Chávez, o Conselho

Nacional de Segurança da Venezuela investigou a intentona e identificou a participação dosEstados Unidos no golpe. Villa (2004) salienta que o resultado da investigação veio a público

no aniversário de um ano do golpe por meio do próprio coordenador do Conselho, evitando

assim que qualquer membro do executivo da Venezuela encaminhasse a denúncia. O ápice

acontece em 2004, quando o próprio Chávez se encarrega de fazer a acusação:

[...] o próprio presidente Chávez, deixando de lado a mediação dos meios de comunicação oficiaisgovernamentais, acusa os Estados Unidos de ter participado diretamente do golpe de 11 de abril

6 El nacional, Caracas, 30 de janeiro 2001.

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de 2002 e de intervenção nos assuntos internos da Venezuela por meio de financiamento de grupos políticos e ONG’s contrárias ao seu governo (VILLA, 2004, p.15, tradução nossa).  

Nesse período as manifestações oficiais chavistas estavam pautadas pela idéia de contra elimperialismo yanqui traduzindo-se em um discurso claramente anti-americano. A

radicalização do discurso do presidente venezuelano Hugo Chávez pode ter três explicações:

1) mudar o foco do referendo de 2004 para um assunto externo; 2) a elite venezuelana na

época não conseguiu reconhecer que as divergências nas áreas regionais e multilaterais são

inconciliáveis diplomaticamente, e isso fazia com que o governo venezuelano enfatizasse a

participação dos EUA no golpe como fator para influenciar a opinião pública; 3) a

administração naquele contexto era orientada por uma política ideológica, refletindo-senaturalmente em uma situação de conflito com os Estados Unidos.

Outros fatores internos influenciaram a política externa venezuelana. Em 2007, Chávez

intensificou o processo de nacionalização das empresas de petróleo, comunicação e energia

elétrica e em 2008 e 2009, as empresas de cimento e aço. Medidas essas tomadas no período

de início da radicalização da gestão e no calor das discussões da Constituinte de 2007. Essas

mudanças na Venezuela durante a gestão Chávez fazem parte de um projeto intitulado pelo

próprio presidente como socialismo do século XXI . Barreto (2007) acredita que o projeto

baseado em um combate ao neoliberalismo, é falho e utópico, porque pode gerar o

agravamento de questões que ele procura combater como injustiça, desigualdade social e

totalitarismo político:

[...] Esta política discriminatória teve como marco a demissão em massa de todos os trabalhadores

de oposição da empresa estatal de petróleo do país, PDVSA  –  caracterizada por fornecer bonssalários, estabilidade e benefícios importantes para os trabalhadores  –  para a contratação depessoas leais ao governo, independente de suas qualificações acadêmicas ou experiência naindústria. Exemplos como esse mostram que o abandono das instituições morais de modeloneoliberal tem um preço, no caso, o preço de violar os princípios elementares de justiça, enquantoaspirava o contrário, corrigir a desigualdade (BARRETO, 2007, p.54).

A Revolução Bolivariana Chavista não é apenas política, mas social. Por um lado, a

população venezuelana marginalizada ganha com investimentos em educação e saúde, há

incentivos para pequenas e médias empresas acompanhado de um crescimento em

produtividade, mas por outro há um enorme gasto público sobretudo em propaganda e uma

política de exclusão de opositores (BARRETO, 2007). 

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3 JORNALISMO INTERNACIONAL NA AMÉRICA LATINA

3.1 Jornalismo Internacional: características e desafios

Sem dúvidas, as mudanças ideológicas em nações como Cuba, Venezuela e em toda América

Latina, refletem um fenômeno intitulado globalização que, segundo Hall (2001), é

intrinsecamente ligado ao conceito de identidade nacional, aqueles conjunto de idéias que

formam no indivíduo a consciência de nação, do Estado.

Hall (2001) acredita que a identidade nacional constitui uma das mais importantes e mais

fortes identidades culturais. Por mais que ela não esteja nos genes e seja dotada de caráter

metafórico, formada no interior da representação. “Segue-se que a nação não é apenas uma

entidade política mas algo que produz sentidos  –  um sistema de representação cultural. As

pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da idéia da nação tal

como representada em sua cultura nacional” (HALL, 2001, p.49). 

A cultura nacional, como um conjunto de símbolos, representações e instituições culturais, é

um discurso (HALL, 2001). Anderson7 apud Hall (2001) destaca que a nação é uma

narrativa imaginada:

As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nosidentificar , constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias ( sic) que sãocontadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que delasão construídas. (HALL, 2001, p.51)

Para Hall (2001), o discurso nacional é dotado de cinco elementos principais: 1) narrativa da

nação  – experiências relatadas na cultura popular, mídia, literatura e histórias nacionais; 2)

ênfase nas origens, continuidade, tradição e intemporalidade  – a sensação de algo imutável

mesmo dentro de tantas mudanças; 3) tradição inventada  –  conjunto de práticas que são

7 ANDERSON, B. Imagined Communites. Londres: Verso, 1983.

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pautadas por valores e normas; 4) mito fundacional – história da origem da nação; 5) povo ou

 folk puro – idéia de povo original.

A identidade nacional é vista como unificada, pretende unir todos os indivíduos em torno de

uma só idéia, mas dentro de uma nação existem diferentes classes, gêneros, raças e além disso

as nações modernas são todas híbridas culturais (HALL, 2001). Nesse sentido, Hall (2001)

propõe que as nações devem ser pensadas como um dispositivo discursivo que transforma as

diferenças em identidade “que são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas,

sendo “unificadas” apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural”

(HALL, 2001, p.61).

Apesar da predominância e força das identidades nacionais, elas estão sendo deslocadas pela

globalização. Para Anthony McGrew8 apud  Hall (2001) são “processos, atuantes numa escala

global, que atravessam fronteiras nacionais integrando e conectando comunidades e

organizações em novas combinações de espaço temporais [...] tornando o mundo

interconectado” (HALL, 2001, p.67). É, pois, um fenômeno inerente à modernidade, cujoritmo aumenta a cada momento.

Hall (2001) destaca a importância da compreensão tempo-espaço em um mundo que se torna

menor e com distâncias mais curtas. Essa característica possibilita que um acontecimento em

determinado local altere diretamente a vida de uma pessoa ou de um lugar distante. As

relações entre tempo e espaço também influem nos sistemas de representação, econseqüentemente nas identidades:

Todo meio de representação – escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ousistemas de telecomunicação  –  deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais.Assim a narrativa traduz os eventos numa sequência temporal “começo -meio-fim”; os sistemasvisuais de representação traduzem objetos tridimensionais em duas dimensões. Diferentes épocasculturais têm diferentes formas de combinar essas coordenadas espaço-tempo. (HALL, 2001, p.70)

8 MCGREW, A. “A global society?”. In: Stuart Hall; David Held e Tony McGrew (orgs.). Modernity and its futures. Cambridge: Polity Press/Open University Press, 1992: 61-116.

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Existem três conseqüências da globalização: 1) as identidades nacionais estão se

desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural “pós-moderno

global; 2) as identidades nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo

reforçadas pela resistência à globalização; 3) as identidades nacionais estão em declínio, mas

novas identidades – hibridas – estão tomando seu lugar.

A comunicação  desempenha um papel importante para a compreensão e organização do

mundo globalizado. No discurso dos meios de comunicação de massa, o discurso midiático

acaba por desempenhar um papel de referencial de mundo e de mediador social. Isso porque,

segundo Rodrigues (2001), traduz discursos de diversos campos sociais especializados,(economia, ciência, internacional, ambiental)  – discurso esotérico  –  para um discurso mais

acessível, tendo, portanto, uma característica exotérica. Dessa forma, o discurso esotérico é

aquele gerado por áreas de conhecimento específicas e instituições, já o exotérico é o discurso

midiático destinado à compreensão do grande público. “Ao contrário da natureza sacralizada

do lugar de fala autorizado das outras instituições, a cena sobre o fundo da qual se recortam os

lugares de fala dos enunciadores autorizados do discurso midiático é um lugar simbólico

dessacralizado” (RODRIGUES, 2001, p. 221). 

Essa função exotérica do discurso midiático se torna referência de mundo, por sua visibilidade

e legitimidade, ao se dar conta de todos os acontecimentos do mundo, transformando-os em

algo facilmente entendido por qualquer espectador. No campo social dos assuntos

internacionais, as mudanças políticas, sociais e culturais de uma determinada nação  –  o

discurso esotérico pode-se tornar exotérico por meio de um jornalismo específico, intitulado jornalismo internacional.

Para Natali (2007) o jornalismo internacional se diferencia de qualquer outra editoria por

tratar de acontecimentos em âmbito internacional no sentido próprio  – por tratar de notícias

vindas de vários países do mundo  – e figurado  – por receber diariamente uma infinidade de

notícias.

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Essa característica faz com que o fazer jornalístico dessa área seja extremamente

especializado, pois: 1) Existem apenas controles internos sobre a qualidade da informação

publicada  – devido à distância geográfica, as fontes envolvidas pouco se importam com as

distorções voluntárias e involuntárias do jornalista; 2) O jornalista não tem acesso direto às

fontes envolvidas no acontecimento - o acesso à informação é feito por intermédio de

agências internacionais e cabe ao jornalista a pesquisa junto aos especialistas em seu próprio

país e na internet; 3) O jornalista da área além de dominar o português, deve ter conhecimento

de outras línguas (NATALI, 2007).

A principal matéria-prima para produção de matérias dessa editoria são os textos provenientesde agências internacionais, que tendem a hierarquizar os acontecimentos, assim como é feito

na redação. Diante disso há uma tendência à homogeneização da informação baseada em

critérios mais ou menos comuns que orientam as agências e os jornais na escolha das

notícias. As temáticas mais freqüentes no noticiário internacional são: 1) guerras  – algumas

com mais visibilidade que outras, como o conflito no Iraque e as guerras civis em alguns

países da África; 2) eleições em países vizinhos e países influentes mundialmente, visto que a

mudança política no cenário internacional pode alterar ou influenciar a política interna; 3)epidemias com suas conseqüências políticas, econômicas e demográficas; 4) a comoção e

imprevisibilidade decorrentes das tragédias. (NATALI, 2007).

Natali (2007) acredita que além da temática, os fatores geográficos e políticos são

determinantes para a acessibilidade ao fato jornalístico. Geograficamente, a distância é um

limitador. O veículo de comunicação não tem condições de enviar correspondentes para certoslocais. Por outro lado, em muitos países não há sucursais das agências internacionais, apenas

correspondentes. Há países cuja política interna impõe restrições à liberdade de imprensa, o

que caracteriza o fator político como limitador.

Essa especialidade jornalística surgiu no início do século XVI. Apesar da bibliografia sobre o

assunto ser limitada, há registros de que o banqueiro alemão   Jacob Függer von der Lilie,

enviava notícias sobre negócios com regularidade para toda Europa, sobretudo, em

Augsburgo na Bélgica, pólo de seus negócios. As notícias englobavam assuntos que

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influenciavam diretamente o comércio como conflitos regionais orientados, muitas vezes, por

questões teológicas, cotação de mercadorias, preços de apólices de seguro, pedágios, taxas,

etc. Não por acaso, Függer é apontado como o criador do newsletter :

[...] Függer e o seu embrião de newsletters impressas permitiu a manutenção de uma rede quefazia as informações circularem por circuitos paralelos aos utilizados por duas redes previamenteexistentes, a rede diplomática, que orientava monarcas, e a rede eclesiástica, que orientavadirigentes da burocracia da Igreja (NATALI, 2007, p.22).

A notícia deixou de circular de forma irregular no século XVIII, quando a atividade dos

correios se tornou industrializada, ancorada na demanda feita por comerciantes e no aumentodo número de cavalos e boas estradas. Portanto, Natali (2007) afirma que o jornalismo já

nasceu internacional, mas como uma necessidade mercantil e favoreceu o surgimento dos

chamados agentes econômicos:

Ocorreu, na época mercantil, o florescimento rápido dessas folhas de notícias impressas que eramvendidas a quem quisesse comprar e não mais circulavam dentro de um mesmo conglomeradocomercial e financeiro, como acontecia com a casa Függer ou outras que eventualmente tinhasseguido seu exemplo. [...] A boa informação impressa passou a ser comprada por um grupoindistinto de pessoas que bem mais tarde seriam chamadas de agentes econômicos (NATALI,2007, p.22).

Devido à localização geográfica, a Holanda e a Bélgica foram essenciais para expansão

capitalista, e consequentemente a expansão das publicações de informações estrangeiras

ligadas à política e economia. O fenômeno foi seguido na Suíça, Áustria, Hungria, Inglaterra e

França. A história acaba por comprovar que: 1) o jornalismo, ao contrário do que se pensa,

não nasceu na cobertura local, e sim, na internacional; 2) o comércio da informação nasceu

para promover eficiência e poder por meio dos negócios; 3) a informação para o cliente ou

leitor está assegurada pela periodicidade regular (NATALI, 2007).

Durante a consolidação do jornalismo internacional também houve situações de censura dos

 jornais. Entre os episódios mais importantes estão a censura sobre a imprensa alemã e inglesa

durante a Guerra dos Trinta Anos entre 1618 e 1648. Diversos países censuravam notícias

sobre a Revolução Francesa temendo que os ideais iluministas fossem absorvidos pelo país.

Natali (2007) salienta que a censura ocorrida durante a solidificação da imprensa é similar à

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acontecimento como países aliados ou inimigos dos EUA e da URSS. Esse fenômeno ocorreu

sobretudo nas guerrilhas latino-americanas. Apesar das mudanças de compreensão do

ambiente internacional, o leitor dessa editoria é altamente especializado e o jornalista deve

tomar cuidado para não ser partidário na cobertura:

Esse leitor tem um grau de exigência para com seu jornal que deve ser respeitado por meio daobediência a certos princípios como o pluralismo de fontes às quais damos a palavra, e oapartidarismo, que consiste sobretudo em não implantarmos um clima de polarização que setornou anacrônico após a Guerra Fria, mas desta vez tomando a única superpotência [EstadosUnidos] como suposta bandida dentro de um mundo habitado por diferentes mocinhos (NATALI,2007, p.55).

Natali (2007) acredita que a demanda por melhor qualificação do profissional cresceu na

mesma medida em que cresceu a exigência dos editores internacionais. Isso porque o

  jornalismo internacional passou a ser feito pelos próprios jornalistas da redação, não pelos

correspondentes  –  jornalistas fixos em determinado país  –  e pelos enviados especiais  –  

 jornalistas enviados para determinado local apenas para cobertura de um determinado fato.

Além da redução de equipes em outros países, as empresas jornalísticas economizam com o

uso da internet. “Ela fez com que o redator abandonasse seu papel passivo diante dos

telegramas das agências. Deu a ele um poder de intervenção inimaginável na elaboração mais

 pessoal de um texto noticioso” (NATALI, 2007, p.57). Pelo novo meio, o jornalista não fica

restrito a informações fornecidas pelas agências internacionais. Ele pode complementar a

matéria com informações de banco de dados de sites oficiais ou procurar fontes e fazer

entrevistas por e-mail ao invés do telefone. Portanto, além de significar economia na redação,

a internet pode ser o diferencial para o profissional tornar seu texto mais atrativo.

Outro fenômeno recente do jornalismo internacional é a substituição das personalidades pelas

celebridades nas matérias. As personalidades tornam-se notícia por sua capacidade artística,

carreira acadêmica ou política, enquanto as celebridades tornam-se notícia por sua vida

pessoal, clichês discursivos e banalidades (NATALI, 2007). Pela lógica mercadológica das

empresas jornalísticas, a cobertura das celebridades funciona como um atrativo para o

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produto, tornando-o popular. Sob esse ângulo, o destaque não é a competência da pessoa  –  

personalidade – e sim os produtos agregados, que a tornam celebridade.

3.2 Valores/notícia e gêneros jornalísticos

3.2.1 Entre o acontecimento e a notícia

A teia jornalística é complexa, o processo entre o fato e a notícia que chega até o público está

sujeito a influências do processo de produção jornalística e do próprio fazer jornalístico. Wolf (1995) aponta duas hipóteses para compreender esse processo: a agenda-setting e a teoria do

newsmaking.

A compreensão dessas teorias perpassa os novos paradigmas da comunicação entendida como

um processo circular e contínuo, em que os meios de comunicação e a sociedade atuam

reciprocamente, modificando informações. Além disso, os meios de comunicação de massa

têm efeitos a longo prazo, efeitos cumulativos (WOLF, 1995).

Nesse contexto, a hipótese da agenda-setting parte do pressuposto de que a mídia tem um

impacto considerável na vida das pessoas. Para Shaw apud Wolf (1995), mesmo assim, ela

não manipula, mas orienta o público oferecendo um repertório de assuntos que ele deve saber

ou pensar sobre9:

Os mass media, descrevendo e precisando a realidade exterior, apresentam ao público uma listadaquilo sobre o que é necessário ter uma opinião e discutir [...]. O pressuposto fundamental doagenda-setting é que a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes éfornecida, por empréstimo, pelos mass media. (WOLF, 1995, p.130)

Os meios de comunicação constituem uma realidade simbólica ancorada em três

características: 1) a acumulação – entendida como a capacidade de criar e manter relevância

9 SHAW, E. Agenda-Setting and Mass Conimunication Theory. Gazette (International Journal for MassCommunication Studies), vol. XXV, n.º 2, 1979. 

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de determinado assunto; 2) consonância – os meios de comunicação tem processos produtivos

semelhantes que resultam em informações semelhantes; 3) onipresença  – representada tanto

pela difusão quantitativa dos meios de comunicação quanto pelo conjunto de acontecimentos

e opiniões que os mass media propagam no arcabouço temático do público (WOLF, 1995).

De qualquer forma, a agenda acaba sendo definida pelos interesses pessoais e interpessoais do

sujeito pois “realça a diversidade existente entre a quantidade de informações, acontecimentos

e interpretações da realidade social, apreendidos através dos mass media, e as experiências em

primeira mão, pessoal e directamente [sic] vividas pelos indivíduos (WOLF, 1995, p.131).

Outros fatores também influenciam no poder de agenda de determinado assunto. Um deles é omeio utilizado. Cada meio de comunicação foca de forma diferente um fato ocorrido. Wolf 

(1995) destaca que a informação veiculada na televisão, por exemplo, tem menos poder de

agenda que a informação escrita que é mais sólida, visível e constante, consequentemente,

dotada de maior possibilidade de lembrança. “As notícias televisivas são demasiado breves,

rápidas, heterogêneas e acumuladas numa dimensão temporal limitada, isto é, são demasiado

fragmentadas para terem um efeito de agenda significativo”. (WOLF, 1995, p.133)  

O poder de agenda também depende da experiência das pessoas. Nesse aspecto, é diretamente

ligado aos efeitos cognitivos e às predisposições do indivíduo sobre determinada temática.

Roberts apud Wolf (1995) esclarece que o processo de agenda é uma relação quase dialética

entre as impressões do indivíduo sobre determinado fato e as informações fornecidas pelos

mass media 10:

A hipótese do agenda-setting defende que os mass media são eficazes na construção da imagem darealidade que o sujeito vem estruturando. Essa imagem  – que é simplesmente uma metáfora querepresenta a totalidade da informação sobre o mundo que cada indivíduo tratou, organizou eacumulou  –  pode ser pensada como um standard  em relação ao qual a nova informação éconfrontada para lhe conferir o seu significado. Esse standard  inclui o quadro de referência e asnecessidades, crenças e expectativas que influenciam aquilo que o destinatário retira de umasituação comunicativa. (WOLF, 1995, p. 137)

O público ainda tem diferentes níveis de conhecimento sobre determinado tema: 1)

conhecimento superficial que inclui somente o título da área como economia, política ou meio

10 ROBERTS, D.The Nature of Communication Effects, in Schramm W. -Roberts D. (eds.), 1972.

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ambiente; 2) conhecimentos mais articulados que dão base para, por exemplo, análises sobre

causas e conseqüências de um fato; 3) conhecimento específico que favorece comentários

complexos e detalhados como argumentações, prós e contras de determinada situação

(WOLF, 1995). Nesse último caso, se determinado assunto se torna central  – se ganha mais

destaque nos meios de comunicação – mais a pessoa precisa da mídia para se agendar.

A outra teoria apontada por Wolf (1995), o newsmaking, tem como principal premissa a

análise das rotinas produtivas dos jornais buscando compreender como as notícias são

produzidas e mais critérios de seleção que tornam um simples fato uma notícia. Nesse

aspecto, merece destaque o conceito de gatekeeper , o porteiro ou selecionador.

Lewin apud  Wolf (1995) mostra que no interior de cada grupo social há zonas que podem

funcionar como cancelas ou porteiros que orientados por um sistema objetivo de regras

tendem a bloquear ou liberar determinada temática ou informação.11. No caso dos gatekeeper s

“há um indivíduo ou um grupo, que tem o poder de decidir se deixa passar a informação ou se

a bloqueia” (WOLF, 1995, p. 162). 

Esse conceito foi utilizado para analisar o fluxo de notícias dentro das instituições

  jornalísticas. Um estudo desenvolvido por White apud  Wolf (1995) apontou que de dez

despachos de agências de notícias apenas um se torna notícia12. A pesquisa de White indicou

que entre as explicações mais utilizadas para a recusa do material estão falta de espaço para o

assunto no veículo, falta de interesse jornalístico e presença de histórias mais relevantes eassunto distantes da realidade do jornal e do público. Pode-se observar que o processo de

seleção e filtragem está diretamente ligado a características do processo produtivo do

 jornalismo e da instituição – em toda a cadeia, desde a coleta até a difusão da informação – do

que à subjetividade do profissional. Portanto, diretamente ligados à linha editorial, à política

dos jornais e à própria cultura da profissão enraizada nos profissionais.

11 LEWIN, K. Frontiers in Group Dynamics. 11. Channels of Group Life: Social Planning and Action Research.Huaman Relations, vol. 1, n.º 2, 1947. p. 143-153.12 WHITE, D. M. The "Gatekeeper". A Case Study in the Selection of News. Journalism Quarterly, vol. 27, n.º 4,1950. p. 383-390. 

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Os filtros tendem a dar autonomia à profissão e atuam como forma de evitar a chamada

distorção involuntária. Essa seleção utilizada pelos meios de comunicação de massa influi

diretamente na forma como o público enxerga a realidade social:

Dos mass media  – que constituem um núcleo central de produção simbólica, na sociedade actual[sic]  –  é necessário conhecer-se não apenas os sistemas de valores, de representações, deimaginário colectivo [sic] que eles propõem, mas também o modo, os processos, as restrições e aslimitações em que tudo isso acontece. (WOLF, 1995, p.165)

A teoria do newsmaking orienta-se tanto pela cultura do profissional jornalista e a organização

do trabalho, quanto pelo processo produtivo. Entre o conceito mais importante da cadeia

 produtiva está a noticiabilidade definida como “o conjunto de elementos através dos quais o

órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimentos, de entre os quais

há que seleccionar [sic] as notícias, podemos definir os valores/notícia como componente da

noticiabilidade” (WOLF, 1995, p. 175). 

Os valores/notícia são critérios mais ou menos comuns utilizados pelas instituições

 jornalísticas para a seleção dos acontecimentos que têm habilidade para se tornar notícia. Para

Wolf (1995) esses critérios acompanham o fato durante todas as instâncias do processo de

produção. Por conseqüência são rotineiros e devem ser aplicados com rapidez. Além disso, os

valores/notícia podem ganhar novas áreas quando necessário ou podem simplesmente sofrer

alterações.

Os critérios também derivam de considerações relativas a: 1) características substantivas ouconteúdo  –  característica do acontecimento que o torna notícia; 2) produto jornalístico  –  

conjunto de processos de produção e realização; 3) público – imagens que o jornalista tem dos

destinatários; 4) concorrência  –  relações entre os meios de comunicação existentes no

mercado (WOLF, 1995).

No tocante às características substantivas pode-se destacar o nível hierárquico dos indivíduosenvolvidos no acontecimento, seja esse indivíduo de alguma organização governamental ou

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simplesmente outras organizações e hierarquias sociais. Outro ponto importante é o impacto

do fato sobre a nação e o seu interesse nacional , quando é levada em consideração a

capacidade do acontecimento influenciar no interesse do país. Galtung  –  Ruge apud  Wolf 

(1995) considera que o fato deve ser significativo, ou seja, suscetível de ser interpretado no

contexto cultural do leitor ou ouvinte 13  – diretamente ligado à  proximidade geográfica ou

cultural.

Para Wolf (1995), a quantidade de pessoas envolvidas também é determinante para a notícia,

visto que, quanto maior o número de envolvidos em um desastre e mais nomes importantes

envolvidos em um evento, maior a visibilidade. Por outro lado, também deve-se a fatoressocioeconômicos envolvidos, um acidente envolvendo um número menor de europeus, por

exemplo, tem maior probabilidade de se tornar notícia que um acidente envolvendo 200

asiáticos.

E finalmente a relevância quanto à evolução futura do acontecimento, ou seja, fatos que têm

uma duração prolongada e repercutem além daquelas informações iniciais. É o caso dasnotícias que rendem suítes – desdobramentos – nos jornais como uma cobertura especial, série

de reportagens, eleições etc. Gans apud  Wolf (1995) enumera outros requisitos de

noticiabilidade14: 1) história de pessoas comuns encontradas em situação insólita, ou a vida

privada de pessoas públicas; 2) histórias que envolvem inverso de papeis; 3) histórias de

interesse humano; 4) histórias de feitos excepcionais e heróicos.

Nas considerações relativas ao produto jornalístico, Wolf (1995) destaca a disponibilidade  –  

facilidade com que um assunto é coberto  –  e se o produto está de acordo com as

  possibilidades técnicas e organizacionais e com as limitações do próprio meio de

comunicação. Também são levados em consideração os aspectos que se referem à notícia

13 GALTUNG, J.; RUGE, M. The Structure of Foreign News», Journal of Peace Research, vol. 1, 1965. p. 64-90.

14 GANS, H. The Creator-Audience Relationship in the Mass Media: an Analysis of Movie Making. InRosenberg B.-White D. (eds), Mass Culture. The Popular Arts in America, Free Press, Glencoe, 1957. p. 315 -324.

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como resultado de uma ideologia de informação, baseada principalmente no dito bad news is

good news –  notícias ruins são boas notícias. “Naturalmente um dos princípios fundamentais

do jornalismo é que, quanto maior, mais insólito ou mais sangrento é o espetáculo, maior é o

valor/notícia” (WOLF, 1995, p.186).

O produto jornalístico também precisa ser atual, de preferência mais próximo ao momento de

veiculação do noticiário. Essa característica depende diretamente do meio utilizado e a

periodicidade dele:

O quadro temporal estabelecido pela freqüência da informação e pelo seu formato, determinaigualmente o  frame em que é avaliada a <<actualidade>>  [sic] ou não de um acontecimento. Aperiodicidade da produção informativa constitui, por si própria, o quadro de referência em que osacontecimentos do mundo são captados. (WOLF, 1995, p. 186)

Segundo Gans apud Wolf (1995) ainda relativo ao produto é à qualidade das histórias que

seguem a cinco critérios15: 1) ação  –  quanto mais ilustrada visualmente mais realce terá a

notícia; 2) ritmo  – caso a notícia seja desprovida de ação ela precisa de outros pontos que a

tornem atraentes; 3) caráter exaustivo – 

fornecer detalhes e diversos pontos de vista do fato;

4) clareza de linguagem  –  evitar que o leitor ou telespectador não entenda o acontecimento

noticiado; 5) equilíbrio  –  composição equilibrada do noticiário. Diante da importância do

meio de comunicação para disseminação de informação, há critérios de valores/notícias

inerentes ao formato proposto em cada meio:

O valor/notícia do  formato diz respeito aos limites espácio-temporais [sic] que caracterizam oproduto informativo. Do ponto de vista da selecção [sic] dos acontecimentos noticiáveis, estecritério de relevância facilita e confere maior rapidez à escolha, dado que impõe uma espécie depré-selecção [sic], ainda antes de serem aplicados os outros valores notícia. (WOLF, 1995, p. 190)

Ou seja, o valor/notícia do formato permeia uma relação entre o tempo, o texto e a imagem.

Para Galtung – Ruge apud Wolf (1995) o tempo pode ser determinado pela freqüência porque

quanto mais a freqüência do acontecimento se assemelhar à freqüência do meio de

comunicação mais provável será sua seleção como notícia16. Assim, o passo a passo de uma

15  Idem 

16 GALTUNG, J.; RUGE, M. The Structure of Foreign News», Journal of Peace Research, vol. 1, 1965. p. 64-90.

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investigação policial pode facilmente ser notícia em um jornal diário, enquanto fatos de

última hora podem ser notícias primeiramente no rádio. Já o texto é essencial em todos os

meios, contudo, a imagem é essencial para a televisão e para alguns assuntos de jornal

impresso que são importantes jornalisticamente.

Na prática o jornalista no exercício diário da profissão raramente leva em consideração os

anseios do público. Nesse aspecto, os critérios ligados ao público são relativamente difíceis de

ser identificados por dois motivos: primeiro, há pouco interesse direto nas pesquisas de

audiência e segundo, a prioridade é a informação, e não satisfazer o leitor ou telespectador.

Essa preocupação se resume em notícias com que o espectador se identifique, notícias deserviços e finalmente, notícias ligeiras que não oprimam o espectador  –  sem pormenores,

histórias deprimentes e sem interesse (WOLF, 1995). Há ainda um mecanismo chamado de

 proteção, quando alguns fatos não são noticiados ou são noticiados sem detalhes que

“provocariam traumas ou ansiedade no público ou feririam sua sensibilidade ou seus gostos”

(WOLF, 1995, p.192).

Os critérios relativos à concorrência levam em consideração a atual competição entre os

veículos de comunicação. Gans apud Wolf (1995) acredita que a concorrência dá origem a

três tendências que se refletem diretamente nos valores/notícias17: 1) competição dos

concorrente em torno das notícias, por conseqüência, informações exclusivas 2) pode

acontecer de uma notícia ser selecionada com medo de que o concorrente faça o mesmo ou a

busca pelo furo; 3) existência de semelhança na cobertura dos veículos, portanto, cada um

procura apresentar a notícia da melhor forma. Nessa última tendência a “competição temtambém como conseqüência o contribuir para o estabelecimento dos parâmetros profissionais,

dos modelos de referencias” (WOLF, 1995, p. 193). 

17 GANS, H. The Creator-Audience Relationship in the Mass Media: an Analysis of Movie Making. In

Rosenberg B.-White D. (eds), Mass Culture. The Popular Arts in America, Free Press, Glencoe, 1957. p. 315 -324.

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Além dos valores/notícia, que permeiam todo processo de construção da notícia, Wolf (1995)

aborda três fases principais da rotina produtiva: a escolha, seleção e apresentação. Na fase de

escolha dos acontecimentos noticiáveis, esses têm que se encaixar nos valores/notícia

relacionados ao produto, ao formato, à instituição e ao meio de comunicação:

A fase de recolha dos materiais noticiáveis é influenciada pela necessidade de se ter um fluxoconstante e seguro de notícias, de modo a conseguir-se sempre executar o produto exigido. Issoleva, naturalmente, a que se privilegie os canais de recolha e as fontes que melhor satisfazem essaexigência: as fontes institucionais e agências. (WOLF, 1995, p.197)

As fontes nos veículos são organizadas a partir das características do procedimento produtivo

e são escolhidas sob os seguintes aspectos: 1) a oportunidade antecipadamente revelada; 2) aprodutividade –  fontes institucionais e que fornecem matérias suficientes para confecção da

notícia; 3) credibilidade  –  fonte que detenha informações verdadeiras; 4) garantia  –  

honestidade da fonte; 5) respeitabilidade – fontes oficiais que tenham ações e opiniões oficiais

(WOLF, 1995).

Asagências

de imprensa constituem-se como fontes de informação por questões estratégicas.

Os veículos de comunicação, em sua maioria, não têm condições de enviar um repórter ou

manter um correspondente no local do acontecimento. Portanto, a agência presta um serviço

viável economicamente. Além disso, as agências aca bam “por alertar as redacções [sic] para

tudo que acontece no mundo e é a partir desse conhecimento que as redacções constroem [sic]

a sua própria cobertura” (WOLF, 1995, p. 208). Por outro lado, a utilização de material de

agências por vários veículos provoca homogeneização e a uniformidade de informações.

Outra forma de colher informações são as agendas de serviços, constituída por um conjunto

de fatos previstos e determinados antecipadamente, fazendo com que o órgão de informação

se organize com antecedência para o trabalho. “Trata-se, obviamente, de acontecimentos

previstos no tempo, fixados antecipadamente em agenda; por isso na sua maioria, são factos

[sic] que se situam na esfera político-institucional-administrativa ou judiciária” (WOLF,

1995, p.212).

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A fase de seleção ocorre desde a coleta do material por meio dos repórteres e agências,

passando pelos filtros de escolha até a veiculação nos meios de comunicação de massa. Esses

critérios de seleção são complexos e se desenrolam ao logo do ciclo de trabalho, ou seja, já

estão regulamentados e estabilizados no meio profissional e organizacional (WOLF, 1995).

A última fase, a apresentação, envolve as transformações sofridas pelo acontecimento dentro

do órgão de informação até a veiculação da notícia para o grande público. Para Altheide apud  

Wolf (1995) se o público conhecesse essa fase transpareceria a idéia de que os veículos criam

a notícia e não a relatam18. É nessa instância do processo que se localizam os trabalhos de

edição e adaptação do conteúdo para o formato proposto por cada meio de comunicação. Naapresentação, o acontecimento volta a se organizar:

[...] todas as fases anteriores funcionam no sentido de descontextualizar os factos [sic] doquadro social, histórico, económico [sic], político e cultural em que acontecem e em quesão interpretáveis (isto é, no sentido de <<curvar>> os acontecimentos às exigências deorganização do trabalho informativo), nesta última fase produtiva, executa-se uma operaçãoinversa: recontextualizam-se esses acontecimentos mas num quadro diferente, dentro doformato do noticiário. (WOLF, 1995, p.219)

Finalmente, Wolf (1995) acredita que teorias como o newsmaking derrubam as propostas de

explicar os meios de comunicação de forma linear. As novas pesquisas mostram tendência à

heterogeneidade dos modos de seleção e de apresentação das notícias.

3.2.2 As categorias e gêneros jornalísticos

No tocante à apresentação da notícia há critérios mais sutis para determinar a importância de

determinado assunto para a sociedade e para o próprio meio jornalístico. Melo (1985) aponta

que as matérias podem ser classificadas ainda entre categorias: o jornalismo informativo  –  

notícias sobre acontecimentos que as pessoas precisam apenas saber  –  e opinativo – notícias

sobre acontecimentos importantes para serem discutidos e se ter uma opinião sobre.  

18 ALTHEIDE, D.Creating Reality. How Tv News Distorts Events, Sage, Beverly Hills, 1976.

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O jornalismo informativo e opinativo têm características definidas por fatores históricos. A

liberdade de imprensa vivenciada na Europa (França em 1788 e Inglaterra 1695) facilitou a

proliferação dos jornais. Contudo, na Inglaterra, impostos e a censura a posteriori, punindo

excessos cometidos, inviabilizavam a consolidação da imprensa que se tornou mais comercial

e sem opiniões para não gerar polêmica. O que a tornou basicamente informativa. Enquanto

na França, a liberdade tornou o jornalismo opinativo (MELO, 1985). 

A distinção entre o jornalismo informativo e opinativo decorre de uma estratégia profissional

e política. Profissional, pois, na essência, determina o limite do jornalista entre simplesmente

informar ou opinar sobre determinado fato; e política, por refletir um contexto histórico de jogo político com o Estado: 

O reconhecimento da existência destas duas categorias fundamentais no jornalismo obtém oconsenso dos profissionais e estudiosos da área, independentemente das concepções ideológicasque assumem ou do modo de produção econômica que caracteriza a sociedade respectiva. (MELO,1985, p.16)

O autor aponta que as duas categorias historicamente reconhecidas, diante das mutações nosprocessos jornalísticos, articulam-se com novas categorias, o que é uma tendência nos países

capitalistas: 

[...] onde o jornalismo torna-se cada dia mais um negócio poderoso e suas formas de expressãobuscam adequar-se aos desejos dos consumidores ou equiparar-se aos padrões das mensagens não-

 jornalísticas que fluem através dos mass media. (MELO, 1985, p.17)

Fraser Bond apud  Melo (1985) mostra a existência de mais duas categorias: o jornalismo

interpretativo e o jornalismo diversional. O primeiro faz a “explanação da notícia” e o

segundo “comenta aspectos pitorescos a vida cotidiana” 19. Para Raymond Nixon apud Melo

(1985), o jornalismo interpretativo informa e orienta, enquanto o jornalismo diversional atua “

oferecendo informações não necessariamente utilitárias, mantendo seções que buscam

entreter, ou abrindo espaço para prender o interesse público, divertindo-o” (MELO, 1985) 20 

19

BOND, Fraser. Introdução ao jornalismo. 2º ed. Rio de Janeiro: Agir, 1962, p. 21-22.

20 NIXON, Raymond. Análisis sobre o periodismo. Quito: CIESPAL, 1963, p.29-31.

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O jornalismo diversional tem suas raízes no novo jornalismo norte-americano, que Melo

(1985) aponta ser uma ruptura com a prática do jornalismo tradicional. Para Mario Erbolato

apud Melo (1985), o novo jornalismo procura na, “descrição de fato reais, mas com o texto

intercalado de diálogos e chegando a revelar os sonhos e conjecturas de cada personagem

envolvida na narrativa” 21. O gênero não só reintroduz a subjetividade do narrador como

recorre a padrões de outros gêneros literários como conto, novela, poesia etc.:

[...] engloba aqueles textos que, fincados no real, procuram dar uma aparência romanesca aosfatos e personagens captados pelo repórter. Entre os gêneros que integram o jornalismo diversionalestão as histórias de interesse humano, as histórias coloridas, os depoimentos etc. (MELO, 1985,p.22)

Apesar desse tipo de jornalismo não ter sido abandonado por completo, dentro da lógica

mercadológica foi suprimido pela objetividade, distanciamento entre fonte e jornalista e a

padronização das informações.

A questão dos gêneros jornalísticos tem fundamentos na própria prática jornalística. Para

Todorov apud Melo (1985) é um esforço de compreensão do que é chamado no plano literário

de “propriedade discursiva”22

que consiste em:

[...] descrever as peculiaridades da mensagem (forma/conteúdo/temática) e permitir avanços naanálise das relações sócio-culturais (emissor/receptor) e político-econômicas (instituição

  jornalística/ Estado/ corporações mercantis/movimentos sociais) que permeiam a totalidade do jornalismo (MELO,1985, p.31)

Esses gêneros procuram organizar as diferentes formas de relatar os acontecimentos, ou seja,

as diferentes formas de narrá-lo. Os gêneros jornalísticos têm a ver com a maneira que o

 jornalista escolhe para se expressar, a maneira com a qual maneja a língua que caracteriza o

estilo (MELO, 1985).

21

ERBOLATO, Mário. Técnicas de codificação em jornalismo.Petrópolis: Vozes, 1978, p. 41-42. 

22 TODOROV, Tzvetan, Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p.43

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Há uma tendência histórica em associar os gêneros às categorias. Isso acontece, por exemplo,

ao conectar o jornalismo informativo ao news e stories americanos e o jornalismo opinativo

aos textos com opinião explicita, os coments. Portanto, além de um critério sem definição

exata (pois varia entre a narração e o estilo), varia em sua natureza histórica (pela origem das

categorias) e funcional (por serem inseridas dentro das categorias que têm a ver com a

essência de seu conteúdo). Em função disso, José Martinéz de Souza apud  Melo (1985),

observa que o “ o jornalismo mundial não é uma entidade unificada” 23.

Luiz Beltrão24 apud Melo (1985) acredita na existência de uma categoria chamada jornalismo

interpretativo cujo gênero ligado seria a reportagem em profundidade caracterizada pela maior

disponibilidade de tempo, um aprofundamento da reportagem que busca analisar e refletir

sobre determinado fato. Existe ainda a história de interesse humano como parte da categoria

informativa que une a ficção e o relato do acontecimento cotidiano que, segundo Melo (1985),

é similar à reportagem. Luiz Beltrão25 apud Melo (1985) acredita na informação pela imagem 

como um gênero próprio dentro da categoria informativa. Esse ponto é discutido por Melo

(1985) que acredita que as imagens em si são partes complementares de outros gêneros:

[...] o critério básico que ele toma é o do texto como unidade discursiva, figurando a imagem comoexceção nesse universo. Entendemos que não é o código em si que caracteriza um gênero

  jornalístico e sim o conjunto das circunstancias que determinam o relato que a instituição  jornalística difunde para o seu público. Então, a fotografia ou o desenho são perfeitamenteidentificáveis como notícias (quando apreendem a faceta privilegiada de um fato), comocomplemento das notícias (e aí a notícia é compreendida como uma estrutura articulada entre textoimagem) ou como reportagem (quando as imagens são suficientes para narrar os acontecimentos).(MELO, 1992, p.46)

Além das discussões sobre o jornalismo internacional, os critérios de noticiabilidade,

categorias e gêneros jornalístico, é preciso levar em consideração de que forma, e quais as

  particularidades da prática do jornalismo na América Latina. Sant’Anna (2006) acredita que

as condições sócio-econômicas influenciam diretamente na forma com que o jornalismo é

23 Martinéz de Souza. José. Diccionario general Del periodismo. Madri: Paraninfo, 1981, p.404.

24

BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo. Porto Alegre: Sulina, 1976, p. 52-56

25 BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo. Porto Alegre: Sulina, 1976, p. 52-56

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realizado na América Latina, aspecto que influencia na forma marginalizada com que a região

é tratada nos veículos de comunicação.

3.3 As particularidades da comunicação na América Latina

Para Piernes (1990), a informação era uma arma estratégica que os impérios europeus tinham

para colonizar a América. O melhor exemplo foi o México, cujo império Asteca, apesar de

sua poderosa máquina bélica, foi derrotado pelas tropas do espanhol Hernán Cortés. Como

oposição ao imperialismo europeu, surgiram nomes como Simón Bolívar e José de SanMartín que iniciaram os movimentos de independência em toda América Latina. Mesmo com

a sugestão de integração e independência proposta por Simón e Martín, meios de

comunicação como rádio, televisão e jornais não promovem entre os países latino-americano

intercâmbio informacional."A integração latino-americana, sonhada, desejada, clamada, só

será consolidada quando os povos latino-americanos se conhecerem melhor. E isso só será

possível com uma comunicação de massas que sustente esse ideal" (PIERNES, 1990, p. 9)

Contudo, Piernes (1990) identifica que a deficiência no intercâmbio de informação na

América Latina não é culpa apenas do processo colonizatório, mas de interesses mesquinhos,

incompetência, falta de recursos ou de imaginação das nações que pouco fazem para melhorar

a comunicação regional. Há também um fato cultural guiado pelos problemas sociais latinos:

A comunicação é um bem social do tipo essencial que deve chegar ao povo puro, semmistificação, sem infiltração ideológica, sem interesses econômicos. [...] O direito de todos a

informação é tão prioritário quanto o direito à alimentação, à saúde, à educação, à moradia.Entretanto, o direito a informação tem caído no ranking das prioridades humanas latino-americanas, superado pelos impactos psicológicos que representam a fome, o analfabetismo, amortandade e a promiscuidade. (PIERNES, 1990, p. 10-11)

Os latino americanos também têm pouca oportunidade de replicar as informações a respeito

da região, aceitando-as passivamente. "Este direito à réplica é exercido pelos setores

minoritários da sociedade, que têm o privilégio do acesso ao manejo da máquina" (PIERNES,

1990, p.11). Piernes (1990) aponta que apesar de os países latinos terem alcançado aindependência, eles são impedidos de intensificar suas relações (empresariais, econômicas,

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cientificas) por países de maior desenvolvimento e isso se reflete também na produção de

notícias:

O especialista norte-americano Al Hester realizou em 1978, um estudo baseado no controleinformativo da agência AP [Associated Press] durante 14 dias. Chegou a conclusão de que pelocanal principal desta agência norte-americana se emitiram 71% de notícias sugeridas de paísesdesenvolvidos e 29%de nações em desenvolvimento.A proporção de notícias entre nações desenvolvidas e em vias de desenvolvimento é especialmentesignificativa quanto se recorda que as duas terças partes da população mundial se encontram nospaíses subdesenvolvidos. (PIERNES, 1990, p.17)

Para Piernes (1990), a informação na América Latina é tratada de forma inadequada não só

pelos grandes centros de poder, mas pelas empresas jornalísticas e pelo próprio jornalista.Negando o pensamento colonialista, um grande passo foi dado pela agência de notícias latino-

americana  LATIN  (1970-75) uma das poucas tentativas de disseminação da informação das

Américas para o mundo. A empresa acabou sendo sufocada pela agência britânica Reuters.

Sete agências transnacionais que atuam na América Latina dominam a distribuição de

notícias, fotografias e programas de televisão:  Associated Press, United Press International,

 Reuters, Agence France Presse, Visnews, Worldwide e Columbia Broadcasting System [sendo

as três últimas responsáveis pela distribuição de filmes noticiários para televisão]

(PIERNES,1990). Em 1875, o material de agências transnacionais foi utilizada pela primeira

vez na América Latina, quando “o diário Jornal do Commercio do Rio de Janeiro se convertia

no cliente pioneiro da  Reuter-Havas, que no século passado compartilhava o controle

informativo mundial, antes da avalancha das agências norte-americanas.”(PIERNES, 1990,

p.79).

Houve uma verdadeira corrida entre França, Alemanha e Grã-Bretanha para que se

convertessem em potências de disseminação de informação até a inserção dos Estados Unidos

no cenário das agências transnacionais de notícia em 1848 com a   Associated Press. A

princípio, limitou-se à cobertura dos Estados Unidos, Canadá e México; após a Primeira

Guerra, estendeu-se pela América Central e do Sul.

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apud   Sant’Anna (2006) lembra que “historicamente as informações dos países

subdesenvolvidos são relativamente pouco conhecidas”26. As matérias veiculadas sobre a

região têm o perfil jornalístico com as seguintes características: 1) fatos inesperados; 2)

negatividade do fato; 3) probabilidade pequena ou rara de repetição da ocorrência; 4) situação

cultural familiar; 5) padrão de conflito semelhante (SANT’ANNA, 2006). 

Mesmo com aproximadamente meio milhão de jornalistas no mundo, 17% são latino-

americanos que se alimentam “quase que exclusivamente, em quatro grandes agências e

retransmitem esses valores para terceiros” (SANT’ANNA, 2006, p. 3). Esse comportamento

editorial tem três motivos: 1) herança cultural absorvida pelos profissionais da imprensa; 2)cobertura das agências transnacionais prejudicial aos interesses latino-americanos [no sentido

de disseminar notícias que prejudiquem a imagem da América Latina ou que empeçam sua

autonomia] ; 3) interesses políticos e econômicos indiferentes ou contrários à integração latina

(SANT’ANNA, 2006). 

Finalmente, Sant’Anna (2006) acredita que a conduta dos profissionais da área de

comunicação juntamente com os efeitos às avessas dos avanços tecnológicos e a globalizaçãoajudam a multiplicar um modelo de imprensa na América Latina alinhado com o pensamento

praticado nas nações de primeiro mundo e nas agências internacionais.

26 SCHARAMM, Wilbur. Comunicação de Massa e Desenvolvimento – O papel de informação nos Países da Informação nos Países em Desenvolvimento. Rio de Janeiro, Bloch, 1970.

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4 ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DA VENEZUELA NA EDITORIA

INTERNACIONAL DO JORNAL GRANMA

4.1 A importância da Venezuela determinada pela editoração e gêneros jornalísticos

O Granma é um jornal informativo oficial do Comitê Central do Partido Comunista Cubano ,

o único partido autorizado legalmente pelo governo e o único da ilha caribenha. O nome

Granma é uma abreviação de Grand Mother  , o nome do iate que levou para o território de

Cuba 82 revolucionários. Eles saíram do México a mando de Fidel para lutarem contra as

tropas de Fulgencio Batista no final de 1955. O periódico constitui-se da união dos jornais

matutinos Revolución (1959) do Movimento 26 de julho, e do Noticias de Hoy (1938), veículooficial do Partido Socialista Popular. A primeira edição do jornal foi veiculada em 4 de

outubro de 1965.

O Granma não é apenas um jornal voltado para os acontecimentos diários, mas também um

órgão oficial do governo cubano sendo usado para veiculação de discursos de Fidel Castro e

de seu irmão Raul Castro  – atual presidente do país, anúncios oficiais do governo e relatos

históricos da ilha.

É um veículo que circula todos os dias, exceto aos domingos, sendo vendido pelo valor de 20

centavos de pesos cubanos. As oito páginas do Granma são divididas em editoria nacional,

cultura, esportes e internacional. Nas sextas-feiras, a edição é estendida para 16 páginas,

sendo que, em uma situação normal, a editoria internacional representa 25% (duas páginas),

nacional 50% (quatro páginas) esportes e cultura 12,5 % cada (uma página). A tiragem é de

400 mil exemplares diariamente distribuídos para toda ilha. O complexo Granma tambéminclui desde 1966 um semanário internacional Granma Weekly Review, que desde 1991 se

chama Granma Internacional. Granma Internacional  27também é o nome do site oficial do

 jornal. Por meio do site, o internauta pode ter acesso à versão impressa digitalizada e outras

matérias disponíveis em espanhol, inglês, português, italiano e alemão.

27 www.granma.cu/  

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Em Cuba, a Internet foi utilizada para fins científicos e militares até 1995, quando o meio foi

entendido como uma nova tecnologia. “[...] por sorte de Cuba, já no final desse ano [1995]

que uma primeira versão de Granma Internacional entra na Internet através do recente portal

Cubaweb, quase um ano antes da entrada oficial de Cuba na Internet em outubro de 1996.

(FERNÁNDEZ, 2001, p. 2, tradução nossa). Entre 1999 e 2000, o site do Granma chegou a

um dos 100 sites de imprensa mais lidos da Internet.

As matérias sobre a Venezuela, objeto empírico dessa pesquisa, foram coletadas em setembro

de 2009. No mês escolhido não ocorreram fatos que alterassem a política interna e externa

venezuelana. A amostragem foi analisada de acordo com os conceitos estudados para assimdefinir o perfil da cobertura feita. Por meio de uma leitura sistêmica foi possível identificar a

disposição gráfica – presença de fotos, boxes, tamanho e editoração dos títulos  – e o conteúdo

dos textos. Foi apontada presença de elementos do jornalismo internacional e suas

particularidades na América Latina como a origem das matérias, fatores limitadores da

cobertura e as novas tendências dessa editoria.

Também foram verificadas se as temáticas freqüentes do jornalismo internacional como

guerras, eleições, epidemias e tragédias são aplicadas no Granma e ainda se os

valores/notícias permeiam a produção jornalística desse veículo. Foram construídos dois

quadros para quantificar os dados. Um quadro é composto do título, seguido da valência e do

resumo da matéria No outro foi identificada a cor do título, presença de foto  –  elementos

gráficos  – além da categoria, gênero e origem da notícia  – elementos de conteúdo. Não foi

possível ter acesso a outros jornais cubanos em circulação e a pesquisa não tinha comoobjetivo comparar os jornais de Cuba, portanto, não foi possível analisar os critérios relativos

à concorrência. A partir dessas características que determinam a importância da Venezuela na

editoria, foi possível identificar o posicionamento do veículo governamental cubano com

relação à Venezuela.

No site ou na versão impressa, um fator iconográfico importante são as cores utilizadas na

editoração. No impresso, objeto dessa pesquisa, as cores predominantes são o branco, preto e

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vermelho. Sendo que o branco e o preto referem-se ao papel e ao texto, respectivamente, e o

vermelho é utilizado em alguns boxes e títulos e é a cor da logomarca do jornal.

Para Guimarães (2004) simbolicamente, o vermelho não remete simplesmente ao sangue,

mas, ao paradoxo da cor: amor e guerra ou violência e paixão. Nossa cultura associa a cor

vermelha ao sangue de Cristo, e por conseqüência, ao amor divino ou piedoso, expresso, por

exemplo, nos desenhos de coração ou no símbolo da cruz vermelha. Por outro lado, pode ser

profana, como a maçã do pecado, a roupa de Dionísio (deus vinho na mitologia); é a cor da

sedução, é fogo e a paixão que pode queimar. Por causa do fogo a idéia de proibição também

é presente na cor, porque em fogo não se pode encostar.

No âmbito político, está relacionada às revoluções, muitas vezes sangrentas, realizadas pelos

partidos comunistas e de esquerda. Em função disso, a maioria dos partidos dos trabalhadores

e de esquerda do mundo tem essa cor em sua logomarca (GUIMARÃES, 2004). Esse aspecto

está diretamente ligado à história do jornal cubano e à revolução socialista da ilha. Portanto, o

uso do vermelho é uma identidade visual do veículo e atua iconograficamente dando maiorvisibilidade para determinado assunto a que o título ou box em destaque se refere.

Na amostragem analisada, das 24 matérias, nove aparecem com o título em vermelho, as

demais em preto. As notícias com título em vermelho dizem respeito principalmente à defesa

de Chávez e do socialismo em âmbito mundial. Nas ações do presidente venezuelano

presentes nos títulos Solo El socialismo salvará al planeta, afirmó Chávez no dia 25/09 e

Chávez insta al pueblo norteamericano a luchar por el cambio del mundo, no dia 24/09, ficaclara a defesa ideológica por meio das expressões o socialismo salvará e lutar pela mudança

do mundo.

Duas matérias, cujas chamadas estão em vermelho, em especial fogem à regra de defesa

ideológica, É o caso de Crece en Venezuela respaldo a Chávez, do dia 7 de setembro e

 Marchan en Venezuela en rechazo a la SIP, do dia 19. Ambas tratam de questões internas da

Venezuela. Contudo, seus desdobramentos refletem-se também no fortalecimento do

socialismo perante o povo cubano. Uma mostra que o presidente venezuelano está com alto

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índice de aprovação naquele país; outra mostra um movimento de veículos de comunicação de

esquerda contra a Sociedade Interamericana de Imprensa, considerada pelos manifestantes

como terrorista midiática e imperialista.

Independentemente da cor, a análise do título é relevante. Esse elemento cumpre a missão de

informar ao leitor o fato ocorrido de forma a resumir e instigar a curiosidade sobre o assunto.

A maioria dos títulos tanto em vermelho quanto em preto, não possuem bigode – informações

que explicam o título – e utilizam verbos no presente, que além de indicar a ação que envolve

o fato é um estratégia utilizada pelo jornal impresso para tornar as notícias um pouco mais

atuais e quentes.

Em alguns casos uma afirmação de Chávez é o destaque do título como em Solo el socialismo

salvará al planeta, afirmó Chávez no dia 25/09, El gran culpable del narcotráfico se llama

Estados Unidos, afirma Chávez, dia 18/09 e Al império ya le queda grande el mundo, afirmó

Chávez , dia 10/09. Esse mecanismo aproxima a ideologia e a figura de Chávez do público

cubano e confere ao presidente venezuelano maior destaque. Também são utilizados verbosdiscentes  –  que conferem peso à narrativa  –  como destaca e defende, e os demais fazem

referência ao tema da matéria.

As fotos também são importantes elementos da relação entre o texto verbal e iconográfico.

Elas podem atuar como complemento do texto ou como uma informação própria (MELO,

1985). Cerca de 70% das matérias analisadas possuem fotografia, em metade delas Chávez

aparece sozinho ou com outros governantes mundiais.

Quando aparece sozinho, o presidente venezuelano está realizando ações, na maioria fazendo

discursos ou falando com a imprensa. Em algumas fotos ele aparece com os braços abertos

como se estivesse enfatizando determinada informação, como por exemplo, a matéria Chávez

destaca unión Africa-Sudamerica do dia 1º de setembro e no dia 25/09 em Solo el socialismo

salvará al planeta, afirmó Chávez en la ONU . Há casos em que Chávez também aparece

parado, sem falar e não há nenhuma informação no cenário da foto. Portanto, seu uso é

meramente ilustrativo, como no dia 24/09 em Chávez insta al pueblo norteamericano a

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luchar por el cambio del mundo. Mas de foma geral, a onipresença de Chávez enfatiza sua

posição de destaque e, consequentemente, sua importância como líder.

Nas fotos com governantes de outros países o presidente venezuelano aparece conversando,

em algumas até rindo ao lado de Mahmud Ahmadineyad, presidente do Irã, dia 7/09 e

apertando a mão do chefe de governo espanhol, José Luis Rodriguez Zapatero. Essa interação

aparentemente positiva com os governantes do mundo afora transmite não só uma idéia de

que Chávez realmente é importante no cenário internacional, mas que ele tem aliados e que o

seu estilo de governo está sendo bem aceito. Nesse aspecto, passa ao povo cubano uma idéia

favorável do socialismo desenvolvido no continente e que o ideal socialista de Cuba écompartilhado por outros países.

Contudo há casos que as fotos são extremamente importantes porque dão realidade ao fato, foi

o caso do dia 19/09 em  Marchan en Venezuela en rechazo a la SIP e dia 3/09 em Otorgan a

Chávez medalla conmemorativa. Ambas trazem fotos de manifestantes nas ruas de Caracas.

No primeiro caso, comunicadores foram às ruas contra a Sociedade Interamericana deImprensa; no segundo, a população está mobilizada em defesa ao presidente Chávez, diante

de manobras da oposição. A matéria Brutal agresión a periodista de Telesur em Ecuador dia

22/09, que mostra em detalhes a rosto da jornalista agredida da agência venezuelana Telesur,

merece destaque como foto informativa.

Também há notícias que citam a Venezuela, mas em que as fotos não privilegiam HugoChávez. É o caso de Estados Unidos involucrado en la intentona golpista contra Chávez, dia

22/09. A foto escolhida mostra o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter que

declarou a um jornal americano o envolvimento dos EUA em uma tentativa de golpe contra

Chávez. No dia 24/09, a notícia que defende a suspensão do bloqueio a Cuba na ONU, teve

como destaque na foto o presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva que foi o principal

personagem do episódio na ONU. Nesse caso, a opinião de Hugo Chávez no mesmo evento

foi menos relevante que a do presidente brasileiro, portanto, deixada em segundo plano.

Outro fator que determina a importância de um acontecimento é a presença dele na primeira

página. É nela que se encontram os destaques do dia no veículo impresso. Apesar da forte

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presença da Venezuela na editoria internacional do jornal cubano isso não se reflete na

primeira página do jornal. Durante o analisado, nenhuma das matérias sobre a Venezuela ou

Hugo Chávez foi destaque na primeira página do Granma, que é reservada exclusivamente a

assuntos nacionais e internacionais que envolvem diretamente Cuba.

Os leads das matérias estudadas cumprem o papel de informar dados básicos do

acontecimento como em Chávez destaca unión África-Sudamerica, no dia 1° de setembro: “O

presidente da Venezuela Hugo Chávez ressaltou a importância da união da África e América

do Sul da configuração de um mundo multipolar ao intervir no Congresso da União Africana

(ASA) na Líbia, segundo DPA” (GRANMA, 2009, tradução nossa). 

A estrutura do lead e das matérias indica que o conteúdo sobre a Venezuela no jornal pertence

à categoria informativa. Não há registro de matérias que tenham em sua estrutura a opinião do

  jornal ou de determinado repórter sobre a Venezuela e Hugo Chávez. Esse é um aspecto

estrutural do impresso, visto que normalmente o conteúdo opinativo se concentra nas

primeiras páginas do jornal e a editoria internacional, objeto dessa análise, está concentradanormalmente nas últimas páginas.

Melo (1985) acredita que o conteúdo opinativo é tão importante quanto o informativo

principalmente porque trata da representação dos valores de determinada sociedade ou da

própria instituição, ou seja, é formador de opinião. O comentário, artigo, editorial, resenha,

coluna, crônica, caricatura e carta são pertencentes a essa categoria. Os gêneros opinativospodem ser caracterizados da seguinte forma: 1) editorial  –  é espaço da opinião institucional

seguindo uma relação temporal pautada na continuidade e no imediatismo; 2) comentário  – é

assinado, mas possui as mesmas características do editorial; 3) artigo  –  aparece

aleatoriamente, é assinado e a angulação é determinada pelo autor; 4) resenha – descobre os

valores de bens culturais diferenciados como filmes e álbuns musicais, é assinado e, assim

como no artigo, a angulação é determinada pelo autor.

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Ainda há a carta, a coluna, a crônica e a caricatura. Todos esses gêneros são assinados. A

coluna e a caricatura, assim como a crônica e a carta, possuem pontos em comum

principalmente no tocante à temporalidade:

A coluna e a caricatura emitem opiniões temporariamente contínuas, sincronizadas com o imergire o repercutir dos acontecimentos. A crônica e a carta estruturam-se de modo temporalmente maisdefasado; vinculam-se diretamente aos fatos que estão acontecendo, mas seguem-lhe o rastro, oumelhor, não coincidem com seu momento eclosivo. (MELO, 1985, p.49).

Se a carta funciona como resgate do fluxo jornalístico empresa  – comunidade, a caricatura

nutre-se dos valores da instituição jornalística e a coluna e a crônica absorvem ou fazem aligação com o posicionamento da comunidade ou dos grupos sociais (MELO, 1985).

No caso do Granma, o conteúdo de opinião não prevalece no jornal como um todo e nem na

editoria internacional. As inserções opinativas parecem fora da editoria internacional nas

sextas-feiras com a sessão cartas a la dirección  – cartas dos leitores e esporadicamente por

meio da sessão Reflexiones del compañero Fidel – uma espécie de editorial escrito pelo lídercubano.

Por outro lado, a categoria informativa, predominante na editoria, também pode ser

classificada em diferentes tipos de texto. Melo (1985) em sua própria classificação de gênero

os define como: 1) nota  – relato de acontecimentos que estão em processo de configuração, é

menor que a notícia; 2) notícia – relato completo de um acontecimento do organismo social;3) reportagem  –  relato aprofundado de um acontecimento que já repercutiu no organismo

social e seus desdobramentos [alterações percebidas pela instituição]; 4) entrevista  –  relato

que privilegia a pessoa envolvida no acontecimento.

Além de características do próprio conteúdo do texto, podemos identificar esses gêneros pelo

tamanho da matéria, visto que uma notícia curta é uma nota; uma intermediária é notícia eum relato mais extenso é uma reportagem. O Granma tem o tamanho A4 (21 cm x 29, 7) com

área de 623,7 cm². Dessa forma os textos que ocupam menos que 5% da página (de até 7,5

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cm x 5,3 cm) são considerados notas; as matérias entre 6% até 40%, consideradas notícias e

as matérias de 45% – metade da página – até 100% [página completa] são reportagens.

Das 24 matérias veiculadas durante o mês de setembro de 2009 apenas três são notas: Aniversario de Revolución Libia, dia 2; Sismo em Caracas no hubo daños e Conocimiento

 peligroso, no dia 14. Além do tamanho, essas notas trataram de assuntos sem grande

expressão para o povo cubano: uma condecoração recebida por Chávez na Líbia, um

terremoto na cidade de Caracas e uma suspeita de vazamento de informações de petrolíferas

venezuelanas, respectivamente. A nota consolida a presença marcante da Venezuela no

noticiário, mas não traz conteúdo ideológico explícito.

Nesse mesmo período, o jornal divulgou apenas duas reportagens, uma no dia 24/09, Llaman

en la ONU a levantar bloqueo a Cuba; e no dia 25/09, Solo el socialismo salvará al planeta,

afirmó Chávez en la ONU . Ambas tratam da 64ª Sessão da Assembleia Geral da ONU em

Nova Iorque, com focos diferenciados. A primeira trata da suspensão do bloqueio econômico

a Cuba com declarações de presidentes como Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, o uruguaio

Tabaré Vázquez, o boliviano Evo Morales e até de Barack Obama dos EUA e Nicolas

Sarkozy da França. Além da discussão em torno do bloqueio, a matéria traz um subtítulo com

um texto sobre o que foi discutido na ONU com relação à crise política em Honduras, assunto

relevante na época da pesquisa. As informações e declarações contidas na matéria foram

fornecidas por agências internacionais e não por um possível correspondente no local. Esse

relato detalhado com variedade de fontes e análises é uma das características da reportagem.

A segunda reportagem tem como tema o discurso do líder venezuelano na ONU, defendendo

o socialismo e mostrando-se claramente contra a conduta americana.

As duas matérias aparecem na publicação em sequência, o que é conhecido no jornalismo

como suíte. Esse aspecto se comprova na presença de um subtítulo na matéria do dia 25/09

dizendo   Más voces contra el bloqueo, cujo texto faz referência ao presidente sul-africano

Jacob Zuma, que também defendeu a queda do bloqueio a Cuba na assembléia. Segundo Wolf 

(1995) os acontecimentos e assuntos passíveis de continuidade são importantes e úteis para

os jornais, pois não precisam se preocupar com um assunto para o dia seguinte e para o

público é uma forma de oferecer desdobramentos de determinado fato.

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As 19 matérias restantes foram consideradas notícias, não só pelo tamanho médio, mas por

tratarem de acontecimentos no organismo social que são recentes e possuem importância.Essa importância no jornalismo internacional, segundo Natali (2007) pode ser determinada

pela temática e pelas características da cobertura e no jornalismo em geral, determinado por

meio de critérios de noticiabilidade que, segundo Wolf (1995), permeia toda a cadeia

produtiva jornalística.

4.2 Divergências e convergências entre os valores-notícia e as temáticas freqüentes

Wolf (1995), por meio da teoria de agenda-setting, acredita que os veículos de comunicação

têm a capacidade de guiar as pessoas para os assuntos que estão em destaque. Nesse aspecto o

 jornal Granma acaba por agendar a população cubana sobre assuntos ligados à Venezuela e

sobre Hugo Chávez em especial. O agendamento é possível por meio da acumulação,

consonância e onipresença dos meios de comunicação de massa. No caso do jornal cubano, o

agendamento é reforçado pela informação impressa  –  em um país com apenas 3,6% de

analfabetos – porque a informação escrita é mais sólida, visível e constante, portanto, dotadade maior capacidade de lembrança, independentemente do nível de conhecimento da pessoa

sobre a Venezuela.

Para selecionar os fatos que irão agendar o público, os jornais utilizam os gatekeepers, 

indivíduo ou grupo com poder de decisão sobre aquilo que será noticiado. Os gatekeepers do

Granma estão intimamente ligados aos interesses do governo. Nesse aspecto, existe umadistorção involuntária definida pela linha editorial orientada pelo governo. Por meio da teoria

do newsmaking, podemos compreender como a seleção acontece em toda a cadeia produtiva

da notícia, por meio dos valores/notícia. Nas matérias analisadas, o valor relativo ao conteúdo

mais freqüente é o interesse nacional. A Venezuela teve cobertura significante porque Cuba

têm interesses nessa cobertura, sejam ideológicos  – pela postura anticapitalista e defesa do

socialismo – ou políticos e econômicos – os países têm acordos bilaterais. Qualquer alteração

na política interna e externa venezuelana pode ter influência direta na ilha caribenha.

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Nas matérias, Chavéz e outros líderes mundiais envolvidos no fato foram enfatizados, ou seja,

foi levado em consideração o nível hierárquico. A exceção foi registrada em Brutal agresión a

  periodista de Telesur en Equador , dia 22/09 cuja notícia destaca que uma repórter

venezuelana foi agredida no território equatoriano. Por ser apenas uma jornalista, a lógica do

nível hierárquico não foi utilizada, prevalecendo o ato de agressão sofrido, o bad news is good 

news.

Foi possível identificar a presença maciça de critério de relevância quanto à evolução futura.

Esse critério pode ser associado ao agenda-setting, que destaca a acumulação de um tema, ou

seja, a criação e manutenção da relevância de certos assuntos. Algumas matérias renderemsuítes como nos dias 24 e 25/09 nas reportagens sobre a ONU e em casos corriqueiros como

nos dias 1° e 02/09 em Chávez destaca unión África-Sudamerica e Aniversario de revolución

 Libia. Nessas últimas datas, a primeira matéria trata da visita de Chávez à Líbia e a segunda,

dos desdobramentos dessa visita. Essa cobertura se prolonga pelo mês de setembro,

destacando as visitas do presidente venezuelano a diversos países como Síria, Bielorrússia,

Rússia e Espanha. Por outro lado, não foi registrado nenhum caso de critério relativo ao

conteúdo ligado à quantidade de pessoas envolvidas.

O único critério relativo ao público que é claro no jornal cubano é a cobertura de fatos com os

quais pretende-se que o espectador se identifique. O público cubano tem diversos pontos em

comum com o povo venezuelano, como a língua, ideologias e história. Portanto, as matérias

em que o povo venezuelano vai para as ruas, por exemplo, podem causar identificação. Assim

como as matérias ligadas à defesa do socialismo perante o mundo.

As editorias internacionais são alimentadas por informações, na maioria das vezes enviadas

por agências internacionais. Segundo Natali (2007), tanto nas agências quanto nos próprios

  jornais, os acontecimentos do mundo são selecionados segundo a temática. As mais

frequentes nessa editoria são: guerras, eleições em países vizinhos e países influentes

mundialmente, epidemias e tragédias. Nas notícias sobre a Venezuela, analisadas no jornal

cubano durante o mês de setembro de 2009, essas temáticas não são predominantes.

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Contudo, existem situações pontuais. No dia 14/09 em Sismo en Caracas no hubo daños, trata

de um pequeno terremoto em Caracas. Essa matéria é a única que trata de desastre no período

analisado. Apesar de ser um terremoto, o fato não teve destaque, porque não causou danos e

foi resumido em uma nota. O tema guerra é tratado de maneira diferenciada, não no sentido

de conflitos de grandes proporções ou bélicos, mas pequenos movimentos e discussões como,

por exemplo, no dia 19/09 em Marchan en Venezuela em rechazo a la SIP ; dia 18/09 em El

gran culpable del narcotafico se llama Estados Unidos, afirma Chávez; e no dia 16/09 em

EE.UU vende el 75% del armamento mundial. A primeira trata de uma manifestação na

cidade de Caracas dos profissionais de imprensa contra a SIP, Sociedad Interamericana de

Prensa. É um movimento dos jornalistas venezuelanos, portanto sem impacto internacional,

sem guerra. Na segunda, a questão do narcotráfico que provoca guerrilhas na América Latinaé comentada por Chávez. E a última, além de trazer à tona que os EUA são os maiores

exportadores de armamentos, destaca o receio do governo norte-americano do investimento

bélico venezuelano.

A única matéria parcialmente associada às eleições é a do dia 07/09 Crece en Venezuela

respaldo a Chávez que mostra indicativos de aprovação a Chávez na Venezuela. Apesar de

não haver a cobertura de eleições em países vizinhos e em países influentes mundialmente,proposta por Natali (2007) , o Granma concede um espaço considerável à política interna e

externa da Venezuela, que é tanto um país vizinho quanto influente mundialmente, diante do

posicionamento polêmico e anti capitalista de Hugo Chávez.

4.3 Presença dos elementos do jornalismo internacional latino-americano

Durante o período analisado, a editoria internacional do jornal Granma mostrou-sedependente das informações fornecidas por agências internacionais. Das 24 matérias

veiculadas sobre a Venezuela e Hugo Chávez, apenas uma utiliza informações fornecidas por

correspondentes (jornalistas fixo em determinado país) e enviados especiais (jornalistas

transferidos apenas para cobertura de um fato específico). Somente em uma matéria houve

apuração direta de um jornalista do Granma direto com a fonte. Foi o caso do dia 07/09, em

que o general venezuelano Melvin López comenta o Plano Centauro  – ofensiva do governo

americano contra a Venezuela. O texto cita claramente a entrevista: “ Entrevistado pelo

 jornalista José Vicente Rangel, Lopéz destacou que o denominado Plano Centauro busca em

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  princípio neutralizar as tropas venezuelanas nas fronteiras da nação” (GRANMA, 2009,

tradução nossa).

O fenômeno do uso predominante de agências pode ser explicado de três formas: financeira,

política e comunicacional. No âmbito financeiro, Cuba passa por problemas decorrentes do

embargo americano, desdobramentos da quebra da URSS e a crise de 2001. Esses problemas

se refletem na possível falta de financiamento para o veículo de comunicação e

consequentemente, inibe o envio de correspondentes e enviados para o exterior. No aspecto

político, em função do isolamento provocado pelo embargo americano e pela escolha de uma

ideologia socialista, os jornalistas cubanos podem ser isolados e cerceados ao realizarem

determinada cobertura. Nas comunicações, o governo cubano é detentor de uma agênciainternacional, a Prensa Latina, que torna a cobertura internacional do jornal terceirizada por

um veículo também governamental. A Prensa Latina, durante o mês de setembro de 2009, foi

fonte para 30 % das matérias ligadas à Venezuela.

Quando se trata de informações fornecidas por agências internacionais, as dificuldades

enumeradas por Natali (2007), como a acessibilidade ao fato e a acessibilidade à informação

no país coberto inexistem. Também não é possível identificar se houve uso da internet noprocesso de construção da notícia ou identificar as limitações do jornalista, visto que, no

processo de pesquisa, não houve contato direto com os redatores da editoria internacional do

Granma. Por outro lado, é notório que, apesar de existir no jornalismo internacional uma

tendência a cobertura de líderes mundiais como celebridades, em nenhuma das matérias Hugo

Chávez recebe tratamento com foco em sua vida e conduta pessoal e familiar.

A proximidade política e cultural também reflete a origem das informações na cobertura daVenezuela. Cerca de 24% das matérias têm como fonte a agência internacional do governo

venezuelano, a Telesur  – Agência multi-estatal pan-americana, com sede na Venezuela. Nesse

aspecto, a comunicação e a compreensão dos fatos se tornam mais fáceis para o jornalista,

tanto pelo alinhamento ideológico dos países, quanto pela língua  – ambos têm como língua

oficial o espanhol. Esse aspecto é similar ao que Wolf (1995) chama de considerações

relativas ao produto jornalístico, que é a disponibilidade do assunto a ser coberto; se ele está

de acordo com as possibilidades técnicas da organização e, no caso considerado, com a

ideologia vigente.

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Segundo Piernes (1990) apesar da história e características políticas e sociais semelhantes, a

comunicação entre os países latino-americanos é realizada de forma ineficaz e desigual com

predomínio de agências transnacionais de países desenvolvidos. Contudo, mas matérias sobre

a Venezuela veiculadas em setembro de 2009, 73% das agências utilizadas na cobertura são

latino-americanas, com destaque para a cubana PL, com 11 inserções; a venezuelana Telesur  

com 9; a  ABN   –  Agência Brasileira de Notícias, com 4; além da mexicana  Notimex e da

cubana Cubadebate. O uso considerável de agências internacionais faz com que o critério

relativo ao produto de caráter exaustivo exposto por Wolf (1995) não seja cumprido. Apesar

da variedade de agências utilizadas os assuntos não são abordados nos vários pontos de vista

e saturando o assunto. Essa característica transmite a sensação de que as agências latino-

americanas têm um posicionamento uniforme. As notícias, e principalmente, as reportagens,não têm fontes que foram entrevistadas diretamente pelo Granma, mas apenas aquelas

presentes nos textos das diversas agências internacionais.

As matérias sobre Hugo Chávez e a Venezuela não enfatizam questões como negatividade do

fato, fatos inesperados e temas com probabilidade pequena ou rara de repetição, contrapondo

Sant’Anna (2006) no tocante às características da cobertura latina. Esse perfil pode ser uma

conseqüência de uma cobertura predominantemente baseada nas agências latinas emdetrimento das agências de países desenvolvidos. Contudo, duas características por ele

enumeradas são percebidas: a situação cultural familiar e padrão de conflito semelhante

expressas  nas identificações culturais, ideológicas e políticas: 1) culturais  –  expressas por

meio da história semelhante, o espanhol como língua predominante ou no perfil da população

em âmbito social; 2) ideológicas – notória na escolha por um governo socialista; 3) políticas –  

identificada pela presença de líderes polêmicos que pregam uma clara oposição ao

capitalismo e ao Estados Unidos.

4.4 Padrão de cobertura como determinante de posicionamento político

O perfil de cobertura da Venezuela na editoria internacional do Granma acaba por determinar

a importância desse país para o governo cubano. Contudo, em princípio, nos padrões

  jornalísticos o texto deve ser objetivo e neutro. Isso quer dizer que retratar o fato de forma

não tendenciosa e relatá-lo da forma como aconteceu. Nesse aspecto, o uso de adjetivos é

considerado juízo de valor, bem como expressões de hipérbole e verbos taxativos. A temática

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também pode expressar juízos valor ou valência, ou seja, pode identificar se a matéria é ou

não favorável.

Dos textos analisados nenhum teve valência negativa; 14 foram considerados neutros e 10 de

cunho favorável à Venezuela e à gestão Chávez. Foram considerados neutros aqueles com

temas noticiosos, sem intenção de enfatizar ações do governo Chávez ou caracterizá-lo como

bom ou ruim. Neles há um predomínio de verbos discendi a as opiniões das fontes estão

inseridas nas suas próprias declarações. Como no dia 5/09 em Washington financia a la

oposición venezolana. Como tema central, está a denúncia de que um grupo de jovens

venezuelanos viajou à custa do governo americano para apoiá-lo em ações contra Chávez. O

conteúdo é expresso pela declaração da fonte principal da matéria, Eva Golinger, advogada eescritora venezuelana/americana: “Essa viagem acontecem em um momento em que a direita

internacional junto com Washington está motivando uma campanha intensa contra a

Revolução Bolivariana com ênfase na figura de Chávez” (GRANMA, 2009, tradução nossa). 

A valência positiva foi identificada principalmente pela temática. Em Crece em Venezuela

respaldo a Chávez, no dia 07/09; o lead , primeiro parágrafo, indica 60% de aprovação de

Chávez, e, no segundo, volta a enfatizar a informação, fornecendo mais duas pesquisastambém com indicadores positivos. O mesmo acontece em   Llegan a Guatemala alimentos

donados por Venezuela, no dia 23/09; e, no dia 15/09 com Venezolanos defienden en las

calles Ley de Educación. Na primeira, o tema central é a doação de alimentos do país para a

Guatemala. Contudo, outros países, como o Brasil, também fizeram o mesmo sem que o fato

fosse destacado. A segunda matéria trata da nova lei de educação promulgada na Venezuela

que, de acordo com as temáticas freqüentes e valores/notícia não tem relevância jornalística.

No dia 12/09, a matéria   Multitudinario recebimiento a Chávez en Venezuela, a valência

concentra-se na hipérbole. A palavra multitudinario, numeroso em português, deixa vago o

número real de pessoas que receberam o presidente venezuelano no Palácio de Miraflores em

Caracas. O mesmo acontece em 25/09 sobre as declarações de Chávez na ONU. Além da

ênfase constante na figura do líder, há expressões que imprimem juízo de valor como

“aplaudido diversas vezes durante o pronunciamento do discurso” (GRANMA, 2009,

tradução nossa). O destaque no aplauso busca transmitir a idéia de que Hugo Chávez foi de

fato reverenciado durante o encontro.

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Além da valência, podem ser identificados nos textos elementos dos três objetivos nacionais

propostos por Chávez no início do seu governo: 1) consolidação de uma imagem positiva e de

estabilidade política; 2) defesa do petróleo; 3) ações diplomáticas que mostram como um

pequeno ator internacional pode manter uma política externa autônoma (VILLA, 2004).

Apesar das matérias estudadas não tratarem da questão do petróleo, dão destaque considerável

à imagem positiva de estabilidade política aliada à manutenção de política externa autônoma.

Esses elementos estão presentes desde a escolha das fotos com líderes mundiais até as notícias

que destacam as viagens de Chávez e os acordos firmados. O presidente venezuelano faz uso

estratégico da figura nacionalista de Simón Bolívar, associando-se a seus ideais libertários e

igualitários. Essa lógica é evidenciada na notícia veiculada no dia 21/09, Venezuela consolida

la Revolución Bolivariana. Além do uso do termo revolução bolivariana faz referencia aoprojeto do socialismo do século XXI , proposto por Chávez.

Portanto, a cobertura do jornal cubano Granma nos assuntos ligados à Venezuela e a Hugo

Chávez tende a sustentar as estratégias utilizadas pelo governante venezuelano durante os

anos de sua gestão e ainda a transferir para a população de Cuba uma imagem de segurança

do sistema socialista – com uma visão de socialismo bem sucedido  –  a exemplo do vizinho

socialista do continente.

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5 CONCLUSÃO

Os resultados obtidos na análise da editoria internacional do jornal cubano Granma 

expressam a própria crise de identidade das nações, objeto desse estudo, e seus ideários

político-ideológicos, ocasionada pela pós-modernidade e agravada pelo intenso processo de

globalização. Cuba, por meio desse veículo oficial, acaba por manter uma postura favorável à

Venezuela, o que ajuda a reafirmar sua própria identidade política, expressa não só pela

quantidade considerável de matérias dedicadas à vizinha e parceira, como no conteúdo.

Há, entre os dois países, identidades comuns que não se resumem apenas na língua, nos

acordos bilaterais ou por pertencerem ao mesmo continente. Trata-se do reflexo de ideologiascomuns orientadas pelo socialismo e um posicionamento anti-capitalismo, sobretudo, de

oposição ao governo americano. Mesmo que esse socialismo do século XXI da Venezuela não

seja necessariamente o mesmo socialismo que motivou a Revolução Cubana há mais de 50

anos.

Nesse aspecto, os elementos gráficos são importantes, visto que o jornal impresso é a mídia

com maior capacidade de lembrança. Portanto, o que gera maior influência a longo prazo nopúblico, agendando o povo cubano. Dessa forma, a presença de vermelho em alguns títulos,

destacando-os, e de fotos, constituem diferenciais. Espera-se de uma publicação ligada ao

governo um conteúdo mais opinativo que informativo. No caso do Granma, há o predomínio

da categoria informativa, mas essa não se orienta pelos valores/notícia comuns ao jornalismo.

O mesmo é possível dizer das temáticas relevantes na editoria internacional. Entre os

assuntos mais comuns, estão a política interna e externa da Venezuela chavista, ou seja, há

outros critérios, os ideológicos, que orientam a escolha das matérias nesse veículo.

Apesar da importância da Venezuela para Cuba, a cobertura é predominantemente realizada

por meio de informações de agências internacionais. Ao contrário da tendência dos países

latino-americanos, há uma forte presença das agências latinas, em detrimento das agências de

países desenvolvidos, mostrando uma valorização da América Latina e consolidando também

um posicionamento contra o capitalismo.

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Sem dúvidas, novas lideranças como a de Hugo Chávez e as mudanças ideológicas tornam

ainda mais complexo o ambiente político do continente. Este estudo é um exemplo dos

desafios que o jornalismo deve enfrentar no continente. Mesmo assim, são poucos autores e

 jornalistas especializados na área. Portanto, fazem-se necessárias mais pesquisas no intuito de

se discutir como o jornalismo internacional pode contribuir para compreensão dessa região do

planeta ainda encarada principalmente sob a ótica do primeiro mundo. Ótica

predominantemente guiada pelos interesses dos dominantes que pretendem manter a lógica

vigente na forma de condução do processo de globalização.

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ANEXOS

QUADRO – Valência das matérias relacionadas à Venezuela na editoria internacional do

 jornal Granma em setembro de 2009

Data Título Valência Resumo

01/09/2009 Chávez destaca unión

África-Sudamérica

Neutra

Em discurso na durante o Congresso

da União Africana, na Líbia, Chávez

defende maior integração entre

América Latina e África.

02/09/2009 Aniversario de revolución

Libia

Neutra

Chávez é um dos líderes que

participou das comemorações do

aniversário de revolução da Líbia.

03/09/2009 Otorgan a Chávez medalla

comemorativa

Positiva

O presidente líbio condecorou

Chávez com a medalha deaniversário da revolução / Em

Caracas a população vai às ruas para

apoiar o presidente.

04/09/2009 Es necesario relanzar el

socialismo por la liberación

de un mundo sin

imperialismo

Neutra

Em visita a Síria, Hugo Chávez

afirma que é preciso exercer o

socialismo para um mundo semimperialismo e reforça

posicionamento contra Israel.

05/09/2009 Washington financia la

oposición venezolana

Neutra

EUA financiou viagem de jovens

venezuelanos com intuito de formar

opositores ao governo Chávez. A

denúncia foi feita por uma escritora eadvogada venezuelana/americana.

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07/09/2009 Crece en Venezuela

respaldo a Chávez

Positiva

Pesquisas indicam 60% de aprovação

do governo Chávez / Visita do

presidente venezuelano ao Irã / 

Medidas de defesa da Venezuela

contra um possível golpe arquitetado

pelos EUA.

09/09/2009 Chávez llega a Belarús Neutra

Chávez visita a Bielorrússia para

formar relações políticas e comerciais

bilatérias com o país.

10/09/2009 Al imperio ya le queda

grande el mundo, afirmó

Chávez en Rusia

Neutra

Em visita a Rússia, Chávez defende a

luta contra o domínio americano.

11/09/2009 Venezuela y Rusia

rubricaron paquete de

acuerdos

Positiva

Em visita a Rússia, Chávez firma

acordos nas áreas energética,

ambiental, jurídica, agrícola e deproteção à propriedade intelectual. 

12/09/2009 Multitudinario recibimiento

a Chávez en Venezuela

Positiva

Após visitar 11 países, Chávez volta

para a Venezuela e é recepcionado

pela população.

14/09/2009 Sismo en Caracas no hubodaños

NeutraTerremoto em Caracas com 6,2 graus

não causa danos.

14/09/2009 Conocimento peligroso Neutra

Denúncia de vazamento de

informações com relação à indústria

petrolífera venezuelana. O suspeito é

o ex-presidente da Petróleos daVenezuela.

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15/09/2009 Venezolanos defienden en

las calles Ley de Educación

Positiva

O povo vai às ruas a favor da Lei da

Educação promulgada pelo governo

para promoção da inclusão social. 

16/09/2009 EE.UU vende el 75% del

armamento mundial

Neutra

Os Estados Unidos são responsáveis

por 75% do comércio de armas

mundial. O secretário de

Departamento de Estado dos EUA

teme os investimentos venezuelanos

no setor armamentista.

17/09/2009 Venezuela inicia curso

escolar

Positiva

Destaca os avanços da Venezuela na

educação primária e secundária,

durante a gestão Chávez. 

18/09/2009 El gran culpable del

narcotráfico se llama

Estados Unidos, afirmaChávez

Neutra

Chávez responde ao Departamento de

Estado americano, afirmando que osEUA são culpados do narcotráfico na

América.

19/09/2009 Marchan en Venezuela en

rechazo a la SIP

Neutra

Jornalistas venezuelanos protestam

contra a Sociedade Interamericana de

Imprensa, sob a alegação de se tratar

de uma instituição de direita, quereforça os valores imperialistas.

21/09/2009 Venezuela consolida la

Revolución Bolivariana

Positiva

Chávez afirma que continuará

trabalhando para intensificar e

consolidar a Revolução Bolivariana.

22/09/2009 Estados Unidosinvolucrado en la intentona

NeutraEx-presidente americano afirma que

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golpista contra Chávez os Estados Unidos tinham

conhecimento sobre a intentona

contra Chávez realizada em 2002.

22/09/2009 Brutal agresión a periodista

de Telesur en Ecuador

Neutra

Jornalista da Telesur é agredida no

Equador

23/09/2009 Llegan a Guatemala

alimentos donados por

Venezuela

Positiva

A Venezuela enviou alimentos para a

Guatemala que passa por estado de

calamidade em função da crise de

alimentos. 

24/09/2009 Chávez insta al pueblo

norteamericano a luchar

por el cambio del mundo

Neutra

Durante uma reunião de sindicatos

em Nova Iorque, Chávez defende que

o povo americano lute para mudar o

mundo.

24/09/2009 Llaman en la ONU a

levantar bloqueo a Cuba

Neutra

Líderes de alguns países defendem ocancelamento do bloqueio a Cuba

durante a 64ª reunião da Assembléia

Geral da ONU. Entre eles, Hugo

Chávez

25/09/2009 Solo el socialismo salvará

al planeta, afirmó Chávez

em la ONU

Positiva Durante seu discurso na Assembléia

Geral da ONU, Chávez defende o

socialismo / Presidente sul-africanotambém é contra o bloqueio a Cuba

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QUADRO – Características das matérias relacionadas à Venezuela na editoria internacional

do jornal Granma em setembro de 2009

Data Cor do título Foto Categoria Gênero Origem

01/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia Telesur, DPA

02/09/2009 Preto X Informativa  Nota  PL

03/09/2009 Preto X Informativa  Notícia  JANA, PL

04/09/2009 Preto X Informativa Notícia  ABN

05/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia  Telesur

07/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia  PL, redação

Granma 

09/09/2009 Preto Informativa Notícia  Telesur

10/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia  Notimex, Telesur

e ABN

11/09/2009 Preto Informativa Notícia  Telesur, PL,

YVKE

12/09/2009 Preto X Informativa Notícia  SE, Telesur

14/09/2009 Preto Informativa Nota  Cubadebate

14/09/2009 Preto Informativa Nota  YVKE

15/09/2009 Preto Informativa Notícia  PL

16/09/2009 Preto Informativa Notícia  ABN

17/09/2009 Preto Informativa Notícia  PL

18/09/2009 Preto X Informativa Notícia  PL, Telesur

19/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia  PL

21/09/2009 Preto X Informativa Notícia  PL, Telesur

22/09/2009 Preto X Informativa Notícia  DPA, AFP

22/09/2009 Preto X Informativa Notícia  PL, Telesur

23/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia  YVKE, EFE

24/09/2009 Vermelho X Informativa Notícia Telesur

24/09/2009 Vermelho X Informativa Reportagem  ANSA, PL, EFE,

YVKE

25/09/2009 Vermelho X Informativa Reportagem ABN

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