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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE (Uni-BH)
MICHELLE ANDRADE LESSA
JORNALISMO INVESTIGATIVO NA TV:
análise das técnicas de reportagem empregadas na construção das reportagensinvestigativas do Fantástico
Belo Horizonte2011
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MICHELLE ANDRADE LESSA
JORNALISMO INVESTIGATIVO NA TV:
análise das técnicas de reportagem empregadas na construção das reportagensinvestigativas do Fantástico
Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social/Jornalismo,do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), como requisitoparcial para obtenção do título de bacharel em jornalismo.
Orientadora: Professora Adélia Barroso Fernandes
Belo Horizonte
2011
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Dedico este trabalho a meus pais, que sempre estiveram ao meu lado e
venceram todas as dificuldades para realizar o meu grande sonho: ser
jornalista.
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Agradeço, primeiramente, a Deus, pelas bênçãos sem medidas.
A meus pais e minha irmã, pela paciência, apoio, carinho e amor
incondicional durante todos estes anos.
Ao Gabriel, por compreender meus momentos de ausência.
À minha orientadora Adélia Barroso Fernandes, que me ajudou a
percorrer os caminhos desta pesquisa e chegar ao fim.
À professora Fernanda Agostinho de Andrade Coelho, por me ajudar a
reunir minhas duas paixões neste trabalho.
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RESUMO
Este trabalho visa analisar a construção das reportagens investigativas do programa
Fantástico, da Rede Globo, considerando os métodos e técnicas utilizados. Para embasar a
análise, são estudados os conceitos de jornalismo investigativo e de televisão, a forma de
relação entre repórter e fonte, as questões éticas que norteiam o trabalho profissional e as
técnicas utilizadas na reportagem de TV, além de elucidar e construir o conceito de revista
eletrônica. A relevância pessoal do tema torna-se, também, acadêmica, a partir do momento
em que representa um avanço nos estudos sobre jornalismo investigativo na televisão, assunto
escasso na academia. Na análise empírica do objeto, são apresentados o programa e as
reportagens a serem estudados, relacionando-os com a teoria pesquisada e a prática
vivenciada. Na conclusão, percebe-se a contradição existente na entre a prática e as teorias. A
primeira perde-se ao ignorar a categoria investigativa como ramo específico do jornalismo,
considerando-se que é provada a rotina diferenciada deste repórter. A segunda confunde-se ao
tratar do que é ou não proibido no exercício do trabalho investigativo.
Palavras-chave: Comunicação Social; Jornalismo de televisão; Revista eletrônica;Reportagem investigativa; Ética jornalística; Interesse público; Fantástico.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 06
1 JORNALISMO INVESTIGATIVO ................................................................................. 08
1.1 Conceitos do jornalismo investigativo .............................................................................. 08
1.2 Métodos e técnicas do jornalismo investigativo ................................................................ 10
1.3 O envolvimento do repórter com a fonte ........................................................................... 12
1.4 A ética no jornalismo ......................................................................................................... 14
2 JORNALISMO DE TELEVISÃO .................................................................................... 17
2.1 A produção na redação de TV ........................................................................................... 17
2.2 Técnicas de reportagem televisiva ..................................................................................... 20
2.3 Revista na TV .................................................................................................................... 22
3 ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS REPORTAGENS INVESTIGATIVAS DO FANTÁSTICO ........................................................................................................................ 26
3.1 Fantástico, o show da vida ................................................................................................ 26
3.2 Apresentação das reportagens investigativas .................................................................... 283.2.1 Cadastro nacional de desaparecidos não funciona ......................................................... 28
3.2.2 Escolas públicas oferecem aos alunos merenda estragada ............................................. 31
3.2.3 Médicos e dentistas fraudam plantões para receber sem trabalhar ................................. 36
3.2.4 Mansões estão em áreas destinadas a famílias carentes ................................................. 42
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 46
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 49
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INTRODUÇÃO
O tema de pesquisa do presente trabalho é jornalismo investigativo, televisão é ética. Este
tema surgiu com o objetivo de unir duas áreas de interesse: investigação e televisão. Após
alguma pesquisa, encontrou-se o objeto de análise que, além de se encaixar no tema proposto,
também representa o campo de interesse da autora. Além da relevância pessoal, o trabalho
possui, também, importância acadêmica para o campo da Comunicação Social, já que os
estudos existentes sobre jornalismo investigativo são raros e escassos, além de a maioria dos
teóricos não defender a categoria.
Vários fatores contribuem, também, para a escassez destes profissionais nas redações, devidoà lógica diferenciada de trabalho, que demanda tempo, dedicação do repórter e altos gastos.
Nas redações de televisão, a presença dos jornalistas investigativos é ainda mais rara, já que
segue na contramão do fluxo da informação que, geralmente, é rápido, curto e objetivo. Além
disso, o trabalho do repórter investigativo de televisão é mais complexo, pois necessita de
imagens para comprovar os fatos que procuram estar escondidos da sociedade.
Para realizar este trabalho, os repórteres investigativos se veem entre duas vertentes, a buscaincessante por encontrar fatos e comprovações da matéria e os princípios éticos que norteiam
a profissão. Muitos dos recursos utilizados para fazer o jornalismo investigativo vão de
encontro com a ética, como o uso de câmeras e gravadores ocultos, infiltração, falsa
identidade e grampos telefônicos. Estes métodos são considerados discutíveis por sua
ilegalidade e invasão de privacidade. Dessa forma, é importante conhecer um pouco a lei para
não cometer irregularidades.
O objetivo deste trabalho é analisar a construção de uma reportagem investigativa para a
televisão, baseado em um referencial teórico sobre jornalismo de televisão, jornalismo
investigativo, revista eletrônica e ética.
O objeto empírico é a série de reportagens investigativas do programa Fantástico, da Rede
Globo, exibidas de abril a julho de 2011. O programa, há mais de trinta anos no ar é pioneiro
na produção de reportagens investigativas em televisão, de acordo com Brasil (2007), e possui
grande audiência de público e bastante espaço para a exibição das matérias. A revista
eletrônica semanal foi criada por José Bonifácio de Oliveira Sorinho, o Boni, com o objetivo
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de misturar jornalismo e entretenimento para o público. Atualmente, é dirigida por Luiz
Nascimento e apresentada por Patrícia Poeta, Zeca Camargo, Renata Ceribelli e Tadeu
Schmidt.
O estudo mostra como são construídas as reportagens investigativas na televisão, quais são os
métodos e técnicas utilizados, como se relacionam repórter e fonte, como são tratadas as
questões éticas que norteiam a profissão e como as matérias se encaixam no formato revista
eletrônica, gênero do objeto estudado.
Dentre os capítulos teóricos, o primeiro esclarece o conceito de jornalismo investigativo,
abordando o contexto histórico, as dificuldades encontradas no exercício da profissão, adiferença com o trabalho diário e a escassez dos profissionais nas redações. Além disso,
procura mostrar a existência do jornalismo investigativo como categoria específica, baseando-
se nos estudos teóricos e nas análises dos métodos e técnicas diferenciadas para a produção
das matérias investigativas.
Outro aspecto importante, tratado neste capítulo, é o papel do repórter investigador, sua
relação com as fontes de informação e seus questionamentos sobre os princípios éticos pelosquais se depara durante todo o processo de trabalho, considerando a validação dos recursos
investigativos utilizados, como câmera escondida, grampo telefônico, gravador, microfone
embutido, disfarces e infiltração.
O segundo capítulo mostra a rotina de uma redação de TV, para entender como funciona o dia
a dia da televisão brasileira e do próprio jornalista e estudar as funções que cada um
representa no noticiário televisivo. Além disso, introduz as técnicas da prática da reportagemtelevisiva, diferenciando-a das demais mídias de comunicação. Também mostrou-se
necessária a classificação do estilo próprio adotado pelo programa Fantástico e a construção
do conceito de revista eletrônica.
No capítulo de análise, é feita uma breve apresentação do objeto empírico, incluindo as
mudanças pelas quais passou durante os 38 anos de existência. Para poder construir a análise,
são apresentadas, também, as quatro reportagens investigativas analisadas. Após a conclusão
das descrições, é feita uma análise geral dos métodos e técnicas encontrados na construção de
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todas as matérias, baseando-se nas teorias dos dois primeiros capítulos. Posteriormente, são
realizadas análises específicas, mostrando o processo de construção de cada reportagem.
Dessa forma, é possível entender como são construídas as reportagens investigativas do
programa Fantástico.
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1 JORNALISMO INVESTIGATIVO
Para esclarecer o conceito de jornalismo investigativo, é preciso aprofundar-se no universo
histórico da categoria para entender uma das questões mais recorrentes que envolvem essa
profissão: o ser ou não ser jornalista investigativo. Para isso, foram utilizadas as obras de
Fortes (2005), Lopes e Proença (2003) e Sequeira (2005), que embasam os estudos sobre as
técnicas e especificidades da categoria.
Para introduzir as relações entre jornalismo e ética, muito presentes na profissão, foram
consultadas as obras de Cornu (1994) e Karam (1997; 2004).
2.1 Conceitos do jornalismo investigativo
O jornalismo investigativo é um “prestador de serviços à comunidade” (SEQUEIRA, 2005, p.
61) e tem por função “a busca da verdade oculta” (LOPES; PROENÇA, 2003, p. 13). Para
sustentar esta classificação, as reportagens investigativas têm como objetivo divulgar tudo
aquilo que autoridades de públicas procuram esconder da sociedade. Geralmente, são fatos de
interesse público e que exigem muita dedicação do repórter durante todo o processo deprodução da reportagem, principalmente durante a apuração. Por este motivo, a construção
das reportagens investigativas vai além da atividade na redação, propondo novas formas de
execução, mais intensas e profundas, e buscando levar ao leitor a informação completa.
Para entender um pouco mais sobre esse gênero jornalístico, é preciso voltar no tempo e
abordar a sua origem histórica. O jornalismo investigativo surgiu em meados de 1955, no pós-
Segunda Guerra Mundial, e desenvolveu-se até 1974. Apesar de receber pouca atenção dopúblico, no meio jornalístico, os trabalhos mais conhecidos foram quase totalmente
produzidos nos Estados Unidos, em consequência da participação do país na Guerra do Vietnã
(1964-1973). Nesse período, os jornalistas norteamericanos se posicionaram contra o governo
e passaram a criticar a atuação dos políticos. Muitas dessas críticas chegaram ao público por
meio das revistas Life e Look .
Porém, de acordo com Lopes (2003), o nome “jornalismo investigativo”, propriamente dito,
surgiu mais precisamente no dia 18 de junho de 1972, quando os jornalistas Carl Bernstein e
Bob Woodward, d‟The Washinton Post , publicaram uma matéria sobre o Caso Watergate, o
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primeiro caso de jornalismo investigativo do mundo, que culminou na renúncia do então
presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, em 9 de agosto de 1974. Após este fato, o
jornalista investigativo ganhou mais espaço e credibilidade diante do público. Mostrou-se que
era necessário investigar mais a fundo a informação, documentar dados, questionar os
acontecimentos, indagar soluções. Assim, surgiu o que hoje chamamos de “jornalismo
investigativo”.
No Brasil, esse surgimento demorou um pouco mais. Segundo Fortes (2005, p. 14), “o boom
da investigação jornalística teve de esperar o fim da ditadura militar (1964-1985) para
acontecer.” Naquele período, a imprensa era escondida e censurada. Somente após a
redemocratização do país, em 1985, os jornais puderam mostrar a que vieram. Porém, “omarco zero do jornalismo investigativo”, como Fortes (2005) menciona, foi o impeachment
do então presidente Fernando Collor de Melo, o qual foi alvo de diversos escândalos durante
seu governo (1990-1992), que possibilitaram “uma febre investigatória [...] na imprensa
nacional”. (FORTES, 2005, p. 14). Por fim, em 2002, com a criação da Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo (Abraji), o jornalismo investigativo pode então se sustentar.
Do mesmo modo que não se pode iniciar um estudo sobre esta categoria sem abordar suaorigem histórica, também não há como se aprofundar em suas características sem que antes
seja esclarecida uma questão muito recorrente entre vários estudiosos do tema: “se a
investigação é inerente à atividade jornalística, o termo „jornalismo investigativo‟ não seria
redundante?” (SEQUEIRA, 2005, p. 15). Segundo Sequeira (2005), a maioria destes
estudiosos ignora esta categoria na profissão, “[...] pois todo jornalismo pressupõe certa
investigação, e a terminologia não passaria de uma forma pomposa para definir um trabalho
de reportagem bem-feito, como todos deveriam ser.” (SEQUEIRA, 2005, p. 10-11).
Em contrapartida, percebemos que o tipo de investigação realizada no trabalho diário do
jornalista é diferente daquele feito pelo repórter investigativo. Posteriormente, veremos que o
processo de trabalho e os métodos e técnicas utilizados pelo jornalista investigativo são
únicos. Dessa forma, o jornalismo investigativo é “uma categoria que se diferencia das
outras”. (SEQUEIRA, 2005, p. 15).
Muitas vezes, isso acontece devido à própria rotina do trabalho investigativo, que demanda
tempo e dinheiro, variáveis que, hoje, são escassas nas redações. Outras vezes, o motivo se dá
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pela linha editorial das empresas, descrita em seus manuais de redação. Estes, segundo
Sequeira (2005), delimitam a construção da notícia, dando preferência a matérias curtas e com
pouca informação, características contrárias às técnicas de produção do jornalismo
investigativo. Por estes motivos, ele é ainda pouco presente nas redações, principalmente
brasileiras, nas quais esta não é a realidade atual do profissional.
Fortes (2005) também acredita que, no Brasil, a profissão do jornalista investigativo ainda se
encontra tímida e confusa. Muitas vezes, o trabalho se relaciona a matérias sobre denúncias e
escândalos policiais, e não há a participação efetiva do repórter, o assunto já se encontra
pronto, não é preciso nem apurar. Diferentemente de hoje, antes da existência da internet e do
fax, a apuração feita pelo repórter era uma investigação, pois não havia as ferramentas debusca que existem hoje, tudo era feito pessoalmente e de modo bastante extenso. “Em tempos
idos, o mesmo repórter teria que ir fuçar nos arquivos da redação, procurar em jornais antigos,
enciclopédias, almanaques, consultar sábios de plantão para achar a informação desejada.”
(FORTES, 2005, p. 13).
Dessa forma, é possível traçar o perfil do jornalista investigativo, aquele que corre atrás das
informações que insistem em ficar escondidas. Sua missão é
[...] promover reformas; expor injustiças; desmascarar fraudes; dar a conhecer o queos poderes públicos querem ocultar; detectar quais as instituições cumprem os seusdeveres; demonstrar como funcionam os organismos públicos; dar informações aosleitores sobre políticos e suas intenções e reconstruir acontecimentos importantes.(LOPES e PROENÇA, 2003, p. 15).
Por isso, o jornalista investigativo é, antes de tudo, “o guardião da sociedade”. (SEQUEIRA,
2005, p. 24).
2.2 Métodos e técnicas do jornalismo investigativo
O jornalismo investigativo possui características diferentes do jornalismo convencional. Hoje,
o jornalismo diário é prioritariamente feito por meio de informações oriundas de agências
noticiosas e reformulações de releases enviados por assessorias de imprensa ou órgãos
públicos e privados, sem a preocupação de uma apuração bem feita. Nesse caso, o assunto já
se encontra pronto, basta formatá-lo ao modelo jornalístico. Além disso, as matérias são
produzidas conforme tempo e formato previstos, estipulados pelos veículos de informação e
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seguindo seus preceitos. Nesse caso, não há qualquer presença da prática jornalística de
investigação.
Já o jornalismo investigativo se encontra na “contramão do fluxo da informação”, de acordo
com Sequeira (2005, p. 38), pois se descartam as “fontes estáveis”, fazendo um trabalho
único, extenso, que demanda tempo, espaço para veiculação, dedicação do repórter e altos
gastos. Dessa forma, a atividade jornalística vai além das redações e utiliza mais do que
dados, estatísticas e documentos em sua apuração. Com profunda investigação dos fatos e
acontecimentos, o repórter emprega métodos e estratégias próprias, que não se mostram
presentes na rotina dos repórteres diários.
Fortes (2005) aponta algumas destas estratégias e passos que o jornalista investigativo deve
seguir: fazer uma “pesquisa minuciosa dos fatos”, ter “paciência e concentração”, “insistência
e perseverança”, “atenção especial a todos os tipos de documentações disponíveis”, realizar
muitas entrevistas, ter “conhecimento policial básico”, “curiosidade e desconfiança”,
“discrição”, checar documentos e informações, libertar -se de preconceitos, ter organização,
“frieza, objetividade e precisão”, “lealdade ao leitor”, “coragem e responsabilidade”, “respeito
às fontes” e “clareza e simplicidade”. (FORTES, 2005, p. 30-37).
Porém, estes métodos não são a principal diferença entre os dois tipos de jornalismo. De
acordo com Sequeira (2005), o que torna o jornalismo investigativo único e diferente de
qualquer outra categoria é a sensibilidade, o olfato jornalístico e a intuição do repórter. Sem
isso, não há reportagem investigativa. Ele precisa buscar fatos, informações e convencer seus
superiores a publicar a matéria, pois as viagens, geralmente necessárias a esse tipo de
trabalho, são caras e demoradas. Por isso, é preciso participar de todo o processo de produção.
Na realidade, qualquer jornalista pode fazer reportagem investigativa, pois as técnicas de
jornalismo são muito parecidas em todas as categorias. No fim, são resultado de muita
apuração, entrevistas e pesquisa. “O que diferencia o jornalismo investigativo dos demais
setores da atividade são as circunstâncias, normalmente mais complexas, dos fatos, sua
extensão noticiosa e o tempo de duração que, necessariamente, deve ser maior, embora quase
sempre exercido sobre pressão.” (FORTES, 2005, p. 30).
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O jornalista investigativo trabalha de modo exclusivo e peculiar. A partir do momento em que
se depara com uma produção investigativa, ele se torna mais que um simples repórter, mas um
detetive, um investigador, que trabalha exclusivamente e exaustivamente para encontrar
respostas para suas perguntas. Diferentemente do repórter diário, é ele o detentor de toda a
informação. O jornalista investigativo não somente a transmite aos leitores, mas é ele quem a
cria e a constrói. Para isso, o profissional utiliza vários métodos e técnicas específicas para o
trabalho investigativo.
Antes de iniciar uma investigação, o repórter precisa descobrir um tema relevante, que
justifique uma produção mais apurada. Essas ideias, segundo Lopes (2003, p. 16-17), podem
vir de uma “observação direta dos acontecimentos do cotidiano”, “avisos anônimos, contato permanente com as fontes de informação e um fato atual”.
Outra técnica que permite iniciar uma possível investigação é a chamada infiltração.Ou seja, o jornalista se “infiltra” no lugar onde ele intui que estejam osacontecimentos, procurando não se identificar. A infiltração possibilita a maioraproximação física dos acontecimentos para comprovar in loco como funcionam.(LOPES, 2003, p. 17).
Depois de descoberto o tema, o jornalista inicia seu processo de trabalho, adquirindo omáximo de dados e informações sobre ele, estudando as possibilidades e traçando o que
Montserrat Quesada1 (1987 apud SEQUEIRA, 2005) chama de “metodologia de trabalho”.
Nessa última fase, o repórter define as fontes a serem entrevistadas, as viagens necessárias a
fazer, o tempo gasto para executar cada tarefa, os métodos e estratégias que serão utilizados e,
também, o quanto será gasto nesse processo. Enfim, antes de ir a campo, o jornalista
investigativo realiza um extenso trabalho teórico, imprescindível para garantir o sucesso da
matéria, analisando as questões históricas, legais e técnicas, além de comprovar com
documentos as informações dadas pelas fontes.
2.3 O envolvimento do repórter com a fonte
Para realizar um trabalho jornalístico de qualidade, é necessária a existência das fontes de
informação, principal ligação entre o repórter e o fato. “Todo jornalista que se preza – e não
só o investigador – tem uma agenda sortida de fontes trabalhadas ao longo dos anos, sem a
qual seria impossível desenvolver o seu trabalho.” (LOPES, 2003, p. 21).
1 QUESADA, Montserrat. La investigación periodística – El caso español. Barcelona: Editora Ariel, 1987.
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Porém, é preciso muito cuidado ao se relacionar com as fontes. Sequeira (2005, p. 80) acredita
que “cada repórter [...] é único, na sua forma de avaliar e se relacionar com suas fontes”,
porém, todos devem o mesmo respeito e consideração. A “fonte de informação” não deve ser
menosprezada, não existe nenhuma relação de superioridade do jornalista para com a sua
fonte. Ao contrário, é preciso estreitar relações, tornar-se conhecido. Um mínimo de empatia é
fundamental para ser lembrado e aceito pela fonte. Assim, o trabalho de investigação é
facilitado, pois sempre será possível “contar” com aquela pessoa, o que é importante no
trabalho do jornalista investigativo, pois há bastante dificuldade em conseguir informações.
Também é importante saber escolher a fonte de informação, que seja livre de interesses e
poder, pois estas podem tentar manipular a conversa. Porém, se for o caso, uma boa solução éconfrontar as informações do entrevistado. Também é adequado manter um mínimo de
distância entre o repórter e a fonte, para não permitir que ela comande a entrevista. Segundo
Fortes (2005), não deixar a fonte participar do processo de edição é uma forma de não
permitir que ela passe seus interesses, principalmente se as fontes forem oficiais.
Por isso, para realizar uma boa entrevista, o repórter precisa estar preparado, dominar
completamente o assunto a ser tratado e levar consigo documentos que o ajude a confrontar asinformações que o entrevistado passará. Para isso, uma apuração bem feita e um exaustivo
levantamento documental sobre o tema a ser abordado são imprescindíveis. Dessa forma, o
repórter terá mais segurança para encarar o entrevistado de frente e conseguir as informações
que deseja, sem ser ludibriado.
É dever e direito do jornalista, previsto pela Constituição Federal e pelo Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, guardar a sua fonte e mantê-la segura, principalmente quando se tratade fontes anônimas, as chamadas fontes off the record , hoje, fontes em off . Em casos de risco
de morte ou mesmo para assegurar o cargo ou posição social da fonte, elas são muito
utilizadas. No entanto, é preciso cuidado. O repórter é o responsável legal pelo que publica,
portanto, ele deve ter certeza da veracidade das informações que a fonte passa. Por isso, é
preciso explicitar na matéria a existência do anonimato e todos os dados obtidos devem ser
confrontados e checados por, no mínimo, mais duas fontes (triangulação).
Segundo Fortes (2005), a utilização destas fontes é muito discutida no meio jornalístico,
principalmente porque, apesar de o repórter levar a culpa, não é dele a decisão de se “quebrar
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o off ”, mas sim de seus superiores, dos donos dos veículos ou até mesmo dos departamentos
jurídicos. Portanto, cabe ao jornalista, juntamente com seus editores, estudar todas as
possibilidades antes de se iniciar uma investigação por meio de uma informação em off .
2.4 A ética no jornalismo
O jornalista investigativo, muitas vezes, se depara com diversas situações em que seus
preceitos éticos são questionados. Diferentemente do jornalista diário, seu trabalho de
apuração, produção e execução é muito mais complexo e trabalhoso. Para isso, muitas são as
ferramentas utilizadas na investigação que, nem sempre, possuem caráter ético.
A ética é um conjunto de valores e atitudes que pretende orientar a sociedade perante a lei.
Não só no exercício jornalístico, como em qualquer profissão, a ética deve estar presente e se
mostrar presente nas ações de cada indivíduo. Em sua profissão, o jornalista sempre se vê
entre duas vertentes, a busca incessante por encontrar os fatos e comprovações da matéria e os
princípios éticos. Porém, como assevera Karam (2004), o jornalista tem a obrigação de
defender os princípios éticos que norteiam a sua profissão, contribuindo para a formação de
uma sociedade mais qualificada e ativa, sem tornar-se refém do “presente”, mas unir passadoe futuro à realidade.
O jornalista pode optar, dentre outras funções, por “ser uma referência imediata para a ação
social”, afinal, matérias jornalísticas trazem para o leitor informações que cabe à profissão
divulgar, como questões relacionadas ao cotidiano da sociedade. (KARAM, 2004, p. 22).
Porém, o jornalista se vê sempre em meio a contradições, como a negatividade das
informações, a discussão sobre neutralidade e imparcialidade, recorrentemente abordada porteóricos e jornalistas e muito cobrada pelos editores, e a manipulação jornalística. Para vencer
estas questões, o profissional se embasa nos códigos éticos e procura confrontar todos os
dados e informações obtidas, pois “é importante que seu trabalho seja revestido de uma ética
rígida e profissional que o leve a assegurar-se de que a informação que vai publicar é
completa e absolutamente exata.” (LOPES, 2003, p. 15).
No jornalismo investigativo, propriamente dito, o repórter lida diretamente com a ética todo o
tempo, sendo obrigado a fazer escolhas quanto à utilização de ferramentas e recursos próprios
da profissão, como câmeras ocultas, gravadores, disfarces, grampos telefônicos e falsa
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identidade. De acordo com Fortes (2005), “a tentação de se descobrir a verdade, ou dela se
apropriar como trunfo, pode levar as redações a optarem por todo tipo de meio investigativo,
legal ou não, graças à velha máxima de que os fins justificam o meio.” Para utilizar estas
ferramentas, porém, o jornalista deve “colocar certas coisas na balança” para não se
arrepender depois. (FORTES, 2005, p.17).
Desse modo, estes métodos, muito utilizados no trabalho jornalístico, devem ser estudados
quanto à validação ética. Muitas vezes, podem trazer à matéria riscos de ilegalidade. Por isso
mesmo, muitos teóricos abominam até o uso das ferramentas mais simples, que facilitam o
trabalho dos jornalistas, como gravadores, por apresentar um desconforto para o entrevistado.
Além disso, usar um gravador também é um risco para o repórter, pois o entrevistado pode sesentir intimidado com o aparelho e não revelar todas as informações desejadas.
Já o uso de grampos telefônicos, câmeras e microfones ocultos, disfarces e falsa identidade
geram um pouco mais de discussão ética por sua possível ilegalidade e invasão de
privacidade, mas, também, pela falta de clareza no Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros:
Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações:[...]III - obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas,câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interessepúblico e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração. (CÓDIGO DEÉTICA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS, FENAJ, 2007, p. 2-3).
Dessa forma, torna-se muito ampla a não-permissão do uso dessas ferramentas no exercício
do jornalismo investigativo que, muitas vezes, requer mais do que simples apuração, mesmo
que longa e precisa. Assim, “há uma margem de subjetividade no julgamento do que seja ummétodo „ilícito‟ em comparação com a necessidade do público de receber uma informação
imparcial e idônea, com diversidade de fontes e de interpretações.” (KARAM, 1997, p. 102).
Os grampos são, geralmente, ferramentas utilizadas por policiais. Portanto, quando estas não
estão sob autorização judicial, podem ser consideradas ilícitas e constituir crime. Porém,
como explica o repórter Rubens Valente2 (em entrevista para SEQUEIRA, 2005, p. 78),
“muitas vezes, esses grampos são feitos por terceiros e acabam vazando para a imprensa, „o2 In: SEQUEIRA, Cleofe Monteiro de. Jornalismo Investigativo: o fato por trás da notícia. São Paulo: Summus,2005.
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que é totalmente diferente‟”, pois já não se trata de um trabalho feito pelo repórter, ele apenas
utiliza uma fonte já existente.
Em relação às câmeras escondidas, muitos são os adeptos, e justificam a importância do uso
para dar credibilidade às acusações. Por outro lado, há, também, os que são radicalmente
contra e condenam toda e qualquer forma de gravação oculta, baseando-se nos preceitos
éticos e no caráter pessoal do jornalista. Porém, Rubens Valente3 (em entrevista para
SEQUEIRA, 2005, p. 78-79) lembra que, “como há jurisprudência no Supremo Tribunal
Federal que autoriza o jornalista a gravar sua própria conversa sem prévia autorização da
pessoa, essa atitude é uma autodefesa quando as autoridades vêm a público dizer que nunca
disseram o que foi publicado.” Dessa forma, o próprio Supremo Tribunal Federal contrapõe aregra descrita no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.
O uso de disfarces, como as infiltrações, ou o método da falsa identidade, também são mal
vistos por muitos estudiosos, pois é contraditório mentir para mostrar a verdade. Além disso,
como defende Brasil (2007), a utilização destes métodos constitui crime previsto no artigo
307 do Código Penal:
Art. 307 – Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, emproveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elementode crime mãos grave.4
Portanto, é preciso balancear o uso ou não-uso desses métodos. Para isso, o jornalista precisa
ter maturidade e experiência para saber escolher, pois a responsabilidade da informação é dele
e do veículo para o qual trabalha. “A renúncia a métodos qualificados como desleais supõe, a
montante, a proscrição de qualquer acto de caráter ilegal, visando a obtenção de documentosou de informações.” (CORNU, 1994, p. 82).
3 Idem.4 Código Penal. http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/comuniquese-. Acessado em: 10 de set. de2011.
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2 JORNALISMO DE TELEVISÃO
Para entender a rotina de uma redação de TV e introduzir as técnicas da prática da reportagem
televisiva foram consultadas as obras de Barbeiro e Lima (2005), Bistane e Bacellar (2005),
Kotscho (2000), Maciel (1995) e Paternostro (2006). Por meio destes teóricos, foi possível
entender como funciona o dia a dia da televisão brasileira e do próprio jornalista e estudar as
funções que cada profissional representa no noticiário televisivo.
Também mostrou-se necessária a classificação do estilo próprio adotado pelo programa
Fantástico, objeto de estudo do presente trabalho. Para auxiliar na construção do conceito de
revista eletrônica, foram utilizadas as obras de Gomes (2006), Jespers (1998), Scalzo (2006),Sodré (1975), Souza (2004) e Vilas Boas (1996).
2.1 A produção na redação de TV
A produção em televisão é diversa, cada veículo possui suas próprias linguagens, limitações e
recursos. O que muda em cada um é a maneira como as informações são passadas e as
notícias, transmitidas. Em uma redação, há vários profissionais que desempenham funçõesúnicas e específicas, mas que, no fim, resultam em um único produto: a informação. O diretor
do Departamento de Jornalismo, segundo Maciel (1995), é quem coordena todo o processo.
Abaixo dele, há uma estrutura básica dividida em duas partes, a produção e a edição.
A produção é composta pelos pauteiros, produtores e repórteres, os quais são chefiados pelo
Chefe de Reportagem. Sua função é “abastecer o veículo de notícias e reportagens”.
(MACIEL, 1995, p. 28). Já a edição é a parte da televisão que organiza essas notícias ereportagens realizadas pela equipe de produção, dando a elas estrutura e formato para serem
exibidas no jornal. Esse grupo é formado pelos editores de texto e imagem, os quais são
dirigidos pelo Chefe de Redação. O trabalho é, então, finalizado pelos cinegrafistas e a equipe
de operações, que contribuem para a execução do jornal.
A rotina de uma redação de TV é bem simples. Tudo começa com a chegada de informações,
vindas de vários lugares. Releases de assessorias de imprensa, agências noticiosas, internet,
jornais impressos ou pelos próprios jornalistas. O responsável por coletá-las e o profissional
que tem o primeiro contato com elas é pauteiro.
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O pauteiro é o responsável por selecionar e organizar toda a informação que chega, dando a
ela o encaminhamento editorial correto, o qual será trabalhado posteriormente pelo produtor,
que escolherá temas, ideias e produzirá as pautas que os repórteres devem cumprir.
Juntamente com ele, há a figura do apurador, que tem a função de “buscar” i nformações que
servirão de pautas factuais – informações “quentes”, do dia – para os repórteres. Os
apuradores fazem as chamadas rondas telefônicas. “São telefonemas para a polícia,
bombeiros, postos rodoviários, defesa civil, prontos-socorros, aeroportos, enfim, uma
variedade de órgãos públicos e privados.” (BARBEIRO, 2005, p. 112).
Hoje, porém, observa-se a extinção do pauteiro em alguns veículos, função assumida
diretamente pelo produtor. Os que ainda possuem os dois profissionais, muitas vezes seconfundem com a função de cada um e não deixam claros os papéis a serem cumpridos.
A função do pauteiro é marcar entrevistas, pedir autorização para a gravação deimagens, levantar dados por telefone, organizar essas informações e fazer um roteirode trabalho para a equipe de reportagem. Já o produtor é aquele que fareja e notícia,que corre atrás da informação até juntar as peças do quebra-cabeça que compõemuma investigação. Ele é capaz de reconhecer temas relevantes, que podem setransformar em matérias, e passariam despercebidos para os outros. Exerce a funçãode repórter, embora não apareça no vídeo. São os produtores que descobrem matériascapazes de diferenciar um telejornal do outro. (BISTANE; BACELLAR, 2006, P. 47).
Por terem essa função tão completa, muitos repórteres se acomodaram com as informações
prontas, vindas dos produtores, e se tornaram meros “cumpridores de pauta”, como afirma
Kotsho (2000). Bistane e Bacellar (2006, p. 47) acreditam que este motivo se dá “devido ao
trabalho em “escala industrial”, ao imediatismo e à falta de preparo” destes profissionais. A
solução é cultivar fontes, buscar assuntos, ficar atento a tudo e propor matérias ao chegar à
redação.
O repórter também não deve se limitar à pauta, deve sempre acrescentar algo. Antigamente, o
papel do repórter era simples. A rotina dependia dos assuntos do dia a dia, mas a função era
sempre a mesma: cumprir a pauta pré-determinada pelo produtor e voltar à redação antes do
deadline. Porém, hoje tudo mudou. A profissão do jornalista se tornou muito complexa e
difícil, por isso, Kotscho (2000) garante ser uma “opção de vida”, em que “o repórter só deve
ser repórter se isso for irreversível”.
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Na realidade, ser repórter é ser um contador de histórias. Ver, ouvir e transmitir os fatos a
outras pessoas. De acordo com Bistane e Bacellar (2006, p. 13), esta é a grande função e “o
desafio diário do repórter de TV: relatar com precisão e síntese”. Segundo Kotscho (2000, p.
8), “é a arte de informar para transformar”. Para isso, é preciso ter a capacidade de se
confrontar com uma história, entendê-la e, assim, contá-la da melhor e menor maneira
possível, pois o tempo para entendimento do telespectador é curto.
De volta à redação, com o material pronto, o repórter entrega ao editor de imagem o trabalho
feito na rua. Enquanto isso, o editor de texto organiza e seleciona os offs, sonoras e imagens,
redige a cabeça da matéria – notícia que resume e introduz a reportagem, equivalente ao lead
do jornal impresso – e o pé – informação que complementa a matéria e não foi dita nos offs.Hoje, porém, muitos repórteres ampliam sua área de atuação, sendo cada vez mais solicitados
a se envolverem no processo de edição do material feito na rua. Esta alteração de
configuração acontece, de acordo com Maciel (1995, p. 29), devido à “rápida modernização
de estrutura do jornalismo em geral, e do telejornalismo em particular”.
Na ilha de edição é que as reportagens são montadas para serem transmitidas ao telespectador.
O editor de imagem seleciona todo o material bruto, escolhe os melhores sons e imagens e dáa eles uma ordem lógica, com início, meio e fim.
Editar é uma arte. No sentido de lapidar a reportagem usando seus ingredientesbásicos – imagem, informação e emoção – para contar uma história no tempo certo. Otempo certo de cada reportagem depende da importância jornalística do assunto e daforça das imagens. O ritmo e o estilo de cada telejornal são fatores que tambéminfluenciam a edição de uma matéria. (PATERNOSTRO, 2006, p. 162).
Por isso, se a qualidade da edição não for boa, de nada valerá um bom material. Do mesmo
modo, se o trabalho não for feito de maneira rápida e dentro do prazo estabelecido, de nada
valerá uma boa edição, a matéria vai “cair”5.
Outro profissional responsável pela conclusão do trabalho de edição é o cinegrafista, que atua
tanto na construção da reportagem, juntamente com o repórter, quanto na exibição do jornal.
“Em reportagens externas, repórteres e cinegrafistas fazem um recorte da realidade ao
formular uma pergunta, ao escolher um enquadramento.” (BISTANE; BACELLAR, p. 41).
Por isso mesmo, hoje, a figura do cinegrafista é essencial para um trabalho jornalístico de
5 Uma matéria “cai” quando ela não é exibida, quando os editores desistem de colocá-la no telejornal.
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qualidade, pois texto e imagem têm de caminhar juntos. É ele quem auxilia o repórter na rua,
dá os melhores enquadramentos e sugere formatos para auxiliar o editor na ilha. No estúdio,
além de seguir as instruções da equipe de operações, coordena todo o tempo e espaço
disponíveis.
Todo esse processo, desde o desenvolvimento da pauta e a escolha dos assuntos que serão
abordados no telejornal até o horário de exibição, quando as matérias vão ao ar, é fruto de
reuniões de pauta entre todos os jornalistas responsáveis pela redação: diretores, editores,
apuradores, pauteiros, produtores, repórteres e apresentadores. Uma boa matéria exige
apuração, informação e “diferencial”. Portanto, cada um possui sua função separadamente,
mas o que dá vida à notícia é a união do trabalho de cada um deles.
3.2 Técnicas de reportagem televisiva
A televisão é um dos veículos de comunicação mais eficientes porque lidabasicamente com a linguagem oral, usada no dia-a-dia e alia a essa característica aimagem da modernidade e eficiência tecnológica. E, por ser um veículo intimista,exige uma linguagem conversada, coloquial. (MACIEL, 1995, p. 31).
As reportagens de TV diferem-se muito dos jornais em relação à estrutura. “Ao contrário da
pirâmide invertida dos jornais impressos, na TV a reportagem não precisa ter início
respondendo a essas perguntas [“como, onde, quando, quem e por quê”]. Normalmente, o
lead está na “cabeça”.” (BISTANE; BACELLAR, 2006, p. 13). A matéria pode começar de
diversas formas, não existe regra, tudo vai depender de qual caminho o repórter seguiu.
A construção de uma matéria de TV é a união do trabalho de pauteiros, produtores, repórteres
editores e até assessores. Bistane e Bacellar (2006) acreditam que todas as informações sãobem vindas, inclusive de internet, porém, devem ser muito bem apuradas. A apuração é o
ponto de partida do jornalismo. Sem uma apuração bem feita, não existe notícia. Juntamente
com ela, a “bagagem informativa” também é importante para “encontrar” assuntos
interessantes, no caso do pauteiro, e incrementar uma pauta, no caso do repórter.
A notícia na televisão é caracterizada pela agilidade e pela instantaneidade. O público
telespectador senta de frente à TV sabendo disso, simplesmente assiste ao que for veiculado,no tempo determinado pela programação, e não possui autonomia para fazer modificações.
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Diferentemente do público leitor, que tem a opção de escolher as notícias e consumi-las em
seu próprio tempo, o telespectador se contenta em assistir a apenas o que lhe é mostrado, uma
escolha dos próprios jornalistas, e não possui abertura para seleção.
A notícia de televisão é radicalmente diferente. Ao contrário da notícia de jornal, quenão é concebida para ser lida na totalidade, embora adquirindo inteligibilidade, anotícia de televisão é concebida para ser completamente inteligível quando visionadana sua totalidade. (WEAVER In TRAQUINA, 1999, p. 299).
Escrever para televisão é como uma conversa. Utilizam-se palavras simples, frases curtas,
objetivas, diretas e de fácil entendimento. “Diante do telespectador, temos de nos comportar
como se estivéssemos contando as notícias do dia para um parente ou amigo, sentado no sofá
da sala de visitas.” (MACIEL, 1995, p. 31). Porém, não podemos nos esquecer de controlar o
coloquialismo e dar ritmo e velocidade à informação. Uma dica é limitar uma ideia por cada
frase.
Lembrando o poeta Carlos Drummond de Andrade, Bistane e Bacellar (2006, p. 15) afirmam
que “escrever para a TV é a arte de cortar palavras, frases e, às vezes, o parágrafo inteiro”,
porém, sem se esquecer de enriquecer as reportagens com informações e imagens
interessantes que “prendam” o telespectador, e de se livrar de “muletas de estilo” e “chavões”,
que de nada acrescentam, a não ser empobrecer o texto.
O primordial no texto televisivo, que o torna diferente dos textos dos outros veículos de
comunicação, é a imagem, pois não há notícia sem a imagem para comprová-la. Além de dar
credibilidade e força a ela, uma imagem tem o poder de fazer uma matéria “entrar” ou “sair”
do jornal. E esse é o grande furo da televisão. Não há outro veículo que dê isso ao público. Se
o telespectador quer imagem, é atrás da TV que ele vai.
Porém, não só de imagem vive um telejornal. Como ensina Paternostro (2006, p. 90), “não se
faz TV sem imagem, mas a palavra tem lugar garantido”. Uma notícia não deixa de ser notícia
por falta de imagem. Por isso, o importante é “casar” os dois. “O que o jornalista tem de fazer
é buscar a relação entre o texto e a imagem de forma objetiva, sem misturar ideias ou
informações.” (MACIEL, 1995, p. 43).
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Outro produto característico não só da televisão, como de todo o trabalho jornalístico, é o
chamado deadline.
O deadline é uma linha imaginária, um limite de tempo para fazer da edição da
matéria e do fechamento do jornal, operações seguras. Respeitar o deadline é finalizara edição, pelo menos, quinze minutos antes do início do jornal. Isso inclui estar com apágina pronta – com cabeça para chamar o VT, créditos, deixa e tempo. (BISTANE;BACELLAR, 2006, p. 25).
Sem ele não existe notícia, matéria, reportagem e nem mesmo o próprio telejornal. É de
responsabilidade de todos cumprir e respeitar o deadline para a finalização do trabalho na TV.
3.3 Revista na TV
Ao estudar o objeto de pesquisa deste trabalho, o programa Fantástico, foi possível constatar
o quão escassa é a bibliografia referente aos gêneros televisivos, principalmente o gênero
revista, o qual é tratado nesta pesquisa. Porém, este gênero televisivo em muito se assemelha
ao gênero jornalístico revista, o que tornou possível a definição do estilo revista eletrônica,
categoria à qual se enquadra o objeto analisado, baseada nas obras dos estudiosos de revista.
O gênero revista caracteriza, segundo Sodré (1975, p. 40), uma “extensão da imprensa diária”,
pois reúne assuntos variados da semana e apresenta informações mais aprofundadas e bem
elaboradas dos fatos e acontecimentos, além de dar e provocar opinião. O leitor de revista
busca sempre o fantástico, o inédito, por isso, as matérias são feitas não só para informar mas,
também, para entreter o público. Como exemplo, o autor cita uma revista que fez muito
sucesso na década de 1950 e que sintetiza o conceito do gênero abordado: “Para um público
ainda não saturado pelos veículos de massa, ler O Cruzeiro era redescobrir semanalmente o
mundo, e sempre de modo aventuroso ou sensacional.” (SODRÉ, 1975, p. 41).
Dentre as várias definições deste gênero jornalístico, Scalzo (2006) apresenta algumas que
procuram reunir seus diversos significados. “Uma revista é um veículo de comunicação, um
produto, um negócio, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma mistura de
jornalismo e entretenimento.” (SCALZO, 2006, p. 11). Porém, mais do que isso, as revistas
misturam vários estilos e assuntos que, juntos, formam um único produto. “Revista une e
funde entretenimento, educação, serviço e interpretação dos acontecimentos. Possui menos
informação no sentido clássico (as “notícias quentes”) e mais informação pessoal (aquela que
vai ajudar o leitor em seu cotidiano, em sua vida prática).” (SCALZO, 2006, p. 14).
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As revistas, em geral, procuram conhecer e se relacionar com seu leitor. A linguagem
informal, no tom de conversa, as várias possibilidades de construção do texto, as histórias e o
espaço interativo destinado ao público são características exclusivas deste gênero. Além disso,
é para ele e sobre ele que se escreve. “Revista tem foco no leitor – conhece seu rosto, fala com
ele diretamente. Trata-o por „você‟.” (SCALZO, 2006, P. 15).
Dessa forma, as revistas procuram o tempo todo atingir o leitor com assuntos de seu interesse.
Segundo Sodré (1975), a receita inclui três palavras: sensação, sucesso e relaxamento. A
primeira faz com que assuntos de grande interesse do leitor sejam abordados exaustivamente.
A segunda mostra a realização pessoal ou profissional de algum símbolo da mídia. A terceira,
por fim, traz entretenimento e assuntos leves. De acordo com o autor, os temas que se maisfrequentes e que se encaixam nessa receita são: “artes e literatura”; “natureza, paisagem e
aventuras”; “personalidades e nobreza”; e “esportes”.
O mesmo acontece com a revista eletrônica, que mostra, a cada semana, vários destes temas,
como cobertura de shows ou exposições de arte e literatura, viagens a lugares paradisíacos,
entrevistas ou coberturas de casamento de personalidades e os melhores momentos dos jogos.
Todos estes assuntos também procuram aderir à receita de Sodré (1975).
Nas revistas eletrônicas, o telespectador se reúne com a família aos domingos para ver uma
reprise de tudo o que aconteceu e foi importante durante toda a semana, além de assuntos
variados, que procuram entreter o público. No Fantástico, objeto desta pesquisa, e no
Domingo Espetacular , únicos programas que têm como característica o gênero estudado, as
reportagens são mais analíticas, expansivas e extensas, assim como nas revistas impressas.
Outra semelhança perceptível entre os dois gêneros é a variedade de temas e assuntos
abordados, o que é feito através de quadros nas revistas eletrônicas, como expõe Jespers
(1998).
Nos magazines de informação televisiva são abordados de maneira mais aprofundadae mais longa diferentes temas: grande actualidade nacional ou internacional, ambientee qualidade de vida, assuntos jurídicos ou político-jurídicos, aspectos da vidaquotidiana, actualidade social e económica, etc. A cada um destes temas correspondegeralmente uma série de documentários. (JESPERS, 1998, p. 51).
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De acordo com Vilas Boas (1996), os textos das revistas impressas procuram todo o tempo
seduzir o leitor, investindo na elegância e na suavidade da informação. Do mesmo modo, o
texto na TV, assim como as imagens, precisam encantar o telespectador, pois ele pode, a
qualquer momento, se desinteressar e mudar de canal.
Após recorrer à bibliografia disponível sobre jornalismo de revista e perceber as semelhanças
presentes entre a revista impressa e a de televisão, é possível traçar uma definição de revista
eletrônica com o auxílio de Souza (2004). O autor divide os gêneros e formatos televisivos em
cinco categorias: entretenimento, informação, educação, publicidade e outros. A revista entra
na classificação entretenimento por trazer vários formatos e atrações ao programa, o que
também é perigoso, por correr o risco de perder a própria identidade e confundir o público.
Segundo Souza (2004), o programa que serve como padrão para o gênero revista eletrônica é
o Fantástico que, há mais de 30 anos no ar, consegue reunir diferentes idades e classes sociais
no domingo à noite com grande audiência.
Oferece entretenimento e informação em doses bem equilibradas, com grandesreportagens e noticiário resumido dos assuntos em pauta no Brasil e no mundo. Dá ao
telespectador a sensação de estar bem informado sobre tudo – política, economia eartes e até os desastres no seu bairro ou no mundo. (SOUZA, 2004, p. 129-130).
Dando continuidade à definição de revista eletrônica, que utiliza vários formatos, como
telejornalismo, humor, musicais, entrevistas e reportagens especiais, o autor apresenta a
semelhança do gênero com os programas de variedades, com exceção do comprometimento
com a informação, que tais programas não possuem. Dessa forma, o chamado “infortenimento
– a informação unida ao entretenimento” é a receita para o sucesso das revistas eletrônicas,
como os quadros Bola cheia, bola murcha e Medida Certa, do Fantástico, e Giro dos
Famosos e Dr. Pet , do Domingo Espetacular .
Em relação à estrutura do programa, as revistas jornalísticas se assemelham muito aos
telejornais por apresentarem, em média, dois apresentadores de sexos diferentes que revezam
as informações entre si. Porém, o viés de entretenimento que possuem é mostrado através da
postura mais relaxada, de pé e permitindo sorrisos, diálogos e comentários, e figurino mais
moderno e atual.
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Segundo Gomes (2006), nas revistas eletrônicas, tudo pode ser notícia, até histórias de
personagens desconhecidos e a grade de programação da emissora. Porém, os assuntos mais
abordados referem-se ao cotidiano das pessoas, o que representa uma relação de proximidade
com o espectador, criando espaços para identificação, como os quadros Diabetes –
O inimigo
silencioso, do Fantástico, e Mistérios do Corpo, do Domingo Espetacular . Muitos deles são
apresentados em quadros fixos que não possuem tempo regular. Podem estrear e sair da grade
sem aviso prévio. Dessa forma, é evitado o desgaste natural que o gênero possui, impedindo
que o telespectador mude de canal, pois sempre saberá que verá novidades.
A maioria das matérias veiculadas tratam de temas atuais, porém, atemporais, que podem ser
exibidos a qualquer momento. Segundo Gomes (2006, p. 277), “esse tipo de matéria éconhecido pelos jornalistas como pautas frias ou matérias de gaveta, ou seja, não necessitam
ser veiculadas hoje para fazer sentido e nem tampouco tratam de assuntos inéditos.”
Outra característica relevante das revistas eletrônicas é a interação com o espectador. Nestes
programas, há sempre várias formas de aproximar o público, com enquetes e perguntas
interativas, redes sociais, telefones de atendimento, e-mail, chat , canais de relacionamento
com os apresentadores e, também, com entrevistados e personagens do programa.
Apesar do risco existente ao misturar tantos gêneros, o formato das revistas eletrônicas possui,
desde o início do pioneiro Fantástico, em 1973, até hoje, grandes índices de audiência6 e
reúne famílias de várias classes sociais nas noites de domingo para se entreter e informar,
objetivo e função principal do gênero.
6 De acordo com o último balanço realizado em abril de 2007, disponível no site da Rede Globo, o Fantástico élíder de audiência e atinge, em média, 30 pontos de acordo com o último balanço realizado em abril de 2007. Jáo Domingo Espetacular, lançado em 2004, registrou oito pontos de média na estreia. Hoje, este número chega adobrar.
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3 ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS REPORTAGENS INVESTIGATIVAS DO
FANTÁSTICO
O objeto de análise da presente monografia são as reportagens investigativas do programa
Fantástico – O show da vida. Para este estudo, foi realizada uma coleta, por meio de
gravação, de todas as reportagens exibidas no período de 6 de março a 24 de julho de 2011.
Posteriormente, foi realizada uma seleção levando em consideração as exibições das
reportagens investigativas em cada domingo, dia em que a revista eletrônica é veiculada. Foi
possível perceber que não há uma regra. Existem domingos em que não são exibidas
reportagens deste tipo. Em outros, são exibidas mais de uma.
As reportagens foram escolhidas por um critério semanal e mensal. Foram selecionadas as
reportagens do primeiro domingo do primeiro mês coletado (03/04/2011), segundo domingo
do segundo mês (08/05/2011), terceiro domingo do terceiro mês (19/06/2011) e quarto
domingo do quarto mês (24/07/2011). Dessa forma, seria cumprida uma grade mensal, com
quatro semanas. O mês de março foi descartado por não apresentar nenhuma reportagem
investigativa no primeiro domingo, não se encaixando com os meses seguintes.
O método empregado é o de análise de conteúdo das reportagens investigativas do programa,
considerando os métodos e técnicas utilizados para a construção das mesmas. Para esta
análise, foram empregados os conceitos de jornalismo investigativo e de televisão,
associando-os aos preceitos éticos que norteiam a profissão, como o estudo da validação ética
dos recursos investigativos utilizados, tais como câmera escondida, gravador, microfone
embutido e disfarces. Também foram utilizados como critérios de análise o processo de
inserção das reportagens investigativas no formato revista eletrônica.
3.1 Fantástico, o show da vida
O Fantástico foi criado por José Bonifácio de Oliveira Sorinho, o Boni, com o objetivo de
misturar jornalismo e entretenimento para o público, com o formato de revista eletrônica
semanal. O nome foi sugerido pelo produtor musical Ronaldo Bôscoli, que fazia parte da
equipe. Porém, Boni preferia O show da vida a Fantástico. Então, juntou-se as duas ideias.
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Fantástico, o show da vida estreou no dia 5 agosto de 1973 na Rede Globo de Televisão sob a
direção-geral de Augusto César Vanucci e apresentação de Cid Moreira, Sergio Chapelin e
outros artistas globais, que se revezavam a cada domingo. Com duas horas de duração, o
programa foi ao ar em preto e branco e misturou informação, entretenimento e emoção, com a
exibição de musicais, noticiário diário e internacional, variedades, teleteatro e humor. No ano
seguinte, o clipe da música Bom tempo, de Sonia Santos, iniciou a programação em cores no
dia 28 de abril.
Em 1977, quando José Itamar de Freitas assume a direção-geral, o Fantástico adota um
caráter mais jornalístico. Porém, somente nove anos depois o programa deixa de lado a função
de revista para se tornar um telejornal mais voltado para a atualidade, com equipes jornalísticas em várias regiões do Brasil, Estados Unidos e também na Europa. Porém, ainda
há a presença de música e humor. A apresentação é feita ao vivo por Sergio Chapelin,
William Bonner e Valéria Monteiro.
Nova mudança ocorre nos vinte anos do Fantástico. Luiz Nascimento, ex-diretor do Esporte
Espetacular , assume a direção-geral e transforma o programa em uma revista eletrônica de
informações, com o objetivo de buscar a interatividade com o telespectador. Na bancada,Fátima Bernardes, Celso Freitas e Valéria Monteiro, com a volta de participações do elenco
da Globo. Já em 1996, Fátima Bernardes tem a companhia de Pedro Bial e Zeca Camargo à
frente do programa. No ano seguinte, a repórter Glória Maria, famosa pelas viagens pelo
Brasil e pelo Mundo, assume o posto feminino na apresentação do Fantástico. Em 2008, mais
uma apresentadora integra a equipe, Renata Ceribelli, e Glória Maria dá adeus ao programa.
Em seu lugar, a ex-garota do tempo Patrícia Poeta.
Em 2003, os telespectadores conheceram Eva Byte, a apresentadora virtual criada pelo
Departamento de Arte da Rede Globo, uma evolução para a época. Com o nome escolhido
pelos telespectadores, a apresentadora tinha traços da mulher brasileira e contracenava com os
outros apresentadores.
Atualmente, a revista eletrônica é dirigida por Luiz Nascimento, que assumiu o posto em
1993, e apresentada por Patrícia Poeta e Zeca Camargo, com participação de Renata Ceribelli
e Tadeu Schmidt. Há 38 anos no ar, o programa é líder de audiência e atinge, em média, 30
pontos de acordo com o último balanço realizado em abril de 2007, disponível no site da
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emissora. O Fantástico é exibido sempre aos domingos, às 20h30, e tem duração de 150
minutos, divididos em sete blocos. Exibe noticiário jornalístico, reportagens investigativas,
entrevistas, moda, saúde, ciência, música, esporte e os quadros Bola cheia, bola murcha,
Canal F , Detetive Virtual, Inmetro, Me leva Brasil, Medida certa, Repórter por um dia, entre
outros.
3.2 Apresentação das reportagens investigativas
3.2.1 Cadastro nacional de desaparecidos não funciona
A reportagem especial do dia 3 de abril de 2011 faz uma cobrança às autoridades. Em 8min e54s, a repórter Renata Cafardo denuncia o não funcionamento do Cadastro Nacional de
Desaparecidos, fundado em 26 de fevereiro de 2010, que deveria unificar as informações das
ocorrências de todos os estados. A produção do programa investigou a página na internet e
constatou que os arquivos estavam desatualizados. Também visitou vários órgãos
responsáveis direta e indiretamente pela procura de pessoas desaparecidas e não encontrou
respostas.
A matéria conta o drama de três famílias que tiveram parentes desaparecidos: Terezinha
Caroli, que procura todos os meses o filho Pedro; Ivanise da Silva, que busca pela filha
Fabiana; e Marlene Florêncio, que ainda tem a esperança de encontrar a neta Vivian.
A dona de casa Terezinha Cotrim Caroli é mãe de Pedro Luis Caroli, desaparecido no dia 11
de maio de 2009. Ele tinha 18 anos e era balconista de um estabelecimento. Na manhã de
terça-feira ele saiu para trabalhar mais cedo e nunca chegou ao local. A equipe de reportagemacompanhou um dia da luta da dona de casa, que sai todos os meses da Zona Sul de São
Paulo, onde mora, para buscar notícias sobre o filho desaparecido.
O primeiro local onde Terezinha Caroli vai buscar informações é o Departamento de
Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). Ela responde sempre ao mesmo relatório e torce
para o resultado dar negativo. Neste dia, o atendente dá a boa notícia: Pedro ainda pode estar
vivo. Quem não teve a mesma sorte é Mercedes Peixoto Garcia, que procurava pelo filho
Milton, desaparecido há 15 anos. No DHPP, ela descobriu que ele estava morto.
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Sem respostas, Terezinha Caroli segue para o Instituto Médico Legal (IML). No local, ela
olha fotos de corpos sem identificação na esperança de não reconhecer o filho. A busca
continua na Organização Mães da Sé, no Centro de São Paulo. A ONG, fundada há 15 anos,
reúne mães de crianças e adolescentes desaparecidos. É neste local que começa a história de
Ivanise Espiridião da Silva, que fundou a instituição na esperança de encontrar a filha
Fabiana, desaparecida há 15 anos. Ela tinha 13 anos quando foi até a casa de uma vizinha e
sumiu na volta. Em oito meses, a ONG encontrou 48 crianças, mas ainda não há notícias
sobre Fabiana.
Desde 1996, o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride) organiza
exposições para divulgar fotos no Paraná. Somente onze crianças ainda não foramencontradas. Uma delas é Vivian, neta de Marlene Cacciatore Florêncio, desaparecida desde
março de 2005. Ela tinha três anos e meio quando desapareceu após um encontro marcado
com o pai. Ela e a mãe foram até a Igreja da Catedral para um acerto de contas da pensão da
menina e sumiram. Cinco dias depois, a filha de Marlene Florêncio foi encontrada, mas
Vivian continua desaparecida.
Para ajudar nas buscas, a equipe do Sicride faz um trabalho de progressão de idade, que usafotos antigas e traços da família para montar uma suposta imagem de como seria a fisionomia
da criança atualmente.
O Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos também
realiza o trabalho por meio da divulgação de imagens das pessoas desaparecidas em toda a
mídia local. O modelo é bastante parecido com o brasileiro, a diferença é que ele funciona.
Por meio de nota, o Ministério da Justiça esclareceu o problema dizendo que a
responsabilidade de atualizar o sistema do Cadastro Nacional é das polícias civis dos estados,
aos quais é destinado. O Ministério informa ainda que estuda a possibilidade de obrigar estes
órgão a manter o cadastro atualizado. Por outro lado, a Polícia Civil de São Paulo rebate,
alegando não ter recebido nenhuma orientação.
Hoje, as buscas são descentralizadas e cada estado realiza a procura pelos desaparecidos
separadamente. Alguns casos são resolvidos de forma simples, como Jairo Silva de Oliveira,
que saiu de casa quando brigou com o pai em Marília, onde morava com a mãe, e nunca mais
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voltou. Ele foi ao DHPP tirar a segunda via da carteira de identidade e descobriu que, para a
polícia, ele era um desaparecido. Então, pode novamente encontrar a família. Casos como
esses são muito comuns. A maioria das pessoas que desaparecem fogem ou saem de casa por
vontade própria.
A matéria finaliza informando ao telespectador o que fazer em caso de desaparecimento ou
informações sobre pessoas desaparecidas. Por fim, a reportagem dá espaço para um apelo da
mãe de Pedro, Terezinha Caroli.
A reportagem exibida cobra das autoridades o não funcionamento do Cadastro Nacional de
Pessoas Desaparecidas. Por isso, segue o padrão investigativo no que diz respeito à estruturatextual da narrativa que, como lembra Sequeira (2005, p. 61), deve servir como “prestador de
serviços à comunidade”.
Mesmo sem utilizar recursos discutíveis, como câmeras e microfones ocultos, grampos
telefônicos, falsa identidade, disfarces e infiltração, a reportagem mostrou que é possível
realizar uma investigação de qualidade sem “esbarrar” nos preceitos éticos, como lembra
Sequeira (2005).
A repórter Renata Cafardo e sua equipe optaram por deixar estas ferramentas de lado e
assumir o caráter investigativo pela investigação e entrevistas do repórter e o método de
produção, com uma apuração profunda, através de pesquisas nos órgãos responsáveis e
análise dos arquivos do cadastro nacional, disponíveis na internet. Além disso, dedicação do
repóeter, espaço para veiculação e tempo de duração. Dessa forma, não precisaram se
preocupar com possíveis riscos de ilegalidade que a matéria poderia ter.
É possível perceber que esta estratégia deu certo, já que a matéria foi ao ar com 8min e 54s e
mostrou grande volume de informações e várias fontes entrevistadas, o que caracteriza uma
apuração bem elaborada. Além disso, a equipe a encontrou um fato inesperado. Enquanto
estavam no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), acompanhando o dia
de um dos entrevistados, encontraram Jairo Silva de Oliveira que, ao tirar a segunda via da
carteira de identidade, descobriu que era um desaparecido. O Fantástico acompanhou o
reencontro com a família.
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Em relação ao jornalismo televisivo, a reportagem cumpre a função primordial de contar uma
história com “precisão e síntese”, como lembram Bistane e Bacellar (2006), – no caso, três
histórias – com linguagem coloquial e de fácil entendimento, que aproxima o telespectador da
reportagem. Além disso, não deixa de mostrar os vários lados da história, apresentando uma
nota como contrarresposta do Ministério da Justiça sobre a desatualização do cadastro de
desaparecidos.
3.2.2 Escolas públicas oferecem aos alunos merenda estragada
A reportagem do dia 8 de maio de 2011 faz uma denúncia ao governo dos estados. Em 17min
e 59s, o repórter Maurício Ferraz mostra o descaso da qualidade da merenda escolar pública.Durante um mês de investigação jornalística, a equipe do Fantástico visitou mais de 50
escolas públicas estaduais e municipais de cinco estados – São Paulo, Goiás, Rio Grande do
Norte, Paraíba e Bahia – e flagrou cenas de merenda estragada, vencida, mal armazenada e
irregular.
O primeiro local mostrado pela reportagem é uma escola municipal em Natal, na Paraíba. No
dia, faltava água na escola e os 400 alunos tinham que levar de casa. Para piorar, as criançasforam liberadas às 15h por falta de merenda. A cozinha está vazia. O fogão e as panelas
parecem não ser usados há muito tempo. Na despensa, comida vencida. A coordenadora
afirma que esta não é a primeira vez que é obrigada a liberar os alunos mais cedo pelo fato de
muitos passarem mal. Em resposta, o secretário de educação de Natal alega que há um projeto
para normalizar a situação da escola.
Em Itaparica, na Bahia, o Fantástico visitou duas escolas municipais. Desde o início do anoas crianças não recebem merenda. Na despensa, somente açúcar. Marcelino, de 11 anos, aluno
do sexto ano de uma das escolas da cidade, volta de barriga vazia para a casa. A mãe, Maria
dos Mares, que está desempregada, conta que não é todo dia que tem comida. Um funcionário
da escola explica que há uma evasão dos alunos, que não vêm pela falta de merenda.
Buscando uma resposta, a equipe do programa procurou o prefeito da cidade durante uma
semana, mas não houve retorno. Este ano, o Ministério da Educação vai repassar mais de 3
bilhões de reais a governos estaduais e prefeituras para a compra de merenda escolar. O
objetivo é beneficiar 45 milhões de estudantes. A Controladoria Geral da União (CGU), que
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ajuda a fiscalizar a verba, confirma os problemas. Fotos tiradas pelos fiscais mostram o
descaso. Em uma das fotos, tiradas em São Bento do Tocantins (TO), foi encontrado um sapo
ao lado dos alimentos. Em outra, na cidade de Branquinha (AL), não havia água potável. Na
despensa, um foco de baratas.
A próxima cidade visitada é Nazaré, na Bahia, que possui 4 mil alunos na cidade. A
funcionária de uma escola afirma que as crianças comem biscoitos de má qualidade por
pressão do fornecedor que ganhou a licitação da prefeitura. Em nota, o órgão informou que
reincidiu o contrato com o fornecedor e que a nutricionista pediu demissão. Vera Cruz, na ilha
de Itaparica, no mesmo estado, possui 37 mil habitantes. A escola municipal tem 17 alunos.
Os produtos são armazenados dentro de baldes, em um quartinho de frente para o banheiro,onde a merenda é feita. No local, comida vencida e mofada. Segundo o prefeito, o problema
não vai se repetir.
Pela lei, o Ministério da Educação (MEC) determina que a merenda escolar precisa suprir, no
mínimo, 20% das necessidades diárias dos alunos e ter, pelo menos, três porções de frutas e
hortaliças por semana. Doces, alimentos enlatados, semiprontos e embutidos devem ser
restritos.
A próxima cidade é Novo Gama, em Goiás, com 95 mil habitantes, a 40 km de Brasília. São
cerca de 1.500 alunos. No início da reportagem, uma carga de carne moída chegava para a
escola. O produto veio em um caminhão, exposto ao sol e sem refrigeração. Nas embalagens,
não há identificação de fabricante e nem de validade. Os alunos reclamam que só lancham de
vez em quando e que já encontraram uma barata na comida. Na cozinha, foram encontrados
três gatos. No cardápio, salada, seleta de legumes, filé de peixe ao forno e lasanha. Mas, naprática, isso não existe. Segundo uma funcionária, todas são obrigadas a dar aos alunos
comida estragada. A Secretaria de Educação diz que não permite a distribuição de merenda
irregular. Alega, também, que o cardápio varia conforme a disponibilidade dos produtos.
Em Santa Teresinha, na Bahia, há o mesmo caso: carne sem etiqueta com data de validade e
fabricação. A tubulação de esgoto passa pela cozinha. Entre os sacos de comida, muitas
formigas. Em novembro de 2010, na Bahia, a Polícia Federal prendeu sete prefeitos por
desviar verbas federais e favorecer uma empresa distribuidora de merenda que superfaturava
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preços e não entregava a comida, entre outras denúncias. Entre os acusados, o prefeito de
Santa Terezinha, Aguinaldo Andrade. Ele ficou dois dias na cadeia e depois foi solto.
A nutricionista da prefeitura admite que a merenda dada aos alunos não supre as necessidades
nutricionais, mas afirma que são de qualidade. Sobre as carnes sem etiquetas, a funcionária
alegou que as embalagens são lavadas e, por isso, perdem a identificação. Sobre o problema
do esgoto, mandaram uma foto mostrando como o problema foi resolvido: no local, uma
tampa. Já sobre as formigas na despensa, a nutricionista alega que os funcionários são
orientados a limpar a despensa uma vez por semana.
Uma das explicações encontradas para os problemas com a merenda escolar é a corrupção. OFantástico teve acesso a dois depoimentos com exclusividade que ajudam a entender o
caminho das fraudes, segundo o Ministério Público. Um deles é de Jenivaldo Santos, ex-sócio
da Verdurama, empresa paulista de refeições prontas, que fazia o serviço terceirizado de
merenda para as escolas. O denunciante confessa que as refeições servidas em 28 cidades de
cinco estados (RS, PR, SP, RJ e ES), durante sua gestão, eram de péssima qualidade. Em
nota, a Verdurama diz desconhecer a prática denunciada pelo ex-sócio e afirmou que se
alguém for o responsável pelo fato, será o próprio.
A outra testemunha é chave de uma investigação contra a Prefeitura de Taubaté, no interior de
São Paulo. O homem acusa o atual prefeito, Roberto Peixoto, e a primeira-dama, Luciana
Peixoto, de receber propina da empresa de merenda Sistal. A testemunha afirma que
entregava o dinheiro ao casal. Além disso, conta que o prefeito está montando uma boate na
cidade. Segundo documentos, a casa de shows está no nome de Anderson da Silva Ferreira,
genro do prefeito. De acordo com o denunciante, o Sítio Rosa Mística também está entre osbens comprados com dinheiro de propina. Um promotor afirma que existem provas materiais
do pagamento de propina.
Por meio de nota, a Sistal negou o ocorrido. A equipe procurou o prefeito, que indicou o
Secretário de Governo para falar. Segundo ele, as práticas do prefeito não eram ilegais e
procuravam sempre melhorar a qualidade da merenda escolar. A equipe ouviu também o
Ministério Público de São Paulo, que investiga mais de 50 prefeituras em todo o país.
Segundo o representante, há provas documentais e testemunhais do pagamento de propina.
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Depois de três anos de investigações, o MP de SP acusa seis empresas de participar da „Máfia
da Merenda‟.
Uma das empresas investigadas é a SP Alimentação, réu de um inquérito juntamente com o
prefeito de João Pessoa, na Paraíba, Luciano Agra. Em uma escola municipal da cidade, os
cerca de 800 alunos recusam a merenda oferecida e reclamam do gosto ruim. Parte dela é
jogada fora. Vários documentos comprovam a denúncia da má qualidade dos alimentos e da
forma de transporte, realizada nos carros particulares de ex-nutricionistas da empresa, gerando
risco de contaminação. Em outra escola da capital da Paraíba há cerca de 700 crianças. O
Fantástico acompanhou a entrega da carne, que é feita em veículo comum, sem refrigeração e
ainda é colocada em cima do carro. As crianças da escola também reclamam da qualidade dacomida e tudo é jogado no lixo.
A equipe ficou quatro dias em João Pessoa. Em todas as escolas foi registrado o desperdício
de comida. Segundo o diretor de uma delas, a comida jogada fora daria para alimentar mais de
cem crianças. Em janeiro deste ano, o Ministério Público decretou que o contrato com a SP
Alimentação não fosse prorrogado, mas não foi o que aconteceu. Segundo a Secretaria de
Educação, o processo de contratação com a empresa é legal e as crianças aceitam bem amerenda. Por sua vez, a SP Alimentação disse que obedece a todas as recomendações e que
90% dos diretores aprovam a merenda.
Uma professora de ciências dos alimentos da Universidade de São Paulo analisou dez
cardápios de escolas visitadas pela equipe do Fantástico. Segundo ela, todos têm baixo valor
energético e são deficientes em frutas e hortaliças, que interfere na aprendizagem do aluno e
no desenvolvimento da criança. O MEC se pronunciou através do presidente do FundoNacional de Desenvolvimento da Educação. Segundo o representante, os responsáveis serão
processados legalmente e criminalmente. Sobre a merenda terceirizada, o presidente afirma
que recurso do governo não pode ser utilizado para esta prática. A professora garante que é
possível fazer um prato saudável e barato, apenas otimizando os custos.
A última escola mostrada pela reportagem e que, segundo o repórter, é uma situação resumo
de todas as mais de 50 visitadas fica em Águas Lindas de Goiás (GO), que tem quase 2.300
alunos. O apelido é Carandiru. Segundo a diretora, o nome surgiu porque os alunos brigavam
muito e alguns vinham até armados. Na instituição, a merenda só sai pelo esforço dos
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funcionários, que compram os alimentos fiado, pois o dinheiro nunca chega no início do mês.
A diretora explica que a comida não pode faltar, pois muitos vão para escola por causa da
merenda. A Secretaria de Educação de Goiás afirma que vai mandar uma equipe averiguar a
situação.
A reportagem exibida mostra mais claramente as características do jornalismo investigativo
feito no Brasil hoje. Durante um mês de investigação em mais de 50 escolas públicas de cinco
estados do país (SP, GO, RN, PB e BA), a matéria denuncia o descaso da qualidade da
merenda escolar e utiliza vários recursos investigativos para dar credibilidade às acusações.
Uma dessas ferramentas utilizadas, muito criticadas pelos teóricos analisados por sua possívelilegalidade e invasão de privacidade, é a câmera escondida. Porém, como lembra o repórter
Rubens Valente (em entrevista para SEQUEIRA, 2005), o Supremo Tribunal Federal autoriza
ao jornalista a gravar sua própria conversa sem autorização de outras pessoas envolvidas. Na
matéria, o repórter Maurício Ferraz grava cenas e entrevistas às escondidas, tomando o
cuidado de modificar a voz e não mostrar o rosto de nenhum entrevistado. Quando isso
ocorre, a imagem é desfocada. Outra situação de desfoque usada é durante uma entrevista em
que a fonte, que se tratava de uma das testemunhas da investigação do Ministério Público, nãoquis pode ser identificada. Porém, não trata-se de fonte oculta, pois o nome foi revelado,
apenas o rosto não foi mostrado.
Outro recurso muito utilizado é o uso de documentos oficiais. Na reportagem, são mostradas
fotos feitas pelos fiscais da Controladoria Geral da União (CGU) sobre o mau armazenamento
de comida nas escolas; um documento do Ministério da Educação sobre o que deve ou não ter
na merenda dos alunos; dois depoimentos oficiais exclusivos, em vídeo, de testemunhas daacusação do Ministério Público contra a “Máfia da Merenda” – nestes, o repórter deixa claro
que não mostrou o rosto dos denunciantes porque a investigação ainda está em andamento e
porque as testemunhas alegam receber ameaças de morte – ; um documento da Junta
Comercial do Estado de São Paulo, que mostra o registro da boate suspeita de ter sido
comprada com dinheiro de proprina, em nome de Anderson da Silva Ferreira, genro do
prefeito acusado; dois documentos da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da
Educação, que entrou com uma ação civil pública contra a merenda escolar da cidade de João
Pessoa (PB); e um documento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
que aponta a falta de qualidade dos cardápios oferecidos nas escolas.
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Apesar de utilizar estes recursos investigativos, o repórter deixa claro durante a reportagem
que sempre se apresentaram como jornalistas, sem o uso de infiltração ou falsa identidade, os
quais são proibidos pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Porém, como a própria
lei não se faz clara em relação ao uso destes recursos, não podem ser considerados ilícitos.
Como na primeira reportagem analisada, também mostra os vários lados da história, buscando
contrarrespostas das autoridades públicas e empresas privadas responsáveis, que vieram
através de notas à imprensa e entrevistas.
3.2.3 Médicos e dentistas fraudam plantões para receber sem trabalhar
Em 14min e 03s, a reportagem investigativa do dia 19 de junho de 2011 mostra a indignação
da população de São Paulo. O repórter Maurício Ferraz apresenta a máfia dos médicos e
dentistas que fraudam plantões no estado. Foram investigados mais de setenta profissionais da
capital e do interior. A suspeita é de desvio de dinheiro público. Segundo as investigações, a
maioria dos médicos e dentistas recebia salário sem trabalhar e até usava o horário de serviço
para atender pacientes em consultórios particulares.
A investigação da polícia e do Ministério Público começou no Hospital Regional de
Sorocaba, no interior paulista. Escutas telefônicas autorizadas pela justiça mostraram a
precariedade do atendimento. Foram encontrados também indícios de fraudes em outros
hospitais públicos da capital. Uma das suspeitas é contra o secretário de Esporte, Lazer e
Juventude, o neurocirurgião Jorge Roberto Pagura. Na delegacia, uma das pessoas presas
confirma que o secretário nunca foi trabalhar.
Na semana em que a reportagem foi exibida, a Justiça decretou a prisão de treze pessoas.
Entre elas, seis médicos, dois dentistas, uma enfermeira e dois empresários. Doze deles já
foram presos e uma dentista ainda está foragida.
Há um ano, policiais civis e promotores que combatem o crime organizado começaram a
investigar o Hospital de Sorocaba, um dos locais de trabalho dos profissionais suspeitos, e
descobriram que o desvio ultrapassava os dois milhões de reais. Uma das promotoras afirmou
que se o controle de pessoal fosse bem feito, seria fácil constatar a fraude. Nos documentos,
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havia médicos que recebiam por 220h semanais, sendo que uma semana inteira, de domingo a
sábado, possui 168h.
Entre os acusados está a cirurgiã-geral Maria Helena Alberici. De acordo com a polícia, em
2010, ela recebeu 14 mil reais, equivalentes a 21 plantões de 12h cada, mas sem ter cumprido
nenhum deles. Outra acusada, a cirurgiã-dentista Tânia Maris de Paiva, responsável por
apurar as irregularidades no Hospital de Sorocaba, aparece em uma gravação telefônica dando
sugestões a Maria Helena Alberici sobre o que ela deve fazer para que ninguém suspeite da
fraude. Além disso, a dentista é acusada de receber, no mesmo ano, 49 mil reais por 80
plantões não cumpridos. A confirmação vem de uma gravação telefônica.
Uma testemunha da polícia, funcionária do hospital há mais de 20 anos, afirma que nunca viu
Tânia Maris Alberici e explica que a presença era feita por uma sequência de assinaturas, não
havia ponto eletrônico. Segundo a promotora, essas assinaturas eram falsificadas. O delegado
da Polícia Civil afirma que o não comparecimento destes profissionais causava prejuízo para a
população.
O Hospital de Sorocaba atende, em média, 20 mil pessoas por mês. A reportagem mostra afila de entrada do hospital em uma quinta-feira, dia 26 de maio. O repórter afirma que a fila é
imensa e muitos pacientes chegaram de madrugada. Um dos entrevistados, Antônio Carlos
Gabilan, foi ao hospital com a filha de nove anos. Desde o início do ano ele tenta marcar uma
consulta com um dentista. Um funcionário do hospital explica que alguns setores são
demorados. Outra entrevistada, Maria de Lourdes Pereira, diz que esperou seis meses por uma
ressonância.
Um dos acusados de fraudar plantões, Heitor Consani, foi promovido este ano a diretor-geral
do Hospital de Sorocaba. Em uma gravação telefônica realizada no mês anterior à reportagem,
o atual diretor conversa com o ex-chefe, Antônio Carlos Nasi, que foi diretor de saúde da
cidade de 2007 a fevereiro deste ano. Antônio Carlos Nasi aconselha Heitor Consani a
devolver o dinheiro para “sair como bom moço”.
O repórter Maurício Ferraz conversa com a filha de Dona Domingas (como foi chamada
durante a reportagem), de 56 anos, que tem Doença de Chagas há 35. Elizete Gonçalves
afirma que tenta marcar um exame do coração (ecocardiograma) para a mãe há três meses.
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Depois de quase duas horas de espera a senhora é atendida. Elizete Gonçalves sai da sala da
médica dizendo que a mãe foi atendida com muito descaso. Segundo a médica, Dona
Domingas não está bem por causa do cigarro, sendo que ela não fuma. As duas vão embora
sem uma resposta.
Este ano, vários dos médicos e dentistas acusados na cidade de Sorocaba passaram a trabalhar
na capital paulista. A equipe do Fantástico foi atrás de alguns deles. O cirurgião-dentista
Tarley de Barros recebeu quase 125 mil reais por 250 plantões sem nem ao menos aparecer no
hospital. Segundo a investigação do Ministério Público e da polícia, pelo número de horas
recebidas, Tarley de Barros deveria ter atendido quase 10 mil pessoas em um ano. O dentista
trabalha em um consultório no bairro Jardins, em São Paulo, a 90 km de Sorocaba. De acordocom os promotores, no horário dos plantões do hospital, o cirurgião-dentista estava no
consultório particular. Ele cobra 300 reais pela consulta.
No site do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, Tarley de Barros aparece como
funcionário do Hospital Geral de Vila Nova Cachoeirinha, um dos maiores hospitais públicos
da capital. A atendente informa que o médico está presente somente na segunda-feira, entre
8h30 e 9h. O produtor do Fantástico volta ao local na próxima segunda-feira, dia 23 de maio.Tarley de Barros chega atrasado, às 9h36, fica na sala da diretoria por 50 minutos e vai
embora. Ele teria que trabalhar 20h por semana no hospital. A equipe ligou durante o restante
da semana procurando pelo cirurgião, mas ele nunca estava.
A próxima visita é no Hospital Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo. Pelo cadastro nacional, a
cirurgiã Maria Helena Alberici também trabalha neste hospital 30h por semana e recebe pelo
SUS. Uma funcionária informa que a médica foi diretora do hospital. Outra diz que ela nuncavai ao local. O Ministério da Saúde informou que o cadastro serve para controlar a verba
destinada a este setor. A Secretaria de Saúde do estado diz que orienta os hospitais a manter o
cadastro em dia.
Também consta no cadastro do Ministério Público que a gastroenterologista Vera Regina
Salim trabalha no hospital Ipiranga. Uma funcionária informa que há dois anos ela não
trabalha mais no local. Vera Salim tem um consultório em São Paulo. O produtor do
Fantástico marca uma consulta, paga 200 reais e conversa sobre Sorocaba. A médica afirma
que nunca trabalhou lá, mas que conhece o hospital, pois o marido era diretor. De acordo com
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as investigações, a gastroenterologista recebeu 47 mil reais por 85 plantões de 12 horas dados
no Hospital de Sorocaba, mesmo afirmando nunca ter ido ao local. O marido dela, Ricardo
Salim, foi diretor-geral entre outubro de 2008 e dezembro de 2010. Com a autorização da
justiça, a polícia monitorou os telefonemas dele. No dia 10 de dezembro do ano passado,
Ricardo Salim recebeu uma ligação de Jorge Roberto Pagura que, até o momento, não estava
sendo investigado. O neurocirurgião iria assumir a Secretaria de Esportes, Lazer e Juventude
de São Paulo um mês depois. Na ligação, os dois combinam sobre a assinatura do ponto de
Jorge Pagura.
A reportagem mostra uma quinta-feira, dia 16 de junho, quando a polícia cumpre mandados
de busca e apreensão em oito hospitais públicos, sete na capital paulista e um em Sorocaba.Doze pessoas são presas. Uma delas é a ex-chefe de Recursos Humanos do Hospital de
Sorocaba, Márcia Regina Ramos, que aparece no início da matéria falando sobre o
neurocirurgião Jorge Pagura. Segundo as investigações, a ex-funcionária do hospital sabia
quem fraudava os plantões e recebia propina para ficar calada. Em um vídeo obtido pelo
Fantástico, ela afirma que o médico nunca foi trabalhar.
No dia seguinte, a polícia encontra os controles de ponto de Jorge Roberto Pagura em umarmário do prédio da Diretoria Regional de Saúde (DRS), em Sorocaba. Nos documentos,
consta que ele trabalhou de novembro de 2009 a dezembro de 2010, de segunda à sexta-feira,
entre 8h e 12h. Segundo Márcia Regina Ramos, o neurocirurgião encaminhava o controle de
assinaturas para ela. No mês em que a reportagem foi exibida, Márcia Ramos foi nomeada
para trabalhar na Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude, comandada por Jorge Pagura. Ela
disse que é secretária dele, mas que agora está na assessoria de imprensa. A acusada vai
responder ao processo em liberdade.
O Fantástico procurou por Jorge Pagura, mas ele não quis dar entrevista. Mandou uma nota
dizendo que Márcia Ramos foi nomeada para um cargo na coordenadoria da juventude, mas
não assumiu. O médico também informou que nunca realizou plantões no hospital e não
recebeu por eles, apenas realizava um desenvolvimento de projetos, com verba do SUS.
O casal Vera Reginal e Ricardo Salim foi preso na quinta-feira. O advogado disse que o ex-
diretor do Hospital de Sorocaba assegurou que os procedimentos eram legítimos e que ambos
são prestadores de serviço. A cirurgiã-geral Maria Helena Alberici também foi para a cadeia.
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O advogado dela não quis se manifestar. Já o de Tarley de Barros afirmou que o dentista
negou as acusações e que o cliente cumpria todos os horários, justificando o fato pela
assinatura do ponto. Heitor Consani conseguiu um habeas corpus e foi solto. O advogado diz
que ele nega as acusações. Antônio Carlos Nasi também não está mais preso e não retornou às
ligações. Tânia Maris de Paiva está foragida.
Segundo o secretário de Saúde São Paulo, trata-se de uma quadrilha. Para resolver o
problema, vão estabelecer a obrigatoriedade do ponto eletrônico, que será implantado em
curto prazo.
A reportagem encerra com uma visita a Dona Domingas, que apareceu no início da matéria. Asenhora diz sentir muito desconforto, dor no peito e o coração inchado. A filha faz um
desabafo aos médicos que tratam os pacientes com descaso.
A reportagem exibida apresenta a reconstituição de uma investigação da polícia, mais apurada
e com o auxílio de órgãos federais envolvidos na acusação, que permitiram o envolvimento
jornalístico no processo. Por isso mesmo, são utilizadas várias ferramentas específicas do
jornalismo investigativo. Durante a produção da reportagem, foram investigados mais desetenta médicos e dentistas da capital e do interior paulista, suspeitos de fraudar plantões e
desviar dinheiro público.
Um recurso utilizado apenas nesta reportagem, em comparação com as quatro analisadas, é o
grampo telefônico. Com a autorização da justiça, que permitiu à polícia efetuar as gravações e
as cedeu à equipe, o Fantástico mostra em áudio original conversas telefônicas do repórter
Maurício Ferraz com alguns acusados e outras entre os profissionais de saúde denunciadospela polícia e pelo Ministério Público. Em várias delas, funcionários dos hospitais afirmam
que médicos não vão trabalhar, profissionais acusados admitem as fraudes e conversam entre
si sobre elas. Alguns deles dão instruções a outros sobre como proceder para esconder a
fraude.
Durante a exibição, é utilizada arte com foto 3x4 dos participantes, chamada de “santinho”, e
legenda das falas. Nas gravações telefônicas realizadas pela equipe do Fantástico, é utilizado
o recurso de simulação de imagem, que simula o momento em que o repórter conversa com o
entrevistado pelo telefone. Como lembra o repórter Rubens Valente (em entrevista para
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SEQUEIRA, 2005), grampos e gravações telefônicas, quando autorizadas pela justiça, não
constituem crime.
Dentre os recursos investigativos, o mais utilizado é novamente a câmera oculta, em diversos
momentos. A equipe mostra imagens dos hospitais visitados, onde os médicos e dentistas
investigados deveriam trabalhar, e dos consultórios particulares de dois profissionais
acusados. Esta ferramenta também é utilizada durante conversas e entrevistas com fontes,
personagens e testemunhas da polícia. Nestas ocasiões, as identidades foram preservadas e as
vozes distorcidas, mostrando apenas partes do corpo, escurecendo a imagem ou desfocando o
rosto.
Outra situação em que há o uso de câmera escondida é a gravação de imagens de um dos
acusados, o cirurgião-dentista Tarley de Barros, no momento em que chega ao hospital e no
instante em que sai, mostrando o não-cumprimento das horas dos plantões. Outras pessoas
que, porventura, aparecem nestas gravações têm o rosto desfocado.
Em outra situação, complementando a investigação com a câmera oculta, o produtor do
Fantástico marca uma consulta com uma das médicas acusadas, a gastroenterologista VeraRegina Salim, e se passa por um simples paciente, escondendo a identidade de jornalista, o
que caracteriza a falsa identidade. Neste caso, a ilegalidade é afirmada pelo artigo 307 do
Código Penal, pois o produtor omite sua função para obter vantagem. Porém, como lembra
Karam (1997), há certa subjetividade em relação ao que é considerado ilícito ou não, já que o
Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros não é claro. Nesta situação o produtor grava a
conversa durante a consulta sem que a médica saiba que está sendo gravada, o que é permitido
pelo Supremo Tribunal Federal.
Na reportagem, a equipe também utilizou provas documentais. Uma delas é o documento de
cadastro de plantões médicos, que mostra a carga horária que deveria ser cumprida pelos
profissionais acusados. Outra é a folha de frequência de um dos médicos denunciados pelo
Ministério da Saúde, o neurocirurgião Jorge Roberta Pagura, que enviava os documentos
prontos à chefe do setor de Recursos Humanos, Márcia Regina Ramos, que recebia propina
para não deletar a fraude.
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Para mostrar o outro lado da história, cumprindo o dever do jornalismo, a reportagem recebeu
notas à imprensa e ouviu os advogados dos profissionais acusados por meio de entrevista.
3.2.4 Mansões estão em áreas destinadas a famílias carentes
A reportagem especial do dia 27 de julho de 2011 mostra um escândalo nacional. Em 12min e
27s, o repórter Eduardo Faustini desvenda o comércio ilegal de terras do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nessas áreas, destinadas à construção de moradias
para famílias pobres rurais, foram encontradas casas de luxo com piscina e áreas de lazer.
A reportagem começa em Cumuruxatiba, distrito de Prado, no sul da Bahia, que fica a 800Km de Salvador. No local, o Incra criou um assentamento há mais de 20 anos. O primeiro
lugar visitado pela equipe do Fantástico foi um lote onde vive o fotógrafo inglês Jamie
Granger, filho do velho astro de Hollywood Stuart Granger. A casa do fotógrafo fica a poucos
passos do mar. Jamie Granger sabe que está em uma casa destinada ao assentamento de
famílias pobres. Porém, segundo ele, o assentamento foi feito há 25 anos e a grande maioria
dos assentados já vendeu os lotes. Para ele, no Brasil, as pessoas precisam de lugares calmos
para “jogar um golf” quando saírem das grandes cidades, onde trabalham muito o ano inteiro.
Para receber um lote em um assentamento a pessoa precisa cumprir vários requisitos. Entre
eles, ganhar até três salários mínimos. Estrangeiros não podem ser beneficiados com as terras.
Jamie Granger afirma que comprou o lote de um advogado brasileiro, que disse que a área
rural era de um assentamento que não existe mais.
A venda de lotes do Incra é proibida por lei. Porém, em apenas três dias, a equipe doFantástico descobriu vários lotes à venda. Seu Olavo (como foi chamado durante a
reportagem) possui um lote assentado de 21 hectares. Ele afirma que quer vender por 350 mil
reais, mas que parte do dinheiro vai para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Prado. José
Augusto, presidente do sindicato, confirma que não somente o lote de Seu Olavo é do
instituto, mas que todas as terras da região são destinadas a reforma agrária. Para alguém
comprar uma dessas terras, o presidente diz que, se possível, pode haver uma “ajuda” para o
sindicato. Segundo ele, as pessoas se beneficiam com a demora na fiscalização.
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Outro lugar visitado pelo Fantástico é a Fazenda Dona Flor. Segundo o documento do Incra,
a proprietária da terra é uma ex-modelo internacional, Marina Schiano. Em outro sítio, o
Rancho Dasis do Prado, cadeado no portão. O dono é Carlos Alberto Pereira dos Santos,
conhecido como Carlinhos de Vitória. Nas terras, o empresário tem até acesso particular à
praia. Um homem diz que Carlos Alberto Pereira só vem no feriado. No local, fica apenas o
caseiro. A equipe tentou localizá-lo por telefone, mas o empresário não respondeu aos
recados.
Em outro ponto do distrito, uma bela paisagem, onde o mangue quase encontra o mar. Um
homem informa que o proprietário é Lucas Lessa, de Porto Seguro. A reportagem afirma que
o proprietário do sítio é um advogado. A equipe também tentou encontrá-lo, mas nãoconseguiu.
Roberval Costa Gomes, ex-funcionário do Incra e perito federal há 18 anos, afirma que os
empresários compram as terras assentadas e deslocam as famílias carentes para a periferia.
Segundo o perito, o órgão sabe o que acontece com as terras, mas permite, pois alguém se
beneficia com o comércio ilegal. Ézio Nonato, da Associação Comunitária, diz que tem
empresários com formação de fazenda de até 15 lotes, todos cadastrados em nome de “testas-de-ferro”.
Teresa Camilo dos Santos é uma trabalhadora rural que vive perto das terras assentadas e
aguarda por um lote há 22 anos. Arnoud Quaresma de Freitas, um dos poucos assentados
encontrados dentro da lei, possui plantações e vive com o que colhe.
De acordo com o Incra, foram feitas vistorias nos lotes de Cumuruxatiba em função dasdenúncias. Para resolver o problema, o presidente informa que serão realizadas ações de
reintegração de posse.
No município de Sorriso, uma das cidades mais ricas do Mato Grosso, a 180 Km de Cuiabá,
também há muita gente interessada em vender os lotes. Em um deles, há até uma placa de
“vende-se”. A proprietária é Bernadete Bemânquio. Ela tem uma casa na cidade e quer ganhar
dinheiro com a casa assentada. Pede 130 mil reais pelo lote. A equipe do Fantástico também
encontrou outro interessado em vender a terra. Sena (como foi chamado durante a
reportagem) pede 140 mil reais e diz que está barato. Justifica que quer vender a terra por ser
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aposentado e viúvo. O homem alega que tem um esquema com alguém de dentro do Incra
para passar o nome da área e acobertar o comércio ilegal. Esta pessoa seria Lionor da Silva
Santos, conhecido como Brito, subchefe do Incra regional. Por telefone, ele afirma que só dá
informações no escritório. Segundo Sena, o “serviço” de Brito custou dois mil reais. Ele sabe
que é errado, mas diz que já foram vendidos 50 lotes na região. No dia seguinte, a equipe
encontrou Sena novamente. Durante a conversa, ele conta que é a segunda vez que vende
terras do Incra. A atual está no nome da filha.
O Fantástico encontrou outro sítio particular em Sorriso. O proprietário é Gerson Gabriel
Galino, filho do dono de uma madeireira. Segundo ele, o lote foi comprado através de Brito.
Ele mostra até uma carta de desistência do antigo assentado, que diz que não pode maistrabalhar por motivo de doença. Pela lei, a terra deveria ser entregue a outro assentado, mas é
indicada a um comprador. José Carlos Suzinho, o Carlão, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Sorriso, conta que o segredo é colocar alguém para se passar por
assentado na vistoria, como um caseiro. Ele argumenta que o comércio é feito porque “pobre
não produz nada”.
Dineia de Souza Costa, presidente da Associação Pós-Terra, sofreu ameaças e teve a casaincendiada por ter denunciado a venda ilegal dos lotes. Ela é a favor de o Incra tomar os lotes
de quem vendeu e dar a quem está na lista de espera. A família Miller é uma delas. A
trabalhadora rural Gelci Miller diz que enquanto não tem água e nem luz em casa, muitos
usam as áreas assentadas para festejar. A filha dela, Patrícia Miller, de 15 anos, chora de
vergonha, sabendo que pode ser despejada a qualquer momento.
Por telefone, um dos posseiros chamados de Neto Baião pede 500 mil reais por um lote. Naterra que ele quer vender vive apenas o caseiro Silas. A reportagem termina com o
conhecimento dele: “Brasil é o país de todos. Brasil, quem tem esse (dinheiro), tem tudo na
mão. Agora o cara que anda arrastando a barriga no chão, com a mão calejada, não tem vez.”
A reportagem exibida apresenta o jornalismo investigativo em sua totalidade, com várias
denúncias, depoimentos e busca pela verdade, e comprova o funcionamento de um esquema
ilegal, com o repórter escondido e a narração feita por outro profissional. Eduardo Faustini, o
famoso “repórter sem rosto”, é o produtor responsável pela matéria, que mostra a venda ilegal
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de terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). É ele quem fareja a
notícia e pesquisa, de forma discreta, como ressalta Fortes (2005).
Mais uma vez o Fantástico aposta no uso de câmera escondida para mostrar ao público fatos
que autoridades de poder querem esconder. A equipe mostra flagrantes de sítios e mansões
construídas em áreas destinadas a famílias pobres rurais, além de conversas com assentados
que fazem ofertas de seus lotes à luz do dia e proprietários que compraram as terras. Nestas
situações, não é preservada a identidade dos entrevistados, nem mesmo com desfoque de
imagem. Este somente é realizado nas gravações ocultas de funcionários e moradores que dão
informações à equipe jornalística e estão diretamente envolvidas no fato.
Em uma das entrevistas gravadas às escondidas, um proprietário de um sítio construído em
áreas destinadas à reforma agrária mostra uma carta de desistência do ex-assentado, feita pelo
Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade de Sorriso, alegando não poder trabalhar na
terra por motivo de doença. No documento, ao invés de a terra ser destinada a famílias que
aguardam na lista de espera, é indicada a um comprador. Este documento não foi obtido
ilegalmente, porém, o proprietário não sabia que estava sendo filmado. Mesmo assim, o
Supremo Tribunal Federal não considera a prática ilegal.
O uso de grampo e ligação telefônica é feito apenas duas vezes. A reportagem mostra o áudio
oficial de uma conversa entre o produtor do Fantástico e Brito, um homem conhecido por
facilitar a venda ilegal dos lotes. Em outra situação, um posseiro oferece dinheiro por uma das
terras. Como as gravações não possuem autorização judicial, podem ser consideradas ilícitas e
constituir crime. Porém, em uma delas não há a identificação do entrevistado.
A reportagem também ouviu o presidente do órgão responsável, o Incra, por meio de
entrevista, que deu a sua versão sobre os fatos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado nesta monografia teve como tema o jornalismo de televisão, a reportagem
investigativa e a ética. Os campos de pesquisa foram quatro reportagens investigativas do
programa Fantástico, da Rede Globo, exibido nas noites de domingo. As matérias escolhidas
– de meses e semanas diferentes – foram analisadas considerando os métodos e técnicas
utilizados, observando-se a validação ética destas ferramentas e a inserção das reportagens
investigativas no formato revista eletrônica.
O grande desafio enfrentado durante o trabalho foi encontrar bibliografia suficiente para
embasar os estudos sobre jornalismo investigativo, produção de TV e revista eletrônica. Pode-se perceber que poucos são os teóricos que se interessaram por estudar o jornalismo
investigativo.
A dificuldade também se estendeu para os estudos sobre produção de televisão. A maioria das
bibliografias pesquisadas e encontradas aborda o universo histórico da TV brasileira,
mostrando-se insuficiente no que diz respeito à rotina diária de uma redação, às funções dos
profissionais e às técnicas da prática da reportagem televisiva.
Além disso, falta literatura acerca do formato revista eletrônica. Para a construção deste
conceito, foi necessário um embasamento nos estudos sobre jornalismo de revista, o qual
possui características semelhantes às encontradas no gênero televisivo do Fantástico.
Através da análise de conteúdo, foi possível constatar que as reportagens investigativas do
programa Fantástico seguem o padrão investigativo defendido pelos teóricos estudados ediferem-se das matérias feitas pelos repórteres diários, caracterizando-se como uma categoria
específica do jornalismo. Além disso, possui características do jornalismo de televisão, dando
importância tanto a fatos, quanto imagens.
As matérias comprovam denúncias e focam em assuntos de interesse público, que estavam
ocultos da população. Nestes casos, o repórter torna-se, também, um investigador, que
procura esclarecer fatos e encontrar respostas, levando ao telespectador a informação
completa da notícia. Para isso, muitos dados, fontes, personagens e uma apuração profunda, o
que mostrou grande dedicação por parte dos repórteres.
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Ao contrário do que a maioria dos estudiosos acredita, ignorando o jornalismo investigativo
como categoria diferenciada pelo método de produção, como expõe Sequeira (2005), todas as
reportagens mostram uma apuração intensa e profunda, através de pesquisas, análises e com
muitos dados, fontes e personagens, algo que transcende a atividade diária de uma redação.
Além disso, o tempo de produção e investigação difere em muito do trabalho realizado por
um repórter diário, que cumpre uma pauta em apenas algumas horas. Ao contrário destes, os
repórteres analisados utilizaram semanas e até meses para produzir as reportagens, o que
demandou, também, muita dedicação por parte destes profissionais.
A produção das matérias foi possível, também, graças à linha editorial do Fantástico, que
permitiu a produção e exibição das reportagens, arcando com custos e tempo necessários paraas viagens durante a investigação jornalística. Outra diferença observada é a participação
efetiva do repórter durante todo o processo, o que não ocorre em muitas matérias que se
dizem investigativas, abordando denúncias e escândalos políticos e policiais, como lembra
Fortes (2005). Nas coberturas analisadas, o detentor de toda a informação é o repórter, que
utiliza o “faro jornalístico” para obter as respostas às suas perguntas. Desse modo, leva ao
telespectador a informação completa dos fatos e acontecimentos.
Em relação ao jornalismo televisivo, as reportagens analisadas diferem-se muito dos jornais
impressos em relação à estrutura textual. Como lembram Bistane e Bacellar (2006), elas não
iniciam com o lead formal. Ao contrário, as matérias investigativas possuem diferentes
formas de começar uma reportagem e contar a história através de offs, imagens e entrevistas.
Outra característica do jornalismo de TV que pode ser perceptível na análise é a linguagem
oral, como lembra Maciel (1995). Neste caso, com caráter ainda mais “carregado”, já que asmatérias analisadas contam histórias e explicitam a apuração e busca por informações, que se
completam com as imagens exibidas.
As reportagens analisadas também cumprem a função do gênero revista eletrônica, pois levam
ao público um assunto inédito, extenso e com grande carga informativa, assim como
aparecem nas revistas impressas. Como lembra Souza (2004), trazem ao telespectador uma
mistura de informação e entretenimento, procurando levar ao ar assuntos que interessem e
seduzam o público, evitando que mudem de canal.
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Em relação à ética jornalística, ao contrário da teoria dos estudiosos analisados, há
jurisprudência na lei que permite o uso de alguns dos recursos investigativos. Além disso, as
regras são pouco claras e divergem entre si, não afirmando a proibição das ferramentas
utilizadas no exercício do jornalismo investigativo, as quais se mostram essenciais para a
descoberta dos fatos ocultos.
Em relação ao jornalismo televisivo, nota-se que o Fantástico possui um modo diferenciado
de produção, com espaço para reportagens maiores e mais aprofundadas. As imagens, muito
bem utilizadas, são peças importantes no processo de investigação das denúncias e clareiam a
mente dos telespectadores, facilitando o entendimento. Os textos são interessantes e instigam
o espectador, provocando questionamentos que, posteriormente, são esclarecidos. Asentrevistas realizadas são simples e informais, com linguagem coloquial e narração
diferenciada, como quando se conta uma história.
Ao analisar o Fantástico, percebeu-se que se encaixava em um formato pouco usual no
jornalismo de televisão: a revista eletrônica. Hoje, apenas o programa da Rede Globo e o
Domingo Espetacular , lançado recentemente na Rede Record , possuem este gênero no Brasil.
Além de pouco utilizado, o modelo possui características próprias, principalmente a uniãoentre informação e entretenimento, o que também é visto nas revistas semanais impressas. As
reportagens investigativas se encaixam neste perfil, trazendo ao telespectador assuntos
inéditos, extensos, com grande carga informativa e que seduzem o público.
Mesmo com reportagens exibidas a cada domingo, pode-se perceber que ainda são escassos
os repórteres investigativos nas redações de televisão. Poucos são os veículos que, hoje,
possuem tempo, dinheiro e espaço para veicular as reportagens. A realidade do jornalismoatual é dinâmica, simples e objetiva. O melhor não é quem possui a informação, mas aquele
consegue exibí-la da maneira mais rápida possível.
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