Paula Moreira Barbosa Lourenço Um estudo sobre recursos de ...
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JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA: O MESTRE E SUA OBRA
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro.Aluno da Turma José Carlos Barbosa Moreira de 1972, da
Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara. Pós-graduado pela Escola Processual de
Copacabana.Professor Titular de Teoria Geral do Processo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj.
O MESTRE
Professor de português. Foi assim que o Mestre José Carlos Barbosa
Moreira, ainda estudante de Direito (l949/1954) da antiga Universidade do Brasil, hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro, iniciou sua carreira no magistério, no Instituto
Guanabara, na Rua Mariz e Barros, na Tijuca, que pertencia aos seus pais, ministrando
aulas para o curso primário e o de admissão ao ginásio.
Não largou mais o vício. Logo após a sua formatura, começou a dar aulas
de Direito Processual Penal, na mesma faculdade em que concluíra o seu curso
(1956/1957), como assistente do Professor Hélio Tornaghi.
No ano de 1963, ingressou como professor na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, onde lecionou primeiramente a disciplina de Fundamentos
de Direito (1963), na escola de Sociologia e Política, e em seguida a disciplina de
Direito Judiciário Civil (1964/1965). Também foi professor assistente de Teoria Geral
do Processo (1966) na Faculdade de Direito Cândido Mendes.
Neste mesmo período (1963), prestou concurso para procurador do então
Estado da Guanabara – o mais disputado à época – e foi aprovado em primeiro lugar.
Foi nessa ocasião que o Professor José Carlos conheceu seu mestre, então examinador,
Luiz Machado Guimarães. Passaram a se reunir os dois, freqüentemente na casa do
Professor Machado Guimarães, em Copacabana, onde nasceu a chamada Escola
Processual de Copacabana, composta, naqueles tempos, de dois únicos personagens:
“ele e eu”1.
No ano de 1968, o Professor José Carlos Barbosa Moreira defendeu a sua
primeira tese para a livre docência na hoje Faculdade Nacional de Direito, com um dos
seus mais brilhantes trabalhos – intitulado “Questões prejudiciais e coisa julgada”
(1967, sem publicação), perante banca examinadora composta pelos Professores
Haroldo Valladão, Ferreira de Souza, Pedro Palmeira, Abílio Nogueira e Regina Godim.
Foi justamente no ano de 1969, no casarão da Faculdade de Direito da
antiga Universidade do Estado da Guanabara, salão nobre, que o Mestre – a quem
conheci naquele evento – defendeu em concurso público para a livre docência a sua
segunda tese, intitulada “O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis”
(1968, sem publicação), perante banca examinadora composta pelos Professores Pedro
Palmeira, Hamilton de Morais e Barros, Alfredo Buzaid, Vicente Chermont de Brito e
Cláudio Vianna de Lima.
Foi então, naquele momento, que o jovem mestre que despontava
demonstrou todo o seu talento, cultura e uma dose de fina ironia – reveladores de uma
maturidade precoce na área que escolhera como especialidade – enfrentando com ampla
vantagem aquela “temível” banca que procurava, sem sucesso, questionar o seu
trabalho. Foi algo inesquecível, principalmente para aqueles que pela primeira vez
assistiram a um concurso do gênero. Mal sabia o Mestre que começara a despertar nos
seus futuros alunos, e assim foi ao longo de toda a sua carreira, a vontade de um dia
seguir os mesmos passos.
Quis o destino – ainda bem – que o Mestre se fixasse e passasse a
exercer, com exclusividade, o magistério na Universidade do Estado da Guanabara, hoje
1 São palavras do mestre, extraídas de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras Jurídicas, em 7 de abril de 1992: “Amigos, porém, são tantos, mesmo no específico universo do direito, que renuncio à exemplificação, até para evitar o risco de qualquer involuntário esquecimento. Um só nome não posso calar: o de Luiz Machado Guimarães, que além de amigo foi mestre, e não sei em qual das duas qualidades mais fortemente me marcou o espírito. Ninguém conheci a quem o trato da matéria jurídica fosse tão perfeitamente co-natural . A obra escrita que deixou, valiosa como é, não revela a medida inteira de seu vasto saber e de sua inteligência penetrante, a cuja luz me aquecia, semanalmente, nas tertúlias daquilo que ele chamava, com graça, a Escola Processual de Copacabana – facílima de reunir em sessão plenária, porque composta de dois únicos membros: ele e eu...” (“Duas gerações de processualistas brasileiros”, publicado na quinta série dos “Temas de Direito Processual”, 1994, Saraiva, pág.248).
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj. Logo após o seu concurso, passou a
reger e a acompanhar pela primeira vez uma turma de bacharelandos durante todo o
curso de Processo Civil (1971/1972).
Esta sua primeira turma da Universidade do Estado da Guanabara, que
colou grau em 1972, recebeu o nome de José Carlos Barbosa Moreira – minha turma – e
para a inveja de muitos é a sua preferida2, apesar de, quando indagado a respeito, o
professor sentenciar: “na casa do pai existem muitas moradas”. Não foi à toa que nas
turmas que se seguiram, de Teoria Geral do Processo e de Processo Civil3, tanto no
período da manhã como no período da noite, em todas, sem exceção, o Mestre foi
escolhido como patrono ou paraninfo e a cada uma ele dedicou um de seus livros.
No ano de 1979, submeteu-se a novo e memorável concurso, na
Universidade do Estado do Ro de Janeiro – Uerj, para Professor Titular, sendo aprovado
em primeiro lugar. Fizeram parte da banca examinadora os Professores José Frederico
Marques, Hamilton de Moraes e Barros, José Olympio de Castro Filho, Regina Gondim
e Egas Dirceu Moniz de Aragão.
Foi com um pequeno grupo de alunos desta sua primeira turma de 1972
que, talvez sem se dar conta, o professor resolveu dar continuidade – seu mestre,
Machado Guimarães, falecera no ano de 1971 – à Escola Processual de Copacabana. O
Mestre passou a reunir em sua casa, também em Copacabana, semanalmente, durante
um período de cerca de 10 de anos, este grupo de alunos. Nessas aulas-reuniões,
verdadeiro e único curso de pós-graduação, o Mestre não se limitou ao ensino do
Direito Processual, do pensamento dos grandes processualistas do passado; antes, seus
ensinamentos alcançaram a Teoria Geral do Direito. Quem quer que tenha tido o
privilégio de participar deste grupo de estudo colheu, sem qualquer dúvida, o maior, o
mais profícuo e o mais silencioso de todos os títulos que um dia pudesse obter.
A sua última turma de bacharelandos na Uerj, imediatamente anterior à
2 Sempre existiu uma certa rivalidade in bonam partem entre as diversas turmas do professor José Carlos, cada qual a se proclamar como a preferida e a melhor. A indicação desta turma como a preferida fica por conta exclusiva de quem escreve este trabalho.
3 Naquela época, não existia a disciplina de Teoria Geral do Processo, que só veio a ser criada na década de 80, sendo certo que era costume o professor de Teoria Geral do Processo acompanhar a turma de Direito Processual Civil. Só depois da aposentadoria do Mestre é que foi preenchida a primeira titularidade da disciplina de Teoria Geral do Processo (1999).
sua aposentadoria, foi a de 1996, da qual o professor passou a reunir novo grupo de
alunos em sua casa, em Copacabana, exatamente como fizera com a de 1972, até os dias
de hoje, tornando perene a Escola Processual de Copacabana.
Para se ter uma idéia do exemplo e da influência do Mestre em seus
alunos, basta percorrer a lista dos professores da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Só para ficar nos professores titulares, senão a lista seria infindável e difícil de
ser conhecida com precisão, temos nada mais nada menos do que cinco professores:
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (Professor Titular de Teoria Geral do Processo); Luiz
Fux (Professor Titular de Direito Processual Civil); Professor Luís Roberto Barroso
(Professor Titular de Direito Constitucional); Professor Carlos Roberto Siqueira Castro
(Professor Titular de Direito Constitucional); Professora Heloisa Helena Barboza
(Professora Titular de Direito Civil).
As aulas do professor, que conseguia reunir, a um só tempo, esmerada
técnica e imensa simplicidade na exposição, simplesmente lotavam as salas de aula com
a presença de alunos de outras turmas e até mesmo de outras universidades. Seus ex-
alunos, os quais o Mestre conhecia a todos e os chamava pelo nome4, não se esquecem
das figuras que o professor usava para ilustrar as suas aulas: como a fábula da bela
adormecida no bosque que servia de base a compreensão do recurso intitulado “agravo
no auto do processo”, parente mais velho do que hoje conhecemos como o agravo
retido. Para explicar, com absoluto sucesso, o efeito devolutivo do recurso de apelação,
as curvas da Claudia Cardinale eram definitivas, pelo menos à época, para a
compreensão de tão difícil fenômeno.
Há pouco tempo, o Professor José Carlos Barbosa Moreira retornou
temporariamente às salas de aula da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Ministrou na pós-graduação – mestrado de Direito Processual – a
disciplina de Direito Processual Comparado (2003), para o deleite não só dos novos
alunos que não tiveram oportunidade de ter o Mestre como professor na graduação,
como também para alguns de seus ex-alunos, que se juntaram ao grupo.
As conferências no Brasil e no exterior, proferidas pelo professor são
incontáveis. O Mestre sempre manteve um relacionamento constante e profícuo com
4 O professor dizia ser “impossível uma relação afetiva entre seres inominados”. Daí o esforço que ele fazia para identificar cada aluno, desde a primeira até a última turma, guardando um nome de cada um.
inúmeros professores de outros países. Participou de mais de 60 congressos
internacionais proferindo conferência em quase todos, sem contar a relatoria de onze
deles5. Foi professor visitante nas Universidades de Bolonha (1993) e Lisboa (1996),
sendo membro efetivo de cinco institutos estrangeiros6, tendo presidido o Instituto
Ibero-Americano de Direito Processual (l996/2000), além de ocupar a vice-presidência
da International Association of Procedural Law (desde 1995).
Mas não era só nas salas de aula que o Professor José Carlos Barbosa
Moreira ensinava.
Ele ensinava até sem querer e a todo momento. Na Procuradoria Geral do
Estado, como procurador do estado (1963/1968) e chefe da Procuradoria Judicial; na
advocacia (1955/l978 e novamente a partir de 1992), e aí estão seus inúmeros pareceres,
dispersos em diversas obras; no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como
desembargador (1978/1992). As sessões de julgamento sempre estavam lotadas, não só
de advogados interessados nos feitos, mas e principalmente de alunos, ex-alunos e
admiradores que tinham o privilégio, como eu tive na função de Procurador de Justiça
Titular junto à Quinta Câmara, de ouvir verdadeiros votos-aulas do Mestre,
condensados – alguns deles – na sua obra “Direito aplicado I (acórdãos e votos)”. Não é
sem razão que a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro era conhecida como a vitrine do Tribunal do Estado.
Só uma coisa o Mestre José Carlos Barbosa Moreira não conseguiu
5 VI Congresso Internacional de Direito Processual (Gand, Bélgica, 1977), como relator nacional; do VII Congresso Internacional de Direito Processual (Würzburg, Alemanha, 1983), como relator nacional; das IX Jornadas Ibero-americanas de Direito Processual (Madri, Espanha, 1985), como relator geral; do Colóquio da International Association of Procedural Law sobre execução (Lund, Suécia, 1985), como relator regional; do VIII Congresso Internacional de Direito Processual (Utrecht, Holanda, 1987), como relator geral; do I Congresso da Association Internationale de Méthodologie Juridique (Aix-en-Provence, França, 1988), como relator; do Simpósio da Wissenschaftliche Vereinigung für Internationales Verfahrensrecht (Passau, Alemanha, 1989), como relator; do IX Congresso Internacional de Direito Processual (Coimbra-Lisboa, Portugal, 1991), como relator nacional e orador da sessão de encerramento; do Simpósio sobre a Justiça Civil na Era da Globalização (Tóquio, Japão, 1992), como relator nacional; do X Congresso Internacional de Direito Processual (Taormina, Itália, 1995), como relator nacional e presidente de sessão; e do XVI Congresso Mexicano de Direito Processual (Guanajuato, México, 1999), como relator.
6 Instituto Ibero-Americano de Direito Processual; Wissenschaftliche Vereinigung für Internationales Verfahrensrecht (Associação Científica de Direito Processual Internacional); Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro; International Association of Procedural Law (Associação Internacional de Direito Processual); e Association Internationale de Méthodologie Juridique (Associação Internacional de Metodologia Jurídica).
realizar, um desejo sincero, que sempre preconizou, de alcançar a glória suprema, de
que falava Carnelutti7, de um dia ser ultrapassado por um de seus alunos. Se isto não foi
possível, e penso que nunca será, pelo menos o Professor José Carlos Barbosa Moreira
conseguiu conceder esta glória suprema ao seu antigo mestre, Luiz Machado
Guimarães.
A OBRA.
O primeiro livro publicado pelo Professor José Carlos Barbosa Moreira,
“O problema da autodeterminação” (Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1962), trata
de matéria eminentemente filosófica.
Foi em 1967 que o professor José Carlos Barbosa Moreira escreveu a sua
primeira obra jurídica (livro) e um dos seus mais importantes trabalhos: “Questões
prejudiciais e coisa julgada”, sua tese para o concurso de livre-docência na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Neste trabalho, o professor resolveu abordar
um dos temas mais polêmicos daquela época, pois não havia precisão na conceituação
de questão prejudicial e muito menos na sua relação com a coisa julgada. Quando
muito, e isto ocorre até hoje, os doutrinadores costumam conceituar a questão
prejudicial como antecedente lógico da questão de mérito, enquanto as preliminares se
refeririam às condições da ação e aos pressupostos processuais. O Mestre, já
demonstrando para o que veio, conseguiu nesta belíssima obra desvendar “o fio
condutor que nos permita chegar à essência da figura e construir dela um conceito
lógica e juridicamente coerente”8.
Nesta linha, o Professor José Carlos Barbosa Moreira demonstrou, em
primeiro lugar, que a questão prejudicial não tem como fonte necessária uma questão
principal de mérito. Antes, o importante é a relação de subordinação e esta pode ocorrer
com qualquer tipo de questão. Assim, a questão sobre a validade da naturalização de
7 Como dizia o grande jurista italiano, “a suprema glória de um mestre não consiste em ser louvado pelos seus discípulos, mas sim ser por eles ultrapassado”.
8 “Questões prejudiciais e coisa julgada”, Rio de Janeiro, 1967, página 14.
uma pessoa poderá constituir uma questão prejudicial ao exame da legitimidade ad
causam para a ação popular. Do mesmo modo que a discussão sobre a validade de
cláusula contratual em que se estipulou foro especial pode constituir questão prejudicial
à resolução da questão processual sobre o foro competente para a causa. Mais do que
isso, nesta obra o professor demonstrou que a questão prejudicial é simplesmente
conhecida pelo juízo, incidenter tantum, como itinerário lógico para que possa resolver
(decidir) a questão subordinada. Aquela não produziria coisa julgada na medida em que
não seria objeto de julgamento, mas simplesmente de cognição, de conhecimento.
O que parece ser simples hoje – no passado tal tema jamais fora
sistematizado, no Brasil e no exterior, de forma precisa – se deve fundamentalmente ao
trabalho do Professor José Carlos Barbosa Moreira. Já neste primeiro trabalho o mestre
já revelava um estilo único: elegante e claro, simples e técnico, profundo, com uma
pitada de ironia. Examinava a questão posta como objeto de seu trabalho, como fizera
em todas as suas obras que se seguiram, sob todos os ângulos possíveis, esgotando o
tema, mantendo sempre a lógica e a coerência do raciocínio, com a consulta ao que há
de melhor na doutrina pátria e alienígena. Ler um trabalho do professor é como assistir
a uma aula sua: o espectador fica preso do início ao fim. Pena que esta obra não tenha
sido publicada, mas tão-somente alguns pontos de contato com artigos sobre temas
correlatos, tais como: “Questões prejudiciais e questões preliminares” (em “Direito
Processual Civil (Ensaios e pareceres)”, Ed. Borsoi, 1971, página 73 e seguintes); “Os
limites subjetivos da coisa julgada no sistema do novo código de processo civil” (em
“Temas de Direito Processual”, primeira série, Saraiva, 1977, página 90 seguintes); “A
eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro”
(publicado também na primeira série de “Temas de Direito Processual”, página 97 e
seguintes).
O mesmo se diga sobre o seu segundo trabalho, também tese de concurso
para livre-docência, agora para a Faculdade de Direito da Universidade do Estado da
Guanabara: “O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos civis” (1968). Ali o
professor também sistematizou na doutrina pátria, que adotou desde então a proposta,
guardadas pequenas variações, não só a distinção entre o juízo de admissibilidade e o
juízo de mérito, como também os requisitos de admissibilidade dos recursos, nos seus
dois planos: requisitos intrínsecos – cabimento do recurso, legitimação para recorrer,
interesse em recorrer, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer;
requisitos extrínsecos – tempestividade, regularidade formal e preparo. Esta obra
também não foi publicada – à época não era comum publicar teses de concurso.
Todavia, nos seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume V, 12ª edição,
2005, que trata, dentre outros temas9, dos recursos no Direito Processual Civil
brasileiro, podemos encontrar pontos comuns com a tese, especialmente no título X,
capítulo I, páginas 229/405.
A partir de então, o professor concentrou em um curto período de tempo
uma imensa e profícua produção intelectual. Em 1971, publicou seus primeiros
“Ensaios e pareceres de Direito Processual Civil”, Editora Borsoi, Rio de Janeiro,
condensando inúmeros artigos escritos a partir de 1963, que desafiavam temas que a
doutrina brasileira e mesmo a estrangeira ainda não haviam sistematizado, tais como o
seu conjunto de trabalhos sobre o litisconsórcio – “Intervenção litisconsorcial
voluntária” (1963); “O litisconsórcio e seu duplo regime” (1968); “Notas sobre o
litisconsórcio necessário no Direito brasileiro e no alemão” (1970). Neste volume,
encontramos também uma das muitas pérolas escritas pelo professor: “Ainda e sempre a
coisa julgada”, na qual o mestre assentou a absoluta independência, no plano dos
conceitos, entre auctoritas rei iudicatae e eficácia da decisão, fazendo um estudo
comparativo com as propostas de Carnelutti e de Liebman sobre o tema.
Em 1972, publicou possivelmente o melhor de todos os seus trabalhos10,
“Litisconsórcio unitário”, Editora Forense, Rio de Janeiro. Curiosamente, o professor
escrevera este trabalho para concorrer ao cargo de professor catedrático (titular) da
então Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara, sendo que, de um
lado, a publicação do livro antes da entrada em vigor do novo código, que modificava
substancialmente o sistema do litisconsórcio, era conveniente e, de outro, o concurso de
professor titular só veio a ocorrer no ano de 1979, quando o Professor José Carlos
apresentou nova tese, “A conexão de causas como pressuposto da reconvenção”,
publicado pela Editora Saraiva (1979), sendo aprovado em primeiro lugar no certame.
Na mesma época, participou, informalmente, da comissão de revisão do
9 Também cuida o livro da uniformização da jurisprudência, da declaração de inconstitucionalidade, da homologação de sentença estrangeira e da ação rescisória.
10 Na minha opinião, mas ela costuma mudar muito a cada vez que releio outro trabalho do Mestre – acabei de reler, neste exato momento, o “Litisconsórcio unitário”.
anteprojeto do novo Código Processo Civil, composta pelos professores Frederico
Marques, Luiz Antônio de Andrade e Machado Guimarães11, havendo publicado, logo
que o novo Código veio a lume, o seu livro “Estudos sobre o novo Código de Processo
Civil”, 1974, Editora Liber Iuris. No mesmo ano (1974) e no início do ano seguinte
(1975) seguiram duas das suas principais obras e de maior sucesso entre o público em
geral, que o consagraram, juntamente com seus “Temas de Direito Processual”,
definitivamente no mundo jurídico, como um dos mais importantes processualistas de
todos os tempos: “O novo Processo Civil brasileiro”, feito inicialmente em dois
volumes e depois condensado em um único volume, atualmente na 25ª edição, além das
sucessivas tiragens extras, e os “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume V,
da mais prestigiosa e antiga coleção de comentários ao Código de Processo Civil do
país, da Editora Forense, agora na 12ª edição e outras tantas tiragens extras.
Mas foi justamente nos seus livros sobre “Temas de Direito Processual”,
já na oitava série (2004) – todos editados pela Saraiva – que o mestre fez escola, ou
melhor, consagrou a sua escola, desafiando a novidade, antecipando o que de
importante estava para acontecer no campo do Direito Processual. Para que se tenha
uma pequena idéia da geografia e da época em que os trabalhos foram escritos, basta
verificar que no primeiro volume dos seus temas (1977) o Mestre já se preocupava com
o tema que hoje constitui preocupação de todos aqueles que lidam com o processo em
todos os cantos: “A responsabilidade das partes por dano processual no Direito
brasileiro” (1976). Mais do que isso, naquele mesmo volume, o Mestre apresenta o seu
primeiro trabalho sobre os interesses difusos: “A ação popular do Direito brasileiro
como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados interesses difusos” (1977)12.
Na segunda série de seus “Temas” (1980), o professor trazia à baila novo
tema, também da maior atualidade nos dias de hoje: “Processo Civil e direito à
preservação da intimidade”. Também nesse volume encontramos belíssimos trabalhos
11 O Professor José Carlos Barbosa Moreira participou praticamente de todas as reuniões da comissão – cerca de uma centena – ao longo de dois anos, (1969/1971), devendo ser registrado que um dos membros da comissão, o Professor José Frederico Marques, que residia em São Paulo, tinha muita dificuldade em participar, ocupado que estava com a elaboração do anteprojeto do Código de Processo Penal. Assim, o Professor Alfredo Buzaid solicitou que a comissão iniciasse os trabalhos sem a participação do Professor Frederico Marques, havendo, então, os dois membros restantes – Luiz Antônio de Andrade e Machado Guimarães – feito o convite em caráter extra-oficial, para que o Professor José Carlos participasse dos encontros.
12 Este trabalho foi escrito originalmente para um volume de estudos em homenagem a Liebman.
sobre: “Tutela sancionatória e tutela preventiva”; “Regras de experiência e conceitos
juridicamente indeterminados” (l977) e “Julgamento e ônus da prova” (1979).
Na terceira série (1984), o professor apresentava como primeiro escrito
“Tendências contemporâneas do direito processual civil” (l983). Nesse volume, o
Mestre explorou “A função social do Processo Civil moderno e o papel do juiz e das
partes na direção e na instrução do processo” (1984), além de tratar com maestria,
sistematizando o tema sobre os chamados direitos transindividuais, antes mesmo que a
nova lei sobre a ação civil pública fosse editada com o trabalho: “Tutela jurisdicional
dos interesses coletivos ou difusos” (1983), deixando marca indelével nos conceitos de
tais institutos, até hoje adotados por praticamente todos quantos tenham escrito sobre tal
matéria.
Na quarta série (1989), o professor começa tratando sobre “Os temas
fundamentais do Direito brasileiro nos anos 80: Direito Processual Civil”, e apresenta
três notáveis trabalhos. O primeiro, “Saneamento do processo e audiência preliminar”
(1986); o segundo, “Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais e o
terceiro”, um dos mais completos trabalhos escritos sobre o tema; e ainda “Problemas e
soluções em matéria de reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais
estrangeiros” (1987).
Na quinta série (1994), o professor retoma sua preocupação com a
velocidade, o ritmo das transformações sem que a Justiça deixe de se modificar
também, e ainda traz para a reflexão quais seriam os rumos da reforma desejável,
pontuando que “seria profundamente lamentável que a vontade, tão legítima, de mudar
nos induzisse a uma rejeição indiscriminada e irracional dos princípios e valores
legados pela tradição” –“A Justiça no limiar de novo século” (1992), pág. 26. Nesse
volume, o Mestre enfrenta temas relativos à competência internacional, à citação no
plano internacional, à colheita de prova no estrangeiro e ao reconhecimento e execução
de sentenças estrangeiras, reunidos no trabalho “Problemas relativos a litígios
internacionais” (1991). Fazem parte também desta série interessantes trabalhos sobre
codificações e projetos estrangeiros e sua influência no Direito Processual Brasileiro:
“A influência do direito processual civil alemão em Portugal e no Brasil” (1989); “Il
codice di procedura civille dello stato della città del vaticano come fonte storica del
diritto brasiliano” (1991); “Il progetto Carnelutti e il codice di procedura civile
brasiliano” (1993). No apêndice, o discurso do professor quando tomou posse na
Academia Brasileira de Letras Jurídicas (em 7.4.1992), na cadeira número nº 46, antes
ocupada pelo Professor Alfredo Buzaid, “Duas gerações de processualistas brasileiros”.
Na sexta série (1997), o professor novamente demonstra sua preocupação
com a Justiça e a efetividade do processo – seria um tema recorrente? – com os
trabalhos: “A Justiça e nós” (1996); “Efetividade do processo e técnica processual”
(1994); “Miradas sobre o processo civil contemporâneo” (1995); “Os novos rumos do
Direito Processual Civil brasileiro” (1994). Dois outros notáveis trabalhos, dentre
muitos constantes desta série: “A Constituição e as provas ilicitamente obtidas” (1996)
e “Aspectos da execução em matéria de obrigação de emitir declaração de vontade”.
São também desse volume seus trabalhos sobre “A ação civil pública e programação da
TV” (1995), culminando com três ensaios de leitura obrigatória: “A desinformação
jurídica” (1993); “Direito e ética no Brasil de hoje” (1994); e “Os deveres para com a
comunidade” (1996).
Na sétima série (2001), o professor trata do Direito Processual nos países
anglo-saxônicos com os seguintes trabalhos: “Notas sobre alguns aspectos do Processo
(Civil e Penal) nos países anglo-saxônicos” (1999) e “Uma novidade: o Código de
Processo Civil inglês” (1999). Trata também, como já fizera anteriormente em outros
volumes, do Direito Processual Penal com os temas: “Processo Civil e Processo Penal:
mão e contramão?” (1999); “Breves observaciones sobre algunas tendencias
contemporáneas del processo penal” ( 1997) e “La transacción penal brasileña y el
derecho norte-americano”. Dois outros trabalhos desta série são de leitura obrigatória.
O primeiro: “A sentença mandamental – da Alemanha ao Brasil” (1998). O segundo,
“Execução sujeita a condição ou termo no processo civil brasileiro” (1999), no qual o
Mestre trata da condenação para o futuro.
Finalmente na oitava série (2004), o professor volta, mais uma vez, ao
seu tema (predileto?): “O futuro da justiça: alguns mitos” (2000); “Por um processo
socialmente efetivo” (2001); “O processo, as partes e a sociedade” (2003). Ainda nesse
volume, um novo trabalho: “O processo civil brasileiro entre dois mundos” (2001), que
trata da influência da produção científica da Europa continental no Brasil, sempre
poderosa e dominante, vis-à-vis, e mais recentemente, o novo peso do universo anglo-
saxônico, especialmente dos trabalhos relativos a institutos norte-americanos, como o
da class action, que têm influenciado decisivamente o sistema processual brasileiro.
Nessa série e na mesma linha, os trabalhos: “O Processo Penal norte-americano e sua
influência” (2000) e “A Suprema Corte norte-americana: um modelo para o mundo?”
(2003).
Importante registrar, também, a publicação de inúmeros artigos do
professor em diversas revistas estrangeiras13, nas línguas inglesa, francesa, espanhola,
italiana e alemã, que o professor cultiva e fala.
Dois outros livros do professor revelam suas outras facetas profissionais.
O primeiro, “Direito aplicado I (acórdãos e votos)” (Editora Forense, 1987), apresenta o
Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, em toda a sua plenitude. O segundo,
“Direito aplicado II (pareceres)” (Editora Forense, 2000), revela o jurista maduro e ético
no labor do ofício de advogado, devendo ser destacada a imensa dificuldade que os
advogados têm para obter parecer do Mestre, que só aceita produzi-los, de quando em
vez, desde que rigorosamente convencido da existência do direito e da justiça da causa
em si.
Last but not least, o Professor José Carlos coordenou dois importantes
livros: o primeiro condensa trabalhos de um simpósio organizado pela Tulane
University, patrocinado pela Associação Internacional de Direito Processual, na cidade
de New Orleans, sobre o tema “abuso dos direitos processuais”, em nome do Instituto
Ibero-Americano de Direito Processual (2001, Editora Forense); e o segundo, “Estudos
de Direito Processual em memória de Luiz Machado Guimarães”, no 25º aniversário do
seu falecimento (1997, Editora Forense).
Apesar das inovações trazidas pelo Mestre em seus trabalhos e da
antevisão do que estava para acontecer, ele jamais foi adepto de novidades estrondosas.
São estas as suas palavras, que resumem o cuidado e a preocupação que sempre teve
com todos os seus escritos: “receio que se sinta decepcionado quem esperava, à vista do
13 Alemanha – Zeitschrift für Zivilprozess International; Argentina - Revista de Derecho Procesal, Revista del Colegio de Abogados de La Plata, Derecho Procesal Civil y Comercial; Cabo Verde – Direito e Cidadania; Costa Rica – Ciencias Penales; Espanha – Revista de Derecho Procesal; Estados Unidos – American Journal of Comparative Law; França – Justices – Revue Générale de Droit Processuel, Revue de la Recherche Juridique, Revue Internationale de Droit Comparé; Itália – Rivista di diritto processuale, Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Rivista dell’arbitrato; Peru – Revista Peruana de Derecho Procesal, Ius et Veritas; Portugal – Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Revista da Ordem dos Advogados, Cadernos de Direito Privado; Uruguai – Revista Uruguaya de Derecho Procesal; Venezuela – Revista de Derecho Probatório.
tema, o anúncio de novidades estrondosas. Não sou muito amigo de reviravoltas
sensacionais: a esta altura da vida, já tendo assistido a várias que como tais se
apresentavam, sei que é tão vã quão a pretensão de traçar o plano definitivo de
regeneração do universo ou mesmo do País. Acredito mais na eficácia daquelas
‘revoluções moleculares’ a que aludia Péguy, em que atuam por dentro das estruturas,
tentando antes aprimorá-las que destruí-las”14.
A HOMENAGEM
Por ocasião da aposentadoria do Professor José Carlos Barbosa Moreira,
os alunos de todas as suas turmas lhe prestaram uma homenagem e deixaram gravado
em uma placa, única existente na sala dos professores – local onde ela não poderia estar
mais bem situada – a seguinte mensagem:
Homenagem ao Professor
José Carlos Barbosa MoreiraNossa gratidão ao Professor José Carlos, na ocasião de
sua aposentadoria, pela sua devoção ao magistério,
pelos ensinamentos que ministrou, pelo carinho e o
respeito sempre demonstrados, pelos caminhos que
apontou, pela simplicidade e pela grandeza,
exemplo para as novas gerações.
Outubro de 1997.
Seus ex-alunos das Turmas: 1972/1974/1976/1978/
1980/1983/1986/1989/1992 e 1996.
Maio de 2006.
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro.
14 “A justiça no limiar de novo século”, publicado em “Temas de Direito Processual”, quinta série, 1994, Saraiva, pág. 37.
Aluno da Turma José Carlos Barbosa Moreira de 1972, da Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara. Pós-graduado pela Escola Processual de Copacabana.Professor Titular de Teoria Geral do Processo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj.