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    Frotas de 1749: um balano

    JosJob son de And rade Arru da

    Professor Titular de Histria Moderna da USP

    "A histria pode comparar-se a uma coluna polgona de m/more. Quemquiser examin-Ia deve andar ao redor dela, contempl-Ia em todas as suas

    faces".Alexandre Herculano.

    Resumo: A partir da relao de gneros remetidos dePernambuco, Rio de Janeiro e Maranho para Portugal no pri-meiro semestre de 1749, este artigo analisa a polticacomercial da Coroa para a Amrica portuguesa em meados do

    sculo XVIII e a diversificada produo colonial, arrolando osdiversos produtos regionais e sua importncia no quadro geraldas exportaes. Aponta, ainda, a potencialidade dessa fontepara o estudo da construo naval, pesos e medidas, durao,organizao e composio das frotas.

    Abstract: Regarding the goods' roll sent byPernambuco, Rio de Janeiro and Maranho's Captaincies toPortugal in the first half of 1749, the article goes throughout theCrown's commercial policies towards the Portuguese-Americaby the mid 1700's. Not regardless of the diversified colonial

    production, enlisting various regional products and theirimportance to the general exportation frame. It also points outthe potentialities of such source to studies into the navalconstruction, weights and measures, length, organisation andcomposition of the fleets.

    Entre 13 de junho e 20 de julho de 1749, atracaram no Porto de Lisboa 66navios de transporte e 3 de guerra, procedentes dos portos do Rio de Janeiro,Recife e Belm do Par. Compunham a maior parte da frota brasileira que,periodicamente, chegava a Portugal. Desta relao no fazem parte os navios

    vindos de Salvador, na Bahia, pois a relao em tela corresponde to somente s"frotas" inclusas no Cdice Costa Matoso1.

    1. Documentos 140, 141 e 142 do Cdice Costa Matoso, Biblioteca Municipal ele So Paulo, Seo ele

    Obras Raras e Especiais, Ms D-l-a-43. Ver FUNDAO Joo Pinheiro. Cdice Costa Matoso. Belo

    Horizonte: Fundao Joo Pinheiro, CEHC, 1999. p. 911-917.

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    No a primeira vez que a relao da carga das referidas frotas

    publicada. Em seu estudo clssico sobre a histria econmica do Brasil,

    Roberto C. Simonsen, reproduziu-as na ntegra, incorporando-as na forma de

    anexo ao seu captulo sobre o comrcio do Brasil na era colonia2. No h como

    furtar-se, portanto, ao enquadramento dos documentos em apreo no

    indescartvel tema das frotas e sua atuao no mbito mais geral do comrcio

    realizado pelos portugueses no Brasil. Nestes termos, a data de 1749

    consagra-se como uma espcie de charneira entre dois momentos, seja do

    desempenho econmico da colnia para sua metrpole, seja para o manejo da

    poltica comercial desta em relao quela, no mbito do Imprio portugus.

    No ano de 1749 a economia colonial brasileira encontra-se em plena

    ascenso. Todos os indicadores econmicos assim o dizem. As exportaes de

    acar, em declnio acelerado desde meados do sculo XVII, retoma seu cursoascensional a partir de 1710, ritmo este que se preserva at 1760. Antes disso,

    a partir de 1690, a entrada do ouro na pauta de exportao agregara tendn-

    cia ascensional do acar, at ento o principal produto de exportao, atin-

    gindo seu clmax igualmente no ano de 1760, marco da viragem significativa

    nos valores globais da exportao colonial medida em libras, como se pode

    depreender do grfico contido no prprio Simonsen3. preciso reter que,

    mesmo nos ndices mximos da exportao aurfera avaliada em libras

    esterlinas, atingida no ano de 1760, o valor agregado da exportao do acar

    sempre lhe foi superior. De um valor estimado em 5 milhes de esterlinos,

    alcanado pelas exportaes coloniais em 1760, cabia ao ouro 2.4 milhescontra 2.5 correspondente ao acar. Em todo perodo colonial calcula-se que o

    acar tivesse produzido um valor equivalente a 300 milhes de esterlinos,

    contra 170 milhes alavancados pelo ouro.

    Outros indicadores poderiam ser includos nesta avaliao do

    significado de 1749 para a economia do Imprio Luso-Brasileiro. Michel

    Morineau, em seu estudo renovador sobre o ouro brasileiro a partir das gazetas

    holandesas em contraposio aos relatrios consulares utilizados por Virglio

    Noya Pinto -, aponta para a dcada de 40 como aquela na qual a produo

    aurfera brasileira teria atingido seu ponto culminante. Como desdobramento

    desta constatao, mostra o crescimento do comrcio ingls no mbito do

    Imprio Luso-Brasileiro, comparativamente a partes do prprio Imprio ingls, a

    saber, ndias Ocidentais, Colnias Continentais e Irlanda. Entre 1741 e 1745 o

    mercado luso-brasileiro repres~ntava 1 milho 125 mil libras, enquanto as n-

    dias Ocidentais ficavam com 728, as Colnias Continentais 738 e a Irlanda

    2. SIMONSEN, Roberto C. Histria Econmica do Brasil (1500/1800), Cia. Ed. Nacional, 6" ed., So Paulo,

    1969, p. 382-384.

    3. Idem, ibidem, Encarte entre as p. 382 e 383.

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    7904. Neste contexto, a relao dos produtos e valores contidos nas frotas de 1749

    so indicadores seguros do desempenho da economia colonial nos meados do

    sculo XVIII e, portanto, documentos de alta significao histrica.1749 emblematiza, igualmente, um momento de cesura no andamento da

    poltica comercial praticada pela Metrpole em relao sua principal Colnia.

    Desde o sculo XVI, quand teve incio o processo de colonizao e povoamento

    do Brasil, a poltica econmica do Estado Portugus orientava-se pelas diretrizes

    do mercantilismo, cujo pressuposto essencial era o imprio do capital mercantil, no

    qual o capital fixo jogava um papel relativamente pequeno na reproduo. Com

    exceo da terra, a maior parcela da riqueza consistia em capital circulante que, a

    um s tempo, exigia pagamentos imediatos e gestava enormes disponibilidades de

    recursos para investimento capazes de corresponder s exigncias de rpida

    circulao dos investimentos mercantis. Por esta razo, os grandes empresrioscapitalistas ignoravam a especializao, constante notria entre mestres, logistas,

    enfim, no seio da pequena burguesia. Os mercadores de grosso trato eram, de

    acordo com as exigncias do momento e das oportunidades, armadores,

    financistas, seguradores, banqueiros e no extremo, e apenas a, empresrios

    agrcolas e capitalistas. "Uma volubilidade intrnseca jazia no movimento do capital

    mercantil: se perdia no comrcio da pimenta do Malabar, ganhava na cochonilha;

    se perdia nos financiamentos para o Estado, recuperava nos emprstimos aos

    pequenos agricultores; se perdia no frete de cargas, recuperava no seguro; se

    perdia na armazenagem das mercadorias, ganhava na construo dos barcos"5.

    A mobilidade criadora de riquezas do capital mercantil pressupunhaaportes institucionais arregimentados pelo Estado, nem sempre fceis de serem

    viabilizados. Cobrava um dinamismo social integrado no processo reprodutivo de

    capital via circulao, dificil de ser preservado. No caso especfico de Portugal, a

    equalizao destas variveis se mostrava ainda mais tensa diante da vastido do

    imprio, disseminado por trs continentes.

    De fato, se a empresa dos descobrimentos pode ser conduzida direta-

    mente pelo Estado, a conquista e a defesa dos territrios exigiam uma ampla

    participao de variados estratos sociais. As companhias de comrcio foram a

    resposta a estas necessidades, constituindo-se em foras organizadas e respon-

    sveis perante o Estado. Surgidas na esteira das experincias monopolistas dos

    contratos - a exemplo do Contrato do Tabaco, gerador de uma autntica rede

    4. MORINEAU, Michel. lncroyables Gazettes et Fabuleux Mtaux, Cambridge University Press / Maison des

    Sciences de I'Homme, London/Paris, 1985, p. 171.

    5. ARRUDA, Jos Jobson de A. "Explorao Colonial e Capital Mercantil", In: Melanges O.ffirts a Frderic

    Mauro: Le Portugal et l'Europe Atlantique, le Brsil et I'Amrique Latine. Coord. Guy Martinire, Centro Cultural

    Calouste Gulbenkian, Lisboa/Paris, 1995, p. 133.

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    comercial regulamentada -, a primeira Companhia do Comrcio do Brasil foi criada em

    1649, ardorosamente defendida pelo Padre Antnio Vieira. A estratgia de sua

    criao visava enrijecer o monoplio da explorao colonial repassando aos

    scios da empresa a obrigao de proteger o trfico martimo, instituindo o

    regime de comboio, no qual os barcos mercantes seriam defendidos por navios

    de guerra da prpria companhia, liberando as foras militares do Imprio para

    seus embates contra as naes adversas. Mais importante do que atrair os cris-

    tos-novos para associarem-se empresa, seria estratgico t-los nas

    principais praas comerciais europias, onde seus relacionamentos e livre

    trnsito poderiam suprir uma lacuna profunda que era a ausncia de

    representantes do comrcio portugus nas fechadas comunidades de

    mercadores europeus. Se era fcil tornar o comrcio do Brasil exclusivo para os

    mercadores portugueses, era muito dificil a "colocao europia dos produtosbrasileiros, que era feita por barcos e mercadores estrangeiros para as zonas

    de sua influncia"6. E,alm do mais, tudo isto tinha que ser articulado com as

    restries de acesso direto aos portos monopolizados do Brasil.

    A Companhia do Comrcio do Brasil teve curta existncia, sendo extinta de-

    pois de 13 anos de atuao, em 1662. A partir de ento, e por mais 50 anos, a .

    antiga Companhia que fora incorporada ao Estado, continuou a exercer as

    funes de organizadora dos comboios destinados ao Brasil, constituindo-se

    numa Junta de Comrcio, at sua liquidao definitiva em 1720. Tentativas

    espordicas e mal sucedidas de criao de outras companhias ocorreram nos

    anos subsequentes. Suas frustraes explicam-se pelo choque com slidos or-ganismos mercantis de outras naes, instalados nos principais postos de trfe-

    go mercantil e, sobretudo, por uma razo de ordem social intrnseca: a partici-

    pao da nobreza nos negcios, onde se fazia representar por prepostos ou

    nas quais participava adiantando capitais contra garantia de juros. Era "uma no-

    breza muito interessada no trfego comercial, mas no habituada sua mon-

    tagem coletiva, para quem os problemas comerciais eram ocupaes subsidi-

    rias na sua formao de fidalgos"7.

    Eis o problema central do imprio comercial portugus. A impossibilida-

    de de seguir risca o ementrio do capital mercantil, a indisponibilidade para o

    rpido transladamento s oportunidades criadas pelo mercado; o refgio na

    6. MACEDO, Jorge Borges. "Companhias de Comrcio", In: Dicionrio de Hstlia de Portugal, dirig. Joel

    Seno, vol. I, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1971, p. 637.

    7. Idem, ibidem, p. 641. As comunidades de mercadores estabeleciam uma rede de relaes variadas,

    inclusive familiares, que reforavam a solidariedade e mitigavam as rivalidades entre as famlias e cls.

    "Portuguese trade with Europe and the Meditenanean was in the hands offoreign merchants, whose

    factories invaded city". Cf MAURO, Frderic, "Merchant communities, 1350-1750", In: The Rse of the

    Merchant Empires, ed.J ames D. Tracy, Cambridge University Press, Cambridge, 1990, p. 284.

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    segurana da remunerao financeira do capital via juros; a resistncia aos

    riscos que a aventura mercantil exigia. Em suma, um processo de cristalizao

    das atividades comerciais que contamina os scios burgueses, atrados para o

    terreno seguro do pequeno risco e do descanso sombra do poder do Estado.

    Os primeiros resistentes aos monoplios no foram os colonos e sim

    os prprios cidados metropolitanos, avessos ao regime de exclusivo que

    transferia ao Estado e a alguns privilegiados os beneficias maiores da

    explorao colonial. A pequena burguesia mercantil e a nobreza, que exerciam

    funes no ultramar, formavam um bloco decididamente antimonopolista e

    defensor do comrcio livre (intra-imprio, bvio). As companhias comerciais,

    por menor que fossem os seus privilgios, cerceavam esta liberdade e, nos

    anos posteriores a 1720, instala-se o comrcio livre para os sditos

    portugueses, permitindo-se mesmo o comrcio intercolonial e o trfego diretopara determinadas praas fora de Portugal.

    Esta liberao no era fruto de decises polticas deslocadas de

    realidades objetivas. Sabidamente, as mercadorias de exportao originrias

    de Portugal eram essencialmente agrcolas, parcamente diversificadas,

    volumosas, pesadas e de baixa lucratividade, tendo que concorrer com

    produtos similares originrios das metrpoles europias ou de suas colnias.

    Como j dissemos, os mercadores portugueses, sem recursos financeiros

    suficientes e desprovidos de conhecimentos tcnicos indispensveis atuao

    nos concorridos mercados europeus, foram marginalizados dos setores de

    elevada lucratividade, representado pela redistribuio das mercadorias deorigem portuguesa ou colonial. Isto explica porque os comerciantes

    portugueses eram obrigados a vender aos mercadores intermedirios

    estrangeiros, uma espcie de mercador-comissrio, que formava um segundo

    escalo de intermedirios, mas em condies estratgicas para determinar o

    preo das mercadorias (price-makers). Como a relativa liberdade aplicada ao

    comrcio colonial estimulou as atividades produtivas, at mesmo uma certa

    diversificao, os preos dos produtos tenderam a se elevar na venda

    realizada para os primeiros compradores, isto , os mercadores portugueses e,

    paradoxalmente, tenderam a baixar no mercado metropolitano quando postos

    disposio dos mercadores-comissrios, reduzindo drasticamente os lucros de

    circulao.

    Em suma, do ponto de vista estritamente econmico, e balizando-se

    pelos lucros excepcionais alcanados nos primeiros momentos da explorao

    colonial, a longo prazo as mercadorias de origem colonial apresentaram uma

    incoercvel tendncia a mitigar os lucros lquidos que propiciavam, reduzindose

    seu valor de troca no mercado internacional pelo agravamento da concor-

    rncia, especialmente depois da crise geral do sculo XVII, quando cresce a

    competio entre metrpoles e colnias produtoras de mercadorias similares,

    como o acar. O mercado portugus foi se transformando num seller's marketem sua relao com os mercados europeus, cada vez mais reforados em sua

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    dimenso de buyer's markets8. Reversamente, os espaos coloniais adensados pelo

    povoamento, pela especializao regional, pela variedade crescente de produtos

    produzidos, beneficiou-se das demandas dos grandes mercados compradoreseuropeus, conseguindo manter os ganhos auferidos na venda de mercadorias,

    preservando a rentabilidade da circulao. Contraditoriamente, o mecanismo da

    explorao colonial invertia-se a favor da colnia, estimulando a acumulao

    interna de capitais, com todas as conseqncias que tal constatao pode sugerir.

    Este processo foi detectado com argcia pelo Marqus de Pombal. Cons-

    ciente de que Portugal se transformara to somente num vasto depsito para as

    mercadorias oriundas das colnias, sem nenhuma garantia para sua revenda,

    defendeu a recriao de companhias de comrcio, nicas capazes de "regularem

    as quantidades das mercadorias que se devem introduzir, de sorte que tenham

    uma respectiva proporo com o consumo dos pases onde tais mercadoriasdevem ser transportadas, porque da falta desta justa proporo se segue,

    necessariamente, a runa do comrcio dos mercadores nacionais em beneficio dos

    mercadores e dos pases estrangeiros"9.

    O problema est todo a. O ciclo sazonal da produo agrcola na colnia,

    as enormes distncias a serem percorridas, o armazenamento inadequado dos

    produtos, a perda e a desvalorizao quase inexorvel das mercadorias, na sua

    maior parcela perecveis. Tempo e distncia jogavam a favor dos compradores

    europeus, constrangendo lucros dos comerciantes portugueses, comprometendo

    as rendas pblicas! O qu fazer?

    Integrar e expandir os mercados, tanto no plano interno quanto externo, nametrpole e nas colnias. Dinamizar as atividades industriais (Metrpole);

    aclimatar e diversificar a produo agrcola (Colnias). Tudo isto fortemente

    enlaado pelas companhias de comrcio, que promoviam as atividades comerciais

    "em ntima conexo com o aumento da produo e do consumo essenciais ao

    escoamento de uma enorme variedade de artigos da indstria metropolitana e, em

    menor escala, de sua agricultura, para as reas coloniais"10. Rompia-se a

    liberdade de comrcio, especialmente nas reas de atuao das companhias

    criadas, retomando-se aos rgidos esquemas do monoplio rgio, como ensina

    Jos Ribeiro Jnior11.

    8. ALMEIDA, Jos Raimundo C. "Traos Gerais do Sistema de Comrcio Portugus no Atlntico: Esboo

    ele Caracterizao (1475-1750)", first draft, Lisboa, s.eI., p. 17-19.

    9. MARQUS DE POMBAL. Correspondncia Diplomtica, citado por MACEDO, Jorge Borges, opus. cit., p.

    642.

    10. FALCON, Francisco C. e NOVAIS, Fernanelo, "Extino ela Escravatura Africana em Portugal no

    Quaelro ela Poltica Econmica Pombalina", In: VI Simpsio da ANPUH, Goinia, SEC, 1971, p. 9.

    11. RIBEIRO JR., Jos, Colonizao e Monoplio no Nordeste Brasileiro, EeI. Hucitec, So Paulo, 1976, p. 204.

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    Foram criadas, ao todo, 6 companhias. Duas destinadas ao comrcio ndico,

    duas para atuao no espao metropolitano e duas outras mais para o mundo

    Atlntico, a Companhia Geral do Gro-Par e Maranho (1755) e a Companhia de

    Pemambuco e Paraba (1759). Eram companhias mercantis e agrcolas, tendo a

    seu encargo a tarefa de organizar poderosas frotas, com barcos mercantes e

    de guerra, capazes de garantir o transporte de metais preciosos oriundos das

    minas e uma enorme variedade de matrias-primas e produtos alimentcios;

    Como vimos, cabia Junta de Comrcio que substituiu a Companhia do Co-

    mrcio do Brasil, em 1762, a tarefa de organizar as frotas para o Brasil. Em 1720

    esta funo se extinguiu junto com ajunta do Comrcio. Ex tune, coube Armada do

    Brasil o comboio das frotas e a responsabilidade de levar para Portugal os

    diamantes e o ouro correspondente aos quintos devidos ao rei. Portanto, em

    1749, operava o regime de frotas comboiadas pela Armada do Brasil, extinta

    em 1765. Desde ento, foi declarada livre a navegao para os portos brasilei-

    ros, com exceo das regies do Gro-Par e Maranho, alm de Pernambuco

    e Paraba, onde vigiam os direitos das Companhias criadas por Pombal.

    O que se pode depreender da leitura dos itens componentes da carga

    dos navios das frotas em questo? O ponto de partida , sem dvida, lembrar o

    incontornvel estudo de Vitorino Magalhes Godinho sobre as frotas do acar

    e do ouro, entre 1670 e 177012. Mais do que justo falar-se em frotas do acar

    em 1670, uma vez que o valor da exportao do acar, aproximadamente 2

    milhes e trezentos mil esterlinos, praticamente se identificava com o montante

    global das exportaes da colnia, em torno de 2.5 milhes de esterlinos.Significa dizer que pouqussimos produtos entravam na pauta de exportao

    alm do acar e com um desempenho financeiro medocre. O mesmo no

    ocorre em 1770, exatamente um sculo depois. Neste momento, as expor-

    taes de acar continuavam a contribuir com os mesmos 2.3 milhes de

    esterlinos, mas o valor global das exportaes tinha se elevado para aproxima-

    damente 5 milhes de esterlinos. Neste caso, o ouro passava a contribuir com

    2.2 milhes de esterlinos, transformando-se as frotas emftotas do acar e do ouro.

    De toda evidncia, o significado econmico desses produtos coloniais era muito

    diferenciado, pois enquanto o acar tinha que ser transformado em valores de

    troca ao ser vendido no mercado europeu, o ouro representava a liqidsmonetria imediata, na forma de pepitas, p ou barras. Isto explica porque a

    regio das Minas Gerais tornou-se um buyer)s market, no qual o afluxo de merca-

    dorias importadas provocou a depresso de seus preos. Em contraposio, a

    12. GODlNHO, Vitorino Magalhes, "Portugal, as frotas elo acar e as frotas do ouro (16701770)", ln:

    Ensaios II, Sobre Histria de Portugal, Livraria S da Costa, Lisboa, 1968, p. 295315. Publicado

    originalmente na Revista Annales - conomies, Societs, Civilisations, Paris, 1950, traduzido e republicado na

    Revista Vrtice, Coimbra, 1951 e novamente publicado na Revista de Histria, num. 15, So Paulo, 1953.

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    produo colonial destinada ao mercado interno, sobretudo gneros de primeira

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    necessidade e animais de trao e transporte, tiveram seus preos elevados.

    Nestes termos, seria mais correto falar-se emftotas do acar (pensando-se 1670) eftotas

    do acar e do ouro (pensando-se 1770).

    Com base no rol dos produtos e valores contidos na Frota do Rio de Janeiro do

    ano de 1749, Quadro I, pode-se afirmar que a frota do Rio de Janeiro era a Frota do

    Ouro. Transportava os valores destinados ao Rei e aos particulares, na forma dedinheiro, ouro em p, ouro em barra e diamantes, cuidadosamente distribudos

    entre a nau capitnia e a almirante, afim de precaver-se contra os infortnios

    corriqueiros das grandes travessias. No constam desta listagem as piastras

    espanholas, obtidas atravs do contrabando no Rio da prata e que somente nos

    anos posteriores passaria a fazer parte do inventrio das frotas do Rio de Janeiro,

    ao contrrio do que afirma Vitorino Magalhes Godinho, que as considera

    presentes durante todo o sculo XVIIF13. No final do sculo, isto sim,

    especialmente a partir de 1780, a venda de escravos pelos comerciantes

    brasileiros para regio platina provocou a entrada de moedas de prata, calculando-

    se que deste comrcio de contrabando participavam cerca de 30 navios, queintroduziam anualmente entre 2.500 a 3.000 escravos nas colnias espanholas,

    provocando a entrada de valores entre 70 e 115 mil libras esterlinas por ano, entre

    1790 e 1810, no porto do Rio de Janeiro. Deste mesmo porto, valores entre 160 e

    240 mil libras esterlinas em piastras eram levadas pelas frotas para a Europa e,

    da, remetidas para sia com a finalidade de pagar as importaes realizadas por

    Portugal14.

    Em compensao, Vitorino Magalhes Godinho acerta ao afirmar que a

    frota do Rio de Janeiro era tambm a frota do couro. A impropriedade est na

    assertiva de que o couro era originrio das colnias espanholas do Sul15. O couro

    havia se tornado um dos principais produtos de exportao da capitania do RioGrande de So Pedro, ao lado de carne seca e animais para transporte e tiro. Mais

    da metade dos couros remetidos do Brasil para Portugal originavam-se do Rio

    Grande do Sul, realizando apenas um transbordo no porto do Rio de Janeiro,

    correspondendo a aproximadamente 30% das exportaes deste porto para

    Portugal, entre 1796 e 180516. J o acar exportado, constante da relao de

    1749, era insignificante se comparado aos volumes do sculo XVII, quando o Rio

    de janeiro se rivalizava com a Bahia. Madeiras variadas e escravos poucos

    completavam a lotao das naus.

    13. Idem, ibiclem, p. 308. Uma slida estimativa baseada em fontes publicadas sobre o fluxo monetrio

    mundial entre 1450 e 1800, encontra-se em BARRET, Ward, "World Bullion Flows, 1450-1800", In: The

    Rise of Merchant Empires, opus cit., p. 224-254.

    14. BAUSS, Rudy, "Rio Grande do Sul in the Portuguese Empire: The Formative Year, 17771808", In: The

    Atlantic Staple Trade: The Economics of Trade, voI. II, Ed. Susan Socolow, Ed. Variorum, Brookfield, USA,

    1996, p. 535.

    15. GODINHO, Vitorino Magalhes, opus. cit., p. 309.

    16. BAUSS, Rudy, opus cit., p. 524.

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    Quadro I: frota do Rio de Janeiro no ano de 1749

    Relaam

    Dos effeitos, e cabedal de que consta a Carga dos 20 navios, e duas Naus de guerra, de que secompoem a Frota do Rio de janeiro, q'ue de Ia saiu em 26 de Maro, e entrou no Porto desta Cidade em 23deJunho de 1749. Commandada por D. Manoel Henriques de Noronha em a Nau N.S. das NecessidadesCapitania da Frota.

    137U585. Cruzados em 55:034UOOO. em dinheiro na Capitania.

    106U567. Cruzados, e meyo em 42:627UOOO em dinheiro, na Almirante.

    1:432U931. Cruzados, e tres quartos em 5 73U172. oitavas ele ouro em p na Capitania.

    1:428U300. Cruzados em 571 U290 oitavas de ouro em p na Almirante.

    173U403. Cruzados em 46U241. oitavas de ouro em barra, na Capitania.

    9U062. Cruzados em 47U750. oitavas de ouro em barra, na Almirante.

    CABEDAL PARA AS PARTES, EM AMBAS AS NAUS

    9:971 U886. Cruzados em 3998:754U411, em dinheiro.

    1:190UO 18. Cruzados em 317U445, oitavas de ouro em p.

    479U865. Cruzados em 27U964. oitavas de ouro em barra.Neste cabeelaL 13. Milhes, e 784U655. cruzados e 294 rs.

    DIAMANTES

    2U185. oitavas, 6. gTos, e 6. avos na Capitania.

    2U186. oitavas, e 3. quartos, em a Almirante.

    EFFEITOS

    3U05 7. Caixas de assucar.

    U640. Fechos de assucar.

    U247. Caras de assucar.

    41U305. Couros de cabello.

    4U746. Meyos de solla.1U043. Couoeiras.

    U692. Duzias de taboado de tapinhoan.

    1U516. Barris de mel, e farinha.

    U873. Curvas, e varias paos.U150. Pipas de azeite de peixe.

    1U870. Pontas de marfim.1U753. Toros de paos de jacarand.

    U661. Fardos de barbas de baleya.

    U311. Surroens de l.

    2U851. Taras de pau brazil.

    1U191. Varas de mangue para parreiras.

    U860. Varaes para seges. U230. Escravos.

    199

    A relao de produtos e valores contidos na Frota de Pemambuco do ano de 1749,

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    Qyadro 11, revela uma Frota do Acar.Apesar dos valores monetrios, ouro em p, em barra,

    preponderam os volumes e valores correspondentes exportao de acar. Os couros,

    em grande variedade, originrios muitos deles das importaes realizadas do Rio Grande

    do Sul, a exemplo do Rio de Janeiro, ocupa a segunda posio de destaque na pauta,

    seguida pelas madeiras brutas ou trabalhadas.

    Quadro II: frota de Pernambuco no ano de 1749

    Relaam

    Do cabedal, e efeitos de que consta a carga dos 39. Navios mercantes de que secompoem a Frota de Pernambuco, comboyada pela Nau de Guerra Nossa Senhora deLampadoza, commandada pelo Capitao de Mara e Guerra Jos Gonalves Lage, que sahiodaquella praa em o primeiro de Mayo de 1749 e entrou no Porto desta Cidade de Lisboa a 20de Julho do mesmo anno

    15U056. Cruzados em 6:022U400 em dinheiro do Donativo.

    30U460. Cruzados, e 320. ris em 8122. oitavas, e 64 gros de ouro em p2Ul40. Cruzados, e 220 ris em 570. oitavas, e 60 gros ouro em barra

    8U512. Cruzados em 3:404U800, ris em dinheiro para a Bulla.

    U751. Cruzados, em 200. oitavas, e 24. Gros de ouro em p para a dita.

    PARA AS PARTES

    787U487. Cruzados, em dinheiro para particulares.

    87U900. Cruzados, em 23U440, oitavas de ouro em p.

    U696. Cruzados, em 199. oitavas de ouro em peas.

    50U830. Cruzados, e 300. ris em 20:332U300. ris em dinheiro do manifesto.Importa tudo hum milho, e 13U735, Cruzados.

    EM EFFEITOS

    13U290. Caixas de assucar.

    1U221. Fechos de assucar.

    U022. Caras de assucar.

    98U226. Meyos de solla.

    37U360. Couros de atanado.16U251. Couros em cabello.

    U528. Couros de veado.

    U553. Couoeiras.U753. Barris de doce.

    U399. Barris de melao.U359. Barris de farinha.U004. Barris de pacaconha

    7U090. Quintaes de pau brazil.

    U045. Quintaes de pau violete.

    U060.Quintaes de tatajuba.

    lU128. Varas de parreira.

    U023. Varaes de sege.

    U025. Vigas.U140. Escravos.

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    Por ltimo, a Frota do Gro-Par e Maranho do ano de 1749, Qjtadro 111, o que se

    poderia chamar a Frota do Cacau e que se transformaria, gradativamente, em Frota do

    Algodo, alm de conter uma crescente variedade de drogas do serto. A

    importncia do cacau nas frotas do Norte so evidenciadas por sua significativaparticipao nas cargas transportadas pelos barcos da Companhia de Comrcio do

    Gro-Par e Maranho17. O estudo especfico sobre a produo cacaueira realizado

    por Dauril Alden, no fim do perodo colonial, aponta para a possibilidade de

    transform-Io num modelo para anlise da economia colonial, no qual o ponto de

    partida e de chegada de toda reflexo estaria centrada nos produtos ditos

    hegemnicos18.

    Quadro III:frota do Gro Par e Maranho no ano de 1749

    Relaam

    Dos effeitos de que se compoem a Ca~ga dos sinco Navios, que sahiro do Maranho,a Gram Par em 28 deJunho de 1749 que principiaram a entrar no Porto desta Cidade deLisboa desde 15 at 20 de Agosto de 1749.

    A SABER:

    48Ul48. Arrobas, e 19 arrates de cacau.

    lU022. Arrobas, e 19 arrates de cravo grosso.

    U234. Arrobas, e 16 arrates de cravo fino.

    2U355. Arrobas, e 9 arrates de salsa.2U307. Arrobas, e 27 arrates de caf.

    8U047. Arrobas, e 4 arrates de assucar.

    U245. Arrobas, e 12 arrates de algodo.Ul70. Arrobas, e 4 arrates de algodo em fio.

    U020. Arrobas, e 20 arrates de couroc, para tinta.

    U002. Arrobas de chocolate.

    U005. Arrobas de casca preciosa.

    U024. Cascos de tartarugas.U015. Arrobas de quina-quina.

    8UOOO. Couros em cabello.

    17. Cf. DIAS, Manuel Nunes, A Companhia Geraldo Gro-Par e Maranho (1755-1778). Ed. Universidade

    Federal do Par, Belm, 1970, 2v.

    18. ALDEN, Dauril, "The Significance of Cacao Production in the Amazon Region During the Late colonial

    Period: An Essay in Comparative Economic History", ln: Proceedings qf the American Philosophical Society,

    num. 120, April, 1976. Sobre o Staple Thesis Model, ver PINERO, Eugenio, "The Cacao Economy ofthe

    Eighteenth-Century Province ofCaracas and the Spanish Cacao Market', ln: 7heAtlantic Staple Trade: ne

    Economics of Trade, opus cit., p. 493-518.

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    Uma lacuna sentida nesta documentao a ausncia da Frota da Bahia,

    no mesmo ano de 1749. Por certo que ela ainda uma Frota do Acar, sensivel-

    mente reforada por ser tambm uma Frota do Tabaco. Os estudos pioneiros de

    Jos Roberto do Amaral Lapa trabalharam esta temtica, apontando naquela

    direo19. A partir de 1730 assiste-se a uma forte retomada da produo de

    tabaco na Bahia, motivada pela sua enorme importncia no escambo de escra-

    vos na frica, crescendo os volumes exportados diretamente pelos portos bra-

    sileiros. A acirrada disputa entre os interessados neste rendoso comrcio de

    tabaco e escravos, provocou a interveno da Coroa portuguesa que fixou em

    24 o nmero de navios - um para cada mercador -, que poderiam ser enviados

    diretamente para os portos africanos. Era o ano de 1750 e, portanto, alm do

    tabaco relacionado nas frotas de 1749, seria necessrio aduzir esta verdadeira

    Frota do Tabaco destinada ao comrcio direto com a frica, que se rivaliza emnmero de navios com a Frota do Rio de Janeiro, supera em muito a do Gro-Par e

    Maranho, perdendo apenas para a de Pemambuco. A presso nesta direo foi

    to grande que, em 1756, o poder pblico liberou o nmero de navios que

    poderiam envolver-se neste comrcio, mas estabeleceu, cinco anos aps, um

    limite de 3 mil rolos por navio20. Em funo da produo decrescente das

    minas de ouro, as autoridades metropolitanas reforaram a fiscalizao para

    aprimorar a qualidade de produtos estratgicos como o tabaco, criando mesas

    de inspeo em 1751, envidando todos os esforos no sentido de "excluding

    inferior tobacco from Europe and the better quality from Africa" 21,

    potencializando por esta via a rentabilidade da produo tabageira.Para alm da temtica das frotas e sem pretender a exaustividade,

    que outras incurses a documentao em apreo poderia comportar, a ttulo

    de reflexes preliminares?

    Pelas indicaes do documento constata-se que a frota compunha-se

    de navios e naus. Esto diferenciadas, na medida em que as primeiras so

    identificadas como barcos de transporte, e as ltimas como equipamentos pre-

    parados para a guerra. Os transportes martimos na metade do sculo XVIII, de

    uma forma geral, eram realizados por navios ou galees, estes de alto bordo,

    e, excepcionalmente, por carracas, estas ltimas de grande capacidade de

    carga, mas extremamente lentas. A tonelagem poderia variar entre 100 e 1000

    19. Cf LAPA, Roberto do Amaral,A Bahia e a Carreira da ndia, Cia. Editora nacional, So Paulo, 1968.

    20. Cf. GALLOW A Y,J.H., "Northeast Brazill 700-1 750: The AgTicultural Crisis Re-examined', ln:Joumal of

    Historical Geography I, num. 27, 1, 1975, p. 29; VERGER, Pierre, Flux et Reflux de Ia Traite des Nigres entre le

    Golft de Bnin et Bahia de Todos os Santos du dix-septieme aud dix-neuvieme siecle. Mouton, Paris, 1968, p.

    100-109.

    21. LUGAR, Catherine, "The Portuguese Tobacco Trade and Tobacco Growers of Bahia in the Late Colonial

    Period", ln: The Atlantic Staple Trade: The Economics of Trade, opus cit., p. 415-416.

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    toneladas, porm, oscilava medianamente em torno de 300 toneladas22. As

    naus, mais ligeiras, comportavam dez peas grossas de artilharia, enquanto

    galees e carracas, apesar de serem barcos de transporte e de carga de

    mercadorias, portavam, obrigatoriamente, entre 20 e 28 canhes. Em mdia, a

    tripulao das naus de guerra era constituda por 26 militares e 16 marinheiros,

    por cada 100 toneladas23.

    Um tema essencial e necessrio o da construo naval. A enorme

    variedade de madeiras nobres listadas nas trs frotas, muitas delas j

    desdobradas, no era apenas destinada indstria moveleira, mas, sobretudo,

    para os arsenais portugueses. J no sculo XVII multiplicavam-se as instalaes

    destinadas construo de navios no Brasil, localizadas na Bahia, no Rio de

    Janeiro, Paraba e Maranho, alcanando no sculo XVIII padres de qualidade

    e competitividade com os arsenais portugueses. O escambo de escravos nafrica, como vimos, intensificado na segunda metade do sculo XVIII e a tradici-

    onal carreira da ndia, levaram as autoridades portuguesas primeiramente a

    liberar e, depois, estimular o desenvolvimento desta indstria na colnia24.

    O tempo de travessia, igualmente, sugere reflexes interessantes.

    Enquanto a frota do Rio de Janeiro levou apenas 49 dias para concluir a

    travessia do Atlntico, a frota do Gro-Par e Maranho, que estava muito mais

    prxima do ponto de destino, levou entre 48 e 53 dias para realizar a viagem, ao

    passo que a frota de Pernambuco precisou de longos 81 dias. A lentido desta

    frota em comparao com a rapidez da frota do Rio de Janeiro, talvez se

    explique pelo nmero de navios que a integravam (40 versus 22), que significavamaior variedade na tonelagem e na velocidade relativa das frotas maiores;

    subordinao mais intensa ao regime de ventos e correntes martimas em

    funo da data da partida (1" de maio versus 26 de maro) e, sobretudo, natureza

    da carga. Os navios que compunham a frota do Rio de janeiro deveriam ser

    mais velozes porque transportavam moedas, ouro, diamantes, couros, enquanto

    nos barcos da frota de Pernambuco preponderava o acar, que exigia barcos

    maiores e mais lentos. A frota mais compacta e de navios mais uniformes em

    relao tonelagem e velocidade relativa era uma garantia contra as disper-

    ses, comuns quando se enfrentavam tempestades em alto mar, o que parece

    ter acontecido com a frota do Maranho e Gro-Par, que vai entrando no portode Lisboa durante cinco dias. B~rcos desgarrados, especialmente aqueles

    carregados com valores monetrios, metais preciosos ou diamantes, podem ser

    22. PHILLIPS, Carla Rahn, "The Growth anel Composition of Trade in the Iberian Empires, 1450-1750", In:

    The Rise of Merchant Empires, opus cit., p. 45.

    23. AZEVEDO, Maria Antonieta Soares de, "Armadas elo Brasil", In: Dicionrio de Histria de Ponugal, opus

    cit., vol. I, p. 187.

    24. LAPA, Jos Roberto elo Amaral, "O Tabaco Brasileiro no Sculo XVIII", In: Studia, 29,4, 1970, p. 57-144.

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    presa fcil da pirataria, mesmo os barcos bem armados como as naus

    capitneas25.

    O tempo gasto na travessia varivel essencial na determinao da ren.

    tabilidade da operao comercial. Fretes e seguros, por sua vez, flutuavam

    conforme o tempo e a segurana do transporte realizado. A produtividade dos

    navios cresceu em funo do design e do avano nas tcnicas de navegao. O

    declnio da taxa de fretes razo de 0.7% ao ano, entre o final do sculo XV e

    meados do sculo XVIII, corresponde a uma verdadeira revoluo nos trans-

    portes martimos26.

    Arrobas, caixas, caras, fardos, arrteis, feixes, barris, surres, quintaes,

    vara, so unidades de peso e medida que aparecem na documentao. No

    faltam cruzados, ris, oitavas, avos, graos, barras e peas, referidos a dinheiro,

    ouro ou diamantes. Este o espelho da enorme complexidade que significaavanar do mundo do mais ou menos ao universo da preciso. A substituio dos

    sinos pelos relgios, a sua incorporao nos processos produtivos, a transio

    dos algarismos romanos aos arbicos, em suma, a lenta assimilao da

    mentalidade racional capitalista, e que pode ser apreendida na frieza dos n-

    meros e das unidades metrolgicas. Medidas lineares ou de superfcie e medidas

    agrrias; medidas de capacidade para slidos e lquidos; moedas, todo um

    arsenal destinado quantificao da vida material em curso no Brasil por volta de

    175027, expe um mundo a devassar.

    As frotas carregam para Portugal o fruto do trabalho realizado na Col-

    nia. Na medida em que sua efetivao exige investimentos permanentes noterritrio da colnia, podemos pensar na palavra jmento; mas se a maior parcela

    da riqueza se esvai, singrando os mares no balano das frotas, trata-se

    indubitavelmente de explorao. Mas, em 1749, as frotas j so reveladoras de

    transformaes significativas que, no decurso de sculos se vinham produzindo.

    A Colnia no era um monolito. Somente acar, ou somente ouro. Matrias-

    primas, alimentos, drogas, do serto haviam se incorporado ao mapa da

    produo. Uma especializao regional comeava a se esboar e, portanto, a

    possibilidade de uma integrao interna mais efetiva, porque assentada na di-

    nmica das trocas inter-regionais.

    25. PROTIN-DUMON, Arme, "The Pirate and the Emperor: Power and the Law on the Seas, 1450-1850",

    In: The Politiml Economy ofi\lIerchant Empes, ed.James D. T racy, Cambridge University Press, Cambridge,

    1991, p. 222 e segs.

    26. MENARD, Russel R., "Transport Costs anel Long-Range Trade, 1300-1800: Was There a European

    "Transport Revo1ution" in the Early Moelern Era?", In: The Po/itical Economy of i\lIerchant Empes, opus cit.,

    p. 272.

    27. ARRUDA, Jos Jobson de A., "A Produo Econmica", Captulo III de O Imprio Luso Brasileiro. 1750-

    1822, vol. VIII da Nova Histria da Expanso Portuguesa, e1ir.Joe1 Seno e A.H. Oliveira Marques, Editorial

    Estampa, Lisboa, 1986, p. 141-144.

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    Bastaria isto para sobrelevar o significado da documentao emapreo.

    Mas podemos ir alm. Faamos uma simples listagem numrica dos produtos

    que integram o rol das frotas de 1749,. A Frota de Pernambuco, composta por 40

    navios, transportava: acar, meios de sola, atanados, couros em cabelo,

    couro de veado, couoeiras, barris de doce, barris de melao, barris de farinha,

    ipecacuanha, pau-brasil, pau-violeta, tatajuba, varas de sege e vigas.J na Fro-

    ta do Rio de Janeiro, integrada por 22 navios, alm dos produtos j relacionados na

    Frota de Pernambuco, amplia-se o rol com tbuas de tapinho, mel, azeite de

    peixe, pontas de marfim, pau de jacarand, barbas de baleia e surres de l.

    Finalmente, da Frota do Gro-Par e Maranho, formada por 5 navios, excludas as

    coincidncias, agregamos a listagem com o cacau, cravo grosso, cravo fino,

    salsa, caf, acar mascavado, algodo, algodo em fio, ouruc, chocolate,

    casca preciosa, tartaruga e quina-quina28

    .Se inclumos o ouro, entendendo-se que este metal precioso tem um

    valor intrnseco alm de seu valor nominal, mais os diamantes, que aparecem

    na Frota do Rio de Janeiro, somados aos topzios e tabaco que surgem na relao

    das exportaes da Bahia (que no compem o nosso objeto de estudo); ainda

    mais agregando leo de copaba e coquilho (produtos estes que aparecem em

    outras relaes de frotas anteriores a 1749), chegaramos a um nmero que

    corresponde a 35 itens de exportao. Para tanto, 'reduzimos toda variedade

    de madeiras, tais como, couoeiras, tatajuba, varas de sege, vigas, tbuas de

    tapinho, pau de jacarand, a um nico item: madeiras.

    Uma relao como esta, isoladamente, pouco significa. Porm, se acompararmos com a relao contida nas Balanas de Comrcio, do ano de 1796,

    onde aparecem 126 produtos de exportao, comprova-se a intensa

    diversificao da produo colonial, resultado concreto da poltica

    empreendida pelo Marqus de Pombal, e que no se esgotou com a morte de

    D.Jos em 1777, tendo continuidade com seus sucessores, mesmo aps o

    afastamento de seu idealizador29. Nesta listagem, evidentemente, o item

    madeiras engloba desde toras brutas at varas de sege, passando por

    aduelas30.

    A relao de produtos contidas nas frotas analisadas do ano de 1749

    j indica uma mudana relativa vis a vis ao padro dominante das exportaes,

    no primeiro sculo da colonizao. Esta mudana se acelera de forma vertigi-

    nosa nos anos subsequentes. Em 1780j est claramente delineado um novo

    padro de colonizao no Brasil, que visava promover o desenvolvimento eco-

    28. ARRUDA,JosJobson de A., O Brasil no Comrcio Colonial, Ensaios 64, Editora tica, So Paulo,

    1980, p. 616.

    29. MAXWELL, Kenneth, "Pombal and the Nationalization ofthe Luso-Brazilian Economy"; ln: Hispanic

    American Historical Review, num. 48, 11, 1968, p. 608-631.

    30. ARRUDA, Jos Jobson de A., O Brasil no Comrcio Colonial, opus cit., p. 615. Somente a rubrica

    Madeiras contava 65 itens, entre toras, madeiras desdobradas e trabalhadas.

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    nmico do Reino por meio da integrao global da economia do Imprio, atravs da

    dinamizao das atividades industriais, por meio da expanso agrcola, da

    aclimatao de novos produtos, da melhoria da qualidade, tudo isto enlaado poruma nova poltica comercial emblematizada pelas companhias de comrcio31.

    Realiza-se um novo enlace metrpole-colnia, um renovado arranjo do antigo

    sistema colonial no qual, sem abrir mo do monoplio, a metrpole estabelece um

    diferenciado padro de relacionamento bilateral. Nele, as colnias tornam-se

    mercados consumidores dos produtos industrializados metropolitanos e

    fornecedores de matrias-primas e alimentos. "Estamos muito distante do modelo

    clssico de colonizao arquitetado nos sculos XVI e XVII"32. Aproximamo-nos do

    perfil das relaes coloniais do No-colonialismo, cujos atores privilegiados so as

    naes industrializadas da Europa e as Colnias Afro-Asiticas.

    Em 1749, no espelho representado pela relao do carregamento das Fro-tas do Brasil, j possvel vislumbrar as mudanas que ento se anunciavam,

    consubstanciadas nas transformaes significativas no padro de colonizao que

    o fInal do sculo XVIII viria a testemunhar.

    31. ARRUDA, Jos Jobson de A., "Colonies as Mercantile Investments: The Luso-Brazilian Empire, 1500-

    1808, In: The Political Economy of Merchant Empires, opus cit., p. 396.

    32. ARRUDA, Jos Jobson de A., "Decadncia ou Crise do Imprio Luso-Brasileiro: O Novo Padro de

    Colonizao do Sculo XVIII", In:A1ito e Smbolo na Histria de Portugal e do Brasil, voI. 3, Actas dos IV Cursos

    Internacionais de Vero de Cascais, Cmara Municipal de Cascais, 1998, p. 227.