JOSEU SIQUEIRA GIUSUN - TCC...
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JOSEU SIQUEIRA GIUSUN
AMBIGOIDADE NO DISCURSO PUBLICITARIO:RECURSO DE PRODU<;:AO E LEITURA DE SENTIDO(S)
Monografia apresentada paraobtenlfao de gradU8!1aO no cursode Especializac;:ao Linguagem eContemporaneidade da Universi-dade Tuiuti do Parana
Orientadora: prof.a Vera Lucia deA. S. Ferronato
SUM ARlO
RESUMO ...
INTRODUC;;AO ...
1. A PEC;;A PUBLICITARIA ...
. 3
. 4
. 6
2. LlNGUAGEM VERBAL E NAo-VERBAL 10
3. IDEOLOGIA.... . 16
4. AMBIGUIDADE: RECURSO DE PRODUC;;Ao E LEITURA DE SENTIDO(S) 25
5. UMA LEITURA POSSiVEL ...
6. CONCLUsAo ...
.. 33
. 37
REFERENCIAS
ANEXOS ....
....39
.. .41
RESUMO
Este trabalho apresenta uma analise de material publicitario veiculado em
linguagem verbal e Hnguagem nao-verbal combinadas, mantendo por referenda
conhecimentos da Analise do Discurso (AD). Discorre sabre a ambigOidade sob
diferenles oticas, destacando-a, porem, como r8sultado da apreensao fragmentada,
polissemica e imprecisa da realidade, como recurSD eSletica e criativD das linguagens
na expressao de conteudos e como elemento de cantata para 58 estabelecer uma
interface entre 0 real e sua manifesta9ao. Leva em considera9ao aspectos
socioistoricos determinantes da func;:ao e dos objetivQs especfficos da atividade
publicitaria e enfoca 0 jogo semEmtico passlvel pela manipula9ao de signos verbais e
imagfsticos, a ressignificactao de objetos e a construc;ao de significados e efeitos
esteticos a partir da utilizaC;ao da ambigOidade, ou seja, ° uso de procedimentos
linguisticos que sao chave para uma leitura menos estereotipada do universe social.
Ressalta ainda a importancia de se buscar, em ambientes de ensino sistematizado,
saberes e motivac;6es que possibilitem se instaurar a pratica reflexiva sobre a base
ideol6gica e estetica da mensa gem publicitaria, relativizando conceitos culturais e
experimentando novas possibilidades de uso dos c6digos. Toma para analise
interpretativa pec;as publicitarias destinadas a mulher e aponta valores que perpassam
a publicidade na contemporaneidade e sao expressos em linguagem visivelmente
ambigua.
Palavras-chave: publicidade; linguagem verbal e nao-verbal; ideologia;
ambiguidade.
INTRODU9AO
Em analise e reflexao sobre discursos publicitarios mistos, ou seja, aqueles que
somam particularmente material lingOfstico e material imagfstico, observa~se que cada
uma das linguagens constitutivas des sa realidade da comunica9ao utiliza, a seu modo,
o recurso da ambigGidade, concretizando urn discurso tematico. Na intersecyao entre as
lingua gens verbal e nao-verbal, a partir do uso de urn aspecto da enuncia\=B.o, revelam-
S8 formas criativas de 58 construir/desconstruir a identidade discursiva.
A pratica da investigayao, com preen sao e depreensao de sentidos advindos da
ambiguidade como recurso expressivo e subversivo do universe comunicacional,
utilizado em duas linguagens distintas, aponta para a necessidade de referenciais
teoricos e metodologicos que permitam uma aproximavao do texto nas instancias de
objeto de significavao e objeto de comunicavao - 0 que diz respeito a organizavao
discursiva e aos fat ores socio·historicos da construy8.o de sentidos. E na considerav8.o
dessa dualidade que e posslvel se superar a descrivao reducionista do fato puramente
lingOistico/imagfstico e focar 0 texto como objeto cultural, como result ado de formayoes
ideologicas, lugar de subversao de senti dos, permitindo a definiyao de ambigOidade e 0
estabelecimento de pontos de intersecyao, afirmay8.o, afastamento, negay8.o e
extensao de mensagem, assim como de estrategias para sua decifravao.
Proceder lelturas que deem conta de sentidos - e outros sentidos - de urn
discurso, de forma a subverter leituras e estere6tipos determinados pela praxis social,
permanece um desafio para 0 cidadao no seu cotidiano e, distintamente para aquele
que tern na pratica educativa sistematizada seu fim profissional, visto que,
independente de disciplinas pedagogicas, responsabiliza·se por educar a populay8.o
para 0 acesso a produyao cultural existente, 0 que pass a, sem duvida, pelo
conhecimento e domlnio de uma leitura mais consciente do material publicitario.
Nesse contexto, prop6e·se apresentar consideravoes sobre aspectos
ideologicos e especificidades das linguagens verbal e nao·verbal empregadas no
universe da publicidade, num determinado contexto, guardando par referencia a
utilizavao da ambigCridade na construyao de discursos, como fatar desencadeante de
releituras. Procurou-se particularmente como referendal te6rico para as afirmact6es
contidas neste trabalho conhecimenlos da Analise do Discurso (AD).
Pretende-se ainda, no decorrer dessa exposictao, apresentar breves
consideract0es, assim como alguns indicativos que possam contribuir para a
configura,ao de uma melodologia que preencha as lacunas do Irabalho pedag6gico
com os discursos publicitarios mistos, detendo-se sempre na perspectiva de que 0
aluno/leitor e e deve se formar como sujeito ativo na productao de sentidos, desvelando
faces menos visfveis dos objetos apresentados. Os texlos analisados faram retirados
exclusivamente de revistas peri6dicas que circularam em 2004 e enconlram-se
relacionadas nas Refer€:ncias.
Esclarece-se que a oscilactao entre 0 emprego das palavras propaganda e
publicidade nesle Irabalho reflele particularmenle a diversidade de opini6es e de
escolhas entre os auto res consultados. Notou-se, param, uma preferencia pela
utiliza!1ao do termo propaganda, justificada par ser esle mais abrangente e 0 que
melhor traduz a circulayao de ideias, em geral, na sociedade. Entretanto, optou-se aqui
pelo termo publicidade, entendendo-se que ele delimita com mais propriedade urn
campo dos sistemas de comunica!1ao e, par conseguinte, urn campo de investigayao.
1. A PE9A PUBLICITARIA
A comunicat;:ao, como fen6meno humano, nascido da necessidade social, ou
saja, da necessidade dos sujeitos entrarem em cantato uns com as Qutros e de
organizarem as ayoes cotidianas que sustentam a vida, envolve lingua gens das mais
variadas, como sao variados as grupos sociais. Em urn processo criativD, a homem
garantiu a exist en cia da sociedade, construiu cultura e identidade proprias, acumulou
extenso patrim6nio lingOfstico e passou a S8 reconhecer como homem e como S8r
subjetivo.
o term a comunica98.o, em seu sentido primario, esla relacionado a vida
monastica. No momento das refeigoes em comum - 0 cominicatio -, os manges viam
rompido 0 estado de solidao que Ihes era impasto pelas norm as religiosas e tinham a
oportunidade da experiencia partilhada, conlorme 0 que diz AGUIAR (2004, p. 12),
ressaltando a carater comunitario da atividade, 0 sentido de Uestar em rela<;8o com"
impHcito na palavra. E completa essa autera:
Se desdobrarmos a palavra comuniC8y8o, temos comum+8y80, au melhor, "8y80comum", a que vai nos permitir uma serie de acep90es no mundo madema. Osestudos registram-nas assim:ato de comunicar, de criar rela90es com alguem, com alguma coisa au entre coisas;
· transmissao de signos atraves de urn c6digo;· processo de troca de pensamentos ou sentimentos, atraves de uma linguagem verbalau nao verbal, diretamente ou por meios tecnicos;
· a9ao de utilizar meios tecnol6gicos (computador, telefone, fax ...);· informa9ao que comunicamos (anuncio, aviso, noticia ...);· cie!ncia humana que pesquisa lodos as casos antes referidos;· atividade profissional voltada para a aplica9ao desses conhecimentos e tecnicas,atraves de diversos vefculos (impressos, audiovisuais, eletronicos ...).
Dessa caracterizayao emerge a atividade publicitaria, que, como ayao
comunicativa, ganhou visibilidade e ocupa espayo de destaque na sociedade
capitalista, principalmente nas ultimas decadas. Em razao do mercado competitivo e da
cultura consumista instalada, assistiu-se ao crescimento e ao empoderamento das
empresas de publicidade. E a peya publicitaria, em contetido, estrutura e estilo, firmou-
se como genero e vem se sofisticando, exigindo das empresas da area con stante
avaliac;:ao e renovac;:ao de seus recursos humanos e tecnol6gicos.
A func;:ao informativa realmente vigorou no contexto publicitcirio do infcio do
seculo XX, como atestam os autores consultados. Entretanto, tomadas algumas pec;:as
destinadas ao publico feminino da decada de 20 e de 30, ja se vislumbra um tipo de
assedio respaldado na explorac;:ao do universe dos valores, vista que elas empregam
persuasao ao uso de produtos por estes agregarem conquistas no plano da vida
pessoal/social. Nao se registram, parem, casos de ambigOidade. A linguagem e
objet iva, direta e basicamente informativa.
Comparem-se, como exemplo, os seguintes anuncios (SYDNEU ROSS
COMPANY, 19-?), ou reclames (HOUAISS, 2001, p. 2.401), palavra de etimologia
francesa, que significa, entre outras coisas, "anuncio destinado a louvar as merltos de
algo, publicidade". 0 primeiro anuncio (anexo 01, figura 01) e sobre 0 "Sabao Alcatrao
Ross", cujo usa pode resullar em "cabello" limpo, raiz tonificada e caspa eliminada. 0
segundo anuncio (anexo 01, figura 02) expoe a "Pasta Dentrificia Ross", que oferece
limpar, alvejar e purificar 0 halito, a um prec;:o "modico", mas revelando-se a "preferida
das elites". 0 terceiro anuncio (anexo 01, figura 03), das "Pilulas de Vida do Dr. Ross,
tem 0 titulo em destaque: "Fim de romance?". Esse anuncio relaciona 0 mau-humor
com a prisao de ventre, mal que poderia ocasionar rompimentos conjugais. A soluc;:ao
para a "felicidade ameayada" estaria nas pflulas. Finalmente, 0 quarto anuncio (anexo
01, figura 04) diz respeito a baton e a esmalte de unhas "Lynda Ross", ou L.nda Ross,
marca ja bern sugestiva de produtos que, usados, emprestariam a mulher beleza,
modernidade, capricho e elegancia. As imagens, desenhadas, apresentam mulheres de
feiyoes doceis, ingenuas, recatadas, desprovidas de qualquer insinuayao de carater
erotico, mas insinuantemente vaidosas. A beleza era atributo tematizado via vaidade
feminina.
Em analise comparativa - considerande-se textes analisados no capftulo 5, Uma
leitura possfvel -, nota-se que os val ores mudaram, mas ja eram explorados em
algumas situac;:oes classicas. Se mudou a sociedade, mudeu a publicidade,
acompanhando a tendencia, isso e, a quebra de tabus que afrouxou 0 controle social
tanto sobre 0 comportamento quanto sobre a expressao publica e a privada, assim
como fez surgir clientes mais conscientes de si, de seus desejos e de suas
necessidades.
MARINS (2004), na visao de antropologo, assinala em artigo de sua autoria que,
na disputa por clientes cada vez mais exigentes, em mercado globalizado, logo de
muitas opc;:5es, e necessaria uma atitude de urgencia em relac;:ao a tarefa de tornar
produtos vendaveis, por meio de campanhas publicitarias que surpreendam e encantem
os possiveis compradores. Segundo 0 autor, 0 cliente em potencial e um despota,
ciente de seu poder e a espera de ser muito bern servido. Com para 0 interlocutor alvo
da publicidade ao rei francElS Luis XIV (1638-1715), cujo reinado absolutist a, de
poderes ilimitados, perm itia·l he comportamento autoritario e intransigente. Narra
MARINS que 0 monarca, ao perceber a precisao nos horarios de chegada da
carruagem de que fazia uso, teria feito 0 seguinte comentario: UHoje, quase esperei".
Assim estaria 0 consumidor, aguardando ser bajulado e conquistado, numa outra
perspectiva do sujeito manipulado pelas mensagens circulantes na mfdia.
A mudanc;a da func;ao informativa e exaltadora da publicidade para a
marcadamente persuasiva, sedutora e imperativa, atrelada a nova situac;:ao de excesso
de produtos ofertados e da liberac;:ao de condutas, traz a inovac;:ao da linguagem verbal
e nao·verbal, que pass a a se pautar, muitas vezes, nos processos criativos dos campos
da arte, da ret6rica e da poetica, campos tradicionalmente mais livres da criayao.
Essa renovac;:ao nas formas de dizer incorpora ao universo da linguagem
publicitaria uma argumentac;:ao densa, resultante da combinayao do que ha de cotidiano
e do que ha de estetico nas formas de expressao. CARVALHO (2003, p. 94), a respeito,
assinala:
A escolha do caminho esletico·literario para a linguagem nao e casual nem va. Arte epersuasao possuem finalidades diversas, mas as vezes seguem a mesma estrada.A func;ao poetica, aquela que e centrada na forma e predomina na literatura, seNe deinstrumenlo para a func;ao conativa, voltada para 0 receptor e predominante nos textosargumentativos.A persuasao da publicidade utiliza a arte como forma de sedU/;:ao, esla que nada maise do que um de seus disfarces ou de urna de suas "caras huecas" (= mascaras), comochamou Zamudio de Molina.
No estudo do material de publicidade, entre as fungoes da linguagem definidas
por Jacobson, citado por SANDMANN (2003, p. 24), que tem em si um alvo
correspondente - a fungao emotiva ou express iva, cujo foco e 0 remetente; a
referencial, 0 referente; na fatica, 0 canal; a metalingOfstica, 0 c6digo; a conativa, 0
receptor; e a poetica, a mensagem - destacam-se justamente as fun<;oes conativa e
estetica, adequadas respectivamente ao chamamento e a adesao ao projeto
comunicativo, no campo da persuasao, e a criagao, no campo da expressividade.
Tanto do ponto de vista da lingua quanto do ponto de vista da imagem, 0
tratamento estetico e que val se impor, respaldado na compreensao do que causa
efeito no consumidor. Captar e transpor para a publicidade recursos adequados a agao
persuasiva, criando formas inusitadas de trabalhar a informa<;ao para atrair 0 publico-
alva e convencs-Io a aquisi<;ao do produto, amplia as possibilidades de sucesso das
inten<;oes de mercado. Do plano da linguagem denotativa, direcionadora dos prop6sitos
comerciais, sobrep6e-se a linguagem conotativa, plena do significado extra-objeto,
simb6lico, e terreno propicio ao cultivo de imagens e valores.
Nesse sentido, e para etello do presente estudo, enfatiza-se a manipula<;ao de
slgnos verbais e imagisticos sob 0 efeito da ambiguidade, que propoe decifra<;ao,
defini<;ao do foco de leitura, rompendo com 0 habitual e 0 enfadonho da comunica<;ao
objet iva. 0 parecer para se fazer reconhecido e jogo semEmtico e estilfstico que se
concretiza pela utilizagao da polissemia, da metafora e da metonfmia, assim como jogo
de formas, cores e movimento, que se efetiva pelas sintaxes culturalmente possiveis.
A comparagao, a associag80 por similaridade e contiguidade e a dissociag80 de
elementos sao ag6es necessarias a leltura desse tipo de discurso e constituem caminho
e produto estetico atrativo para 0 leitor que, para chegar no objeto, va-se inicialmente
surpreendido e seduzido pelas relagoes de significado oferecidas.
2. LlNGUAGEM VERBAL E Niio-VERBAL
Os anuncios publicitarios veiculados nos peri6dicos em geral recorrem, em sua
maioria, a combina9ao de linguagem verbal e linguagem nao-verbal para elaborar suas
mensa gens. Apresentam na verdade duas formas de enunciado, que podem S8
completar no nivel da expressao, mas que detem caracterfsticas muito proprias,
requerendo conhecimentos e competencias distintos tanto de quem os manipula quanta
de quem procede sua leitura. Gada uma delas passui material diverso com que recria 0
conteudo, sendo limitado per esse mesma material. Linguagens diferentes apresentam
nuances de sentido igualmente diferentes do objeto focalizado. Sons e cores, per
exemplo, tern efeitos distintos S8 experimentados em uma descrj~ao verbal ou em uma
representa<;ao visual. 0 que se pode ter e 0 reconhecimento e 0 prazer esteticos
igualmente significativos, despertados por ambas as formas representativas.
A linguagem verbal e instrumento por excelencia da comunica<;ao em geral, visto
que integra toda a experiencia cultural. A totalidade da a<;ao humana, incluindo-se
assim as produ<;oes em outras linguagens, s6 pode ser pensada, em termos de
conceitua<;ao, atraves da palavra.
Como produto, ou materia, a linguagem verbal e composta de um conjunto de
signos - predominio do simbolo -, que nao guardam rela<;ao nenhuma com aquilo que
representam, organizando-se conforme sintaxe que Ihe e especffica. Os elementos
lingufsticos disp6em-se num espa~o determinado, relacionando-se em estruturais
sequenciais, com tendemcia a regularidade, atendendo a principles 16gicos de
ordena<;ao caracteristicos dessa sintaxe que lhes da corpo. Amarrades por liga<;oes de
coesao e coerencia, resultam em urn todo sernantico. Espacialmente tem-se 0 inicio do
texlo e 0 seu final, e a sua leitura vai ocerrer linearrnente, processo que marca a
expressao do pensarnento. Opera-se mentalmente segundo essa linearidade, que
orienta tarn bern a forma associativa com que se produzem ideias, perrnitindo a
inferencia de sentidos, principalmente por rela<;oes de contiguidade, ou seja, um
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elemento traz outros da mesma ordem a memoria, a partir da decodifica<:ao do signo
representativo de urn objeto.
Como processo, ou fato revestido de historicidade, a linguagem verbal realiza-se
em contexto de intera~ao que pode ser identificado, no qual se reconhecem alores,
motiva<:ao e intencionalidade de que estes estao imbufdos e conteudos possiveis de
serem partilhados, presentes na superffcie ou em instancias menos visiveis do discurso.
Produto e processo sao na realidade fato unico, constituem forma<:6es
discursivas e pedem, para a leitura de busca de significados e sentidos, uma tarefa
cognitiva complexa, postura engajada do leitar e a ativactao e selectao de
conhecimentos linguisticos e extralinguisticos. Assim resume KLEIMAN (1999, p.26):
o conhecimento linguistico, 0 conhecimento textual, 0 conhecimento de mundo devemser ativados durante a leitura para poder chegar ao momento de compreensao,momento esse que passa desapercebido, em que as partes discretas se juntam parafazer um significado. 0 mero passar de olhos peJa linha nao e leitura, po is leituraimplica uma alividade de procura p~r parte do leilor, no seu passado, de lembran<;as econhecimenlos, daqueles que sao relevantes para a compreensao de um lexlo quefornece pislas, sugere caminhos, mas que certamente nao explicita tudo 0 que seriapossivel explicitar.
Vale antecipar consideract6es sobre 0 carater dialogico e polissemico da
linguagem verbal, tanto no seu aspecto lingOistico como no seu aspecto
extralingOistico. Ou seja, nas forrnact6es discursivas, em primeiro Jugar a materia
IingOistica nao garante transparencia, pais ela mesma, urn fato social, permite, par
raz6es semanticas, lexicais e sintaticas, a productao de sentidos nao esperados, de
maJ-entendidos, parem, mais do que isso, sentidos que podem ser intencionalmente
manipulados por tratarnento ideologico e estetico. Como ilustractao, sabe-se que: nao
ha sinonimia perfeita, cada palavra ressalta urn determinado aspecto do objeto a que se
refere; urna mesma palavra pode representar objetos diferentes; a palavra em usa
adquire sentidos que Ihe sao atribuidos par quem a usa, varia de acordo com a
inlenctao do usuaria; a rnudanc;a de posi<:ao de urn mesmo elemento lingOistico em uma
estrutura determina sentidos diferentes. Em segundo, a visao da realidade expressa
nada mais e que fruta de urn reeorte ou reeartes deterrninados igualmente por posictoes
"
ideol6gicas. 0 discurso e sempre parcial, carrega em si outros discursos e com eles
valores, matizes do real. Assim, um sentido pode ser sobreposto por outros sentidos
que tambem se encontram inscritos num dado objeto em foco, mas estao dispersos au
ocultos no discurso. FERRARA (2002, p.?) afirma que:
Todo processo de comunica(fao e, se nao imperieito, certamente parcial. Assim,carrig indo, toda codifica(f8.o e representa(f8.o parcial do universo, embora conservesempre no horizonte de sua expeclativa, a desejo de esgota-Io.
Nessa perspectiva, Jer seria essencialmente relacionar a face exposta do objeto
com todas as outras nao evidenciadas e com as que Ihe sao possfveis, ativando-se
conhecimentos adquiridos na experiencia cultural mais ampla. Quanto maior a
competencia para a decodificagao e a interpretagao das situagaes de interlocugao na
sua totalidade, maiores as possibilidades de inferencia de sentidos, de apreensao e
reelaboragao dos temas circulantes. A par da decodificagao de signos e da
compreensao dos mecanismos do encadeamento organizado e logico das estruturas do
discurso verbal, assim como de suas conformagaes, a leitura dessa linguagem envolve
reflexao e reconstrugao de sentidos, atividade simbolica e abstrata que requer
consciencia historica e social para localizar ideologicamente 0 discurso, mas que se
encontra circunscrila ao proprio texto. E propriedade da linguagem verbal melhor
delimitar 0 campo de conleudos, sentidos, tempo e lugar da agao interlocutiva. 0
produto nessa linguagem e mais solido, esla sustentado em ligagaes deilicas, de
coerencia e coesao, internas e externas, nao se prestando a incursaes exlrapolantes.
Quanto as particularidades da linguagem nao-verbal, destaca-se inicialmente 0
fato de ela nao ser portadora de um sistema organizado de signos. Nao ha sintaxe
propria preconcebida, nao ha uma ordem logica que integre os signos nao-verbais em
um todo, eles se encontram simultaneamente no espago, porem de forma dispersa e
fragmentada. Esses signos nao precisam ser decodificados no mesmo sentido que os
signos verbais, pois nao tem sentido basico convencionado - predomfnio de icones e
indices -, eles confundem-se com 0 proprio objeto que representam. Ha sim
significados potencialmente presentes, que pod em ser produzidos em razao da sintaxe
construfda, da combinagao de elementos que se proceder, nas relagaes associativas de
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contiguidade e similaridade. Tal realidade dificulta apreensao e significayao mais
imediatas, exigindo essencialmente interpretayao, que, apesar de ser inicialmente uma
experiencia inconsciente, senslvel e de reayao nao verbalizada, acaba por se
desenvolver contaminada pela ordem da linguagem verbal. Essa decodificayao cultural
da mensagem nao e quase discutida no espayo da escola.
Cores, linhas, texturas, dimensoes, posiyao e movimento dos objetos, elementos
que se exibem todos a um mesmo tempo, sao signos que podem apresentar
significados e representar outros significados em si mesmo, que precisam ser
percebidos, con ectad os e categorizados, a partir de analises comparativas e da
formulayao de hipoteses pertinentes, que deem identidade ao que est a visualmente
pasteurizado.
A respeito do conhecimento que integra a compreensao do discurso nao~verbal,
assim coloca FERRARA (2002, p. 24):
Sensat;:6es e associat;:6es despertam a memoria das nossas experi€mcias sensfveis eculturais, individuals e coletivas de modo que toda a nossa vivencia passada econservada na memoria seja acionada. Na realidade e necessario despertar aquelesvalores au jufzas perceptivos, compreender uma interat;:aa entre passado e presente,entre as sensa<;6es de ontem e de hoje, mais a reflexao sabre elas para compara~las eperceber as pontos de convergencia e/ou divergencia. Esta recep«ao sup6e 0repertorio do receptor e sua atua<;ao reflexiva sobre as proprias experiencias.
Na ausencia da organizay8.o caracterfstica da linguagem verbal, sem a referencia
para urn inicio de leitura, que se desenrola sob a logica linear no enunciado escrito, °ponto de partida e eleger uma fonte visual que se destaca no discurso nao-verbal, ou
seja, que nos desperta estranhamento e pode ser determinante para a separayao,
valorayao e hierarquizay8.o dos outros elementos - por conseguinte, para a
significayao. Nao deve passar despercebido ainda que a captayao de imagens e
tambem contaminada pela direyao da leitura de enunciados verbais - esquerda para a
direita e de cima para baixo, em transversalidade -, constituindo-se pontos essenciais
de ateny8.o a esquerda superior e a dire ita inferior.
Na tarefa de relacionar os elementos, priori zan do confronto e aproximalfao
entre eles, por meio do pensamento comparativo e analogi co, 0 produto e as
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circunstancias de sua produyao vao sendo delineados e com preen didos, vai se
construindo uma narrativa que desvela travos ideol6gicos subjacentes, como tambem
padr6es que a linguagem nao-verbal assume. Esse processo, que inicialmente se da no
nivel percept iva-cog itiva, a medida que avanr;a, exige abstrayao, estrutura
argumentativa e, sem duvida, conceituar;ao, s6 possiveis se rnediadas pelo c6digo
verbal. Como ja foi ressaltado a respeito da apreensao de mundo, elaborar mental e
reflexivamente a real e conceitua-Io e tarefa tributaria da palavra. E aqui, imbricam-se
as linguagens.
Oas especificidades da linguagem verbal e da lingua gem nao-verbal e da
conflue!ncia dessa combinactao, emergem algumas conclusoes importantes
relacionadas a leitura e ao entendimento de mensagens, que podem dirigir a
aproxirnactao a urn determinado material a ser analisado.
o discurso em linguagem verbal, no seu desenvolvimento, e gene rosa em
informac;oes. E S8 assim nao for, carre a risco de nao ser apreendido. Esse disc ursa erico em detalhes e inform a muito mais c1aramente sobre tempo, espac;o, auto ria, etc.,
realidades nao tao perceptiveis no discurso em linguagem nao-verbal, que, por sua vez,
tem a vanta gem da exposic;:ao simultanea de conteudos varios e do efello apelativo e
contagiante da mensagem visual.
o discurso em linguagem verbal caracteriza-s8 par ter em si urn certo limite, uma
clareza referente ao contexto em que se realiza, isso e, extrai-se dele historicidade,
condictoes de sua realizayao. Mesmo se nao explfcito, ele e passivel de inferencias
fundadas na deixis que a articula. Ja a discurso nao-verbal e difuso, obscure na sua
conformac;:ao, dependendo, na maior parte das vezes, do discurso verbal para expor a
sua contextualidade. Naa passui categorias deiticas que Ihe deem espessura para sua
interpretac;ao. Essa realidade faz com que um se caracterize mais pela monossemia, e
° outro, pela polissemia. E essa afirmayao remete ao terma ancoragem, utilizado por
BARTHES (apud VESTERGAARD e SCHRODER, ibid, p. 48), para relerir-se, em
sentido amplo, a lodos as elos articuladares do discurso, as conexoes internas e
externas, que emprestam contextualidade ao que e dilo, consistencia ao conteudo,
ligac;ao com a realidade.
"
Em am bas as linguagens, palavras e imagens pod em ser, em maior ou menor
grau, ambiguas em relagao ao que representam. Bagagens culturais diferentes
implicam em leituras igualmente diferentes, ou mais, conotagoes podem ser
compartilhadas no interior de uma mesma cultura, como tambem podem variar de um
sujeito para outro. Assim, uma mesma representagao pode assumir conotagao diferente
dependendo do contexto em que e utilizada.
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3. IDEOLOGIA
A economia industrial, globalizada e capitalista da atualidade e fato incontestavet.
E e do proprio universe do discurso publicitario que S8 pode depreender 0 pensamento
dominante, diagnosticar a existencia de uma sociedade essencialmente de consuma,
saturada de mensagens. 0 numsra signrricativo de em pres as de publici dade e de
cursos de forma~ao superior nessa area surgidos na ultima decada denuncia a
demanda de urn mercado de trabalho em expansao, e, por conseguinte, da
necessidade de profissionais capacitados para 0 exercfcio criativo e distintivo da
linguagem argumentativa, com a meta primeira de maximizar a aquisiC(ao de produtos,
em resposla ao clienle anuncianle. Ratilicando essa alirma9ao, diz SANDMANN (ibid,
p. 34) que "sendo a linguagem da propaganda ate certo ponto rellexo e expressao da
ideologia dominante, dos valores em que se acredita, ela manifesta a maneira de ver 0
mundo de uma sociedade em certo espaQo da historia"
o caminho e executado com arte e forQa persuasiva, que lanQa a cada leitor
individualmente a expectativa, a possibilidade de realizar um novo ou antigo desejo,
mesmo que interferindo, invadindo a sua identidade. Na mensagem publicitaria -
lembrando que 0 leitor comumente nao tern foco no anuncio em sua busca de material
para leitura -, fazer notar, manter a atenQao, criar ou atender a uma necessidade de
consumo, atraves da sedugao, da tentac;ao, da provocac;ao e ata mesmo da
intimidaQao, estao entre as tarefas do destinador. Essa forma de comunicar a
intensamente marcada por uma a<;ao intencional e manipulatoria do desejo de quem
esta na outra ponta da produC;ao de bens. Com 0 crescente poder de alcance dos
meios de comunicac;ao, os habitos de consumo, tanto de bens materiais como de bens
sociais, sao disseminados e se enrafzam rapidamente nos nucleos sociais. Todo urn
modo de vida e estimulado pel a presenQa da cultura consumista no discurso publicitario
em circulaQao.
VESTERGAARD e SCHRODER (2004, p. 7) distinguem os bens materia is dos
sociais. Apresentam como exemplos dos materiais 0 abrigo, a alimentayao e 0
transporte, e dos sociais 0 reconhecimento das pessoas com que se convive e 0
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sentimento de pertencimento a um grupo. Alimentar ou criar necessidades nem sempre
urgentes e alcanctar a adesao do leitor no sentido de fazer com que esses bens sejam
consumidos torna~se imperioso quando uma parte significativa da populactao
ultrapassou a faixa de atendimento de suas necessidades mais basicas, do contrario,
manter 0 sistema econ6mico capitalista, como organizactao de trabalho e de productao
desses bens, torna~se inviavel.
Tal realidade e expressa por VESTERGAARD e SCHRODER (Ibid, p. 9) na
afirmactao de que "quando uma sociedade atingiu um est agio em que boa parte da
populactao vive acima do nfvel de subsistelncia, a propaganda e inevitavel, e
inevitavelmente persuasiva. Isso s6 a verdade sob uma importante condictao: que se
trate de um sistema capitalista".
Entre 0 carater simplesmente informativo e 0 carater persuasivo, este precisa
se sobrepor na publicidade, com a finalidade de ampliar 0 alcance das mensagens, de
torna~las mais eficazes. Intencionalmente, a valoractao do produto e realizada nao por
suas qualidades intrinsecas, e, sim, por qualidades que nao Ihe sao pr6prias, que sao
emprestadas de outra instancia do desejado, isso a, da instancia da auto~estima, da
auto~afirmactao pessoal e social. Fundem~se, dessa forma, necessidades, desejos,
sonhos em um objeto mitificado. Conforme BARTHES (apud VESTERGAARD e
SCHRODER, Ibid, p. 8) os objetos sao semantizados, pass am a representar outras
categorias de valor, entendendo~se que a bens e servictos agregam-se valores sociais
da ideologia que predomina. 0 produto, tratado para sua apresentactaO, destaca-se de
oulros similares, oferecendo como ganhos exira atributos valorizados no grupo a que se
destin a, ou melhor dizendo, a imagem, a aparencia de quem a jovem, belo e rico, de
quem exibe identidade, poder e posictao dentro do grupo. Nao parece haver duvidas
quanto a se alcanctar ou nao aquilo que e convenientemente prometido, as contradict6es
sociais ficam ocultadas por uma bruma de encanlamento. Assim manipulado, esse
produto e um produto de ilusao. Muitas vezes, ele trai as intenct6es primeiras de quem
foi levado 0 adquiri-Io, pois, revestido de valor simb6lico, contradiz 0 valor de uso
buscado. 0 fato de ele parecer atalho para 0 sucesso pessoal, atrativo e compravel faz
com que 0 consumidor tenha as suas intenct6es praticas de apropriactao apagadas ou
17
modificadas. CARVALHO (ibid, p. 12) afirma que "possuir objetos passa a ser sin6nimo
de alcanc;ar a feliGidade: as artefatos e produtas proporcionam a salva<tao do homem e
o bem·estar e 0 exite". 0 autor ressalta ainda :
o que cabe a mensagem publicitaria, na verdade, e tornar familiar 0 produto que estavendendo, ou seja, aumentar sua banalidade, e ao mesma tempo valoriza-Io com umacerta dose de "diferencia<;:8.o",a fim de destac<Ho da vala comum. Acima de tudo,publicidade e discurso, linguagem, e portanto manipula simbolos para fazer amedia~ao entre objetos e pessoas, utilizando-se mais da linguagem do mercado quedos objetos.
Na verifica9ao dos mecanismos de manipula9ao dos desejos do outro a partir da
intencionalidade comunicativa, que nada mais e do que fio condutor de todo 0
processo, 6 importante enfatizar as formas com que 0 discurso pode ser construido e
divulgado, fazendo com que todo um conteudo ideol6gico permane,a sutilmente
disfan;:ado. Nessa vertente, algumas discussoes a respeito da propaganda subliminar
tern ganho espa«o nos meios academicos. Entenda-se esse tipo de propaganda como
a que nao deixa impressoes no consciente, mas sim no inconsciente. A partir do
emprego de estrategias e tecnicas que incluem conhecimento em varias areas - como
da psicologia, da psiquiatria, da neurologia, das tecnologias, etc. - mensagens
publicitarias sao veiculadas pelas midias em geral, sendo consumidas no nivel da
inconsci€!ncia. Muitas vezes no plano de informa«oes subentendidas, tern impacto nas
rnaneiras de se ver a sociedade, no jeito de ser individual das pessoas. E a informa«ao
subliminar com desdobramentos nas rela«oes e atividades humanas e que, para a16m
do consciente, afeta a opiniao e 0 comportamento do leitar, que CALAZANS (1992, p.
96) adverte que "[ ... J uma popula,ao exposta a subliminares, teleguiada, que se veste,
comporta-se, consome produtos, servi«os, cren«as, religioes, ideologias e vota em
elei«oes levada por sugestoes externas, subliminares, nao pode ser considerada uma
forma de vida inteligente, adaptada, autonoma".
E possivel se constatar todo urn discurso publicitario rnitificado, cuja construyao,
alern de querer convencer e levar a uma a«ao de consumo, alimenta aspira«oes
humanas e aponta para a cultura ideologic a que em ana do poder dominante na
18
atualidade: ser bem-sucedido e primordialmente com ungar de desejos valorizados em
sociedade,o que, em suma, significa fazer girar 0 cicio econ6mico-produtivo, ou manter
o sistema capitalista que se desenvolveu pela alta industrializa<;ao.
o conceito de ideologia, tambem no contexto do estudo do material publicitario,
e nuclear para a compreensao das realidades sociais que pode se interpor nas
forma90es tingOisticas.
o processo de constru9ao desse conceito, a parte as suas origens, passa, em
primeiro lugar, pelas formula<;6es de Marx que, conforme CHAUi (1997, p. 174), define
ideologia como urn discurso unico de uma classe que se impoe e faz calar, eliminando
o que l1a de contradit6rio nas rela90es de produ9ao, ocultando as divis6es sociais,
alienando classes sem prestlgio, tendo por finalidade a manuten<tao do poder de
explorar e dominar.
Em segundo - de acordo com 0 que BRANOAO (1998, p.24) diz, - passa pelas
postula<;6es de Althusser que, ampliando a abordagem de Marx, de quem Ii seguidor,
tece distinc;oes entre 0 que chamaria de ideologias particulares, estas referentes sim a
6ticas de classe, e uma ideologia geral, que, em resum~, englobaria: ideologia como
forma simb61ica de todo homem representar a sua presen<ta no mundo, uma rela<tao
imaginaria com a realidade; ideologia como uma forma de a<tao concreta - s6 atraves
da ideologia e que ha atua<tao do homem no mundo; e ideologia como instrumento de
transforma9ao do indivfduo em sujeito e de sua inser<tao em um aparelho social.
Finalmente, em terceiro, nas palavras de BRANOAO (id), passa pelas
interpreta<toes de Ricoeur, que alerta para compreensoes redutoras da ideologia
quando se parte do foco das classes sociais e da no<tao de "ilusao". Sem negar as
fun90es de justifica9ao e domina98o, a ideologia cabe: "mediar a integra980 social e a
coesao do grupo"; assegurar a legitima<tao de autoridade atraves de uma cren9a; e,
retomando 0 fundamento marxista, distorcer e dissimular 0 real, pois como fen6meno
crislalizado passa a se justificar e a dominar.
Esse percurso le6rico permite afirmar que se deve reflelir sobre a ideologia
partindo do pressuposto de que ela e concep<tao do real, instrumento de a9ao no
mundo por sujeilos hist6ricos, como tambem mecanismo de domina9ao e de
19
escamoteamento da realidade. E por ser a lingua gem 0 fenomeno que da concretude aideologia, conclui~se que toda forma((ao discursiva traz em si a marca ideologica, que
nao ha discurso isento de visao de mundo.
Resume BRANDAO (ibid, p. 27):
...duas concep~6es de ideologia se cruzam. Isso pode ocorrer especificamente comdeterminados discursos como 0 politico, a religioso, 0 da propaganda, enfim, osmarcadamente institucionalizados. Neles, faz~se um recorte da realidade, embora, porum mecanismo de manipula~ao, 0 real nao se mos1re na medida em que,intencionalmente, se omitem, atenuam ou falseiam dados, como as contradi~6es quesubjagem as rela~6es socia is.
Marca ideol6gica apresenta tam bern a forma de se perceber 0 mundo, antes
mesmo de se explica~lo com 0 apoio do c6digo verbal. Por ser a ideologia fato das
sociedades humanas, pensamento agregador e organizador de rela((oes de grupos e
forma de agir, interferir na realidade, e ainda instrumento que justifica uma pratica e
mantem poder de domina,ao, ela subjaz a toda a experiencia cultural. FlORIN (2001, p.
18) diz que 0 discurso articula uma sintaxe - que Ihe da estrutura e tern uma certa
autonomia -, e uma semantica - que depende mais diretamente das forma((oes sociais,
podendo ser concretizada de forma consciente ou inconsciente, com valor positivo ou
negativo. Como exemplo discorre sobre 0 usa do discurso direto em uma narrativa, 0
que implica respectivamente duas instancias: a de conceder voz a urn personagem e a
de escolher a quem dar voz. Porem nao e apenas no nlvel da realizagao do discurso
que a ideologia e fator determinante.
FlORIN (ibid, p. 33) diz que "ha processos mentais que escapam ao nivel
puramente linguistico" e, conforme BLiKSTEIN (2002), a percep,ao/cogni,ao da
realidade e de certa forma urn processo nao-verbal, que, em razao da praxis, tambem e
orientada por formagoes sociais. Empenhado em melhor explicar como se conhece 0
mundo e como os signos sao produzidos e proporcionam esse conhecimento, 0 autor
trata da relagao entre lingua, pensamento, conhecimento e realidade, e, nessa teia, da
constru<;ao do referente - realidade fabricada, conteudo para os signos -, analisando a
possibilidade de a significagao de mundo se dar antes da codifica<;ao lingiiislica com
que a realidade e recortada. Isso e, conteudos visuais, tateis, olfativos, gustativos, na
20
dimensao cinesica e proxemica, seriam apreendidos na experiencia perceptiva do
univers~ cultural, constituindo referencial para a configurayao do pensamento e da
linguagem. Cinesica e proxemica porque tanto os movimentos, as desempenhos
corporais assim como a forma de se estar au se colocar objetos no espa<;o, de acordo
com as diferentes manifesta<;6es culturais, comunicam, sao elementos portadores e
produtores de significado.
Nessa linha, afirma-se que a imagem, a visao que se constr6i do real - ou seja,
o referente -, e gerada na instancia extralingi.Hstica, no contexto da socializayao, da
experiencia distinta em cada sociedade. Entre a essencia de um fenomeno e 0 signo -
entre 0 conceito e 0 suporte do eonceito - esta 0 referente, impregnado de
determinayoes ideologieas, ja uma ilusao do real. Na observa<;ao do fenomeno,
identifiea-se sua natureza e se Ihe atribuem vaJores. As culturas guardam modelos,
categoriza90es positivas (euf6rieas) ou negativas (disf6ricas), categoriza<;oes que
trazem em si figuras estereotipadas que regulam 0 olhar. Objetos dispostos
verticalmente, por exemplo, produzem efeitos no olhar independentemente da
interferencia de c6digos verbais. A verticalidade est a eulturalrnente relacionada a poder,
produz significa<;ao positiva, promove a elabora<;ao de urna ideia de superioridade, 0
objeto destaca-se sob aspectos melhorativos. 0 inverso pode se dizer daquele objeto
que esta disposto na horizontalidade, posi<;ao que favorece a sua assimila<;ao sob
aspectos negativ~s, relacionados a domina<;ao, com predominancia de earga pejorativa.
Essas eategoriza<;oes, que sao referencial de estudos sernioticos que analisam 0
pensamento gerado pela percep<;ao extralingOfstica, pod em se apresenlar com sentido
invertido, dependendo da situa<;ao analisada.
Tal fato acarreta dizer que a rela<;ao pereeptivQ-cognitiva com 0 real nao se da
de maneira direta, esla mediada pela cultura, orientada por indicadores semanticos, ou
forma<;6es ideologicas pertinentes a eada grupo social. Entretanlo, enquanto elemento
primeiro do c6digo verbal, 0 referente so se concretiza atraves desle, nas forma<;6es
discursivas, ele e dependente de signos verbais para ser alvo de conceitua<;ao e
manifesla<;aO. Linguagem e pensamento sao realidades humanas que se distinguem
,/c--:--,C\ ,
entre si, porem 0 pensamento como ideia, como reflexao e conceituavao do real nao
existe sem a linguagem.
De acordo com BLiKSTEIN (ibid, p. 80):
...embara a signilicacao dos c6digos verbais seja tributilfia, em primeira instancia, dasemiose nao-verbal, e praticamente s6 por meia desses mesmas c6digos verbals quepodemos nos conscientizar da significacao escondida na dimensao da praxis: anteriora lingua, a semiose nao-verbal s6 pode ser explicada peta lingua. ( ...) ...a praxis cria aeslereotipia de que depende a lingua e esta, por sua vez, materializa e reitera a praxis.
A afirmavao de que a cogni<;ao, ° pensamento e a linguagem sao
fen6menos governados pela praxis social poderia equivaler a de que nao ha forma de
manifestac;ao discursiva possivel de contrariar essa ordem. Estar-se-ia sempre a
reproduzir os discursos que perpassam a experiencia cultural.
Vale ressaltar, porem, que os signos em geral, ou seja, as figuras
representativas, incorporam urn conceito, uma imagem, uma ideia, e urn suporte de
conceito, ambos materia de expressao para um conteudo, que estara articulado numa
determinada linguagem.
Mais especificamente no plano do conteudo dos sistemas verbais, do fato
exlralinguistieo, ser sujeito eritieo e original lorna-se tarefa dificilmente realizavel, desde
que s6 se tern a mao temas historicos, de tempo e espac;o circunseritos. Subverter os
discursos varios que irrompem da praxis e se fazem parecer individuais e subverter a
propria socializac;ao, a pr6pria configurac;.3.o social em que se esta inserido. BLiKSTEIN,
em "Kaspar Hauser - a fabricaQao da realidade", exemplifiea bern esse falo ao explorar
o caso desse persona gem para explicar a construc;ao do referente. Encontrado em uma
prac;a de uma cidadezinha alema, em 1828, par razoes nao esclarecidas, Kaspar
Hauser foi criado total mente afastado da convivencia de outras pessoas. Entrelanlo,
faram Ihe dadas condiQoes para 0 aprendizado de uma lingua. Ao ler contato final mente
com a eomunidade, aos dezoito anos, apresentava reac;oes e respostas ineditas para
os fen6menos observaveis. Sem a experiencia educativa, conceilos subjacenles afarmac;ao social, as formac;oes ideol6gicas que perpassavam 0 grupo em que estava
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inserido, nao se constitufam subsfdio para a sua interpretagao de mundo. A Ifngua nao
foi instrumento suficiente para que ele compreendesse a realidade circundante.
BLiKSTEIN (ibid, p.66) se opoe il enlase no can,ter modulante do c6digo verbal,
relativiza 0 papel da lingua na aquisigao do conhecimento, porem reconhece seu poder
quando afirma que "em bora a praxis nao-verbal desempenhe urn papel fundamental no
processo da significagao (semiose) e na percepgao/cogniQao, 0 seu alcance sera
of usc ado pela Ifngua, 0 mais abrangente dos sistemas semiologicos".
No plano da organizayao do falo lingOistico, a palavra - ou 0 signo verbal, a
materialidade ffsica, puramente convencionada, mas tambem categorizayao de mundo
- e dependente de um sistema que Ihe da forma e estrutura e novas matizes de
significado. E fen6meno sintatico e e fen6meno semantico, mas tom ada isoladamente,
sem contexto de realizayao, 0 que inclui experiencia comunicativa entre interlocutores
em uma dada situayao, ela exibe simbolizayao. Em usc, e propriedade dos
inlerlocutores, manifestando, no ate de realizaQao, representagoes ideologicas mais
particularizadas. Sob esse aspecto do conteudo recriado, as possibilidades discursivas
sao multiplas, pois sao multiplas as possibilidades de atuayao e cornunicayao no
mundo.
Quanto as form as de se organizarern e se relacionarem os elementos
expressivos, ha plasticidade em todo c6digo verbal. Dependendo das circunstancias
enfrentadas por seus falantes, novas realidades lingOisticas se concretizam,
modificando universos de cultura, que permanecem em estado de certa estabilidade.
Sob 0 ponto de vista dos generas do discurso, par exemplo, MACHADO (1998, p. 9),
que os distingue como "tipos relativamente estaveis de enunciados, elaborados por
cada (sic) esfera de utjlizag8.o da lingua" - parafraseando Bakhtin -, tece considerayoes
a respeito de como eles sofreriam processos de reestruturayao criativQs, em funyao de
limites que um produtor de textos pode encontrar para representar 0 seu modo de ver 0
mundo - conforme formas consagradas - e ainda de situagoes de interlocuQao -
relayoes que se estabelecem entre interlocutores, em dado contexto.
Da praxis de uma mesma formaQao social, varios discursos podem emergir,
com maior ou menor poder de representar a realidade sensfvel. Sao sentidos que vao
23
sendo construfdos em superac;ao a outros sentidos existentes. Hoje, em face da
diversidade de grupos que buscam se reunir em razao de uma mesma identidade
cultural, sao muitas as divergencias, contradic;oes e tracas dialeticas, e a pratica
discursiva e justamente a espac;o par excelencia para reconhece-Ias, descanstruinda
vozes que se imp6em unilateralmente, na intenc;ao de se legitimar. Para alem de uma
sociedade apenas de classes, a realidade e de uma sociedade de foryas plurais, de
posic;oes discrepantes, de relayoes mais complexas. Discursos varios nao s6
reproduzem, mas questionam a praxis e constituem lugar de inovayao. 0 que equivale
dizer que as formayoes discursivas gozam de uma certa autonomia tanto no que diz
respeita a maneira ver 0 real - ao conteudo - como de expressa-Io - a forma, aos
processos criativos de se dizer.
Em sintese, na dimensao pre-verbal e na dimensao verbal, a percepc;ao e a
conceituayao dos fen6menos presentes no mundo sensfvel sao marcadamente de
ordem ideologica, mas nao de maneira absoluta. E possivel, em nlveis de abordagem
mais problematizadores, reflexivos e criativos, considerando 0 carater contradit6rio e
dialetico das visoes geradas pela praxis, manejar e descanstruir processos discursivos
da "paisa gem das linguagens", sejam elas canstitufdas de signos verbais ou nao-
verbais. E e nessa perspectiva que, tamando a discursa publicitario misto, destaca-se a
analise da utilizac;ao da ambigOidade, como recurSQ que oferece uma riqueza de
significados, por meio do jog a de palavras, e que revela a fragmentayao e a polissemia
das leituras de mundo.
24
4. AMBIGUIDADE: RECURSO DE PRODUc;:iio E LEITURA DE SENTIDO(S)
A ambiguidade, em sentido basico dicionarizado, ligawse a fato$ imprecisos,
obscuros e equivocados. Tal sentido S8 estende a configura<;8.o dos fatos lingOrsticos.
Par tradi9ao, muitos estudiosos destacam a ambigOidade como urn problema ora de
quem produz ora de quem interpreta urn enunciado, no campo do lexica e no campo da
sintaxe, problema este que pode ser explorado, sofrer sistematizavao e S8r resolvido.
Predomina a ideia de que ela deve ser evitada, mesma que para isso S8 tenha de
escrever "frases mais simples", como orientam alguns manuais de reda9ao, calcados
em gramaticas normativas, que nao cobrem todas as zonas de instabilidade da Hngua.
o carater normative e higienizador dessa abordagem lem por finalidade esclarecer e
dar solulfoes para 0 problema, atestando que clareza e transparencia sao inlrfnsecas as
estruturas das Ifnguas naturais, ignorando que a ambigOidade e parte constitutiva nao
56 da materialidade discursiva - a Ifngua -, como tambem da materialidade hist6rica -
o contexte social, como ja abordado.
FERREIRA (2000, p.51), em analise a oliea de CHOMSKY, eoloea:
Na 611cados gerativislas, a ambiguidade e urn problema que existe (e que aparecesobretudo em exercfcios academicos) para ser "resolvidon
, para ser "explicadon, ser
"desfeiton. E um problema, enfim, do qual se deve dar conta em um mundo 16gicoreduzido, tratado em termos semanticos. Alias, isto nao aconleee s6 no ambito dagerativa. Ha coneordancia entre os linguistas que a ambiguidade, acidental ouintencional, e urn fato negativo que deve ser descartado atraves de regras e processosde desambiguizat;ao. Com excet;ao consentida para 0 dominic do humor e da poesia.
Em relalfao as reflexoes deste trabalho, enlende-se que a lingua gem nao
apresenta propriedades para poder dizer tudo e que a sociedade nao existe sem
contradilfoes. Ambas sao fatos hist6rieos e trazem as marcas de relalfoes multiplas,
dial6gicas, conflituosas e mutantes. 0 real e complexo e 0 conhecimento desse real
nao e objetivo. A ambigOidade esta presente nas formas de apreende-Io e de
manifesta-Io, presente nos sistemas de signos, e caracleristica, portanto, pr6pria as
25
forma~oes discursivas, considerados aspectos IingOlsticos e historicos, cujas fronteiras
interpenetram-se para a analise do discurso.
Entre 0 espayo mais regular da sintaxe que ordena e organiza e 0 menos regular
do plano expressiv~, do contexto de realizayao do discurso, encontra-se a pluralidade
semantica e simbolica que desacomoda a compreensao unica, processo posslvel e
favorecido especialmente pela construyao ambfgua, pela riqueza da produyao de
sentidos multiplos. So tentar consertar sintagmas ambiguos ou dirigir sempre para uma
leitura unica, ignorando pontos de tensao entre interlocutores que comunicam e nao
comunicam, e 0 mesmo que apagar a densidade historico-social, e pasteurizar
compreensoes e ignorar que essa produtividade advem tanto da multiplicidade quanto
da incompletude das formayoes ideologicas, forma~oes sociais e formayoes
discursivas, enfim, 0 que ha de mais produtivo em termos de significayao. FERREIRA
(ibid, p. 64) pontua bern esse posicionamento quando diz que "eliminar a ambigOidade
supoe aceitar a evidencia de que ou bern e urn, ou bern e outro, nunca ambos, ou algo
completamente distinto".
Mais especificamente no usa do discurso publicitario, e, portanto, na categoria do
uso intencional e estetico, a ambigOidade tem um duplo tratamento, que oscila entre a
investigayao dentro dos limites da precisao interpretativa e a investiga~ao no plano da
expressividade das linguagens.
o tratamento atende assim a necessidade de fazer prevalecer um foco de
sentido, aquele que deve se sobressair na mensagem, visando apenas 0 efeito do
estranhamento, a fim de conquistar e fixar a atenyao do interlocutor, como uma etapa
para cumprir com as propositos do anunciante. A respeito, CARVALHO (2003, p. 64),
destaca:
Quando uma mensagem publicitaria se vale da ambiguidade, sua interpretac;:ao peloreceptor funciona de um modo privilegiado. Mas deve-se atentar para 0 seguin Ie; se haduas interpretac;:oes de um texto, sempre uma e dominante; quando a dominante nao e aque interessa ao produto, a polissemia perde sua func;:aoe se converte num erro taticode publicidade.
Esse tratamento, porem, ultrapassa os limites redutores do campo da sintaxe e
da semantica, quando, desenvolvido no nivel da elaboray8.o estetica, permite 0
26
vislumbre e 0 entendimento dos mecanismos falhos, das rupturas do discurso e dos
efeitos que Ihes sao provenientes, assim como das possibilidades do jogo com as
bases estruturais e ideol6gicas. Consequentemente, tem-se ao dispor procedimentos
que auxiliam na constitui~ao de formas menos estereotipadas de se perceberem e
manipularem realidades, de se subverterem leituras de mundo.
Aproximar-se por esse caminho do objeto ambiguidade gera muita reflexao, poiS
a urn processo que implica apreender e desvelar significa~6es pela desconstru~ao de
urn dos recursos criativos de se dizer, em apraveitamento do que ha de vanguard a na
produ~ao de objetos artfsticos. A ambiguidade advam tanto da falha quanto da
possibilidade da estrutura do sistema lingufstico que, por sua vez, regula a
percep\=ao/cogni~ao e a representa~ao do real. E justamenle como falha e como
recurso estetico na publicidade, a ambiguidade a ponto de partida para a captura da
dimensao conflituosa e dialatica da realidade.
Nesse sentido, desenvolver trabalho pedag6gico com a face estatica da
ambiguidade na publicidade e promover conhecimento de lingua e conhecimento de
mundo, e desestabilizar leituras estereolipadas, e agir na dimensao menos coersiva da
pratica social.
BLiKSTEIN (ibid, p. 85), refletindo a respeito- da subversao dos estereotipos,
aponta a seguinte receila de Carlos Drummond de Andrade:
Chega mais perto e contempla as palavras.Cada umaTem mil faces secrelas sob a face neutraE Ie pergunla, sem interesse pela resposla,Pobre ou terrivel, que Ihe deres:Trouxeste a chave?
Tratando do discurso publicitario, DUBOIS, apud CARVALHO (2003, p. 59),
caracteriza do is tipos de ambiguidade: a sintalica, em virtude da estrutura que
determina mais de um senlido, e a lexical, em fun~ao da polissemia ou da homonfmia
- uma mesma palavra com mais de urn significado aparentado e uma mesma palavra
com mais de um significado nao-aparentado, distin~ao esla polemica pela dificuldade
de se estabelecer origem e evolu~ao de palavras. A traca de letras ou a aproxima~ao
grafica entre palavras, assim como locu90es au frases inteiras deslocadas de um
campo semantico funcionam e produzem a mesmo efeito. CARVALHO instaura sua
analise sobre ambigi..iidade sob a denomina9ao "sentidos multi pi os" .
SANDMANN (ibid) segue essa mesma linha em analise textual de material
publicitario e debru9a·se mais intensamente sobre elementos lingi..iisticos, abrangendo
o carater ortografico, fonol6gico, morfol6gico e sintatico da ambigi..iidade. Situa 0
fen6mena em "aspectos semanticos", nao fazendo distin90es entre 0 termo
ambigi..iidade e 0 termo duplo sentido. Apontando inumeros exemplos de ocorrencia de
polissemia e homonfmia, constitui farto conteudo de consulla para 0 trabalho
pedagogico.
Ao lado da ambiguidade ocasionada no nlvel da sintaxe e do lexico,
SANDMANN, CARVALHO e VESTERGAARD e SCHRODER (ibid) registram a
ambigi..iidade da linguagem figurada, que implica transferencia de significado por
contigi..iidade, no caso da utilizayao da melanfmia, e por similaridade, no caso da
metafora. Ambas os tropos, bastante comuns na comunicayao cotidiana, sao utilizados
em larga escala no discurso publicitario. A subversao de significados e produtiva na
publicidade, visto que se revela boa estrategia de sedu,ao, explora 0 lade ludico de
interpretar mensagens, 0 lado bem·humorado do jogo de palavras, 0 lado instigador do
que nao se mostra diretamente. Representa ainda um bom instrumento para manipular
canteudos ideol6gicos, de maneira a exercer poder de influencia e mudanya sobre 0
seu publico·alvo.
Jei FERREIRA (ibid), em seu percurso le6rico a respeito do lema ambiguidade,
enfaliza aspectos fundamentais para que se percebam outras dimensoes desse
fenomeno, assim como se aprofunde 0 seu estudo. A autora acrescenta a discussao as
noyoes variantes de duplo senlido, vaguidade e ambivalencia, sem se propor,
entretanto, a demarcar categoricamente territ6rios. Essas noyoes redimension am 0
conceito de ambiguidade, auxiliando na compreensao da lingua em seus mecanismos e
funcionamento. No propos ito de elaborar definivoes, ela reconhece a dificuldade de
tralar urn fato linguistico a partir de criterios que priorizam uma ou outra face constitutiva
do discurso. Nesse trajelo, ressalta como a ambiguidade do processo de interlocw;ao -
28
a ambigOidade "ilocucionaria, situacional e pragmatica" - costuma ficar de fora das
analises empreendidas.
A ambigOidade e inerente a lingua e a atividade lingOfstica, ambas de carclter
historico-social, como ja afirmado, lembrando que, para efeito de analise discursiva, ha
uma fronteira compartilhada entre elas, ha uma interiace que, do ponto de vista teorico,
esta estabelecida.
A ambigOidade e sim fruto de um sistema que nao e fechado, total mente
transparente e controlado, livre de instabilidades e de contradiyoes, muito pelo
contrario. 0 sistema lingOistico apresenta funcionamento regular que, entretanto, eespayo franco para irregularidades, em decorrEmcia de falhas de clareza que Ihe sao
intrfnsecas. Urn enunciado nunca se configura para explicitar urn tema por inteiro,
sempre deixa lacunas para a complementayao ou para inferEmcias. E a ambigOidade e
tam bern um fen6meno funcional, urn mecanismo enunciativo, previsto nas instancias da
sintaxe e do lexico, que possibilita 0 jogo IingOistico, a criayao de efeitos de humor e de
entretenimento.
Por outro lado, a ambigOidade, inscrita na lingua e como propriedade do
funcionamento discursivo, implica interlocutores situ ados historicamente, atribuindo
significados particulares que nao sao dados ou simplesmente encontrados em
enunciados, e parte de um processo profundamente contaminado por rela90es
ideologicas e simb6licas. Nessa perspectiva, a ambigOidade pode ser entendida e
denominada, segundo as considera,6es de FERREIRA (ibid, p. 68), de duplo sentido.
A ambigOidade se imputariam os casos que sao peculiares a Ungua, que ocorrem
no seu interior, independentemente da participayao de interlocutores. Nesse nlvel
estariam previstos os casos de: disjunyao absoluta, em que se faz necessaria a opyao
por uma das alternativas propostas, com a eliminayao de uma delas; e de disjunyao
reiat iva, em que e possivel uma multipla opyao, porem bern previsivel na instancia do
enunciado.
Ao duplo sentido se atribuiriam os casos de conjun9ao absoluta, ou os casos em
que a significayao estaria edificada sobre a dupla proposiyao. Aqui, ° papel dos
interlocutores e determinante, visto que eles, em situayao de produyao ou de leitura, e
29
que imprimem dire~6es e variantes interpretativas que coexist em, a partir da sua
posi~ao e experiencia socioist6rica.
A. vaguidade se reservariam os casas em que a ausencia de especifica~6es,
posslvel de ser intencional, resultaria na indeterminac;ao contextual, sem constituir
obrigatoriamente ambigOidade.
Finalrnente, no ambito da arnbivalencia estariam os casos que apresentarn
proposi~6es contrarias, contraditorias, em que a possibilidade da divergencia, do ser ou
do nao ser ambfguo, seria a propria ambigOidade e 0 foco de interesse. Para a
compreensao de tal realidade, nao se prescinde, como nos cas os anteriores, da
considerac;ao do que e constitutivo da lingua e do discurso, de maneira indissociaveL
Esses varios angulos da linguagem verbal de onde se pode abordar a ocorrencia
da ambigOidade como recurso de manifestac;ao e como conteudo hist6rico podem
trazer visibilidade ao trato pedag6gico de material publicitario. Ja na area da linguagem
nao~verbal, algumas outras consideraQ6es se fazem importantes.
lmportante ressaltar que tanto a linguagem verbal ou a nao~verbal, ou melhor, as
lingua gens em geral - codigos utilizados em contextos de comunicac;ao - sao
tributarias do mesmo process a de significac;ao decorrente da natureza historico~social.
Elas sao determinadas e efetivadas segundo os mesmos falores, apresentando porem
como especificidade 0 material sfgnico e os efeitos dele decorrentes. A. cada sistema de
c6digo corresponde um apelo e urn espac;o de interac;ao diferenciados. E, na mescla de
sistemas, novas configurac;6es.
Assim, da linguagem nao~verbal empregada no discurso publicitario
depreendem~se sentidos de elementos como forma, cor, textura, gestos, movimentos,
distancias espaciais, em todas as suas distensoes e graduaQ6es: grande e pequeno,
claro e escuro, forte e suave, proximo e distante, etc. Todos esses elementos, que
trazem significa~6es determinadas pela cultura, podem ser redimensionados,
depend en do da circunstancia de uso ou de uma nova combinac;ao, de uma sintaxe
diferenciada, ou seja, podem ser acentuados, suavizados ou apagados,
complementados, deformados ou transform ados, enfim sofrer interferencia na sua carga
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semantica e expor outras faces do fenomeno manifestado, e a mudantta de um unico
elemento em rela<;:ao ao conjunto pode implicar na alterayao da mensagem.
OSTROWER (apud DERDIK, 1989, p. 188), a respeito do processo criativo na
arte, taz a seguinte considera<;:ao, que interessa as reflex6es contidas neste trabalho:
o poder criador do homem e sua faculdade ordenadora e configuradora, a capacidadede abordar em cada momento vivido a unicidade da experiimcia e de interliga-Ia a outrosmomentos, transcend endo 0 momento particular e ampliando 0 ate da experiencia paraum ato de compreensao.
Remete-se tal afirmactao a leitura dos fragmentos sfgnicos da paisagem do nao-
verbal, que exige que 0 leitor, numa atitude tambem criativa, acione experiencias
culturais e sensoriais na sua memoria, entre elas mecanismos verbais e nao-verbais
para perceber, categorizar, manter, descartar, discriminar, associar conteudos, buscar a
16gica que lhes da ordena<;:ao, fazer inferencias com a objetivo de tornar visfvel a(s)
ideia(s) representada(s) e as nao representadas. Essas a<;6es pr6prias a apreensao do
real manifestado sao bastante complexas e podem constituir estrategias de leitura no
ensino formal, aplicadas em abordagem de material de publicidade, a partir de
problematiza<;:6es adequadas que atinjam forma e conteudo do significante e do
significado.
No plano da imagem, a ambiguidade tambem e recurso para a constructao de
ideias e e objeto por ele mesmo para se discutido. 0 discurso publicitario se vale das
possibilidades da linguagem nao-verbal para concretizar efeitos ambfguos, que
permitem, principalmente, atraves das relactoes metaforicas e metonfmicas, a
semiotiza<;:ao dos objetos, a transferencia de valores para produtos e servi<;:os. As
imagens, quase sempre atreladas a linguagem verbal, constituem suporte ou acrescimo
para as efeilos desejados, au ainda fator de desambigOizactao, pois recupera 0 senti do
a ser atingido pelo anunciante.
Tomando a expressao verbal e a nao-verbal, amplamente combinadas em
discursos publicitarios, mas com especificidades para seu emprego na productao de
enunciados e para sua leitura, permanece para a abordagem da ambigOidade a analise
sem limite firmado entre 0 aspecto lingOislico e 0 aspecto discursivo da siluactaO de
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interlocuC;ao, entendendo-se que este fenomeno, como foco deste trabalho, e
caracterizadamente lingOfstico e historico, e forma de expressao e e conteudo.
No cruzamento do verbal com 0 nao-verbal, da linguagem com a hist6ria, tem-se
acesso a outros focos da realidade. Diante da parcialidade do objeto apreendido par
pontos de vistas e das maneiras de ser representado, diante do carater polissemico do
discurso, 0 vies da ambigOidade pode desacomodar compreensoes e resultar em
leituras diferentes das habituais.
Os procedimentos de aproximac;ao do material cuja construc;ao e ambigua
devem priorizar incurs6es ao campo das motiva«6es e finalidades do alo interlocutivo,
da posi«ao dos interlocutores, das coerc;oes lingOfsticas e ideol6gicas, para, nessa
trajet6ria, permilir descobertas sabre 0 comunicado, 0 comunicado e nao percebido e 0
comunicado silenciado, seja pela compreensao das falhas e da insuficiencia ou das
possibilidades dos padr6es lingOfsticos, seja des Iimites ou do rem pimento da
percep«ao referenciada que define olhares.
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4. UMA LEITURA POSSiVEL
A inlen<;ao nesle ponto do trabalho e, a partir das rellex6es ja apresentadas,
destacar e analisar aspectos que S8 sobressaem de quatro textos publicitarios ecanstituem indicativos para a leitura de efeitos de sentido coexistindo nurn mesmo
acontecimento discursivo, em razao da presem;a de ambigOidade.
Os textos selecionados (anexos 01, 02, 03 e 04) fazem parte de uma serie
veiculada nas revistas VEJA, CARAS e em outras de circula<;ao rest rita (TOP VI EW e
revistas de clubes - Graciosa Country Club e Clube Curitibano), durante 0 primeiro
semestrs de 2004 (mar. a jun.), tendo como publico-alva a mulher de classes
social mente mais favorecidas, com acesso tacilitado ao consumo do prod uta divulgado
- j6ias. Na conjuga~ao de dais sistemas de signos dis tin los - lingua gem verbal e
linguagem nao-verbal - a autor do discurso constr6i sua argumentac;ao, com a
finalidade de obler a adesao do interlocutor ao programa proposto: a aquisiyao de um
bem.
A mensagem publicitaria contida nos textos tematiza 0 proibido ou 0 velado,
expondo praticas que socialmente apresentam interditos: jogos de azar, exposic;ao da
nudez, relac;ao sexual ou (extra)conjugal e invasao de privacidade.
No primeiro texto (anexo 02), a imagem e da superticie de uma mesa de jogo,
assim caracterizada por fichas de aposta e quatro cartas de as nos qualro naipes do
baralho, 0 que configura a quadra mais alta no jogo de p6quer. As figuras dos naipes
sao mulheres jovens portando j6ias, uma referemcia a figura da rainha. Os detalhes
apresenlados aponlam essencialmente para a ideia de urn "angariador" de vit6rias,
tanto no plano do jogo quanto no plano da conquista feminina.
No segundo texlo (anexo 03), 0 foco e um meio corpo feminino nu. Os cabelas
longos cob rem os seios, e tarjas negras, geralmente utilizadas pela censura, cob rem as
j6ias usadas pela mulher em cena, mulher cujas atributos podem ser juventude e
beleza, fatores favoraveis no campo da seduyao.
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No terceiro texte (anexo 04), tem·se a imagem de urn quarto sob a luz difusa de
urn abajur. Em segundo plano uma cama onde repousa urn homem sob 0 lenyol,
recoslado num travesseiro, fitando, com urn sorriso malicioso, a figura que esta em
primeiro plano, ou seja, a figura de uma mao, representando metonimicamente uma
mulher, que expoe um colar de perolas. As evidencias antecipam 0 momento de um ato
sexual, e, no ultimo instante, j6ia e mulher, numa fusao significativa, revelam·se objetos
de desejo. A mulher e metaforicamente representada pel a j6ia, que presente ou
aquisiyao, empresta-Ihe uma condiyao, a um status almejado: a de ser cobiyada.
No quarto texto (anexo 05), a imagem em primeiro plano e em negro chapado,
tendo ao centro um buraco de fechadura. Atraves do buraco, destaca-se a figura de
uma mulher bern vest ida, em ambiente claro, iluminado, exibinde colar, brincos e anel.
o negro erienta a observayao do leitor para a figura iluminada, que, sentada,
demonstrando seguranya e descontra<;ao, sugere a ideia de espera. No conjunto dessa
conslruyao e que se tern a conversao do olhar, 0 efeito fittro. A ideia expressa remete a
intertextos: "Invasao de privacidade" e "Janela indiscrela" (filmes); voyeurismo
(comportamento); erotismo (valor).
No plano da competencia, 0 auter estabelece sintonia com 0 virtual comprador
explorando a atrayao pelo proibido. a apelo e conativo, centrado no interlocutor. E fato
que as convencyoes morais, as normas sociais coagem 0 comportamento e causam um
certo ressentimento naquele que se va limitado em seus desejos, impulsos, motivayoes
de foro intimo. Num efeito as avessas, elas incitam 0 deseje.
E para entender 0 porque da ambigOidade des sentides expressos, procede dizer
que se equivalem 0 desejo de transgredir comportamentos reprimidos e 0 desejo de
"conquistar" uma j6ia, objeto que castuma pavaar 0 imaginario da mulher. Ter uma j6ia
e tam bern campo do interdito, do praibitivo, considerando·se limitadores, em primeiro
lugar, de ordem economica, visto que 0 artigo e care, e, em segundo, de ordem cultural,
pois se cult iva a pratica de os homens presentearem suas eleitas com j6ias. Instaura-
se assim uma tensao entre 0 fazer e a nao fazer, 0 ter e 0 nao ter, e ainda 0 ser ou 0
nao ser, porque 0 prod uta passa a representar valores correntes na sociedade
contemporimea e, por conseguinte, na midia.
As modelos femininas dos textos em questao sao jovens, bonitas, erotizadas par
roupas e posturas insinuantes, e exibem uma imagem de sucesso. Dais produtos se
colocam it venda: a j6ia e a perfil de quem a usa, pel a transferencia de valores para as
objetos. A mulher a 0 destinatario, a sujeito manipulado do discurso. Mais do que
possuir uma j6ia quer ser objeto de admiragao, quer superar as barreiras para 0
consumo do produto anunciado. 0 leitor/mulher nao s6 olha, mas se olha, porque se ve
tam bam no contexto de ser alvo do olhar e do desejo.
Recai enfase na ausencia de um olhar feminino direto. Em todas as tomadas
fotograficas, os olhos permanecem cerrados, desviados ou ausentes, sugerindo um
certo recato, 0 que ameniza 0 carater er6tico das situagoes, ou anulayao de identidade,
com 0 intuito de retorgar 0 foco da pega publicitaria.
As quatro mensagens publicitarias contem em comum um slogan, um texto em
linguagem verbal: "Tao linda que chega a ser obscen~". Ha sofisticagao, sutileza no
jogo apresentado entre as imagens e a palavra, a leitura nao a acessfvel, nao ha
imediaticidade na construyao de sentido. Uma analise no plano do enunciado revela
uma mensagem enxuta e densa para a concretizagao da idaia, por meio de eteito
ambfguo tanto do ponto de vista lingOlstico como ic6nico. A referencia simultanea a
duas realidades que se aproximam pela construyao ambfgua possibilita uma flutuayao
entre significados possfveis. A idaia s6 a decifrada no jogo articulado entre enunciado e
imagem, desde que seja acionado na mem6ria do leitor 0 conhecimento das situayoes
exploradas.
Nao ha propriamente ambigOidade lexical e sintatica, ou ainda resultante do
emprego de tropos. A ambigOidade a referencial, s6 no nivel do discurso a posslvel
processar as sentidos. Percebe-se a construyao com dupla referencia: "linda" pode ser
a mulher au a joia, pelo usa do adjetivo no feminin~; "obsceno" pode ser a interdito da
pratica censurada ou da realizagao da posse. E as do is contextos nao sao excludentes,
ambos interessam a quem analisa a construgao de material publicitario.
o discurso a de terceira pessoa, e, considerando-se elementos IingOfsticos e
plasticos - 0 ponto de observagao, 0 enunciado, 0 contexte de formulagao da ideia -, 0
destinador e a destinatario se confundem, ha um limite impreciso, fluido entre
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interlocutores, entre aut or e leitor. Tanto um quanta outro podem estar no lugar do
sujeito que perscruta ou que retlete "Tao linda que chega a ser obscena".
Conclui-se afirmando que a preocupa<;ao com as condiyoes de produyao,
com a exterioridade do texlo e com a relayao entre interlocutores sao pontos nucieares
para a analise do discurso.
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6. CONCLUSAO
Se por um lado 0 aprendizado da leitura e produ<;ao de discursos em linguagem
verbal tern sido objelo de farto estudo e sistematizac;:ao com finalidades pedagogicas, 0
aprendizado especffico da leitura de discursos em linguagem nao-verbal e pratica ainda
pouco comum e ha pouco material que a em base, esclarec;:a e aponte caminhos para a
sua efetivac;:ao. Ha que S8 buscar estrategias na experiencia diaria de sal a de aula,
buscando-se respaldo em literatura de varias areas, como da publicidade, linguistica
discursiva, semi6tica, artes, etc.
A apropriac;:ao e a expansao do universo lingOistico e cultural no ambiente
educacional, somadas as experiencias individuais, devem capacitar para a
compreensao e a autonomia na utilizac;:ao de objetos materiais e simb6licos, islo e, de
sistemas de signos, conceitos e valores que dizem respeilo a participa~ao na vida em
sociedade.
Na confluencia das linguagens verbal e nao-verbal reside urn trabalho estatico,
cuja diversidade deve ser tematizada, nao s6 no aspecto funcional, mas no ambito do
contexto de realiza~ao. Desconstruir alhares sobre a paisagern, desconstruir a
linguagem que concretiza fragmentos do real e a~ao que deve ser metodologicamente
tratada quando se quer formar para lelturas menos estereotipadas. Promover 0
pensamento por imagens e por palavras €I fazer conhecer a materialidade de duas
linguagens, a sua organiza~ao e seu funcionamento, a sua determina~ao historica,
assim como 0 aspecto dinamico com que ocorrem e ainda a relativizac;ao da sua
ocorrencia.
A pratica educacional deve incluir como meio e proposito a reconstruc;:ao do olhar
sabre as formas culturais que determinam a atribuic;:ao de sentidos, a visao de mundo,
estimulando a carater perceptivo e reflexive da cogni~ao, para alem das amarras das
linguagens. Nessa trajetoria, cabe a promo~ao de espa~os em que 0 referente, como
copia do real, seja investigado e submetido a releituras, procedimento que encerra a
contribuiyao de vivencias singulares. As inferencias no desenvolvimento do trabalho
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devem ser parte constitutiva e nao descartada do processo de leitura das linguagens,
desde que respaldadas em raz6es de ordem cognitiva e 16gica.
A ambiguidade, nesse contexto, nao deve constituir ponto a ser alcanc;:ado, mas
ponto de partida e de expansao para 0 novo, para 0 diferente; um ponto de entrada
para a historicidade dos interlocutores, das linguagens, da significa9aO.
A meta e perceber na arnbiguidade urn recurso estatico nas linguagens da
publicidade, recurso que faz cumprir necessidades de envolver, seduzir 0 leitor, mas
tambem jogo que se estabelece na instancia da diversidade semantico-cultural 9 que
tern um sentido em si mesmo.
Etementos de fic9ao e de verdade, de afirma9ao e nega9ao comp6em um quadro
diverso e contraditorio do real. A bagagem das culturas compoe-s9 de fragmentos e
parcialidade, e linguagem nenhuma e capaz de manifestar evitando vaos a serem
preenchidos. Vaos que sao janelas para a variedade de sentidos.
Na perspectiva da etica e do direito a informac;:ao, formar competencias, equipar
o leitor para 0 reconhecirnento dos mecanismos de expressao e de manipula9ao e a
necessaria reflexao sobre a ideologia subjacente nas forrnas comunicativas em geral eexperiencia de aguyar a perceP9ao, desmontar visoes calcadas em estereotipos,
considerar e associar conhecimentos de linguagens e de rnundo ou descarta-Ios, a tim
de instigar interpreta90es, nurn processo que retifique 0 velho e ratifique novo.
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