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www.arquidiocesedesaopaulo.org.br | 17 a 25 de junho de 2014 | Geral | 15 mas entraram para a história”, re- cordou Sueli Aparecida da Silva, socióloga e coordenadora Nacio- nal da PMM. “Nós queremos chamar aten- ção para este dia, não como um dia de celebração, de glamori- zação da prostituição, de confir- mação da profissão de prostituta. Compreendemos que a prostitui- ção é mais uma forma cruel de violência contra a mulher”, conti- nuou Sueli. A partir da experiência coti- diana com mulheres em situação de prostituição, a PMM afirma que a grande maioria delas não o faz por opção. “A prostituição foi, de alguma forma, a única saída para um problema do momento. Envolve muitos fatores psicosso- ciais e não pode ser considerada uma escolha livre”, disse a soci- óloga. Sueli afirmou ainda que, uma vez tendo conseguido deixar a prostituição, as mulheres fazem de tudo para não voltar a este es- paço. Até que ponto a prostituição deve ser uma profissão regularizada é outra discussão na qual a PMM está inserida. O Projeto de Lei Nº 4.211, de 2012, de autoria do de- “Eu nunca me apresentei como prostituta. Fiquei 6 anos na Luz. Minha família nunca soube, pode ser que desconfiava, mas se me perguntarem, vou negar até a morte. Nunca sofri violência. Estar na prostituição já é violência. Entregar a intimidade por dinheiro é muito violento. Nunca vesti roupa curta, ia trabalhar com camiseta e calça jeans. Mas todo mundo associa a prostituição com a falta de vergonha e caráter.” (Carina, 37 anos) “Fui violentada por meu tio para ter o que comer. Eu morava na casa dele, quando minha tia saía, ele me obrigava a fazer sexo com ele. Eu tinha 9 anos. Depois vim pra rua. Tinha 16 anos, um cliente me levou para casa dele, chamou seis homens e disse que podiam fazer o que eles quisessem, porque eu era p... mesmo. Eles fizeram tudo comigo. Eu estava grávida e perdi o bebê, até hoje dói muito lembrar.” (Raquel, 29 anos) “Fui parar na Luz e, naquele tempo, a tinha um plano de higienização. Os policiais me levaram várias vezes para o xadrez, com acusação de “vadiagem”. Lá, colocavam a gente para varrer, limpar. De vez em quando um policial engraçadinho abusava da gente, às vezes, soltava a gente depois disto. Mas ele sempre chegava dizendo que era p... mesmo. Um dia, um policial me violentou com um cassetete. Quase morri de dor.” (Celiane, ex-prostituta) “Eu morei num bordel em que a dona era muito ruim. Ela só queria o dinheiro da gente. Não podiamos parar com os programas nem quando estávamos menstruadas. Quando eu estava menstruada, ela me dava um rolo de algodão. Tinha uma menina que morava nessa casa e ela bebia muito. Quando estava bêbada, a cafetina colocava dois clientes no quarto com ela. Recebia o dinheiro e não dava nada para a menina.” (Cris, 26 anos) Prostituta. Por quê? A socióloga Sueli Aparecida da Silva apontou fatores e consequências de uma possível profissionalização da prostituição NAYÁ FERNANDES REDAÇÃO DIRETO COM ELAS A PMM atua diretamente com as mulheres que estão em si- tuação de prostituição, realiza contatos semanais, visitas em praças, ruas, boates, hotéis e outros lugares em que elas se encontram. Promove ainda a acolhida nas sedes das equi- pes base da PMM. A orientação e encaminha- mento das mulheres para a profissionalização por meio de capacitação pessoal e pro- fissional tendo como base a economia solidária e geração de renda também é uma frente de atuação da Pastoral. Indire- tamente, a pastoral trabalha a sensibilização social sobre a realidade da mulher na pros- tituição, no enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e contra ao abuso e exploração de crian- ças e adolescentes. Uma pessoa escolhe se prosti- tuir? A prostituição é uma opção livre? A resposta a esta pergunta é passível de opiniões diversas e, até mesmo condenações podem nascer a partir dela. A prostituição atravessa a história sendo uma re- alidade controversa em todos os campos. Em tempos de Copa de Mun- do e com os olhos abertos para o turismo e a exploração sexual, a Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM) Nacional se manifestou publicamente por ocasião do Dia da Prostituta, 2 de junho. A data foi estabelecida após uma mani- festação em Lyon, na França, em 1975. “150 prostitutas francesas ocuparam a igreja de Saint-Nizier, em Lyon. Elas protestavam contra as multas e detenções que sofriam e por mortes de colegas que não eram investigadas. Este gesto foi uma “guerra contra o rufianismo” atividade de quem tira proveito da prostituição alheia. Obtiveram apoio da população e foram re- primidas fortemente pela polícia, Luciney Martins/O SÃO PAULO ta”, a “sem vergonha”, a de “vida fácil” ou religiosamente falando “a pecadora”, mas nunca com mulher”. “Sempre defendemos que a profis- sionalização não traz benefícios para a grande maioria das mulheres. Não é um trabalho como outro qualquer. A prostituição é resultado de um fe- nômeno social maior, não podendo ser caracterizada como um trabalho que dá dignidade ao ser humano.” putado Jean Wyllys, busca a regu- lamentação da prostituição, mas este não é o primeiro, outros já es- tiveram em tramitação, segundo a Pastoral. deixar a prostituição, o moralismo social e o desrespeito. “A maioria das mulheres evita que suas famí- lias e seus amigos saibam como estão vivendo”, continuou a coor- No Brasil, a prostituição não é crime, mas a indústria do sexo sim, ou seja, as casas de explora- ção não regulamentadas. “Ter um salário e a carteira assinada não garante que a mulher seja livre. Poderá ela ser obrigada a ser uma escrava sexual, tendo que cumprir com uma carga horária exaustiva ou ter um número de programas que vai além da condição física dela”, explicou Sueli. Outras dificuldades foram apontadas, como a contratação da mulher, depois que ela resolver denadora da Pastoral que trabalha em três frentes principais: com as mulheres que situação de prostitui- ção; com o enfrenta- mento ao abuso e a exploração sexual ou comercial de crian- ças e adolescentes e contra o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual. Assim, a chamada profis- sionalização da prostituição não iguala socialmente o papel das pessoas que estão se prostituindo ao dos trabalhadores de outras áreas. Sueli destacou que “usar da sexualidade para angariar re- cursos é uma forma de ferir a conduta de bons comportamentos sociais e isto põe as mulheres em condições exclusas socialmente. Na prostituição, a mulher não tem direito de ser pessoa, ela é sempre vista como a “puta”, a “prostitu-

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A prostituição é uma escolha livre? Reportagem a partir das informações fornecidas pela Pastoral da Mulher Marginalizada.

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mas entraram para a história”, re-cordou Sueli Aparecida da Silva, socióloga e coordenadora Nacio-nal da PMM.

“Nós queremos chamar aten-ção para este dia, não como um dia de celebração, de glamori-zação da prostituição, de confir-mação da profissão de prostituta. Compreendemos que a prostitui-ção é mais uma forma cruel de violência contra a mulher”, conti-nuou Sueli.

A partir da experiência coti-diana com mulheres em situação de prostituição, a PMM afirma que a grande maioria delas não o faz por opção. “A prostituição foi, de alguma forma, a única saída para um problema do momento. Envolve muitos fatores psicosso-ciais e não pode ser considerada uma escolha livre”, disse a soci-óloga. Sueli afirmou ainda que, uma vez tendo conseguido deixar a prostituição, as mulheres fazem de tudo para não voltar a este es-paço.Até que ponto a prostituição deve ser uma profissão regularizada é outra discussão na qual a PMM está inserida. O Projeto de Lei Nº 4.211, de 2012, de autoria do de-

“Eu nunca me apresentei como prostituta. Fiquei 6 anos na Luz. Minha família nunca soube, pode ser que desconfiava, mas se me perguntarem, vou negar até a morte. Nunca sofri violência. Estar na prostituição já é violência. Entregar a intimidade por dinheiro é muito violento. Nunca vesti roupa curta, ia trabalhar com camiseta e calça jeans. Mas todo mundo associa a prostituição com a falta de vergonha e caráter.”

(Carina, 37 anos)

“Fui violentada por meu tio para ter o que comer. Eu morava na casa dele, quando minha tia saía, ele me obrigava a fazer sexo com ele. Eu tinha 9 anos. Depois vim pra rua. Tinha 16 anos, um cliente me levou para casa dele, chamou seis homens e disse que podiam fazer o que eles quisessem, porque eu era p... mesmo. Eles fizeram tudo comigo. Eu estava grávida e perdi o bebê, até hoje dói muito lembrar.”

(Raquel, 29 anos)

“Fui parar na Luz e, naquele tempo, a tinha um plano de higienização. Os policiais me levaram várias vezes para o xadrez, com acusação de “vadiagem”. Lá, colocavam a gente para varrer, limpar. De vez em quando um policial engraçadinho abusava da gente, às vezes, soltava a gente depois disto. Mas ele sempre chegava dizendo que era p... mesmo. Um dia, um policial me violentou com um cassetete. Quase morri de dor.”

(Celiane, ex-prostituta)

“Eu morei num bordel em que a dona era muito ruim. Ela só queria o dinheiro da gente. Não podiamos parar com os programas nem quando estávamos menstruadas. Quando eu estava menstruada, ela me dava um rolo de algodão. Tinha uma menina que morava nessa casa e ela bebia muito. Quando estava bêbada, a cafetina colocava dois clientes no quarto com ela. Recebia o dinheiro e não dava nada para a menina.”

(Cris, 26 anos)

Prostituta. Por quê?A socióloga Sueli Aparecida da Silva apontou fatores e consequências

de uma possível profissionalização da prostituição

Nayá FerNaNdesredação

direto com elasA PMM atua diretamente com as mulheres que estão em si-tuação de prostituição, realiza contatos semanais, visitas em praças, ruas, boates, hotéis e outros lugares em que elas se encontram. Promove ainda a acolhida nas sedes das equi-pes base da PMM. A orientação e encaminha-mento das mulheres para a profissionalização por meio de capacitação pessoal e pro-fissional tendo como base a economia solidária e geração de renda também é uma frente de atuação da Pastoral. Indire-tamente, a pastoral trabalha a sensibilização social sobre a realidade da mulher na pros-tituição, no enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e contra ao abuso e exploração de crian-ças e adolescentes.

Uma pessoa escolhe se prosti-tuir? A prostituição é uma opção livre? A resposta a esta pergunta é passível de opiniões diversas e, até mesmo condenações podem nascer a partir dela. A prostituição atravessa a história sendo uma re-alidade controversa em todos os campos.

Em tempos de Copa de Mun-do e com os olhos abertos para o turismo e a exploração sexual, a Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM) Nacional se manifestou publicamente por ocasião do Dia da Prostituta, 2 de junho. A data foi estabelecida após uma mani-festação em Lyon, na França, em 1975.

“150 prostitutas francesas ocuparam a igreja de Saint-Nizier, em Lyon. Elas protestavam contra as multas e detenções que sofriam e por mortes de colegas que não eram investigadas. Este gesto foi uma “guerra contra o rufianismo” atividade de quem tira proveito da prostituição alheia. Obtiveram apoio da população e foram re-primidas fortemente pela polícia,

Luciney Martins/O SÃO PAULO

ta”, a “sem vergonha”, a de “vida fácil” ou religiosamente falando “a pecadora”, mas nunca com mulher”.

“Sempre defendemos que a profis-sionalização não traz benefícios para a grande maioria das mulheres. Não é um trabalho como outro qualquer. A prostituição é resultado de um fe-nômeno social maior, não podendo ser caracterizada como um trabalho que dá dignidade ao ser humano.”

putado Jean Wyllys, busca a regu-lamentação da prostituição, mas este não é o primeiro, outros já es-tiveram em tramitação, segundo a Pastoral.

deixar a prostituição, o moralismo social e o desrespeito. “A maioria das mulheres evita que suas famí-lias e seus amigos saibam como estão vivendo”, continuou a coor-

No Brasil, a prostituição não é crime, mas a indústria do sexo sim, ou seja, as casas de explora-ção não regulamentadas. “Ter um salário e a carteira assinada não garante que a mulher seja livre. Poderá ela ser obrigada a ser uma escrava sexual, tendo que cumprir com uma carga horária exaustiva ou ter um número de programas que vai além da condição física dela”, explicou Sueli.

Outras dificuldades foram apontadas, como a contratação da mulher, depois que ela resolver

denadora da Pastoral que trabalha em três frentes principais: com as mulheres que situação de prostitui-ção; com o enfrenta-mento ao abuso e a exploração sexual ou comercial de crian-ças e adolescentes e contra o tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins

de exploração sexual.Assim, a chamada profis-

sionalização da prostituição não iguala socialmente o papel das pessoas que estão se prostituindo ao dos trabalhadores de outras áreas. Sueli destacou que “usar da sexualidade para angariar re-cursos é uma forma de ferir a conduta de bons comportamentos sociais e isto põe as mulheres em condições exclusas socialmente. Na prostituição, a mulher não tem direito de ser pessoa, ela é sempre vista como a “puta”, a “prostitu-