Jovens, espaços, trajectorias e delinquência

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    institudas em quadros jurdicos (Binder e outros, 2001), a sua emergncia e a dasproblem ticas associadas imp licam que se atenda a qu e comp ortam entos desta na-tureza integram d uas comp onentes: a do comportamento em si prprio e a da suadefinio como delinqu ente (Dias e An dr ade, 1984).

    Poder-se- afirm ar qu e nem tod os os indivdu os que cometem d elitos so co-notad os de delinquen tes, porqu e nem todos os delitos so aprop riados para adqu i-rir essa identidad e social.Ao consubstanciar um a rup tur a relativamente aos limia-res de tolerncia dos gru pos sociais portad ores de sistemas d e norm as e de valoresde u ma sociedade, num dad o mom ento da sua evoluo, a delinquncia, quandoidentificada, suscita o desencadear de um mecanismo social de reprovao e desano que espelha uma reaco colectiva que vai alm do quadro familiar e edu ca-

    tivo, acarretando uma interveno administrativa ou judiciria (Selosse, 1995).Mais do que u m p roblema de n atureza jurdica um problema social, que colocaem jogo as cond ies ecolgicas, econm icas, sociais e id eolgicas d e um a socieda-de, determinantes na etiquetagem de algum como delinquente.

    Enquanto conceito socialmente construdo, na sua abordagem destaca-se acondio de jovem como etap a de socializao que s pod e ser comp reendid a emreferncia ao contexto em que vivida, reflectindo experincias com diversosagentes de socializao, de entre os quais se salientam a famlia, grup o(s) de p ares,a escola e outr as institu ies (Machad o Pais, 1999).

    Os debates desenvolvidos acerca desta temtica tm vindo a enfatizar a liga-o entre influncias de ordem social e o desenvolvimento d estes compor tamen-tos, designadamente, na relao com consumo ou trfico de substncias ilcitas(drog as) ou com abu sos de sub stncias lcitas (tabaco, lcool, m edicam entos, etc.),emergindo cada vez mais a conscincia de que apenas se possui um v iso parcelar emenor deste problema, pela m ultiplicidad e de contextos e de variveis que o atra-vessam (Agra e Mat os, 1997; Ferreira, 1999).

    Porque as trajectrias individuais se inscrevem em quadros sociais, estasquestes devero ser lidas luz d e um a du pla p erspectiva, pois, se parece certa aideia qu e os indivduos sofrem constrangimentos estruturais que os moldam eafectam a sua dinm ica e interaco social, tambm ser verd ade qu e, at determi-nado p onto, dispem de um a autonomia que lhes permite,m esmo quando sujeitosa condies sociais objectivassimilares, apresentarem m odos de existir e de respos-ta s situaes diferenciados e par ticulares.

    Deste modo, em funo destesd ois quadros de referncia o quese prendecom a natureza e dimenso dos comportament os desviantes e delinquentes dos jovens no

    seio da famlia, no grupo d e pares, na comu nidade, e o normativo-jurdico, das leis etambm das prticas assumidas institucionalmente em relao a esses mesmoscomp ortamentos (Ferreira,1997) ,que se situa a an lise apresentada n esteartigo.

    Aspectos metodolgicos

    Na p rocura de um maior conhecimen to sobre a problemtica do desvio e da d elin-qun cia juv enis em Portu gal, foi realizada u ma inv estigao que teve como pon to

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    de p artida o u niverso de jovens de am bos os sexos, entre os nove e os 18 anos deidad e que, por d eciso jud icial, se encontravam internad os nos catorze colgios doInstituto de Reinsero Social, nos ltimos quatro meses de vigncia da Organiza-o Tutelar de Menores (1978): de 1 de Setembro a 31 de Dezembro de 2000.

    Falar d este universo imp lica ter presente a d iversidade d e situaes que sobum a mesma capa, e a um pr imeiro olhar,se ocultava.Referenciado como um d os demaior risco no d esenvolvimento d e potenciais trajectrias de m arginalidade, ex-cluso social e criminalidade (Agra e Matos, 1997; Sousa Santos e outros, 1998),nu ma p rim eira consulta d as estatsticas oficiais d a Ju stia constatou -se qu e nele seincluam casos que v ariavam entre a vitimao e a delinqu ncia.

    Por n em todos se reportarem exclusivamente s problemticas em causa,hou ve a necessidad e de tomar determ inadas opes metod olgicas, acabando porseleccionar-se para objecto de estud o um subu niverso constitud o somente p elosindivdu os identificados por condu tas d esviantes (mendicidad e e/ ou prostitui-o) ou por actos qualificados pela lei penal como crime, embora pudessemacumu lar as du as vertentes. De fora ficaram os sinalizados por mera vitimao, in-ternad os nestes estabelecimentos como soluo de ltimo recur so, por n o ter sidoencontrada ou tra resposta na comu nidade.

    Se o desvio e a delinquncia juvenis so problemas sociais onde se entrecru-zam convergentes d e natu reza individual e de ordem social, dificilmente a suaabordag em pod er ficar redu zida a mod elos de causalidade potencialmente pass-veis de generalizao, como se se pud esse falar de causas n icas e globais, ignoran-

    do-se a comp lexidad e da vida social.N a perspectiva de Boud on (1979),d evero serentend idos como resultado d a agregao de diversos factores, par a a qual so sus-ceptveis de concorrer, a um mom ento e contexto especficos, variveis de natu rezaindividu al, micro e m acrossocial.

    Acreditan d o-se qu e definio de polticas sociais e execuo d e estratgias emodelos a desenvolver institucionalmente deve corresponder um mais profundoconhecimento sobre esta realidade, nesta investigao teve-se por principal objec-tivo conhecer a natu reza e direco da s trajectrias de vida d esses joven s em pero-do an terior sua primeira colocao nu m d os colgios. Recordan do qu e se trata de

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    Universo

    Distribuio por sexo

    ObservaesMasculino Feminino Total

    N % N % N %

    Lotao global( 14 co lgi os) 412 74, 4 1 42 25, 6 5 54 100 -Universo: total de jovens afectos 551 80,4 134 19,6 685 100 Sobrelotao do sistema: 123,6%Dossis tutelares consultados 538 81,8 119 18,2 657 100 Representativos de 95,5% do universoConstituio do subuniverso(1) 496 82,8 103 17,2 599 100 Em estudo 87,5% do universo (91,1%

    do total de dossis consultados)

    Nota: 1) Condutas desviantes e/ou delinquentes.

    Fonte: Inqurito ao desvio e delinquncia na populao dos colgios do IRS (Carvalho, 2003).

    Quadro 1 Delimitao do subuniverso em estudo (em valores absolutos e percentagem)

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    um a pesquisa centrad a naqueles que foram alvo de um a etiquetagem jurdica, a vi-so obtida fica limita d a a um sistema qu e a pon ta da pir mid e dos litgios d o apa-relho judicial.

    Para a sua realizao op tou-se p or um a metologia quan titativa, recorren-do-se anlise documen tal dos dossis tutelares ind ividuais, comp lementad a porinqurito por questionrio jun to das equ ipas tcnicas, para validao de informa-o. Do processo iniciado, em Abril de 2000, com um estud o de caso num a dessasinstituies, seguiu-se a recolha de dad os em todos os colgios, no perodo comp re-end ido entre Outu bro d e 2000 e Maro de 2001.

    A an lise do cum ental, que veio a constituir o eixo metod olgico centr al e cu-jos principais resultados se apresentam n este artigo, foi estrutu rad a em torn o de

    grandes reas: dados pessoais (sexo, idade, nacionalidade, naturalidade, origemtnica, docum entao, percur so dos no n ascidos em Port ugal); grup o dom sticode origem data d a colocao em colgio; grup o parental ou seu substituto; inser-o familiar/ relacionamen to; problemticas sociais sinalizadas; percursos institu-cionais anteriores;d escend entes;residncia e situao habitacional;sad e e consu-mo s (lcitos e ilcitos); situao jur dica; escolarid ad e e tra balho; p rtica d e ilcitos(sua natu reza e formas de actuao).

    Nu m p rimeiro momen to, par a as variveis de cada u ma d as reas, foram co-dificadas as m odalidad es entendid as como mais significativas luz dos resultad osdos trabalhos exploratrios. No entanto, considerou-se pertinente a manutenode algun s pontos em aberto, de forma a pod er atender a eventu ais situaes inicial-mente no previstas.

    A principal fonte d e informao foi o d ossi tutelar individual, para ond econflui toda a do cum entao oficial relativa a cada caso: relatrio social, avaliaopsicolgica, inform aes jud iciais, ocorrncias por factos ilcitos e outros.

    Os contornos p articulares que caracterizavam o sistema, aos quais acresceu ainexistncia de informao detalhad a, especfica e minim amen te clara sobre o mes-mo, que possibilitasse a constituio de um a amostra representativa sob o pon to devista estatstico, levaram a qu e se tenha av anado p ara um levantamen to da infor-mao alargado a nvel nacional.

    Os dad os foram recolhidos pela autora em cada colgio e o tratam ento da in-form ao foi feito com base nu m a anlise estatstica assente em tcnicas uni e biva-riadas (tabelas cruzad as simples). luz da natu reza e significncia dos resultad osda fase exploratria e, sobretud o, pela ausncia de um qu adro d e fun do sobre a re-ferida pop ulao, que p ud esse constituir-se como referncia, as tcnicas mu ltiva-

    riadas ant eriormente trabalhad as (factorial de correspond ncias m ltiplas) foramabandonadas nesta fase.

    Como ap onta Machad o Pais (1999: 13), porqu e a vida no ap enas du raomas tam bm d escontinu idad e de actos, sendo necessrio no desprezar a singula-ridad e, o porm enor, o aciden tal, a adop o desta linha de orientao perm itiu quese tenha d escido, em algu ns asp ectos, a referncias mais detalhad as e exaustivassobre determinad as categorias de uma var ivel.Se pelo seu valor meram ente esta-tstico estas no se afigur ariam im portan tes, a relevncia d e um pon to de vista so-ciolgico notria, por apontarem para condies sociais extremamente

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    deficitrias para os n ela envolvidos. So pon tas meio soltas, meio pr esas de u macomplexa malha de laos sociais reportad as, em especial, ao m eio familiar.

    Deste modo, vieram a ser identificadas as d eterminant es sociais emergentesnos contextos de socializao atrav essad os e nos qu ad ros sociais ond e estes joven sse inscreveram, recorrend o-se apenas a u m n gulo d e observao da realidad e so-cial: o olhar dos agen tes dos mecanismos de controlo formal (autoridad es jud iciaise policiais, tcnicos de reinsero social). Na capacidade de estes discursos repro-du zirem a comp lexidad e e profun did ade d e parte da realidade social, imp orta re-ter qu e os docum entos oficiais remetem para processos de objectivao da activi-dad e hum ana d esenvolvidos por certos actores sociais, luz d e quad ros jurd icosespecficos, reportados a um tempo e a um espao determinados (Luckman e

    Berger, 1973).Trata-se de um discurso mediatizado por sistemas de representao afectos aideologias e a marcos culturais e sociais de p oca, que se revela pertinente trazerpar a discusso mais alargada, por se reportar aos principais contorn os de um a vi-so constru da acerca da realidad e social que, por ser oriun da d os mecanismos decontrolo social formal, foi determ inante na aplicao da lei, ao servir de filtro sobrea mesm a. No se teve em linha d e conta a an lise d essas significaes, assim comoo que os pr pr ios sujeitos teriam p ara d ar a conh ecer acerca d essa leitur a e d os seuspercursos de vida.

    Daqui resultou o traar d e um retrato sociogrfico na fase de tran sio entredois modelos jurdicos claramente diferenciados: a Organizao Tutelar deMenor es (1978) e a Lei Tut elar Edu cativa (2001). Neste artigo a pr esenta-se ap enasum conjunto de indicadores sociogrficos, identificados num primeiro nvel deanlise u nivariada e, em certos p ontos, bivariada, salientando-se as principaisregularidades e singularidades relativas na populao em estudo.

    O universo em estudo

    No p erodo em causa, o un iverso era constitudo p or 685 jovens par a um a lotaoprevista d e 554 lugares, evidenciando-se a sobrelotao d o sistema, algo qu e foium a constante ao longo das duas ltimas dcadas. Tal nu nca decorreu de um equi-lbrio entre a representao de ambos os sexos, mas antes de u ma clara pred omi-nncia do sexo masculino, orientao que se revela comu m a d iversos estud os con-cretizados nacional e internacionalmente sobre sistemas oficiais de justia

    (Cusson , 1989; Sou sa Santos e ou tros, 1998).Mesmo na fase final de vigncia da OTM, os casos de vitima o aind a se m an-

    tinham p resentes nu m valor significativo. Esta situao veio a arrastar-se no temp oe, em Outu bro de 2001, eram ainda 27 os rapa zes e rapar igas que perm aneciam noscentros educativos, por a usncia de respostas de ou tros sistemas p ara qu e se con-cretizasse a sua sada da rea da Justia.

    Rapazes e raparigas estavam pred ominan temente associados a prticas ilci-tas embora, mais d o que ressalvar a sua im port ncia, o que estava n a base da colo-cao nestas institu ies era a avaliao da per sonalid ad e e d as cond ies d e vida e

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    potenciand o-se, eventualm ente, efeitos negativos de estigmatizao jun to d aque-les que nu nca deveriam a ter entrad o?

    Fica no ar a interrogao acerca d a natu reza e amp litud e que este tipo d e(in)aco poder ter vindo a desencadear, no apenas junto dos jovens por elaabrangid os mas, em ltima anlise, das p rpr ias instituies, dificilmente se po-dend o olhar uns sem atender aos outros.

    Como esperad o, na cond uo dos processos eviden ciam -se os tribu nais d efam lia e men ores (97%), estan d o os de comarca restr itos a 3%. No qu e concer ne entid ad e par ticipan te, realce para as autor idad es policiais (47,2%), seguid asd os estabelecimen tos de ensin o (15,5%) e pai/ m e (11,5%). As rap ariga s apar e-cem sobrerrepresenta da s nas iniciativas cometidas escola, enqu anto os rap a-

    zes registam um a ligeira e relativa maior p resena nas aces identificad as pe-las polcias.

    Traos sociais: origen s

    No qu e diz respeito ao pas de origem d estes jovens, 93% nasceram em Portu gal;osrestantes so oriund os, sobretud o, dos PALOP. Ao identificar-se a situao referen-te a pai e me, constata-se a existncia de um elevado nmero associado a proces-sos de imigrao para o territrio nacional: uma larga percentagem de mes(27,0%) e d e pa is (30,8%) nasceu nou tros pases, a maioria em Cabo Verd e. Somenteperto d e 1/ 3 destes tinham a situao de residncia oficialmente regularizada .

    Porque a considerao apenas d o pas de origem no suficiente para an ali-sar outr as persp ectivas intr nsecas ao facto de mu itos d os pais terem na scido no es-trangeiro, analisou-se a varivel nacionalidad e. Sabend o-se qu e esta pod e consti-tuir critrio de d iscriminao no acesso a diversas estrutu ras aliando-se, tend en-cialmente, inexistncia d e docum entos pessoais, que p romovam a regularizaode eventuais p erman ncias ilegais no p as, muito significativo qu e 16% dos jo-vens possua n acionalidad e estrangeira. Trata-se de u m valor qu e supera p elo do-bro o nm ero dos no nascidos em Portu gal.

    A situao suscita algum as questes quan do se confirma qu e mu itos nasce-ram em espao portu gus, estando condicionados p or legislao que os sujeita adem orad os e intricados processos, caso queiram obter na cionalidad e portu guesa.Os cont orn os so ma is comp lexos em fun o da pr pr ia relao com os familiares,dos quais depen dem p ara a efectiva resoluo deste problema, mu itos ausentes ou

    demissionrios do seu papel parental.No por isso de estranh ar qu e 25% da p opu lao entrad a em colgio no

    possusse qualquer documento oficial e no se conhecesse o que se passava em re-lao a 20%. Existe, pois, um forte d fice nas su as trajectrias de vid a enqu ant o ci-dados de pleno direito, muitas das vezes por arrastamento das vivncias dosfamiliares.

    As origens tnicas so tambm div ersas: 28,8% so de origem a fricana e 3,5%d e origem cigana. A inexistncia de inform ao sobre a figura p atern a atinge 2,3%que no possui registo de paternidad e.

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    Tanto rapazes como rap arigas so oriund os, na esmagad ora maioria, de meiourbano esuburbano,ou com caractersticassimilares,numa ntida prepondernciapa ra os con celhos da s reas m etrop olitanas d e Lisboa (53,3%) e Porto (24,2%), aosqu ais se jun tam ou tros da faixa litoral d o territr io nacional (Faro [5,5%]; Aveiro eFunchal [2,5% cada ]), provind o, sobretud o, d e espaos socialmente estigmatiza-d os: bairros d e habitao social/ rea lojam ento (39,4%) ou constru o ilegal (25,2%)e zon as an tigas/ histricas (18,5%).

    Grupo domstico de origem

    Tend o por objectivo a identificao dos gru pos d omsticos de or igem, tomou -secomo po nto d e part ida a tipolog ia prop osta por Laslett e Wall (1978), qu e veio a re-velar-se como a mais adequad a, por abran ger a diversidade de casos nesta popu la-o, ainda que com as devidas adaptaes. Mantiveram-se seis categorias, mashou ve a necessidad e de substituir os isolados pelos noint egrados em grupo domsticoda famlia biolgica (16,3%), categoria qu e inclui os que se encontr avam em fam liade acolhimento/ ad opo, noutra instituio ou a viver autonomamente. Estes lti-mos foram oficialmente sinalizados a v iver na ru a, sem ligao conhecida a qu al-quer agregado. As restantes categorias referem-se aos grup os no conju gais (4,8%),simples (51,3%), alargados (18,1%), extensos (1,7%) e, por fim, outras combinaes(7,8%).3

    Oriun dos d e fratrias nu merosas (mais de quatro irm os em 42,7%), em esp e-cial na posio de mais novo ou intercalar, os agregad os tendem a ser tambm nu -mer osos (mais d e sete pessoas em 33,1%).

    No qu e concerne estrutur a familiar pred ominan te, destaca-se a famlia nu -clear, seguida de perto das mon oparentais, ond e o adu lto presente com maior inci-d ncia era a mu lher. data da entr ad a em colgio 75,1%n o conta va com a presen-a de, pelo menos, um d os progenitores no grup o de origem, surgindo d iferentesproblemticas associadas a uma primeira ruptura parental.

    Quan do se toma em linha de conta o motivo aponta do nos docum entos anali-sados como estando na base da ruptura conhecida oficialmente,4 o abandono a

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    3 A gregados no conju gais:o jovem vive com um ou m ais familiares sem qualquer d os progenitoresou ou tro n cleo conjugal (casal). So os que viviam com irmo(s), com u m av ou um a av oucom outro(s) familiar(es) em linha colateral; agregados de famlias simples: incluem-se nesta

    categoria a famlia monopar ental (um d os progenitores e filhos), a famlia nuclear (pai, me efilhos) e a famlia recomp osta (um d os progenitores, um substituto d o outro e filhos); agregadosalargados:partindo dostrstiposdegrupossimplesmonoparental,nuclear ou recomposta ,so aqui designados aqueles que integram tambm outros familiares em linhas ascendente oucolateral; agregados extensos: referem-se a arran jos multinu cleares que comp reend em a famlianuclear+ou tro(s) casal(is) em linha ascend ente e/ ou colateral; out ras combinaes: contextos emque no est presentequ alquer dos progenitores,existindo familiaresem linha ascendente e/ oucolateral na forma de grupo nuclear (um casal) ou multinuclear (mais do que um casal).

    4 Teve-se em linha de conta o motivo identificado nos relatrios como o da primeira ruptu raconhecida no grupo parental, conscientes que outros podero ter ocorrido e no ser doconhecimento oficial altur a.

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    Grupos domsticos N %

    Grupos domsticos no conjugais 29 4,8 irmos 5 0,8 ascendentes 10 1,7

    colaterais 10 1,7 ascendentes + colaterais 4 0,6

    Grupos domsticos simples 307 51,3 famlia monoparental simples 103 17,2 famlia nuclear simples 139 23,2 famlia recomposta simples 65 10,9

    Grupos domsticos alargados 109 18,1

    famlia monoparental alargada 51 8,5ascendentes 15 2,5

    colaterais 20 3,3 ascendentes e colaterais 16 2,7

    famlia nuclear alargada 29 4,8ascendentes 7 1,1colaterais 20 3,3

    ascendentes e colaterais 2 0,4

    famlia recomposta alargada 29 4,8ascendentes 8 1,3

    colaterais 13 2,2

    ascendentes e colaterais 8 1,3

    Grupos domsticos extensos 10 1,7 famlia multinuclear: linha ascendente 3 0,5 famlia multinuclear: linha colateral 2 0,4

    famlia multinuclear: linhas ascendente e colateral 5 0,8

    Outras combinaes 47 7,8 grupo nuclear 32 5,3

    ascendentes 9 1,5

    colaterais 5 0,8 ascendentes + colaterais 18 3,0

    grupo multinuclear 15 2,5ascendentes + colaterais 15 2,5

    No integrado em grupo domstico da famlia biolgica 97 16,3 em famlia de acolhimento e/ou adopo 8 1,3 em colocao institucional 40 6,8

    a viver autonomamente 49 8,2

    Total 599 100,0

    Fonte: Inqurito ao desvio e delinquncia na populao dos colgios do IRS (Carvalho, 2003).

    Quadro 3 Contexto familiar no perodo anterior entrada em colgio (em valores absolutos e percentagem)

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    mod alidad e mais representada, tendo m ais de um tero d o subun iverso sofridouma situao deste gnero.5 Trata-se de casos em qu e pai ou m e, ou ambos (em15% do total), abandonaram a casa, na maioria das vezes, sem referncia a um ou-tro mot ivo que no o do mero acto em si. A estas situaes acrescem ou tras da m es-ma natureza, em que ao falecimento ou deteno de um se seguiu o abandono, ime-diato ou num m uito curto prazo, do outro. Revela-se aqui um a faceta que, primei-ra vista, perm anece oculta e qu e agrava consideravelmen te a existncia desta pro-blemtica, por estar associada a um a outr a (intensa) perd a.6 So ind icador es que,mesm o com u m red uzid o valor estatstico, no devem , de forma algu ma, ser sub-avaliados sob um ponto de vista sociolgico, por se reportarem a franjas da socie-dad e portu guesa ond e processos de sucessivas ruptu ras a nvel familiar vm a re-

    percutir-se num conjun to de n ecessidad es diversas em term os de ap oio social, emreas como a segurana social, a edu cao, a sade ou o emp rego.O segund o motivo mais apontado prende-se com o falecimento de u m dos

    pais (25,1%) em id ades relativamente novas, correspond entes, na maioria, ao p e-rodo activo em term os profissionais. A figura p aterna claramente a mais atingi-da, estand o as causas da m orte associadas, geralmente, a problemticas diversas,com um a ligeira m aior incidn cia pa ra consum os abusivos de su bstncias lcitas eilcitas. H u m n mero restrito de casos em que pa i ou m e foram vtimas de hom i-cdio. O suicdio atingiu 4,3% d os progen itores, no se diferenciand o de mod o sig-nificativo p or sexo. Em 1,4% do subu niverso ocorreu o falecimento d e ambos osprogenitores num perodo d e tempo m uito curto (inferior a seis meses), tend o asrap arigas sido m ais afectada s neste campo d o que os rapazes.

    No q ue d iz respeito det eno (15,9%), os joven s que vira m p ai e me seremdetidos em simultneo ou nu m perodo de temp o relativamente curto adqu iremum a certa expresso (4,1%). A deteno como causa da p rimeira rup tur a conhecidano grupo parental claramente mais elevada relativamente ao pai do que me.Finalmen te, para 13,8% a ru ptu ra p arental deveu -se a divrcio/ separ ao.

    Mais d e met ad e do s joven s viveu esta quebr a de relacionam ento entre os pa isat aos cinco anos de ida de e 1/ 3 entre os seis e os nov e anos. Estes valores, extraor-dinar iamente elevados nos primeiros anos de vida, dim inuem medid a que a ida-de au men ta, o que parece ir ao encontro de algumas correntes tericas sobre o des-vio e a d elinqu ncia juven is. Salientam-se neste pont o par ticular os au tores situa-d os nu ma linha de orientao psicossociolgica, qu e tend em a revelar como decisi-vas para o d esenvolvimento d e comportamentos d esta n atureza, a existncia d efortes perd as e distores em termos da constru o das imagens parentais na pr i-

    meira infncia, decorrentes de experincias traumticas, geralmente intensas eprofun das, ao nvel da p rpr ia qualidade d a comu nicao e da natureza d os laos

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    5 Foi necessrio introduzir uma categoria relat iva ao abandono que no se sobrepe dedivrcio/separao, por esta dizer respeito aos casos de relaes de natu reza conjugal cuja rup turafoi identificada em momento anterior ao abandono.

    6 Em 2,8%do totald a populao,ao falecimento do pai seguiu-se o abandono da me;em 2,5% aofalecimento da m e veio o aband ono do pai. Em 1,2% deteno do p ai surgiu o aband ono dame e em 0,9% o inverso.

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    sociais entre a criana e os que, par tida, se supu nha lhe estariam mais pr ximos,os seus progenitores (Winnicot, 1977).

    So situaes que se revelam, nos seus contornos m ais graves, na existnciad e 16,3% qu e entrad a em colgio j no resid iam com qualqu er fam iliar, em espe-cial os 8,2% iden tificad os em vivn cias nas m argen s da sociedad e, sozinh os ou emgrup os de pares, em condies pou co claras e aqui designados a viver autonoma-mente, por no ter sido possvel descortinar com sua relao a qualquer grupodomstico.

    Na anlisemaisdetalhada sobreasdimensessubjacentesa estecortederela-cionam ento ent re a criana e a famlia, realam-se trs processos de natu reza (apa-rentemente) oposta, mas que tendero a reforar-se mutuam ente no reprodu zir de

    um crculo difcil de quebrar.O primeiro parte da rejeio por parte dos pais (ou seus substitutos) e tra-du z-se em d ois nveis de actuao:u m em q ue essa rejeio assum ida claramentena expu lso directa da criana para fora d e casa ond e, tend encialmente, o resto dafamlia se ma ntm ; ou tro em qu e essa rejeio se revela sob a form a de negligncia,desamparo ou abandono, havendo um m ovimento aparentemente diverso,na me-did a em qu e so os pais que d eixam a h abitao e quebram os laos que a pod e-riam existir, quanto mais no fosse pela sua presena fsica.

    Um segu nd o processo destaca os casos em que a sada p ara a ru a parece cen-trar-se em iniciativa do p rpr io jovem, sendo geralmen te o culminar de um percur-so anterior m arcado por sucessivas fugas. No entanto, um olhar mais profundoobriga considerao de ou tros factores, que su gerem qu e esta sada surge m aiscomo prod uto d e uma organ izao e dinmicas familiares, em qu e a ltima face vi-svel de ru ptu ra com a famlia apenas reflecte um a acumu lao de outr as quebrasanteriores,expressassob a forma deabandono,neglignciasemaustratos,quetmcomo principal agente no o jovem mas, sobretudo, os seus familiares. Noutros(poucos) casos, esta mesma situa o parece resultar d e um a aco mais intensa d oprp rio, no sentido de uma opo possivelmente marcada pelo desejo de ind epen-dncia e de aventura (Castro, 1997).

    O terceiro processo diz respeito s situaesem q ue se registou a perd a por fa-lecimento ou a au sncia por d eteno ou h ospitalizao de u m d os progenitores.So casos em qu e a estrutu ra familiar se viu, a dad a altura, e na maior parte d as ve-zes de form a inesperad a, atingida intensam ente, vindo isso a reflectir-se na formacomo a criana fica entregue a si pr pria. A rua p arece, ento, surgir como m eroprolongam ento da casa,n um a espcie de vaivm em qu e a no existncia de super-

    viso familiar o pon to dom inante. mu ito significativo que ap enas 23,2% se tenham man tido semp re a viver no

    mesm o n cleo familiar, estando m ais de metad e identificado em p elo menos qua-tro mu dan as (conhecidas), e vrios chegam s 11 e 12.Se j por si esta permam enteinstabilidad e grave,m ais complexa se revela qua nd o se analisam alguns d os seusprincipais contornos, praticamente comuns esmagadora maioria.

    Sistematizando algum a da informao oficial no que d iz respeito qualidad ed a relao entre o jovem e os pa is entr ad a em colgio, constata -se qu e volta de56% no tinh am cont acto com o p ai e 30% no tin ham com a me. Daqu i ressalta a

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    ideia, no s da ausncia, em especial do pai, no processo edu cativo, mas tambm aexistncia de um a relao pred ominan temente conflitual qu and o est presente.

    Indo u m p ouco alm, perto de 2/ 3 esto claramente iden tificados como vti-mas regularesd e maus tratos na famlia, e 3/ 4 foram vtimas de negligncias diver-sas por parte de familiares.A associao entre maus tratos/ abusos fsicos e psicol-gicos de longe a mais referenciada (47,5%), seguindo-se a sobreposio entrema us trato s/ ab uso s fsicos, psicolgicos e sexuais. As descries d os factos assina-lam quasesemp re a existncia de pad res de comp ortamento de extrema violncia,seja qual for o tipo de ma u trato mencionad o. H aind a o registo,em v rios grup osdom sticos, de frequen tes internam entos hosp italares da d ecorrentes e, em cinco,de h omicdio conjugal, com m orte da m ulher.

    Na identificao dos agentes e vtimas m ais directamen te envolvidos nestaproblemtica, os valores mais expressivos destacam o pai como agressor,q uer par aa mu lher e filhos (19,5% d a pop ulao), exclusiva men te para os filhos (6,4%) ou so-ment e contra a m e (6,2%). Com n meros ma is redu zidos surgem os casos em que a me qu e atinge os filhos (5%). Para alm do s pais, outros fam iliares esto tam -bm referenciados, sobretudo figuras masculinas (tios, av, primos, cunhados),existindo um a especial incidncia p ara o pad rasto nos casos das rap arigas. Deigual mod o existe um n mero d e referncias a indivdu os ligados ocasionalmen teao pai ou m e, a maior parte associados p rostituio.

    Nu ma mesma linha, realce para os 3,8% de jovens que p assaram cond iode agressores no quad ro familiar. Uma p articularidade em erge: em tod os os gru-pos dom sticos de origem esto assinalados, ao mesmo temp o, outros agressores eoutra s vtimas. A violncia exercida p elos mais novos, e em qu e a m e pr incipalalvo, no man ifestada de forma isolada ou meram ente pontua l, surgind o como aface m ais visvel de um a com plexa teia de relaes, na qu al dificilmen te se per cep-cionam os pap is desempenhados por cada u m.

    Por gn ero, as rapar igas (58,3%) esto mais rep resentadas como vtimas d oque os rapazes (38,3%), evidenciando-se esta orientao no campo dos abusos

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    Natureza da relao pai-filho me-filho

    Positiva 15,0 27,3Conflituosa 11,1 21,1De rejeio 11,8 11,7De indiferena 7,0 9,9Sem contacto 55,1 30,0

    Razes para ausncia de contacto falecimento 13,5 5,5

    ausncia 31,7 20,9

    deteno do adulto 7,6 3,6

    sem registo de paternidade 2,3 -

    Total 100,0 100,0

    Fonte: Inqurito ao desvio e delinquncia na populao dos colgios do IRS (Carvalho, 2003).

    Quadro 4 Natureza da relao entre pais e filhos (em percentagem)

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    numa situao de maior vulnerabilidade perante as influncias desviantes domeio. Potencialmente, a famlia ter m esmo d eixado de se assum ir como fonte demotivaes para este se conformar s normas e regras sociais (Ferreira, 1999).

    Destaca-se a associao d esta inter aco nega tiva a cond ies sociais d eficit-rias, que acentuam a necessidade d e um a interveno precoce centrad a em vriasreas de ap oio social, cuja capacidade d e resposta, perante os d ados d isponveis,parece no ter existido ou ter sido escassa,acabando por se reforar negativamenteo qu adro social ond e estes jovens se (des)integravam.

    Atendendo existncia de problemticas especficas no seio do grupo do-mstico iden tificadas oficialmente nos docum entos analisados, em p rimeiro lugar,realce p ara os 73,5% associados pobreza, seguind o-se elevadas percentagens d e

    casos de alcoolismo (71,2%) e de violncia dom stica (52,8%). N as restantes d istin-guem-se, em particular, dois grupos. Um primeiro envolve as designadas outrascondu tas desviantes sem p rtica de crime (mend icidad e e prostituio) e a toxico-dependncia, ambas atingido valores dignos de registo na ordem dos 47,2% e39,4%, respectivam ente. O segund o abrange p rticas criminais ou d elinqu entes re-censeada s no sistema pr isional por p arte de m embros do gru po d omstico, seja nopa ssad o (27,2%), seja d ata d a entr ad a em colgio d o jovem (18,6%). Nest e ltim odestacam-se, sobretud o, os pais e irm os detidos, a maioria associada ao trfico ouconsumo d e droga. Em algum as famlias detectou-se a presena de elementos d etrs geraes diferentes em deteno, numa significativa preponderncia demulheres.

    Apena s em 6,4% da p opu lao no se encontra assinalad a qualquer u ma d es-tas problemticas, havend o pelo menos a referncia a u ma n os restantes, em agre-gaes div ersas que apon tam p ara um lequ e d e factores de risco. Tal coloca os acto-res sociais, por eles mais d irectamen te atingidos, em situaes de gran de v ulnera-bilidad e e, at mesmo, marginalidad e, que tender a ser reforada na au sncia deum a interveno social que no tenha como ponto d e partida u ma viso integradae coerente do tod o.

    Percursos institucionais anteriores

    Por d iversas circun stncias, para gran de p arte desta p opu lao a existncia de al-ternativas famlia biolgica tornou-se um imp erativo. Para muitos, a entrada n ocolgio no foi a prim eira vivncia institu cional: 24,5% fora alvo de u m a colocao

    anterior d esta natu reza, quase exclusivamente em centros da Segurana Social, ecerca d e 9,5% destes integrara inicialmen te um a famlia de acolhimento ou adop -o. Todas estas situaes aconteceram em idad es mu ito novas p or iniciativa d eservios sociais e jud iciais.

    Para a esmagad ora maioria, este processo no se manteve inaltervel at en-trada em colgio: 89,3% passou, pelo menos, por um a mud ana.A interveno ofi-cial parece ter continuad o a reprod uzir o percurso vivido no quad ro familiar,n um agrand e mobilidade qu e revela sucessivas quebr as e perm anentes recomeos no es-tabelecimento de laos sociais. Porque estes nmeros constituem objecto de maior

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    interesse, por remeterem para casosd e maior vulnerabilidade sociale pessoal,p ro-curou -se saber qu al a sua evolu o. Do total ident ificado, o (re)ingresso na fam lia(63,6%) foi o mais representado. As mudanas de instituio (33,4%) assumemtambm um lugar d e relevo, assim como os casos em que a estas se acumu laram atentativas de (re)ingresso na famlia e os que ren em as d uas vertentes anterioresaps um a primeira integrao em famlia de acolhimento ou ama. Todas as pr imei-ras colocaes no institucionais deram lugar, nu m curto espao de tempo, a entra-das em instituio, restringind o-se o inverso a apenas u m caso.

    Relativamente aos motivos mais invocados para as mudanas, desta -cam-se, por o rdem decrescente do valor p ercentual m anifesto, as fugas d os jo-vens d esses locais (mu itas no espao de pou cas hora s ou dias ap s a chegad a), a

    iniciativa de familiares (s vezes com recurso fora ou amea a junt o da equip atcnica) e o facto de se ter atingid o um certo limite etrio. Dispersos por vriasmod alidad es, em funo da natu reza dos actos e da sua associao com algum asda s trs situaes anter iormen te mencionad as, surge a prt ica de delitos no in-terior ou exterior do estabelecimen to que os acolhia, sobretud o sob a form a deam eaas ou coaco, pequen os furtos e agresses fsicas e verbais, mais contra co-legas do que adultos.

    Constata-se que para mu itos o trmino d a colocao institucional no d ecor-reu nu ma linha de continuidad e de um eventu al projecto de vida a curto e mdiopra zo, mas antes par tiu da ru ptu ra de laos sociais, fun dam entalmente, por acoda pr pria instituio. Os valores apresentados a cerca do (re)ingresso na famliano tero resultado, como seria desejvel, de um a meta a atingir naqu ele mom ento,vind o mais a decorrer da necessidad e de as instituies darem encam inham ento aum caso que se afiguraria m ais problemtico.

    A mu dan a de local ou d a natureza d a med ida aplicada apareceu como a so-luo mais frequente, ficando p or saber se teriam sido esgotadas ou tras possveisrespostas na comunidade, se que existiam. O dado mais relevante aponta paraque, m edida que estes jovens vieram a crescer, as instituies passaram a m ani-festar uma cada vez maior incapacidad e para com eles lidarem, rapidamente trans-pond o ou deixando cairpa ra o sistema de Just ia casos qu e, luz d a inform ao dis-ponvel, configuram comportamentos comuns ao escalo etrio em que seencontram.

    A idade primordial no desenrolar dos acontecimentos, transparecendomu itas dificuld ades em se dar seguimen to a projectos, prim eira vista bem sucedi-dos, pelo simp les porm enor de se ter atingid o um determ inado patam ar etrio (ge-

    ralmente os 12anos), em relao ao qualm uitas instituies deixaram d e ter capaci-dad e de resposta, ficando o caso pendurado sem o mais adequad o enquadram ento.Era ento qu e os colgios do IRS emer giam com o a n ica altern ativa p ossvel, d ifi-cilmente a mais adequada.

    A institucionalizao correspondeu a um modo de vida imposto para u malarga p ercentagem d o subu niverso, a maioria das vezes por longos perodos d eperm anncia (mais de d ois anos:49,7%). Como se v, tal manteve-se no temp o soboutra d ependncia.

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    Entre a escola e o desviar-se

    Para a maioria , a f requncia d os es tabelecimentos d e ensino no meio d eorigem p arece ter dad o continu idad e instabilidad e vivida na famlia. Reve-lam-se trajectrias escolares desfasadas p erante o g rup o etrio d e referncia:36,6% aband onaram precocemente o sistema d e ensino, 61,3% man tinham am atrcu la escolar ma s pou cos tinh am frequ ncia regular, e 1,8% nu nca estive-ram sequ er matr iculad o num a escola antes de entrar no colgio. Mais aind a,38,1% no tinham conclud o qua lquer gra u d e ensino, 51,3% apen as termina-ram o 1 ciclo do ensino bsico, e somente 10,2% o 2 ciclo, no havendo umn ico com o 3 ciclo com p leto.

    Trata-se, sobretudo, de experincias de escolaridade, anteriores institucio-nalizao, marcadamente negativas. Poucos participaram em actividadesextra-curriculares (15,2%) e residua l o n mero d aqueles qu e frequentaram (semconclurem) cursos tcnico-profissionais, ao contrrio dos qu e se viram integrad osem turmasdecurrculosalternativos.Anecessidadedeapoio educativo/ educaoespecial abrangeu cerca de 1/ 3.

    O insucesso escolar (69,9%), o elevado absen tismo e o aband ono p recoce sur-gem frequentemente associados s primeiras referncias oficiais a prticas des-viantes ou delinquentes,geralmente concretizadas em grupo(s)de pares.A transi-o do 1. par a o 2. ciclo parece ser um pon to-chave nesta evoluo, associada a ummaior nmero de casos em que indisciplina contra professores e funcionriosacumu lam a p rtica de delitos na escola.

    Os amigos, os colegas, os scios passaram a adquirir uma outra visibilidade, quese revela preponderante quando no lugar da famlia se encontra um enorme vazio (f-sico ou emocional). As vivncias na rua parecem suceder-se e o(s) grupos(s) consti-tui(em) o principal escape famlia, assumind o-se como u m ponto d e referncia e se-gurana para alm de possvel referente identitrio central (Ferreira, 1999; MachadoPais,1999).Simu ltaneamente, o afastamento a determinadas normas sociais vai sendoconstrudo, surgindo a escola como alvop referencial de diversos ilcitos.Esta situao,que se reflecte diferenciadamente em funo do gnero, aponta para a provvel exis-tncia d e um novo ciclo de ru ptu ras e de comp lexos relacionamentos p erante novasinstncias de socializao no reforo de um percurso que,progressivamente,se vem aestruturar distante d e u ma plena efectivao d e d ireitos bsicos.

    Na mesma linha de outros estudos (Matos e Carvalhosa, 2001), destaca-seum a associao positiva ent re o aband ono escolar precoce e a iniciao em consu-

    mos d e tabaco, drogas e lcool, estando 70%d este subu niverso referenciado a estesconsumos. No campo das drogas identificadas evidencia-se o haxixe (31%), fican-do as outr as restritas a um a pequ ena par te da p opu lao (7,4%).

    Relativamente a ou tras condu tas desviantes, entrad a em colgio cerca d e 44%havia sido detectado em prticas de mendicidad e e 25,1% nas de prostituio, com maisde metade das raparigas representadas em ambas. Apesar das diferenas entre estesdois tipos de actuao, provavelmente m ais aparentes do que reais, numas e nou tras apassagem ao acto parece ter decorrido, fundamentalmente,d e du as linhas: um a remetepar a o contacto com gru po(s) de pares j associados a estas pr ticas; a segund a tem

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    origem na iniciativa d e terceiros, inclusivamente familiares, at mesmo com recurso fora.Noapenasaprocurademaisumafontederendimentopor partedeoutrem,namaioria das vezesd a prpria famlia;pode estar-sena presena de situaes particularesem qu e o ind ivdu o a isso se tenha visto sujeito por estratgia d e sobrevivncia, quermantivesse aind a laos com o grupo domstico de origem, quer tenha p assado a vivn-cias aqui designadas por autnomas na ru a. Daqui se depreende, mais uma vez, comoesta pretensa autonom ia no passar de um a aparente capa de ind ividualidad e e inde-pendncia, escondendo formas de dependncia bem mais complexas.

    Deli nquncias: os actos e os seus autores

    A pr tica de ilcitos est sinalizada em 76% (499) do u niverso que constituiu o pon-to de partid a para a investigao, destacand o-se nos actos contra o patrimn io:390(78% do tot al) sinalizado s por furt os, 247 (50%) por d ano s e 201 (23%) por fu rto d eveculo. Muitos esto referenciados a p rticas diferenciadas, pod end o incluir-seem m ais do que um a categoria (figura1), como se ver mais frente. Por nos dossinem sem pre constar o nm ero de actos cometidos, no foi possvel aprofund ar aanlise em d iversos aspectos.

    A larga distncia surgem os ind ivduos associados aos actos contra as pes-soas: ameaas ou coaco (40%), as ofensas corporais (24%) e os ilcitos sexuais(6%), estes ltimos da autoria exclusiva de rapazes, ao contrrio dos primeiros,ond e se evidenciam as rap arigas. Mais a posse do qu e o uso d e arma, em especialbranca ou similar, est identificada em 24,4%. Os factos relacionados com drogasesto assinalad os em 25% d os qu ais 50% em consu mo , 40% em tr fico e 10% as-sociando as du as situaes.

    Perto de metade dos jovens situa-se exclusivamente num tipo de prticas:contra o patr imn io (29%), estup efacientes (7,8%) ou contra as pessoas (3,8%). No srestantes destacam-se os que actuaram contra as p essoas e patrim nio (19,4%) eum pequ eno gru po (9,8%) que acumu la actos contra as pessoas, patrim nio, vidaem sociedade e legislao avulsa.

    Em termos gerais, realce para u ma actuao em gru po(s) de pares e em espa-os p blicos, havend o diferenas de gnero acentua das em relao idad e, natu-reza dos actos praticados, constituio dos gru pos e formas d e actuao, bens fur-tados e consumo de d rogas.

    As raparigas retratadas neste estudo apresentam nveis de escolaridade su-

    periores, esto mais representadas nos ilcitos contra as p essoas,com u ma forte in-cidn cia pa ra as ocorrncias em espao escolar, tendo sid o sinalizad as em id adesmais avanadas do qu e os rap azes. Muitos dos seus comp ortam entos apresentamum a outra natu reza e um g rau d e violncia eventu almente superior aos manifesta-dos pelos indivdu os do sexo masculino, porqu e mais directamen te exercidos con-tra a integridade p essoal em d etrimento de bens patr imoniais.

    As suas principais vtimas foram adultos no familiares e outras menores,predominando uma actuao individual:poucas so as que surgem referenciadasa grup os e quand o tal acontece so, sobretud o, grupos m istos, onde a presena de

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    adu ltos (hom ens) tambm se faz mais sentir. Destacam-se ainda n os consum os dedr ogas du ras, assim como nas suas formas mais comp lexas.

    J os rap azes, geralmen te identificados em id ades m ais baixas, salientam -senos actos contra o patrim nio e no trfico de droga, desenvolvend o sobretudo um aactuao concretizada em pequ eno grup o, quase semp re jun to de pa res. Os vecu-los e as arm as de fogo so objecto da sua exclusiva aco. Da leitura d as par ticipa-es oficiais, os amigos parecem ter funcionado, na ma ioria das vezes, como poten-ciais catalizad ores das prticas, restring ind o-se as redes sociais a emer gent es qu a-se sempre invar iavelmente aos mesm os elementos. As suas p rincipais vtimas fo-ram outros m enores, seguind o-se adultos no familiares. As autoridad es policiaisforam alvo da aco de rap azes, mas m ais de raparigas.

    Fica no ar saber at que ponto estas diferenas reflectem exclusivamente pa-dr es de compor tamen to em fun o do gnero, ou se em sua funo que os meca-nismos de controlo forma l se posicionam e desenvolvem olhares diferenciados, in-tervind o mais precocemente junto d os rapazes. Nesta ordem d e ideias, as rapari-gas acabariam por ser alvo de interveno quando visibilidade dos seus actos es-tivesse associada u ma m aior gravidad e ou violncia.

    Os actos desviantes e delinquentes sinalizados sugerem a existncia d e mo-dos de vida marcadamente atravessados por necessidades de consumo de todo ognero, desde as mais bsicas e elementares, traduzidas nos elevados valores de

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    Conduo sem habilitao legal

    Trfico de droga

    Consumo de droga

    Resistncia e coaco sobre funcionrio

    Deteno e/ou uso de arma

    Uso de substncias explosivas ou anlogas

    Incndio em floresta/mata

    Incndio em edifcio/meio de transporte

    Contrafaco e passagem de moeda falsa

    Receptao

    Burla

    Danos simples e qualificados

    Furto de/e uso de veculo

    Furtos

    Violao de domiclio

    Injria

    Abuso sexual

    Violao

    Ameaas ou coaco

    Rapto, sequestro

    Maus tratos de menores

    Ofensas corporais

    Tentativa de homicdio

    Homicdio

    N de indivduos (n=499)

    Figura 1 Ilcitos sinalizados nos dossi tutelares: sua natureza luz da lei penal

    Fonte: Inqurito ao desvio e delinquncia na populao dos colgios do IRS (Carvalho, 2003).

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    furtos de prod utos alimenta res, a outras vu lgarmente no considerad as como fun -dam entais,m as cujos apeloscrescentesa estasfaixas etrias se fazem sentir,a todosos nveis e em todos os quad rantes da sociedad e portugu esa, como fun dam entaisem term os da construo de uma id entidad e social.Tais so os casos das rou pas d emar ca, dos ar tigos de d esporto e d os telemveis (figura 2).

    O maior n mero d e casos est identificado no furto de qu atro ou mais tiposde bens. Os referenciados a um a maior diversidad e de bens so os que, simultanea-mente, se dedicaram ao furto de automveis, seguindo-se os que furtaram armas.

    Daqui resulta um quadro de anlise que destaca a existncia de uma delin-quncia especialmente centrada em torno das designadas incivilidades (Roch,1998), nas pequ enas aces, nos repetidos furtos com vista p osse de d etermina-

    dos bens em d etrimento de outros,sempre perturbad ores da ordem social, pela fre-quente visibilidade de actos concretizados, quase sempre em espaos pblicos.No se revela muito expressiva, sob um ponto de vista meramente estatstico, aexistncia de casos que rem etam p ara um a maior d iversificao, em term os de for-mas d e actuao mais estrutu rad as e de natu reza mais comp lexa dos ilcitos presu-midam ente cometidos.

    Ap esar disso, no d eixa de ser significativo qu e se det ectem em algun s dest esjovens, evolues em termos de percurso delinquente, que tende a reflectir umamaior quebra e crescente afastamento d as normas, espelhada na passagem das

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    0 50 100 150 200 250

    Armas

    Materiais/equip. de construo

    Peas e outras mquinas

    Artigos de papelaria/escolares

    BrinquedosVelocpede/motorizada

    Bicicletas

    Artigos desporto (outros materiais)

    Telemveis

    Vesturio (excep. de desporto)

    Artigos desporto (vesturio e calado)

    Veculos (excep. de desporto)

    Relgios/fios/pulseiras,...

    Equipamentos elctricos/electrnicos

    Carteiras/malas/sacos

    Dinheiro

    Produtos alimentares

    N de indivduos referenciados (n=402)

    Figura 2 Bens furtados nos casos de furtos e furto de e uso de veculo

    Fonte: Inqurito ao desvio e delinquncia na populao dos colgios do IRS (Carvalho, 2003).

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    designadas incivilidades para ou tros patamares de actuao mais graves, num re-foro de u ma tr ajectria acentuad ament e desviante. Tambm p arece ser clara a es-pecializao d e ou tros no campo dos ilcitos sexuais.

    Concluso

    Da necessidad e de (re)pensar o d esvio e a delinqu ncia na sociedad e portu guesa,assinala-se que, no sendo estas cond utas u m fenm eno novo, aquilo que as dife-rencia de situaes anteriores prende-se, em muito, com os espaos e com as din-micas sociais onde se vm a desenrolar e a adquirir um a determ inada visibilidad e

    no seio de comu nidad es fragm entad as, ond e as instituies tradicionais de contro-lo social, designadamente a famlia e a escola, se encontram sujeitas a transforma-esqueasafastam demodelostradicionaisdefuncionamento,sendo tambm elasalvos preferenciais dessas mesmas cond utas.

    Recordan do qu e esta investigao se reporta a um a leitur a parcial do d esvio eda delinqu ncia juven il centrad a num sistema particular, o da justia tutelar de me-nores, e num temp o especfico, os ltimos qua tro meses de vigncia da OTM, daanlise efectuada em ergem trs linhas d e orientao.

    A prim eira traz sup erfcie as condicionantes do quad ro legalem vigor datado estud o (OTM), que se traduzem n a homogeneid ade em termos da origem d es-tes joven s, rep ortad a, quase exclu sivam ente, aos estratos sociais ma is desfavoreci-dos. A colocao em colgio era feita d e forma selectiva, sustentad a em critriosque privilegiavam as deficitrias condies socioeconmicas e familiares, em de-trimento d a eventua l prtica de ilcitos, nu nca alvo de prov a.

    A segun da d estaca um a interaco social acentua dam ente negativa, onde aqualidade dos laos familiares emerge como um dos aspectos centrais. Os espaosde socializao familiar destes jovens so fund amen talmente m arcados por rela-es de n atureza conflitual e p ela necessidad e d a sua adaptao perman ente aogrupo domstico, caracterizado pela privao afectiva e por sucessivas rupturasnos laos sociais. Emerge uma diversidade de factores adversos no seio do ncleofamiliar, que rp ida e frequentemen te se d esfaz m as d ificilmen te se (re)compe,nu ma m ultiplicidad e de formas, em qu e a instabilidad e, a violncia recorrente e aausncia de figuras permanentes de referncia constituem imagem de marca. luzdos dados recolhidos, afigura-se elevada a probabilidade de muitos se encontra-rem a reprod uzir situaes que os seus familiares tero vivenciado, num a linha de

    continuidad e peran te um a possvel trajectria d e vida m odal (Bourd ieu, 1979).Considerand o os contornos d as evolues iden tificadas, a terceira linha evi-

    den cia a abrangn cia do conceito de delinqun cia juv enil,ap ontan do-se antes par adelinquncias, pela existncia d e categorias diversas relativas prt ica d e ilcitos,assum indo a qu esto do gnero um esp ecial significado, que imp ortaria aprofun -dar em pesquisas futuras.

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    Maria Joo Leote d e Carvalho. Assistente d e investigao do SociNova: Gabinetede Investigao em Sociologia Ap licada d a Universidad e Nova de Lisboa. Docenteespecializada em edu cao especial. E-mail: [email protected]

    Resumo/ abstract/ rsum/ resumen

    Jovens, espaos, trajectrias e delinquncias

    Tend o como pano d e fundo a reforma d o sistema d e justia tutelar de men ores emPortugal, este artigo sintetiza as principais concluses de u m estud o que teve porprincipal objectivo traar u m retrato sociogrfico sobre o u niverso d e jovens ainternad os no final do ano d e 2000, antes da entra da em vigor da Lei Tutelar Edu cativa.No conhecimento sobre a natu reza e direco das suas trajectrias de vida em perodoanterior p rimeira colocao institucional, situaes de p obreza, marginalizao eexcluso social foram o p onto de p artida, mas foram tam bm o p onto de chegad a, emrelao s qu ais se associa u ma interaco familiar de contornos n egativos.

    Palavras-chave Desvio, delinqun cia, juven tud e, sistema de justia tutelar de menores.

    Youth, spaces, trajectories and delinquency

    The background to this article is the reform of the Portuguese legal system relating to minors

    in judicial custody. A synthesis is provided of the main conclusions of a study whoseprincipal aim w as to draw a sociographic portrait of the universe of the youn g people incustody at the end of the year 2000, before the new law on minors in judicial custody due tothe comm ission of offenses came into force (Lei Tutelar Educativa). In the findings on thenature and direction of their life-courses in the time before they were first placed in aninstitution, situations of poverty, marginalization and social exclusion, associated with anegative family interaction, were not on ly the point of d eparture bu t also the d estination.

    Key-word s Deviation, delinquen cy, youth, legal system for minors in jud icial custody.

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    Jeunes, espaces, trajectoires et dlinquances

    Avec pour toile de fond la rforme d u systm e jud iciaire de p rotection des m ineursdlinquan ts au Portu gal, cet article reprend les principales conclusions dune tud e dontle principal objectif tait de dresser u n p ortrait sociograph ique d e lun ivers des jeunesplacs lensemble des institutions du Secteur Justice la fin de lanne 2000, avantlentre en vigueu r de la loi rlative aux comp ortements d linqu ants des m ineurs(Lei Tutelar Educativa). En fonction de la natu re et du sens de leur s trajectoires de vie dan sun e phase antrieure au p lacement institutionnel, les situations de p auv ret, demarginalisation et dexclusion sociale ont t le point d e dp art, mais aussi le pointdarrive, auxqu elles est galement associe un e interaction familiale aux contou rs

    ngatifs.

    Mots-cls Comp ortements dviants, dlinqua nce, jeunesse, systme jud iciaire deprotection des mineurs dlinquants.

    Jvenes, espacios, trayectorias y delincuencias

    Teniendo como teln d e fondo la reforma del sistema d e justicia tutelar d e menores enPortugal, este artculo sintetiza las principales conclusiones d e un estud io que tuv o comoprincipal objetivo trazar un retrato sociogrfico sobre el u niverso d e jvenes ahincluidos a finales del ao 2000, antes de la entrad a en v igor de la Ley Tutelar Edu cativa.En el conocimiento sobre la natu raleza y direccin de su s trayectorias de v ida en p erodoanterior a la primera colocacin institucional, situaciones de p obreza, marginalizacin yexclusin social fueron el pu nto de p artida p ero fueron tam bin el pu nto de llegada, enrelacin a las qu e se asocia una interaccin familiar d e contornos negativos.

    Palabras-clave Desvo, delincuencia, juven tud , sistema de justicia tutelar de menores.

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