Judo Nas Aulas de Educacao Fisica Escolar
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO:
MESTRADO
AS APROPRIAES E OBJETIVAES DO CONTEDO JUDNAS AULAS DE EDUCAO FSICA ESCOLAR
MARCO ANTONIO LIMA RIZZO
MARING2011
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO: MESTRADO
REA DE CONCENTRAO: EDUCAO
AS APROPRIAES E OBJETIVAES DO CONTEDO JUD NAS AULASDE EDUCAO FSICA ESCOLAR
Dissertao apresentada por MARCO ANTONIOLIMA RIZZO, ao Programa de Ps-Graduaoem Educao da Universidade Estadual deMaring, como um dos requisitos para a obtenodo ttulo de Mestre em Educao.
Orientador:
Prof. Dr.: JOO LUIZ GASPARIN
MARING2011
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MARCO ANTONIO LIMA RIZZO
AS APROPRIAES E OBJETIVAES DO CONTEDO JUD NAS AULASDE EDUCAO FSICA ESCOLAR
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Joo Luiz Gasparin (Orientador)UEM
Prof. Dra. Nerli Nonato Ribeiro MoriUEM
Prof. Dra. Elza Margarida de Mendona PeixotoUEL
Abril/2011
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Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca Central - UEM, MaringPR., Brasil)
Rizzo, Marco Antonio LimaR627a As apropriaes e objetivaes do contedo Jud
nas aulas de Educao Fsica Escolar/ Marco AntonioLima Rizzo. -- Maring, 2011.
204 f
Orientadora: Prof. Dr. Joo Luiz Gasparin.
Dissertao (Mestrado em Educao - rea deconcentrao - Educao, Universidade Estadual de
Maring, Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes,Programa de Ps-Graduao em Educao, 2011.
1. Educao Fsica Escolar - Jud 2.Sistematizao do contedo Jud 3. Pedagogia doensino escolar de Jud 4. Cultura corporal - Jud I.Gasparin, Joo Luiz, orient. II. UniversidadeEstadual de Maring... III. Ttulo.
CDD. 21.ed.: 796.8152
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Dedico este trabalho aos meus avs: ClotildePereira (in memorian), Joo Lima (inmemorian), Angela Rossi Rizzo (inmemorian), Onofre Rizzo; aos meus pais:Antonio Constante Rizzo, Isete Marina LimaRizzo; aos meus irmos: Mrcia Regina Lima
Rizzo, Mario Antonio Lima Rizzo e MarcelAntonio Lima Rizzo.
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AGRADECIMENTOS
A Carlos Henrique Ferreira Magalhes, que muito contribuiu para meu ingresso no
Programa de Mestrado e debateu comigo algumas ideias, pensamentos e sentimentos no
decorrer desta obra;
Ao Colgio Municipal de Joinville, SC, Secretaria Municipal de Educao e ao
professor regente da turma, pelo espao cedido para a realizao desta pesquisa;
Aos alunos participantes da pesquisa e aos no-participantes, que no decorrer das aulas
estiveram sempre dispostos a participar, recebendo-me com muito carinho e ternura;
Ao Instituto Federal Catarinense, campus de Araquari, que possibilitou-me grande
experincia profissional e pessoal com o cargo a mim oferecido;
Aos alunos do Instituto Federal Catarinense, campus de Araquari, que mesmo com
desavenas e conflitos, respeitaram-me e confiaram em minhas decises;
Ao professor e msico Luis Gonzaga da Silva (vulgo Garga Groove), que trabalhou
comigo no ano em que morei em Joinville e sempre se mostrou uma pessoa de um
grande esprito e muito parceiro;
A Joo Luiz Gasparin e ao corpo docente e funcionrios do Programa de Mestrado, que
buscaram ministrar as aulas e realizar suas atividades da melhor forma possvel,
oferecendo subsdios tericos para esta reflexo;
As minhas cadelas: Mu, por toda a alegria, disposio, nimo e energia; a Pinty, pela
animao, falta de noo e trapalhadas; a Luvinha, pela delicadeza, carinho e sorrisos;
A famlia Gazarini, que acolheu-me e me recebeu-me em sua casa sempre de forma
muito atenciosa, cordial, carinhosa e acolhedora;
Aos meus amigos do escoteiro e aos que moram na minha rua, que me proporcionamsempre momentos de risadas e nostalgia;
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A Janaina Gazarini, que me inspirou em diversos momentos e reflexes deste trabalho,
sempre me motivando, fazendo-me pensar em diversas questes da humanidade,
apoiando-me quando estive em dvidas, conversando quando me senti solitrio,
brigando quando foi preciso e dedicando-me parte do seu tempo, sorridente e animada
sempre que possvel, sincera em suas opinies, companheira quando necessrio,
acolhedora em momentos de desespero, carinhosa quando encontrava-me ferido e
parceira nos momentos de diverses e festas.
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medida que se progride no estudo do
jud, o sentido de confiana em si mesmo,base do equilbrio mental, se desenvolve.
(Sensei Jigoro Kano)
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RIZZO, Marco Antonio Lima. As Apropriaes e Objetivaes do Contedo Judnas Aulas de Educao Fsica Escolar. 202 f. Dissertao (Mestrado em Educao)Universidade Estadual de Maring. Orientador: Joo Luiz Gasparin. Maring, 2011.
RESUMO
O Jud enquanto uma prtica corporal, por suas mltiplas relaes com a sociedade,deve estar inserido na escola, ainda que de forma precria e parcial. Esse contedo
permite que os alunos compreendam alguns dos motivos da criao das lutas que, emsua origem, tinham como objetivo matar outro ser social. O Jud, hoje, possibilitavislumbrar como o desenvolvimento tecnolgico fez com que as lutas ocupem outra
posio na sociedade. O Jud uma temtica clssica da Cultura Corporal. Entretanto,para incluir e legitimar esse contedo nas escolas brasileiras, a melhor forma adotaruma perspectiva que no priorize somente o saber fazer, mas sim uma pedagogia
lastreada na cincia histrica, na qual teoria e prtica so encaminhadas em harmonia.Tal pedagogia tem por funo compreender o desenvolvimento histrico da sociedade eapontar caminhos para a construo de um novo tipo de sociabilidade que no zele pela
produo de bens materiais e intelectuais, explorando homem pelo homem. Alegitimao desse contedo no mbito escolar importante devido ao fato de o Jud
possibilitar a leitura da realidade complexa da sociedade e um conhecimento quepermite uma formao mais humana dos alunos. Nesse sentido, para compreendermos oprocesso pedaggico de ensino vivenciado pelos alunos e pesquisador, o qual possuauma perspectiva de promover uma formao mais humana e permitir que os educandosentendessem a complexa realidade social em que vivem, buscamos analisar quais as
problemticas das apropriaes e objetivaes do contedo Jud nas aulas de Educao
Fsica Escolar. A pedagogia adotada nas aulas ministradas foi a Pedagogia Histrico-Crtica em Educao e a abordagem Crtico-Superadora em Educao Fsica, poisambas defendem uma proposta de ensino em que os alunos no se limitem apenas nosaber fazere zelam pela dimenso histrica dos conhecimentos humanos. Dessa forma,a viso de totalidade no fragmentada da realidade levada aos estudantes do modomais consistente possvel. Para isso, apresentamos aspectos fundamentais dessecontedo, entendendo que estes propiciam um passo importante para legitim-lo naescola. Para responder ao problema da pesquisa, discorremos no marco terico, acercade uma concepo de Jud e delineamos um norteamento de seus possveisfundamentos que legitimam essa temtica na prtica escolar. Na anlise de dados,evidenciamos o embate do conceito de luta no senso comum em contrapartida ao
conceito sistematizado de luta. Procuramos tambm realizar uma anlise dos jogosempregados para mostrar o desenvolvimento histrico dessa prtica corporal. Nasconsideraes finais, apresentamos, sucintamente, a interao da teoria com a prtica no
processo de ensino e aprendizagem do Jud. Ficou bastante evidente o crescimento doseducandos relativo sua prtica social inicial e final. Sugerimos, ainda, os elementosque o Jud deve desenvolver em sala de aula, para que o estudante compreenda asdiferenas essenciais entre as prticas corporais e como elas se legitimam na sociedadecapitalista.
Palavras-chave: Educao; Educao Fsica Escolar, Cultura Corporal, Sistematizao
de Contedo e Jud.
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RIZZO, Marco Antonio Lima. The Appropriation and Objectivations of Content Judo inLessons of Physical Education. 202 f. Dissertation (Master in Education) - StateUniversity of Maring. Supervisor: Joo Luiz Gasparin. Maring, 2011.
ABSTRACT
Judo as a corporal practice, due to its relationship with society, should be taught atschool, albeit it has to be adapted to the school infrastructure or be taught partially. Itscontent will allow students to understand the meaning behind the creation of the fightsas it originally intended to kill another person. Nowadays, Judo provides us with the
possibility to understand how the technological development made the fight be placed
differently in society. Judo is a classical theme in Corporal Culture however to be ableto legitimate its content (philosophy) in the brazilian schools we should adopt aperspective that prioritizes not only the know how, but one that is backed in historicalscience and in which theory and practice are taught in harmony. Therefore tocomprehend the pedagogical process experienced but the students and the researcherand aiming at a more human formation that allow the educator to the see the complexsocial reality we live in, we intend to analyse the problematic appropriation andobjections of the Judo as a discipline in a school classroom. It will be introduced somefundamental aspects about this content in order to facilitate the approval of its use in theclassroom. To answer the research problem we will present a concept and willdelimitate its principals in a practical school environment. Analysing the data, it can be
noticed that the fight concept in the common sense goes against the systematizedconcept. We are also analysing the games used to show the historical development ofthe corporal practice. Toward the end of the work, we briefly show the interaction
between theory and practice in the teaching process as well as in the learning processwhere it became clear the social growth among the students at the beginning and in theend of the study. Suggestions are given regarding how Judo should be developed in theclassroom so the students can understand the main difference among the corporal
practices as well as how it can be validated in society.
Keywords: Physical Education, Body Culture, Systematization of Content and Judo.
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SUMRIO
1. INTRODUO.........................................................................................................12
2. JUD COMO UM ELEMENTO PARAUMA EDUCAO TRANSFORMADORA.........................................................18
2.1. O JUD NA EDUCAO FSICA ESCOLAR: PRIMEIROS PASSOSPARA SUA LEGITIMAO ENQUANTO CONTEDO DE ENSINO.............18
2.2. POSSVEIS FUNDAMENTOS DE UMA PRTICAPEDAGGICA TRANSFORMADORA DO JUD NA ESCOLA.......................32
2.2.1. O Contexto da Prtica Pedaggica: algumasconsideraes sobre o homem, a educao e o professor...............................35
2.2.2. Fundamentos da Prtica Pedaggica naEscola: o Jud como tema a ser abordado......................................................50
2.2.3. O Jud Enquanto Legitimador da Cultura Corporal......................................53
2.2.4. Uma Proposta Sistematizada deEnsino de Jud para a Escola Brasileira.........................................................55
2.2.5. Jud: um possvel incio para umaprtica na perspectiva Crtico-Superadora.....................................................57
3. ANLISE DOS DADOS DA PESQUISA EMPRICA..........................................63
3.1. CONCEITO DE LUTA: CONFRONTANDO OSABER EMPRICO COM O SABER SISTEMATIZADO....................................73
3.2. COMPREENDENDO A APROPRIAODOS ASPECTOS HISTRICOS E FILOSFICOSDO JUD: O APRENDIZADO POR MEIO DO JOGO.........................................93
4. CONSIDERAES FINAIS..................................................................................1085. REFERNCIAS.......................................................................................................118
6. APNDICES: MODELOS DE PLANOS DE AULASAPLICADAS E TRANSCRIES DAS AULAS CITADASE REFERENCIADAS NO CORPO DO TEXTO................................................122
APNDICE AMODELO DE PLANO DE AULA TERICA.....................123
APNDICE BMODELO DE PLANO DE AULA TERICO-PRTICA...124
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APNDICE CTRANSCRIO DA AULA, DIA 16/03/2010.....................126
APNDICE DTRANSCRIO DA AULA, DIA 23/04/2010....................144
APNDICE ETRANSCRIO DA AULA, DIA 04/05/2010.....................164
APNDICE FTRANSCRIO DA AULA, DIA 18/06/2010.....................183
7. ANEXOS...................................................................................................................201
ANEXO ATERMO DE CONSENTIMENTO..............................................202
ANEXO BCARTA AO COMIT DE TICA..............................................204
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1. INTRODUO
Durante minha trajetria em Licenciatura Plena em Educao Fsica, concluda
na Universidade Estadual de Maring em 2006, identifiquei-me com os estudos
pertinentes s reas de Educao e rea pedaggica da Educao Fsica, buscando
sempre uma fundamentao rigorosa que justificasse minha prtica docente. No perodo
da graduao, participei do Projeto de Extenso Cultura do Movimento Corporal na
Promoo da Sade na modalidade esportiva Jud, prtica desportiva que pratico desde
a infncia, contribuindo assim para minha formao acadmica, profissional e humana
enquanto professor. Essa experincia possibilitou-me entrar em contato com a realidade
sob outro prisma, o de professor.
Como admirador da prtica corporal que praticava, optei por desenvolv-la
como tema central do trabalho de concluso de curso de Educaco Fsica. Entretanto,
tambm interessava-me a rea de Educao Fsica Escolar, julgando oportuno trabalhar
ambos os temas naquela monografia, considerando que as Diretrizes Curriculares do
Estado do Paran (2008) apontavam o Jud como um dos possveis contedos a serem
desenvolvidos nas aulas de Educao Fsica, e essa prtica pode ser muito benfica
formao dos estudantes. Assim, o tema escolhido para o trabalho de trmino de curso
foi A Participao do Jud nas Aulas de Educao Fsica Escolar. Naquela pesquisa,
contextualizamos a histria da Educao Fsica desde o seu surgimento como instituio
escolar at as atuais concepes e propostas da Educao Fsica.
Na monografia, assinalamos que a Educao Fsica surgiu juntamente com o
sistema de ensino burgus e que, naquele perodo, iniciou-se tambm um novo modo de
produo: o capitalismo, o que determinou a construo de um sujeito mais forte, gil eempreendedor. Esse sistema emergia contra o Feudalismo e a soberania da Igreja
Catlica. O novo sistema consiste basicamente na explorao do homem pelo homem,
isto , de uma classe burguesa dominante sobre outra classe trabalhadora, explorada. No
entanto, para que isso ocorresse com seguridade, a classe dominante necessitava zelar
pela situao, e um dos meios utilizados foi a colocao de obstculos para dificultar a
reflexo da classe trabalhadora. Esse fato, porm, no impediu que essa classe
formulasse uma conscincia de seus direitos e comeasse a reivindicar melhorias nascondies de trabalho, a lutar por condies mais dignas de vida, buscando outro modo
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de produo que no fosse regido pelo Estado, pelo capital e pelo trabalho alienado
(ANTUNES, 1999).
Nesse contexto, a Educao Fsica foi utilizada como um meio para alcanar tais
objetivos, capacitando o sujeito para um trabalho alienado/estranhado. Portanto,segundo Soares (1994), a Educao Fsica se ocupou de um corpo a-histrico e
indeterminado, estudado apenas sob a tica da anatomia e da fisiologia, salientando que
essa disciplina deve ser meticulosamente estudada e cientificamente explicada.
Dessa forma, a Educao Fsica tinha um carter conservador e acrtico, no
devendo questionar as leis do capital tampouco a cincia pautada no positivismo, a qual
tinha como meta privilegiar a nova configurao dessa sociedade. As bases dessa
cincia eram dadas pela observao, experimentao e comparao, fazendo com que o
homem fosse definido apenas nos limites biolgicos. Assim, as diferenas ocorridas
entre os homens eram explicadas pelo processo de seleo natural, pregado e difundido
por Charles Darwin, e as desigualdades sociais eram explicadas em nome do progresso
e da hierarquizao (SOARES et al., 1992 e SOARES, 1994).
Na continuidade daquela monografia, tratamos das influncias sofridas pela
Educao Fsica no decorrer do tempo, passando, em sua histria, por uma crise de
identidade. Essa crise nada mais era do que fruto da ausncia de um objeto cientfico de
estudo especfico, criando obstculos para essa rea de conhecimento se firmar como
prtica pedaggica. Bracht (2003) afirma que a Educao Fsica no uma cincia,
porm dela necessita para fundamentar sua prtica. Ele a classifica como uma prtica
pedaggica que deve se utilizar de diversos conhecimentos cientficos para sua
fundamentao.
A impossibilidade da Educao Fsica em ser cincia em nada muda a suaimportncia para sociedade, at porque ela emergiu no incio do sistema econmico
moderno fundamentando-se em disciplinas cientficas, predominantemente a Fisiologia
e a Anatomia. Em sua obra, Bracht (2003) aponta alguns autores que consideram a
Educao Fsica como uma cincia, a cincia do movimento humano. So eles: Edilson
Manoel, Jorge Go Tani, Eduardo Kokubun e Jos Proena. Todavia, o que faz com que
a Educao Fsica no seja uma cincia o fato de no ter um objeto especfico de
estudo e um mtodo cientfico prprio de investigao (BRACHT, 2003). Mesmoconsiderando o movimento humano como objeto de estudo, ora pode ser fundamentado
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sob a tica da Psicologia, ora pela tica da Biologia. Desta forma, a Educao Fsica
no poderia ser enquadrada enquanto cincia humana, biolgica ou at mesmo exata.
A Educao Fsica, por no se configurar como cincia, mas como um
conhecimento produzido pelo homem, parte da cultura humana, e na escola deve serencarada como prtica pedaggica, a qual deve se fundamentar no apenas nas
cincias, mas nos conhecimentos artsticos e filosficos, para que a interveno do
professor seja a mais coerente e consistente possvel no que diz respeito ao carter
poltico e ideolgico, levando o estudante a uma compreenso mais concreta e/ou
objetiva da realidade e das suas mltiplas relaes.
A partir dessa crise de identidade, surgem novas propostas de abordagens na
Educao Fsica; uma delas a Crtico-Superadora, que tem suas razes pautadas na
Pedagogia Histrico-Crtica (SOARES et al., 1992). Em uma das principais obras que
representa essa vertente poltico-ideolgica, intitulada Metodologia do Ensino de
Educao Fsica, dos autores Carmen Lcia Soares, Celi Neuza Zlke Taffarel,
Elisabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht,
notamos, por diversas vezes, autores que defendem essa mesma vertente na Psicologia,
que seria a Teoria Histrico-Cultural, usando o pensamento de autores como Alexei
Leontiev, Aleksander Luria e Lev Vigotski. A escolha dessa abordagem para esta
dissertao se deu em virtude da compreenso histrico-social das atividades e
conhecimento humanos e, no caso da Educao Fsica, a Cultura Corporal, no
somente pela compreenso histrica das prticas corporais dos homens, mas tambm
pelo vis poltico-ideolgico, que busca uma superao dos modos de produo e outro
tipo de sociabilidade.
Na monografia, observamos tambm que a Educao Fsica, que tem por
caractersticas ensinar as habilidades tcnicas das modalidades desportivas, restringiria a
aula para o desenvolvimento da aptido fsica. Por conseguinte, a insero do Jud,
conforme essa concepo de Educao Fsica, ficaria limitada ao argumento de que a
ausncia de materiais especficos e um espao fsico prprio impossibilitaria a aplicao
de alguns contedos dessa modalidade na Educao Fsica Escolar. Em outras palavras,
o Jud s poderia ser inserido na escola quando as condies materiais e fsicas
existissem. Todavia, na concepo Crtico-Superadora em Educao Fsica, essa
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temtica possui condies de ser lecionada e os seus conhecimento histricos
transmitidos aos alunos mesmo que de forma precria (RIZZO, 2006).
Esse fato foi evidenciado na monografia, pois embora essa prtica seja parcial, a
apropriao do conhecimento pelos alunos permitiu-lhes vivenciarem alguns conflitos equestionarem a sua realidade. O processo de ensino-aprendizagem vivido pelos alunos
possibilitou subsdios na construo de sua identidade, indicando que o currculo
escolar deve contemplar tais princpios. O currculo tambm deve permitir a abordagem
de tal temtica e condies para promover a conscincia de classe do aluno. O
desenvolvimento dessa prtica deve ser algo prazeroso para os alunos, em que os
indivduos devem respeitar-se mutuamente para que no haja contradies entre os
princpios histrico-filosficos do Jud e a prtica escolar (RIZZO, 2006).
A sistematizao de um contedo de ensino um passo importante para que este
adquira perspectivas significativas de ser trabalhado nas escolas. Pelo fato de o Jud ser
um elemento da Cultura Corporal, e esta ltima possuir grandes dificuldades de ser
implementada na maioria das escolas brasileiras, isto tem obstrudo, por diversas vezes,
o seu ensino. Os motivos so diversos, desde um ensino inadequado ministrado aos
futuros professores no perodo em que cursaram o nvel superior at a precariedade da
realidade dos ensinos Fundamental e Mdio com pouca estrutura fsica e material,
inibindo a vontade de enfrentar os obstculos. A escolha de uma perspectiva crtica e de
uma pedagogia dialtica possibilita-nos um desenvolvimento dessa temtica, mesmo de
forma precria, tendo em vista que o mais importante do contedo no apenas o saber
fazer.
O contedo Lutas, assim como os demais da Cultura Corporal, permite abordar
os problemas enfrentados na sociedade sem que tenhamos que sacrificar a prtica
corporal encontrada em diversas modalidades de lutas, de dana, de esportes, entre
outras, em que cada uma possui o seu desenvolvimento histrico e a evoluo do seu
significado/sentido entre os homens. Na obra de Soares et al. (1992), os autores
elucidam o trato pedaggico de algumas temticas da Cultura Corporal, tais como o
Jogo, o Esporte, a Capoeira, a Ginstica e a Dana. No caso do Jogo, da Dana e da
Ginstica, em cada uma dessas temticas so apontados alguns critrios que devem ser
levados em conta ao aplicar o contedo. Esses critrios so inseridos conforme o ciclo
de escolarizao em que o aluno se encontra, antecedidos de um esclarecimento do que
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o assunto em questo. Aps a exposio dos critrios, explicitado, de forma sucinta,
como abordar o contedo.
Na temtica Esporte, inicialmente os autores fazem uma breve reflexo acerca
dessa prtica social e, posteriormente, apresentam formas de como abordar algumas das
modalidades esportivas. No entanto, quando abordam o contedo Lutas, esses autores
no expem de forma satisfatria o trato desse conhecimento; apenas apresentam um
brevssimo resumo da Capoeira, anunciando que se deve resgatar essa luta enquanto
uma manifestao histrica-cultural vinculada ao movimento poltico que a gerou. No
que se refere ao Jud, so dedicadas apenas 3 (trs) linhas que alertam sobre um
despojamento dos significados culturais dessa prtica e a realizao de forma
exclusivamente tcnica. Sendo assim, esses autores no apresentaram uma exposiomais detida do conjunto de saberes que a humanidade vem acumulando nesse mbito,
no caso o contedo Lutas, e nem nos fornecem subsdios suficientes para trabalhar com
essa temtica na escola na especificidade que essa prtica possui.
As reflexes contidas nesta dissertao procuram aproximar o leitor das
objetivaes e apropriaes do contedo Jud, no contexto escolar, objetivando uma
compreenso das objetivaes e apropriaes do contedo Jud e propor uma
sistematizao inicial. Ou seja, a sistematizao, exposta no final desta pesquisa,
representa uma proposta de ensino para crianas de 1a a 3a sries do Ensino
Fundamental.
O problema que norteou esta pesquisa foi assim formulado: quais as
apropriaes, por parte dos alunos, e objetivaes do contedo Jud contribuem, por
meio do mtodo dialtico da Pedagogia Histrico-Crtica, na fundamentao de uma
proposta pedaggica sistematizada do contedo Jud que pertence temtica Lutas na
Educao Fsica Escolar, com vistas a formar um ser social mais humano e com
capacidade de ler a realidade complexa dentro das limitaes da escola brasileira?
Para responder a essa indagao, apresentamos, na primeira seo, o marco
terico, no qual delimitamos uma concepo de contedo Jud e delineamos um
norteamento dos seus possveis fundamentos que legitimam essa temtica na prtica
escolar. Buscamos, tambm, relacionar o Jud com uma Educao Fsica e uma
Educao que possuam uma concepo e fundamentao pautadas no materialismohistrico-dialtico.
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No segundo captulo, na anlise de dados da pesquisa emprica, debatemos o
conceito de luta em oposio ao conceito sistematizado de luta. Procuramos,
igualmente, realizar uma anlise dos jogos empregados no momento de ensinar a
histria dessa prtica corporal e a sua evoluo at os tempos modernos. Essas anlises
possibilitaram verificar o que os alunos interiorizaram do contedo e o que ainda
precisa ser refletido e aprimorado em futuras sistematizaes e aplicaes dessa
temtica ou at mesmo o que necessita ser pesquisado do contedo lutas, tanto na
sociedade contempornea como na histria da humanidade, evidenciando os seus nexos
estreitos com a produo da existncia dos homens ao longo do desenvolvimento
histrico da sociedade.
Nas consideraes finais, pontuamos que possvel o ensino atual do Jud e oseu desenvolvimento histrico mediante atividades e jogos ldicos, porque por meio
destes que o estudante visualiza as condies de existncia e algumas relaes da luta
com a sociedade. medida que o aluno compreende as diferenas essenciais entre as
prticas corporais e o motivo de sua origem at a legitimao na sociedade moderna, o
processo deve permitir que ele entenda como a sociedade contempornea condiciona
tais prticas e as usa para a legitimao da sociedade burguesa.
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2. JUD COMO UM ELEMENTO PARA UMA EDUCAOTRANSFORMADORA
Neste captulo, objetivamos apresentar alguns fundamentos que nortearam a
preparao das aulas que ministramos na escola em que realizamos a pesquisa.
Mostramos tambm a sntese de algumas pesquisas sobre a temtica Jud vinculadas
escola e ao Jud propriamente dito. Buscamos, ainda, formular um conceito sobre a
Luta em questo e os fundamentos bsicos que legitimam o Jud como um contedo
escolar.
O embasamento terico no qual acreditamos, e que constitui a possibilidade e aimportncia do ensino dessa modalidade na Educao Fsica Escolar, diferente das
finalidades e intencionalidades do Jud enquanto uma prtica corporal fora da escola.
Portanto, entendemos que a prtica desportiva na escola no tem a mesma funo social
que a atividade corporal praticada fora dela.
2.1. O JUD NA EDUCAO FSICA ESCOLAR: PRIMEIROS PASSOSPARA SUA LEGITIMAO ENQUANTO CONTEDO DE ENSINO
O Jud, enquanto prtica corporal, tambm pode ser trabalhado como um
contedo da Educao Fsica Escolar, contribuindo, no caso do Brasil, para as
definies epistemolgicas da Educao Fsica Escolar. O Jud, como um dos
contedos da Educao Fsica, pode ser considerado como um clssico da Cultura
Corporal, que contribui significativamente na formao humana de crianas,
adolescentes e adultos na escola. A temtica Lutas1 um contedo que, muitas vezes,
no lecionado nas aulas de Educao Fsica Escolar. No caso do Jud e outras Artes
Marciais, essa temtica ainda mais crtica, pois h pouca discusso em eventos e
publicaes cientficas, como revistas e peridicos, sobre a sua incluso na escola. No
1 No decorrer da pesquisa, utilizaremos as palavras Luta(s) e luta(s). No primeiro caso,
estamos nos referindo ao contedo escolar, e no segundo, referimo-nos ao combate em si ou naprtica corporal fora escola.
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entanto, atualmente o Jud vem sendo considerado por muitos pais, mdicos e
educadores como um meio eficaz de educar e ensinar valores morais aos jovens, para
que estes possam ter uma vida bem sucedida2. As lutas, no decorrer dos ltimos anos,
como podemos observar no cotidiano, ganharam certo espao na mdia, seja por
transmisses televisivas de campeonatos, seja por jogos de simulao no computador.
No mbito educacional ou de lazer, as lutas j constituem, de forma significativa, parte
da cultura humana e atividade formadora de homens, acessvel a diversas pessoas no
Brasil. Essa cultura, porm, no surgiu de forma casual entre os homens, sendo fruto da
necessidade dos homens de se defenderem em um combate corporal entre si.
O contedo/conhecimento tratado pela Educao Fsica, de forma pedaggica na
escola, denominado Cultura Corporal, configurado em temas como Jogo, Luta,Dana, Esporte, Ginstica, Mmica, entre outros. A Cultura Corporal uma construo
histrico-social do ser humano, que dispe de uma intencionalidade para o ldico, o
artstico, o agonstico, o esttico, entre outros, sendo representaes, ideias e conceitos
produzidos pela conscincia social que podem ser chamados de significaes objetivas.
A Cultura Corporal pode ser considerada como existente na realidade contempornea do
homem; todavia o homem no nasce correndo, saltando, jogando ou arremessando;
essas atividades vo sendo aprendidas por ele, sendo construdas em um determinadoperodo histrico para suprir uma necessidade do homem em seu tempo, portanto,
formam uma materialidade corprea que pode ser modificada e transformada
gradativamente para atender as suas novas necessidades (SOARES et al., 1992).
O Jud e as demais Lutas, nesse sentido, no diferem das outras prticas
corporais que vm se modificando gradativamente para atender s novas necessidades
do mundo em que o ser social est inserido. Um fato simples que nos mostra essa
modificao no Jud a incluso do Jud-Gi (vestimenta para luta) na cor azul, para
fins televisivos e para contribuir/facilitar na arbitragem da Luta. Surgiu tambm a
necessidade de estabelecer regras sobre as medidas da vestimenta de luta (Jud-Gi) em
virtude do abuso de atletas comJud-Gi de tamanhos pequenos para ter vantagem sobre
2 As Lutas na Educao Fsica so um contedo j apontado desde 1937 por Fernando deAzevedo (1960) como uma prtica corporal importante na formao educacional de jovensescolares. Em sua obra, o autor faz uma aluso ao mtodo de Educao Fsica japons, que seutilizava do Jiu-Jitsu como meio de formao de escolares, comparando a importncia dessa
luta na escola com o mtodo de Educao Fsica sueco, que se utilizava da Ginstica como meiode formao de escolares.
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o oponente durante o combate. Essas mudanas e necessidades, que so passveis de
serem analisadas e compreendidas, passaram a existir por conta dos conflitos entre os
valores da sociedade e a filosofia empregada nessa Luta, no caso, vencer a qualquer
custo utilizando de subterfgios vantajosos que fogem dos princpios do Jud.
Independentemente do que ocorre nessa ou em outras prticas, a necessidade que
legitima as lutas no interior da nossa sociedade, geralmente, no muito clara aos
praticantes e espectadores desse fenmeno corporal. No raramente, nem consciente
para quem ministra ou promove o desenvolvimento dessas prticas corporais; ainda,
muitas vezes, encontram-se dificuldades em articular as necessidades histricas das
lutas na sociedade com a necessidade da luta na contemporaneidade.
O Jud, em um sentido mais restrito, faz parte dos contedos tratados naEducao Fsica Escolar, e assim como os outros temas, possui suas especificidades. O
que caracteriza essa modalidade desportiva como luta seu objetivo em dominar o
adversrio por meio de quedas (Nague-Waza), imobilizaes (Ossae-Komi),
estrangulamentos (Shime-Waza) e chave-de-brao (Kansetsu-Waza), zelando pela
integridade fsica de seu oponente. O Jud uma luta cercada de princpios filosficos e
tcnicos condicionados por fatores histricos do antigo Japo, tendo como fundador o
Sensei Jigoro Kano, que visava ao desenvolvimento integral do ser humano. Nestemomento da dissertao, atribumos-lhe uma caracterizao da luta, considerando luta
como prtica corporal. Mais adiante, trabalharemos o conceito de Jud com um sentido
mais amplo, esclarecendo alguns princpios de forma historicizada para que o leitor
possa ter uma viso melhor dessa modalidade.
Deliberador (1996, p. 55) afirma que:
Depois de solidificar a prtica do Jud, o passo seguinte de JigoroKano foi introduzi-lo como prtica educativa em todos os graus daescolaridade japonesa. [...] Sua vivncia caracterizada pelodesenvolvimento de valores como a participao, a liberdade, ocompromisso, a solidariedade, o respeito mtuo, enfim, pelo contnuoensinar e aprender de forma prazerosa. Pelos valores desenvolvidostorna-se necessrio fazer parte do currculo escolar.
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No apenas pelo fato de se inserir o Jud na escola que se garante o
desenvolvimento de tais princpios e se promove a liberdade e a solidariedade dos
indivduos, nem se constitui por si s em um espao para a emancipao da sociedade,
at porque, como propala Carvalho (2007, p. 152): O jud no pode suprir aquilo que
negado s crianas pela famlia, pela escola, pela sociedade. O Jud deve ser ensinado
aos estudantes a partir das relaes pedaggicas e sociais, devendo ser ensinado para
que estes enfrentem os mais diferentes adversrios e circunstncias que impedem a
construo de sua liberdade. Tal caminho e ensinamentos devem ser mediados e
lecionados pelo professor (Sensei), que tem seu aluno (Kohai) como um fim e no como
um meio para adquirir algo em benefcio prprio, visando a formar um ser social que
no tenha como lgica de produo/reproduo a explorao do homem pelo homem,
pois somente assim ser possvel romper com a tica do individualismo e passar para a
tica coletivista (CARVALHO, 2007). Na escola, tanto seu currculo quanto o trato dos
contedos da Educao Fsica devem ser capazes de [...] dar conta de uma reflexo
pedaggica ampliada e comprometida com os interesses das camadas populares [...]
tendo como eixo:
[...] a constatao, a interpretao, a compreenso e a explicao darealidade social complexa e contraditria. Isso vai exigir umaorganizao curricular em outros moldes, de forma a desenvolver umaoutra lgica sobre a realidade, a lgica dialtica, com a qual o alunoseja capaz de fazer uma outra leitura (SOARES et al. 1992, p. 28).
importante que o professor compreenda os conhecimentos transmitidos nas
diversas prticas corporais e como estes permeiam nossas vidas, como contribuem para
a legitimao ou superao da sociedade atual e como atuam na formao humana
consciente ou alienada dos indivduos. Dentro do contedo Lutas, devemos possibilitar
aos alunos compreenderem por que j existiram e ainda existem tais prticas na
sociedade, e por que hoje esto presentes com finalidades e de formas distintas das
outrora praticadas. Ao sistematizaros contedos da Educao Fsica, [...] se aponta o
conhecimento e os mtodos para sua assimilao, se evidencia a natureza do
pensamento terico que se pretende desenvolver nos alunos (SOARES et al., 1992, p.
61). Estes mesmos autores continuam assinalando que:
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o tratamento articulado do conhecimento sistematizado nasdiferentes reas que permite ao aluno constatar, interpretar,compreender e explicar a realidade social complexa, formulando uma
sntese no seu pensamento medida que vai se apropriando doconhecimento cientfico universal sistematizado pelas diferentescincias ou reas do conhecimento (p. 28-29).
No basta apenas apontar o que, como, porqu e o para que o aluno deve saber3
um determinado contedo. importante ensinar ao educando a utilizar o conhecimento
apreendido em aula para alm dos muros escolares. A partir das prticas e reflexes
vivenciadas em aula, ao estudante deve ser oportunizado realizar uma nova leitura darealidade. Ao tomar conhecimento dos dados empricos que o aluno apresentou, o
professor estabelece a mediao com o cientfico e sistematizado a fim de que o
educando leia a realidade, estabelecendo uma sntese entre o emprico e o cientfico. O
posicionamento poltico do professor, diante dos fatos e apresentados pelos alunos e
comparados com sua perspectiva de mundo, deve possibilitar uma anlise crtica, a
partir de uma tica que representa os interesses de sociais emitindo um juzo de valor
sobre os fatos.
Soares et al. (1992, p. 25) enunciam que essa emisso de juzo de valor: [...]
depende da perspectiva de classe de quem julga, porque os valores, nos contornos de
uma sociedade capitalista, so de classe. Essa reflexo tem uma determinada
finalidade: pode manter as condies de mera reproduo e apropriao do
conhecimento e da riqueza da sociedade atual, ou ter em vista a transformao dessas
condies em outras, que encaminham para uma sociedade mais humana. Isto
depender da perspectiva de classe adotada e a direo que pretende seguir. Em outraspalavras, preciso que aluno compreenda, por meio da reflexo pedaggica, a essncia
do surgimento do contedo entre os homens e a lgica de sua legitimao na
contemporaneidade, para que este conhecimento tenha um significado em sua vida.
3 Para Saviani (2005), saber ou saberes tratam daquilo que a humanidade j produziu e quepossui um reconhecimento das propriedades do mundo real, de valorizao e de simbolizao.
Tais produtos podem ser enquadrados enquanto ideias, conceitos, valores, smbolos, hbitos,atitudes e habilidades.
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A sistematizao de um conhecimento constitui um passo importante para
legitimar o contedo na escola, desde que essa organizao atenda s necessidades
curriculares propostas nessa vertente de ensino e seja pertinente a uma disciplina
escolar. O professor, ciente dos mtodos necessrios para lecionar o contedo, teria um
ponto de partida previamente estruturado, permitindo-lhe avaliar o que e como ele
capaz de transmitir e aplicar o contedo dentro da realidade material e inteligvel dos
seus alunos, da sua escola e de si mesmo, alm de possibilitar ao professor de Educao
Fsica argumentos e fundamentos para insero e aquisio dos materiais necessrios
para uma prtica tida como adequada na escola, j que saberia o que falta para o ensino
no ser precrio e, assim, otimiz-la.
Essa perspectiva possvel, pois o professor estaria ciente da natureza terica doconhecimento selecionado, ou seja, saberia por que o contedo adquiriu legitimao na
sociedade contempornea partindo das suas razes histricas. A partir de sua gnese, o
professor interpretaria e adaptaria esse contedo para a sociedade moderna,
possibilitando ao aluno ter conscincia desse conhecimento em sua vida, isto , saber da
importncia e da necessidade de se apropriar de tal contedo para poder compreender a
realidade de forma mais total. Portanto, o professor teria condies de compreender
todo o processo pelo qual o aluno passaria para se apropriar do conhecimento, tendocincia do que possibilitaria a apropriao desses saberes, que poderiam promover a
formao humana do estudante e uma leitura mais apropriada da realidade.
Deliberador (1996) expe que Jigoro Kano, ao criar o Jud, tinha como um dos
interesses facilitar a passagem do ser humano pela vida, sempre com um melhor nvel
de qualidade, substituindo a agressividade pelo prazer. Tinha tambm a inteno de
facilitar a interao entre os povos. Entendemos que essa facilitao que o Jud deve
promover na vida do ser humano promover a compreenso do universo que o cerca eas necessidades que guiam e guiaram os homens, entendendo igualmente as relaes
que o mundo mantm com os sujeitos e dos indivduos com os indivduos,
compreendendo, assim, como o processo de desenvolvimento do ser humano ocorreu ao
longo do tempo e o motivo das necessidades atuais da sociedade serem o que so. Nesse
mbito, o Jud e as Lutas, em um sentido mais amplo, devem ser compreendidos como
um instrumento de apreenso de parte da sociedade/realidade, na qual deve-se procurar
entender o porqu do seu despojamento cultural e valorativo na sociedadecontempornea para adaptar essas lutas aos interesses da sociedade moderna. A partir da
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compreenso histrico-dialtica dos fatos, o ser social tomaria suas decises e poderia
agir de acordo e coerentemente com os interesses de sua classe, possibilitando um
fazer/agir que transforme o mundo em que vive, no limitando as suas atitudes em um
fazer puramente mecnico, mas sim consciente do que ele produz/reproduz.
A substituio da agressividade pelo prazer se daria proporo que o sujeito
compreendesse o motivo e a condio concreta que o levou a ter tal mpeto, no caso, o
agressivo. Esse processo permitiria formar um homem mais social, mais humano, pois
medida que abandonasse os seus mpetos animalescos por outros mais civilizados, ele
estaria se apropriando das objetivaes humanas que, de acordo com Markus (1974),
ocorrem tanto no mbito material quanto no espiritual, e que, por sua vez, modificam a
sensibilidade humana, lapidando, aperfeioando e humanizando os sentidos dessehomem, que tido como um ser social e histrico. Quando o homem entra em conflito
com um ser semelhante, ele pode mudar a sua ao antes que a execute, de forma que o
objetivo atenda finalidade da sua necessidade inicial em agir, que seria resolver o
conflito. O produto deve ser um agir consciente da posio do outro, coerente com a
finalidade, e satisfatrio a ambos os homens na relao que estabelecem entre si.
Substituiria, ento, a agressividade pelo prazer de tomar decises por uma causa digna a
todos os seres humanos, com vistas a uma sociedade na qual o homem no explore oprprio homem. Assim, a interao entre os povos poderia ocorrer de modo mais
harmnico e igualitrio.
Deliberador (1996) pe ainda um desafio a ser superado: introduzir o Jud na
escola. Cientes da importncia do Jud como um contedo escolar, para que este tivesse
maiores possibilidades e praticidade ao ser lecionado na Educao Fsica Escolar
aceitamos enfrentar esse desafio, mesmo diante das condies materiais precrias que
muitas escolas pblicas oferecem. Como tentativa para a superao dessa barreira,
realizamos esta investigao. A resposta ao problema da pesquisa evidenciou algumas
contribuies do Jud para as objetivaes e apropriaes dessa modalidade de Luta
como um contedo curricular pertinente na formao humana dos estudantes. Assim
como qualquer outro conhecimento produzido pelo homem, as lutas, no caso especfico
desta pesquisa, o Jud, constituem-se em um meio criado pelos homens para contribuir
a sua subsistncia. Esses conhecimentos nos tornam mais humanos, pois nos
apropriamos de algo j produzido pelos nossos antepassados, fruto de uma necessidade
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vivida por eles. O suprimento dessa necessidade4 leva-nos a uma nova necessidade,
fazendo-nos adaptar aos antigos meios para a satisfao dessa nova necessidade. Essa
nova necessidade situa-se no domnio individual e/ou coletivo, pois ao suprimir a
necessidade antiga, o homem depara-se com condies concretas novas, nas quais,
dentro do mbito humano, quem as cria o conjunto de todos os homens, portanto,
constituem-se um produto scio-histrico.
A partir de reflexes de autores como Marx (2006), Markus (1974), Duarte
(1993) e Trivios (1987), entendemos que o ser humano um ser essencialmente
coletivo por uma necessidade biolgico-natural dos nossos antepassados, que era agir
em bandos. A superao dessa dependncia, do agir em bando para um ser que vive em
uma sociedade de forma mais civilizada e mais autnoma, ocorreu aps a apropriaodos conhecimentos mais rudimentares produzidos e socializados entre todos os homens
e, qui, relacionados mais diretamente com o seu gesto instintivo. Tais gestos, ao
serem objetivados por meio da sua interveno na natureza, foram passveis de serem
apropriados pelo conjunto de homens e transmitindos aos demais. As necessidades,
agora no apenas biolgicas, mas tambm culturais e sociais, passaram a constituir o
homem enquanto um ser social e histrico.
Aps a criao desses outros fatores, para garantir a sua subexistncia nomundo, o homem deu um salto qualitativo em seu desenvolvimento, passando a ter um
desenvolvimento scio-histrico, ou seja, revolucionou a sua essncia, interrompendo o
processo gradual e natural de desenvolvimento, rompendo com os limites biolgicos e
relacionado-os com os sociais, culturais e histricos agora existentes. Ao promover esse
salto qualitativo, no significa que alterou o cdigo gentico da espcie humana, porque
os homens, ao nascerem, devem apropriar-se dos conhecimentos humanos para
tornarem-se seres humanos, isto , interiorizar a essncia do conhecimento j produzidoe agir empregando-o nas novas necessidades.
A produo do conhecimento humano a negao das antigas condies
concretas existentes no homem e no meio em que ele vivia. Quando se nega o antigo na
construo do novo, o novo conhecimento carrega consigo os aspectos positivos do
4 Entendemos que a finalidade de determinada necessidade pode ser a satisfao de umasituao, ou a criao de algum objeto/conhecimento, ou a saciao de alimentar-se/reproduzir-
se ou qualquer outro fim almejado, tido em sua mente de forma idealizada; ideias que sexistiram graas s apropriaes j existentes e objetivadas por todos os homens dos tempospassados.
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antigo, pois o novo no significa a negao total do antigo. Com as necessidades
humanas no diferente: uma necessidade negada para constituir uma nova e mais
satisfatria nas condies concretas atuais. Nesse processo, a primeira negao deve ser
o questionamento da realidade, de forma que a nova condio seja negada
posteriormente, podendo voltar a concordar com a antiga concepo. No entanto, seu
retorno ser em outro nvel e profundamente mais complexo, j que se apoia em outros
conhecimentos acumulados, que antes no existiam.
Quando o homem se apropria de novos conhecimentos, isto no implica
necessariamente em tornar-se um ser social tico, honrado, digno, sincero e corajoso.
Ele pode apropriar-se dos conhecimentos que o levam a ser um indivduo egosta,
desleal, hipcrita, falso e covarde. Ambos os conjuntos de valores e sentimentos foramproduzidos pelo homem em determinado perodo histrico para suprir uma necessidade
criada pelo prprio homem. O desenvolvimento dessa cultura no interior da relao
entre os homens gerou, com o passar do tempo, a formulao de um sistema econmico
que abrangeu esses valores negativos, sendo benfica a uma determinada classe social e
malfica a outra classe social. Por meio da cultura, esses valores so transmitidos de um
homem a outro e, ao longo das geraes, sofrem mutaes para se adaptarem s
necessidades desse mundo, que so condicionadas pelo trabalho e seu modo de
produo.
A sistematizao do contedo Jud, para a prtica escolar, contribuiu e continua
contribuindo no sentido de que essa temtica, uma vez apreendida pelos estudantes, vai
se tornando um dos instrumentos culturais construdos ao longo da existncia humana
para intervir na sociedade atual. Para Carvalho (2007, p. 59):
A nosso juzo, por intermdio do jud possvel resgatar uma velhabandeira: o aperfeioamento da personalidade e do carter embenefcio da vida social. O jud, ento, considerado como fator daluta pela vida na qual o judoca aprende e se acostuma a superar osobstculos e as dificuldades, aparentemente superiores, antepostas ssuas prprias foras individuais e coletivas; ele ensina (mas nemsempre aprendido!) a enfrentar obstculos e adversrios e esteensinamento faz com que, enfrentando os perigos, jamais nostornaremos escravos dos nossos agressores.
Com esta pesquisa, pretendemos compreender o processo de aprendizagem detal temtica, propondo uma sistematizao inicial do contedo selecionado. A escolha
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do mtodo dialtico de ensino para a sistematizao das aulas deu-se em virtude deste
possuir condies de contemplar uma proposta de ensino superadora e promovedora de
leitura da realidade. Sabemos que o objeto de estudo escolhido, o Jud, enquanto
componente curricular da escola, um assunto pertinente Cultura Corporal. Conforme
Escobar (2009), a Cultura Corporal uma parte da cultura produzida pelo homem, que
evolui conforme o homem evolui, adquirindo diferentes formas e valores segundo o
trabalho e o modo de produo econmico desse homem. O Jud, alm de ser um
assunto pouco debatido no meio acadmico quanto sua insero na escola, devido s
crenas de que a sua aplicao prtica invivel, se nos limitssemos a apenas discutir a
sua importncia na formao humana e na leitura da realidade, este estudo poderia ficar
dentro de um plano puramente terico, o que nos traria apontamentos e indcios da
incluso dessa temtica na Educao Fsica Escolar somente de forma ideolgica e
abstrata do contedo, no estabelecendo as relaes e os fundamentos advindos da
realidade para analisar as contradies da prtica com a teoria ao se aplicar o contedo.
Entretanto, a sistematizao desse contedo tendo como vnculo a prtica, por mais que
as anlises deste trabalho sejam insuficientes para uma sistematizao satisfatria,
propiciaria um ponto concreto para o debate teria um ponto concreto para se encaminhar
futuramente.
A objetivao desse contedo na escola pode contribuir na mediao do
desenvolvimento da conscincia humana do ser social, pois o Jud tido como um
patrimnio da humanidade, com relevncia enquanto parte da Cultura Corporal,
devendo ser transmitidos os seus saberes com rigor cientfico pela escola. Ele pode ser
articulado com diversos problemas encontrados no interior da sociedade, tais como
preconceito, disciplina, sexualidade, luta de classes, entre outros. Ao abranger tais
temas, o Jud pode vir a ser um instrumento que contribui na compreenso de uma parte
da realidade, desde que o aluno entenda os motivos pelos quais as lutas corpreas foram
necessrias na humanidade e como os problemas sociais permeiam a prtica judostica
na sociedade. O debate desses assuntos deve ocorrer na medida em que estes afloram
em forma de conflito/problema quando os praticantes exercem essa prtica.
O domnio da tcnica de luta, e at mesmo da luta como um todo, se as
condies materiais permitirem, potencializa a capacidade dos alunos compreenderem a
problemtica vivenciada por eles durante a sua experincia. Isso porque, medida queos estudantes se apropriam do conhecimento mais refinado ofertado na prtica de aula, o
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seu agir, frente realidade em questo, adquire um significado interno maior para
superar a necessidade imediata enfrentada. Esse processo faz com que o aluno se
aproxime dos prprios limites5 do seu agir/pensar, acirrando os conflitos que a prtica
proporciona, j que frente situao exposta (na luta ou na execuo do golpe)
obrigado a confrontar-se com o problema. Esse agir jamais ser liberto de todas as
barreiras e obstculos, especialmente na luta em que um deve dominar o outro, porque o
lutador deve explorar as falhas e brechas do oponente para atingir o objetivo maior.
As barreiras encontradas, sejam fruto da vitria6 ou derrota em combate, nos
conflitos/problemas tidos na prtica social ou qualquer outro obstculo/adversrio que
possa existir frente a um agir livre devem ser problematizadas (mediadas) pelo professor
em conjunto com os alunos. A problematizao deve ser amparada por uma reflexopedaggica histrica, de um pensamento dialtico e, nesse caso, aquilo que o Jud se
dispe a fazer pelos homens nessa sociedade, que ensinar a enfrentar os obstculos e
adversrios aprisionadores do ser humano; devendo proporcionar, aos praticantes,
subsdios para compreender a realidade e se formarem melhores seres sociais. Dessa
forma, pode-se ter uma construo de um conhecimento com princpios coletivos, em
que a finalidade dessa prtica humana seja em prol do prprio homem/sociedade e no
em benefcio do Jud. Atravs dessa modalidade desportiva, o estudante adquireelementos culturais para sua formao humana, a qual lhe fornece conhecimentos que
permitem ler a realidade e compreender os motivos histricos da condio atual do
desporto e do movimento/relaes dialticas das coisas com o mundo, do homem com o
mundo e das coisas com o homem.
Para esclarecermos melhor as assertivas do pargrafo anterior, elucidaremos
brevemente com um exemplo de como isso poderia ocorrer em aula. Imaginemos uma
situao hipottica, em que um aluno tem preconceito racial contra outro. Estes, aopraticarem a mesma modalidade e tiverem que realiz-la em conjunto, um com o outro,
isto , lutarem entre si ou simplesmente realizarem um treinamento (Keiko ou Gueiko),
5 Esses limites podem ser os de execuo do prprio golpe (Waza), de enfrentar um medopessoal ou oponente, de preconceito em relacionar-se com algum diferente ou qualquer outro.
6 A vitria se consolida tambm como uma barreira, pois a derrota em si nos expe de formaclara e direta s falhas tidas no fazer da luta, j a vitria camufla tal equvoco, no encontradopelo oponente derrotado, o que pode ser entendido como um obstculo no aperfeioamento do
vitorioso. Para desvendar tais equvocos ocultos, necessria uma anlise para no ficarvulnervel em momentos futuros.
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em dado momento um deles ser o Tori (o judoca que ataca/projeta) e o outro o Uk (o
judoca que defende). Segundo Carvalho (2007, p. 163), O Tori e o Uk so contrrios, e
no antagnicos, e exercitam um dilogo na prtica da contradio: [...] uma projeo,
Nage, representa a contradio do andar, obstculo real deambulao. Por sua vez, o
Ukmi [amortecimento] o coroamento de uma projeo que tem o sentido da fora
aplicada, modificada em benefcio daquele que projetado, Uk.
O Doj (local de treinamento) deve constituir-se em um espao para os alunos
experimentarem aquilo que aprenderam; em nossa situao hipottica, se um judoca
(Uk) frenar o outro (Tori), essa negao ser materializada como a negao do
aprendizado ou aprimoramento do judoca que projeta/ataca (Tori). No caso, o agir de
um judoca que defende (Uk) representa um conflito com a filosofia judosta. O Uk, aose opor ao aprendizado, abdica de ver suas falhas e instabilidade motora, bem como
mostra uma clara sinalizao dos desvios de conduta moral7. Essa negao do outro bate
diretamente com o esprito que deve ser tido no Jud, o Ki8. O esprito (Ki) do judoca,
no Jud, no pode ser aprimorado pelos praticantes se eles negam uns aos outros, pois
como Kano Sama9 nos ensina: O adversrio um parceiro necessrio ao progresso,
vida da humanidade deve basear-se neste princpio. O Ki s ser existente caso o
judoca afirmar o outro, porque um com o outro que o Uk e o Tori devem praticar atcnica lecionada pelo Sensei (professor) (CARVALHO, 2007).
medida que a filosofia judosta assimilada pelos praticantes em conjunto
com a lgica histrico-dialtica, a desconstruo da ideia de que o outro, pela sua
diferena racial, antagnico ao preconceituoso, vai se dando proporo que ele
reconhece que a diferena de raa no faz dele um ser inferior ou superior aos demais
seres humanos. O aluno, que antes olhava o outro como algum ameaador aos seus
7 Para essa problemtica encontrada no processo de aprendizagem dessa luta, Kano Samadissemina o seguinte pensamento: No se envergonhe por causa de um erro, caso ocorra, vocestaria cometendo uma falta.
8 Nesse caso, podemos traduzir pelo ensinamento: somente atravs da ajuda mtua e dasconcesses recprocas que um organismo agrupando indivduos em nmero grande ou pequenopode encontrar sua harmonia plena e realizar verdadeiros progressos (KANO).
9Kano Sama outra forma de chamar Jigoro Kano, no qual Sama como se fosse uma formade tratamento, podendo ser entendido como senhor ou mestre. Alertamos tambm que nopossumos acesso a um referencial sobre a filosofia do Jud escrita pelo prprio fundador,
portanto alguns os ensinamentos de Kano Sama podem sofrer algumas divergncias em relaoa outras localidades quanto traduo ou interpretao.
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2.2. POSSVEIS FUNDAMENTOS DE UMA PRTICA PEDAGGICATRANSFORMADORA DO JUD NA ESCOLA
Enquanto uma luta, o Jud praticado em pelo menos 198 (cento e noventa e
oito) pases, com federaes/confederaes reconhecidas pela Federao Internacional
de Jud (FIJ) espalhadas pelos 05 (cinco) continentes do mundo.10 Isso torna o Jud
uma manifestao corpo-cultural do homem no mundo em que vive, mundo este
transformado por ele de algo natural para um mundo mais civilizado. Logo, o aluno, ao
se deparar com uma prtica corporal, deve ter a noo de que essa atividade foi fruto deum processo histrico para sua produo e das necessidades de sua produo. Portanto,
acreditamos, assim como Carvalho (2007, p. 111), que a prtica corporal Jud:
[...] no pode ser entendida a partir dos estreitos limites do meromanejo de suas tcnicas, pois as virtudes que davam sentido ao modusvivendi dos guerreiros feudais japoneses osBushiinfluenciaram o
comportamento dos primeiros Sensei no passado recente deste pas eessas virtudes so de fundamental importncia ao resgate do judcomo arte de educar para enfrentar.
Por conseguinte, no se deve tratar essa prtica corporal como sendo apenas uma
modalidade esportiva que acumula movimentos de projeo em p (Tachi-Waza),
imobilizao (Ossaekomi-Waza), chave-de-brao (Kansetsu-Waza) ou estrangulamentos
(Shime-Waza) com o objetivo final de somente vencer. O Jud, segundo Cordeiro
Jnioret al. (1999), um fenmeno de mltiplas relaes, e perceb-lo dessa forma
caracterizar tal contedo em uma viso de totalidade. Assim, compreender que essa luta
tem um significado de resgatar os valores dos antigos Samurais, os valores ticos de um
verdadeiro lutador, possibilitar ao aluno humanizar-se por meio dessa prtica. Soares
et al. (1992) apontam que, no Brasil, uma luta despojada da historicidade que a
constituiu, recebendo um tratamento exclusivamente tcnico. Carvalho (2007) vai mais
10
Nmeros retirados do website da Federao Internacional de Jud (http://www.intjudo.eu/).Acessado no dia 27 de julho de 2010.
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alm e delata que as ideologias que permeiam o ensino de Jud no Brasil preconizam
um apaziguamento dos sentimentos e uma ideia de obedincia cega s imposies dos
acontecimentos inslitos da sociedade moderna em nome de uma neutralidade poltica.
O contedo visto pelos alunos na escola no pode ser de forma naturalizada e
anistrica, mas sim historicizada e histrica. Isso contribuiria para a compreenso dos
estudantes de que as prticas humanas no foram sempre as mesmas ao longo da
trajetria do homem e do Jud. Elas mudam conforme as necessidades do homem.
Neste sentido, os alunos adquiririam a noo de que o hoje o fruto do passado e o
amanh depende das condies concretas legadas pelos nossos antepassados. O
presente e as decises do hoje vivenciadas pelo homem contemporneo esto enraizados
em toda a histria construda pela humanidade. Assim, o desenvolvimento humano e dasociedade no algo que sempre existiu ou que foi um processo inevitvel.
No dizer de Cordeiro Jnioret al. (1999, p.14-15), o Jud no foi uma luta que
veio pronta e acabada, [...] mas como algo que veio sendo construdo culturalment e e
assim permanece at nossos dias, explicita uma teoria do conhecimento que o entende
como algo sempre provisrio. Essa luta foi uma prtica corporal desenvolvida em um
determinado perodo histrico da humanidade e sob determinadas condies materiais
do Japo, sendo o seu fundador o Sensei Jigoro Kano. Carvalho (2007) acredita que
Kano Sama, ao criar esse novo cdigo de tica para o Jud, agiu no de forma
intencional, mas com a finalidade de sustentar a honra dos Bushi no novo sistema
econmico que emergia no Japo. Tendo como influncia, tambm, na edificao desse
novo cdigo de tica, as suas necessidades, ideologizaes e vivncias nessa nova
sociedade. Segundo Carvalho (2007), esse sistema econmico emergente sofreu
influncias das tradies samuricas, e no caso dos judocas contemporneos, esse
esprito samurico mostra-se quando o praticante busca cultivar a sabedoria e as
virtudes tidas (ou que deveriam ser tidas) no interior dessa prtica.
Carvalho (2007) nos traz ainda uma srie de valores fundamentais de um judoca,
quais sejam: valor de justia (Gi): um judoca deve refrear os seus impulsos subjetivistas
que podem colocar em risco a ordem determinada coletivamente, devendo acreditar na
justia vinda de um acordo criterioso produzido por pessoas semelhantes. Valor de
coragem (Yu): um judoca deve assumir uma postura sem medo da verdade que busca,
pois sabe que, mesmo sendo uma busca perigosa, o caminho para viver uma vida
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plena, completa e maravilhosa. Valor de compaixo (Jin): deve-se sempre ajudar seus
companheiros quando houver um momento ou uma oportunidade diante de si, e caso
essa no surja, deve-se sair do caminho habitual para encontr-la, destacando que o
dever do judoca amar e ser benevolente com os semelhantes e iguais. Valor de cortesia
(Hei): o judoca deve exercer com todos, para que, por meio dessa cortesia, ele seja
respeitado, incluindo seus inimigos. Desta forma, ser mostrada sua verdadeira fora
interior em momentos de crises sociais, pelo fato de que os valores tradicionais so
postos em cheque. Valor de sinceridade (Makoto): um judoca deve cumprir e mostrar,
quando d sua palavra, porque consegue cumprir a tarefa. Valor de lealdade (Chugi):
consiste em ser coerente aos princpios por ele pregados, aos amigos, aos camaradas e
causa que ele e sua classe defendem. E valor de honra (Meiy): buscar a causa que
defende, seguindo os valores anunciados anteriormente (CARVALHO, 2007).
A sociedade contempornea pautada por um pensamento liberal, tal como o de
John Locke (1632 1704), que acreditava que os homens nascem com direitos iguais,
sejam ricos ou pobres. Destarte, desde o nascer a pessoa se depara com uma ordem
social j existente. Em um sistema como este, propor que todos os homens tenham
oportunidades iguais, desde que tenham condies (fsicas, psicolgicas ou intelectuais)
para exercer dada funo, seria extremamente cabvel. Mas no podemos esquecer queas condies e as oportunidades reais entre os homens no so iguais. Mesmo assim, o
sistema pautado no liberalismo de ideias passa a ter uma conotao de ser um sistema
extremamente justo, porque cabe ao indivduo buscar os seus interesses; mas no
considera que quando um homem nasce em uma famlia da classe dominante, este j
tem um acesso a uma formao educacional de qualidade por deter os meios de
produo; esses meios produzem a riqueza material usada em benefcio prprio.
Enquanto o outro, ao nascer em uma classe dominada, ou seja, por no possuir os meios
de produo e no ter acesso a toda essa riqueza produzida pelo homem, tem que se
contentar com uma educao que apenas o capacite para exercer um trabalho braal.
Deixamos claro que no um sistema que probe o trabalhador assalariado de
ocupar uma posio dominante; ele pode mudar a sua classe social desde que construa
suas riquezas sob a explorao do homem pelo homem ou que simplesmente aceite a
ideia de que o indivduo se sobressaia ao coletivo, tendo uma lgica fundada na
individualidade para si.
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Como podemos ver, um sistema em que as condies materiais e espirituais de
um homem ao nascer no so as mesmas para todos injusto. Em um sistema que
atribui a culpa do fracasso pessoal/profissional de um indivduo a apenas ele prprio
(individualismo), ou que nos ensina, desde ao nascer, a lutar por si prprio, e buscar ao
longo da vida os interesses pertinentes a si mesmo, desleal. Um sistema que nos
ensina que ficar calado diante das atrocidades que o mundo proporciona a melhor
opo para nele sobrevivermos apresenta-se como covarde. A utilizao de um discurso
ideolgico de uma classe sobre a outra, dos burgueses sobre os trabalhadores,
respectivamente, dizendo atender aos interesses de todos uma falsidade. E que para se
atingir o sucesso nessa sociedade devemos aceitar a condio de um homem explorar o
outro para acumular riquezas, em benefcio de poucos crueldade. O ensino de Jud,
dentro das virtudes ticas do cdex dos antigos Samurais, pode oferecer subsdios
necessrios para um questionamento daquilo que a sociedade postula que o mundo deve
ser comparado com aquilo que de fato ele .
2.2.1. O Contexto da Prtica Pedaggica: Algumas consideraes sobreo homem, a educao e o professor
A educao11 da sociedade capitalista um instrumento utilizado pela classe
dominante com o intuito de atender aos seus interesses, que englobam tanto o ensino de
sua classe quanto o da classe oprimida. Em consonncia com Suchodolski (1976, p. 53):
Os pensamentos da classe dominante, escreve Marx, so tambm, emtodas as pocas, os pensamentos dominantes, isto , a classe queconstitui o poder material dominante da sociedade constitui tambm opoder intelectual dominante.
11 A palavra educao, na sociedade burguesa, entendida por Suchodolski (1976, p. 57) comoum [...] processo de adaptao s relaes existentes, adaptao que assegura aos filhos da
classe dominante as vantagens e privilgios da sua classe e adapta os filhos da classe oprimida scondies de explorao da sua existncia.
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Consequentemente, conclumos que a utilizao desse artifcio, da ideologia,
algo alienante, porque ela impede que o ser humano se aproprie da riqueza do seu
gnero, humanizando-o. Esse artifcio utilizado pelos burgueses que nos apontam que
a realidade contempornea a nica e a melhor possibilidade de sociedade, sendo
permitidas apenas mudanas no sistema, mas nunca uma transformao nos modos de
produo, nas relaes sociais e uma socializao da produo histrica e social para
todos. Duarte (2006) explica que uma das formas mais bsicas de alienao aquela na
qual os indivduos so impedidos de apropriarem-se da riqueza material e intelectual
produzida socialmente pelo homem.
Markus (1974, p. 99) expe que a alienao : [...] a ruptura, a contradio
entre a essncia e a existncia do homem, e afirma ainda que a alienao:
[...] tambm se manifesta na esfera da conscincia social, entre outrospelo fato de que, em conseqncia da ruptura e do antagonismo entreo trabalho manual e o trabalho intelectual, a conscincia emprica ecotidiana dos indivduos se destaca sempre mais da evoluo dopensamento de toda a humanidade, da cincia, tornando-se prisioneirade representaes fetichistas, desnaturando a realidade, enquanto nonvel da conscincia do conjunto da sociedade se elaboram asideologias como reflexos deformados da realidade (p. 97).
A conscincia humana, na perspectiva de Markus (1974), s pode ser
compreendida pelo trabalho do homem que satisfaz as suas necessidades de uma forma
mediada, no de modo imediato e direto, como acontece com os demais animais. Essa
mediao, conforme Markus (1974, p. 51), ocorre de duas formas: 1) como o
instrumento de trabalho que o homem insere entre ele e o objeto de sua necessidade; e2) como a atividade de mediao, o prprio trabalho, que antecede e torna possvel a
utilizao do objeto.
O trabalho realizado pelo homem transforma o ambiente natural para um
ambiente mais humanizado, ou civilizado. Assim, o homem se utiliza da matria, que
apresenta-se ao trabalhador, ao trabalho subjetivo, ao trabalho vivo, como algo estranho,externo e poderoso que o subjuga e tambm entende que [...] a forma alienada de objetivao
que caracteriza a produo e a reproduo do capital, para Marx, uma forma histricatransitria do desenvolvimento das foras produtivas (p. 127).
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est dada na natureza, e a humaniza, isto , atribui um sentido/valor a ela para que
satisfaa determinadas necessidades dele prprio, passando essa objetivao para os
demais homens que prosseguiram em seu lugar. Markus (1974) afirma que quem
possibilita essa dimenso histrica, que faz com que ocorra um acmulo de
conhecimentos transmitidos para as prximas geraes, o trabalho. Essa objetivao
do sujeito ao objeto faz com que o ser humano humanize os objetos da natureza. As
necessidades que o fazem produzir instrumentos para a sua satisfao vo
gradativamente se distanciando das necessidades biolgicas, ficando cada vez mais
sociais, mesmo as atividades mais bsicas como a alimentao, a atividade fsica e o
relacionamento amoroso (MARKUS, 1974).
Nesse processo de objetivao do sujeito ao objeto, o objeto tambm modifica osujeito, estabelecendo uma relao estvel, fazendo com que o sujeito no se confunda
com o objeto, constituindo-se, assim, a conscincia humana, que fruto da apropriao
histrica da sociedade, utilizando-se formas de comunicao mtuas com os demais
sujeitos. Assim, a linguagem desenvolvida no decorrer da existncia dos seres humanos
se consolida em um conhecimento universal da conscincia humana, podendo ser
apreendida por todos. Isso possibilita aos homens apropriarem-se de toda a atividade
material e espiritual produzida pelos seus semelhantes no passado, utilizando-se dessesconhecimentos para compreender o meio que os cerca e as leis que regem sobre os
objetos e a natureza; sobre si prprio e a sociedade em que est inserido; sobre o
trabalho e a transformao do meio natural para um humanizado e sobre as suas
mltiplas relaes com o mundo e com os outros homens. A apropriao desses
conhecimentos acumulados por outros homens e transmitidos para seus descendentes
faz com que o indivduo, ao nascer, possa se apropriar do que j est posto na
sociedade, possibilitando, a esse ser social, desenvolver novas snteses sobre a
realidade, que sejam mais vantajosas e/ou amplas que as dos seus antepassados e
satisfaam as novas necessidades criadas por ele. Com isso, no decorrer da vida de um
ser humano, ele vai modificando a sua sensibilidade, e tambm vai lapidando,
aperfeioando e humanizando os seus sentidos que foram constitudos de forma
emprica e historicamente, sendo que tais necessidades so impostas pela sociedade,
pelo trabalho e pelas relaes humanas (MARKUS, 1974).
Pautando-nos nas afirmaes acima, podemos entender que [...] a conscinciahumana , em todas as suas formas, uma atividade decisivamente voltada para a
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apropriao da natureza, (MARKUS, 1974, p. 59), alcanada atravs do trabalho-
atividade do homem, ocorrendo uma relao mtua de mudana entre o homem e o
objeto.
Logo, sem ter a devida conscincia e compreendendo o mundo sob a ideologia
burguesa, os trabalhadores dessa sociedade devem ficar contentes com aquilo que o
estado e o capital oferecem para exercer a sua profisso, nesse caso de professor de
Educao Fsica. O nvel de contentamento, de dicotomia da teoria e prtica e de
recluso do conhecimento produzido chega a ser to grande, que , muitas vezes,
negligenciado pelos rgos responsveis e considerado como ideias utpicas pelos
prprios desfavorecidos, de forma que nem o direito que propalado ser para todos de
fato para todos. Podemos visualizar isso na prpria Lei de Diretrizes e Bases daEducao Nacional (LDB), Lei 9394, de 1996, no Artigo 4, IX pargrafo, em que: o
dever do Estado com educao escolar pblica ser efetivado mediante a garantia de:
padres mnimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade
mnimas, por aluno, de insumos indispensveis ao desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem14.
Ora, o Jud, por ser parte da Cultura Corporal e podendo ser um dos contedos
ministrados na escola, caso o conjunto de professores e direo escolham tal contedo
juntamente em concordncia com a Secretaria de Educao, deveria contar com todas as
condies necessrias oferecidas pelo Estado. E claro, no s um espao alternativo
para a prtica de Jud com tatame e jud-gi, mas sim para as outras reas do
conhecimento, tais como laboratrios de Biologia, de Fsico-Qumica, de Geografia, de
Histria, de Filosofia, de Matemtica, de Msica, de Pintura e Desenho, entre outros.
Saviani (2005) assevera que a educao um fenmeno prprio do ser humanoe, atualmente, uma parte do processo de trabalho. A educao pode ser entendida
enquanto um trabalho no-material, porque ao trmino do processo de ensino nem o
professor e nem o aluno transformaram a natureza. O que transforma a natureza o
trabalho do homem diante de um fenmeno existente na realidade. Com base nessa
premissa de Saviani (2005), acreditamos que, no caso da confeco de instrumentos
14 Dados do website do Portal do MEC (http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf) ou no
website do Governo Federal (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm). Acessadoem 31 de agosto de 2010.
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para sanar uma necessidade, o homem modifica a funo natural de um objeto dado na
natureza, atribuindo a este uma funo social para um fim determinado e especfico que
satisfaa a sua necessidade. O homem primitivo no necessitava de forma crucial desse
objeto para poder subsistir no mundo, mas quando o homem passa a interagir com ele,
conhecendo suas propriedades fsicas, experimentando o seu uso em uma determinada
tarefa, podemos dizer que as condies necessrias de atribuir-lhe uma funo social
so existentes. Ao atribuir uma funo social ao objeto, o homem projeta em sua mente
um determinado valor e smbolo para esse objeto.
Podemos exemplificar isso quando o homem se utilizou de uma pedra e a
transformou em um objeto cortante para fins de caa. O ato de esculpir uma pedra para
caa um ato que gera uma produo material, ou seja, o material que antes existia nanatureza agora se converteu em um material para garantir a subsistncia do homem no
mundo. No incio da histria da humanidade, o processo de ensino-aprendizagem
ocorria juntamente com a produo do material, isto , o prprio ato de reproduzir o
material era o meio de ensinar o conhecimento a outro homem. No caso, conforme o
homem ensinava a outro como se produzia o instrumento, o seu ensino ocorria
juntamente com a produo do prprio material, atribuindo-lhe a funo social
anteriormente criada. Na situao elucidada anteriormente, podemos ver que o homem,ao descobrir que esculpir uma pedra com um formato pontiagudo, torna o seu artefato
em instrumento de caa. Para ensinar a outro homem, foi preciso transmitir tais
conhecimentos, produzindo o prprio objeto e mostrando a sua finalidade, j que o
outro homem (o aprendiz), no perodo considerado, no possua um conjunto de
pensamentos (saber histrico) que possibilitasse-lhe fazer a mediao apenas com a
gesticulao ou urros do que aprendeu. O que o aprendiz possua era a sua prp ria
experincia emprica, e obviamente, as condies biolgicas para realizar a mesma
abstrao que o outro homem teve. Essa abstrao, advinda da realidade e inicialmente
produzida por um semelhante, seria a assimilao na mente do outro homem de como se
daria o processo de produo do material e qual a sua funo (agora social) para
contribuir na sobrevivncia do homem.
Entendemos que o processo de educao ocorria juntamente com o processo de
trabalho; o homem se educava somente no prprio trabalho. Com o passar dos tempos e
com o crescente desenvolvimento histrico da humanidade, o processo de trabalho foise tornando cada vez mais complexo e carecendo de maiores conhecimentos para poder
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produzir (transformar a natureza) de forma que satisfizesse a necessidade do homem. A
expanso do trabalho promoveu a criao dos mais diversos tipos de conhecimentos,
como as artes, as cincias, a filosofia, as habilidades corporais, que so meios
encontrados pelos homens para poder aperfeioar o processo de trabalho e satisfazer as
necessidades humanas.
A educao, no diferentemente do trabalho e sempre estritamente relacionada a
este, foi se expandindo e adquirindo um carter cada vez mais voltado para a
apropriao dos conhecimentos da humanidade. A partir do momento em que o homem
conseguiu garantir uma quantidade de produo material a todos do seu meio social, uns
acabaram se ocupando de funes que no necessariamente transformavam a natureza,
como, por exemplo, coletar frutos, cuidar das crias e, em um estgio mais avanado,educar outros homens. Essas atividades no geram uma transformao na natureza, mas
contribuem para que outros homens, que so seres essencialmente coletivos, faam isso
da melhor forma possvel, garantindo a existncia do grupo.
Nesse mbito, verificamos uma diviso social do processo de transformao da
natureza, ou seja, uns cumprem uma funo e outros as demais funes para garantir a
existncia do conjunto. Na situao elucidada, damos uma conotao de equilbrio na
construo de uma sociedade entre ambas as partes, tanto no trabalho material quanto
no trabalho no-material. No que isso seja obrigatoriamente uma realidade da
sociedade humana ou at mesmo tenha sido nos primrdios dos homens. O que
queremos mostrar que conforme o trabalho foi garantindo uma subsistncia mais
efetiva para o conjunto dos homens, estes adquiriram maiores e melhores condies de
se tornarem mais autnomos em suas escolhas e organizar-se de forma diferente das
biolgico-instintivas.
Independentemente do perodo usado para compreender a educao, devemos ter
a clareza de que ela uma especificidade humana, usada principalmente para preparar
os seres humanos para o mundo do trabalho. O fato de a educao no preparar o
estudante para transformar a realidade, ou no prepar-lo adequadamente para ser
inserido no mundo do trabalho ou at mesmo no ensinar aquilo que ela deve ensinar,
no implica que a educao esteja desvinculada ao processo de trabalho. Saviani (2005,
p.12) divide o trabalho no-material em duas modalidades:
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A primeira refere-se quelas atividades em que o produto se separa doprodutor, como no caso dos livros e objetos artsticos. H, pois, nessecaso, um intervalo entre a produo e consumo, possibilitado pela
autonomia entre o produto e o ato de produo. A segunda diz respeitos atividades em que o produtor no se separa do ato de produo.Nesse caso, no ocorre o intervalo antes observado; o ato de produoe o ato de consumo imbricam-se. nessa segunda modalidade dotrabalho no-material que se situa a educao.
Concordamos com o autor que a educao presencial pertence segunda
modalidade, haja vista que, na aula, o contedo sistematizado trazido pelo professor e
apropriado pelos alunos no mesmo ato em que transmitido. Entre o professor e oaprendiz h uma relao mtua e de dependncia. Essa relao existe, porque o
professor no pode simplesmente ensinar um contedo se no existirem alunos que, ao
mesmo tempo, aprendem. Todavia, a primeira modalidade de trabalho no-material
tambm importante e deve ser ressaltada, pois em muitos esportes e prticas corporais
o aluno no conta com a figura do professor para poder executar o movimento desejado.
O autodidata se apropria de um conhecimento j produzido, porm, isso no implica que
ningum de fato tenha feito a mediao para o aprendizado. O homem que criou oconhecimento (ou objeto) objetivou o que sabia naquela produo e atribuiu-lhe uma
finalidade. Assim, o aluno, utilizando-se do conhecimento j produzindo nas mais
diversas reas, realiza a apropriao do que j est objetivado. Ele faz isso por si e s.
Entretanto, ele segue a apropriao com uma estrutura lgica de pensamento que j est
constituda em sua mente, redescobrindo a funo do conhecimento pesquisado e
aplicando-o segundo o seu interesse. O fato de o aluno realizar isso sem a presena de
um professor ou instrutor no implica que no teve ningum, em absoluto, que
contribuisse com o aprendizado. Um conhecimento humano elaborado porta, por si s, a
possibilidade de ser apreendido desde que esteja objetivado no meio social. Logo, o
criador do conhecimento passa a ser a figura humana que faz a mediao do contedo
ao indivduo, mesmo que essa relao seja dada de forma indireta, como no caso do
autodidata.
A funo de um professor em uma sala de aula tem por finalidade, na viso de
Saviani (2003, p. 78-79),
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[...] articular o trabalho desenvolvido nas escolas com o processo dedemocratizao da sociedade. Tal contribuio consubstancia-se nainstrumentalizao, isto , nas ferramentas de carter histrico,
matemtico, cientfico, literrio etc., cuja apropriao o professor sejacapaz de garantir aos alunos.
Acreditar que a funo do professor fazer com que os alunos sejam autodidatas
diante do contedo acreditar que o desenvolvimento socioeconmico da humanidade
frente ao mundo se daria de forma gradual e sempre do menos para o mais harmnico,
pois medida que o ser humano foi acumulando informaes sobre a realidade, todos
conseguiriam espontaneamente patamares aceitveis de vida, sendo um processo de
desenvolvimento natural do homem. Sob essa tica, gradativamente a atividade do
professor iria se tornando cada vez mais restrita e menos crucial para o aprendizado,
passando cada vez mais a responsabilidade de aprender ao aluno, j que o aprendizado
tido como natural e espontneo, bastando ter um meio adequado para que ocorra. O
contrrio dessa ideia tambm se mostraria equivocada, ou seja, acreditar que o professor
pode inculcar qualquer contedo ao aluno.
A imposio e a compreenso de um contedo em si no implica que o aluno
consiga compreender de fato as relaes que o conhecimento tem com a sua vida nem
com as necessidades histricas que levaram ao aparecimento daquele conhecimento na
histria da humanidade. O professor pode at fazer uma criana falar quanto a
resposta de dois mais dois ou reproduzir verbalmente uma definio do que passe no
futebol, mas a efetiva aprendizagem consiste em fazer com que ela entenda as mltiplas
relaes do contedo com a sua realidade. Este o processo que conduzir
apropriao real do conhecimento em sua dimenso terica e prtica. Mesmo assim, no
temos a garantia de que, de fato, o aluno tenha se apropriado do contedo.
Em conformidade com Vigotski (2004, p. 63):
Em termos rigorosos, do ponto de vista cientfico no se pode educaro outro. impossvel exercer influncia imediata e provocarmudanas no organismo alheio, possvel apenas a prpria pessoa
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sociedade e tomar frente na transformao do mundo, pautada nas possibilidades de
necessidades futuras da humanidade.
O meio a que Vigotski (2004) se refere a prtica em que o homem se insere,
a realidade; portanto, a educao uma parte desse meio, no qual deve formar
indivduos para viverem em sociedade. Em nosso entender, a educao um espao
propcio, porm limitado, para os alunos se apropriarem do mximo de conhecimentos
possveis, que constituiro o ser social enquanto gnero humano. A partir das condies
culturais (materiais ou espirituais) legadas pela humanidade e assimiladas no processo
de ensino-aprendizagem, os alunos podem se inserir na sociedade com possibilidades de
transformar a realidade segundo as condies e possi