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ENTREVISTA EXCLUSIVA Juiz tem de analisar as consequências e o impacto de suas decisões no cenário da sociedade, diz desembargador do TJ-RS Congresso de Direito e Economia: pesquisa mostra que o Brasil é o campeão mundial de risco no transporte rodoviário de cargas - Pág. 6 Trabalhista: compra não adimplida pelo cliente não retira direito do vendedor à comissão, decide 11ª Turma do TRT-RS - Pág. 9 Societário: TJ-RS admite dissolução parcial de sociedade anônima de capital aberto por quebra de affectio societatis - Pág. 10 BOLETIM DE INFORMAÇÕES E TENDÊNCIAS DA CESAR PERES ADVOCACIA EMPRESARIAL EDIÇÃO 16 - QUARTO TRIMESTRE DE 2017 O desembargador Ney Wiedemann Neto, que jurisdiciona na 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tem sob seus ombros a responsabilidade de julgar os litígios de Direito Empresarial no Estado. Para se desincumbir a contento desta tarefa, o magistrado lança mão não só da Constituição, dos códigos processuais, das leis ordinárias e/ou da jurisprudência consolidada, mas, também, de princípios de microeconomia. ‘‘A incorporação de outros campos do saber, especialmente da Economia, agrega muito valor ao raciocínio para auxiliar o juiz a adotar um caminho justo e adequado e que sirva como um paradigma para casos análogos’’, confessa. Para Wiedemann, considerar os preceitos da Análise Econômica do Direito (AED) nos julgamentos aumentará a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões, reduzindo os custos de transação. PÁGINA 3 Foto: Cortesia/Acervo Pessoal

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ENTREVISTA EXCLUSIVA

Juiz tem de analisar as consequências e o impacto de suas decisões no cenário da sociedade, diz desembargador do TJ-RS

Congresso de Direito e Economia: pesquisa mostra que o Brasil é o campeão mundial de risco no transporte rodoviário de cargas - Pág. 6

Trabalhista: compra não adimplida pelo cliente não retira direito do vendedor à comissão, decide 11ª Turma do TRT-RS - Pág. 9

Societário: TJ-RS admite dissolução parcial de sociedade anônima de capital aberto por quebra de affectio societatis - Pág. 10

BOLETIM DE INFORMAÇÕES E TENDÊNCIAS DA CESAR PERES ADVOCACIA EMPRESARIAL

EDIÇÃO 16 - QUARTO TRIMESTRE DE 2017

O desembargador Ney Wiedemann Neto, que jurisdiciona na 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tem sob seus ombros a responsabilidade de julgar os litígios de Direito Empresarial no Estado. Para se desincumbir a contento desta tarefa, o magistrado lança mão não só da Constituição, dos códigos processuais, das leis ordinárias e/ou da jurisprudência consolidada, mas, também, de princípios de microeconomia. ‘‘A incorporação de outros campos do saber, especialmente da Economia, agrega muito valor ao raciocínio para auxiliar o juiz a adotar um caminho justo e adequado e que sirva como um paradigma para casos análogos’’, confessa. Para Wiedemann, considerar os preceitos da Análise Econômica do Direito (AED) nos julgamentos aumentará a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões, reduzindo os custos de transação.

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Foto: Cortesia/Acervo Pessoal

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2017 foi um ano emblemático para a CPAE. Com o crescimento da equipe técnica e a necessidade de novas instalações, efetiva-mos a mudança de nossa sede em Porto Alegre, disponibilizando à equipe, colaboradores, clientes e stakeholders da operação CPAE um ambiente agradável, confortável, tecnológico, com amplo acesso e estacionamento. Aqui, este ano, conseguimos realizar assembleias, ciclo de palestras e reuniões técnicas em nosso auditório. Esta moderna infraestrutura beneficiou nossos clientes do interior e de outros Estados, que tomaram o local como ‘‘sala de trabalho’’ para suas próprias reuniões em assuntos tratados na Capital. Ou seja, conseguimos alcançar o nosso objetivo: o de tornar a nossa casa a casa do cliente.

Ainda, visto o crescimento das operações no mercado paulista, cravamos nossa bandeira na cidade de São Paulo. Ficamos, assim, mais conectados com os nossos clientes e com suas operações.

Mais uma vez, fomos agraciados com o reconhecimento do Anuário Análise Advocacia 500, como um dos escritórios mais admirados do Brasil – honraria também concedida, na mesma premiação, à pessoa do nosso fundador, César Peres.

No campo técnico, também temos muito a comemorar. O Núcleo de Recuperação Judicial, coordenado pelo advogado Wagner Machado, solidifica-se rapidamente: são mais de 40 recuperações judiciais nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e, agora, São Paulo. Esse esforço consolida a atuação do escritório no eixo Rio-São Paulo.

O Núcleo Tributário, coordenado pelo advogado Geovane Alves, apresentou intensa demanda consultiva em face dos programas de regularização de tributos implementados pelo nosso Estado e pela União. Espera-se, para 2018, um crescente aumento do contencioso tributário, haja vista a faculdade de regularização apresentada por estes entes públicos no ano de 2017.

No Núcleo de Recuperação de Crédito, comandado pela advoga-da Renata Terra, obtivemos, igualmente, resultados relevantes. A equipe não se assustou com a crise econômica. Antes, trabalhou arduamente para recuperar os créditos devidos e, ainda, resgatar os inadimplentes.

Na esfera Trabalhista, a equipe, coordenada pela advogada Alice Romero, encontra-se atualizada com a recente reforma trabalhis-ta. Não temos dúvidas de que o ano de 2018 será um marco para a consolidação das mudanças propostas pelo legislador, aliviando as tensões na relação capital-trabalho.

O ano de 2017, para o Núcleo Cível, coordenado pelo advogado Felipe Machado, foi de árduo trabalho também. Foram inúmeras consultas sobre Mergers and Acquisitions (M&A), contratos e pactos jurídicos para business plan. Embora abra portas para inúmeras oportunidades, a verdade é que a crise exige a reinvenção diária do empresário.

Na Propriedade Intelectual, alçamos novos voos frente ao registro e à busca de marcas e patentes internacionais, seguindo a linha do enlace global que esta área alcança.

A necessidade de atualização no ambiente empresarial é constante. O inter-relacionamento entre as áreas do Direito e da Economia torna-se a questão em voga.

No cenário atual, a imagem poética do juiz distribuindo o ‘‘pão da justiça’’ ao povo carente ainda vai perdurar por muito tempo no imaginário, mas está se esvanecendo na seara que trata dos litígios do mundo dos negócios: o Direito Empresarial. Diferente-mente do ‘‘hipossuficiente’’, este jurisdicionado, mais esclarecido e exigente, não quer só interpretação de textos legais, mas, também, conhecimento de mercado por parte dos julgadores. E por um bom motivo: o conhecimento do mercado e dos princípios econômicos contribui consideravelmente para tornar a decisão

judicial muito mais justa e adequada, principalmente no que tange às demandas de cunho patrimonial.

Assim, a Equipe CPAE vê com bons olhos a expansão da Análise Econômica do Direito - AED. A AED pode ser definida como a aplicação da teoria econômica e dos métodos econométricos no exame da formação, da estrutura, dos processos e dos impactos do Direito e das instituições legais. Em apertada síntese, a AED emprega, em nosso métier, ferramentas analíticas típicas da Eco-nomia para ajudar a resolver problemas jurídicos. É essa ‘‘ferra-menta’’ que aponta se determinada norma, dispositivo ou decisão jurídica, no final das contas, facilita ou atrapalha o chamado ‘‘uso eficiente dos recursos’’. Em qualquer campo da atividade humana, especialmente na área empresarial, a busca pela eficiência é a regra, dado que os recursos são sempre escassos – máxima do discurso econômico.

Cada vez mais, os conceitos de Ronald Coase e Robert Cooter serão vistos nas decisões judiciais, o que significa que a interpreta-ção do Direito, além da tradicional hermenêutica, será alcançada pela AED. Estejamos preparados.

Por isso, é com grande satisfação que a XVI edição do Index traz, em entrevista exclusiva, a palavra do desembargador Ney Wiedemann Neto, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, um adepto da AED. Ele foi um dos palestran-tes do X Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia, realizado entre os dias 21 e 22 de setembro em Porto Alegre, evento promovido pela Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), no qual participei como ouvinte.

Como julgador de segundo grau de litígios jurídicos envolvendo o mundo dos negócios, o nosso Entrevistado Especial entende que esse acervo de conhecimento precisa ser difundido e incorporado pelos operadores do direito em todos os níveis e instâncias. Isso levará ao aumento da segurança jurídica e da previsibilidade das decisões, assim como aumentará o respeito aos contratos e a seu cumprimento. Por consequência, reduzirá os custos de transação e trará ganhos sinérgicos, com certeza.

A edição também traz abordagens sobre Direito Societário. Des-taque para a decisão da 6ª Câmara Cível do TJ-RS, que acolheu a dissolução parcial de uma sociedade anônima de capital aberto, algo, em princípio, impensável.

Na área Trabalhista, destaque para os enunciados dos magistra-dos do Tribunal Regional do Trabalho do RS, em ‘‘contraponto’’ à reforma da legislação laboral promovida pelo governo Temer. Mesmo sem força de súmula ou de jurisprudência, os enunciados servirão de ‘‘guia’’ para os magistrados em vários temas: contratos de trabalho, acordos, atividade sindical, pagamento de honorários etc.

Para fechar, a opinião dos advogados da casa sobre os mais diver-sos assuntos de sua área de competência: tributário, trabalhista, recuperação judicial e recuperação de crédito.

Esses, entre outros, são os nossos cotidianos desafios – a atualiza-ção, a aproximação e o bem-estar de nossos clientes.

O advogado, como “primeiro juiz” da causa, deve sempre antecipar cenários e conflitos. Para tanto, deve estar ao arrimo dos temas mais atuais, seja da sua área precípua, seja da área de atuação do destinatário final dos nossos serviços – o cliente.

Nosso grande objetivo é a inserção na cadeia de valor de nossos clientes, agregando segurança jurídica na gestão e na tomada de decisões. E, na linguagem do pai da estratégia competitiva, Michael Porter, “fazer a diferença no mercado de nossos clientes”.

Ano que vem tem mais. Muito mais.

Boa leitura e próspero 2018!

A 6ª Câmara Cível, da qual o Sr. é integrante, julga que matérias de Direito Privado? E, des-te universo, quais as que se sobressaem, em termos de volume na distribuição?

NEY WIEDEMANN NETO – Na 6ª Câmara Cível, assim como na 5ª Câmara Cível, que compõe o 3º Grupo Cível, julgamos processos envolvendo temas tais como Direito Societário (dissolução e liquidação de sociedades), falência e recuperação judicial, responsabilidade civil, seguros, planos de saúde, previdência privada, propriedade intelectu-al e propriedade industrial e registros de pessoas jurídicas e de títulos e documentos. Nos últimos meses, o volume maior de processos distribuídos

está relacionado às recuperações judiciais, bem como pedidos de indenizações por danos morais pelos mais variados motivos.

Comparando com anos anteriores, há cres-cimento do número de demandas do Direito Empresarial?

NEY WIEDEMANN NETO – Sim. Em razão da situação da economia nacional, muitas empre-sas encontram-se em dificuldades, o que fez aumentar o número de processos de recupera-ção judicial, além de conflitos entre sócios, que importam em dissoluções de sociedades comer-ciais.

No julgamento de mérito, via de regra, o co-legiado se alinha automaticamente aos tri-bunais superiores (STJ e STF) ou fica dividido, aplicando a jurisprudência da Corte? Nesta última hipótese, em que temas do Direito Em-presarial, por exemplo?

NEY WIEDEMANN NETO – O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é reconhecido em âmbito nacio-nal, inclusive no relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como tribunal mais produtivo do país. Em razão de julgarmos pri-meiro muitos processos com enfrentamento de te-ses e matérias inéditas, é comum que nós mesmos inovemos na criação jurisprudencial do Direito.

Da geração de valor ao cliente

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As ferramentas da AED ajudam a construir uma decisão mais justa quando estão em jogo litígios patrimoniais, admite Ney Wiedemann Neto

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O desembargador Ney Wiedemann Neto é tido pelos operadores do direito como um profundo conhecedor do Direito Civil e Empresarial, além de renomado professor – dá aulas nos cursos de Pós-Graduação em Direito de Negócio e em Direito Empresarial na PUC-RS e na Unisinos. Sua trajetória profissional começa em 1987, quando conclui o bacharelado em Direito na UFRGS. Dois anos depois, assume como juiz de direito na Justiça Estadual. Em 2008, é promovido a desembargador, depois de ter atuado em nove câmaras cíveis como juiz convocado, desde 2002. Ele também é coordenador-geral do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça e coordenador-adjunto da Escola Judicial. Confira a entrevista.

EXPEDIENTE

MANAGER

Rogério SoaresEDITORIAL

ENTREVISTAFoto: Cortesia/Acervo Pessoal

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Com o passar do tempo, quando as questões che-gam aos tribunais superiores, sendo mais comu-mente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), esses entendimentos em geral são sufragados. Porém, a tendência é no sentido de estarmos alinhados com as posições consolidadas no STJ, o que sem dúvida ocorre nos entendimentos sumulados e decididos na forma dos precedentes. A partir da vigência do novo Código de Processo Civil (CPC), em março de 2016, esse alinhamento é quase impositivo. Mas é preciso, ao mesmo tempo, que os entendimentos dos tribunais superiores sejam claros e firmes em determinado sentido, porque também lá é comum haver, no início, entendimentos contraditórios.

É expressivo o número de recursos que ‘‘sobe’’ para os tribunais superiores? O novo Código de Processo Civil restringiu a admissibilidade destes recursos?

NEY WIEDEMANN NETO – De modo geral, pode-se dizer que 20% dos processos julgados no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul são remetidos ao STJ ou ao STF, em razão da admissão de recursos especiais ou extraordinários. A partir do novo CPC, com a vinculação aos precedentes, às súmulas, aos entendimentos firmados em incidente de assunção de competência (ICA) ou em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), a admissibilidade desses recursos reduzirá de modo expressivo.

Que discussões vêm ganhando corpo, por sua relevância jurídica e/ou social, na área da propriedade intelectual/industrial dentro da 6ª Câmara Cível?

NEY WIEDEMANN NETO – Na área da propriedade industrial, mantém relevância jurídica a discussão no sentido da proteção das invenções, das paten-tes, das marcas. O progresso científico e industrial, o desenvolvimento da sociedade, assim, depende de o estado, por seus poderes e instituições, dar a devida proteção a esse direito de propriedade, sob pena de não haver um ambiente seguro e confiá-vel para as relações comerciais. Demandas envol-vendo medicamentos, sementes transgênicas, por exemplo, são relevantes e recorrentes.

E em recuperação judicial?

NEY WIEDEMANN NETO – As discussões mais fre-quentes dizem respeito aos planos de recuperação aprovados nas assembleias de credores e o modo como as dívidas contraídas junto ao sistema bancá-rio serão pagas. As empresas discutem a questão das garantias dessas dívidas e argumentam no sen-tido de incluir no plano alguns contratos bancários que, em princípio, seriam extraconcursais.

E no Direito Societário?

NEY WIEDEMANN NETO – Nesta área, os proces-sos, em geral, decorrem de conflitos entre sócios, onde há a intenção de um sócio se retirar ou a vontade de a empresa e dos outros sócios expulsa-rem da sociedade um deles. Nesses casos, o ponto nodal diz respeito à apuração dos haveres, qual a metodologia justa e adequada para quantificar o valor da indenização e os critérios de atualização desse valor. Há vários métodos e critérios, estabele-cendo-se aí o conflito, porque os valores que serão apurados dependem diretamente do que for adota-do para essa finalidade de quantificação.

Muitos empresários e operadores do direi-to reclamam da formação dos juízes, por só entenderem, a priori, de legislação e muito pouco das leis da Economia ou de gestão em-presarial. Esta falta de interdisciplinaridade impacta na qualidade das decisões judiciais?

NEY WIEDEMANN NETO – No julgamento de pro-cessos envolvendo questões repetitivas ou de Direi-

to Empresarial, é muito importante o juiz analisar as consequências e o impacto da sua decisão no cenário maior da sociedade, além das partes. A incorporação de outros campos do saber, especial-mente da Economia, agrega muito valor ao raciocí-nio para auxiliar o juiz a adotar um caminho justo e adequado e que sirva como um paradigma para casos análogos. As decisões judiciais que ignoram esses fatores podem ser, no fundo, prejudiciais à sociedade, em muitos casos.

Agregar conhecimento jurídico com noções de Economia, Gestão ou Finanças pode levar a um julgamento mais célere e de qualidade das demandas do Direito Privado?

NEY WIEDEMANN NETO – Há processos mais sim-ples nos quais a mera interpretação e aplicação do ordenamento jurídico são suficientes para a solu-ção dos conflitos. Nesses, a celeridade é um valor a ser prestigiado. A interdisciplinaridade, com a análise atuarial, contábil, econômica do caso, por exemplo, não conduz necessariamente à celerida-de ou rapidez do julgamento. Às vezes, pode até mesmo justificar a realização de alguma perícia e um julgamento mais demorado. Entretanto, com certeza, isso poderá contribuir para um julgamento de mais qualidade, no sentido de poder ser mais justo e adequado à solução do caso concreto e à formação de um paradigma, de um precedente que poderá balizar futuros casos análogos.

O Sr. é favorável à criação de varas especia-lizadas em Direito Empresarial, como as exis-tentes em SP e RJ? Esta possibilidade está em estudos no TJ-RS?

NEY WIEDEMANN NETO – No Tribunal de Justiça, a 5ª e a 6ª Câmaras Cíveis já são especializadas no julgamento de processos envolvendo a maior parte dos temas de Direito Empresarial. Essa es-pecialização é muito importante para permitir ao julgador aprofundar o seu conhecimento nas ma-térias, tornando-se um especialista nos temas, ao invés de ser um generalista. O mesmo acontece no primeiro grau de jurisdição. Em Porto Alegre, no Foro Central, já há a Vara de Direito Empresarial,

contando com duas juízas de direito especialistas nessa área. Esse modelo de jurisdição é excelente, porque permite que os magistrados e seus asses-sores estudem com maior profundidade as ques-tões jurídicas, ao longo do tempo. Acredito que em comarcas de grande porte do interior, com grande desenvolvimento econômico, como Caxias do Sul, por exemplo, esse modelo poderia ser replicado.

O Sr. é a favor de um novo Código Comercial? Ou ele é satisfatório para orientar as relações empresariais?

NEY WIEDEMANN NETO – Há muita polêmica e controvérsia a respeito da necessidade ou não de haver, no Brasil, um Código Comercial. Isso foi re-alidade de 1850 até 2002, pois tínhamos o nosso Código Comercial desde a época do Império, que foi revogado pelo advento do novo Código Civil, o qual incorporou as regras de Direito Comercial, unificando os sistemas civil e de comércio. Agora, há o movimento reverso, com projetos de lei em tramitação para, de novo, estabelecer a autonomia do Direito Comercial, através de uma codificação independente do Código Civil. A esse respeito, me parece ser o caminho correto e adequado, porque o Direito Comercial e o Direito Civil não se confun-dem. As relações de comércio são dinâmicas, se-guem uma lógica própria, que não é a mesma das relações civis comuns. Mas, a meu sentir, o principal argumento reside na importância acadêmica dessa autonomia do Direito Comercial como ramo do conhecimento jurídico. É preciso restabelecer nos currículos das Faculdades de Direito a disciplina de Direito Comercial, com vários semestres, como era antigamente. Do contrário, sendo mero capítulo do Direito Civil, em muitos cursos de Direito, os alunos têm um contato insuficiente com essa matéria na graduação.

Qual o seu entendimento de empresa?

NEY WIEDEMANN NETO – De modo simplificado, podemos concluir, como o advogado e jurista Ar-noldo Wald, que a empresa é a unidade econômica de produção. Mas esse conceito unitário de empre-sa precisa ser entendido como a representação de suas quatro facetas, como lembra o falecido jurista Sylvio Marcondes: subjetiva, pelas pessoas que a compõem; funcional, pelas atividades que ela re-aliza; objetiva, pelo patrimônio que a constitui; e corporativa, pela instituição através da qual ela or-ganiza as relações entre as pessoas e se relaciona juridicamente com os outros.

Como o Sr. avalia as demandas de recupera-ção judicial no RS? Em geral, servem, de fato, para conseguir uma reestruturação ou, con-trariamente, se prestam para procrastinar o pagamento de dívidas?

NEY WIEDEMANN NETO – O instituto da recupe-ração judicial, que conta com 12 anos no Brasil, criado pela Lei 11.101/2005, já atingiu elevado grau de maturidade e compreensão entre os ope-radores do direito. Via de regra, tem sido utilizado para permitir a reestruturação das empresas, que às vezes entram em crise, por diversos fatores ex-ternos e endógenos. Não se pode reconhecer que a regra seria a adoção desse remédio judicial como um meio de procrastinar o pagamento das suas dívidas. Não é isso que se observa. No Brasil, em-preender tem sido muito difícil e complicado, em razão da complexidade da legislação trabalhista e tributária, para dizer o mínimo.

A propósito: quais são as maiores dificuldades em julgar estas ações?

NEY WIEDEMANN NETO – No julgamento dos processos envolvendo a temática da recuperação judicial, a dificuldade não é propriamente jurídica, e sim a de adotar critérios e parâmetros que se afi-gurem na medida justa e adequada ao equilíbrio

dos interesses de todos os envolvidos, sejam credo-res, devedores ou terceiros. A esse respeito, aliás, o olhar da Análise Econômica do Direito (AED) se afi-gura apropriado e relevante. A proteção exagerada do devedor, por exemplo, em nome do princípio da preservação da empresa, causando graves danos econômicos aos credores, poderá, com o tempo, acarretar restrições e limitações aos futuros negó-cios no mercado ou mesmo a elevação das taxas de juros, aumentando os custos de transação.

Aliás, recentemente, o Sr. participou do pai-nel ‘‘Judicialização na Saúde’’, durante o 10º Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), em Porto Alegre. Em apertada síntese, qual foi a tônica de sua palestra?

NEY WIEDEMANN NETO – No caso da saúde suple-mentar, a relação que se estabelece é contratual, através de um seguro-saúde ou de um plano de saúde. Os limites das obrigações de fornecimento de tratamentos se dão pela legislação, pelas regu-lações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e pelo contrato. Entretanto, muitas vezes, em razão do surgimento de novas tecnologias, novos tratamentos, novos medicamentos, de alto custo, surgem demandas judiciais pela cobertura de hipó-teses que não foram previstas. Isso pode acarretar no desequilíbrio econômico-financeiro do con-trato, havendo um verdadeiro déficit atuarial que poderia colapsar a operação. O olhar da Análise Econômica do Direito recomenda cautela em tais casos, buscando a preservação do contrato e o seu equilíbrio, com segurança jurídica e previsibilidade dos direitos e deveres dos contratantes, para evitar o aumento dos custos de transação ou o colapso do sistema de saúde suplementar.

Na sua concepção, as ferramentas de microeconomia – paradigma da AED – podem ser utilizadas por todos os magistrados, para melhorar a eficiência de suas decisões? Dê um exemplo.

NEY WIEDEMANN NETO – A utilização de fer-ramentas da Análise Econômica do Direito (AED) podem contribuir para que a decisão judicial seja mais justa e adequada em muitas hipóteses, espe-cialmente em se tratando de demandas econômi-cas, de cunho patrimonial. Todos os magistrados podem buscar esse conhecimento, que inclusive já é obrigatório, segundo diretrizes nacionais dos cursos de formação e aperfeiçoamento de magis-trados. Por exemplo: no julgamento de processos envolvendo a temática do direito bancário, nas re-visões dos contratos bancários, essa metodologia de análise é útil para compreender os mecanis-mos de formação do preço do dinheiro e os seus custos e riscos. Da mesma forma, não há dúvida que nos julgamentos envolvendo truste [estrutura empresarial em que várias empresas, que já detêm a maior parte de um mercado, se ajustam ou se fundem para assegurar o controle] e no combate aos monopólios do mercado por corporações, feito pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a perícia com Análise Econômica do Direito (AED) se revela indispensável para verificar se há ou não posição dominante de um dos envolvidos.

O Sr. cita a AED para fundamentar os seus jul-gados?

NEY WIEDEMANN NETO – Muitas vezes, o magis-trado pode, simplesmente, fazer uso da metodolo-gia da AED para formar o seu raciocínio e o seu en-tendimento, sem necessariamente fazer citações a esse respeito. Entretanto, tenho, efetivamente, em julgamentos envolvendo pedidos de indenizações por danos morais contra operadoras de planos de saúde, feito essa citação expressa e a análise pon-tual de tais mecanismos. Nesse sentido, explico que a condenação sem critérios das operadoras de pla-

nos de saúde por danos morais presumidos, pela simples discussão de cobertura duvidosa, poderia inviabilizar a manutenção do contrato, pelo seu desequilíbrio atuarial, já que esses valores por da-nos morais não foram quantificados no preço pago pelo usuário, na mensalidade do plano de saúde.

Durante o Congresso, o recém-empossado presidente da ABDE, advogado Orlando Sil-va Neto, de Florianópolis, disse que pretende disseminar o conhecimento da AED na ma-gistratura, nas universidades, na advocacia e no Legislativo. O Sr. acha que este esforço irá contribuir para a adoção de medidas que re-duzam custos de transação no mercado?

NEY WIEDEMANN NETO – Com toda a certeza, esse conhecimento da Análise Econômica do Direi-to precisa ser difundido e incorporado pelos opera-dores do direito em todos os níveis e instâncias. Isso aumentará a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões, aumentará o respeito aos contratos e ao seu cumprimento e reduzirá os custos de tran-sação.

A propósito: que conceitos e/ou ideias jurídi-cas precisam vingar em nosso país para ter-mos um melhor ambiente econômico?

NEY WIEDEMANN NETO – Há duas palavras que expressam conceitos jurídicos, de origem inglesa, que o Brasil precisa incorporar para ser realmente um país sério e respeitado, através da renovação de atitudes dos seus cidadãos em todos os níveis, não só a classe política: Accountability, como a atitude de responsabilidade com ética e que nos remete à obrigação, à transparência, como mem-bros de um órgão administrativo ou representativo, de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados; e Compliance, como o con-junto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem como evitar, de-tectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer. Além disso, é preciso diminuir a judicialização da política e das relações sociais e também a politização do Poder Judiciário. No mo-mento, parece estar havendo muita interferência e confusão entre as atribuições e papéis de cada poder de estado. Pela omissão do Poder Executivo, no cumprimento de políticas públicas, muitas vezes o Poder Judiciário é chamado a interferir e proteger o cidadão, o que no Brasil se tornou uma regra, que cria distorções e problemas de gestão pública gravíssimos.

A Justiça estatal é mais eficiente e necessária do que a justiça privada, representada pelas Câmaras de Arbitragem?

NEY WIEDEMANN NETO – Entendo que ambas as formas de jurisdição são importantes, e cada uma cumpre um papel distinto nas relações sociais. Para as causas envolvendo direitos não patrimo-niais, Direito de Família, Direito do Consumidor, Direito Tributário, Direito Penal, por exemplo, a justiça pública é o único caminho. Mas para questões envolvendo contratos entre empresas, por exemplo, acredito que a arbitragem, como forma de jurisdição privada, pode ser uma esco-lha adequada, pela celeridade da solução e pelo alto grau de especialização que pode ter o árbi-tro escolhido pelos interessados para solucionar o conflito.

Para encerrar: que conselho o Sr. deixaria para os advogados que militam no Direito Empresarial?

NEY WIEDEMANN NETO – A meu sentir, o Direito Empresarial, na advocacia, deve ser praticado por especialistas na área, pois os generalistas podem, às vezes, não ter todo o conhecimento

específico necessário para defender os interesses da empresa ou do empresário do melhor modo possível. Por isso, há em nosso Estado diversos cur-sos de pós-graduação, de especialização ou mes-mo de mestrado nas áreas do Direito dos Negócios e do Direito Empresarial que podem contribuir em muito para que os advogados tenham as melhores condições de atuar nesse ramo.

‘‘É preciso restabelecer nos

currículos das Faculdades de

Direito a disciplina de Direito Comercial,

com vários semestres, como

era antigamente. Do contrário, sendo mero

capítulo do Direito Civil, em muitos

cursos de Direito, os alunos têm um

contato insuficiente com essa matéria na

graduação.’’

‘‘Pode-se dizer que 20% dos processos julgados no Tribunal

de Justiça do Rio Grande do Sul são remetidos ao STJ

ou ao STF, em razão da admissão de

recursos especiais ou extraordinários’’

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ENTREVISTA

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SP

MG

PR RJ

A Análise Econômica do Direito (AED) tem a ver não só com as consequências diretas de uma decisão jurídica, mas também com os efeitos agregados para a sociedade num segundo mo-mento. Basicamente, a AED parte do pressuposto de que a Economia, especialmente a microeconomia, é uma ferramen-ta útil para a análise e prática do Direito. Primeiro, porque traz a ideia de que a Economia pode explicar a estrutura das normas jurídicas, ensina Bruno Mayerhof Salama, professor da FGV Direito - SP. Assim, os sistemas jurídicos seriam com-preendidos como sendo a resultante das decisões de maximi-zação de preferências das pessoas em um ambiente de es-cassez – conceitos da microeconomia. Neste sentido, poderia ser empregada para elucidar a teleologia (ou finalidade) das normas.

‘‘A ideia de fundo é a de que o Direito proveja incentivos para as pessoas, e que as regras jurídicas tenham sido concebidas a fim de incentivar determinadas condutas, mas não outras. Com base nisso, é possível formular-se argumentos úteis tan-to para o debate legislativo quanto judicial’’, exemplifica o especialista, em recente artigo publicado na página da Enci-clopédia Jurídica da PUC-SP.

A segunda versão, revela Salama, é a de que a AED pode ser utilizada para prever as consequências das regras e in-terpretações jurídicas. ‘‘Trata-se, então, de tentar identificar

os prováveis efeitos de diferentes posturas jurídicas sobre o comportamento dos atores sociais relevantes em cada caso. Essa ideia é bastante contenciosa, porque se a previsão de consequências nos mercados organizados já é bastante difícil, que dirá fora deles’’, assinala.

Ele ressalta que a aplicação do Direito, muitas vezes, requer ponderação sobre consequências – inclusive, em alguns casos, de maneira explícita. Dá como exemplo litígios que ocorrem no âmbito do Direito Antitruste como em temas me-nos óbvios, como no artigo 187 do Código Civil (que alude “fim econômico” de um ato ilícito) e até mesmo na Consti-tuição Federal (que no artigo 37 alça a “eficiência” à posição de princípio constitucional).

‘‘Outras vezes, a discussão de consequências no Direito se dá de maneira implícita. Caso emblemático ocorre com o assim chamado ‘teste de proporcionalidade’ de princípios jurídicos. Na visão assente no Brasil, a realização desse tes-te requer um exame sobre adequação (o meio promove o fim?), necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro(s) meio(s) me-nos restritivo(s) dos direitos fundamentais afetados?) e pro-porcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provoca-das pela adoção do meio?)’’, complementa o pesquisador.

FERRAMENTA ÚTIL E PRÁTICA

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Brasil é o campeão mundial no risco do transporte rodoviário de cargas

CONGRESSO DE DIREITO E ECONOMIA

Justos é coautor do estudo ‘‘Crime against trading: The case of cargo theft in São Paulo’’ (Crimes com motivação econômica: o caso dos roubos de cargas em São Paulo), que está em andamento, em parceria com os pesquisadores Túlio Kahn (doutor em Ciência Política e consultor de segurança pública), Vânia Ceccato (professora do Royal Institute of Technology, de Estocolmo - Suécia) e Gustavo Moreira (professor da Universidade de São Carlos - SP).

O estudo, que se vale de dados consolida-dos (séries temporais mensais e trimestrais)

deste tipo de crime no Estado de São Paulo, de 2006 a 2016, mostra o que ocorre no Interior, na Capital paulista e na Região Metropolitana, formada por 39 municípios. Embora exista um cluster de roubos de carga consolidado no entorno da cidade de São Paulo, em função de sua rica capila-ridade logística, ele observa, pelo andar dos registros da Polícia, que as quadrilhas vêm explorando outras ‘‘praças’’ no interior paulista, para fugir da repressão policial. ‘‘Percebe-se um processo de convergência no número de roubos de cargas entre áreas

metropolitanas e áreas não-metropolitanas nos últimos anos’’, sinaliza o estudo.

Quem ajuda a fornecer uma resposta para as causas desta convergência, segundo ele, é Gary Becker, professor da Universidade de Chicago (EUA) e agraciado com Prêmio Nobel de Economia em 1992, autor da Teoria Econômica do Crime. Ele faleceu em 2014, mas sempre será lembrado pelo artigo inti-tulado Crime and Punishment: An Economic approach (‘‘Crime e Punição: uma Abordagem Econômica’’), publicado em 1968, quando criou modelo de raciocínio econômico para explicar as variáveis consideradas previamente à decisão de praticar condutas penalmente ilícitas. Becker diz que os criminosos – sujeitos racionais, como qualquer pessoa – ponderam entre custos da prática delituosa e os benefí-cios esperados; ou seja, expectativas de lucro.

De acordo com esta ‘‘teoria da escolha

racional do criminoso’’, afirma o professor Justus, a escolha do local para a consecução do roubo depende, principalmente, de dois fatores: retorno líquido esperado e o risco de fracasso na execução do crime. Assim, Justus e os demais autores, numa próxima etapa, prometem esmiuçar os registros policiais à exaustão para avaliar, empiricamente, se realmente houve aumento de oportunidades e menor risco causado pela migração deste tipo de crime para o interior paulista.

Para validação das hipóteses postas no trabalho científico, os autores lançarão mão da Teoria das Atividades Rotineiras em Delinquência, formulada pelos pesquisadores Lawrence Cohen e Marcus Felson, segundo a qual o crime ocorre quando provável crimino-so e vítima convergem para o mesmo tempo e lugar, sem a presença de um guardião da lei; e a Teoria da Prevenção do Crime Situacional, de Ronald Clarke.

O impacto do crime sobre a economia brasi-leira é tão expressivo que os organizadores do X Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia convidaram o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curi-tiba, para a palestra de abertura. Moro, que cuida dos processos da Operação Lava Jato na primeira instância, falou sobre a corrupção sistêmica na Petrobras para um público de 200 pessoas.

No final dos dois dias de Congresso, após a apresentação de cases envolvendo Direito, Economia e Justiça, foi eleita a nova direto-ria. Orlando Silva Neto, mestre e doutor em Direito pela USP, professor dos programas de graduação e pós-graduação da UFSC, advogado em Florianópolis, sócio de Silva Neto Advogados e conselheiro da OAB-SC, foi eleito por aclamação como novo presi-dente, em substituição ao advogado gaúcho Luciano Timm.

O entorno de São Paulo é a região com maior ocorrência, mas criminosos começam a migrar para praças menores, para diminuir o ‘‘custo da operação’’, sinaliza pesquisa inédita

O Brasil é campeão mundial de roubo de cargas, seguido da África do Sul e do México. A atividade criminosa custa à economia brasileira US$ 442 milhões por ano – e a ten-dência é de crescimento ininterrupto. Cerca de 93% dos roubos ocorre na Região Sudeste. Só o Estado de São Paulo ‘‘contribuiu’’, em 2015, com 17.852 casos – 45% de todos os roubos consumados contra veículos de cargas em todo o país. As quadrilhas especializadas neste negócio ilícito preferem cargas de alto valor agregado e de fácil comercialização no ‘‘mercado negro’’, como celulares, relógios, computadores, tablets e até medicamentos.

Mas por que existe este volume de roubos de cargas no Sudeste? Ora, basicamente, por-que os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os mais ricos do país, pro-movendo a circulação do maior volume de cargas valiosas. O mais relevante, entretanto, é que a região, além de ser grande centro consumidor, oferece excelentes oportunida-des para a ação de grupos criminosos, com um baixíssimo risco de insucesso. O crime organizado de roubo de mercadorias virou um negócio como qualquer outro, embora à margem da lei, se sujeitando a certas leis econômicas: custos, riscos e oportunidades.

Quem se debruça sobre o ‘‘estado da arte’’ do roubo de cargas no Brasil é o economista Marcelo Justus, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia e coordenador de especialização em Direito & Economia da Unicamp (SP). Ele discorreu de forma pioneira sobre esta questão no painel ‘‘Criminalidade e Economia’’, ocorrido durante o X Congresso Anual da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), na sede da Unisinos, em Porto Alegre, no final de setembro. O encontro reuniu advogados, magistrados, juristas e economistas para discutir, essencial-mente, a Análise Econômica do Direito (AED) – instrumental teórico que mede a eficiência de políticas públicas e as consequências econômicas advindas de decisões judiciais (ver quadro à direita).

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Fonte: Adaptado de 2013 Global Cargo Theft Threat Assessment

MAPA DOS ESTADOS BRASILEIROS DE ACORDO COM O RISCO DE ROUBO DE CARGA

Baixo

Elevado

Moderado

Alto

Grave

GRAU DE RISCO:

Por Jomar Martins, jornalista

Foto: Shutterstock

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• A Lei nº 13.467/17 é aplicável de imediato aos contratos de tra-balho em curso à data de sua vigência, de forma não retroativa, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, e observado o artigo 468 da CLT.

• A atualização dos créditos trabalhistas pela TR (prevista §7º do art. 879 da CLT) é inconstitucional. Deve-se adotar a TR até 25 de março de 2015, e o IPCA-E após essa data.

• São inválidos os acordos individuais para a adoção de banco de horas ou de jornada 12x36 horas. Ambas as situações exigem intervenção sindical.

• No regime 12x36 horas, os feriados devem ser usufruídos ou, se trabalhados, pagos em dobro.

• O trabalhador submetido ao regime 12x36 horas faz jus à re-muneração da hora noturna pelo trabalho noturno prorrogado. A hora noturna equivale a 52 minutos e 30 segundos.

• As relações das verbas que integram e não integram o salário do empregado, dispostas nos parágrafos 1º e 2º do artigo 457 da CLT, não são exaustivas. Dependendo do caso concreto, verbas quitadas a título de ajuda de custo, auxílio alimentação, diárias para viagem, prêmios e abonos poderão ser incorpora-das à remuneração, se tiverem, na prática, caráter retributivo (ou seja, de contraprestação ao trabalho realizado), em vez de indenizatório.

• A lista de direitos que não podem ser reduzidos ou suprimidos em convenções coletivas, disposta no artigo 611-B, não é exaustiva. Todos os direitos fundamentais protegidos constitu-cionalmente são indisponíveis e não podem ser reduzidos ou suprimidos pela autonomia coletiva privada.

• A condenação ao pagamento de honorários de sucumbência só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, tendo em vista a garantia de não surpresa, bem como o princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação.

• Embora o art. 477-A da CLT dispense a autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção ou acordo coletivo para a validade de dispensas plúrimas ou coletivas, ele não exclui a necessidade de negociação coletiva prévia, que

continua sendo requisito de validade para essas modalidades de extinção contratual.

• Será ônus processual do empregador trazer a documentação relativa ao distrato por mútuo consentimento previsto no art. 484-A da CLT. Alegado o vício de consentimento, incumbe à parte requerente comprová-lo.

• A cláusula que autoriza a solução de litígio trabalhista por meio de arbitragem em contratos individuais de trabalho cuja remu-neração seja superior a duas vezes o limite máximo estabele-cido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (prevista no artigo 507-A) não pode ser instituída, considerando o caráter alimentar das verbas trabalhistas e o princípio de irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.

• O empregado com diploma de nível superior e que recebe salá-rio igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefí-cios da Previdência Social continua subordinado e, por isso, não pode renunciar à proteção constitucional e normativa estabe-lecidas. Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 444 da CLT afronta o artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal.

• O sindicato profissional pode fazer ressalvas ou mesmo se recusar a homologar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, previsto no artigo 507-B.

• Quando a atividade econômica for contínua ou o trabalho já estiver regulado em legislação própria, é vedada a utilização do contrato de trabalho intermitente.

• Quando a prestação de serviços é contínua, sem alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, fica desca-racterizado o contrato intermitente.

• O contrato intermitente garante todos os direitos previstos no art. 7º da Constituição. Os direitos contidos no art. 452-A, §6, da CLT são meramente exemplificativos.

• O art. 4-A da Lei 6.019/74 não impede o reconhecimento do vínculo de emprego do trabalhador terceirizado com a tomadora de serviços quando presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT.

• O art. 442-B da CLT não impede o reconhecimento do vínculo de emprego do trabalhador autônomo exclusivo quando presen-tes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT.

ALGUNS ENUNCIADOS IMPORTANTES

Os enunciados são orientações, embora sem força de súmula ou de juris-prudência, que servirão de ‘‘guia’’ para os magistrados em vários temas: contratos de trabalho, acordos, atividade sindical, pagamento de hono-rários etc.

As conclusões foram formuladas por oito comissões de magistrados du-rante a I Jornada sobre a Reforma Trabalhista, realizada no dia 10 de no-vembro, na Escola Judicial do TRT gaúcho. Os juízes e desembargadores analisaram a compatibilidade da nova lei – texto infraconstitucional – com a Constituição Federal e os princípios do Direito e do Direito do Trabalho.

O esforço coletivo de estudo e interpretação, segundo a presidente da corte, desembargadora Beatriz Renck, demonstra o compromisso dos magistrados gaúchos com a qualidade da prestação jurisdicional. “Mui-to se ouviu que os juízes do trabalho não querem aplicar a Lei 13.467. Isso nunca foi verdade. Ao julgar um caso, o juiz leva em considera-ção todo um sistema jurídico, no qual a Cons-tituição Federal prevalece, além de princí-pios gerais do Direito e do Direito do Trabalho”, esclareceu.

Magistrados do TRT-RS lançam ‘‘conclusões’’ sobre temas da nova lei trabalhista

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Preocupado em ‘‘adequar e compatibilizar’’ a reforma trabalhista, que entrou em vigor no dia 11 de novem-bro, com outros diplomas legais, o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul aprovou 37 ‘‘conclu-sões’’ sobre a Lei 13.467/17.

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Com a decisão, o colegiado desconsiderou os estornos registrados nos relatórios de venda da empresa, determinando o paga-mento das diferenças de prêmios sobre as vendas ao autor da ação reclamatória. O acréscimo refletiu sobre todas as verbas da condenação trabalhista: repousos, férias, 13º salário, aviso-prévio, Fundo de Garantia e a multa de 40%.

Na ação, o autor disse que a empresa alte-rou o sistema de metas, prejudicando seus ganhos. Afirmou que o fato de o emprega-dor chamar de “prêmio de vendas” as suas comissões não altera a natureza jurídica da parcela. Sustentou que as comissões eram pagas com habitualidade, alegando que as quebras referentes a estornos e cancela-mentos não são permitidas segundo a legis-lação e a jurisprudência vigentes — exceto em casos de insolvência.

No primeiro grau trabalhista, a empresa argumentou que o reclamante recebia salário fixo e um “prêmio de vendas”, que seria pago se o faturamento e liquidação atingissem de 51% a 250% da meta men-salmente fixada. Portanto, o percentual de premiação sempre foi o mesmo, variando apenas as metas de acordo com as oscila-ções do mercado. Logo, não se poderia falar em comissões que integram a base salarial, mas apenas de premiações pagas condicio-nalmente.

CANCELAMENTO DE ASSINATURA

No curso da instrução processual, uma das testemunhas apurou que era comum haver “quebras” nos ganhos do autor, decorren-tes do cancelamento de assinaturas pelos clientes, em razão da falta de entrega do jornal. Segundo a oitiva, havia estorno de comissão do relatório, que era estorno dos pontos relacionados às vendas canceladas, Mas esses cancelamentos não decorriam de preenchimento errado da proposta ou pedido de assinatura.

Com isso, o juiz Horismar Carvalho Dias, titu-lar da 16ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, julgou improcedente o pedido, por entender que o contato de trabalho dava ao emprega-dor a prerrogativa de autorizar mensalmente as cotas de vendas estabelecidas em seu plano de metas. Por decorrência, os critérios quanto ao pagamento e apuração das comis-sões seriam definidos pela empresa, conforme seu interesse.

“Não há impedimento quanto à apuração dos valores com base na venda líquida; ou seja, descontadas aquelas vendas não efetivadas por falta do produto em estoque ou as poste-riormente canceladas. Sinalo, por relevante, que o referido critério foi utilizado pela recla-mada desde o início da contratualidade, não havendo que se falar em alteração lesiva do contrato de trabalho, nos termos do artigo 468 da CLT. Além disso, não restou demons-trado que a reclamada alterava as metas de forma desproporcional com o intuito de

prejudicar os empregados, pelo que presumo que inexistiram os alegados prejuízos de 47% a 53% da parcela variável como referido pelo reclamante”, justificou na sentença.

MOTIVOS ALHEIOS

A relatora do recurso ordinário na corte tra-balhista, desembargadora Maria Helena Lisot, observou que o relato da testemunha (de que os estornos ocorriam por motivos alheios ao trabalho dos vendedores) é ratificado pela análise dos relatórios trazidos pela parte re-clamada, que apontam o lançamento de es-tornos em datas diferentes das do lançamento do crédito de pontos.

“Não se pode imputar ao empregado a con-sequência econômica da desistência da ope-ração por parte do cliente, por motivo alheio à atividade do trabalhador, sob pena de trans-ferir a este o risco do empreendimento, que é do empregador, a teor do artigo 2º, caput, da CLT. Cumpre destacar que a previsão contra-tual de pagamento de comissão apenas sobre as vendas faturadas e liquidadas não prevale-ce ante a disposição legal em tela”, escreveu no acórdão, modificando a sorte da lide.

Por outro lado, destacou a julgadora, o simples fato de a parte reclamada alterar mensalmente a meta estabelecida não implica prejuízo ao reclamante, sendo da natureza das comissões a flutuação durante a contratu-alidade. Faz parte do jus variandi do empre-gador alterar para mais ou menos a meta de vendas, conforme julgue pertinente.

Empregador não pode excluir da comissão do vendedor as vendas canceladas ou não pagas

A empresa não pode excluir da base de cálculo das comissões devidas ao vendedor as vendas que foram canceladas ou não pagas pelo cliente. É que, segundo o artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalho, cabe apenas ao empregador assumir os riscos da atividade econômica. Com isso, a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul reformou sentença que negou pedido de pagamento de comissões referentes a vendas canceladas de assinaturas de jornal.

TRABALHISTAFoto: Shutterstock

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A matéria em comento revela conflito entre o artigo 206 da Lei 6.404/76 e o princípio constitucional da affectio societatis, este entendido como liberdade de associação, que vem estampado, respectivamente, nos incisos XVII (liberdade de associação) e XX (desobrigação de associação) do artigo 5.º da Constituição.

É preciso dizer que a Lei que dispõe sobre a Sociedade por Ações foi criada sob a égide da Constituição Federal de 1967. Esta indicava, em seu artigo 150, parágrafo 28: ‘‘É garantida a liberdade de associação. Nenhuma associação poderá ser dissolvida, senão em virtude de decisão judicial’’. Como se vê, ficava claro o autoritarismo do texto, refletindo a importância da ‘‘segurança nacional’’ em detrimento dos direitos individuais.

Já o texto infraconstitucional, em seu artigo 206, inciso II, além de contemplar a dissolução da companhia por decisão judicial, possibi-litou a dissolução de pleno direito, conforme se denota da redação do inciso I do mesmo dispositivo, resguardando em sua essência o rigorismo constitucional.

Promulgado o texto constitucional de 1988, com o término do regime militar, este veio imbuído de extrema preocupação com os direitos fundamentais do homem e a efetividade de um Estado Social Democrático de Direito, tanto que o título dos direitos e garantias funda-mentais, que antes era tratado no artigo 150 da Carta de 1967, agora encabeça sua redação no artigo 5.º e incisos.

Essa preocupação também acrescenta à máxima da affectio societatis, pois, se sob os efeitos da Constituição de 1967 a dissolução da associação só se daria mediante decisão judicial, agora, no artigo 5.º, inciso XX,‘‘ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado’’.

Então, o que se vê são normas de contextos sociais, econômicos e políticos distantes e, consequentemente, dicotômicos, que devem, no caso em comento, conferir resposta efetiva à pretensão do autor.

Pelo teor da fundamentação do acórdão da 6.ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça, a pretensão do autor foi recepcionada e respondida com a prevalência do princípio em detrimento da lei, já que se trata de máxima de ordem constitucional. Tudo em garantia a um processo justo. E, nas palavras de Daniel Mitidiero, ‘‘a Constituição é o centro a partir do qual a legislação infraconstitucional deve se estruturar’’.

Muito embora a Lei, em seu artigo 206, exiba rol taxativo quanto aos casos de dissolução da sociedade anônima, o que exclui a dissolu-ção parcial, não há como deixar a pretensão que busca a tutela jurisdicional sem resposta. E esta veio no caso concreto.

EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL

Por Karen Lucia Bressane Rubim, advogada especializada em Processo Civil

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SOCIETÁRIO

Justiça gaúcha aceita dissolução parcial de sociedade anônima de capital aberto

O fundamento levou a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter sentença que acolheu um pedido de dissolução parcial movido por um sócio minoritário contra uma companhia. Tal como o juízo de origem, os desembargadores, à unanimidade, entende-ram que a dissolução por decisão judicial não se limita às circunstâncias elencadas no artigo 206, inciso II, da Lei das Sociedades Anônimas (6.404/76).

‘‘Na verdade, trata-se de uma sociedade anônima de capital aberto, estando registrada junto à CVM [Comissão de Valores Imobiliários], operando no mercado de balcão não organizado. Por isso, correta a sentença ao permitir a dissolução parcial da sociedade, pois na verdade ela opera como se de capital fechado fosse, uma vez que suas ações se mantêm eternamente ilíquidas e, na saída de sócio, congeladas quanto ao seu valor’’, escreveu no acórdão o relator das Apelações na corte, desembargador Luís Augusto Coelho Braga.

O litígio começou no ano 2000, quando o autor – dono de ações que perfaziam 0,6% do capital da empresa – foi destituído do cargo de diretor administrativo e financeiro, ingressando com reclamatória trabalhista na Justiça do Trabalho. Como obteve sucesso na demanda judicial, a sociedade empresária, em retaliação, passou a não lhe pagar os dividendos e juros sobre o seu capital. Isso causou animosidade entre os sócios e a quebra do affectio societatis, resultando na sua saída da empresa.

Para restabelecer seus direitos, o sócio minoritário ajuizou Ação de Dissolução Parcial de Sociedade Empresária e Apuração de Haveres Cumulada com Cobrança de Dividendos e Juros Sobre Capital Próprio na 1ª Vara Cível do Foro Regional do 4º. Distrito, Zona Norte de Porto Alegre.

Argumentou que a empresa ré não se caracteriza de fato como uma sociedade anônima aberta, pois embora esteja apta a negociar ações no balcão de mercado não organizado, isso nunca ocorreu. Ou seja, não há liquidez das ações, tal como numa sociedade anônima fechada. Em síntese, afirmou que se trata de sociedade formada em caráter familiar e pessoal, na qual o intuitu personae prevalece sobre o intuitu pecuniae, sendo possível a sua dissolução parcial e a apuração de haveres, com base no seu balanço especial, como determinam o artigo 1.031 do Código Civil e a Súmula 265 do STF.

Em contestação, a ré alegou que o autor, depois do afastamento do cargo, não mais retirou seus dividendos e juros, que ficaram depositados em conta contábil, à sua disposição. No mérito, alegou a impossibilidade de dissolução parcial pela quebra do affectio societatis, por se tratar de sociedade anônima de capital aberto, sem caráter pessoal, com títulos mobiliários negociados no mercado de balcão. Nesse caso, a saída do acionista deve se dar pela venda das ações, a fim de não inviabilizar a atividade da sociedade.

O juiz Daniel Henrique Dummer explicou que, num olhar superficial, nem se cogitaria do deferimento da dissolução parcial requerida nos autos. Afinal, considerando que as S/As são sociedades de capital, pouco importa a relação entre os sócios, bastando a comercialização das ações para satisfazer a pretensão do acionista que pretende se retirar. Além disso, a Lei das Sociedades por Ações (6.604/76) não trata da possibili-dade de dissolução parcial das companhias, somente de sua dissolução total. Legalmente, apontou, as restrições de retirada do sócio estão enumeradas no artigo 136, e a dissolução total nas hipóteses elencadas pelo artigo 206 – ambos da mesma lei. E, nestas, não se encontra o fim do affectio societatis.

Jurisprudencialmente falando, o Superior Tribunal de Justiça admite a dissolução parcial de sociedade anônima pela quebra do affectio socie-tatis quando ela for de capital fechado, de caráter familiar e pessoal. E é justamente o que ocorre nos autos, observou o magistrado, já que a pro-va revelou que a empresa tem elevado grau de iliquidez nas suas ações, nenhuma venda de ações nos últimos três anos e pequeno número de acionistas. E mais: as poucas vendas de ações se deram apenas entre pessoas ligadas a um grupo familiar ou empresarial. Grupo cujo sócio majoritário detém a totalidade das ações ordinárias com poder de voto. Logo, não se trata de uma sociedade anônima aberta, ficando evidente o seu caráter fechado e pessoal.

‘‘Assim, os acionistas ficam impedidos de obter reembolso do investimen-to, mantendo o capital na empresa, em prol do sócio majoritário que, ao fim e ao cabo, é quem se beneficia da permanência e da soma do capital, sem valorizar as ações, enquanto o patrimônio líquido da em-presa prospera em seu favor, já que não dispõe suas ações para venda no mercado mobiliário, sendo, notadamente, uma sociedade de caráter pessoal, justificando a dissolução parcial, com a apuração do real valor do capital investido pelo sócio minoritário’’, concluiu.

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Uma sociedade anônima de capital aberto pode ser dissolvida parcial-mente, por quebra da afeição/vontade dos sócios (affectio societatis), desde que a empresa tenha caráter de sociedade limitada. Afinal, numa

sociedade limitada, prepondera a associação por afinidade pessoal (in-tuitu personae), em detrimento de uma associação visando unicamente o lucro e a distribuição de dividendos (intuitu pecuneae).

Foto: Shutterstock

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CESAR PERES ADVOCACIA EMPRESARIAL

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Pela 7ª vez consecutiva somos “Mais Admirados”

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EMPRESAS FAMILIARES

Outro cuidado que se deve ter é com as empresas familiares, que são maioria no país. “Por terem esse perfil, as empresas não apresentam um sistema de governança fa-miliar. Os proprietários admitem a esposa, o filho, o primo, o sobrinho em cargos para os quais não estão preparados. No momento em que são inseridos esses ‘alienígenas’ na relação societária, começam os dissabores entre os sócios. Flagrantemente, temos um conflito empresarial causado por fator de ordem familiar, o que compromete as rela-

ções profissionais. Aliás, empresarialmente

falando, mais importante que o laço familiar é o preparo profissional. Bem preparado para a função, um familiar agrega muito à sociedade empresária, pois traz consigo o compromisso de fidelidade. Assim, a empre-sa só ganha com a sua profissionalização”, exemplifica o advogado.

Soares lembra que esse cenário, felizmente, já está mudando. “Em algumas empresas que nós atuamos quase sempre o filho co-meça como office boy. Ou seja, ele tem que galgar e se projetar como uma peça-chave para a empresa, e não ser visto apenas como filho do dono”, afirma.

PAPEL DO ADVOGADO

O consultor jurídico deve projetar fatos futuros e não só ficar preso ao espelho retrovisor – administrando os efeitos do passado –, entende Soares. Quanto mais o advogado precipitar eventos, estará cum-prindo com sua função no mundo empresa-rial e evitando que o processo de dissolução, caso ocorra, chegue ao Judiciário, que está sobrecarregado. “É necessário instigar as partes, no ato de formalização da empresa, a estabelecer um sistema de governança corporativa que defina os objetivos, a função de cada um, o ingresso de familiares e até o fim da sociedade”, conclui Rogério.

Acordo de cotistas garante rapidez em dissolução societária, diz sócio de CPAE à Rádio BAND-RS

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Ninguém tem dúvidas de que o brasileiro é muito mais empreendedor do que pro-priamente empresário, o que o coloca, não raras vezes, em situação de extremo risco jurídico. E especialmente quando tem de encarar o duro desafio de encerrar a sociedade quando os planos de sustentação empresarial não saíram a contento.

Como não acertou nada, clara e antecipa-damente com seus parceiros de jornada, via de regra, a tendência é que a dissolução em-presarial se transforme em mais um processo moroso a abarrotar as prateleiras do Judiciá-rio. E, neste caso, a vida de todos os empreen-dedores fica parada, à espera do resultado de uma verdadeira ‘‘loteria’’.

Exageros à parte, este foi o grande alerta do advogado Rogério Lopes Soares, sócio da Cesar Peres Advocacia Empresarial (CPAE), em entrevista concedida ao jornalista Gerson Anzzulin, apresentador do programa Espaço Jurídico, da Rádio BAND AM/FM. Durante 30 minutos de ‘‘bate-bola’’ com o jornalista, em agosto, Soares discorreu sobre vários aspectos do tema “O fim da empresa e os reflexos jurí-dicos do descasamento societário”. Em todas as intervenções, pontuou que as condições para encerrar a sociedade devem ser conheci-das por todos, para evitar dupla frustração no

curso e no fim da jornada.

Como especialista em Direito Societário e em Recuperação de Empresas, o advogado ressal-ta que o ‘‘acordo de cotistas’’, assim como um ‘‘pacto antenupcial’’ no casamento, é regra-mento seguro para dirimir a maior parte das dúvidas e evitar desapontamentos de última hora. A ausência dessas regras – adverte – dificulta a dissolução decidida entre os sócios e leva o caso para a Justiça, que vai destacar um árbitro (juiz) para resolver a questão.

“Hoje, o sistema jurídico oferece um procedi-mento de dissolução da sociedade regulado pelo novo Código de Processo Civil (CPC 2015). Não é uma inovação legislativa e, sim, uma consolidação, porque o antigo CPC (de 1973) deixou uma lacuna nesse espaço.’’ Nesse procedimento, ensina, uma das partes, ou eventualmente até a empresa, propõe ação

de dissolução na qual é citado o outro sócio, e este justifica se tem interesse ou não na saí-da. A partir dessa decisão, começa o processo judicial, que percorre duas fases: o sentencia-mento da dissolução, ou não, e a liquidação – caso haja dissolução da sociedade.

Conforme Soares, essa segunda fase é mais técnica. ‘‘O acordo de cotistas estabelecido no início da sociedade seria fundamental nessa fase, porque definiria a forma de apurar o valor da empresa. Sem o acordo de cotista, ficaria a cargo de um perito escolher o critério de avaliação do valor da socieda-de. Com o acordo, o processo termina mais rápido”, explica. “Se consegue, hoje, fazer uma liquidação de sociedade, uma apuração de haveres, em 4/5 meses, dependendo das partes e do método aplicado”, complementa. Atualmente, o método mais apropriado de avaliação de uma empresa é o fluxo de caixa descontado.

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SOCIETÁRIOFoto: Shutterstock

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A caracterização de grupo econômico e a responsabilidade tributária dos sócios

Nos dias atuais, a utilização de grupos econômicos para a realização de atividades comerciais e financeiras tem sido cada vez mais comum no contexto de pequenas, médias e grandes empresas no Brasil. É possível observar a existência de imensos conglomerados corporativos, nacionais e internacionais, que dominam determinadas atividades financeiras e comerciais, exercendo enorme influência econômica.

Nesse cenário, vislumbra-se, com grande frequência, a presença de uma estrutura organizacional padrão para a composição de grupos empresariais, na qual cada entidade desempenha uma função especializada, incluindo gerenciamento de ativos e finanças. No caso, uma empresa central ou empresa holding geralmente assume a responsabilidade gerencial pela direção estratégica do grupo, nomeando diretores e gerentes de suas subsidiárias.

Ocorre que a utilização de grupos econômicos também pode levar a tensões, com as noções de direito corporativo tradicional. A confusão de linhas de independência pode representar desafios para se avaliar o status das transações realizadas e dos elementos que configuram juridicamente os grupos, além do estabelecimento dos efeitos jurídicos decorrentes de sua constituição.

Tais efeitos, na grande maioria das vezes, estão relacionados com a proteção de determinados interesses e com a imputação de responsabilidades. Por esse motivo, um dos desdobramentos dessas questões, envolvendo a caracterização de grupo econômico, se dá exatamente na esfera tributária, com a possibilidade de responsabi-lização dos sócios por dívidas da sociedade perante o Fisco.

E, nesse aspecto, a doutrina e a jurisprudência exercem papel relevante para a construção do conceito jurídico de grupos empresariais.

Um claro exemplo disso foi o recente julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande de Sul sobre o tema. Na ocasião, a 19ª Câmara Cível, em acórdão relatado pela desembargadora Mylene Maria Michel, assim ementou a decisão: ‘‘(...) a caracterização de grupo econômico se dá quando averiguados indícios de confusão patrimonial, de abuso de formas e/ou de comunhão de recursos e esforços a fim de viabilizar o objeto social de pessoas jurídicas formalmente distintas, mas coligadas por um propósito econômico comum”. A sessão de julgamento ocorreu no dia 13 de julho último.

Considerando, assim, as recentes manifestações do TJ-RS e após um levantamento realizado nas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), tornou-se possível identificar alguns elementos comuns e frequentes na caracterização de grupo econômico de fato; ou seja, aquele que não tem uma constituição jurídica formal perante a Junta Comercial.

Segundo Nelson Eizirik, “grupo de fato é aquele integrado por sociedades relaciona-das tão somente por meio de participação acionária, sem que haja entre elas uma organização formal ou obrigacional” (A lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. v. 3. p. 515-516). As relações jurídicas mantidas entre as sociedades que integram o grupo devem ser fundamentadas nos princípios e nas regras que regem as relações entre as companhias isoladas.

Portanto, dentre os elementos caraterizadores de grupo econômico de fato, é possível citar, em suma, os seguintes: a) existência de duas ou mais empresas; b) direção, controle ou administração comum (unidade gerencial, laboral e patrimonial); c) independência meramente formal (atividades complementares); d) formação de quadro societário pelos mesmos indivíduos ou seus parentes; e) atuação idêntica, similar ou complementar (propósito econômico comum); f) administradores comuns; g) estabelecimento de sedes num mesmo endereço ou próximos; h) cliente único (uma das empresas do grupo); i) existência de sócios de uma empresa que atuam como empregados de outra; j) assunção de riscos econômicos por parte de uma empresa do grupo; e, k) repasses injustificados de numerário (comunhão de recursos).

Isso não significa dizer que a existência de um dos elementos indicados já baste para a configuração de grupo econômico. Contudo, a ocorrência de tais elementos serve como indícios para a atuação da Fazenda Pública em prol do possível enquadramento do sócio como responsável tributário por dívidas da sociedade empresária.

Desta forma, é necessário que os sócios tenham bastante atenção com este tema. Afinal, podem ser levados a promover ‘‘sociedades engenhosas’’, no afã de obter maior ganho econômico e, no final das contas, arcar com um prejuízo financeiro muito superior ao benefício projetado.

Geovane Machado Alves

Advogado especializado em Direito Tributário

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As novas regras da penhora online

O sistema Bancen Jud 2.0, bloqueio de valores e solicitação de informações, tornou-se uma ferramenta de extrema importância para o credor que busca seus valores através de ação judicial, podendo ser solicitado por meio de uma petição simples e sem custos. A solicitação pode ser feita antes ou após a citação, sendo essa analisada pelo magistrado.

Tal sistema é um instrumento de comunicação entre o Poder Judiciário e instituições financeiras participantes, com todo suporte e intermediações a cargo do Banco Central. Através dele, os magistrados protocolam ordens judiciais e restrições, obtendo, assim, informações, bloqueio, desbloqueio e transferência de valores, a fim de pretender os valores ajuizados pelo cre-dor. Podem ser obtidos também extratos do devedor e outras informações, como, por exemplo, endereço.

O sistema é acessado por magistrados e servidores, preferencialmente atra-vés de assinatura digital. Possui, assim, serviços disponíveis para cada perfil, como a possibilidade de o magistrado digitar, gravar e protocolizar ordens judiciais. Já o servidor pode digitar e gravar minutas em cumprimento às determinações judiciais. Para proceder à pesquisa, basta ter em mãos o CPF ou CNPJ da parte.

No sistema Bacen Jud 2.0, as ordens judiciais são protocolizadas até as 19h, em dias úteis, consolidadas pelo sistema. Após, são remetidas para as instituições participantes até as 23h30min do mesmo dia. As instituições fi-nanceiras possuem o prazo de um dia para disponibilizar a resposta do que foi solicitado. A resposta ainda passa por uma validação dentro do próprio sistema. Caso seja constatado algum erro, a resposta é rejeitada.

As ordens judiciais de bloqueio de valores devem ser cumpridas obser-vando-se saldos existentes em contas correntes, investimentos/aplicações, poupança, depósitos a prazo e demais ativos da parte pesquisada. A pesquisa atinge o saldo credor inicial, livre e disponível, no dia útil seguinte à solicitação. Não serão considerados aqueles créditos posteriores à ordem, cotas-partes dos cooperados de cooperativas de crédito e quaisquer limites de crédito, como, por exemplo, cheque especial. Salienta-se que quando o saldo bloqueado for igual ou inferior a R$ 10,00, fica a instituição financei-ra dispensada de proceder ao bloqueio.

As últimas alterações do sistema Bacen Jud ocorreram em outubro deste ano. O devedor que não possuir saldo suficiente fica impossibilitado de usar sua conta. Ou seja, mesmo havendo saldo no cheque especial, este não poderá ser utilizado no período de um dia e, no final do dia, novamente será tentado o bloqueio de valores. Os débitos na conta-corrente também ficarão suspensos. Todos os depósitos e transferências irão ocorrer normal-mente. Ao final do dia, ocorre a transferência do que foi penhorado para a conta judicial.

Os magistrados, ao solicitarem a transferência de valores, devem atentar ao que diz respeito à conta-salário que, via de regra, é impenhorável, bem como no caso de conta-poupança com valor inferior a 40 salários mínimos.

Segundo levantamento do Banco Central, em 2015, ocorreram 3,6 milhões de bloqueio através do Bacen Jud, sendo um total de 29,1 bilhões para amortizações de débitos reconhecidos judicialmente.

Nos últimos anos, o sistema Bacen Jud passou por um crescimento explosivo, porque, além de auxiliar na satisfação do credor, evita também fraudes. Sem sombra de dúvidas, o Bacen Jud é uma forma eficaz de obter a amortização dos débitos e a satisfação do credor.

Advogada especializada em Processo Civil e Recuperação de Crédito

Roberta Lupi Vieira

ARTIGOS

Reforma trabalhista: o que muda na rescisão do contrato de trabalho

A Lei 13.467/2017, que reformou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trouxe mudanças importantes para a rescisão do contrato de trabalho. Tais mudanças passa-ram a reconhecer o que acontece no mundo real, prevendo o que não é tão novo, já que há muito faz parte do cotidiano.

Nos termos do artigo 477 e seus parágrafos da antiga CLT, rescindir o contrato de traba-lho de empregados com mais de um ano de serviço só tinha valor jurídico se feito com a assistência do respectivo sindicato da categoria ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). O objetivo era garantir a apuração correta dos valores rescisórios, bem como assegurar que o empregador não deixasse de pagar o devido ao trabalhador.

A reforma trabalhista abre a possibilidade para que as negociações entre trabalhadores e empresas se sobreponham à legislação trabalhista. Nesse novo modelo, o acordo entre o empregado e o empregador prevalece sobre o legislado, resguardados, obvia-mente, os direitos indisponíveis dos trabalhadores previstos na Constituição Federal – o direito à vida, à liberdade, à saúde e à dignidade. Nesta concepção, a empresa e o trabalhador poderão negociar a rescisão do contrato, que dará direito ao trabalhador à metade do valor do aviso-prévio, 20% da multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e ao saque de 80% da conta do FGTS, sem direito ao seguro-desemprego. Ainda: o empregador não precisa mais ficar agendando a homologação com o sindicato da categoria, bastando apenas a assinatura das partes nos documentos rescisórios.

É de extrema importância que as empresas estejam resguardadas, através de documen-tos que comprovem a espontaneidade da presente negociação com o seu empregado, para fins de uma eventual reclamatória trabalhista.

A respectiva reforma abriu, ainda, uma outra modalidade de quitação de contrato de trabalho que mudará de forma considerável as demandas trabalhistas das empresas. Trata-se de uma declaração de quitação anual de débitos trabalhistas, semelhante ao sistema já utilizado no meio comercial por meio da Lei 12.007/2009, pelo qual obriga as pessoas jurídicas prestadoras de serviços a emitir e a encaminhar ao consumidor uma declaração de quitação anual de débitos.

Tal sistema foi inserido ao âmbito trabalhista através do artigo 507-B, da CLT, nos seguintes termos: É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do con-trato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria.

Ainda, o parágrafo único do referido artigo estabelece que o respectivo termo firmado entre o empregado e o empregador possuirá a devida eficácia liberatória das parcelas. Se não, vejamos:

Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensal-mente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

A ideia inicial na elaboração do respectivo dispositivo é diminuir consideravelmente as demandas na órbita da Justiça do Trabalho, como também disponibilizar um novo meio legal de autocomposição, para garantir às partes maior celeridade no percebimento dos seus direitos, inclusive econômicos.

A validade do termo pressupõe a assistência do sindicato da categoria profissional, não havendo qualquer ressalva expressa e especificada ao valor referente às parcelas contrariadas. Assim, cria a possibilidade de quitação geral em relação à cada parcela mencionada ao respectivo termo de quitação.

Cabe ressaltar que o empregado não está sendo desligado de suas funções laborais e, sim, dando uma quitação anual dos seus débitos trabalhistas. Tal inovação na área do Direito do Trabalho brasileiro poderá ser um grande aliado na harmonização entre os sujeitos da relação de emprego, servindo como remédio alternativo e preventivo para um conflito ou ação trabalhista perante a Justiça do Trabalho.

Entretanto, existe a possibilidade de o trabalhador discutir no Judiciário eventuais parce-las que não estejam de acordo. A expressão “eficácia liberatória” traz a definição de dar quitação às obrigações que constam no termo firmado entre empregador e empregado.

Desta forma, a empresa que dispor do referido termo poderá se valer deste documento para comprovar, inclusive perante terceiros, órgãos fiscalizadores e o Poder Judiciário, a quitação dos direitos trabalhistas no respectivo ano.

Tais mudanças possuem o potencial de trazer uma maior segurança jurídica aos empresários, o que favorece a geração de novos empregos, além de influenciar no crescimento econômico nacional.

Rafael Franzoi

Advogado especializado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

Atualização de crédito oriundo de sentença indenizatória na recuperação judicial

A habilitação de créditos ainda é um tema bastante polêmico nos processos de recuperação judicial e de falência. Isso porque, não raras vezes, se constitui em demanda judicial longa, complexa e custosa. No presente artigo, trataremos sobre a atualização do crédito oriundo de sentença condenatória por reparação civil, comumente denominada ‘‘sentença indenizatória’’.

Uma vez aberto o concurso de credores pela decisão de processamento da recuperação judicial, a Lei 11.101/05 determina a verificação de todos os cré-ditos vencidos e vincendos existentes à data do pedido de recuperação judicial, com vistas à apuração do passivo.

Para tanto, o artigo 9º da Lei 11.101/05 disponibiliza ao credor deduzir pedido de habilitação ao Administrador Judicial ou, passada a fase administrativa, por meio de ação incidental. O pedido de habilitação deverá conter: o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo; o valor do crédito atualizado, sua origem e classificação; os documentos comprobatórios do crédito; a indicação da garantia prestada pelo devedor e o respectivo instrumento; assim como a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.

Dentre os requisitos previstos no referido artigo, a atualização do valor do cré-dito para fins de habilitação é o cerne de muitas controvérsias, principalmente quanto aos critérios utilizados.

Se não, vejamos: dispõe o inciso II que o crédito será atualizado até a data do pedido de recuperação judicial. Razão de referida disposição é conferir trata-mento igualitário a todos os créditos sujeitos ao concurso, sejam eles oriundos de títulos judiciais ou de extrajudiciais, visando à formação harmoniosa do Quadro Geral de Credores, à manutenção dos interesses da coletividade, para, com isso, viabilizar o soerguimento da empresa.

Nesta linha, se inserem os cálculos oriundos de sentença condenatória por reparação civil que, a exemplo dos créditos oriundos de reclamatórias traba-lhistas, também devem se amoldar ao disposto no artigo 9º, inciso II, da lei falimentar.

Os critérios de atualização do crédito – juros e correção monetária – estabeleci-dos na sentença condenatória por reparação civil serão observados, de acordo com o disposto no referido artigo, até a data do pedido de recuperação judicial.

Isso porque todas as obrigações anteriores ao pedido de recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusi-ve no que diz respeito aos encargos pactuados, definidos em lei ou, neste caso, em sentença.

Somente a partir do pedido de recuperação judicial poderá o plano deliberar modificações, impedindo a fluência de juros e correção monetária, o que não configura violação à coisa julgada. É que, com a homologação do plano de recuperação, ocorre a novação de todas as obrigações sujeitas à recuperação judicial. Assim, as execuções prosseguirão nos critérios estabelecidos na nova-ção e não na obrigação extinta.

O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado datado de agosto do corrente ano, exarou entendimento neste sentido. Afirmou que não há violação à coisa julgada quando a decisão prolatada em habilitação de crédito limita a incidência de juros de mora e correção monetária delineados em sentença condenatória por reparação civil à data do pedido de recuperação judicial.

Em suma, a persecução do crédito oriundo de sentença reparatória civil pelo credor deverá sujeitar-se à recuperação judicial, sob pena de, sem controle de seus pares, prejudicar a satisfação dos interesses da coletividade de credores. Para tanto, deverá respeitar a limitação temporal para atualização prevista no artigo 9º, inciso II, da lei recuperacional, qual seja – a data do pedido de recuperação judicial.

Fernanda Inês da Conceição

Advogada especializada em Direito Empresarial

Page 9: Juiz tem de analisar as consequências e o impacto de suas ... · mais conectados com os nossos clientes e com suas operações. Mais uma vez, fomos agraciados com o reconhecimento

O produtor rural que vive do arrendamento de suas terras deve informar os seus ganhos na Declaração de Pessoa Física do Imposto de Renda. Afinal, o arrendamento não é receita de atividade rural, mas um rendi-mento, tributado normalmente pelo fisco federal.

Assim entendeu a 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf), ao manter infração imposta pela Receita Federal a um agricultor que declarou ter obtido sua produção por

meio de parceria agrícola.

Os conselheiros se convenceram de que os rendimentos auferidos pelo agricultor eram frutos do arrendamento, e não de parceria, pois os con-tratos de compra e venda futura da produção tinham preços estabeleci-dos previamente. Ainda: não havia cláusula que desse direito ao cedente da terra de participação sobre a produção. Em síntese, o dono da área não era atingido pelos riscos da produção.

O registro dos bens constituídos em operações feitas nos mercados bancário, interbancário e acionário já é obrigatório desde 30 de agosto, quando o presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.476/2017. A lei é válida independentemente da natureza do negócio entabulado. O ato de identificar esses bens como legalmente vinculados a um contrato específico chama-se ‘‘constituição de gravames e ônus’’.

A nova legislação determina que o registro deve ser feito nas mesmas

entidades registradoras ou depositárias dos ativos negociados, como as câmaras de custódia de ações. O texto legal é resultado da conversão da Medida Provisória 775/2017, aprovada pelo Senado em 16 de agosto.

Os ativos constituídos são os oferecidos pelo devedor ao credor como garantia de uma operação. Eles ficam à disposição do credor até que a operação seja quitada. Sem o registro do ativo, ele não tem direito ao bem.

CARF diz que incide Imposto de Renda sobre atividade rural por arrendamento

Lei que disciplina registro de garantias financeiras já está em plena vigência

NOTAS

Após três anos da promulgação da Lei Anticorrupção (12.846/2013), a maioria das companhias brasileiras ainda apresenta parcos controles para combater corrupção e fraudes. A constatação é da última pesquisa realizada pela consulto-ria global Protivit. Segundo o levantamento, apenas 4% das organizações, das 1.417 ouvidas, realizam um programa efetivo, seguindo as principais diretrizes nacionais e internacionais, enquanto 45% ainda estão com o nível de compliance baixo, em extrema exposição a riscos de corrupção.

Dentre as razões da baixa aderência, estão o desconhecimento de metodologias aplicáveis de compliance, a falta de conheci-mento interno para garantir o cumprimento das leis que envol-vem governança corporativa e a limitação orçamentária.

Segundo a consultoria, somente 34% das companhias mape-aram os riscos de exposição, enquanto apenas 36% adotaram processos de análise de terceiros (due dilligence) para identificar os eventuais riscos vindos de prestadores de serviços ou parcei-ros de negócios externos.

A nomeação de bens à penhora na execução singular, ainda que fora do prazo ou sem observância da ordem legal, descaracteriza a execução frustrada, fato que impede o prosseguimento do pedido de falência.

Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justi-ça, ao julgar recurso em que uma empresa têxtil pretendia ver de-cretada a falência de uma transportadora em razão do não-paga-mento de multa por litigância de má-fé. A recorrente fundamentou seu pedido no artigo 94, inciso II, da Lei de Recuperação Judicial (11.101/05). O dispositivo diz que será decretada a falência do de-vedor que, executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi observou que o acórdão do Tri-bunal de Justiça do Paraná revelou que, além de haver a indicação de bens à penhora, foi efetuado o depósito exigido, inviabilizando a decretação da falência. Para a ministra, a ação falimentar não pode servir de instrumento de coação para cobrança de dívidas.

NÍVEL DE COMPLIANCE NAS COMPANHIAS BRASILEIRAS AINDA É BAIXO, CONSTATA CONSULTORIA.

NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA OU DEPÓSITO JUDICIAL BASTA PARA IMPEDIR FALÊNCIA

Nossa homenagem especial à Nação Gremista pela

conquista do tricampeonato da Libertadores

Copa Libertadores da América 2017