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Lisboa Avenida 5 de Outubro, N.º 17, 7 1050 - 047 Lisboa T. 00351 213 552 250 | 00351 213 303 660 F. 00351 213 552 268 | 00351 213 144 347 [email protected]

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Especializada

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O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DOS

ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES ANÓNIMAS

1 – Introdução ao Tema

a) O tema que nos compete abordar está na agenda de todos nós; é

motivo de crescente preocupação, por via da cascata de

consequências em sede de responsabilidade civil, que podem advir para

quem assume o desempenho de cargos sociais numa sociedade

comercial.

Os anos noventa do século XX, evidenciaram para quem quisesse

analisar a realidade com rigor e seriedade, que múltiplas práticas nos

mercados financeiros, careciam de medidas protectoras da verdade na

circulação fiduciária, do valor das moedas, dos “interesses” dos

investidores distanciados da gestão e do funcionamento das

sociedades abertas.

Surgiram múltiplas iniciativas para dar corpo a conceitos de “Corporate

Governance”, introduzindo deveres de “transparência” perante não só

accionistas como “stakeholders”.

Na Europa é de referir a 13ª Directiva de 21 de Abril de 2004, que

refere dever o órgão de Administração agir tendo em conta os

interesses da sociedade no seu conjunto.

O reconhecimento de que não existe democracia accionista, e que a

existência de realidades corporativas, condicionantes do poder de

voto, como votos plurais e títulos de voto, acções preferenciais, limites

2

de transmissibilidade de acções, escalonamento de mandatos de

Administração, pirâmides e participações cruzadas, impuseram o

estudo de soluções, quadros de mecanismos de controlo da liberdade

contratual e concorrência eficiente.

Nos E.U. a resposta encontrada emergiu da famosa Lei Sarbanes/Oxlly,

e a criação de comissões de Auditoria, para as sociedades abartas.

Na Europa a moda de Estrutura dual da Administração, julgou-se ser

mecanismo e remédio adequado para a doença que começava a afectar

os sistemas financeiros.

Porém, a falência da ENRON e doutros grandes conglomerados nos

Estados Unidos, e o impacto em todos os mecanismos que levaram ao

colapso da Anderson, já não permitiram antever que as medidas

cautelares tivessem sido insuficientes.

Na Europa a burla perpetrada na “Societé General”, por um único

corrector, com uma dimensão inimaginável, acentuava também que a

doença avançava.

A catástrofe financeira chegou depois. Nem Lei nem remédios,

evitaram as falências em cadeia no Sistema Financeiro, e a recessão da

actividade nas mais modernas manufacturas, trazendo novamente para

as Democracias avançadas o espectro do Desemprego em Massa.

Hoje podemos já ter uma visão ácida e critica sobre o funcionamento

dos mercados financeiros e monetários bem como dos mercados de

futuros nas “comodities”, donde desapareceu por completo a ética

puritana como fundamento do “Espírito do Capitalismo” de que nos

falou Max Weber.

3

Ficou unicamente a filosofia da Avareza, e a ética da Ganância, a

omissão do “dever profissional”, e febre do ganho, sem ter em conta

qualquer norma moral.

O que em anteriores épocas históricas só era justificado na guerra e na

actividade de corso, emergiu em todo o seu esplendor, como prática

quotidiana e familiar em todas as economias monetárias.

Mas o que nos serve hoje, não é um debate sobre a Ética do

Capitalismo.

Somos forçados também a reconhecer que algumas práticas

introduzidas, ao que se julgava serem a favor das Sociedades e dos

accionistas, se vieram a revelar de enorme perversidade.

As “Stock Options” levaram às manipulações de Balanço fraudulentas.

Os mercados de futuros, levam às práticas quotidianas de “under write

laddering” (prática que consiste em emitir e lançar no mercado, títulos

com a obrigação e garantia de recompra, a preço pré-determinado, o

que induz a uma procura especulativa e falseada introduzida pelos

Brokers nos mercados)

Os seguros de caução financeira, assumidos por companhias

seguradoras que simultaneamente, tinham contratualizado seguros de

responsabilidade civil com os Administradores e Directores

responsáveis por elaborados sistemas de SWAPS, ou mais vulgarmente

ainda emissão de “produtos estruturados” alavancaram o risco e

viciando o cálculo actuarial em vez de aumentar o grau de protecção

do risco, como sofismadamente se fazia crer ao tomador do produto.

Em recente publicação, Charles R. Morris – “O colapso de um bilião de

dólares” é feito o levantamento quase exaustivo de todas as práticas

4

que levaram ao actual colapso e não podemos deixar de destacar a sua

conclusão:

“(…)

No seu sentido moderno, o liberalismo é uma teoria de governo que se

faz passar por um ramo da economia. Adam Smith e David Ricardo

chamaram “economia politica” a sua disciplina, uma expressão útil. O

adjectivo “politica” caiu quando o casamento, ocorrido no século XX,

entre a economia e a matemática avançada promoveu a ilusão de que a

economia é uma ciência. Mas o substrato empírico da economia

pública, os ramos que procuram moldar a politica do governo, são por

vezes tão frágeis que se tornam mais bem compreendidos como

ideologias.

(…)”

E como já nos ensinou Ortega e Garret ao reconhecer a chegadas dos

demagogos:

“(…)

A primeira condição para uma melhoria da situação presente e assumir

realmente a sua enorme dificuldade. Só isto nos levaria a atacar o mal

nos estratos mais profundos onde verdadeiramente se origina. É, com

efeito, muito difícil salvar urna civilização quando chegou a sua hora de

cair sob o poder dos demagogos. Os demagogos foram os grandes

estranguladores de civilizações. A grega e a romana sucumbiram nas

mãos desta fauna repugnante que fazia Macaulay exclamar: “Em todos

os séculos, os exemplos mais vis da natureza humana encontraram-se

5

entre os demagogos.” Mas um homem não é demagogo simplesmente

por se pôr a gritar ante a multidão. Isto pode ser, nalgumas ocasiões,

uma magistratura sacrossanta. A demagogia essencial do demagogo

está dentro da sua mente e radica na sua irresponsabilidade face as

próprias ideias que maneja e que ele não criou, antes recebeu dos

verdadeiros criadores. A demagogia é uma forma de degeneração

intelectual que, como amplo fenómeno da história europeia, aparece

em Franca por volta de 1750.

(…)”

Teremos que estar precavidos contra o hipócrita exercício de estilo

justicialista, que pedirá perante a rebelião das massas a execução de

“responsáveis” escolhendo “bodes expiatórios” para aplacar a ira da

Rua, ansiando por patíbulos de execução de carácter, em “prime time”

televisivo, prisões e confiscos sem Rei nem Lei.

b) Certo é porém, que o legislador também se deixou possuir pela

demagogia.

O legislador e grande parte da Doutrina, no domínio dos conceitos

sobre a responsabilidade civil dos Administradores, faz migrar

conceitos da “common law”, como o dever de “cuidado” e o dever de

“lealdade” ou melhor dizendo o dever de diligência inscrito no Art. 64

do C.S.C no interesse da Sociedade, sendo que a ideia de interesse

social permanece obscura e sem autonomia conceptual jurídica

bastante, para efeitos de integração na teoria da responsabilidade

contratual, que presume sempre a culpa.

6

A recente alteração legislativa consagrada pelo DL 28-A/06, introduz

um regime de inversão da presunção de licitude das condutas de quem

gere, altamente perigosa.

A proposta de tal inversão foi examinada em relatório da CMVM que

legitimou essa inversão pelo deficit de Sentenças condenatórias de

Administradores, imputando ao Sistema Judicial também uma

presunção de culpa pelo défice de Sentenças condenatórias,

introduzindo no sistema judicial português um gravíssimo retrocesso

conceptual com consequências devastadoras individuais para quem por

mero acaso ou infelicidade, seja apanhado na teia demagógica de

buscas de bodes expiatórios.

2 - Da responsabil idade face à sociedade

A redacção que veio a ser dada ao nº 1 do Art. 72 do Código das

Sociedades Comerciais, admitiu a presunção de culpa dos membros da

Administração da Sociedade para com a Sociedade.

O regime, no entanto, correspondeu já ao princípio contido no Art. 799

do Código Civil, que estipulava incumbir ao devedor provar que a falta

de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, não

procedia de culpa sua.

Numa concepção contratualista do contrato de mandato para gerir,

como elemento marcador da relação jurídica contratual entre a

sociedade e o Administrador, o regime adoptado para a

responsabilidade civil do Administrador não é chocante.

Nesta postura contratualista, o Art. 75 do C.S.C. antevê a possibilidade

da introdução de acção de responsabilidade contra o Administrador

7

proposta pela sociedade e dependente de deliberação dos sócios por

simples maioria, a ser proposta no prazo de 6 meses a contar da

deliberação, prevendo o Art. 77 do C.S.C. a possibilidade de pelos

menos 5% do capital social ou 2% no caso de Sociedades Anónimas

abertas, cotadas em mercado regulamentado, e permite aos

accionistas ou sócios propor acção social de responsabilidade contra o

Administrador e a favor da Sociedade, quando a mesma não o haja

solicitado.

Esta norma é obviamente uma norma introduzida para protecção das

minorias, quando as maiorias que designaram e elegeram os

Administradores se mostrem relutantes ou renitentes em introduzir em

juízo a acção indemnizatória societária.

Pressupõe a acção de responsabilidade a violação dos deveres

fundamentais inscritos no Art. 64 do Código das Sociedades

Comerciais e que é oportuno rememoriar:

“(…)

Artigo 64.°

Deveres fundamentais

1 — Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência

técnica

e o conhecimento da actividade da sociedade adequados as suas

funções

e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e

ordenado; e

8

b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos

interesses

de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros

sujeitos

relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus

trabalhadores, clientes e credores.

2 — Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem

observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados

padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse

da sociedade.

(…)”

Pedro Pais Vasconcelos, sintetiza de forma exemplar a absurda

situação criada pela recente alteração legislativa:

“(…)

Ao inserir “ex novo” o regime da “business judgment rule”, numa

versão invertida, presumindo a ilicitude da actuação dos

administradores, a nova reforma do Código das Sociedades Comerciais

criou urna situação gravemente incoerente:

— no regime da responsabilidade perante a sociedade

(responsabilidade interna), presume-se a ilicitude e a culpa;

— no regime da responsabilidade perante os SÓCIOS ou outros

terceiros (responsabilidade externa) presume-se a ilicitude, mas não a

Culpa.

Esta solução é extremamente perigosa para os administradores e

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é susceptível, de dissuadir os gestores profissionais mais capazes de

exercer cargos em sociedades regidas pela lei portuguesa, quer dizer,

em sociedades comerciais com a sua sede em Portugal. Constitui

mais um — entre outros — factores de deslocalização de sociedades

comerciais com sede em Portugal.

(…)”

3 – Da responsabil idade face aos sócios e accionistas

O art. 396 nº 2 do C.S.C. vem introduzir uma novidade, que sendo

interessante para o tema que nos convoca é altamente perturbadora

para o regime do Direito dos Seguros.

A possibilidade de substituir a tradicional caução, prestada por

depósito de títulos societários, por um seguro, e que antes cobria a

responsabilidade do Administrador ou Director, perante a Sociedade,

agora expande-se a responsabilidade perante todas e quaisquer

pessoas que possam invocar e sustentar a titularidade de um direito de

indemnização.

O limite de 250.000,00 como o mínimo pelo qual cada administrador

deva caucionar, torna-se simbólico face ao risco de expansão do

universo dos reclamantes titulares do direito à indemnização, que no

actual momento histórico que vivemos, poderão fazer emergir aquilo a

que já denomina como “class actions” e cuja discussão de montantes

em que a responsabilidade pode ocorrer, ultrapassam tudo o que

poderia ser previsível pelo risco seguro, cujos plafonds, não chegarão

sequer para cobrir as despesas judiciais e honorários do Advogado,

10

tornando a emissão de apólices “D.O. Insurance”, um exercício muito

arriscado.

O recente e difundido caso de constituição de associações de defesa

de investidores, clientes de Bancos ou de Companhias de Seguros é a

confirmação do que vimos prevendo.

4 – Da responsabil idade alargada face às relações de grupo

societária.

Na delimitação desta tipologia de responsabilidade indagaremos qual a

imputação de responsabilidade civil, aos responsáveis por cargos

societários no conjunto das sociedades comerciais, que ressalvando as

respectivas personalidades jurídicas, se encontram subordinadas a uma

direcção económica unitária, seja por via do contrato de subordinação,

seja por via da relação de domínio estabelecidas por via do disposto no

Art. 491, 501 a 504 do Código das Sociedades Comerciais.

É oportuno relembrar que no domínio da “Corporate Governance”

vigoram as recomendações da CMVM sobre o Governo das Sociedades

cotadas, sendo de referir nomeadamente os regulamentos nº 7/2007 e

10/2005.

O esqueleto normativo da Responsabilidade Civil neste caso, emerge do

disposto no nº 1 e 2 do Art. 504 do C.S.C., exonerando-se os

administradores das sociedades subordinadas, por via do nº 3 do

preceito quando os actos ou omissões tenham sido praticados na

execução de instruções licitas recebidas dos administradores da

sociedade directora.

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Entendemos que as inovações normativas introduzidas na redacção

dada ao Art. nº 64 do C.S.C., transpôs para o nº 1 do Art. 504 do

mesmo código, um critério de presunção de ilicitude que conduz à

responsabilização dos Administradores do Grupo, impondo-se aos

Administradores do Grupo, um critério de diligência que inclui deveres

de cuidado, deveres de lealdade, que se subsumem no caso concreto

aos princípios do gestor criterioso e ordenado, emergente da

especialização da regra do Art. 487 nº 2 do Código Civil.

Sucede porém que o dever de cuidado, constitui uma verdadeira

nebulosa, sempre que esteja em causa uma omissão de conduta

susceptível de imputação de ilicitude ao cumprimento da norma.

Ou seja, é imposto ao administrador da sociedade directora,

adequação, correcção e conhecimento técnico, segundo critérios de

racionalidade económica.

Conceito este também demasiado vago que permitirá sempre

imputação de negligência ou omissão de conduta proficiente se

porventura ocorrerem resultados negativos.

Ora sempre será possível imputar responsabilidade aquiliana a um

presidente de comité de auditoria de uma companhia de seguros ramo

vida, por exemplo que tiver dado a sua aquiescência à aquisição de

obrigações a taxa fixa a longo prazo, que vierem a perder valor quase

total, mas que ao tempo da aquisição até eram consideradas aplicação

prudente e conservadora.

Outra questão é saber em que consiste o conceito de interesse do

grupo. Podem ocorrer instruções dadas pelos Administradores da

Sociedade directora, que servem os interesses da sociedade directora,

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e de outras sociedades do mesmo grupo mas que num caso especifico

prejudiquem os interesses de uma sociedade subordinada.

Qual o interesse prevalecente?

Qual a responsabilidade civil do Administrador da Sociedade em relação

de grupo, dominada e prejudicada.

Qual o interesse de accionistas minoritários prejudicados nessa decisão

que mereça tutela de imputação de ilicitude, para efeitos de exigência

de responsabilidade civil?

O critério conceptual neste domínio é muito complexo.

Coutinho de Abreu refere o grupo de empresas como empresa.

Estamos então forçados a discutir o conceito de empresa, e neste

sentido a Sociedade directora pode dar instruções desvantajosas à

sociedade subordinada, desde que justifique contrapartidas no

interesse da “empresa” policorporativa.

No âmbito da nossa indagação uma conclusão perturbadora se pode

trazer já à nossa atenção.

No âmbito das relações de grupo a responsabilidade civil dos

Administradores da sociedade directora alarga-se por via da

responsabilidade por omissão das instruções da sociedade dominada,

mas também se impondo referir a subsistência de responsabilidade, no

caso de delegação de poderes.

Assim também neste caso, poderemos concluir – que a

responsabilidade é de natureza obrigacional (Art. 798 da CC) tem

pressupostos semelhantes ao da responsabilidade delitual, sendo o

facto ilícito presumido na violação de uma obrigação de cuidado, isto é

pressuposto presumir de que existe ilicitude, culpa, dano ou nexo de

causalidade.

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5 – Da responsabil idade social face aos interesses de Ordem

Pública.

Constitui quase uma aceitação jurisprudencial e doutrinária, a afirmação

de que interesse social da sociedade está marcado pela presença da

estipulação do Art. 64 do Código das Sociedades Comerciais, que

pauta o dever de cuidado dos membros dos órgãos societários.

Tal afirmação pode ser tonificada pela influência que o conceito Anglo-

Saxónico “Business Judgement Rule” tem sobre a obrigação de

cuidado e que vem tendo sobre a apreciação da responsabilidade dos

Administradores sendo de referir recente Sentença proferida na 3ª

Vara Cível de Lisboa, em que foram demandados Administradores de

uma S.A. – Multidifusão, Meios e Tecnologias de Comunicação, S.A –

em acção instaurada por um accionista minoritário e que é referida em

comunicação recente de Ricardo Costa:

“(…)

O Conselho de Administração dessa sociedade anónima, dedicada

“à implementação e/ou exploração de tecnologias de comunicação”,

delibera — num momento em que a sociedade acumulara prejuízos nos

exercícios anteriores, aumento do passivo bancário e perda de

capacidade financiamento externo e evidenciava, objectivamente,

degradação do seu “valor económico” — cancelar o avanço da

produção de um sistema

e informação de cotações bolsistas (Lisboa e mercados internacionais).

Sociedade realizara vários investimentos para a adjudicação do

14

projecto

pelo cliente interessado (Associação da Bolsa de Valores de Lisboa),

em

especial a aquisição de um “codificador” de informação. Num dos

cenários, a prestação deste serviço representaria, ao longo de três

anos, um

proveito liquido próximo dos “50.000 contos”. Porém, ficou provado

que

a implementação do projecto não inverteria a situação económico-

financeira da sociedade.

A deliberação fundou-se na contrariedade ao interesse social da

assunção de novas obrigações em face de fornecedores e de

compromissos em face de novos clientes ou o alargamento do âmbito

dos existentes, quando

era iminente a impossibilidade de cumprir tais compromissos perante a

gravíssima situação económico-financeira da sociedade, e, ademais,

uma

vez declarada a indisponibilidade do accionista maioritário (51%) para

injectar novos capitais na sociedade — suprimentos e/ou subscriçao de

aumentos de capital social. Os administradores consideraram ser esta a

“única atitude prudente, racional e conforme ao interesse da

sociedade” — suspender ou mesmo declinar pura e simplesmente a

celebração de novos contratos com terceiros, salvo se se tratasse de

contratos de muito pequeno significado —, ate que os accionistas

tornassem de uma forma clara e definitiva uma resolução sobre o

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futuro da sociedade. Havia, por isso, um “bloqueio da actividade

social”. A sociedade perdeu, pelo menos, um cliente importante depois

dessa deliberação, cliente esse que cessou o contrato de prestação de

um outro serviço, e não aceitou outros clientes para o projecto em

causa.

0 Tribunal decidiu que os administradores da <<Multidifusão>> não

poderiam ser responsabilizados, na medida em que: a) não foi provado

que os administradores tivessem violado o dever de obtenção de

informação no iter da decisão, antes demonstrou-se o contrário: a

referência a “gravíssima situação financeira da sociedade” e a

afirmação de que se vinha chamando a atenção dos accionistas para tal

facto “desde há quase um ano” mostram que houve recolha de

informação e esta foi examinada e ponderada durante mais de um ano;

b) não foi provado que Os administradores tivessem violado o dever de

não tomar decisões irracionais, pelo contrário, da fundamentação da

deliberação resulta a sua racionalidade, ancorada na prudência e no

interesse da sociedade.

Mais: o tribunal considerou mesmo que existiam fortes indícios que a

decisão tinha sido a adequada, tanto mais que foi sensível ao

argumento de que o incumprimento previsível das obrigações

contratuais da Multidifusão poderia acarretar prejuízos a terceiros (no

âmbito da gestão das carteiras de valores mobiliários).

Assim, o tribunal considerou expressamente que estava a consagrar no

seu julgamento uma limitação da sindicabilidade do mérito das decisões

empresariais, de acordo com as lições da business judgment rule.

16

(…)”

Não nos deixemos no entanto iludir. A demagogia que referimos na

introdução ao tema que debatemos, irá ampliar sem quaisquer barreiras

técnicas, a imputação de responsabilidade penal ou contraordenacional

sobre um “guarda chuva” abrangente donde escorrem cascatas de

consequências patrimoniais indemnizatórias tonificadas pela imputação

de responsabilidades politica exigidas em patibulos mediatizados, não

curando de saber da causalidade adequada para qualquer evento de

consequências patrimoniais negativas, que possam ser reclamadas e

agitadas com escandalização social.

O podermos hoje observar que a censurabilidade social é ajuizada em

sede politica parlamentar, para depois se poder arguir, em qualquer

processo penal ou contraordenacional e onde o valor da

“transparência” se sobrepõe a valores prudenciais que constituíram

necessidade de dissuasão emocional e irracional, de abordagem de um

assunto ou contrato, pelas massas em convulsão, induz pela

experiência, reconhecimento da possibilidade de ocorrência de riscos e

censuradas responsabilidades ilegítimas, que irão fazendo o seu

caminho nas convulsões sociais que prenunciam a rebelião das massas.

Sabemos também por experiência, que não poucas vezes os processos

penais constituem a combustão dos combates políticos.

O tema da responsabilização penal não é do nosso cuidado nesta

intervenção, mas concluindo pela minha convicção intuitiva que mais

tarde ou mais cedo a Jurisprudência pressionada pelo mediatismo

demagógico, será levada a sindicar o mérito das decisões empresariais

em conformidade com um subjectivismo jurisdicional, que quando

contrastado pela razoabilidade, pela racionalidade, e pela prudência nos

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fará antever a monstruosidade que será, uma “Corporate Governance

de Juízes”

6 – Acções Sociais

Não queria deixar de mencionar também algumas das questões que

costumam enredar as acções sociais.

O art. 77º do C.S.C. faculta a “um ou vários sócios que possuam, pelo

menos, 5% do capital social, ou 2% no caso de sociedade emitente de

acções admitidas à negociação em mercado regulamentado, propor

acção social de responsabilidade contra gerentes ou administradores,

com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta

tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado.”

É o que usualmente se denomina de aacção “ut singuli”, cujo

carácter subsidiário é expresso na última parte do preceito citado. Não

havendo acção social “ut universi”, aos sócios é reservada esta

possibilidade.

Podemos distinguir três situações em que a sociedade, apesar de

constatado o ilícito, se abstém de accionar o seu administrador:

- Ou porque a assembleia-geral rejeitou a proposta de demanda judicial;

- Ou porque, deliberada a instauração, precludiu pela inércia o prazo de

seis meses;

- Ou, finalmente, porque nada foi deliberado sobre o assunto.

Nesta última situação, os sócios que pretendam exercer a faculdade

prevista pelo art. 77º deverão previamente requerer a convocação de

assembleia-geral ou a inclusão desta matéria na ordem de trabalhos de

assembleia-geral já convocada. E se é certo que, nas sociedades

anónimas a lei exige para tanto participação social não inferior a 5%,

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concordamos com COUTINHO DE ABREU que não faz sentido que,

atribuindo a lei aos sócios que detenham só 2% de acções admitidas à

negociação em mercado regulamentado legitimidade para demandar,

não se reconheça a estes sócios o direito a requerer a mesma

convocação ou inclusão.

Convém referir duas questões que se podem suscitar na acção social

“ut singuli”:

- A sociedade deve ser chamada à causa “por intermédio dos seus

representantes”, nos termos do n.º 4 do art. 77º do Código Civil,

mediante incidente da intervenção principal provocada;

- “O facto de um ou vários “ proponentes deixarem de ter a qualidade

de sócios ou desistirem no decurso da instância não obsta ao

prosseguimento da acção; à sociedade chamada é permitido continuá-

la.

Introduziu porém uma reserva cautelar que convém atender. No n.º 5

do referido art. 77º - “Se o réu alegar que o autor propôs a acção

prevista neste artigo para prosseguir fundamentalmente interesses

diversos dos protegidos por lei, pode requerer que sobre a questão

assim suscitada recaia decisão prévia ou que o autor preste caução”.

Assim o administrador contra quem foi instaurada acção “ut singuli”

pode suscitar na sua defesa, uma questão prévia, invocando que os

fins pretendidos são processualmente anómalos porque distintos do

interesse social, ou, com idêntico fundamento, requerer que o autor

preste caução. À falta de outros desenvolvimentos legais e de suporte

jurisprudencial (atenta a pouca utilização que até ao presente vem

merecendo o instituto), atrevemo-nos a concluir que a decisão prévia

favorável conduzirá à absolvição da instância do administrador e a

19

adivinhar que a prestação de caução terá na base ou o valor do pedido,

ou o valor estimado correspondente aos danos que venham a ser

suportados pelo réu em virtude da demanda.

Importa esclarecer que o regime da acção “ut singuli” tem sido objecto

de algumas querelas doutrinais, em grande parte decorrentes das

enormes deficiências de redacção da Lei.

Existem, essencialmente, duas concepções em disputa: de um lado,

considera-se que a acção exercida por accionistas isolados é uma

acção individual, através da qual estão a exercer um direito próprio; do

outro, entende-se que a acção “ut singuli”, quer seja exercida por

accionista isolado, quer por grupo de accionistas, tem a natureza de

acção social e se funda no prejuízo causado à sociedade e por ela se

faz valer o próprio direito da sociedade à sua reparação.

A chave estará no destino da reparação demandada na acção. Ora,

esta reverte a favor da sociedade e não dos sócios demandantes.

Assim, escreve o aludido autor:

Como a indemnização pedida pelos accionistas e prestada pelo

administrador se integra no património social e não é entregue como

tal aos accionistasa, vai aproveitar naturalmente todos os accionistas –

e não só os autores na acção. Por isso se compreende que os

accionistas tenham direito a pedir a totalidade da indemnização devida

à sociedade.”

Como concluiu BRITO CORREIA: “A acção social ut singuli é, assim, por

natureza, uma acção sub-rogatória, indirecta ou oblíqua.”

Mas, assim sendo – e pensamos que é – como compreender o disposto

no n.º 2 do art. 77º - “Os sócios podem, no interesse comum,

20

encarregar, à sua custa, um ou alguns deles de os representar para o

efeito do exercício do direito social previsto no número anterior”?

Qual a justificação do inciso “à sua custa”?

É uma das questões incompreensíveis de uma lei mal redigida.

Prevê ainda o n.º 2 do art. 78º do CSC que “sempre que a sociedade ou

os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos

dos artigos 606º a 609º do CC, o direito de indemnização de que a

sociedade seja titular.”

Assim, se por acção ou omissão culposa do administrador o património

social se vir consideravelmente diminuído ou comprometido e se nem a

sociedade nem os sócios agirem, caberá aos credores sociais defender

o património social que constitui a garantia geral da satisfação dos

seus créditos.

Tratando-se, como se trata, de acção sub-rogatória, a indemnização a

que o administrador venha a ser condenado integrará o património da

sociedade e não do credor ou credores demandantes.

A sociedade deverá ser chamada à acção, ocupando com o credor ou

credores a posição de autora.

Esclareça-se que este artigo 78º prevê ainda, no seu n.º 1, as acções

directas dos credores sobre os administradores pela inobservância

culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção

daqueles.

No entanto em sentido estrito estas não serão acções sociais.

Como foi já dito anteriormente, no contexto actual de uma crise de

proporções ignoradas que afecta aos olhos da opinião pública as

relações de poder no quadro de uma economia de mercado, o simples

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recordatório das responsabilidades dos administradores, directores ou

gerentes parece engrossar o “efeito ricochete”, que, num ápice, parece

transformar estas funções – absolutamente vitais - num quotidiano

pleno de riscos e numa catadupa de eventualidades e de

consequências pessoais e patrimoniais inimagináveis.

Impõe-se finalmente reconhecer que a ampliação de previsibilidade de

risco se estende cada vez mais à titularidade societária, de maioria de

capital social.

“O sócio que tenha a possibilidade, ou por força de disposições

contratuais ou pelo número de votos de que dispõe, só por si ou

juntamente com pessoas a quem esteja ligado por acordos parassociais

de destituir ou fazer destituir gerente, administrador ou membro do

órgão de fiscalização e pelo uso da sua influência determine essa

pessoa a praticar ou omitir um acto responde solidariamente com ela,

caso esta, por tal acto ou omissão, incorra em responsabilidade para

com a sociedade ou sócios, nos termos desta lei.”

Esta norma define como responsabilizável, na conclusão de RUI

PEREIRA DIAS, “um sujeito que tem um poder de controlo ou influência

sobre a sociedade, ou melhor, sobre um membro do órgão de

administração ou fiscalização, e não é necessariamente detentor da

maioria das participações sociais. Valendo um critério que não está

necessariamente vinculado à detenção de uma elevada fracção do

capital da sociedade (e por essa via uma elevada “fracção” do

património da sociedade), mais uma razão temos para crer que a

responsabilização do sócio, pelo art. 83-4, não se erige apenas como

singela garantia patrimonial dos créditos resultantes, para a sociedade

ou outros sócios, do acto ou omissão prejudicial do administrador. Há,

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pois, um sancionamento da conduta do sócio, em virtude de, no

aspecto organizatório, ter desrespeitado as regras de repartição de

competências, e de, no aspecto material, ter prejudicado a sociedade

e/ou outro(s) accionista(s).”

Importa neste contexto recordar que o princípio da especialidade do

direito das sociedades não afasta o recurso aos institutos gerais do

direito civil, tais como, o abuso de direito, o princípio da boa-fé, etc.,

os quais deverão ser sempre convocados quando falhe, num ou noutro

aspecto, a previsão deste artigo.

Em conclusão, e sobre este aspecto, sem outros aprofundamentos que

o tempo não consente, releva-se que existe e está a nascer um vasto

campo de responsabilização de sócios, que não estritamente os

administradores ou restantes titulares de órgãos sociais, que no

momento que vivemos, seguramente, não deixará de vir a ser

explorado.

7 – Remédios e referências a considerações nas apólices de

seguro

Espero que as referências feitas a tantos efeitos negativos não seja

suficiente para desistirmos de encontrar remédios para a situação em

que caímos:

a) Como é óbvio a procedência dos remédios é de carácter politico,

ético e legislativo.

b) É de carácter politico, porquanto o poder politico dos Estados

numa civilização globalizada, impõe que se encontrem

instrumentos de Direito Internacional, positivo que regulamentem

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convenientemente a actividade das Instituições de Tutela e

Regulação das actividades financeiras e Seguradoras e em

mercados de “Comodoties”.

Impõe que existam critérios de ética de procedimentos e

condutas suficientemente regulamentados em códigos de

“Corporate Governance” que impeçam o exercício de funções a

individuos, com perfil e antecedentes insusceptíveis de merecer

confiança por parte da Sociedade, devendo a sindicância de tais

decisões ser pautada por regras de discricionalidade técnica por

parte das das Entidades Reguladoras e de Supervisão.

c) Impõe-se que a qualidade técnica da legislação que regule a

responsabilidade, seja indiscutível por forma a que não possam

surgir veleidades de ajuizamento empírico, de conceitos vagos e

indeterminados, emergentes de uma qualquer “Bussinnes

Judgement Rule” desenquadrada de um sistema normativo de

raiz continental.

A estes remédios, é nos imposto como cidadãos, contribuir para

o reconhecimento da sua necessidade, actuando politicamente

como cidadãos, nos meios de vida e acção em que nos inserimos.

Porém existem ainda remédios que me atrevo a referir.

A deliberação de Assembleia Geral de uma sociedade que fixar as

modalidades de prestação de caução, deve ser criteriosamente

elaborada e proposta à Assembleia Geral de accionistas ou

sócios, sendo que contratualize, na relação de outorga do

contrato de mandato para gerir, os limites mínimos e máximos

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de cobertura de responsabilidade, por via de erros e sobretudo

omissões.

Sendo a caução oferecida por contrato de seguro, o clausulado

contratual e as definições das condições gerais e especiais da

apólice, irão receber como que “emigrados” múltiplas definições

que emergem de conceitos e tradição da “common law” e que

não encaixam com perfeição na nossa tradição de direito

continental. Uma das mais complexas questões é a definição do

Acto Il ícito, e acto ilícito IInter-relacional.

na mais difundida tradição seria bastante a definição que

presentemente consta na generalidade das apólices:

ACTO ILICITO: É o acto ou omissão violador de um direito, dever ou

interesse alheio praticado pelo segurado na sua qualidade de titular de

órgão de administração ou fiscalização de sociedade comercial

identificada nas condições particulares, que dê origem a uma

reclamação dos titulares do direito a indemnização.

e

ACTO ILICITO INTER-RELACIONADO: São os actos ou omissões

que tenham como nexo ou origem comum qualquer facto,

circunstância, evento, transacção, ou série de factos, circunstâncias,

situações eventos ou transacções casualmente relacionados.

Ficando usualmente excluída da cobertura o ressarcimento pelos

prejuízos ou danos resultantes da responsabilidade criminal, ou

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contraordenacional, ou qualquer outro tipo de sanção com carácter

punitivo e pessoal do segurado.

Aqui emerge umas das novas complexas questões de facto, porquanto

as perdas sofridas pela Sociedade acusada por via de responsabilidade

contraordenacional ou fiscal seja criminalizada ou não, ou pura e

simplesmente acusada por vultosas multas aplicadas por qualquer das

autoridades de supervisão ou dos serviços tributários, ficam em

princípio excluídas da cobertura contratual no contrato de seguro. Mas

isolar com rigor o facto objecto de sanção gerador dos prejuízos que

se pretendiam cobertos por um seguro, é uma das mais complexas

questões, para quem tem que gerir a aplicação de uma apólice.

A noção de Sinistro, torna-se em consequência um conceito,

suficientemente vago, que fará nascer conflitualidade entre a

beneficiária da cobertura contratual do seguro, e a seguradora.

A questão de definição do sinistro e de causalidade adequada à sua

verificação, cresce em complexidade quando existem relações grupais

societárias e quando a causa está interligada com outras causas

distintas, quer no tempo, quer na própria materialidade.

E como nas cerejas, uma questão puxa a outra, a causalidade material

e temporalmente interligada, levanta o problema da questão da

cobertura retroactiva, e da cobertura posterior.

O que ocorre com frequência quase absoluta, porquanto o tempo da

imputação da responsabilidade, seja a que titulo for, não coincide com

o tempo do mandato para gerir em que na maioria dos casos a

imputação de Sinistro ocorre quando o mandato já se extinguiu. E que

dizer sobre o efeito da aprovação de contas em Assembleia Geral?

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Importa referir ainda, a questão dos custos com a defesa forense que

se vem revelando cada vez mais insuportáveis, sobretudo para o

segurado, que quando interpelado para responder por prejuízos, já se

acha desligado do desempenho do mandato para gerir.

Na maioria das apólices são configuradas as cláusulas contratuais que

orientam o contrato neste domínio. E com uma vinculação, a que o

patrocínio judiciário do segurado, deva ser confiado e constituído pela

entidade Seguradora, ficando tal clausula claramente identificada na

Apólice, podendo no entanto a escolha do patrocínio forense ser

efectuada por acordo, e na falta de acordo sendo a opção tomada pela

Companhia Seguradora.

A penosidade e onerosidade dos patrocínios forenses de que vimos a

ter conhecimento, impõe que se aperfeiçoem os termos de referência

das Apólices neste domínio, encontrando-se uma tendência para que o

montante de franquia contratual, se amplie, por forma a proteger a

companhia seguradora da onerosidade crescente dos custos da defesa.

Não pretendo alongar muito mais a exposição, porquanto estou

convicto que o debate entre especialistas aqui presentes, poderá

ajudar-nos a reconhecer as dificuldades de uma realidade, que

sinceramente nos atormenta.

A noção do “Tort” emergente da “Common Law” está a introduzir-se

sub-repticiamente, nas estipulações das condições gerais e especiais

das apólices de seguro. E seguindo tal ocorrência, a tendência para

adoptar formatos anglo-saxónicos nas estipulações contratuais, e nas

definições, irá ampliar-se; tornando a incerteza do nosso Direito e da

nossa Jurisprudência, uma característica penosa e muito negativa para

o nosso Sistema de Justiça.

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