June paik

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TV Cello (1971) Charlotte Moorman na apresentação do concerto de Paik na Galeria Bonino em Nova York. Fonte: http://intermidias.blogspot.com/2006/12/nam-june-paik.html 70 TUCUNDUBA

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TV Cello (1971) Charlotte Moorman na apresentação do concerto de Paik na Galeria Bonino em Nova York.Fonte: http://intermidias.blogspot.com/2006/12/nam-june-paik.html

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A videoarte na vida de

Nam June PaikIsley Martins e Souza

Tempos revolucionários costumam abrir espaços para manifestações artísticas mais ousadas e originais. Foi o aconteceu com o surgimento das tendências do século XX; entre elas está a Arte Conceitual, que considera a idéia, o conceito por trás de uma obra artística, como sendo superior ao próprio resultado final, podendo este até ser dispensável. O que importa é a invenção da obra, o conceito que é elaborado antes de sua materialização. Sua maior influência está no movimento dadaísta, com os ready-mades de Duchamp, que nasce levantando vários questionamentos, como: o valor estético e utilitário da obra e uma arte a serviço apenas dos sentidos, que não se permitia pensar.

A arte conceitual foi uma manifestação ocorrida em vários países, quase ao mesmo tempo. Uma geração de artistas e críticos que tomaram consciência sobre o estado em que se encontrava a civilização, a sociedade, os regimes políticos e se colocaram diante de uma abordagem mais critica e de certa forma subversiva. O artista assume o papel de revolucionário e faz de sua arte um instrumento à disposição da revolução social. Fazer arte era

fazer política. A ação e estética faziam parte das intenções do artista.

No entanto, é na década de 60, através das idéias vinculadas pelo grupo Fluxus, que a Arte Conceitual torna-se um fenômeno mundial. O termo se popularizou em 1967 depois que a revista americana ArtForum publicou o texto do artista minimalista Sol Lewitt intitulado Parágrafos sobre a arte conceitual, seguido das Sentenças sobre a arte conceitual. Nesse artigo a revista organiza as reflexões já existentes na área sobre uma arte que se desenvolve somente no campo das idéias, abandonando um pouco a materialidade da obra de arte. Porém o primeiro a empregar, de fato, a expressão “arte conceito” foi o escritor e músico Henry Flynt, já em 1961, em meio às atividades ligadas ao Fluxus, movimento que marcou as artes das décadas de 60 e 70, opondo-se aos valores burgueses, às galerias e ao individualismo.

A origem do Grupo Fluxus situou-se em torno das aulas de música experimental ministradas por John Cage na New School for Social Research. O músico, na tentativa de criar composições não-narrativas e aleatórias,

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incorporando ruídos e interferências do meio, inspirou os artistas na tentativa de dialogar com o cotidiano em seus trabalhos. Oficialmente, o grupo foi criado por George Maciunas no ano de 1961, em Wiesbaden, na Alemanha, durante o Festival Internacional de Música. O nome Fluxus, (do latim flux, significa modificação, escoamento, catarse) era, em princípio, o título de uma revista, mas se estendeu posteriormente para designar as performances organizadas por Maciunas.

Os membros do grupo valorizavam a criação coletiva e integravam diferentes linguagens como música, cinema e dança, manifestavam-se principalmente através de performances, happenings, instalações, entre outros suportes inovadores para a época. Tiveram como principal referência o movimento Dadaísta e a obra de Marcel Duchamp, que influenciaram na contestação dos valores estabelecidos e no espírito anárquico do grupo.

No entanto, enquanto Duchamp havia com seus ready-mades, elementos apropriados do cotidiano sendo-lhes atribuído status de arte, mas posto ao lado do objeto artístico consagrado, criado um novo conceito de arte, a que chamava anti-arte, os artistas do Fluxus procuravam inserir a arte no cotidiano das pessoas, defendendo a idéia de que todos deveriam compreendê-la; com isso buscavam inovar e ampliar as formas de expressão artísticas.

Os artistas Nam June Paik e Wolf Vostell foram os primeiros a usar o vídeo, criando a videoarte. Nas exposições do grupo, as obras tinham sempre um teor de provocação e crítica, com a presença de um humor extravagante. Como objetivo, seus participantes visavam uma revolução cultural, social e política através da arte. Em 1963, foi escrito um manifesto contendo frases como “destruam os museus de arte” ou “destruam a cultura séria”, entre outras polêmicas.

A origem da videoarte teve inicio nos anos 60 e se deu pela disponibilização comercial do portapack (gravador portátil de videoteipe) e do gênio Nam June Paik que pôde mover e gravar coisas simultaneamente, tornando-se a partir de então uma celebridade internacional, sendo conhecido por seus trabalhos criativos e divertidos.

Nam June Paik nasceu em 20 de junho de 1932, em Seul, Coréia. Na década de 50 fugindo da Guerra da Coréia sua família deixa o país, instalando-se em Hong Kong e depois no Japão. Em 1956 termina sua graduação na Faculdade de Tókio como bacharel em História da Arte e História da Música, incluindo uma tese sobre Arnold Schönberg (compositor austro-húngaro, 1874-1951. Especialista em escrever concertos para violino). Nesse mesmo ano transfere-se para a Alemanha, onde teve uma breve passagem pela Universidade de Munique, estudando História da Música e Composição no Conservatório de Freiburg.

De 1958 a 1963 tem seu primeiro encontro com a música eletrônica nos estúdios de John Cage, onde estudou música experimental. Conheceu Karlheinz Stockhausen onde iniciou experimentos conjuntos no Estúdio de Música Eletrônica da emissora WDR em Colônia e se associou ao movimento artístico Fluxus. Fez projetos de performance em vídeo com Laurie Anderson, Yoko Ono, David Bowie e a violoncelista Charlotte Moorman. Ainda em 1963 conhece Shuya Abe no Japão trabalhando com eletroímãs e televisão de cor. É também o ano em que teve sua grande estréia no Exposition of music-eletronic television (Ex-posição de Música, Televisão Eletrônica), espalhando diversos televisores por todos os lugares, utilizando imãs para distorcer as imagens.

A produção artística sob o emblema da antiarte – legado dos dadaístas – e em parceria de Joseph Beuys elabora a instalação manipulando os elementos eletrônicos e a tecnologia. Subvertendo os efeitos das imagens recebidas e questionando os procedimentos comerciais dos meios de comunicação de massa. A obra ficou conhecida como TV Magnet e deu origem ao vídeoarte, transformando Paik no pioneiro em uso de satélites de telecomunicação em projetos artísticos.

A introdução do vídeo nesse universo traz novos elementos para o debate sobre o fazer artístico. As imagens projetadas ampliam as possibilidades de pensar a representação, além de transformar as relações da obra de arte com o espaço físico. As cenas, os sons e as cores que os vídeos produzem, expandem-se sobre e ao redor das paredes da galeria,

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TV Magnet (1965) Nam June Paik. Fonte: http://paikstudios.com

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conferindo ao espaço um sentido de atividade: o olho do espectador mira a tela e além dela, as paredes, relacionando as imagens que o envolvem. Se a videoarte interpela o espaço, visa também alterar as formas de apreensão do tempo na arte. As imagens, em série, como num enredo ou projetadas simultaneamente, almejam multiplicar as possibilidades de o trabalho artístico lidar com as coordenadas temporais.

Nam June Paik começou a sua carreira como compositor e músico e foi um dos artistas responsáveis por transformar a então vídeoarte em arte respeitável, digna de ser apresentada em grandes Museus e Galerias, como o Guggenheim e Whitney.

O trabalho com a violoncelista clássica Charlotte Moorman acontece depois que Paik passa a residir em Nova York, os dois combinavam vídeo, música e performance. Na obra TV Cello, a dupla empilhou televisores um sobre o outro, de modo a adquirir o formato de um violoncelo. Quando Moorman puxou seu arco sobre as cordas do violoncelo, imagens dela e de outros violoncelistas tocando apareceram nas telas.

Paik desenvolveu sua forma de ativismo musical através do emprego de ruídos aleatórios na composição com sons clássicos e teve como engajamento social democratizar a arte e transformá-la em um meio de comunicação de massa, como a televisão.

Seus trabalhos misturam vários suportes como cinema, televisão, fitas cassetes e esculturas inanimadas. Foi primeiramente atraído pelo vídeo no contexto da sua música, tendo a qualidade aleatória do som televisivo como o que primeiro lhe chamou a atenção. Trabalhou o vídeo e as assemblages dos monitores com primazia, desconstruindo a técnica aos extremos da criação e expandindo os domínios da linguagem artística. Interessado por eletromagnetismo, cibernética, transmissões por satélite e laser, Paik foi um investigador das relações entre arte e ciência, atribuindo-lhe a paternidade da expressão “auto-estradas eletrônicas”.

O meio é a mensagem, o espectador é a tela e a televisão delineia um novo espaço/tempo estético, em que “o contorno plástico resulta da luz que atravessa e não da luz que ilumina, formando uma imagem que tem a

qualidade da escultura e do ícone, mais do que a pintura” (MCLUHAN, Marshall, 1960).

À reflexão filosófica de raiz oriental e vocação provocadora juntou um forte sentido do humor e do espetáculo, que o levou a criar acumulações de televisores em forma de robô, de grandes instalações chamadas de vídeo-esculturas. Tornou-se conhecido por fazer robôs fora dos sets de televisão. Eles eram construídos com pedaços de fios e metal, mas, conforme o tempo passou, começou a utilizar pedaços de adaptações de rádio e televisão.

Apropriando-se da linguagem e do suporte da televisão com a intenção de denunciar os perigos de um meio de comunicação tão poderoso culturalmente, afirma Paik (1973) a um jornal coreano: “Assim como a colagem substituiu a pintura a óleo, o raio catódico substituirá a tela”.

Nas últimas três décadas, foi um porta-voz provocador e profético dos novos usos da tecnologia televisiva e da relevância da televisão para com a arte. Utilizou aparelhos de televisão em espantosas construções para performances e desenhou instalações compostas por televisões transformadas em aquários, e amontoadas em pirâmides. Paik também fez televisões-cadeira, várias versões de televisões-robôs eassociou televisões a ícones orientais.

Esta obra é composta por treze aparelhos de televisão, cada um transmitindo um canal diferente, correspondente os treze canais a cabo do estado de Nova York. O agrupamento dos aparelhos remete a imagem neo-Gótica da Cruz Católica. Além dos televisores, a instalação é ornamentada com peças íntimas de Paik, como camisetas surradas mostrando quão desapegado a bens materiais ele era. Combinava vídeo-clips projetados a velocidades vertiginosas - muitas vezes dramaticamente coloridos - em montagens de alta energia, programadas em vários monitores de televisão. Foi o precursor nas combinações diretas ou manipuladas de segmentos de emissões televisivas, com vídeos produzidos por ele, organizados por uma complexa matriz visual e auditiva.

Sua última instalação, denominada “pós-vídeo” combina a imagem cinética movida a laser num tecido tensionado, enquanto cascatas de água e fumaça são vistos sobre a

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imagem. A combinação do cinema e da TV é apresentada como uma advertência aos novos meios que hão de surgir, revolucionando a tecnologia como nós a conhecemos. Ele visava com seu trabalho criar uma televisão universal, cuja compreensão seria aberta ao mundo e o seu conteúdo seria um resultado das várias visões e análises propostas.

As obras de Nam June Paik nos fazem pensar sobre novas possibilidades de uso dos meios tecnológicos e, principalmente, a reflexão sobre a cultura de massa e a possibilidade de uso mais elaborado e libertador desses veículos. A aula mais importante a ser tomada de Paik é que o artista tem que saber olhar para os movimentos conceituais, aprender com eles e saber criar formas alternativas de expressão tomando como base a própria tecnologia que impacta as nossas vidas. Paik transformou não apenas as imagens, mas o próprio aparelho televisivo como arte, incorporando-o à sua escultura.

O artista coreano em 1996 foi homenageado do 11º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil, realizado no Sesc Pompéia, em São Paulo. Ao final desse mesmo ano, Nam June Paik teve um derrame que o deixou parcialmente paralisado. Faleceu em 29 de janeiro de 2006 aos 73 anos, em seu apartamento em Nova York, cidade onde foi enterrado.

As novas tecnologias, associadas ao processo de globalização, penetraram todos os espaços do planeta, interferindo na vida de todos os povos, até mesmo das populações mais isoladas e refratárias à modernização. As técnicas, os artifícios, os dispositivos que o artista utiliza para conceber, construir e exibir seus trabalhos não são apenas ferramentas inertes, nem mediações inocentes, indiferentes aos resultados que se poderiam substituir por quaisquer outras. Eles estão carregados de conceitos e derivam de condições produtivas bastantes especificas.

O artista busca se apropriar das tecnologias mecânicas, audiovisuais, eletrônicas e digitais numa perspectiva inovadora, fazendo-as trabalhar em beneficio de suas idéias estéticas. A videoarte talvez tenha sido um dos primeiros lugares onde essa consciência se constituiu de forma clara desde o inicio. Antes mesmo da invenção do videoteipe portátil e da mídia eletrônica ser reconhecida como campo de possibilidades para a expressão estética.

SAIBA MAIS

FREIRE, Cristina. Arte Conceitual. Rio de Janeiro, 1961. Ed: Jorge Zahar, 2006.

STRICKLAND, Carol. Arte Comentada: Da pré-história ao pós-moderno. Rio de Janeiro. Ediouro, 2004.

MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro. Ed: Jorge Zahar, 2007.

Sites:

Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: Videoarte. Atualizado em 24/11/2008. Disponivel em: http://www.itaucultural.org.br. Acesso em: 05/01/2010.

Nam June Paik: A Arte de Nam June Paik. Atualizado em 18/05/ 2007. Disponivél em: http://namjunepaikvideoart.blogspot.com/. Acesso em: 07/01/2010.

Web site oficial: Nam June Paik. Disponível em: http://paikstudios.com/. Acesso em: 10/01/2010.

Meu Fausto (1989-1991) Nam June PaikFonte: http://namjunepaikvideoart.blogspot.com