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AnoII - Nº4 - Dezembro/2006 Juntando as peças História e representações do presépio natalino Dom Eduardo Entrevista com monge do Mosteiro de S. Bento uigi irandello L P tenta a s da m rte Se no o do dra aturg m o Gastronomia Panetone: origens e receitas doce e salgada

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AnoII - Nº4 - Dezembro/2006

Juntando as peçasHistória e representações

do presépio natalino

Dom EduardoEntrevista com monge do Mosteiro de S. Bento

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GastronomiaPanetone: origens e receitas doce e salgada

Bonito por fora. Moderno por dentro. Excelente no ensino.

Colégio Dante Alighieri: em uma só escola, o que há de melhor na educação.

Educação Infantil (Maternal e Jardim)

Ensino Fundamental de 9 anos

Ensino Médio

Períodos: Manhã e Tarde

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Ligue: (11) 3179-4400www.colegiodante.com.br

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Carta ao LeitorDr. Marco Formicola

A Revista DANTEcultural é uma publicação do

Marco FormicolaPresidente

José de Oliveira MessinaVice-presidente

Renato Bernardo FontanaDiretor secretário

José Piovaccari2º Diretor Secretário

Milena Montini Martins de Siqueira

Diretora Financeira

Salvador Pastore Neto2º Diretor Financeiro

Carlo CirenzaDiretor Adjunto

Ítalo Américo LorenziDiretor Adjunto

José Luiz FarinaDiretor Adjunto

José PerottiDiretor Adjunto

Lauro SpaggiariDiretor geral pedagógico

Fernando Homem de MontesEditor-chefe e jornalista responsável

(MTb:34.598)

Adriano De LucaEditor

Colaboradores: Ana Luiza Daltro, Beatriz Scavazzini, Daniela Buono, Edoardo Coen,

Fernanda Schimidt, Fernando Henrique Fonseca, Francisco Pires, Lamberto Percussi,

Silvana Forsait, Silvana Leporace, Silvia Percussi, Thatiane Faria

Revisão: Luiz Eduardo Vicentin

Diagramação e Arte: Simone Alves Machado e Joyce Buitoni (assistente)

Ilustração: Augusto T. Novelli

Comercial: Luiz Cesar Tunas

CartasMande suas sugestões e críticas para:

[email protected]

Tiragem: 6 mil exemplares

Colégio Dante AlighieriAlameda Jaú, 1061. São Paulo-SP

Fone: (011) 3179-4400www.colegiodante.com.br

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DANTEcultural

DANTEcultural

Caros Leitores:

Esta é uma edição de comemoração e de despedidas.

Afinal, o Natal está chegando, assim como o final de

mais um ano. É um ciclo que acaba, para darmos

início a um novo. E, para festejarmos todos esses

momentos importantes, quisemos fazer uma revista

que fosse um presente para vocês, leitores.

Assim, o assunto que permeia a maioria das matérias

desta DANTEcultural é o Natal, época para

meditações e pedidos de paz para a humanidade e

para o mundo. A matéria de capa nos conta a história

do presépio, surgido, pela primeira vez, das mãos de

um certo jovem italiano, de nome Francisco, o santo

de Assis.

A tônica religiosa também dá o tom à nossa

entrevista. Quem nos concede um curioso e, ao

mesmo tempo, emocionante depoimento é o ex-

aluno Carlos Eduardo Uchôa Fagundes Jr., hoje Dom

Eduardo, monge beneditino e reitor da Faculdade de

São Bento, a primeira instituição a ensinar filosofia na

América Latina.

Voltando ao espírito do Natal, Edoardo Coen nos

convida para um passeio pela Roma da sua infância,

quando, com seus colegas de escola, em dezembro

de 1945, fez uma peregrinação por pontos de

inspiração natalina da Cidade Eterna.

Ainda pensando em “natal”, mas agora no sentido da

terra de origem, vamos contar a história de alguns

descendentes que, em busca de sua identidade

familiar, voltaram à Itália para conhecer suas raízes.

A superficialidade dos festejos natalinos de hoje em

dia, bem como o perigo de um consumo

irresponsável são temas também presentes, nesta

edição, na crônica escrita pela ex-aluna, agora

estudante de medicina, Silvana Forsaith, e no artigo

da nossa coordenadora do Serviço de Orientação

Educacional, Silvana Leporace.

Aproveito a oportunidade para desejar, a todos os

leitores, boas festas e um excelente ano novo.

Até 2007.

Marco Formicola

Presidente do Colégio Dante Alighieri

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Índice

DANTEcultural

6 Notas“Uma Séria Ópera Bufa”, “Dançarinos descalços” e a XI Feira do Livro do Colégio Dante Alighieri

EntrevistaDom Eduardo fala sobre os desafios de ser um monge no centro de uma das maiores cidades do mundo

A representação de um nascimento: origens, simbologias e curiosidades sobre os presépios natalinos

RaízesDescendentes de italianos que, movidos a curiosidade e coragem, foram investigar suas origens

TeatroSetenta anos da morte de Luigi Pirandello, dramaturgo que expôs os dilemas interiores do ser humano

Literatura Épico traz história de amor e reconstrói o cenário, os personagens e os costumes do Império Romano

MúsicaNa harmonia entre piano e scats, o jazzista italiano Paolo Conte conserva a fórmula do sucesso

CinemaClaudia Cardinale, a atriz que marcou as telas com profissionalismo, genuinidade e beleza extrema

Ensaio fotográficoLado a lado, a fé e o profano dão o tom em uma das festas de rua mais tradicionais de São Paulo

Espaço abertoOs enfeites, os presentes, as músicas e as comemorações: quase tudo parece normal. Quase tudo.

TurismoJornalista propõe um passeio cultural na cidade de Roma, onde nasceu e passou parte da infância

GastronomiaLendas, receitas e vinhos que acompanham aquele que não pode faltar à ceia de Natal: o Panettone

Artigo / EducaçãoFim de ano, época em que pais e filhos são colocados à prova do consumismo e da perda de valores

MemóriaÁlbum aberto

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Capa: Iatã Cannabrava (Detalhe do Presépio Napolitano de São Paulo - Arcanjo com harpa, de Lorenzo Mosca, fim do século XIII) Rafael Capuani (Dom Eduardo Uchôa Fagundes) Iatã Cannabrava (Presépio Napolitano de São Paulo)

Imagem cedida pelo site www.claudiacardinale.co.uk (Claudia Cardinale) Thatiane Faria (Festa de N. Sra. Achiropita) ENIT (Santa Maria Maggiore) Tadeu Brunelli (Panetones de Natal)

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Notas

DANTEcultural

No início de novembro, o Dante recebeu em seu

auditório a companhia de dança italiana I danzatori

scalzi (Os dançarinos descalços), que se

apresentou com a peça “Tosca: o poder contra o

amor”, com direção e coreografia de Patrizia

Cerroni, famosa bailarina internacional. O grupo

apresentou uma atualização de Tosca, drama do

escritor francês Victorien Sardou, que Giacomo

Puccini transformou em ópera.

Na penúltima semana de setembro, o Colégio Dante Alighieri realizou

sua XI Feira do Livro. O evento teve dois temas: o aniversário de 95 anos

da escola e a vida e a obra do escritor gaúcho Mário Quintana - em 2006

comemora-se o centenário de seu nascimento - , autor dos famosos

versos: Todos esses que aí estão/Atravancando meu caminho,/Eles

passarão.../Eu passarinho!. Entre os convidados que

compareceram à feira para participar de bate-papos ou

apresentar palestras e oficinas, esteve o escritor

Moacyr Scliar, membro da Academia Brasileira de

Letras, conversando com alunos das 8as séries do

Ensino Fundamental.

Em outubro ocorreu a 6ª Settimana della lingua italiana nel mondo,

que contou com curso experimental, mostra e seminário. Em

parceria com o Istituto Italiano di Cultura de São Paulo, o Dante

entrou duas vezes na programação dos eventos, tendo aberto

suas portas para um show e uma mesa-redonda, ambos

realizados no mesmo dia. O primeiro tratou-se do

espetáculo internacional “Uma Séria Ópera Bufa”

que, de forma original e irreverente, levou ao público

canções como “La donna è mobile” e “Torna a

Surriento”. O grupo, formado por sete pessoas, conta

com uma soprano, um tenor e um barítono, além dos

músicos instrumentistas. Com referência à mesa-

redonda, que antecedeu o espetáculo, o tema foi “A

revalorização de comidas e festas no terceiro

milênio”, e teve como moderador Giuseppe

Marcheggiano, da Câmara Ítalo-Brasileira de

Comércio e Indústria.

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EstacionamentoCom Manobrista

Entrevista

DANTEcultural

O monge e a cidade

O monge e a cidade

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Foto

: Rafa

el Capuani

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dezembro/2006

Entrevista com Dom Eduardo Uchôa Fagundes mostra a rotina do Mosteiro de São Bento e sinaliza que algumas tradições, como a clausura, são bem diferentes nos dias de hoje, provando que os monges atuam - e muito - na sociedade

ompletada a vida escolar no Colégio Dante Alighieri (turma de 1979), Carlos Eduardo Uchôa Fagundes Júnior daria início a suas C

múltiplas personalidades acadêmicas - primeiro ingressou na Faculdade Politécnica da Universidade de São Paulo, mas achou que não estava no lugar certo. Depois de quase três anos, abandonou a engenharia e entrou em economia, também na USP. E, como na época era possível matricular-se em dois cursos dessa mesma universidade, decidiu estudar História. Formou-se nessas duas áreas, completou seu doutorado em História Social e escreveu o livro “O beijo da História: Picasso como emblema da contemporaneidade” (Editora 34). Sim, porque, além de tudo isso, sempre sobrou tempo para os pincéis. É artista, já teve suas obras expostas em vários museus brasileiros e na Europa, trabalhou em bienais e chegou a ser crítico de arte da Folha de S. Paulo.Mas ainda não era o bastante. Faltava “algo mais”. Coincidência ou não, quando completou 33 anos de vida - para os mais desatentos, a mesma idade com que Cristo foi crucificado e ressuscitou - , decidiu ser monge. E enfrentou todas as dificuldades implícitas nessa decisão, e não foram poucas. A começar pelo fato de que ele teve de abandonar tudo o que havia conquistado e produzido até ali (pelo menos era o que ele pensava), e também pela recriminação de colegas e familiares. Hoje ele brinca com o preconceito sofrido na época, e repete as palavras de uma amiga próxima, que lhe disse ao saber da sua decisão: “Você está cometendo um suicídio social”.O dia começa às cinco da manhã. Oração, meditação e contemplação se intercalam com outras atividades nas quais os monges estão envolvidos. Após as sete horas da noite, impera o silêncio monástico. A essa agenda, acrescente disciplina e organização - em alta escala. O Mosteiro de São Bento da cidade de São Paulo é um dos mais antigos do país, tendo sido fundado em julho de 1598 pelo frei Mauro Teixeira, discípulo direto do padre José de Anchieta. Nesse ambiente, que tem um legado de mais de 400 anos,

Carlos Eduardo, hoje “Dom”, aprendeu as máximas que guiam a tradição beneditina - a Regra de São Bento -, como a importância da reflexão, a valorização da simplicidade e o espírito de abnegação. Como lema, ora et labora, que em latim significa “ora e trabalha”. E, graças aos trabalhos manuais, os monges ficaram conhecidos por outra virtude: a gastronômica. Há quem visite a loja do mosteiro apenas em busca de seus produtos caseiros, como pães, bolos e geléias.Mas na área do ensino é que está a grande atuação desses beneditinos. O Colégio de São Bento já conta com 103 anos, e a Faculdade teve o primeiro curso de filosofia da América Latina. Além de reitor da instituição, Dom Eduardo é Subprior do mosteiro. O monge também organiza os eventos culturais recebidos no Teatro São Bento, fundado em 1903, e que reabriu há dois anos após grandes reformas.A reportagem da DANTEcultural foi recebida na sala de Dom Eduardo, um ambiente simples, com poucos móveis e duas paisagens, fotografadas por ele, penduradas na parede. Às costas do entrevistado, duas grandes janelas deixavam entrar a luz do dia, enquanto ele falava com placidez e tranqüilidade, sem atropelos, como um monge, é claro. Interessante é que, do lado de fora dessas janelas, está o centro de uma das maiores metrópoles do planeta.Os cantos gregorianos da missa do mosteiro, aos domingos, já emocionaram muitas pessoas, mesmo aquelas que, não sendo católicas, foram por curiosidade conhecer o coral dos monges. De forma uníssona, as vozes ecoam em um ambiente de elevação, tocando os fiéis em seu íntimo, fiéis que se amontoam em todos os cantos da igreja para assistir à liturgia. Dom Eduardo, historiador, economista, artista e reitor - que, por outra coincidência do destino, ou pelo simples capricho de uma “força superior”, faz aniversário no dia 24 de dezembro - está lá para quem quiser ver, com suas vestes escuras, em meio aos seus irmãos beneditinos.

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Entrevista

DANTEcultural

Quando pensamos na vida de um monge, logo vem a idéia da clausura. O senhor, no entanto, é artista, viaja, é reitor da Faculdade de São Bento...A clausura sem dúvida é algo importante, mas tem que ser entendida no seu sentido mais profundo. É uma clausura, antes de tudo, interior, ou seja, o despojamento, o silenciamento do coração para que a gente ouça a voz de Deus, que se manifesta através dos irmãos, de outras pessoas, do mundo. Trata-se de um silenciamento das próprias paixões, de tudo aquilo que nos fecha e nos prende. Sim, a clausura tem uma dimensão física, que é um espaço reservado à comunidade dos monges, um ambiente que é a nossa casa, como a casa de qualquer um. Mas um pouco mais reservada, claro. E existe uma dimensão espiritual, que é esse silenciamento do coração para que se possa ouvir. Os monges sempre se dedicaram a esse mistério, o de ouvir as pessoas. Nossa vida aqui é basicamente organizada a partir daquele dístico da vida beneditina: ora et labora, que quer dizer “ora e trabalha”. Nossa rotina é estruturada a partir dos momentos de oração coletiva. São os Ofícios, que começam de manhãzinha, primeiro o de Laudes, depois a Meridiana, as missas..., de tarde vem o Ofício de Vésperas, e por último o de Vigílias e Completas. Esses são horários que já vêm de muito tempo atrás, da tradição antiga, até do tempo de Jerusalém, antes do cristianismo. E os monges fazem um voto diferente de outros religiosos, que é o “voto de estabilidade”. Significa que vai viver sempre no mesmo mosteiro.

Todos os monges participam de todas essas atividades?Sim. Há também os momentos de oração individual, de contemplação, e temos os trabalhos monásticos, que podem ser de natureza as mais diversas. No nosso caso, a Ordem Beneditina é a mais antiga da Igreja. Não temos um carisma específico como as ordens mais recentes, que se dedicaram à educação ou aos doentes. Mas como a origem vem de longe, São Bento já prescrevia que os monges lessem muito, não só a leitura espiritual, mas também a leitura vista de uma maneira mais aberta. Na Alta Idade Média, quando praticamente desapareceu a cultura letrada, os mosteiros foram o lugar por excelência onde essa cultura sobreviveu. Daí os manuscritos, o estudo, a troca de informações. Funcionavam praticamente como escolas. Na época de Carlos Magno, tornaram-se uma espécie de rede de ensino. Assim, até hoje muitos mosteiros mantêm uma atividade educacional. Existe uma vida de recolhimento, claro, mas também uma vida de comunhão com as pessoas.

Como é a hierarquia da Ordem Beneditina? Não temos uma hierarquia piramidal como as outras ordens. Não existe propriamente uma hierarquia rígida. Cada mosteiro é independe um do outro. Internamente, cada comunidade elege seu Abade - pai espiritual, com cargo vitalício, mas que em casos muito excepcionais, como de

saúde, pode ser substituído. Para fins práticos temos o Prior e o Subprior, que ajudam o Abade a organizar a comunidade. Fora isso, há os oficiais da casa, que exercem diversas funções. Eu, por exemplo, sou responsável pela parte educacional e cultural - a Faculdade e o Colégio São Bento. Externamente, os mosteiros mais antigos, como o nosso, o da Bahia, o de Olinda, são associados na Congregação Beneditina do Brasil, para a qual se elege um representante, o Abade Presidente. Ele não é propriamente um superior, ele tem algumas funções representativas. E, finalmente, todas as associações se congregam em uma grande confederação e elegem o Abade Primaz, que mora em Roma.

Então há uma certa independência perante a Igreja?Cada mosteiro tem que respeitar o ordinário, o bispo do lugar. Temos um relacionamento, mas não é o mesmo tipo de relação que tem o clero secular. Alguns mosteiros, por exemplo, têm paróquias, mas não é próprio da tradição monástica. Aqui não temos. Realizamos batizados, casamentos, mas tudo é registrado na paróquia de Santa Efigênia. Esse trabalho pastoral não está ligado diretamente ao trabalho da diocese. O mosteiro é algo à parte, embora, claro, respeitando todas as diretrizes da Igreja. É um trabalho coordenado, mas independente, com suas características próprias.

E na estrutura interna do mosteiro não há o fator “idade”?Pois é, o nosso Abade, que acabou de ser eleito, é jovem - tem 41 anos. Agora estamos vivendo uma comunidade nova. O nosso mosteiro sofreu um pouco entre os anos 70, 80 e até início dos 90. Nessa época, adquiriu algumas características específicas por causa de uma situação histórica. Houve uma dificuldade de vocações, e a comunidade envelheceu muito. Aí veio uma nova geração, que começou a entrar nos anos 90, como eu mesmo, e o próprio abade. E temos outra ainda mais jovem, que está em formação.

E hoje? Existe essa ameaça para o mosteiro, no sentido de existir cada vez menos gente querendo ser monge?Não, ao contrário. O que aconteceu foi uma reversão das expectativas. Hoje em dia, temos muita gente interessada em viver a vida monástica, e não apenas aqui. É claro que em alguns países, por exemplo, na Europa, é mais difícil... Mas lá, como a população inclusive diminui em alguns países, é óbvio que isso repercute nas vocações. Mas, de uma maneira geral, tem surgido muita gente interessada, jovens e até pessoas mais velhas.

Uma curiosidade: é verdade que o mosteiro acolhe pessoas que queiram meditar em épocas como o Natal ou a Páscoa?Sim, é possível acolher essas pessoas. Não dá para um grande número, pois não teríamos acomodações. Mas isso é possível, sim, para quem queira fazer um retiro, uma meditação.

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Passando para sua vida pessoal, o que veio antes: a arte ou a religião?A arte. A religião, bem, sempre tive uma vida espiritual, engajada na Igreja, mas como leigo. Fiz arte de várias comunidades, desde a época de aluno do Dante, com o padre Dutra. Estudei engenharia na USP, mas não gostei. Aí me formei em economia e em história, e parti para o doutorado. Em 1991, com 29 anos, terminei todos os estudos acadêmicos. Mas nesse meio tempo, sempre gostei de pintar, de desenhar... minha família, de certa forma, estava um pouco ligada ao tema. Comecei a estudar com Carlos Fajardo, um grande artista. Tínhamos um ateliê e montamos um grupo de jovens artistas. Fizemos várias exposições. Começava ali uma carreira profissional, ao mesmo tempo que eu fazia o doutorado envolvendo a obra de Pablo Picasso. Quando fui fazer o esse doutorado, que era em história, propus envolver a arte. Isso era uma novidade, porque o departamento de História da Arte havia passado para a ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP). Meu professor na época tentava ressuscitar esse tema, e fiz minha tese enfocando o artista espanhol. Fiz uma reflexão da passagem da modernidade para contemporaneidade, valorizando a última fase do pintor. Depois cheguei a ser crítico da Folha de S. Paulo, mas não que eu quisesse seguir essa carreria...

E no meio de tudo isso, como veio a grande decisão de ser monge?1995 foi um ano de mudança, de muito aprofundamento espiritual. Comecei a sentir necessidade de algo mais. Foi quando realmente decidi entrar no mosteiro, e essa entrada foi muito rápida, questão de meses. Eu já conhecia um pouco da vida beneditina. Freqüentava as missas, que representavam muito para mim, mas eu não tinha contato com a comunidade do mosteiro. Eu já havia lido sobre os monges do Egito, já era minha leitura de cabeceira há muitos anos. Resolvi entrar, e pensei: 'Quando alguém se coloca em disponibilidade para uma vocação religiosa como essa, tem que abandonar tudo'. Mas depois, no mosteiro, fui vendo como todos aqueles fragmentos da minha vida que estavam soltos, como as pessoas, meus estudos, minha arte e tantas outras experiências, de repente foram montando um quebra-cabeça. Coisas que eu achava que ia abandonar e, agora, eu estava reaproveitando, de uma forma ou de outra. Como meu trabalho de arte, por exemplo, que tinha tudo a ver com a tradição beneditina. Mas claro, comecei do zero, foi muito difícil, como uma criancinha que está nascendo de novo.

Como as pessoas mais próximas reagiram à sua decisão?Família e amigos foram totalmente contra. Ninguém entendeu. Os colegas brigaram comigo, uma amiga, Angelina de Moraes, me disse: “Isso é um suicídio social”. Mas mantenho até hoje a amizade com essas pessoas. No início foi difícil para mim, fiquei completamente isolado. Não só deles, mas de tudo, na verdade.

Foi difícil a transição para a vida monástica?A gente começa uma vida nova aqui dentro. Tem toda uma estruturação, até dos próprios horários, a hora em que você vai dormir, a hora em que acorda, 5 da manhã, a comida, tudo é diferente. Deve-se reaprender tudo. A vida monástica tem uma dimensão sapiencial e discipular. Por mais que você conheça e entenda as coisas racionalmente, o essencial só se capta pela vivência e pela imitação discipular de uma disciplina, de um modo de vida e de uma sabedoria que veio dos monges antigos. Mas essas tradições são sempre reiventadas, afinal, estamos no século XXI. Certas linhas, contudo, são básicas. Tem muitos pontos que você entende, mas dá o voto de confiança e vai vivenciando aquilo até que começa a ter a dimensão espiritual do que realmente representa. É uma transformação interna e lenta. Houve muito sofrimento por um lado. Por outro, uma recompensa espiritual muito grande. É um passo no escuro, uma decisão de fé que a gente dá. Mas, no fim, me sinto completamente recompensado.

O senhor disse que no início a transição foi muito difícil. Em algum momento chegou a pensar: “Ah, se eu tivesse sido artista plástico, se eu tivesse seguido pela história...”?Claro, a gente pensa. Mas, por outro lado, é como eu disse: sinto-me pleno, como se tivesse florescido, desabrochado humanamente. Não me sinto diminuído, não me sinto limitado. No começo foi complicado pela falta de costume, mas quando se percebe a dimensão das coisas, a dimensão espiritual, tudo passa a ser mais fácil. Acho que o segredo, não só para mim, na vida monástica, mas para todo mundo, é perceber um sentido maior naquilo que se está fazendo.

Como é ser um monge beneditino no centro de uma das cidades mais importantes e movimentadas do mundo?É um desafio do cotidiano. Desafio de viver esses valores, de viver a busca de Deus, que é o objetivo da vida monástica. É o desafio diante de uma sociedade, de uma cidade, de um mundo em que se vivem em grande parte, contra-valores: a vida é descartável, as pessoas são descartáveis, tudo é descartado. É um consumismo, é uma banalização da própria

Foto

: Rafa

el C

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Dom Eduardo em seu ateliê, ao lado do mosteiro

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Entrevista

DANTEcultural

vida humana. A gente vive nesse confronto e, de certa forma, o mosteiro acaba sendo no meio disso tudo uma espécie de questionamento: 'Como é possível a essas pessoas [os monges] viver essa vida ? Alguma coisa deve haver...'”

Por que o senhor acha que a missa de domingo é tão cheia?Nessa missa as pessoas realmente sentem e vivem a experiência do mistério de Deus através da liturgia. Muita coisa foi banalizada nessa vivência da presença divina. A própria música, a atitude dos sacerdotes... são coisas externas, mas têm o objetivo final que é o espiritual. Esses costumes estão no centro da tradição monástica, de valorizar a liturgia, valorizar essa presença divina, a assembléia, que participa e vive junto esse momento. Isso é que atrai as pessoas, essa experiência. Temos alguns elementos, como o canto gregoriano, o clima da cerimônia, uma atitude de respeito... No geral, vemos que houve certa banalização da própria solenidade. É como se o barulho do mundo tivesse sido levado para dentro das nossas missas. Muita gente diz que a missa de São Bento é coisa de turista, que é apenas curiosidade. Mas não é, porque vê-se que as pessoas continuam vindo. É até um sacrifício, porque a missa enche tanto que os fiéis ficam de pé, em todos os lugares.

As pessoas acabam lotando a igreja e muita gente se acomoda em lugares inapropriados, como nos degraus dos confessionários. Isso incomoda?Não. De maneira geral, há um respeito muito grande. O que acontece é uma situação física um pouco desconfortável. A pessoa entra e a igreja está totalmente lotada, tem que dar um jeito, se encostar em algum lugar, às vezes não conseguimos nem passar direito pelo corredor, temos que nos espremer. São pequenos transtornos, mas o que é importante é que elas estão lá e querem participar.

Muitas pessoas se emocionam com os cantos gregorianos da missa aos domingos. O que o senhor sente quando está cantando?Bom, o canto gregoriano é uma oração cantada. Então, ele tem uma profunda dimensão espiritual. É interessante porque a gente descobre que a própria música nos leva, também, a uma atitude interior. Tem que se ter uma certa postura física, uma respiração, toda uma concentração... Isso tudo são elementos que contribuem para a experiência espiritual. Então, são várias dimensões que estão em jogo. Eu me sinto plenificado com o canto. É um ponto realmente importante dentro dessa dinâmica da vida.

Como o senhor disse, a tradição beneditina vem desde a Idade Antiga. Naturalmente essa tradição deve ter sofrido adaptações para acompanhar as mudanças da sociedade ao longo de tantos séculos...Temos uma tradição de sabedoria que permanece viva, atuante e válida, e que é o cerne da vida monástica. Mas

existem elementos transitórios que a cada momento têm que ser reinventados. Não adianta ficar paralisado no tempo e no espaço. A gente vive no século XXI em uma das maiores cidades do mundo, com todos os problemas... mas estamos aqui, vivendo essa tradição e conscientes de que essa tradição tem algo a dizer. Mas essa tradição não significa um pacote fechado, cristalizado. Ela precisa ser viva e estar de acordo com cada época.

Nos tempos de violência e inversão de valores em que vivemos, qual ensinamento beneditino o senhor citaria para buscar uma solução?Ocorrem-me duas coisas: uma delas é bem característica da vida monástica, que é o saber viver em comunidade. Temos que ser abertos ao outro e perceber que não podemos crescer sozinhos. Um ponto importante para a sociedade de hoje é que possamos conviver. Atualmente a comunicação está muito facilitada pela internet, as pessoas se encontram, respeitam mais as outras culturas, enfim.... por outro lado, caímos na banalização da presença, porque tudo se torna virtual. A sabedoria monástica prega uma vida não utilitária, mas uma vida de abertura. E a outra coisa que eu citaria é o silêncio. Não necessariamente o silêncio físico, o silenciamento interior para que a gente não se deixe poluir por esse volume de inquietações, de necessidades que são criadas, como a de consumo, de produtividade... tudo que vai nos amarrando e nos desumanizando. Chega um ponto em que temos que saber silenciar, dar um basta a tanta solicitação, a tantos fatores que nos distraem completamente daquilo que é essencial na vida humana.

O senhor diz que existe o objetivo de colocar o mosteiro no cenário intelectual e cultural de São Paulo. Como fazê-lo?O mosteiro tem tido uma presença enfática desde 1598, quando foi fundado. Há um compromisso de abertura com a cidadania, com a cultura e a espiritualidade. A “evangelização da cultura”, como dizemos, não se faz apenas para as pessoas que crêem explicitamente ou que professam o cristianismo. Na área educacional (Colégio, Faculdade e Núcleos de Pesquisa) oferecemos ensino de qualidade e formação integral da pessoa, não só no sentido acadêmico, mas também com relação aos seus sentimentos, liberdade, criatividade... Para isso, não adianta estabelecer um clima competitivo de desarmonia, mas sim um ambiente de troca, de crescimento coletivo. Temos realizado também atividades culturais, como os concertos internacionais no Teatro São Bento. E estamos restaurando um imóvel antigo, de 1878, onde queremos montar um Instituto Cultural. Esses fatos estão ligados até à deterioração do centro de São Paulo. É uma forma de revalorizar essa região, e trazer de volta o público que dela fugiu. Mas isso tudo seria penas a “cerejinha do doce”. Estamos tentando colocar em prática toda uma gama de atividades. Eu acredito que a arte tem uma capacidade muito grande de transformar as pessoas e o

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mundo. A música, as artes plásticas, o teatro, a dança, enfim. A música é a área em que avançamos pouco mais, mas queremos trazer as outras modalidades também. Queremos atingir desde um público mais especializado, possibilitando um ganho profissional para essas pessoas, até grupos mais populares, como crianças de periferia. São pequenas experiências, mas que transformam.

Existe agora uma série de livros, vamos dizer

assim, de auto-ajuda administrativa, como O

monge e o executivo. Um deles trata especificamente do uso das regras de São Bento na administração. O que o senhor acha disso? Conheço mas ainda não tive a oportunidade de ler apuradamente, só dei uma olhada. Mas eu acho que é algo positivo, sem dúvida. Capta-se um modo de liderança, mas que está implicado na vida monástica, na Regra de São Bento, enfim, é um tipo de convivência que se aproxima do que estávamos falando. Essa convivência, esse crescer juntos, e até o tipo de liderança que se fala - uma liderança não impositiva, mas uma liderança que é conquistada através do respeito e que, sobretudo, não se preocupa apenas em extrair alguma coisa, alguma produção - mostram uma dimensão criativa de fazer com que cada um tenha um ambiente em que possa florescer como ser humano, florescer nos seus dons, e isso ser usado em benefício da coletividade. Cada um encontra um espaço em que possa realmente dar o melhor de si e frutificar, e não ser esmagado por uma estrutura que só quer sugar, que só quer arrancar um resultado a qualquer preço.

Como o senhor, um monge beneditino, vê a questão do fanatismo religioso no Oriente Médio?Nós, os monges beneditinos, nunca fomos radicais. Ao longo de toda a história, a história da Igreja, vemos que os beneditinos foram justamente os que nunca foram adeptos a extremismos. Então, essa própria tolerância, essa própria vida em comum, essa contínua conversão e entendimento da nossa própria limitação nos leva a uma atitude de tolerância e de paz. Aliás, o lema beneditino é pax. Então, é com muita tristeza que assistimos essas exacerbações. Mas, também, temos que considerar que as questões do Oriente Médio têm raízes históricas profundas, e que não são simplesmente uma fatalidade histórica. Ocorreram ali situações de conflito acirrado não só pelas diferenças culturais, mas pela ação de grandes potências que se utilizaram, sobretudo daquela região, de uma maneira predatória. Então, não nos esqueçamos, a França, a Inglaterra, elas repartiram o Oriente Médio todo, cada uma pegou um pedaço, jogaram as tribos umas contra as outras e retalharam os povos. Então, tudo isso que nós vivemos não é simplesmente uma questão de choque religioso, de choque cultural, mas também é fruto histórico

de coisas muito perversas que foram plantadas no passado, e que continuam sendo atuantes.

E a passagem pelo Dante? Qual foi a influência na sua vida? Eu sou muito fã do Dante, adorei passar por lá... Aliás, eu fui a terceira geração do colégio, porque a minha mãe e o meu tio-avô também foram alunos. Foi decisivo para minha vida - toda a organização, os valores... Eu lembro do professor Morivaldo Kranbeck, que dizia: “O Dante é um educandário!”, que dizer, o Dante não estava preocupado só com a matéria, mas em dar uma formação integral. E a gente tinha mestres maravilhosos, que nos deram, além de informações técnicas, essa convivência humana. O professor Carlo Monducci, por exemplo, que era o nosso diretor, era uma pessoa extraordinária. Enfim, a escola está muito ligada às minhas referências, à minha família, à educação que eu tinha em casa, ao meu lado italiano... Foi um mundo que é o meu mundo, e que me influenciou decisivamente naquilo que eu sou.

Qual mensagem de Natal o senhor deixaria para os leitores da DANTEcultural? O Natal é o nascimento, a encarnação do Verbo. Deus infinito, que se faz homem e vive entre nós, como uma criancinha despojada, uma criancinha que se entrega. Então, essa é a mensagem maior de amor que nós podemos ter. E, para nós, fica isso - a contemplação do mistério da encarnação de Deus, que nos ama tanto e que quer viver entre nós, e que nos faz mais humanos. Então, é um momento de nos colocarmos diante da nossa grandeza como seres amados por Deus. Só assim a gente pode reconquistar a nossa dignidade como humanos, como sociedade e ter, de fato, a força para transformar o mundo. Só assim, nos sentindo profundamente envolvidos por esse amor, que vem justamente através do Menino Jesus.

Arquivo

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Natividade

DANTEcultural

Por Adriano De Luca Colaboração: Fernando Henrique Fonseca

dezembro/2006

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PresépiosPresépios

NatalinosNatalinosHá quase 2007 anos, em Belém, na

Judéia, nascia uma criança. Entre

tantas outras, é verdade. Mas essa, em

especial, levaria o nome de Jesus. A

sua história seria passada de geração a

geração, sua trajetória registrada em

livros sagrados e o seu nome jamais

seria esquecido. Se os seus feitos são

milagres ou lendas, se a sua imagem

inspira fé ou superstição, isso não

muda sua influência sobre a

humanidade. Seu nome está mais vivo

do que nunca, fale-se em prol ou

contra ele. Talvez por tudo isso é que

o seu nascimento, ocorrido há mais

de dois milênios, tenha se tornado

um momento repleto de misticismos,

simbologias e inúmeras versões. E

que, até hoje, de diferentes maneiras,

continua a ser representado.

Presépio Napolitano de São PauloFoto: Iatã Cannabrava

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DANTEcultural

Da Itália para o mundoÉ chegado o momento de resgatar as caixas de papelão, guardadas na poeira do fundo do armário. Delas não se tira nada de inesperado, e, mesmo assim, tudo que aparece é uma grande surpresa, pelo menos aos olhos de qualquer criança curiosa que esteja por perto. Guirlandas, bolas coloridas, estrelas púrpuras e douradas, pisca-pisca e badulaques de todos os tipos, cores e formas. Arrumar a árvore, decorar as portas, iluminar o jardim e a varanda... Mas isso não é tudo. Talvez, de uma caixa menor ou de um pano enrolado surjam pequenas imagens humanas (um homem, uma mulher, um bebê), réplicas de animais e, quem sabe, uma diminuta manjedoura. A responsabilidade pela montagem dessas poucas peças varia de família a família. Em algumas, fica a cargo das próprias crianças - filhos, netos, sobrinhos, primos. Em outras, os mais velhos fazem questão de colocar a mão na massa e, em muitos casos, o avô nem permite que toquem nas suas “jóias seculares”.Feito de barro, de pano, de porcelana, de vidro, de madeira, de gesso e, em alguns casos mais exóticos, até de gelo ou de chocolate, o presépio natalino é uma das grandes tradições italianas que se difundiu com sucesso no Brasil. Mas de onde vem esse costume de recriar, a cada fim de ano, o nascimento de Jesus Cristo?Em 1223, na cidade italiana de Greccio, na região onde hoje é Nápoles, São Francisco de Assis organizou a primeira representação da Natividade. De madeira, eram apenas a manjedoura e as imagens do Menino, de Maria e de José. No mais, todos os figurantes eram humanos e traziam seus próprios rebanhos, que se alimentavam do capim e das ervas que completavam o cenário. O costume se espalharia rapidamente pela Itália e pelo sul da França, e seria a inspiração para uma infinidade de obras de arte, entre telas e esculturas, que surgiriam ao longo de todo o milênio. A concepção dessas obras seguiria linhas distintas: “algumas com riqueza de detalhes, outras fiéis às Escrituras, outras adicionando registros de seu próprio tempo e outras mais sucintas, restritas à Virgem Maria e ao

Menino”, descreve a professora de História da Arte Maria Izabel Ribeiro, diretora do Museu de Arte Brasileira da FAAP. A primeira seria um afresco de Giotto, realizado na Basílica Superior de Assis, entre o fim do século XIII e o início do XIV.Porém, como esclarece a professora Maria Izabel, “a idéia de representar a Natividade já existia por volta de 350 d.C., quando o papa Libânio ordenou a construção da igreja de Santa Maria ad Praesepe, hoje Santa Maria Maggiore, em Roma”. E ela vai mais longe: “Levando em conta as representações de Maria segurando no colo o Menino Jesus, a mais antiga de que se tem notícia é uma pintura mural do século III d.C., encontrada nas Catacumbas de Priscila, em Roma”.Voltando a Nápoles, os presépios tornaram-se realmente uma das grandes manifestações artísticas a partir de 1700, quando absorveram toda a inspiração e riqueza plástica do Barroco. A história mostra o surgimento de competições de presépios - alguns deles com milhares de peças -, nas quais a humanização de cenas e figuras retratava o modo de vida, hábitos e costumes da época, atribuindo ao

São Francisco de Assis

“O presépio contém a interpretação de São Francisco,

que se notabilizou por pregar e praticar a pobreza e a

humildade numa época em que o clero católico

estava totalmente envolvido pelos prazeres

derivados da riqueza e do poder político”, explica o

sociólogo José Geraldo Poker.

Natividade

Reprodução

17

dezembro/2006

conjunto um realismo impressionante. É o que podemos observar em mostras, museus e exposições sobre o tema: o presépio vai além da Natividade, pois adiciona elementos particulares do povo que o construiu ou projetou. Artesãos do nordeste brasileiro são mestres nesse quesito. As peças da Natividade assumem o estereótipo dos habitantes da região, trajando vestimentas do cangaço. Repare, na foto abaixo , em alguns personagens acrescentados à cena, como o sanfoneiro que anima o nascimento. “O presépio pode adquirir formas diversas, dependendo dos valores que lhe são associados, o que depende da cultura de cada sociedade. No entanto, a essência dele continua a mesma”, indica o sociólogo José Geraldo Poker, professor da Unesp. Essas “formas diversas”, que ultrapassaram Jesus, Maria, José, o burrinho e a vaca, incorporando outros elementos vivos e inanimados, passam também pelo cenário e até pela topologia do “terreno” - o alto de uma colina, a proteção de

uma caverna, a placidez de um deserto ou a rusticidade de um estábulo.Mas como os presépios, afinal, atravessaram o Atlântico e chegaram ao Brasil? Levada por escultores italianos, a tradição atingiria primeiramente as terras de Portugal, fato ocorrido apenas cinco séculos depois da encenação de São Francisco de Assis. E, vindos de Portugal, chegariam aqui os padres jesuítas, utilizando-se da montagem do presépio para facilitar o ensino do catolicismo.

Simbologia e representaçãoDesde o primeiro momento em que o ser humano rabiscou a parede de uma caverna com uma pedra, um pedaço de carvão ou qualquer tinta natural, ele buscou representar o seu cotidiano, a sua própria imagem e as relações com o próximo. O mesmo ocorreria com as esculturas. “Projetar-se em objetos é uma atividade intrínseca ao homem. Não há ser humano que não seja constituído como pessoa sem ser pela imersão no mundo simbólico-conceitual-

Do lado esquerdo, em cima, detalhe de um presépio de Olinda, que incorpora perso-nagens típicos da região, como o sanfoneiro. As outras três imagens são da exposição da Igreja São Fran-cisco de Assis, no centro de São Paulo, que ocorre há 17 anos. A mostra, que ainda está sendo prepa-rada, fica sob a responsabilidade de Frei Airton, mais conhecido como “Soneca”. Os presépios, das mais variadas matérias-primas, são feitos por mais de trinta artistas de várias partes do Brasil e do mundo.

C1 C2

C3 C4

C1 C2 C3 C4Adriano De Luca Rafael Capuani

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representativo, que configura todas as dimensões do indivíduo, como a intelectual, a afetiva e a sentimental, e que são próprias de cada sociedade”, aponta o professor Poker. “Toda e qualquer manifestação artística, seja ela de fundo religioso ou profano, significa a mesma coisa: a necessidade que todo ser humano possui de revestir com a cultura o mundo material, de atribuir significado a tudo o que existe, de dar um nome às coisas”, conclui o sociólogo.Quanto a produções religiosas, a professora Ribeiro indica que a arte dos primeiros cristãos se resumia a símbolos de fácil identificação, “referentes a temas espirituais, ou descreviam aspectos do mundo terreno com forte influência do meio em que eram produzidas - a arte romana”. A explicação é que esses indivíduos, que deviam professar seus cultos cristãos na clandestinidade, “tinham poucos recursos econômicos, não dispunham de meios técnicos apurados e, em geral, não se atinham ao realismo dos romanos”. Mas, à medida que o Cristianismo se expandia, “a distância entre o padrão de suas imagens e as produzidas pela arte laica diminuía”, acrescenta.O presépio é um conjunto de objetos que representa, naturalmente, o nascimento de Cristo. Mas o interessante é notar que a importância dessas peças só existe pelo valor simbólico que elas carregam, valor esse criado pelas próprias pessoas. “De todos os seres, os humanos são os únicos que conseguem imprimir na matéria qualidades que ela não possui em si mesma. Assim, ela passa a representar algo, deixando de ser um simples objeto no mundo”, explica o professor Poker.Por outro lado, esse valor creditado a uma simples peça de cerâmica, barro ou vidro, não é simplesmente subjetiva ou arbitrária. Deve haver um motivo “objetivo” que explique a valoração da matéria. Para Daniel Noronha, professor de Filosofia da PUC-MG, “o presépio é um conjunto de objetos especialíssimo, pois representa algo para além dele mesmo. O nascimento de Cristo, que poderia ser concebido como um evento físico

qualquer, passa a ocupar um universo simbólico, vale dizer, passa a ter um sentido especial”. Por isso é que o ato de montá-lo e apreciá-lo se transforma em um ritual que possibilita vivenciar essa experiência simbólica.Mesmo sem diploma na área de Humanidades, o químico Roberto Rodrigues da Silva, hoje artesão, parece entender - e sentir - essas teorias. Durante todo o ano, ele se mantém entretido com pequenos trabalhos manuais, que envolvem empenho e perfeccionismo. Feito de argila, madeira, bambu e arame, o seu exército de peças é extenso: casebres, figuras humanas, animais, arranjos florais e esculturas. Mas, quando chega o Natal, o trabalho manual é ainda maior. Roberto constrói miniaturas de estábulos e manjedouras para abrigar a cena da Natividade. E, como xodós, ele guarda em casa mais de dez presépios diferentes. “Minha felicidade é fazê-los. Além disso, é uma grande higiene mental. Meço tudo com cuidado, desenho um projetinho antes e levo horas nesse trabalho. Às vezes fico até de noitinha, já meio no escuro. Quando fica tudo pronto, com

DANTEcultural

Natividade

Na foto acima, o artesão Roberto Rodrigues da Silva constrói com palha, madeira e argila mais uma de suas inúmeras cenas da Natividade, como a que aparece na imagem de baixo.

C1 C2 Adriano De Luca

C1

C2

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as peças dentro e as luzinhas acesas, chega a emocionar”, confessa. A matéria-prima é rústica, recolhida no próprio sítio em Guararema, interior de São Paulo. “Embaúba, barba-de-velho, galhos retorcidos, palha seca, areia, pedras... mas também uso algumas ripas bem finas de madeira, poucos pregos e muita cola quente. Com essas coisas eu faço a festa!”, garante o artesão, que é apenas um entre tantos outros que se ocupam do mesmo ofício e vivenciam a mesma paixão pela cena do nascimento de Jesus. Porque, como explica a professora Ribeiro, “a Natividade continua sendo um tema importante para a Arte Sacra cristã, em sua versão erudita e na arte popular. E é na produção popular e no artesanato que este tema religioso assume a forma de presépio que conhecemos”.

Uma questão de influênciaSe São Paulo é conhecida como a cidade que nunca dorme, no Natal ela também não se apaga. Nas varandas dos prédios e nas fachadas das casas, as luzinhas brancas e coloridas não param de piscar. Em diferentes bairros, os enfeites se espalham, com maior ou menor graça. Alguns pontos já são conhecidos dos paulistanos, como a árvore que se monta no Parque Ibirapuera, em frente ao Obelisco, ou os inúmeros endereços comerciais da avenida

Paulista, que ofuscam os faróis dos carros. A lguns shopp ings, aprove i t ando a oportunidade de aumentar os lucros, capricham nos papais-noéis gigantes, nas “fábricas de brinquedos”, nos duendes e nas renas sorridentes. Mas, se notarmos bem, em todo esse espetáculo falta alguma coisa. Falta, justamente, o presépio.A resposta para isso, como explica o professor Poker, está na influência da cultura americana. “Nas grandes cidades, o presépio e o seu conteúdo valorativo não sobreviveram ao Papai Noel e sua mensagem profana de consumo”, aponta. Aí está também a explicação para o fato de que, longe das metrópoles, a tradição permanece mais forte. “O presépio é uma tradição vinculada à religiosidade portuguesa e italiana, de forte influência no interior, cujas manifestações podem ter vários exemplos, como é o caso do louvor aos santos Antonio, João e Pedro, os padroeiros das festas juninas”, conta. Essa influência “ianque”, além de mudar o foco das atenções - que se desloca da cena de um nascimento para destacar um pinheiro enfeitado - parece confundir ou atenuar o “verdadeiro espírito do natal”.Como explica o professor Poker, o presépio representa um sistema de valores morais que orienta “decisões e condutas na vida prática”,

A história dos três Reis Magos, tal qual a do presépio, conta com diferentes versões e

simbologias. Seus nomes eram Melchior, Gaspar e Baltazar - os três representavam

todos os reis da Terra, que humildemente se curvariam diante do Menino Jesus. O

primeiro, rei da Pérsia, o segundo, da Índia, e o último, da Arábia. Percorreram uma

longa distância, guiados por uma estrela o que explica o motivo de serem conhecidos

como astrólogos -, até chegar ao local do sagrado nascimento daquele que vinha para

ser o Rei dos Reis. Quanto às oferendas, traziam ouro como símbolo da realeza, incenso

representando a divindade e mirra sinalizando a imortalidade. Acredita-se que a

tradição do Papai Noel e da entrega dos presentes venha justamente dessa cena.

Presente de rei

DANTEcultural

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tais como o “desapego dos bens materiais, a lição de humildade do ser divino - que se faz humano e nasce na extrema pobreza - e a virtude da simplicidade - tudo é tão mais verdadeiro quanto mais simples, livre da contaminação do luxo, da sofisticação, do conhecimento rebuscado”. Isso explica a organização da Natividade, os personagens, o cenário e a aparente fragilidade no Menino, que repousa em sua manjedoura. “Por isso, quem monta o presépio, o faz talvez por achá-lo apenas bonito, mas ele é muito mais do que isso”, arremata.A socióloga Célia Aparecida Tolentino, também professora da Unesp, que fez seu pós-doutorado na Università delgi Studi La Sapienza, na Itália, teve a oportunidade de testemunhar a relação dos italianos com a representação na Natividade. “No norte do país, o presépio é, normalmente, doméstico. No sul, a tradição se espalha por praças, instituições religiosas e associa-se à arte de confeccioná-lo”, aponta. Destacando os autores dessas “confecções”, ela diz que “os napolitanos são exímios construtores de presépios e acrescentam à cena natalina os ofícios do presente e das cidades, atualizando-as”. Quanto à “americanização” do Natal, ela concorda com o professor Poker, afirmando que na Itália, entre as famílias católicas, “a tradição do presépio é mais difundida do que a nossa 'arvore de natal'”.Mas, pelo bem das intenções de São Francisco de Assis, há quem fuja à regra. No fim do ano, o movimento do comércio, impulsionado pela procura de enfeites de natal, impressiona. Um exemplo fácil está na rua 25 de março, no centro de São Paulo, conhecida como um dos formigueiros humanos da cidade. Ainda que a maioria dos consumidores busque artefatos da influência americana, como foi apontado, muitos ainda procuram pela cena da Natividade, que, diga-se, aparece em peças cada vez mais simplificadas e menos inspiradoras, reduzidas a uma imitação de casebre com no máximo cinco peças fixas - o Menino, Maria, José, às vezes um burrinho, quem sabe uma vaca. Produtos, vale dizer, bem distantes do capricho do artesão Roberto. Por

isso é que muitas famílias conservam as mesmas peças há anos. Peças que, em alguns casos, já passaram pelas mãos de até três gerações.“Em casa montávamos dois presépios. Um deles ficava em uma sala mais íntima, onde a família se reunia no dia-a-dia, e era montado por nós, os sete irmãos. O outro, que ficava na sala de visitas, era um presépio muito lindo, com peças delicadamente esculpidas na madeira e pintadas à mão. Um presépio italiano que minha mãe havia ganho como presente de casamento, pelo qual tinha muito carinho. Acabou ficando com minha irmã mais velha e, assim, voltou ao seu país de origem, na cidade de Milão. Tem umas 40 figuras no total”, descreve o arquiteto Sérgio van Deursen.Hoje, em sua casa, ele e a família montam um presépio com aproximadamente 30 peças. O ritual começa com semanas de antecedência, e o clima de expectativa aumenta durante a novena. E, só quando chega o “grande dia” - 24 de dezembro -, o Menino Jesus é colocado na manjedoura. Sérgio se anima ao falar sobre os preparativos: “Todos os anos fazemos um cenário diferenciado, uma nova maneira de colocar as imagens, materiais diferentes, luzes, água, plantas, enfim, o que não faltam são idéias cheias de entusiasmo. Minhas filhas, como antes, também ajudam. Claro, tudo isso dentro de um contexto humilde, singelo, mas que ao mesmo tempo nos transmite alegria, paz, amor. Juntar a família e montá-lo a cada ano é uma atividade cheia de emoção”.

Natividade

Ao lado, o arquiteto Sérgio van Deursen e seus seis irmãos representam um presépio vivo no Natal de 1961. Uma das crianças foi pintada com rolha queimada para representar o Rei Mago Baltazar.

C1 Arquivo Sérgio van Deursen

C1

O Presépio Napolitano de São Paulo

dezembro/2006

A história começa com Francisco Matarazzo Sobrinho, conhecido como Ciccillo, famoso

empresário da história paulistana. Ele adquiriu as peças em 1949, na cidade de Nápoles.

Um ano depois, elas seriam expostas em São Paulo, na Galeria Prestes Maia. Depois de

uma longa saga de dificuldades pelas quais o presépio passou, já que não se conseguia

os meios ideais de conservação nem o local adequado para comportá-lo (e os governos

da época não se esforçaram para resolver a questão), só em 1985 ele foi transferido para

o Museu de Arte Sacra, onde está até hoje. Antes disso, ficou exposto durante 15 anos

no Pavilhão do Folclore, no Parque do Ibirapuera. As últimas reformas cenográficas

foram feitas na década de 90. As casas, as ruas, as pontes e os personagens (pastores,

ciganas, burgueses, sapateiros, mouros, indianos etc.) representam uma típica vila

napolitana do século XVIII. No total, são 1.620 peças, esculpidas por mais de 20 artistas

italianos que viveram entre os séculos XVII e XIX.

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Foto: Iatã Cannabrava

Raízes

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DANTEcultural

Investigar é precisProcurar nossas origens não só

nos permite recuperar os nomes

dos antepassados e as épocas em que viveram, como

também representa uma viagem de regresso aos meandros

da memória familiar e comunitária que o tempo parece apagar

paixão pela genealogia vem da necessidade de descobrir o mistério das nossas própr ias or igens, A

respondendo a uma das questões existenciais, dos homens e das mulheres, mais comuns de todos os tempos: de onde viemos? E, como se costuma dizer, precisamos encontrar a resposta para essa pergunta se quisermos saber para onde vamos. Freqüentemente pensamos que traços do nosso passado ficaram irremediavelmente perdidos. Mas, na verdade, é possível encontrar pistas seguindo o fio que nos liga à História, procurando em arquivos e outras fontes, ou onde documentos que preservam as ligações com os nossos antepassados estão armazenados. Olhamos para nós e para as nossas escolhas procurando uma identidade à nossa semelhança. Em vez disso, deveríamos pensar no passado e nas pessoas que nos precederam e que, de alguma maneira, transmitiram umas às outras o testemunho da vida. É um sentimento que quebra o nosso próprio sentido de singularidade, como descreve o jornalista Marcus Frediani. Nascido no Brasil, ele realizou, após muita pesquisa, o sonho de viajar para Lucca, a cidade natal de seus pais, na região da Toscana, ao norte de Roma: “Finalmente, senti que eu fazia parte de um todo. São sabores diferentes, ares diferentes. Não parecia que era minha primeira viagem à cidade. Me senti em casa, indo à praça central tomar sorvete e à igreja. Pude fazer uma montagem de um quebra-cabeças da minha origem, mesmo que ao contrário. Comecei

adulto e fui pegando os fragmentos da minha infância”, descreve. A também jornalista Márcia Braghiroli, que descobriu registros familiares na região da Lombardia, na extremidade norte da Velha Bota, teve o mesmo sentimento que o seu colega de profissão: “Me senti em casa”, afirma. “É um sentimento que parece estar no sangue. Nem parece que estava em outro país. Não tive dificuldade alguma de adaptação, nem mesmo com o idioma”, conta.As surpresas que esse tipo de busca pode trazer são incontáveis encontro de parentes vivos, visita a lugares onde viveram os antepassados e, claro, muita emoção. Mas nem todas as histórias são inteiramente agradáveis.Uma família de Botucatu, interior de São Paulo, que preferiu não se identificar, foi até a Itália para desvendar suas raízes. Marido, esposa e filho mais velho não tiveram grandes dificuldades para achar primos e tios vivos, e a linhagem genética se confirmou através de fotos e documentos. Porém, os três não conseguiam informações mais concretas sobre a figura do bisavô, tão comentada e cultivada entre os parentes brasileiros. Quando perguntavam a respeito dele, os italianos desconversavam. Até que, em um livro de registros da pequena cidade em que estavam, descobriram uma ficha do ascendente. Entre out ras in for mações burocrá t i cas e desinteressantes, estava registrado: “Acusado de atentado violento ao pudor”. Descoberta que, por outro lado, não tirou o glamour da viagem, não desfez a satisfação de terem

Por Daniela Buono Colaboração: Adriano De Luca

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agosto/2006dezembro/2006

encontrado parentes vivos e, de certa forma, até contribui para aumentar a mística em torno da figura do bisavô mesmo batendo o nome dele com o que estava na ficha, alguns de graus de parentesco eram contraditórios, deixando-os na dúvida se realmente haviam achado a pessoa que procuravam. Em sua viagem à Itália, o jornalista Marcus Frediani não passou por nenhuma situação parecida. Por outro lado, também se sentiu reconfortado ao conhecer homens e mulheres que carregavam o mesmo sangue que o seu. “Não tínhamos parentes aqui no Brasil, apenas amigos. Então eu tinha necessidade de ter contato com essas pessoas da Itália”, justifica.Por isso devemos pensar nos nossos antepassados não só como fazendo parte da nossa herança genética. Isso porque, através das suas escolhas, eles condicionaram de alguma maneira o nosso modo de vida, a nossa existência. O processo de reconstrução de nossas origens consiste, ainda, em prestar um tributo aos antepassados que, de uma forma ou de outra, lutaram para sobreviver e para constituir suas posteridades. Acrescente a isso o sentimento de realização e compreensão de

toda uma realidade que, às vezes, parece desconexa, vazia, insossa adjetivos que facilmente caem por terra ao se investigar e, mais que isso, descobrir os mistérios que o passado longínquo pode reservar.

O caminho de casaMas, como fazer essa reconstrução? Que passos devemos seguir até encontrar o trajeto de volta às nossas origens? Em primeiro lugar, é preciso procurar registros: vasculhar a casa em busca de fatos e conversar com parentes mais idosos. Os dados que se pode conseguir com estes métodos criam uma base firme para a pesquisa futura. Nosso próprio lar ou o de um parente podem ser fontes surpreendentes de informações da família. Claro, se soubermos onde olhar: papéis como livros, certificados de escolas ou trabalhos, diários, agendas, álbuns de fotos, testamentos e escrituras, que podem fornecer indícios valiosos sobre os antepassados e os eventos de suas vidas.Outro passo importante é registrar toda informação obtida sobre os parentes, como nascimentos, casamentos, óbitos, datas e locais, mergulhando o mais fundo possível nas suas

continua na pág. 27

Imagens da pequena cidade de Lucca, na região da Toscana, de onde veio a família de Marcus Frediani. Ele é uma das muitas pessoas que se entregam à pesquisa de suas origens.

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DANTEcultural

Acompanha-nos desde o nosso nascimento, e estamos tão acostumados a ele que o pronunciamos sem ter, contudo, a curiosidade de conhecer o seu significado. O sobrenome, ou segundo nome (em italiano, cognome), surgiu quando o ser humano, tendo abandonado o sistema tribal e do clã, começou a viver em uma sociedade organizada. Ele servia justamente para diferenciar os membros dos diferentes grupos familiares que formavam o aglomerado em que viviam.De forma resumida, podemos dizer que um primeiro passo em direção a um sistema moderno de onomástica foi dado pelos etruscos, dos quais os romanos copiaram os três elementos tradicionais: Praenomen, Nomen e Cognomen. Mas como funcionavam, ou melhor, qual era a função desses três elementos?Por exemplo: em Caio Julio César, o famoso e conhecido general e político da história romana, Caio é o Praenomen, equivalente ao nosso nome de batismo; Julio é o Nomen, da “gens” Julia (por “gens” se entendia um complexo de famílias unidas por vínculos de sangue comuns), e César é o Cognomen, que na verdade é um apelido. Apesar do contraste do termo, o Nomen era o que mais se aproximava do sobrenome moderno. Esse sistema, porém, era adotado apenas pelas classes patrícias e eqüestres. O povo, ou seja, a plebe romana, usava o sistema patronímico e matronímico, ou seja “fulano(a) filho(a) de sicrano(a)”, que nada mais é do que o mesmo sistema dos povos semitas (árabes e judeus), que ainda usam os termos bin e ben, que nas duas línguas significam justamente filho.Em seguida, com a queda do Império

Romano em plena Idade Média, houve uma completa reviravolta social, devido principalmente às invasões de outros povos, que traziam diferentes costumes e tradições. Assim, caiu o tradicional sistema onomástico romano. O povo, porém, continuou a adotar o sistema patronímico e matronímico. Foi justamente nesse período que começaram a surgir os pr ime i ros sobrenomes i t a l i anos modernos. Com o avançar dos séculos, já em plena época feudal e com a consolidação dos grandes burgos e cidades, os homens, sempre com a necessidade de diferenciar-se uns dos outros, começaram a adotar como segundo nome (o que explica o termo italiano cognome, que significa com nome) formas obtidas de nomes pessoais, apelidos que se referiam a características físicas, morais, à atividade que o indivíduo exercia, a determinativos étnicos (lugar de origem) e assim por diante.No entanto, o primeiro grande passo em direção ao sistema que conhecemos deu-se por uma disposição do Concílio de Trento (1564), que tornava imutável, obrigatório e transmissível o sobrenome. Isso para facilitar a cobrança de impostos, mas pr inc ipa lmente para ev i tar casamentos e uniões entre consangüíneos. Atualmente na Itália, calcula-se que existam aproximadamente 257.000 sobrenomes documentados.Os sobrenomes italianos, assim como os conhecemos hoje, remontam a uma dezena de séculos. Podemos, com toda a certeza, afirmar que, bem antes da chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral nas praias da Terra de Santa Cruz em 1500, eles já estavam documentados.

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Origem do sobrenome italianoPor Edoardo Coen

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“Tudo começou devido à cidadania italiana, que estou tentando conseguir. Eu sempre fui apaixonada pela Itália, sempre tive vontade de conhecer. Os dois lados da minha família são descendentes: tenho tataravô italiano por parte de pai e bisavô por parte de mãe. Eu e meus irmãos crescemos indo a cantinas italianas, ouvindo músicas, mas não tivemos contato com a língua. Eu queria muito aprender a língua italiana. Acho até que demorei para começar (faço aulas particulares há três anos). Quando visitei a Itália pela primeira vez, em julho do ano passado, fui de férias. Foi a grande viagem da minha vida. Fiquei duas semanas lá e senti que precisava conhecer minhas origens mais profundamente. Estive em Mantova, que é a cidade dos meus antepassados. Como divisão geográfica, existe a cidade, a província e a região. Existe a região da Lombardia, a província Mantova e a cidade Mantova. Minha cidade é San Benedetto Po. Fui no comune, fui no arquivo da cidade e não achei os documentos. Foi muito interessante conhecer a cidade natal de meus antepassados. Não é altamente turística, mas foi ótimo conhecer. Tive uma pessoa que me recebeu e me ajudou pois eu fazia aulas de italiano aqui no Brasil com uma professora que é filha de italianos. Ela tinha

uma prima lá, que me recebeu e me mostrou a cidade. Fiquei somente um dia lá, mas foi ótimo. Fiquei com vontade de voltar logo. Achei que voltaria depois de uns dois anos, mas consegui voltar antes, neste ano. Vendi meu carro e apliquei o dinheiro em uma nova viagem. Desta vez fiquei seis meses. Uma outra pessoa me ajudou a encontrar os documentos, fez a busca para mim. Eu tinha apenas o nome completo do meu tataravô e da esposa dele, e sabia que eram de Mantova. Mas não sabia se eram da cidade ou da província de Mantova. Normalmente a pesquisa é feita no comune, na igreja onde se casaram, etc. Não há certidão de nascimento, mas sim a de batismo. Meu tataravô nasceu em 1870 e não havia registro civil. Fui achando as certidões. Depois disso, procurei aqui no Brasil os registros dos descendentes que vieram pra cá. De posse desses documentos, pretendo agora dar entrada na cidadania na Itália, que é mais rápido. Conhecer a Itália e, mais especificamente, a região de onde vieram meus antepassados, foi a realização de um sonho! A cultura é muito diferente da nossa, por ser muito antiga. Vêem-se igrejas dos séculos II e III. Vemos coisas que aqui não existem, o que nos enriquece muito. Para mim foi ainda mais enriquecedor, pois tenho origens lá. Não tinha vontade nem de visitar outro país. Fomos também para Portugal e França, mas a minha vontade sempre foi ir para a Itália, está no sangue, me sentia em casa. Não tive dificuldade alguma de adaptação, o que é de se esperar de quem está em outro país. Não tive dificuldade nem com a língua, pois continuei estudando lá. De posse da cidadania italiana, quero voltar para a Itália e, quem sabe, morar lá definitivamente…”

Márcia Braghiroli

“Está no sangue”

Piazza delle Erbe, Mantova

DANTEcultural

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DANTEcultural

“Sempre tive uma curiosidade muito grande de conhecer melhor minhas origens. Meus pais me passaram esse desejo pelas histórias que contavam. Meu pai veio para o Brasil em 1951, e minha mãe, um ano depois. Vieram por conta da guerra: a Itália foi muito castigada, estava tudo destruído e não havia oportunidade de emprego. Eles eram da mesma região: da cidade de Lucca, na região da Toscana, ao norte de Roma, noroeste do país. Eles moravam em uma montanha. Se a situação já era difícil para quem morava na cidade, no campo era ainda pior. Então, meus pais se casaram e ele, que já tinha parentes no Brasil, veio primeiro. Os italianos que vieram para cá tinham uma carga de responsabilidade muito grande, vinham com o objetivo de conseguir uma vida melhor. Meu pai enviava dinheiro para meus avós, que

ficaram na Itália. Com o tempo, a situação aqui foi se complicando. Minha mãe engravidou duas vezes e meus irmãos morreram. Com tudo isso, criou-se um distanciamento de meus parentes, porque havia por parte do meu pai muito orgulho e dificuldade em admitir que as coisas por aqui não iam bem. Meus avós morreram e as notícias dos parentes italianos vinham cada vez mais esporadicamente. As relações foram se perdendo. Meu pai tinha três irmãs e minha mãe um, irmão. Não conheci meus avós. Não tínhamos parentes aqui no Brasil, apenas amigos. Isso foi gerando uma inquietação em mim e um sentimento de obrigação de conhecer minhas origens.Em 1989 resolvi usar algumas economias para, finalmente, conhecer a Itália. Eu já tinha dois filhos e gostaria que eles tivessem essas referências. Foi a melhor coisa que fiz em toda a minha vida! Fomos todos: eu, minha esposa, minha mãe e meus dois filhos. Ficamos um mês. Eu precisava ir logo, pois minhas três tias (irmãs do meu pai) e meu tio (irmão da minha mãe) eram bem idosos. Para se ter uma idéia, eu tenho primos de 80 anos.Quando cheguei, tive a nítida sensação de já ter passado por aquele lugar. Meus pais, mesmo tendo se afastado de seus familiares e de sua terra natal, nunca deixaram de me falar a respeito. Essa viagem teve uma função muito importante: me familiarizou bastante com os

“Sentimento de obrigação”

Imagens do casal Claro e Giovanni Frediani, pais de Marcus Frediani, que chegaram ao Brasil na década de 50. Em seus arquivos, ele guarda imagens da cidade de Lucca, onde nasceram suas raízes. Na outra página, os parentes que conheceu na Itália.

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memórias. Comece com você (ou, se já tiver descendentes, filhos, netos etc), passando para gerações passadas - o mais distante que puder lembrar. Anotando tudo, será possível identificar as partes onde faltam dados ou onde estes se contradizem. Uma vez feita a lista, é interessante pedir a seus parentes toda a informação que puderem ter, principalmente os membros mais velhos da família, porque eles são o único registro de informações sobre antepassados antigos. Pais ou avós podem ter alguma memória “do antigo país” ou ao menos alguma história passada de geração a geração sobre suas origens. Lembre-se: organização, método, paciência, empenho e coragem são premissas nesse trabalho de investigação.O ofício detetivesco dependerá de muita conversa com os parentes sobre a história da família. Juntos, todos podem tecer fios mais consistentes nessa complexa teia genealógica. Há muitas maneiras de entrevistá-los: é possível gravar as falas ou fazer uso somente de anotações. É importante também ter em mente que há uma grande possibilidade de você não ser a única pessoa que pesquisa sua família. Se souber de alguém que já tenha trabalhado na árvore dos ancestrais, entre em contato com essa pessoa e tentem compartilhar o que já foi encontrado. Além das fontes dentro de sua família próxima, é possível que um parente mais distante possa estar realizando a mesma pesquisa, talvez de um ângulo diferente ou seguindo uma linha de um antepassado comum. Enfim, apesar de trabalhoso, o processo de construir uma árvore genealógica é muito recompensador, podendo trazer à tona informações e sentimentos perdidos por entre as atividades do dia-a-dia. A internet disponibiliza recursos maravilhosos que facilitam a busca por informações acerca de lugares em todo o mundo, da menor aldeia até bairros e cidades. Muitos sites, como os que estão abaixo, podem auxiliar o usuário a

- www.imigrantesitalianos.com.br

- www.genealogiafamiliare.it

- www.memorialdoimigrante.sp.gov.br

- www.projetoimigrantes.com.br

- www.portalitalia.com.br

locais e os costumes dos meus antepassados. Toda a minha família mora em uma vila, que é inteira dos Frediani. Fomos acolhidos de forma muito hospitaleira e, finalmente, senti que eu fazia parte de um todo, o que não acontecia aqui no Brasil. São sabores diferentes, ares diferentes. Senti-me em casa, indo à igreja e à praça central para tomar sorvete. Pude montar o quebra-cabeças da minha origem. Um primo me deu livros com registros históricos e fotográficos desde 1700. Essa vila é um círculo fechado de pessoas, onde o filho de um casa com o filho do outro. Meu pai e minha mãe têm o mesmo sobrenome, mesmo sem ter parentesco direto. Assim, o nome dela é Clara Frediani Frediani.Sempre tive vontade de conhecer e ter contato com o clã, e finalmente havia conseguido. Uma simples curiosidade acabou virando uma busca sistemática. Eu perguntava para a minha mãe até onde ela lembrava, então eu ia aos comune e levantava nos livros de registro datas de nascimento, documentos dos antepassados. Comecei a ir atrás dessas histórias. De volta ao Brasil, a internet facilitou bastante. Se eu entrava em um site de busca e escrevia Frediani, aparecia um em San Diego, nos Estados Unidos, por exemplo. Então, eu mandava um e-mail para ver se éramos parentes. Quando surgiu a ferramenta do Orkut, foi melhor ainda. Percebi que descobrir a origem da família não era uma obsessão só minha: isso é comum entre muitas pessoas, mesmo jovens, ao contrário do que se pode pensar. Tudo isso me fez amadurecer muito e recons-truir uma parte da minha his-tória. Ainda te-nho contato se-manal com meus parentes.”

Marcus Frediani

Investigue na internet

PirandelloO rapaz namora a moça. Os dois se amam demais. Ela lhe jura amor, e ele retribui. Mas o casal discute. Eles discordam em muitos pontos e esses atritos, vez por outra, terminam em brigas e pranto. Por quê? Uma tentativa de resposta pode estar no título do último romance, publicado em 1926, de Luigi Pirandello - Um, nenhum e cem mil. Luigi Pirandello é um literato italiano, mais conhecido por suas peças teatrais e pelo prêmio Nobel de literatura, recebido em 1934, devido ao “renascimento corajoso e inventivo da arte cênica e dramática”. Mas o que têm a ver os namorados que se amam e se desentendem e o teatro pirandelliano? Antes de chegarmos à resposta, Aurora Bernardini, tradutora de peças do autor italiano e professora da Universidade de São Paulo (USP), fala sobre a atualidade da obra do dramaturgo. “Para uma peça ainda ser válida, hoje em dia, e não ser cerebral (verbalismo em excesso) nem superficial (peripécias em excesso), deve haver articulação inteligente de ambas as dimensões. A não ser em algumas raras exceções, as peças de Pirandello têm isso”. E, em resposta à reportagem da DANTEcultural, rebate a crítica de que, no teatro de Pirandello, se enfatiza a f a l a d a s pe r sonag ens em p re j u í zo do desenvolvimento das ações.

Segundo ela, esse descompasso na trama das peças, no mais das vezes, não existe. O que existe é a centralidade do discurso na produção teatral pirandelliana: por meio das palavras, os personagens se questionam e questionam o mundo. Como resultado dessas indagações, pode-se chegar à relatividade dos valores: eu sou o que penso que sou? eu sou aquilo que pensam que sou? eu sou um só? sou vários? ou sou nada?Estamos chegando aos tais amantes que divergem. Para isso, é preciso lembrar a afirmação da professora Aurora: “Pirandello viveu no limiar de duas épocas, duas concepções de mundo, indiscutivelmente contrastantes: o mundo dos valores fixos e o mundo da relatividade desses mesmos valores”. Nascido em 1867, em Agrigento, na Sicília, Pirandello vive a transição do iluminismo - segundo o qual a razão é inabalável instrumento para lidar com a realidade - para o relativismo, época na qual o austríaco Sigmund Freud (1856-1939) aparecera com a psicanálise, dizendo que no ser humano há o irracional. Era o golpe dado contra o cientificismo, no início do século XX. Como diz o professor de Letras da USP, Alfredo Bosi, na apresentação do Um, nenhum e cem mil, “o pensamento filosófico da geração que amadureceu no

DANTEcultural

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Teatro Por Francisco Pires

Obra de dramaturgo italiano - que se dedicou a

questionar as estruturas do indivíduo e do teatro -

mantém-se atual mesmo 70 anos após sua morte

Ilustração: Augusto T. Novelli

fim do século XIX conheceu a coexistência dos opostos: determinismo e relativismo, positivismo e pragmatismo, racionalismo e voluntarismo”.Viver nessa época de mudanças influenciou a obra pirandelliana, na qual “os protagonistas só se definem quando começam a falar: o ato da palavra torna-se forma de confissão, expiação e consciência que determina o destino”, de acordo com a professora da USP. Qualquer semelhança com a psicanálise, na qual a palavra é base da terapêutica, não se apresenta como mera coincidência. Aurora diz mais: “A revelação dos muitos eus de uma personagem, conforme o interlocutor, conforme a circunstância e conforme o tempo que passa, é um de seus pontos altos”. Assim entram em cena os namorados apaixonados que brigam. O namorado sabe quem ele é e sabe quem a namorada é? As imagens que cada um constrói de si mesmo e um do outro se parecem ou se conflitam? Daí a problemática colocada por Luigi Pirandello. Ele é partidário da dúvida - no exemplo do amor conflituoso dos namorados, estes viveriam uma ilusão?

Por ser questionador, ficou fácil ao autor italiano pensar metalingüisticamente o fazer teatral, na segunda fase da sua trajetória artística, antecedida pelo tema da possibilidade de o indivíduo ser várias pessoas ou nenhuma. Da fase metalingüística surgem suas duas obras-primas: Seis personagens à procura de um autor (1921) e Henrique IV (1922).

O tempo e o meioPirandello é um resultado de seu tempo e do meio onde viveu. Ele mesmo reconhece essa condição, mas com a sutileza da mente perspicaz. “O artista reflete, (...) em sua obra, a vida de seu tempo, na medida em que ele mesmo é um produto da civilização e da vida moral de seu tempo”. O problema é quando se faz política, e não arte. Pirandello não pretendia apenas criticar os homens da sua época, mas tratar sua literatura e seu teatro de forma engenhosa, embora não acreditasse na concepção planificada e consciente da dramaturgia. Em entrevista ao periódico Paris Presse, em 1930, ele diz: “As obras que permanecem são o resultado de um processo que um dramaturgo

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“Mas que modo pode ser o de vocês? O do rebanho! Mesquinho, instável, hesitante... E os

outros se aproveitam disso, fazem vocês tolerarem o modo deles, aceitá-lo, para que

sintam e vejam como eles! Ou, pelo menos, têm a ilusão de que seja assim! Por que, no

fim das contas, o que é que eles conseguem impor? Palavras! palavras que cada um

entende e repete como quer! (...) Mas me digam uma coisa: pode-se ficar quieto, sabendo

que existe alguém que tenta convencer os outros de que você é como ele o vê, que tenta,

conforme o juízo que faz de você, enquadrá-lo num conceito que não é o seu?”Fala do personagem Henrique IV na peça homônima (1922)

“Mostrei homens e

mulheres que viviam na

ilusão de ser amados ou

de ser poderosos e que,

bruscamente, despertam

de seu sonho. Mostrei

homens e mulheres

certos de que nada é

durável. Demonstrei que

sábio é quem tem

agilidade para nunca se

deixar preceder pela

vida, prevendo e

adaptando-se a cada um

de seus instantes”.Depoimento ao jornal

parisiense “Journal” (1934)

Por ele mesmo

“Um carro fúnebre dos mais simples, daqueles usados para os indigentes. Nu. E que ninguém me

acompanhe, nem parentes nem amigos. O carro, o cavalo, o cocheiro, nada mais. Quero ser

cremado. E quando meu corpo for consumido, seja ele atirado aos ventos, porque eu quero que

nada permaneça de mim, nem mesmo minhas cinzas.”

No testamento de Luigi Pirandello

“Mas que modo pode ser o de vocês? O do rebanho! Mesquinho, instável, hesitante... E os

outros se aproveitam disso, fazem vocês tolerarem o modo deles, aceitá-lo, para que

sintam e vejam como eles! Ou, pelo menos, têm a ilusão de que seja assim! Por que, no

fim das contas, o que é que eles conseguem impor? Palavras! palavras que cada um

entende e repete como quer! (...) Mas me digam uma coisa: pode-se ficar quieto, sabendo

que existe alguém que tenta convencer os outros de que você é como ele o vê, que tenta,

conforme o juízo que faz de você, enquadrá-lo num conceito que não é o seu?”Fala do personagem Henrique IV na peça homônima (1922)

“Mas que modo pode ser o de vocês? O do rebanho! Mesquinho, instável, hesitante... E os

outros se aproveitam disso, fazem vocês tolerarem o modo deles, aceitá-lo, para que

sintam e vejam como eles! Ou, pelo menos, têm a ilusão de que seja assim! Por que, no

fim das contas, o que é que eles conseguem impor? Palavras! palavras que cada um

entende e repete como quer! (...) Mas me digam uma coisa: pode-se ficar quieto, sabendo

que existe alguém que tenta convencer os outros de que você é como ele o vê, que tenta,

conforme o juízo que faz de você, enquadrá-lo num conceito que não é o seu?”Fala do personagem Henrique IV na peça homônima (1922)

“Eles sim,

todos os dias, a toda hora,

pretendem que os outros sejam

como eles querem; mas isso,

isso não é uma

Violência!”

Idem ao de cima

“Os críticos têm um mau hábito de procurar

aproximações e até influências onde podem

apenas existir coincidências (...) Assim, já se têm

encontrado semelhanças entre a minha obra e a

de Marcel Proust. (...) Devo advertir que nunca

abri um livro de Proust.”

Depoimento a “O Jornal” (1927)

autêntico ignora”. A professora Aurora Bernardini acrescenta: “O drama das personagens pirandellianas alcança uma verdade de parábola que o coloca acima da história”. Pirandello também é partidário dos paradoxos.Ao conceber seus personagens, ele mira a pequena

burguesia italiana do fim do século XIX. Com 15anos muda-se para Palermo, de onde sai para cursar a Faculdade de Letras, em Roma. Percebe que o mundo é feito de aparências e vive um período de desilusão, agravado pela descoberta de que uma prima sua se relacionava com o pai dele. Por conta de desentendimentos com o diretor da faculdade, vai para a Alemanha estudar na Universidade de Bonn, onde se doutora, em 1891, em filologia românica. Sua trajetória literária começa a se desenhar quando, já de volta à Itália, passa a colaborar com revistas literárias e produz a primeira coletânea de contos Amores sem amor (1894), depois da qual viriam os

primeiros romances A excluída (1901), O turno (1902) e O Falecido Mattia Pascal (1904). Nessa época, casa-se com a filha de um sócio do pai, este, rico proprietário de uma mina de enxofre, e vê seus três filhos nascerem entre 1895 e 1899. Em seu currículo entrariam o Instituto de Magistério de Roma, onde começou a lecionar em 1908, e um espaço garantido em jornais como o Corriere della Serra.Mas, a despeito do currículo, alguns fatos da vida pessoal do dramaturgo despertam a nossa sensibilidade para compreender a sua obra e nos ajudam a enxergar o mundo através dos seus próprios olhos. Ainda no início do século XIX, o desmoronamento da mina de enxofre, herdada por Pirandello, acarreta a decadência financeira da família. Outro exemplo é Maria Antonietta Portulano, sua esposa, que sofria de ciúme mórbido e que em 1919 seria internada por distúrbios psicológicos. Essa mesma data foi marcada pela morte do seu pai e pela

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Teatro

Reprodução

Il dovere del medico - O dever do médico (1912); Cecè - Cecé

(1913); La Ragione degli altri - A razão dos outros (1916);

All'Uscita - À saída (1916); Liolà - Liolá (1917); Pensaci,

Giacomino! - Pense nisso, Giacomino! (1917); La Patente - A

patente (1918); Cosi è se vi pare - Assim é se lhes parece

(1918); Il piacere dell'onestà - O prazer da honestidade

(1918); Il berretto a sonagli - O gorro de guizos (1918); Ma non

è una cosa seria - Mas não é uma coisa séria (1919); Il giuoco

delle parti - O jogo dos papéis (1919); L'uomo, la bestia e la

virtù - O homem, a besta e a virtude (1919); Tutto per bene -

Está tudo bem (1920); Lumìe di sicilia - Limões sicilianos

(1920); L'innesto - O enxerto (1921); Sei personaggi in cerca

d'autore - Seis personagens à procura de um autor (1921);

Come prima, meglio di prima - Como antes, melhor que antes

(1921); La signora Morli, una e due - A senhora Morli, um e dois

(1922); Enrico IV - Henrique IV (1922); Vestire gli Ignudi -

Vestir os nus (1923); Ciascuno a suo modo - Cada um ao seu

modo (1924); La vita che ti diedi - A vida que lhe dei (1924);

Sagra del signore della nave - Saga do senhor da nave (1924);

La giara - O cântaro (1925); L'altro figlio - O outro filho (1925);

L'imbecille - O imbecil (1926); L'uomo dal fiore in bocca - O

homem com a flor na boca (1926); La morsa - O torno (1926);

Diana e la Tuda - Diana e Tuda (1927); L'amica delle mogli - A

amiga das mulheres (1927); Bellavita - Bellavita (1928); La

nuova colonia - A nova colônia (1928); O di uno o di nessuno -

Ou de um ou de nenhum (1929); Lazzaro - Lázaro (1929);

Sogno ma forse no - Sonho mas talvez não (1929); Questa

notte si recita a soggetto - Esta noite se improvisa (1930);

Come tu mi vuoi - Como você me quer (1930); Trovarsi - Achar-

se (1932); Quando si è qualcuno - Quando se é alguém (1933);

No si sa come - Não se sabe como (1935); La favola del figlio

cambiato - A fábula do filho trocado (1938) e I giganti della

montagna - Os gigantes da montanha (1938).

As peças Eu não sou um autor de farsas, sou um autor de tragédias. E a vida não é uma farsa, é uma tragédia. O aspecto trágico da vida está precisamente nessa lei a que o homem é obrigado a obedecer, a lei que o obriga a ser um. Cada qual pode ser um, nenhum, cem mil, mas a escolha é um imperativo necessário.”

Depoimento a “O Jornal” (1927)

“Minha arte está repleta de compaixão para com aqueles que se enganam, mas esta

compaixão não pode deixar de estar acompanhada pela feroz irrisão do destino

que condena o homem ao engano.”Em Anotações Biográficas (1909)

Eu não sou um autor de farsas, sou um autor de tragédias. E a vida não é uma farsa, é uma tragédia. O aspecto trágico da vida está precisamente nessa lei a que o homem é obrigado a obedecer, a lei que o obriga a ser um. Cada qual pode ser um, nenhum, cem mil, mas a escolha é um imperativo necessário.”

Depoimento a “O Jornal” (1927)

“Acredito que o cinema está aparelhado

para ser um maravilhoso instrumento de

arte, mas só atinge o seu objetivo, quero

dizer, só chega a ser um instrumento de

arte, quando deixa de ser popular.”

Idem ao de cima

libertação do filho mais velho, até então prisioneiro na Áustria devido à I Guerra Mundial. A partir desse período, seu ataque aos hábitos e preconceitos da burguesia italiana tornou-se mais contundente.Pirandello pesquisou diferentes falas e criou vocábulos para sua produção literária. “Sabe ser antiquado, sabe ser clássico, sabe ser inovador. Quase perfeito”, diz a professora Aurora Bernardini sobre a relação do teatrólogo italiano com a língua materna - não se pode esquecer que na Sicília o bilingüismo é característica do povo local, que fala o siciliano. A ilusão tem presença influente em seu ideário, moldando a realidade com contornos fluidos, que podem ser borrados continuamente. Luigi firmou seu estilo ao abandonar de vez o verismo, teoria segundo a qual a rígida representação da verdade e da realidade é essencial à arte e à literatura. Então, nos quase 20 anos posteriores, a desconstrução do indivíduo e os questionamentos da

realidade abriram espaço para a fase metalingüística, configurada nas inúmeras peças que Pirandello ainda escreveria. Antes de sua morte, em 1936, assumira a direção artística do Teatro de Arte de Roma e conhecera a atriz Marta Abba, companheira até os últimos dias. Viajou o mundo, viu sua fama alcançar outros países, principalmente pelo sucesso de O Falecido Mattia Pascal, e teve tempo de consagrar-se, em 1934, com o prêmio Nobel.Alfredo Bosi retoma Um, nenhum e cem mil para sugerir a resposta que Pirandello deu à renitente negação da objetividade do conhecimento: “um panteísmo lírico”. O homem se entrega ao fluxo da natureza, sanando o rompimento drástico a separar o eu e o mundo. Uma visão romântica a de Luigi Pirandello, aquele que, para o professor Bosi, “tirou a literatura italiana do provincianismo que a sufocava no fim dos Oitocentos e a lançou no clima de cultura internacional do século XX”.

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DANTEcultural

Por Ana Luiza Daltro

O resgate de Roma

ão foi nenhuma surpresa desco-Nbrir que o autor

Valerio Massimo Man-fredi já vendeu os direitos desta obra para uma futura a d a p t a ç ã o c i n e m a -tográfica. O ritmo de A Última Legião praticamente implora por um filme: imagens de um belo épico se desenrolam automat icamente na cabeça do leitor à medida

que as páginas vão avançando.O ano é 476, era cristã. O lugar, o antigo Império Romano. O imperador do Ocidente (será o último) é Rômulo Augusto, de apenas 13 anos. O jovem, no entanto, mal “esquentou” o trono. A mando do general bárbaro-germânico Odoacro, o terrível Wulfila mata os pais do garoto na sua frente e o aprisiona. A vida de Rômulo só é poupada por razões estratégicas. Afinal, naquela época os chamados povos bárbaros já dominavam na prática a maior parte do império e podiam se dar ao luxo de começar a pensar politicamente. Como não queriam despertar a hostilidade de Constantinopla (sede do império no Oriente), nem a ira do povo, nem a antipatia do clero cristão, eles acabaram optando por poupar Rômulo e exilá-lo em um local de difícil acesso. Assim, o povo nunca mais se lembraria dele -e, por extensão, do Império Romano. O rapaz é enviado então à ilha de Capri na companhia de Ambrosinus, seu velho mestre e protetor. Enquanto isso, Aurélio, líder guerreiro da legião Nova Invicta, tenta satisfazer o último pedido do pai de Rômulo, Orestes, que lhe dirigiu as suas últimas palavras: “Salva o meu filho, salva o imperador. Se ele morrer, Roma morre. E se Roma morre, tudo está perdido”. A Nova Invicta é a última das legiões que, no passado glorioso, defendiam bravamente o império e a vida do soberano de Roma. Aurélio parte com o objetivo de

resgatar de qualquer maneira Rômulo, para ele o verdadeiro César.A missão é mais do que ambiciosa: é uma loucura. A princípio, Aurélio conta apenas com a sua própria coragem e lealdade incondicional aos ideais da civilização romana. Depois passa a ter a ajuda de Lívia Prisca, destemida guerreira que vive em uma espécie de mangue - que, pasmem, se tornará no futuro a cidade de Veneza. Ela surge na história ao salvá-lo de uma emboscada feita por soldados bárbaros. Mais tarde, ambos conseguem libertar os sobreviventes da Nova Invicta, que haviam sido escravizados por Odoacro. Todos são amigos de Aurélio e são tão destemidos quanto confiáveis. O grupo rebelde aumenta, mas ainda assim a missão é terrivelmente arriscada.O próprio Rômulo, pela pouca idade e também por ter perdido os pais de forma tão violenta, parece conformado com o destino miserável que os bárbaros lhe haviam reservado. Destino esse completamente diferente do que imaginava ter ao ser sagrado imperador de Roma em um belo banquete, havia tão pouco tempo. Atolado em um marasmo depressivo, suas perspectivas só mudam quando, por acaso, ele encontra em um esconderijo em Capri a mítica espada perdida de Júlio César - a mesma que subjugou galos, germanos, egípcios, sírios, numídios e iberos no passado. A fantástica arma lhe desperta o instinto de nobreza e o amor a Roma, e é com ela que o pequeno imperador pretende lutar até vingar a morte de seus pais. Ao narrar a gigante aventura desse pequeno grupo, A Última Legião traz uma impressionante reconstituição da Roma antiga. As batalhas são emocionantes e a descrição das cidades e paisagens históricas é riquíssima - o autor Manfredi é perito em civilizações antigas e chefiou numerosas expedições científicas e escavações, na Itália e em vários outros países. O leitor fica até com vontade de procurar um mapa da Europa daquele tempo para melhor acompanhar a saga de Aurélio, “o último dos romanos”. Aliás, o ponto de vista da história é definitivamente romano, mas intervenções críticas e esclarecedoras

Romance épico conta a história de um grupo de bravos guerreiros dispostos a lutar por sua cidade e resgatar o jovem imperador capturado pelos bárbaros

Repro

dução

Trecho da obra

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“O grupo desapareceu no interior e a grande laje fechou-se atrás deles. O estrondo das armas que se chocavam contra o mármore e os gritos raivosos de Wulfila ecoaram logo a seguir no pequeno hipogeu, e apesar da espessura do grande monólito representar uma defesa inexpugnável, o ressoar dos golpes da sua ira selvagem enchia aquele espaço limitado de uma angústia opressora, condensava naquele ar parado uma ameaça impotente mas ainda assim terrivelmente presente. Por alguns momentos todos ficaram olhando uns para os outros aflitos, mas então Rômulo indicou o poço do qual vinha um misterioso reflexo azulado, como se aquela abertura estivesse em contato com o além.- Este poço dá diretamente para o mar - explicou então Rômulo. - É a nossa única saída. Vamos embora, não há mais nada que possamos fazer aqui. - E diante do olhar atônito dos com-panheiros, antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, desapareceu na boca do poço. Aurélio não pensou duas vezes e foi atrás dele. Depois foi a vez de Lívia e, depois dela, Demétrio, Osório, Vatreno. Ambrosinus foi o último, e primeiro a longa derrapagem numa espécie de plano inclinado e depois a queda vertical através de uma estreita abertura pareceram-lhe nunca mais acabar. O contato com a água deu-lhe uma sensação de pavor e de sufocação mas, então, logo a seguir, de paz e tranqüilidade.(...) A tocha que segurava

escorregou da sua mão e afundou lentamente até pousar no fundo, e o globo luminoso acendeu as águas de um azul intenso e brilhante, como que de safira. Lançou-se para cima com força e conseguiu vir à tona entre os companheiros que já tentavam alcançar a margem. Estavam dentro de uma gruta que se comunicava com o mar através de uma pequena abertura tão rente à superfície das ondas que era quase impossível de se ver. Aurélio e os demais olhavam incrédulos para aquela chama que ardia embaixo da água, mas Ambrosinus também olhava em volta com os olhos cheios de maravilha. Vatreno aproximou-se indicando a luz que parecia surgir do próprio fundo do mar.- Mas... que espécie de prodígio é esse? És um mágico?- Fogo grego, uma fórmula de Hermógenes de Lampsaco - respondeu Ambrosinus com ostensiva displicência. - Continua queimando debaixo d'água.”

aparecem - principalmente por conta do sábio e místico personagem Ambrosinus. Também é importante, nesse sentido, uma perturbadora frase de Odoacro: “Bárbaros, é assim que nos chamam, como se de fato fôsseis melhores, quando na verdade não passais de uma raça acabada por séculos de vício, de poder e de corrupção”.Além dos detalhes sobre os costumes da época, o livro mostra de forma bastante clara e acertada as razões que levaram Roma ao declínio e depois à queda. Difícil não recomendar essa leitura aos estudantes.A aventura dos bravos legionários é temperada pela ardente história de amor entre Aurélio e Lívia. Também atravessam a história várias questões psicológicas interessantes: o incômodo mistério que

envolve o passado de Aurélio, a independência total e até assustadora pela qual Lívia se modelou como pessoa, o sentimento que o pequeno imperador começa a experimentar ao ver os bravos e amigos guerreiros padecendo terrivelmente por sua inteira “culpa”, o fim de toda uma era e o reflexo disso nas pessoas, entre outras.E somente no final da narrativa o leitor fica sabendo que a história acompanhada com tanta expectativa é a origem de um dos maiores mitos europeus - muitíssimo conhecido. É a última cartada do autor: criativa, surpreendente, bastante lógica e muito bem-humorada.

A Última Legião

Valerio Massimo ManfrediEditora Rocco / 396 págs.

Divulgação

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Repro

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Repro

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Sucesso na Itália, Baunilha e Chocolate conta o fim de um casamento. Mas já na orelha do livro o leitor é informado de que Pe n e l o p e e A n d r e a , o s protagonistas, acabarão juntos no final. C a n s a d a d e s e r t r a í d a sistematicamente, e do vazio existencial de sua vida, Penelope

(Pepe) se revolta e parte para um período de reflexão. Ela se refugia na antiga casa de sua avó no litoral e deixa os três filhos com o marido em Milão, para que ele aprenda na marra a dar conta de tudo e de todos - como ela faz todos os dias. Começam a ser narradas as lembranças de Pepe, a adolescência difícil de Andrea e a história dos dois. A autora descreve muito bem as pequenas e grandes coisas do cotidiano e da vida que destroem, com o tempo, uma relação. Mas a oportunidade de fazer desse precioso relato uma história de superação, amor próprio e mudança é, infelizmente, desperdiçada. O livro acaba fazendo do casamento dos dois uma instituição indestrutível, mesmo que para isso seja preciso torturar os fatos e eventualmente a inteligência do leitor. Exemplo disso é o que ocorre com o médico Raimondo, homem maravilhoso por quem Pepe se

apaixona, ainda casada. Os dois vivem uma linda história, um verdadeiro romance, no qual ela é indispensável não por sua eficiência como babá, mãe postiça e criada do homem, mas por ser amada como mulher. Milagrosamente, a história acaba no seu ponto mais alto - e Raimondo ainda é “punido” pelo destino. Pepe e Andrea continuarão juntos graças à esperança de que esse relacionamento passe a ser tudo o que não foi em 18 anos. Não deixa de ser perturbadora a idéia da autora - bem clara nas entrelinhas - de que encerrar um casamento é negligenciar os filhos e abandonar a família. Essa culpa infundada atormenta Pepe terrivelmente. O casamento, então, deixa de ser uma opção de duas pessoas livres e que se amam de fato para se tornar uma provação, um martírio necessário, uma missão a ser mantida custe o que custar. “Sempre lhe haviam dito que uma união infeliz é ainda assim preferível a uma drástica divisão”, diz-se de Pepe a certo ponto da história. E assim foi.

Baunilha e ChocolateSveva Casati Modignani

Editora Record / 487 págs.

Nesta obra, o porto de Gênova é o centro de uma mitologia cujos heróis são os estivadores e c a r voe i ro s. “Gen t e ( . . . ) acostumada a carregar o peso da responsabilidade como uma honra e um prêmio, gente pouco propensa a considerar as incertezas e sutilezas que movem a alma como algo diferente de uma dor de estômago ou de uma

esfoladura na mão.”

Percorrendo um século e três gerações, a história centra-se principalmente em Sascia, filha mais nova

de um casal vindo da Sardenha. Com 14 anos, a menina se vê órfã da mãe e abandonada pelo pai - depois pelos irmãos. Mas autopiedade é uma palavra que ela desconhece. Com habilidades manuais únicas, passa a trabalhar fazendo delicados envelopes de açafrão para um pitoresco negociante local. Também por ser uma inventora nata, a moça nunca irá deixar de se garantir na vida daí em diante.

Aos 20 anos, Sascia se apaixona por Paride, trabalhador do porto tão nobre e endurecido pela vida quanto ela. O belo amor entre os dois é silencioso, discreto, maduro e intenso; desde o começo.

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dezembro/2006

Repro

dução

Pequena peça literária com capítulos bem curtos, o romance Seda já foi descrito pela crítica especial izada como “uma pequena jóia de sensibilidade”. Não é exagero. A narrativa começa na França de 1861. Conta a vida de Hervé Joncour, um mil i tar que abandonou a carreira para se tornar comerciante de ovos de

bichos-da-seda. Por causa de uma epidemia que passa a assolar as criações da região, ele é obrigado a procurar ovos saudáveis no Japão - na época um país absolutamente fechado para o mundo, mas não por muito mais tempo. A idéia de arriscar a viagem (que naquela época levava meses e tinha um intinerário inacreditável, repetido pelo autor várias vezes exatamente por isso) e reunir os recursos para viabilizá-la foi do visionário criador Baldabiou - personagem, aliás, sensacional.As viagens não mudam Joncour como pessoa, mas transformam na prática a sua vida: “De vez em quando, nos dias de vento, descia até o lago e passava horas a olhar para ele, uma vez que, desenhado na água, parecia-lhe ver o leve, inexplicável, espetáculo que fora a sua vida”. Isso porque, apesar de viver uma relação sem qualquer sobressalto ou grandes emoções com a mulher (ou será justamente por

isso?), o comerciante se apaixona pela enigmática esposa ocidental de Hara Kei, o japonês que lhe vende os ovos. A cada viagem a curiosidade por aquela bela e misteriosa mulher aumenta, tomando conta do pensamento do viajante na volta.A narrativa é elaborada pelo talentoso Baricco com muita sutileza e sensibilidade - pois só assim é possível dar conta da complexidade e subjetividade tanto da história quanto das personagens. O estilo do autor é enxuto e impactante. Um belo exemplo disso se dá quando ficamos sabendo o que corria na boca do povo, décadas depois, sobre Joncour: “Diziam que era um trambiqueiro. Diziam que era um santo”.Silk é o nome do filme inspirado por esta obra. A película já está em fase de pós-produção e foi dirigida por François Girard. Michael Pitt (no papel de Joncour) e Keira Knightley (no papel de Hélène, mulher dele) fazem parte do elenco.

SedaAlessandro Baricco

Editora Rocco / 103 págs.

Sascia e Paride têm um filho, Giacomo. Após trágicos acontecimentos na luta travada pelos portuários contra o nazifascismo, o rapaz, então com 15 anos, é enviado a um seminário por razões de segurança e se torna padre.

Em uma virada narrativa que lembra a literatura fantástica latino-americana, Giacomo é enviado como missionário pela Igreja Católica a uma remota ilha da Polinésia Francesa. Habitada por uma população gentil e de hábitos quase pré-históricos, a ilha será seu lar por dez anos.

O título do livro vem da mambembe rainha infante da ilha, que virá com Giacomo quando ele retorna à sua cidade natal. O leitor verá que essa rainha - assim

como a circunstância na qual ela chega a Gênova - realmente não tem mais enfeites de qualquer natureza. Mas caberia talvez a ressalva de que, se há uma rainha na história, ela é Sascia - personagem que é o melhor do livro.

A Rainha Sem Enfeites é o primeiro romance de Maggiani editado no Brasil. Recebeu em 1998 três prêmios literários italianos: Alassio, Stresa e Il Molinello.

A Rainha Sem Enfeites

Maurizio Maggiani

Editora Berlendis & Vertecchia / 461 págs.

DANTEcultural

Pao

l

on

teo

C

32 anos de jazz

ua voz é rouca, por vezes entorpecida. A testa, franzida, combina-se com o bigode Svasto e grisalho para reforçar a silhueta de

mistério e introspecção. Esse ar reservado, no entanto, parece ser pura fachada. Sério e compenetrado quando está no palco, o jazzista Paolo Conte recebe com simpatia o carinho de fãs, acumulado em décadas de sucesso. Essa trajetória é comemorada este ano com o lançamento, em sua Itália natal, de uma coletânea que reúne o repertório de álbuns feitos entre 1974 e 1982.Conte aborda principalmente o cotidiano. De maneira crítica, e com especial destaque à alma feminina, suas letras são mescladas a piano, percussão e instrumentos de sopro. Os ritmos latinos dão toques especiais à característica sonoridade que o acompanha. Nascido na pequena Asti, no nordeste da Itália, em janeiro de 1937, Conte iniciou-se na música ainda jovem,

demonstrando especial interesse pelo jazz. Munido de um vibrafone - instrumento de percussão baseado no xilofone - , deu início às suas primeiras excursões musicais ao lado de bandas locais.As composições próprias vieram aos poucos. Primeiro em parceria com o irmão mais novo, Giorgio, e depois sozinho. Na época, no entanto, suas canções ganhavam vida nas vozes de intérpretes já consagrados como Caterina Caselli e Adriano Celentano. Foi apenas aos 37 anos que lançou seu primeiro disco, intitulado “Paolo Conte”. Mas o reconhecimento junto ao grande público veio por meio da publicidade. Em 1979, a faixa “Un gelato al limon” foi incluída em um comercial de sorvetes e ganhou visibilidade nacional.Foi nessa época que a historiadora Zuleika Alvim, 65, autora do livro “Brava gente! Os italianos em São Paulo (1870-1920)”, entrou em contato com o

MúsicaPor Fernanda Schimidt

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O músico italiano

é mestre no scat:

du-dus, bums e

zá-zás.

Divulgação

trabalho de Conte. “Sou fã de carteirinha. Conheci bem no comecinho, no primeiro disco, e comprei todos depois”, conta ela, que morou na Itália entre 1979 e 1981.Ao todo, o jazzista possui mais de vinte lançamentos, entre LPs, CDs e DVDs, e a cada novo trabalho sua base de fãs aumenta. Em meados da década de 1980, obteve grande sucesso na França com uma turnê que culminou em um disco ao vivo e em um álbum inédito. “Aguaplano”, de 1987, coloca-o definitivamente na estrada, com shows na Áustria, Bélgica, Canadá, Grécia, Holanda, entre outros países. A turnê incluiu ainda uma apresentação na casa Blue Note, famoso reduto do jazz em Nova York.Um ano antes, o cantor tivera sua estréia em palcos brasileiros, em um hotel de luxo na capital paulista. “Fui com uns amigos e fiquei tão alucinada que tive de vê-lo nos dois dias. Pedi para falar com ele”, recorda Zuleika. Ela aproximou-se do ídolo enquanto ele estava no bar do hotel, aguardando o início do show. Simpático, Conte pediu que o procurasse após a apresentação, e ela acabou sendo convidada a acompanhar o artista e seu entourage durante um jantar. “Ele foi super-receptivo. Sentei do lado dele e conversamos por quase uma hora e meia”, lembra ela, que aproveitou para falar sobre suas pesquisas a respeito da cultura italiana no Brasil. Segundo a fã e historiadora, a identificação entre o trabalho de Conte e os fãs acontece por um motivo simples. “Ele é muito inteligente, e aliou isso ao espírito crítico sobre o cotidiano. Quando sai do senso comum, tem o sucesso garantido. Ele é uma espécie de Chico Buarque”, aponta.As letras de Conte chegam a ser consideradas poemas musicados. Seu talento como escritor foi oficialmente reconhecido no dia 30 de setembro de 1991, quando recebeu o prêmio Librex-Guggenheim na categoria “versos para música”.“Una faccia in prestito”, lançado em 1995, foi apontado como seu álbum mais maduro. O disco traz, com esmero, a mistura de ritmos e as invenções lingüísticas, marcas registradas de seu repertório. Os versos são comumente compostos por scats - técnica bastante utilizada no jazz, em que o vocalista utiliza-se de sílabas ou palavras sem sentido para alcançar os sons desejados. Por exemplo, em “Come Di”, marcada por uá-uás e bás; “Via con me”, pontilhada de du-dus e bums; e “Bartali”, recheada de zá-zás.No ano seguinte, lançou na Europa sua primeira coletânea, “The best of Paolo Conte”, reunindo

vinte das principais músicas de sua carreira. A seguir, um segundo disco ao vivo chegou às prateleiras.Em 2000, o músico partiu para um trabalho inusitado, mas por ele planejado há décadas. Decidiu colocar em prática, e aos olhos e ouvidos do público, sua outra paixão: a pintura. Conte reuniu 1.800 ilustrações a um repertório de músicas em inglês e francês no DVD “Razmataz”, um videoópera que narra o encontro da nova música com a Europa de 1920. O ponto central da obra, marcada por influências do dadaísmo, cubismo e futurismo, é Paris. A viagem de Conte, no entanto, passa por diferentes capitais, retratando estilistas, esportistas, burguesia etc. A sonoplastia incluiu diálogos, monólogos e, claro, música - seja ela tocada ao vivo ou utilizada apenas em segundo plano, conferindo densidade às histórias.Após outros trabalhos, entre os quais os discos “Reveries” (2003) e “Elegia” (2004), além de um CD duplo e um DVD gravado na Arena di Verona, Paolo Conte lançou no fim do primeiro semestre de 2006 o box “Wonderful”. O álbum triplo inclui 50 sucessos coletados de seus primeiros cinco lançamentos: “Paolo Conte” (1974), “Paolo Conte” (1975), “Un gelato al limon” (1979), “Paris milonga” (1980) e “Appunti di viaggio” (1982). Assim, o músico comemora 32 anos de uma carreira em constante expansão, pronto para novas coletâneas e inéditos.

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O semblante fechado é só fachada, e se desfaz com a aproximação de fãs e admiradores.

Div

ulg

ação

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Cinema

DANTEcultural

Por Beatriz Scavazzini

A bela e surpreendente

Claudia CardinaleDona de um olhar expressivo e presença marcante, a atriz encantou os maiores diretores do cinema italiano com sua beleza e naturalidade

ão só os atributos físicos fazem de Claudia Cardinale uma das mais Nfamosas atrizes do cinema italiano.

Uma das grandes revelações da década de 50, atuou em mais de cem filmes de diretores renomados como Sergio Leone, Fellini e Werner Herzog. Dividiu a tela com atores como Burt Lancaster, Alain Delon, Marcello Mastroiani, Lee Marvin, Anthony Quinn, Helmut Berger e Klaus Kinski. Atualmente, esteve rodando “Asterix e as Olimpíadas”. No teatro, está em cartaz com “Le zoo di Vetro”, peça de William Tenessee, em Roma. Claude Joséphine Rose Cardinale nasceu na Tunísia, em 1939. Filha de pais sicilianos, começou sua trajetória ao ganhar um concurso de beleza, aos 17 anos. Depois de resistir a diversas propostas, fez uma pequena participação no cinema local. Então, quando a família se transferiu para Roma, surgiu a oportunidade de estudar no Centro Sperimentale di Cinematografia, primeira escola de cinematografia do mundo, fundada em 1935. Ainda hoje, a instituição é fundamental para a evolução da interpretação e da direção teatral. Ali, a carreira de Claudia demora a deslanchar até que, inesperadamente, surge uma proposta do diretor e produtor Franco Cristaldi para o filme “Soliti ignoti” (Os eternos desconhecidos), de 1958. Mais tarde, Cristaldi se tornaria marido e produtor da atriz. Cardinale viveu o fim do neo-realismo, movimento caracterizado por registrar a arrasada sociedade do pós-guerra. O conflito mundial, até então retratado como crônica,

deveria agora, para diretores como Luchino Visconti e Vittorio De Sica, se transformar em história. A guerra já não era mais abordada criticamente, e seu relato, na verdade, se tornara estereotipado.Dentro desse panorama, uma atriz de beleza exótica, personalidade marcante e genuinidade para interpretar a realidade das típicas mulheres sicilianas, não demoraria a ficar conhecida. Nessa época, o neo-realismo italiano já se ramificara e trazia, agora, novas vertentes que buscavam a exuberância interpretativa para mostrar outras questões da Itália, que não mais a intensa necessidade de lutar contra toda a crise econômica e social do pós-guerra. É quando ocorre, simultaneamente, uma redescoberta da relação entre os personagens e a paisagem italiana. O destaque não era mais para um cenário bucólico, mas para algo que, de fato, contribuísse para o universo do personagem. A naturalidade e espontaneidade de Claudia foram ao encontro do que os diretores buscavam, e não foi à toa que, em 1963, ela se tornou musa de Federico Fellini, por sua interpretação em “Otto e Mezzo” (Oito e Meio), um dos mais criativos filmes deste diretor, cujo alterego se exprime no personagem de Marcello Mastroianni. Outro filme em que Claudia exibe o talento com que cria seus mais diferentes personagens é “Il Gattopardo” (O Leopardo, 1963), de Luchino Visconti, que também a dirigiu em “Rocco e i suoi fratelli” (Rocco e seus irmãos, 1963), duas obras que renderam à atriz grande prestígio e sucesso.

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Divulgação

AssistaAssistaIgualmente marcante foi o papel de Cardinale como vítima sobrevivente do Holocausto, em “Vaghe stelle dell´Orsa” (As vagas estrelas da Ursa, 1965), também de Visconti. Em “La storia” (A história, 1986), de Luigi Comencini, fez outra interpretação memorável, no papel de uma viúva que viveu no período da Segunda Guerra Mundial. Estes, no entanto, são filmes que ainda reportam as dificuldades vividas no pós-guerra. Claudia Cardinale foi contemporânea de Anouk Aimée, Alain Delon e Anna Magnani, com quem fez diversos trabalhos importantes na Itália. Depois de ter sua carreira sedimentada no cinema italiano, fez algumas participações no cinema norte-americano. Começou com “A Gatinha que eu quero” (1969), interpretando uma garota siciliana, junto com Rock Hudson, no papel do capitão Mike Harmon. Ainda nos Estados Unidos, Claudia gravou “A pantera cor-de-rosa” (1963), ao lado de Peter Sellers. Mas Claudia nunca teve muito interesse em abandonar a cultura e a produção da Itália, onde começou a carreira.Em 2002, a atriz recebeu o prêmio Urso de Ouro no Festival de Cinema de Berlim. Em 2005, foi homenageada no Festival de Cinema do Amazonas, ocasião em que recordou suas duas passagens pelo Brasil. A primeira vez nos anos 60, quando rodou o longa-metragem “Uma rosa para todos”, no qual protagonizou uma sambista. E a segunda em 1982, ano em que integrou o elenco de “Fitzcarraldo”.

Era uma vez no Oeste (C´era una volta il West)

Seguindo a linha do final do neo-realismo italiano, o diretor romano Sergio Leone busca durante todo o filme mostrar a realidade da vida no velho oeste, trabalhando com as sutilezas do tempo narrativo. Ao contrário do que costumava fazer em seus outros filmes, Leone valorizou o papel feminino. Jill McBain, interpretada com habilidade e graça por Claudia Cardinale, tem um papel central no contexto: à beleza da atriz, o diretor aliou o drama vivido pela personagem. McBain é uma ex-prostituta de New Orleans que se casa à distância com Brent McBain (Frank Wolf), proprietário de terras no Oeste. Após deixar a cidade grande, encontra no novo lar uma surpresa aterradora: sua futura família, marido e os três filhos dele, estão mortos. Sem pistas, iniciam-se as buscas pelo assassino.O relato se passa no período mais decadente do faroeste americano, quando as pradarias e fronteiras longínquas são substituídas por ferrovias e civilização. O longa contribuiu para o renascimento do gênero “western” e do que se costumava mostrar sobre a região. No drama, as histórias de gângsteres e as relações de amizade são mostradas pelas lentes do diretor italiano de um modo particular, com tomadas longas e não lineares. A riqueza dos detalhes de cada ângulo e perspectiva surpreende, mostrando ao espectador um ponto de vista agudo e sensível. Direção:Sergio Leone/Ano:1968/Duração:165minutos

O Leopardo (Il Gattopardo)

Um dos grandes feitos do diretor italiano Luchino Visconti, “Il Gattopardo” foi baseado na obra homônima de Gieuseppe Tomasi di Lampedusa. O filme ficou conhecido por não focar o tema da II Guerra Mundial, o que era comum naquele tempo em que a sociedade ainda lutava para superar as crises pós-conflito. Ambientado nos anos 1860, o longa mostra a decadência da nobreza e a unificação da Itália. A história descreve um retrato da família do príncipe de Salinas, a batalha de Palermo e a invasão das tropas de Garibaldi à Sicília. Don Fabrizio, o príncipe, muda-se para uma zona rural da ilha - Donnafugata. Seu sobrinho, o heróico Tancredi, depois de lutar junto com as tropas de Garibaldi, encanta-se em Donnafugata por Angelica Sedara. O papel da bela moça é interpretado por Claudia Cardinale, que mostra a espontaneidade e o charme da jovem por quem o revolucionário se apaixona. Com uma bela e surpreendente fotografia, o filme é marcado por belas cenas e por um colorido preciso. Efeitos de luz e figurino seguem em perfeita harmonia com o universo de cada personagem e com o momento histórico narrado. Na cena final do grande baile, a dialética latente da obra é tratada com a brilhante sutileza do diretor neorealista Visconti.Direção:Luchino Visconti/Ano:1963/Duração:205minutos

Entre os mais de cem filmes em que atuou, Cardinale trabalhou com os principais diretores da Itália, como Fellini e Visconti.

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Ensaio Fotográfico Por Thatiane Faria

DANTEcultural

Festa N. Sra. Achiropita

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DANTEcultural

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Combinação perfeita de um típico evento italiano:

fartura no prato, música vibrante, cenário colorido

e muitas pessoas reunidas em torno de um ideal,

seja para festejar um acontecimento ou para

brindar a alguém. Umas das mais esperadas festas

de rua da cidade de São Paulo, a de N. Sra.

Achiropita, ocorre no segundo semestre do ano,

entre agosto e setembro, e recebe em cinco fins de

semana aproximadamente 200 mil pessoas, de

acordo com os organizadores. O local do evento

fala por si só: Bixiga, bairro de alta concentração

de italianos nos tempos da imigração.

Aproximadamente 40 barracas se espalham entre

as ruas 13 de Maio e São Vicente. A festa, que é

uma forma de arrecadar fundos para as ações

sociais da Paróquia Nossa Senhora Achiropita, é

organizada por voluntários da igreja, da própria

comunidade e da escola de samba Vai-Vai. E, para

quem não sabe, a comemoração não se resume ao

profano das músicas, danças e comidas italianas -

vinhos, massas, fogazzas, pizzas, polenta,

sardella, berinjela e uma grande variedade de

doces. A novena da padroeira, a procissão com a

imagem de N. Sra. Achiropita pelas ruas da

comunidade e a missa de coroação à santa

mostram que a fé até pode mover montanhas,

mas, o mais importante, é que ela move pessoas.

Para falar com a fotógrafa Thatiane Faria, mande um e-mail para

[email protected] ou ligue: (11) 9987-8173

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Espaço Aberto

DANTEcultural

Por Silvana Forsait

Ilustração de Augusto T. Novelli, inspirada na campanha da Childhope Asia Philippines.

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É dado como desaparecido, apesar de muitos acreditarem vê-lo e tê-lo presente na época costumeira. Cartazes de “procura-se” estão espalhados pelos outdoors e pelas páginas da internet, mas ninguém está atento a esses avisos; mesmo aqueles que estão cientes de tal mistério não têm iniciativa para desvendar o caso... Toda a culpa recai sobre as autoridades, bem como a responsabilidade de solucionar o crime. Estas, por sua vez, agem de forma ineficiente, e deixam tal fato esquecido, arquivado em alguma pasta, em qualquer escritório, em uma ilha longínqua.

As folhas verdes continuam sendo disseminadas por toda parte, acompanhadas por desenhos coloridos, geralmente com traços infantis, e por luzinhas piscantes, que, mesmo iluminando o ambiente, não são aproveitadas como ferramentas para auxiliar na resolução desse enigma.

Pessoas percorrem desvairadamente as vitrines das lojas a fim de recompensar amigos e familiares, mesmo que, às vezes, não tenham motivos claros para fazê-lo. As expressões de preocupação, os movimentos apressados e a falta de paciência nas imensas filas demonstram que esses indivíduos também se esqueceram da caçada.

Em cada lar, as caixas coloridas, com seus laços enormes, ocupam sempre uma parte do cômodo... Como são valiosos os objetos que lá estão guardados! Há também meias penduradas atrás das portas, a fim de representarem, por meio de doces ou carvão, o resultado do julgamento anual. A preocupação dos pais em agradar seus filhos com os presentes, e a curiosidade dos pequenos em descobrir o que há nas embalagens, porém, impedem que esses se lembrem da busca.

Em todos os canais de televisão, em todas as propagandas, está presente o bom velhinho, com sua grande barriga, com sua roupa vermelha e com sua barba branca. Ele pode chegar com seu famoso trenó, guiado pela rena de nariz vermelho, ou por meios de transporte alternativos, como automóvel ou avião. Sua participação, enfim, é garantida. Contudo, a preocupação dos vendedores e dos lojistas em relação às vendas, e das emissoras em relação à audiência, fazem com que a procura seja novamente abandonada.

Nas salas de aula, a professora de arte pede que sejam feitos desenhos característicos, e a de língua portuguesa solicita uma redação com o mesmo tema. Mesmo aqueles que, de alguma forma, não são vinculados à data, devem também realizar tal tarefa. Todavia, a obrigação das professoras de corrigir tais trabalhos e a ansiedade dos alunos em receber a nota faz com que o mistério seja, mais uma vez, ignorado.

As comemorações ocorrem das mais variadas formas: ceias familiares, visita do bom velhinho a hotéis, presentes entregues pela escola... A tensão da mãe, porém, para que o jantar não deixe de ser farto e para que o presente do filho não seja inferior aos dos demais hóspedes, e a atenção do colégio para que a lembrança escolar não ultrapasse o orçamento da instituição fazem com que o caso fique ainda mais perdido.

Campanhas e arrecadações de objetos para crianças menos privilegiadas socioeconomicamente, bem como doações especiais, ocorrem neste período; entretanto, a busca deve ser feita por todas as pessoas, e não por uma minoria. O caso só é passível de ser solucionado com a participação ativa de cada ser humano.

Os costumes e as tradições de Natal são pilares fundamentais da religião e das festividades, mas perdem sua validade até que o “espírito de natal” seja resgatado. Ele desapareceu desde que os vidros de cada casa tornaram-se espelhados, e passaram a reproduzir a própria imagem de quem ali vive. Devido ao conturbado cotidiano, as janelas não são mais abertas e, dessa forma, a observação do quintal vizinho foi impedida.

Essa busca deve ser constante: guerras, miséria e sofrimento não podem ser substituídos pela paz e pela fartura em apenas uma noite. E de nada vale esse resgate se o “espírito de natal” estiver presente apenas na fachada de cada ser humano; ele deve ser integrado à personalidade de cada um, fazendo parte do dia-a-dia de cada indivíduo.

As faixas de “procura-se” continuam espalhadas.

Silvana Forsait é ex-aluna do Colégio Dante Alighieri (turma de 2004).Hoje está no 2º ano da Faculdade de Medicina do ABC.

PROCURA-SE

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DANTEcultural

Turismo Por Edoardo Coen Imagens: ENIT (Ente Nazionale Italiano per il Turismo)

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Roma

dezembro/2006

Peregrinação em

Repórter da DANTEcultural propõe um percurso na cidade em que

nasceu, repleto de descobertas, surpresas e nostalgia

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DANTEcultural

Turismo

oma, a cidade em que vivi a minha infância e os primeiros anos da R adolescência antes de emigrar para o

Brasil, onde cheguei neste mesmo período que antecede o Natal e as festas do Ano Novo, volta à memória viva, quase concreta em seus aspectos, unida às lembranças de uma época da vida em que as esperanças e as expectativas em relação ao futuro ressurgiam novamente das decepções, assim como a lendária Fênix sempre renasce das próprias cinzas.Roma, no decorrer do mês de dezembro, parece querer abdicar um pouco de suas características cosmopolitas, herança de um passado milenar, representado pelos seus 2.700 anos de vida.É este um período em que a cidade parece voltar a atenção sobre si mesma, zelosa das antigas tradições, cuja origem se perde na sua secular história. É justamente nestas festas de Natal e de fim de ano que Roma, junto com seus moradores, reencontra aquele espírito de solidariedade que a caótica e estressante vida moderna relega ao esquecimento, no decurso dos outros dias do ano.Lembro que no mês de dezembro de 1945, antes de embarcar para o Brasil, estudava no Colégio do Sacro Cuore, onde cursava o 5º ano do ginásio. O nosso professor de letras, ou seja, de italiano, latim e grego, era um padre: dom Alessandro Cataldo, também um estudioso apaixonado pela arqueologia romana, que sempre em suas aulas dedicava um tempo para dissertar sobre suas pesquisas. Foi assim que alguns dias antes das férias natalinas, que se bem lembro iniciavam na primeira semana de dezembro e terminavam depois do Dia dos Reis, em 6 de janeiro, dom Cataldo convidou a classe para participar de um passeio, que chamou de “romaria cultural” e que deveria iniciar em Piazza Venezia, para terminar com uma visita à Basílica di San Pietro.Esta “romaria cultural”, da qual participei, me deixou impressionado a tal ponto, pelo que tive a oportunidade de ver e aprender, que permaneceu gravado na memória em todos seus detalhes e nuances. Por isso, passados 60

anos daquele dia, quero convidar os leitores a percorrê-la em minha companhia. Lógico que os tempos mudaram, como também as mentalidades, os valores e as referências. No entanto, esta nova romaria será realizada, à luz das lembranças e das tradições, em locais que em Roma resistem à usura do tempo.Local do encontro: Piazza Venezia, praça cen t ra l romana com v i s t a pa ra o Campidoglio, via dei Fori Imperiali e Colosseo, aos pés da escadaria da Igreja Santa Maria in Aracoeli. É esta uma escadaria composta por 124 degraus, construída no ano de 1348 em agradecimento pelo fim da Peste Negra. Cola di Rienzo, tribuno do século l4, costumava discursar ali para o povo. Vale a pena galgá-la, já que do alto se descortina uma bela vista de Roma, com as cúpulas de Santo Andrea della Valle e San Pietro ligeiramente à direita. Poderíamos até enfrentar a subida de joelhos, para ter a possibilidade - assim diz a crença - de ganhar a loteria nacional italiana. Entramos na igreja, que, construída no severo estilo românico-gótico, resulta num ambiente solene e sugestivo que induz o visitante ao recolhimento e à meditação. O que chama de imediato a atenção são as suas 22 colunas internas de estilos diferentes, que os romanos

A imponente

Basílica

di San Pietro.Na outra página,

o Colosseo, um dos principaissímbolos daItália.

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denominam colonne da riporto, já que foram retiradas de várias construções antigas. Santa Maria in Aracoeli é também conhecida pela exposição, durante o Natal, na 2ª capela, de uma imagem do Menino Jesus na manjedoura. Essa imagem foi esculpida em madeira de oliveira por um monge franciscano, que em seu trabalho usou uma árvore do jardim de Getsemani. Diz a lenda que a escultura é milagrosa, pois tem o poder de ressuscitar os mortos, e às vezes é evocada junto ao leito dos enfermos. Sempre segundo a lenda, caso possa atender o pedido, seus lábios assumem uma cor púrpura.Terminada a visita, voltamos para a Piazza Venezia, e atravessando-a encontraremos à esquerda o início da artéria que iremos percorrer para chegar à nossa meta final: Piazza San Pietro.O primeiro percurso, que de Piazza Venezia vai até a Piazza del Gesù, chama-se via del Plebiscito, que assume em seguida a denominação de Corso Vittorio Emanuele. Esse caminho é um tanto irregular, seja no percurso como na largura, por ter sido aberto por meio da picareta demolidora. Esta, porém, teve que respeitar as obras de arte que encontrava no caminho, e por isso não lhe foi

possível seguir uma reta contínua.Os espaços livres deixados pelas demolições foram preenchidos quase de imediato por outras edificações, o que faz do Corso uma via intercalada entre obras modernas e antigas, de diferentes épocas e estilos, motivando assim interessantes confrontos e contrastes.A artéria acompanha aproximadamente a direção da antiga via Papale, que na verdade não era uma única estrada designada com tal nome, mas uma série de ruas percorridas pelo papa quando este atravessava de carruagem a cidade de Roma, para presenciar as cerimônias nas várias igrejas, como S. Giovanni in Laterano, Santa Maria Maggiore e outras.Tendo percorrido rapidamente a via del Plebiscito, alcançamos o ponto de início do Corso - a Piazza del Gesú, onde se encontra, no lado esquerdo, a igreja homônima, um dos exemplos mais apreciados do barroco romano. Construída entre os anos de 1568 e 1584, foi a primeira igreja jesuíta de Roma. Seu desenho resume a arquitetura barroca da Contra-Reforma, e foi muito imitado em todo o mundo católico.Em frente à igreja eleva-se o Palazzo Altieri, propriedade de uma antiga família da nobreza romana, construído no século XVII pelos irmãos cardeais Emilio e Giambattista di Lorenzo Altieri. Em relação a esse palácio, que é um dos maiores de Roma, existe uma história um tanto curiosa. Na época das demolições para se abrir o Corso, havia uma pequena casa ao seu lado, onde morava uma velha senhora de nome Berta, que se recusou terminantemente a abandoná-la. Solução: o seu casebre foi incorporado ao Palazzo Altieri, e suas janelas são visíveis na extremidade oeste. Hoje, porém, o palácio inteiro é ocupado por uma grande loja de tecidos.Prosseguindo na nossa “romaria”, chegaremos ao Largo di Torre Argentina, onde poderemos admirar a Área Sacra e os vestígios de quatro templos do período republicano romano, descobertos nos anos 1920 e que estão entre os mais antigos já encontrados em Roma. Atrás de um deles, há uma grande plataforma formada por blocos de tufo,

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DANTEcultural

Turismo

identificada como parte da Cúria de Pompeu, local onde o Senado romano se reunia e onde Julio César foi assassinado no dia 15 de março do ano 41 a.C..Terminada a visita à Área Sacra, percebemos que existe uma outra região que exige nossa atenção: são os nossos estômagos, que avisam ser chegada a hora de cuidarmos deles. E estão certos sob todos os pontos de vista, já que passamos do meio-dia. Nada melhor então que adquirir no primeiro fornaio (padaria) vários cortes de, como o próprio nome explica, pizza del fornaio - uma massa assada ao forno, temperada com azeite e sal grosso - , recheá-los com presunto cru e consumi-los, tranqüilamente, sentados nos bancos do jardim ao lado da Área Sacra. E para beber? Nada melhor que a água que escorre da bica de uma das tantas fontanelle que podem ser encontradas nas ruas de Roma.

Segundo tempoRetemperados no espírito e no corpo, podemos continuar a nossa “romaria”. Aos nossos olhos, em seguida se apresenta Santo Andrea della Valle, igreja que recebeu esse nome devido ao palácio que se encontra ao seu lado - Valle. Construída em 1591, procurou-se dar a ela uma impressão de grandiosidade e

riqueza. No seu tempo foi considerada uma verdadeira obra-prima. Segue o Palazzo Massimo alle Colonne, uma das mais maravilhosas e típicas obras do Renascimento italiano, pela incomparável harmonia do conjunto e pela clássica pureza e finura dos particulares. Poucos passos à frente e eis três verdadeiras magnitudes da arquitetura: Palazzo Braschi, Piccola Farnesina e Palazzo della Cancelleria. Este último, construído sob a direção de Bramante em 1495, é um exemplo da arquitetura ousada do início do Renascimento. Merece uma atenção especial a Piccola Farnesina, que, em um espaço diminuto, apresenta todas as nuanças de um grande edifício, e reúne de forma insuperável uma magnificência com as mais equilibradas proporções e a mais pura elegância. Hoje abriga o Museu Barroco. Sairemos agora um pouco do nosso itinerário estabelecido entrando, à direita, na pequena via della Cancelleria. Poucos passos até encontrar Pasquino, uma estátua mutilada, colocada no alto de um pedestal apoiado no ângulo do Palazzo Braschi. É o que resta do célebre grupo estatuário, que, dizem, foi obra de Scopade. Quanto ao seu valor artístico: mínimo. No entanto, é famoso por ter sido o autor imaginário de todas as sátiras contra o

Nesta e na outrapágina, imagensda Piazza Navona.Acima, um zampognaro (tocador de gaita de foles) chama a atenção dos turistas.

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governo e a cúria papal, afixadas durante a noite ao pedestal. Quanto ao nome, é devido ao fato de que no local onde foi encontrada a estátua havia uma loja de alfaiate, cujo proprietário era um corcunda deforme de nome Pasquino.Estamos agora percorrendo locais onde o tempo parece não ter passado. É a Roma dos Seiscentos que se apresenta aos nossos olhos, mostrando cenas do dia-a-dia que parecem pertencer a séculos passados.Poucos passos a mais, e a cena muda como por um golpe de mágica. Estamos em Piazza Navona, que ocupa a área do antigo Circo di Domiziano. Logo à esquerda, uma nossa velha conhecida: a bandeira auriverde brasileira, que tremula na fachada do Palácio Doria Pamphili, sede da embaixada do Brasil na Itália. Percebe-se de imediato que estamos nos dias que antecedem o Natal, já que a famosa praça, neste período, é o local onde se reúnem os vendedores de imagens para os presépios, dos presentes para a Befana, dos tradicionais doces, e onde não podiam faltar os vendedores de caldarroste (castanhas assadas).É este um ambiente onde os romanos se misturam com os turistas numa confusão divertida e descontraída, onde se podem ouvir línguas de todos os cantos do mundo, intercaladas com a musicalidade do dialeto falado pelos habitantes de Roma. No centro da praça, aos pés da Fontana dei Quattro Fiumi, obra projetada por Bernini, encontramos uma antiga tradição romana. São os zampognari (tocadores de gaita de foles), que nesta época do ano chegam da nativa Ciociaria, em Roma, vestidos a caráter, com o chapéu em forma de cone e capa de pele de cabra, calçando as ciocie (pele de carneiro em volta dos pés, amarrada com tiras de couro), para tocar nas ruas as tradicionais músicas

natalinas, sempre circundados por grande número de pessoas, que acompanham enlevados a lenta e grave melodia.Gostaríamos de permanecer mais tempo nessa jocosa alegria romana, mas o tempo aperta. A nossa romaria tem que prosseguir. Só nos resta apenas o tempo de adquirir a tradicional meia repleta de bombons e guloseimas, e prontamente voltar para Corso Vittorio Emanuele.Próxima parada: Chiesa Nuova. Essa igreja, com o convento e o oratório contíguos, forma o centro da ordem religiosa fundada por S. Filipe Neri. Construída no fim do século XVI, foi decorada com afrescos de Pietro da Cortona e conta com três pinturas da autoria de Rubens. S. Filipe Neri está enterrado em sua própria capela, à esquerda do altar.O Corso Vittorio Emanuele está chegando ao fim. Já podemos visualizar a ponte sobre o rio Tibre, onde teremos que passar para alcançar a via della Conciliazione, que nos levará direto à Piazza S. Pietro e à Basílica. Esta é uma estrada que foi projetada e aberta em épocas recentes, para dar uma ampla visão da praça aos visitantes que chegam do outro lado do rio Tibre.Estamos um pouco cansados nesta tarde de inverno romano, mas, enquanto ouvimos o dobre do sino da Basílica (il campanone) tocando a hora do Ângelus, percebemos que este nosso cansaço foi amplamente compensado pelos tesouros artísticos que tivemos a oportunidade de admirar em todo seu esplendor e justo valor. Coisa essa realmente impossível no frenético desenrolar da vida de todos os dias. Terminou a nossa viagem, a nossa romaria, realizada entre o passado e o presente, à luz de lembranças, fantasias e realidade. Chegou, pois, o momento das despedidas.

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GastronomiaSilvia Percussi Colaboração: Lamberto Percussi Fotos: Tadeu Brunelli

Lendas do Panetoneoucas comemorações são tão marcantes como o Natal, repleto de tradições e rituais que se distinguem dos de qualquer outra data. P

Emprestados de antigas festas pagãs, alguns costumes natalinos são anteriores ao próprio nascimento de Cristo, e foram difundidos pelo mundo há muitos anos. Já o panetone - doce milanês incorporado à cultura da Itália, do Brasil e de tantas outras nações -, mesmo sendo uma das imagens mais presentes no fim do ano, é uma tradição recente, de pouco mais de meio século.As primeiras pistas de algum doce similar remontam ao fim do século XV, na corte riquíssima do poderoso duque que governou Milão, Ludovico “il Moro”. Como grande mecenas que era, não temos dúvida de sua participação na descoberta da receita, tendo contribuído muito para torná-la famosa. A história conta que o panetone devia ser feito em casa, sob os olhos do chefe da casa, e que ao término da preparação se fizesse com uma faca uma cruz sobre o pão, como benção para o ano novo. O doce devia ser consumido durante a cerimônia do “Ceppo” ou do “Ciocco”, durante a qual se acendia um “ceppo” feito com tocos de árvore de carvalho, colocado na lareira sobre uma camada de bagas de gengibre. O pai devia servir uma taça de vinho, beber um gole e passá-la a todos os membros da família. O patriarca jogava então uma moeda entre as chamas e depois distribuía uma para cada parente. No fim desse ritual, eram trazidos três panetones. Cortava-se uma fatia de cada um. Essas fatias, que deveriam ser conservadas até o próximo Natal, tinham grandes poderes: se elas não fossem resguardadas, podia-se esperar um ano de infortúnios e desunião. Tal crença é pagã, mas está envolvida em fortes simbologias cristãs, como o “ceppo”, que simboliza a árvore do bem e do mal, o fogo, que representa a obra de redenção de Cristo, e os três panetones, que são o mistério da Trindade. Mas quanto à história do seu nascimento, o famoso doce ambrosiano está envolto em um grande mistério, e sua origem é contada por diversas lendas, como as que estão nas páginas a seguir.

Ingredientes250 g de peito de frango200 g de catupiry200 g de maionese150 g de chevre150 g de presunto cozido12 fatias de pão de forma sem cascapimentão vermelho agridocefilés de anchovasazeitonas verdes sem caroçorabanetesovos cozidosvinagre, azeite, sal e pimenta

PreparoLimpe o peito de frango e refogue em uma panela com óleo. Salgue, escorra o molho e corte em tirinhas. Em uma vasilha, misture o catupiry, o chevre e 150 g de maionese, até obter um composto cremoso e homogêneo. Cubra com 3 fatias de pão o fundo de uma forma redonda de 16 cm, com paredes altas e lisas. Pulverize as fatias remanescentes com um pouco de água e uma colher de vinagre. Na forma, coloque uma camada de 1/4 do creme de queijos. Prossiga as camadas com metade do frango, fatias de azeitonas, mais 3 fatias de pão pulverizadas, depois 1/4 do creme de queijos, metade do presunto cozido, alguns filés de anchovas, um pouco do pimentão cortado em dadinhos, outras 3 fatias de pão, outro 1/4 do creme de queijo, 1 ovo cozido cortado em rodelas e o restante do frango. Termine o panetone com a última parte do composto de queijo, o presunto, alguns filés de anchovas e as últimas fatias de pão. Cubra a forma com um prato e deixe-o na geladeira por 24 horas. No momento de servir, vire o panetone no centro do prato e passe a ponta de um garfo na lateral. Decore então a base com 10 azeitonas verdes e alguns losangos de pimentão. A parte de cima, adorne com listras e flores de maionese, e termine de decorar com rodelas de rabanetes. Sirva imediatamente. Rendimento: 8 porções.

Harmonização (por Lamberto Percussi)Por conta dos sabores marcantes do queijo de cabra, das anchovas, dos pimentões e das azeitonas verdes, que se sobrepõem aos do presunto cozido, do peito de frango e do catupiry, essa iguaria pede um vinho branco de marcada acidez e elegância. Greco di Tufo Cutizzi DOCG 2004 “Feudi di San Gregorio” 750 ml

A chef Silvia Percussi, autora do livro “Funghi - Cozinhando com cogumelos” (editora Keila & Rosenfeld), é responsável pelo cardápio do restaurante Vinheria Percussi desde 1988. Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Jardim América. De terça a domingo. Fone: 3088-4920/3064-4094

Panettone Gastronomico

A lenda mais conhecida e difundida conta que um jovem cavaleiro chamado Ughetto, responsável pelos falcões de Ludovico, o Mouro, se apaixonara pela bela Adalgisa, moça simples, filha de um padeiro de Milão de nome Toni. Além de ser um amor secreto e hostilizado pela família do rapaz, Adalgisa estava sempre cansada, o trabalho aumentara muito desde que um ajudante de seu pai adoecera. Eles tinham que parar de se encontrar, pois todos os dias havia muita massa de pão para ser preparada.Ughetto não queria renunciar àquele amor. Certo dia, vestindo trajes humildes, se fez contratar por Toni como seu novo ajudante. A cada noite, o jovem se sacrificava na padaria para preparar a massa do pão. Porém, os negócios continuavam a piorar. Os clientes estavam indo embora para outra padaria que abrira perto dali.O rapaz não perdeu tempo, e, com a inconsciência típica dos jovens, roubou um maravilhoso casal de falcões de Ludovico e os vendeu para comprar manteiga. À noite, acrescentou o ingrediente à massa do pão. Na manhã seguinte, a padaria foi pega de surpresa, pois já começavam a falar do melhor pão de Milão. Nos dias sucessivos outros dois falcões foram roubados para a aquisição de mais manteiga, e também um pouco de açúcar. A cidade estava enlouquecia pelo pão especial do padeiro Toni. A fila para entrar na loja era interminável e, a cada noite, precisavam preparar mais massa. À medida que o inverno se aproximava, os negócios melhoravam e o casal podia novamente pensar em um futuro juntos. Para as festas de Natal, Ughetto deu um toque de classe: acrescentou ovos, pedacinhos de frutas cristalizadas e passas. Toda Milão, naqueles dias, transitou pela loja de Toni para comprar aquele a que todos chamavam de “pão grande”, o “pão de Toni”. Daí, panettone. A padaria enriqueceu e os jovens puderam se casar.

Outra lenda conta que, no século XV, o duque Ludovico Sforza “il Moro” oferecia anualmente ao senhor de Milão e seus ilustres convidados um suntuoso banquete de Natal, com pratos incrivelmente saborosos. O famoso cozinheiro de Ludovico, concentrado ao máximo para que tudo corresse perfeitamente, dirigia seus numerosos ajudantes nos fogões e no serviço à mesa. Os pratos eram servidos com a pausa certa para que as papilas gustativas dos convidados estivessem preparadas para o maravilhoso doce que, com chave de ouro, fecharia um banquete tão especial. O cozinheiro queria um cuidado especial com a massa desse doce, cuja receita, secreta, tinha sido passada de pai para filho dentro da sua família. O senhor de Milão teria ficado boquiaberto diante dessa maravilha do paladar. Porém, com toda a agitação do evento, esqueceram de retirar o doce do forno. Já nos últimos pratos, o cozinheiro deu falta da iguaria e foi até o forno, no qual só encontrou uma massa queimada e incomível. Os gritos e difamações vindos da cozinha chegaram aos ouvidos dos convidados. Desesperado, sentou-se em uma cadeira e começou a chorar, temendo que Ludovico o condenasse à morte. Toni, um pobre ajudante, se aproximou dizendo que havia guardado para si um pouco da massa do doce, à qual ele havia se permitido acrescentar um pouco de frutas cristalizadas, ovos, açúcar e passas. Ele pretendia assá-la ao término do banquete para ter algo o que comer. Se assim desejasse, o cozinheiro poderia levar esse pão à mesa. Guiado pela força do desespero, o chef enfiou a mistura no forno. Mesmo com seu aspecto pobre, o resultado foi servido à mesa. Inacreditavelmente, o pão de Toni fez grande sucesso. Tanto que o cozinheiro foi obrigado a servi-lo em todos os banquetes natalinos dos anos seguintes, e em pouco tempo esse hábito se difundiu entre toda a população.

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Era uma vez...

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Panettone MilaneseIngredientes700 g de farinha de trigo branca peneirada20 g de fermento de pão200 g de uvas-passas, sem caroço, colocadas de molho em água

morna por 30 minutos70 g de casca de cidra e de casca de laranja, cristalizadas e

picadas225 g de manteiga6 gemas250 g de açúcarCasca ralada de 2 limões10 g de salÁgua morna o quanto basteManteiga para untar e farinha de trigo para polvilhaAmêndoas, nozes, damasco (decoração)

PreparoDê início ao preparo do panetone com um dia de antecedência. Separe 100 g da farinha de trigo e ponha numa tigela. Amasse o fermento com os dedos e misture-o à farinha. Junte um pouco de água morna, o suficiente para dar consistência à massa, e forme uma pequena bola. Faça uma incisão em cruz em cima e coloque a pequena bola de massa em um recipiente polvilhado com farinha. Cubra com um pano de lã e deixe levedar por 15 minutos.Coloque metade da farinha restante em uma tigela, junte a bola de

massa levedada e um pouco de água morna para obter uma bola maior. Trabalhe a massa, ponha novamente para levedar em um recipiente enfarinhado, coberto com um pano de lã, para que dobre de tamanho. Retire 1 colher (sopa) da manteiga e reserve. Derreta em banho-maria a manteiga restante, cuidando para não queimar. Bata velozmente as gemas com o açúcar até obter um creme bem claro e espesso.Passado o tempo de levedação da massa, junte-lhe a farinha restante, a manteiga derretida, as gemas batidas, a casca de limão e o sal. Amasse, acrescentando um pouco de água morna, para dar liga. Trabalhe a massa por 10 minutos até ficar leve, clara e aerada. Adicione a uva-passa escorrida, as frutas cristalizadas e misture.Forre com papel vegetal untado com manteiga uma forma redonda e de bordas altas, própria para panetone. Disponha a massa dentro, faça um corte em cruz e coloque no centro a manteiga reservada. Asse em forno preaquecido a 180º C por cerca de 50 minutos. Espere resfriar, desenforme e decore com amêndoas, nozes e damasco.

Harmonização (por Lamberto Percussi)O tradicional e mais famoso panetone de Natal, com sua textura macia, riqueza de aromas e sabores de frutas secas e cristalizadas, combina muito bem com um clássico espumante demi-sec, como os oriundos de Asti, no Piemonte, ou um moscato da mesma região. Asti Spumante “Speroni” 750 ml

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Panettone della FestaIngredientes1 panetone600 g de chantillyglassúcar, rum escuro, romã, laranjabagos de uvas brancaschocolate granulado para o creme500 g de leite150 g de açúcar150 g de chocolate para calda50 g de farinha de trigo4 gemas, baunilha e raspas de casca de limão

PreparoEsquente o leite junto com uma casquinha de limão. Misture as gemas com o açúcar, a farinha e um pouco de baunilha. Dissolva esse composto com o leite morno, depois volte tudo para a panela do leite e leve ao fogo, sempre moderado, mexendo sempre. Quando o creme começar a engrossar e sem deixar ferver, acrescente o chocolate para calda. Prossiga o cozimento por 5 minutos, desde o início da fervura, depois retire do fogo e deixe esfriar, mexendo de vez em quando.

Prepare então uma calda, diluindo meio copo de rum com 1/3 de copo de água. Apóie o panetone em uma tábua, vire-o de ponta cabeça e esvazie-o, tirando o miolo, começando com um corte circular a 3 cm da borda, penetrando em profundidade até 3/4 do mesmo. Depois de cortar toda a volta, enfie uma lâmina no centro e gire até destacar o miolo inteiro. Corte esse miolo em pedaços regulares de 3 cm de espessura, e pulverize-os com a calda de rum. Com a mesma calda pincele o interior do panetone. Junte o chantilly com o creme, que já deverá estar frio. Misture tudo e recheie o panetone (de modo a reconstituí-lo), alternando o creme com o miolo. Deixe-o no freezer por uma hora antes de servir. Se for preparado com dias de antecedência, deixe-o na geladeira. No momento de servir, decore-o com chantilly, rodelas de laranja, um punhado de sementes de romã, os bagos de uva cortados ao meio e o chocolate granulado. Rendimento: 8 a 12 porções.

Harmonização (por Lamberto Percussi)Apesar dos “ardilosos” chantilly, chocolate e rum, essa deliciosa e rica sobremesa estaria muito bem escoltada por vinhos de elevada acidez e doçura. Passito di Pantelleria Ben Rié DOC 2004 “Donnafugata” 375 ml

Outra lenda narra que uma freira de nome Ughetta, cozinheira de um pobre convento, decidiu juntar os poucos ingredientes que restavam

na cozinha do monastério para dar de presente às outras freiras, e assim tornar o Natal mais feliz. À massa do pão acrescentou ovos,

açúcar, passas e frutas cristalizadas. Para benzer a massa natalina, fez, com a ajuda de uma faca, uma cruz no topo do pão. As freiras

ficaram entusiasmadas com a surpresa, e logo a notícia do pão se espalhou por toda Milão. Surgiram várias ofertas para o convento: todos

os cidadãos queriam levar para casa um pouco daquele produto tão especial.

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ArtigoSilvana Leporace

Arq

uiv

o

oje, existe um novo perfil das crianças e dos adolescentes, criado, especialmente, por intermédio da cultura da imagem e H

do consumo. Esses jovens são vistos como “gente grande”, capazes de cuidar de si mesmos, como se não precisassem dos adultos para fornecer o “padrão”, o “modelo” para seu desenvolvimento pessoal e social. Muitas vezes quem fornece esse “modelo” é a mídia, que apos ta no mercado infantil, procurando a vulnerabilidade de cada faixa etária para criar consumidores fiéis.Convido os leitores a refletir a respeito de uma prática que aflora ainda mais nesta época do ano - a do consumo desen-freado. Notamos que a maioria de nossas crian-ças, após ganharem o tão cobiçado “objeto do desejo”, brincam com ele um ou dois dias, e já começam a pedir a próxima novidade anunciada pela TV. Nada os satisfaz, e o desejo de aquisição é maior que tudo. Às vezes, nem sabem por que ou para que precisam do objeto. Só sabem que a ânsia de consumir é mais forte.Nós, adultos, precisamos ter consciência da manipulação a que estamos expostos para o consumo e devemos conscientizar nossos filhos de que a felicidade e a realização pessoal não estão ligadas somente a bens materiais. Todos procuram ter uma boa qualidade de vida, mas não se pode esquecer de introjetar nos jovens outros valores e sentimentos. Cabe a nós mostrar que, na vida, existem coisas importantes que permanecem, que

não têm “prazo de validade”, que são nossas de verdade: caráter, honestidade, cooperação, bondade, sinceridade, solidariedade. Essas não acabarão após um dia de uso e não resultarão na frustração, no vazio e na necessidade de consumir

mais.Não devemos segmentar a família, cada um no seu espaço particular, com seu televisor, computador ou DVD, deixando o d i á l o g o d e l a d o e digerindo as mensagens à nossa maneira , sem comparti lhar com o outro, sem refletir, sem crit icar. É um er ro esquecer a riqueza que ex i s t e na t roca de informações e na análise de diferentes pontos de vista, ações essenciais no processo de apren-dizagem, de crescimento como ser humano e de desenvolv imento do espírito crítico, que,

certamente, será construído no dia-a-dia, no corpo-a-corpo.Negamos as mudanças que estamos vivendo e criamos nossos filhos em outro mundo. Será a solução? Claro que não! Devemos, sim, trabalhar com base na realidade, desenvolvendo a conscientização, a adesão a um conjunto de atitudes e atributos necessários para a construção de uma sociedade melhor, lembrando que o ser humano é e sempre será o ponto central de tudo. Aos filhos, a nossa mensagem sempre será a mais forte, pois estará embasada no amor e na afetividade. Não existe caminho melhor.

Silvana Leporace é coordenadora do Serviço de Orientação Educacional do Colégio Dante Alighieri

Nós, adultos, precisamos

ter consciência da manipulação a que estamos

expostos para o consumo e devemos conscientizar nossos

filhos de que a felicidade e a realização pessoal

não estão ligadas somente a bens materiais.”

O presente precioso

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Memória

No início da década de 50, o gramado de futebol

do Colégio Dante Alighieri. Atualmente, o espaço

é ocupado pelas cinco quadras poliesportivas e

pelo parquinho da Educação Infantil, vistos de

outro ângulo na foto menor.

Bonito por fora. Moderno por dentro. Excelente no ensino.

Colégio Dante Alighieri: em uma só escola, o que há de melhor na educação.

Educação Infantil (Maternal e Jardim)

Ensino Fundamental de 9 anos

Ensino Médio

Períodos: Manhã e Tarde

Imagens:

NEW

FACEPH

OTO

S

Ligue: (11) 3179-4400www.colegiodante.com.br