Jurisdição Voluntária e Contenciosa

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1 DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS NO DIREITO DEMOCRÁTICO 1 Fernando Horta Tavares 2 Milena Augusta Lacerda Magalhães 3 Resumo: Os Procedimentos Especiais são um importante instrumento de efetivação dos direitos no Estado Democrático, a partir da formatação que lhe é específica tanto do direito processual quanto do direito privado, mas na moldura do PROCESSO constitucionalizado. Discorre-se, aqui, sobre uma teoria dos procedimentos dos equivocadamente chamados pelo Código de Processo Civil de “jurisdição voluntária” e “jurisdição contenciosa” e se apresenta os fundamentos gerais de algumas ações que compõem o livro IV, do mencionado Código. PALAVRAS CHAVE: Procedimentos Especiais. Jurisdição Voluntária e Contenciosa. Conceito. Diferenciações. Espécies. Dos vários tipos de ações 1 INTRODUÇÃO A idéia de que o Processo deve corresponder “à soma de atos que objetiva solucionar litígios, efetivar direito ou acautelar outro processo”, ou mesmo como “o método utilizado pelo Estado para desempenhar a função jurisdicional”, de há muito vem sendo reelaborada pela visão pós-moderna da doutrina, em especial aquela definida pelo modelo constitucional do processo objeto de estudos e construções teóricas desenvolvidas por Andolina, Vignera, Baracho, Rosemiro Pereira Peal e Sérgio Luiz de Souza Araújo), fundamentada segundo o enquadramento normativo do devido processo legal e seus consectários: contraditório, ampla defesa, direito ao advogado, isonomia, acesso incondicionado e gratuito à jurisdição, fundamentação e revisibilidade das decisões, duração razoável e celeridade da tramitação. 1 Artigo resultante das pesquisas e investigações a partir do Projeto FIP 1.593/2007, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, por sua Pró-Reitoria de Pesquisa e de Pós-Graduação. Agradecimentos, assim, à PUC Minas pelo financiamento da bolsa de pesquisa à graduanda, sem qual, certamente, os esforços de investigação ficariam muito aquém do esperado. 2 Doutor e Mestre em Direito e em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Advogado. Redator do presente ensaio.

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DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS NO DIREITO DEMOCRÁTICO1

Fernando Horta Tavares2

Milena Augusta Lacerda Magalhães3

Resumo: Os Procedimentos Especiais são um importante instrumento de efetivação dos direitos no Estado Democrático, a partir da formatação que lhe é específica tanto do direito processual quanto do direito privado, mas na moldura do PROCESSO constitucionalizado. Discorre-se, aqui, sobre uma teoria dos procedimentos dos equivocadamente chamados pelo Código de Processo Civil de “jurisdição voluntária” e “jurisdição contenciosa” e se apresenta os fundamentos gerais de algumas ações que compõem o livro IV, do mencionado Código.

PALAVRAS CHAVE: Procedimentos Especiais. Jurisdição Voluntária e Contenciosa.

Conceito. Diferenciações. Espécies. Dos vários tipos de ações

1 INTRODUÇÃO

A idéia de que o Processo deve corresponder “à soma de atos que objetiva

solucionar litígios, efetivar direito ou acautelar outro processo”, ou mesmo como “o

método utilizado pelo Estado para desempenhar a função jurisdicional”, de há muito vem

sendo reelaborada pela visão pós-moderna da doutrina, em especial aquela definida pelo

modelo constitucional do processo objeto de estudos e construções teóricas desenvolvidas

por Andolina, Vignera, Baracho, Rosemiro Pereira Peal e Sérgio Luiz de Souza Araújo),

fundamentada segundo o enquadramento normativo do devido processo legal e seus

consectários: contraditório, ampla defesa, direito ao advogado, isonomia, acesso

incondicionado e gratuito à jurisdição, fundamentação e revisibilidade das decisões,

duração razoável e celeridade da tramitação.

1 Artigo resultante das pesquisas e investigações a partir do Projeto FIP 1.593/2007, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, por sua Pró-Reitoria de Pesquisa e de Pós-Graduação. Agradecimentos, assim, à PUC Minas pelo financiamento da bolsa de pesquisa à graduanda, sem qual, certamente, os esforços de investigação ficariam muito aquém do esperado. 2 Doutor e Mestre em Direito e em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Advogado. Redator do presente ensaio.

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Por outro lado, já não se pode pensar no procedimento como “o modo de o

processo se formar e se desenvolver” mas no iter estrutural resultante do complexo

normativo previamente definido, a ser percorrido pelos litigantes e juiz ao longo da

trajetória, do itinerário processual, porém realizado em contraditório, no qual as partes

encontram-se em posição de simétrica paridade, rumo ao provimento de mérito nos termos

da teoria fazzalariana do processo.

2 NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO4

Segundo ARAÚJO (1999:123), “em tempos presentes presenciamos uma

reabilitação do procedimento, como instituto processual de primeira importância.

Rejeitaram-no os processualistas do século passado e na primeira deste, encantados com a

descoberta de que o processo não se reduz a mera seqüência de atos coordenados na cadeia

fechada entre a demanda e a sentença: daí as prestigiosas doutrinas que floresceram, dentre

as quais a do processo como relação jurídica e todas proscrevendo que o processo fosse

algo distinto do procedimento, situado fora dele, e em menos de um século acabou por

ressurgir na mente dos processualistas o valor do procedimento no próprio conceito do

processo”.

2.1. PROCESSO E PROCEDIMENTO

Nesta linha de raciocínio, afirma GONÇALVES (1992:63-64), “no

desenvolvimento do Direito Processual Civil como ciência autônoma, a doutrina, sob a

influência de Bulow, reagiu contra a postura tradicional de séculos passados, que absorvia

o processo no procedimento e considerava este como mera sucessão de atos que

compunham o rito da aplicação judicial do direito”. Aliás, a reação da doutrina à idéia de

que processo fosse apenas o procedimento foi tão forte que praticamente liquidou com a

idéia de procedimento. O processo absorveu o procedimento e o anulou. A doutrina, em

progressivos passos, buscou estabelecer a distinção entre processo e procedimento, e

encontrou, em critérios teleológicos, a base da diferenciação. Essa distinção perdurou por

3 Aluna do 7º. Período do Curso de Direito da PUC Minas, Unidade Contagem. Auxiliar direta na coleta da bibliografia e demais materiais necessários para o bom desenvolvimento da pesquisa.

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muito tempo de forma quase soberana, até que começou a despontar, dentro da doutrina,

uma outra proposta pela qual era possível se considerar as relações entre procedimento e

processo.

A doutrina tradicional sempre conferiu um caráter teleológico ao processo,

prossegue ARAÚJO (1999:126), procurando demonstrar que o seu escopo seria ou de atuar

o direito material ou pacificar com justiça. O procedimento seria apenas a forma e o modo

como eram realizados os atos processuais. Trata-se de um problema fundamental e que

nunca foi suficientemente explicado. Ora, se o processo tem caráter teleológico, o

procedimento também o terá. É que, no dizer de GONÇALVES (1992:65-66), “se o

procedimento se constitui em meio necessário para a existência, ou o desenvolvimento, ou

a ordenação, do processo, tem então, o caráter teleológico que toda técnica intrinsecamente

comporta, como meio idôneo para atingir finalidades. Mesmo considerado como série de

atos do processo, o procedimento estaria impregnado de sentido teleológico, porque sua

finalidade, já explícita em sua funcionalidade, não poderia ser negada”.

2.2. CRITÉRIO LÓGICO PÁRA ANÁLISE DO PROCESSO E DO PROCEDIMENTO

Pelo critério lógico, segundo a lição de GONÇALVES (1992:68), “as

características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão de

elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os

disciplina. E o sistema normativo revela que, antes que distinção, há entre eles uma relação

de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele

separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então,

distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie.

A diferença específica entre procedimento em geral, que pode ou não se

desenvolver no processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento

que o especifica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas não qualquer

procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato

final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam de

uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato

4 Este capítulo foi desenvolvido tomando como base, prioritariamente, a obra de ARAÚJO, Sério Luiz Souza. Teoria Geral do Processo Penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, nomeadamente o capítulo “X”, que discorre sobre a “natureza jurídica do processo”, páginas 123-134.

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final são opostos. Fica evidente que essa concepção trabalha com um novo conceito de

procedimento e dele extrai um novo conceito de processo”.

2.3. CONCEITO DE PROCEDIMENTO

De se dizer, então, ainda com GONÇALVES (1992:68), que “o

procedimento é uma atividade regulada por uma estrutura normativa, composta de uma

seqüência de normas, de atos e de posições subjetivas (não é excessivo ressaltar que a

expressão “posição subjetiva” contém um sentido muito específico. Não se refere à posição

de sujeitos em uma relação com outro sujeito ou à posição de sujeitos em um quadro

qualquer de liames. Posição subjetiva é a posição de sujeitos perante a norma, que valora

suas condutas como lícitas, facultadas ou devidas), que se desenvolvem em uma dinâmica

bastante específica, na preparação de um provimento. O provimento é um ato de Estado, de

caráter imperativo, produzido por seus órgãos no âmbito de sua competência, seja um ato

administrativo, um ato legislativo ou um ato jurisdicional”.

Assim, prossegue o mesmo doutrinador, “no exercício das funções

administrativa, legislativa e jurisdicional, o Estado pratica vários atos que não se revestem

de imperatividade e que são necessários na dinâmica de sua atuação. Mas quando o ato do

Estado se destina a provocar efeitos na esfera dos direitos dos administrados, da sociedade,

dos jurisdicionados, quando é um ato dotado de natureza imperativa, um ato de poder, tem-

se no provimento que, para que seja emanado, válida e eficazmente, deve ser precedido da

atividade preparatória, disciplinada no ordenamento jurídico” (GONÇALVES, 1992:102-

3).

Na seqüência normativa que compõe a estrutura do procedimento, a

observância da incidência da norma que prevê o ato que pode ser exercido ou deve ser

cumprido é pressuposto, é condição de validade, da incidência de outra norma que dispõe

sobre a realização de outro ato, sendo deste o pressuposto, assim até que o procedimento se

esgota atingindo seu final, quando se verificam todos os pressupostos normativamente

previstos para a emanação do provimento.

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2.4. O PROCESSO COMO ESPÉCIE DO GÊNERO PROCEDIMENTO

O provimento implica na conclusão de um procedimento, pois a lei não

reconhece sua validade, se não é precedido das atividades preparatórias que ela estabelece,

esclarece ARAÚJO (1999:131).

“Por isto, o processo começará a se caracterizar como uma espécie do

gênero procedimento pela participação na atividade de preparação do provimento, dos

interessados, juntamente com o autor do próprio provimento. Os interessados são aqueles

em cuja esfera particular o ato está destinado a produzir efeitos, ou seja, o provimento

interferirá, de alguma forma, no patrimônio, no sentido de universum ius, dessas pessoas.

O processo começa a se definir pela participação dos interessados no provimento na fase

que o prepara, ou seja, no procedimento. Mas essa definição se concluirá pela específica

estrutura legal que inclui essa participação, da qual se extrairá o predicado que identifica o

processo, que é o ponto de sua distinção: a participação dos interessados em contraditório

entre eles. Chega-se, assim, ao processo como espécie de procedimento realizado através

do contraditório entre os interessados, que, no processo jurisdicional, são as partes”.

(ARAÚJO 1999:131).

2.5. O PROCESSO COMO PROCECIMENTO REALIZADO EM CONTRADITÓRIO

“Há processo sempre onde houver o procedimento realizando-se em

contraditório entre os interessados, e a essência deste está na simétrica paridade da

participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados

porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos”, afirma GONÇALVES (1992:111).

É claro que a atividade que prepara o provimento, prossegue o mesmo

autor, “seja administrativa ou jurisdicional, nem sempre constitui processo, pois o

contraditório pode dela estar ausente. O provimento administrativo e o provimento

jurisdicional podem ter como atividade preparatória o simples procedimento, como se dá,

por exemplo, no âmbito da Administração, em relação a um pedido de inscrição em

concurso público, um pedido de licença para porte de arma, um pedido de matrícula em

instituição pública de ensino e, no âmbito do Judiciário, em relação a um pedido de tutela,

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enfim, aos atos da chamada “jurisdição voluntária”. Mas se ocorrer divergência de

interesses sobre o provimento, entre seus destinatários, o procedimento pode transformar

em processo”. (GONÇALVES 1992:112).

3. OS PROCEDIMENTOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Existem ações que dão origem a processos cuja tramitação se submeterá à forma

ordinária, sumária ou especial, entendendo-se aquela como uma seqüência normativa

previamente estruturada. A par do previsto na parte geral do código (processo de

conhecimento, cautelar e de execução), o Código de Processo Civil brasileiro dá

tratamento específico a certos procedimentos - ditos especiais -, nos quais “avulta o

elevado grau de influência do direito material, contendo o próprio Código de Processo

normas heterotópicas, de puro direito civil ou comercial.... sendo difícil o intérprete

identificar quais as normas processuais e quais as normas de direito material”, como

lembrado por Vicente Greco (1997:200).

De toda forma, prossegue Greco, quando do exame do procedimento especial deve-

se fazê-lo “à luz das regras gerais do processo de conhecimento, daí serem, num primeiro

momento, aplicáveis aos procedimentos especiais os princípios do processo e do

procedimento da teoria geral”, em tudo que for permitido, isto é, a teoria geral só será

aplicada se não houver norma especial a regrar o procedimento especial, ou, em outras

palavras, não se aplicando ao litígio o procedimento sumário nem o procedimento especial,

vigora o ordinário (art. 274), dentro do princípio de que norma especial derroga a geral

(GRECO 1997:202).

Este livro IV do CPC está dividido em dois títulos. O primeiro está dedicado aos

procedimentos de jurisdição contenciosa, “que são aqueles em que realmente se

desenvolve função jurisdicional, ou seja, atividade estatal em busca de solução jurídica a

ser imposta soberanamente na solução de situações litigiosas” (THEODORO JÚNIOR

1996:3)). O segundo título refere-se à jurisdição voluntária que, para alguns, nem mesmo é

jurisdição no sentido técnico. Segundo essa linha doutrinária, através dela o que se dá é

atividade administrativa desempenhada excepcionalmente pelos órgãos jurisdicionais.

Assim, substancialmente é atividade administrativa e apenas subjetivamente é judicial.

Contudo, a jurisdição não comporta divisões. Por isto, a partir da teoria fazzalariana

do processo, pode-se chegar mesmo a afirmar acerca natureza e o caráter jurisdicional da

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jurisdição voluntária, exercida por quem dela regularmente investido, o que afasta a idéia

de administração pública de direito privado, já que os particulares não têm aquele poder,

exercido por uma parcela do Estado.

Procedimentos especiais contenciosos são aqueles que se acham submetidos a

trâmites específicos e que se revelam total ou parcialmente distintos do procedimento

ordinário e do sumário. No dizer de José Alberto dos Reis, “é a fisionomia especial do

direito que postula a forma especial do processo” (GRECO 1997:200).

3.1. Procedimento de jurisdição contenciosa - regras gerais

Vige a regra prevista no artigo 271, do CPC, isto é, naquilo que o procedimento

especial for omisso incidem as regras do procedimento ordinário. Este procedimento

especial tem como características a simplificação e agilização dos processos (em sua

versão constitucional, sem dúvida), a delimitação dos temas e requisitos específicos de

direito material e de direito processual.

É possível a adoção do procedimento ordinário em alguns casos (como no caso de

cumulação de ações), mas tal não se admite em alguns outros casos, como no inventário e

na partilha.

De igual sorte, mesmo diante de um pedido errôneo (adoção pelo autor de um

procedimento por outro), após o contraditório, possível que se adeque a forma segundo a

autorização do artigo 250, do código de procedimento civil brasileiro, se ajuizada a

demanda no prazo legal: é a aplicabilidade do princípio da conversão. Aqui se aproveitam

os atos já praticados desde que não resulte prejuízo à defesa.

“Arrazoe quem quiser, mas proponha quem souber”, já dizia o velho Lobão

(Manoel de Almeida e Souza), como já mencionado. É o pedido que serve para definir a

adoção correta, ou não do procedimento especial, o qual somente pode ser utilizado nas

hipóteses especificamente delimitadas pela lei.

4 PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA (teoria geral)5

4.1 Introdução

No estudo do tema supra costuma-se fazer um quadro comparativo entre a

jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária e, a partir daí, emite-se alguns conceitos

5 Resumo, com algumas observações, do capítulo XII, da obra de DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 3a. ed. Volume I, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 377-398.

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doutrinários, os quais, no presente estudo, serão objeto de algumas reformulações, a fim de

se adequar aos novos ventos doutrinários.

1.1. Colocação sistemática. A jurisdição como função estatal (una, portanto)

De início, no atual estágio dos estudos sobre Procedimento e Processo, não se pode

falar em jurisdição com adjetivos (contenciosa ou voluntária). A locução jurisdição

voluntária, para Dinamarco na obra objeto deste estudo, já seria uma negação do próprio

conceito de jurisdição, como se esta não tivesse natureza verdadeiramente jurisdicional, o

que foi de moda dizer até tempos bem recentes.

Na verdade, o que caracteriza a jurisdição, para o autor citado, é, acima de tudo, a

“sua destinação a pacificar pessoas mediante a tutela jurisdicional justa, eliminando com

isso os conflitos que conturbam a vida em sociedade. É o escopo social magno da

jurisdição”, aqui mencionada apenas para traduzir-se o pensamento integral do

mencionado doutrinador, mas que, com o devido respeito, certamente é uma visão

instrumentalista do processo muito distante da contemporaneidade processual, em que a

jurisdição atua pelo PROCESSO CONSTITUCIONAL, sem escopo algum que não o de se

observar o Devido Processo e os princípios que o instituem.

Mas, na linha adotada pelo Código de Processo Civil pode-se dizer que o que faz o

mencionado código é tão só separar os procedimentos especiais em duas categorias, isto é,

de “jurisdição contenciosa” e de “jurisdição voluntária”, mas não se pode falar em dividir a

jurisdição, que é uma, vale dizer, o exercício de um das funções estatais, no caso, a

jurisdicional, não comporta divisão. O procedimento é que tem sua estrutura que lhe é

própria.

4.2. composição de litígios versus administração pública do direito privado

A doutrina clássica costuma afirmar que na “jurisdição voluntária” não haveria

litígio, mas sim “administração pública de interesses privados”, a qual seria realizada

através da intromissão de um órgão estatal em atos que, em princípio, poderiam ser

realizados entre particulares.

Por este conceito inexistiria lide, pois que na visão carnelutiana o que caracterizaria

a jurisdição é a existência de uma lide a compor e na jurisdição voluntária não existiria

uma lide. Todavia, em realidade, na chamada “jurisdição voluntária” o Estado-juiz é

chamado a julgar, não na premissa que existem duas pessoas em pé de igualdade com

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interesses a serem considerados, mas o faz segundo as formas e os diversos modos

definidos pelo Processo e que formata o atuar do órgão jurisdicional, onde o Estado atua no

intuito de aplicar a lei quando esta visa proteger os interesses de uma determinada pessoa

ou agregado de pessoas (família, naquele processo).

Trata-se de uma reflexão sobre a possível unidade básica da “jurisdição

contenciosa” e “voluntária”, considerando-a esta função com a obrigatoriedade de seguir

os diversos modos de exercício procedimentais. A idéia está apoiada na premissa de que

tanto na “jurisdição voluntária” quanto na “contenciosa” o Estado-juiz tem diante de si

pessoas que estão a debater, pelo PROCESSO CONSTITUCIONAL, situações que exigem

pacificação de conflito, mesmo que, no aspecto puramente técnico-processual, o conflito

não esteja formalmente deduzido perante o órgão estatal, nem seja o caso de se adotar

provimentos que alcancem a esfera de direitos de uma pessoa em benefício da outra.

Aliás, para Dinamarco, o Código de Processo Civil afirma vigorosamente a

unidade da jurisdição e a inclusão da “jurisdição voluntária” nessa categoria, segundo o

contido no art. 1.º.

Ao demais disto, a teoria fazzalariana do processo chega mesmo a afirmar a

natureza e o caráter jurisdicional da “jurisdição voluntária”, exercida por quem dela

regularmente investido, o que afasta a idéia de administração pública de direito privado,

até porque os particulares estão autorizados a exercitar o direito de ação perante uma

parcela do Estado.

De resto, para se afastar de vez a dicotomia , é bem de ver que os procedimentos de

“jurisdição voluntária” regem-se por disposições próprias quando as houver ou, na

ausência de normas específicas, pelas disposições ditadas diretamente para o processo em

geral ou para o procedimento ordinário (regras de competência, imparcialidade,

capacidade, ou seja, as disposições que constam dos arts. 86 ss. do CPC têm caráter

genérico e aplicam-se a todas às espécies de procedimento e valem tanto para o

contencioso como para o voluntário).

4.3. atos e procedimentos – férias. Partes ou interessados. Provas. Prazos. Recursos

Em princípio tudo quanto está no Livro I aplica-se não só ã disciplina do processo,

como também ao procedimento a vigorar nos casos de “jurisdição voluntária”. Observe-se,

contudo, quanto à prática dos atos processuais, esta obedece em tudo o processo comum

(petição inicial, intimação, citação, etc.).

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Destarte o procedimento de “jurisdição voluntária” inteiro não corre nas férias,

apenas os atos cujo adiantamento possa trazer prejuízo à parte (vale dizer, apenas os atos

desses processos, necessários à conservação de direitos é que correm nas férias, na

interpretação do STF relativamente à redação do art. 174, I, do CPC).

Diz a doutrina clássica não existir partes, na “jurisdição voluntária”, por sequer

haver processo. Ora, a nova tendência doutrinária – Elio Fazzalari à frente – aponta a

existência de uma teoria geral do processo que vali além dos limites do processo

“jurisdicional” (procedimento administrativo, legislativo, etc.). No fundo, teoria geral do

processo é teoria geral do exercício das atividades das partes e do estado-juiz, como

formas preestabelecidas, segundo o procedimento adotado (se jurisdicional, há processo,

presente o contraditório).

Logo, se há processo a própria idéia do contraditório excluiria falar-se em

“interessados” mas, sim der partes. Para Dinamarco, na “jurisdição voluntária” veríamos,

“tanto quanto nos processos de jurisdição contenciosa, um juiz exercendo o poder; e vemos

também as pessoas que participam daquela atividade e sujeitas a deveres, poderes,

faculdades e ônus perante o juiz. Este deve respeitar a posição das partes, exercendo o

poder estatal dentro dos limites traçados pela lei” (DINAMARCO 2000).

Ou seja, há processo (procedimento realizado em contraditório), na jurisdição

voluntária, e não apenas uma “medida administrativa”.

E, neste contexto, não há falar-se que na “jurisdição contenciosa” que em regra não

há provas determinadas de ofício, enquanto que na “voluntária” qualquer prova poderia ser

determinada de ofício. Primeiro, porque o procedimento básico (na chamada “jurisdição

voluntária”) conta muito pouco regramento nos arts. 1103-111 do CPC e, além disso, à

falta de norma específica e sempre que não ocorrer incompatibilidade alguma, há de

prevalecer em alguma medida o procedimento ordinário, até por disposição expressa da

lei (art. 271).

No que concerne aos prazos há disposição específica disciplinando o prazo para

responder nos procedimentos de “jurisdição voluntária”, que é de dez dias, conforme o art.

1106, a qual por ser especial derroga a geral, de 15 dias, segundo o contido no art. 297, do

Código de Processo Civil brasileiro.

Quanto aos recursos, no procedimento de “jurisdição voluntária”, há apelação da

sentença como previsto no art. 1110, que é repetição do art. 513, e das decisões

interlocutórias caberá agravo.

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4.4. Coisa julgada e revelia. “Jurisdição de equidade”

Por último, segundo os termos do art. 1.111, a sentença poderá ser modificada, sem

prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes, o que para

alguns, seria a negação da autoridade da coisa julgada, a qual incidiria sobre sentença de

mérito e esta só existiria, no conceito carnelutiano, quando houver lide no sentido de

conflito de interesses, lide esta inexistente na “jurisdição voluntária”.

Não haveria coisa julgada “material”, mas apenas “formal”, na jurisdição

voluntária.

Por este raciocínio, destas decisões da “jurisdição voluntária” não haveria a

possibilidade, tampouco necessidade, de se intentar a ação rescisória, porque nestes feitos

os pronunciamentos judiciais são suscetíveis de serem desfeitos, segundo a conveniência e

oportunidade. Assim, “se os fatos posteriores justificarem a alteração do que ficou decidido

ou se, ap[os a prolação da sentença, verificar-se a ocorrência de alguns dos motivos que em

tese autorizariam a rescisória, pode o juiz modificar a sentença (art. 1.111)”.6

Na realidade, em face da previsão do Código de Processo Civil Brasileiro da

chamada “jurisdição de equidade” as decisões daí advindas poderiam ser refeitas, como

maiores possibilidades de revisão do que aconteceria se se tratasse de critério de legalidade

estrita (a revisão, nesta hipótese, possível apenas pela via recursal ou rescisória). Em

conformidade com o contido no inciso II, do artigo 5º., da Constituição Brasileira, contudo,

iniludível que, nesta parte, o CPC brasileiro não foi recepcionado, deitando por terra, por

incompatibilidade com a Constituição, o conceito de “jurisdição de equidade”.

5 DOS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO CONTENCIOSA. DAS DIVERSAS

AÇÕES

A partir da bibliografia coletada, e dos fichamentos realizados ao longo do

desenvolvimento da presente pesquisa, procurou-se fazer um panorama geral dos

principais procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, indicando-se as principais

características daqueles mais usados na técnica processual.

6 NUNES, Elpídio Donizetti. Curso didático de direito processual civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 563.

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5.1. DA AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO - CPC ARTIGOS 890 A 900

Ligada ao pagamento por consignação (uma das formas de extinção das obrigações)

quando há mora do credor (mora accipiendi), e prevista no Código Civil, artigos 334 a

345, consignar em pagamento é pagar forçadamente, através da autoridade jurisdicional. O

objetivo da consignação em pagamento é a liberação do devedor, com a respectiva

extinção da obrigação (diz-se que o devedor tem o direito de desobrigar-se)

Pode ter por objeto coisa certa, incerta ou quantia em dinheiro e será sempre

possível quando alguém necessitar pagar, entregar ou devolver coisa (art. 893, CPC)

Definição: uma vez que o vínculo obrigacional não pode perdurar eternamente, cuida a lei

de instituir uma alternativa liberatória para o sujeito passivo, sempre que se torne inviável

o acordo liberatório entre as partes. Esse caminho é a consignação, que tem por finalidade

efetivar o pagamento e, por conseqüência, a liberação do consignante. Para Theodoro

Júnior, na realidade trata-se de “uma modalidade de pagamento, ou seja, o pagamento feito

em juízo, independentemente da anuência do credor, mediante depósito da res debita”

(THEODORO JUNIOR 1996:14).

Trata-se de ação predominantemente declarativa, por que o ato de depósito, objeto

do julgamento final, é da parte e não do juízo. A sentença se limita a reconhecer a eficácia

liberatória do depósito promovido pelo devedor. O que extingue, portanto, a dívida, não é

a sentença, mas o depósito do devedor. A sentença proclama apenas essa extinção.

Esse sucedâneo de pagamento - a consignação - consiste no depósito judicial da

quantia ou da coisa devida e é utilizado pelo devedor quando (art. 335 CCivil):

a) o credor se recusa injustificadamente a receber a prestação

b) o devedor não consegue efetuar validamente o pagamento voluntário por

desconhecimento ou incerteza quer em torno de quem seja o credor, quer em razão de

sua ausência ou não-localização ao tempo do cumprimento da obrigação

c) demais casos previstos no artigo 335, do Código Civil; no antigo Código Comercial (art.

437), no Código Tributário Nacional (art. 164) e na Lei de Locações (artigo 67,

L.8245/91)

A ação de consignação em pagamento tem como fundamento mora do credor e é

requerida no lugar do pagamento. Para que se faça a consignação, a dívida tem de ser certa

(quanto não há controvérsia quanto à sua existência), líquida (o objeto da dívida é

determinado, conhecido) e exigível (isto é, vencida).

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A consignação é facultativa mas é obrigatória nos casos de dúvida a quem se deva

pagar (art. 895, CPC). São pressupostos da consignação a) a mora do credor (mora

accipiendi) ou b) o risco de pagamento ineficaz.

A consignação pode ser:

a) extra judicial (art. 890, parág. 1.º), evitando-se o processo, em que o devedor ou 3.º

interessado opta por efetuar o depósito da quantia em estabelecimento bancário oficial,

situado no lugar do pagamento, em conta de correção monetária, certificando-se o credor

por carta com aviso de recepção, e uma vez decorrido o prazo de 10 dias para manifestação

da recusa o devedor ficará liberado da obrigação ou, em caso de recusa por escrito do

credor ao estabelecimento bancário (nesta hipótese ficará sem efeito o depósito bancário),

deverá o devedor/interessado, então, propor a

b) consignação judicial que é a própria ação se houve depósito extra-judicial mas não foi

recebido pelo credor (prazo de 30 dias (que não é de decadência ou preclusão), hipótese

que o autor deve apontar na inicial a existência do depósito) ou depósito em juízo.

Possível a cumulação do pedido consignatório com outros pedidos diferentes, no

mesmo processo, observando-se, porém, o procedimento ordinário. Caso de ação

consignatória principal e ação consignatória incidente, especialmente nos casos

lembrados por Theodoro Júnior “na generalidade das prestações líquidas ou incertas, é

sempre cabível a cumulação sucessiva de apuração e declaração do quantum debeatur com

o pedido conseqüente de autorização para depósito liberatório a posteriori.. em que o autor

desde logo deposite em juízo o valor em que provisoriamente estima de sua dívida”

(THEODORO JUNIOR 1996:23).

Possível o denominado Depósito consignatório (incidente) comum na hipótese em

que se discute a constitucionalidade de imposto (ver art. 164 do Código Tributário

Nacional).

5.2. DA AÇÃO DE DEPÓSITO

A Ação de depósito pode ter a seguinte definição: há depósito sempre que alguém

recebe de outrem alguma coisa para guardar com a obrigação de restituir e tem como

objeto uma coisa corpórea, móvel na maioria das vezes. Traço distintivo do depósito é a

guarda da coisa, como finalidade principal, quando não exclusiva e sempre no interesse do

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14

depositante. Só há depósito se a guarda da coisa é o elemento preponderante e mais

característico da relação jurídica, quanto não o único (essência do contrato).

Tem a seguinte classificação: depósito convencional ou contratual ou

convencional, regulado pelo Código Civil (arts. 627 e seguintes) e pelo antigo Código

Comercial (art. 280 e seguintes) e depósito necessário ou extracontratual, que por sua vez

se subdivide em depósito miserável (calamidades) e judicial ou legal. Costuma-se

classificar o depósito, ainda, quanto à fungibilidade do bem em depósito regular (coisa

infungível ou tornada infungível por vontade das partes) e depósito irregular, aplicável as

normas do contrato de mútuo (art. 645, do Código Civil) e não cabe ação de depósito.

Diz-se que o depositário é infiel quando falta à obrigação de restituir, no momento

em que lhe cumpre fazê-lo (depositário é detentor da coisa alheia), conforme previsão do

artigo 5.º, inciso XVII da Constituição da República.

Quando se estuda a ação de depósito depara-se com diferentes situações: devedor

de alimentos, que é quem com o que é seu e está em seu poder, deve pagar a outrem e

depositário, que é aquele que possui o alheio e deve restituí-lo.

Natureza da ação de depósito executória lato sensu: eficácia direta da sentença,

com restituição forçada e coação psicológica, representada pela prisão. Mandado judicial

para entrega em 24 horas da coisa ou equivalente em dinheiro. A ação afigura-se como a

pretensão do depositante de lhe ser restituída a coisa depositada (art. 901). Por isto,

possível pedido cumulado, isto é, recebimento de dinheiro quando do desaparecimento da

coisa e prisão civil e mandado de busca e apreensão e transformação em execução por

quantia certa (art. 902) caso a sentença não seja cumprida.

Trata-se, em realidade, de ação procedimento especial com sanção única (prisão

civil), por isto mesmo deve-se indicar a “legitimidade ativa” daquele que depositou, que

não é necessariamente o dono da coisa (pode ser o mandatário, administrador, credor

pignoratício). Transmissível aos herdeiros do depositante e a “legitimidade passiva” do

réu-depositário infiel que é a pessoa que recebeu a coisa em depósito e não a restituiu

quando deveria fazê-lo. Pode ser pessoa jurídica. Herdeiros que conheciam a causa da

posse (depósito).

No caso do falido a arrecadação e não ação de depósito. O objeto material é a coisa

depositada deve ser corpórea e infungível mas admitida sobre imóvel (penhora, arresto,

seqüestro).

Page 15: Jurisdição Voluntária e Contenciosa

15

5.3 AÇÕES DE PRESTAÇÃO DE CONTAS (CPC 914/919)

“Existe lide quando há conflito de interesses, qualificado por pretensão resistida”,

na lição carnelutiana. Por isto, em havendo uma relação jurídica consistente na

administração de bens, valores ou interesses de outrem - oriundas da lei (procedimento

judicial: tutor, curador, depositário, etc.) ou do contrato (ex. mandato, representação

mercantil, gestão de negócios, conta-corrente bancária, etc.), importante que se faça uma

prestação de contas e que deve ser feita por:

a) aqueles que têm o direito de exigir as contas e

b) aquele que tem a obrigação de prestar e quer prestá-las, até por que ambos têm

o direito de ver-se desonerados.

O objetivo deste procedimento é liquidar dito relacionamento jurídico, vale dizer,

de se fazer um acertamento do citado vínculo jurídico, no sentido de apurar-se com

exatidão a existência ou não de um saldo o qual, uma vez positivo será fixado o montante,

extraindo-se título executivo judicial.

As ações de prestação de contas têm natureza dúplice, isto é, a demanda para

provocar a apresentação, discussão e aprovação das contas tanto pode partir da iniciativa

de quem tem a obrigação de dar contas como daquele a quem cabe o direito de exigi-las. O

juízo ao julgar as contas o saldo credor pode ser tanto a favor do autor quanto do réu.

Para cabimento desta ação é necessário a existência de um vínculo, “não se

podendo haver dúvida quanto ao direito de exigir e o dever de prestar contas, sempre que

em jogo estiver uma relação contratual em que há, de um lado, a administração dos bens

que ensejam a repartição posterior de rendas” (Theodoro Júnior 1996:99) ou, ainda no

dizer deste jurista mineiro “qualquer contrato, enfim, que gere múltiplas e complexas

operações de débito e crédito entre as partes reclama prestação de contas se não há

constante e expresso reconhecimento dos lançamentos que um contratante faz à conta do

outro” (THEODORO JUNIOR 1996:100).

Segundo a Súmula 259/STJ a ação de prestação de contas pode ser proposta pelo

titular de conta-corrente bancária. Destarte, só existirá interesse (jurídico, art. 2.º, do CPC)

na ação de prestação de contas quando haja recusa na dação ou aceitação das contas

particulares ou quando ocorrer controvérsia quanto à composição das verbas que hajam de

integrar o acerto das contas, a não ser nos casos em que a prestação de contas só pode ser

feita em juízo (inventariante, tutor ou curador).

Page 16: Jurisdição Voluntária e Contenciosa

16

No que concerne ã Legitimação compete indiferentemente tanto ao que tem a

obrigação de dar as contas como ao que tem o direito de exigi-las (914). Estas contas

devem ser apresentadas em forma mercantil, especificando-se as receitas e as despesas, e o

respectivo saldo, instruindo-se com os documentos pertinentes (917). O autor pode vir a

juízo seja para exibir as contas e pedir sua aprovação por sentença, seja para compelir o réu

a apresentá-las e sujeitá-las à deliberação judicial (caráter dúplice).

5.4. DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS

A doutrina costuma apontar as seguintes acepções do termo posse:

a) direito de propriedade: diz-se que alguém possui algo, no sentido de que é dono

de um bem;

b) exercício ou gozo de um direito, como posse do estado de casados àqueles que

ao mundo parecem casados;

c) a coisa possuída, no sentido que nos referimos às nossas posses.

d) tomar posse de um cargo público.

No Direito Romano tinham posse todos aqueles que possuíram com intenção de ter

a coisa para si, pouco importando se o possuidor era ou não dono (animus domini como

elemento essencial à posse). Desta forma o ladrão era possuidor, o dono era possuidor, o

invasor de terras alheias era possuidor. O locatário não era possuidor porque não detinha a

coisa com a vontade de dono, senão em nome do locador. Em suma: para os romanos eram

possuidores aqueles que podiam invocar os interditos para a proteção de seu direito.

O estudo da posse é dos mais árduos de todo o Direito Civil, onde destacaram-se

dois juristas alemães: Savigny e Ihering. Para SAVIGNY posse é o poder que tem a pessoa

de dispor fisicamente de uma coisa, com intenção de tê-la para si e de defende-la contra a

intervenção de outrem. É a teoria subjetiva da posse. Então, no dizer do jurisconsulto

alemão a posse é i) poder físico sobre a coisa (corpus) e ii) intenção de tê-la como sua

(animus).

Já para IHERING basta apenas o poder físico sobre a coisa, estando implícita a

vontade de possuir a coisa como sua. Em resumo, para este jurista, posse será a

visibilidade do domínio, o poder de dispor da coisa, isto é, aquele que age como se fosse o

proprietário da coisa possuída, que vem a ser o estado normal externo da coisa, sob o qual

ela cumpre seu destino econômico de servir os homens. É a teoria objetiva, em que o

Page 17: Jurisdição Voluntária e Contenciosa

17

animus está contido no corpus. Para Ihering, é possuidor quem procede com aparência de

dono, ainda que não o seja, nem deseje sê-lo.

O Código Civil brasileiro adotou a teoria objetiva, de Ihering, ao dizer: Art. 1.196.

“Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum

dos poderes inerentes à propriedade”. Não obstante, em alguns momentos, o Código adota

a teoria de Savigny, como, por exemplo, é o caso do usucapião, em que se exige a intenção

de dono.

Assim, natureza da posse constitui o sinal exterior da propriedade. É possuidor

quem dá destinação econômica ao bem, por si mesmo ou mesmo cedendo-o a outrem.

Daí podemos tirar a natureza jurídica da posse como sendo um direito real, isto é, exercício

do direito sem intermediário, vale dizer, nasce de um fato protegido pelo direito, e tem

oponibilidade erga omnes.

É importante trabalhar-se com a terminologia referente à posse e ao direito de

propriedade. Assim, teríamos, de um lado, ius possidendi que é a posse de quem já é titular

do direito real e, por outro, o ius possessionis que é o caso daquele tem posse mas não tem

título

Relativamente ao objeto jurídico da posse qualquer bem pode ser possuído, tanto os

corpóreos, quanto os incorpóreos, neste incluídos os direitos, mas apenas aqueles sobre os

quais pode-se exercer poder externo, característico da propriedade, principalmente a

fruição e que, portanto, podem ser defendidos por meio dos interditos. Assim, estão fora os

direitos de crédito e todos os direitos que não sejam essencialmente reais.

5. 4.1 Classificação Da Posse

a) Posse direta e posse indireta – art. 1.197, CCB: o domínio ou a propriedade é exercido,

normalmente, por apenas uma pessoa. Mas pode ocorrer o desdobramento da posse em

duas faces, sendo direta quem detém materialmente a coisa e indireta para o proprietário.

Exemplos: � no usufruto o usufrutuário tem a posse direta da coisa, pois pode

usar e gozar da coisa. Por sua vez, o nu-proprietário conserva a substância da coisa, a posse

indireta.

� na locação, por força do contrato, tem o locatário a posse direta

(direito obrigacional de utilizar-se do bem) e o locador a posse indireta.

� no comodato, que é o empréstimo de coisa infungível sem ônus

financeiro, o comodatário tem a posse direta e o comodante a posse indireta.

Page 18: Jurisdição Voluntária e Contenciosa

18

Em todos os casos a posse é exercida temporariamente (é uma relação transitória

de direito), e tem o possuidor direto o direito de defender sua posse até mesmo contra o

possuidor indireto.

Art. 1.197: A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em

virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida,

podendo o ossuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

b) Posse justa e posse injusta – art. 1.200, CCB, caracteriza-se como posse justa aquela

que NÃO for violenta (não se adquiriu pela força), clandestina (não é pública), precária

(não se originou no abuso de confiança ou pela não restituição da coisa). A posse não

violenta é aquela mansa, pacífica e tranqüila (que pode gerar o usucapião), nos moldes dos

art. 1.238 e e 1.242, do Código Civil. A posse injusta, ao contrário, é aquela obtida pela

violência, clandestinamente e de forma precária.

c). Posse de boa e de má-fé: é de boa fé: art. 1.201, CCB: “se o possuidor ignorar o vício,

ou obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito possuído”. De boa-fé será

a posse em que o possuidor se encontre na convicção inabalável de que a coisa realmente

lhe pertence. A boa-fé é importante nas ações de usucapião extraordinário. Já a posse de

má-fé é aquela que o possuidor tem ciência de que a coisa foi obtida de forma violenta,

clandestina e precária. Enquanto perdurar a posse de má-fé não haverá proteção

possessória, senão após sanado o vício.

d). Posse jurídica e detenção – art. 1.198, CCB: simples detenção equivale a mera

custódia, cumprindo uma pessoa instruções de terceiro (fâmulo da posse) não gera posse,

ao contrário da posse jurídica. Exemplo: contrato de depósito.

e). Posse velha e posse nova – (sem previsão no CCB – art. 924, do CPC), isto é, posse

nova: menos de ano e dia e posse velha: mais de ano e dia.

f) Posse ad interdicta: interdito que ampare o possuidor contra o turbador ou esbulhador,

basta que demonstre os elementos essenciais (corpus e animus), isto é, a existência da

posse e a moléstia. Também fala-se em posse ad usucapionem, pois além dos elementos

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19

essenciais, se reveste de outros: boa-fé, decurso de tempo; posse mansa, pacífica,

ininterrupta, sem oposição; justo título; com animo de dono, etc.

Principais ações destinadas à defesa da posse são as ações de manutenção de posse,

a ação de reintegração de posse, a ação de interdito proibitório, adiante estudadas. A

doutrina, embora não unânime, também aponta estas:

1) ação de embargos de terceiro: perda ou ameaça à posse em razão de constrição

judicial.

2) ação de nunciação de obra nova: embargos contra construção, realizada no terreno

vizinho, que prejudique a posse.

3) ação de dano infecto: ruína da casa vizinha ou vício/irregularidade na realização de

obras. Tem o objetivo de acautelar a posse.

4) ação de imissão de posse: de reintegração ou reivindicatória de posse, sob a forma de

execução (imissão por mandado judicial para entrega de coisa certa – art. 625, do CPC).

6 DA NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA - CPC 934/940.

Esta ação tem como objetivo solucionar conflitos surgidos no confronto entre o

direito de construir e o direito de vizinhança. De acordo com o artigo 1.301 Código Civil o

vizinho pode embargar a construção de prédio que invada a área do seu ou deite goteiras

ou a menos de metro e meio do seu se abra terraço ou varanda. Também é aplicável para

casos de desrespeito a zoneamento ou ao contrato, inclusive de loteamento (Lei 6766/79).

Pela nunciação de obra nova reage o prejudicado contra construção erguida com

infringência ao direito de vizinhança e às normas administrativas (fim ou destinação do

imóvel em desrespeito ao zoneamento). Visa impedir ou embargar o prosseguimento de

construção que prejudica imóvel. Qualquer obra de engenharia civil (reforma, ampliação,

escavações, terraplanagem, demolições).

A ação de nunciação de obra é utilizada quando existem (art. 934) I-conflitos de

vizinhança; II-litígios entre condôminos em casos de execução de obra em propriedade

comum e III-conflitos entre particulares e o poder público, para impedir violação de

lei/regulamento relativo às construções. Considere-se que os prédios não têm que ser

necessariamente vizinhos.

No caso construção que invade terreno vizinho é possível substituição do embargo

da obra por indenização da faixa usurpada, quando mínimas as dimensões e não ocorra real

prejuízo com a destinação do prédio. Agora, se já concluída a obra, não há o que embargar.

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20

Possível transmudar-se a nunciação em ação demolitória (rito ordinário) desde que haja

cumulação de pedidos na inicial (embargo da obra com demolição).

Importante ressaltar que a obra só é considerada nova quando reúne dupla

característica: inovação que importe alteração prejudicial no prédio entre vizinhos e a

construção ainda inacabada. Por fim, a ação de nunciação de obra nova não serve para

discussão sobre limites (caso da demarcatória)

5. 6 AÇÃO DE USUCAPIÃO DE TERRAS PARTICULARES

A usucapião é prevista nos art. 1.238 a 1.244, do Código Civil, e é o modo de

adquirir a propriedade (ou outro direito real) pela posse continuada, durante certo tempo,

com os requisitos da lei (posse, decurso de tempo, sentença e registro imobiliário). A

matéria é regulada, em parte, também pelos art. 9º a 14, da Lei 10.257, de 10-7-2001

(Estatuto das Cidades)

Possível a ação apenas para terras particulares (artigos 941 a 945, do CPC), sendo

que para as coisas móveis ou semoventes o procedimento é o sumário art. 275, II, a.

Sumário também será o procedimento para usucapião especial de imóvel urbano (art. 14,

da Lei 10.257/01).

Observe-se que bens públicos são inusucapíveis em razão da previsão da

Constituição da República, nos artigos 183, par. 3.º e 191, par. Único. Contudo, nos termos

da Medida Provisória nº 2.220, de 4-9-2001, haverá concessão de uso especial, por via

administrativa ou judicial, na hipótese de ocupação até 30.06.2001, para fins de moradia,

de bem imóvel público da União, Estados e Municípios, de até 250m2, de uso comum do

povo; destinado a projeto de urbanização; de interesse da defesa nacional, da preservação

ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; reservado à construção de represas e

obras congêneres ou situado em via de comunicação.

Como requisitos gerais do usucapião apontam-se um dos efeitos da posse, que leva

ao domínio e que reclama a conjugação de 3 elementos fundamentais: a posse “ad

usucapionem” (isto é, contínua ou ininterrupta; mansa, pacífica, sem oposição; animus

domini); tempo (3 ou 5 anos para moveis; 10 anos para usucapião ordinário (art. 1.242,

CCB; 15 anos usucapião extraordinário (art. 1.238, caput, CCB) ou 10 anos se o possuidor

houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços

de caráter produtivo (parágrafo único, art. 1.238, CCB); 5 anos para usucapião

Page 21: Jurisdição Voluntária e Contenciosa

21

constitucional, disciplinado, também, pelos art. 1.239 e 1.240, do CCB) e coisa hábil

(coisas corpóreas; partes certas e precisas; disponíveis (não pode ser fora do comércio).

Das várias espécies de usucapião, aponta-se as mais importantes, a saber:

a) ordinário: art. 1.242 Código Civil. Requisitos: posse “ad usucapionem”; tempo (10

anos), justo título e boa fé. Possível usucapião para excesso de área (quando o terreno

possuído tem extensão maior do aquela designada no título).

b) extraordinário: art. 1.238, caput, do CCB. Requisitos: posse “ad usucapionem”, tempo

de 15 anos sem justo título e sem boa fé, reduzindo-se para 10 anos, no caso previsto no

parágrafo único, do art. mencionado.

c) constitucional , a ser requerido apenas uma única vez e não se exige justo título e boa-

fé - urbano (art. 183 e parágrafos, da CF; art. 1.240, CCB e art. 9º a 14, da Lei

10.257/01), posse “ad usucapionem”, tempo de 5 anos, área de 250 m2, imóvel a ser

utilizado como moradia do possuidor e sua família, não podendo ele se proprietário de

outro imóvel. Rural (art. 191, CF; 1.239, do CCB): posse “ad usucapionem”, tempo de

5 anos, área até 50 hectares, moradia da família, tornar a terra produtiva com seu

trabalho, não ser proprietário.

5.7. DA AÇÃO MONITÓRIA (PROCED. MONITÓRIO OU DE INJUNÇÃO) CPC ART.

1102 a

De origem européia (Alemanha/Itália), e ligada à preocupação com a efetividade do

processo, o procedimento monitório ou de injunção é um rápido e barato procedimento

de composição judicial de litígios, criado para o credor que, munido de um documento

escrito representativo de uma obrigação, líquida (cujos valores são conhecidos), certa (não

há discussão sobre a existência da obrigação) e exigível (já vencida) mas não dotado de

força executiva possa obter rapidamente a expedição de uma ordem ou mandado para que a

dívida seja saldada no prazo mencionado pelo Código de Processo Civil.

Este procedimento, no qual o autor pode reclamar pagamento de dívida em

dinheiro, entrega de coisa fungível consiste em abolir-se, em alguma circunstância, o

processo de conhecimento, indo diretamente à execução definitiva, sempre que o

devedor não ofereça resistência ou não dispõe de defesa séria capaz de abalar as bases

jurídicas da pretensão do credor”, observa Theodoro Júnior (1996:372).

Ernani Fidélis ensina que “o fim específico do procedimento monitório é a

formação de título executivo e o objetivo do pedido, em primeiro plano, é o de

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22

recebimento coativo da dívida; logo de execução”, tratando-se pois de atos de “mero

adendo, de natureza preparatória, do processo de execução”, onde deveria, aliás, se inserir

(livro II, do CPC) ( SANTOS 2003).

Já para Vicente Greco a ação monitória pode ser definida como “um misto de ação

executiva em sentido lato e cognição, predominando, porém a força executiva”, em que o

autor pede ao juiz e este determina a citação do réu para pagar ou entregar coisa móvel em

15 dias que, senão obedecida a ordem esta se transforma em mandado executivo, com

força de sentença condenatória transita em julgado. (GRECO 1997:260).

Este ato do juízo - que se limita a verificar mediante cognição sumária ou

superficial se a pretensão do autor se apoia em documento escrito - parte de um

convencimento liminar e provisório de que o credor, pela prova exibida, é realmente titular

do direito subjetivo que lhe assegura a prestação reclamada ao réu.

Apontam-se como pressupostos de admissibilidade do pedido monitório a saber:

a) o objeto do pedido do autor é obter soma em dinheiro, coisa fungível ou determinado

bem móvel, não se podendo falar em bem imóvel nem o documento referir-se a

obrigações de fazer ou não fazer;

b) subjetivo, isto é, a existência de um credor da obrigação, que pode ser pessoa física ou

jurídica, e de um devedor, obrigado a pagar dinheiro, ou devolver bem. O falido, o

insolvente, o incapaz e a pessoa jurídica de direito público não podem ser sujeitos

passivos do procedimento injuncional por que não têm a livre disponibilidade dos seus

bens.

Além disso, impossível a monitória contra a Fazenda Pública e por várias razões: a

revelia não lhe produz nenhum efeito; transformado o procedimento monitório em

mandado executivo este só pode ser pago via precatório (art. 100, Const. República), pois

que os bens públicos são impenhoráveis; pessoas jurídicas de direito público não têm

poderes para transacionar, exceto quando expressamente autorizadas por lei.

c) prova escrita de obrigação cujo objeto é o pagamento de soma em dinheiro, entrega de

coisa fungível ou determinado bem móvel. Os exemplos a seguir são de Ernani Fidélis dos

Santos: devo ao fulano R$1.000,00 pagáveis dia “x”; entregar-lhe-ei 50 sacas de café tipo

Y; dar-lhe-ei, como pagamento da dívida que reconheço, meu veículo Chevrolet, ano 1994.

A obrigação deve estar representada por escrito, sem a forma executiva (arts. 584 e

585 c/c 1.102 a), sempre líquida, certa e exigível.. “O documento mais comum é o que vem

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assinado pelo próprio devedor, não importa a forma, a exemplo dos contratos, das

declarações unilaterais , das missivas, dos meros bilhetes.. as contas de água, luz e

telefone, os saldos bancários com prova do contrato de correntista” (SANTOS 2003), a

duplicata não aceita antes do protesto, a declaração de venda de um veículo (Greco

1997:261), o título de crédito prescrito, etc.

Theodoro Júnior afirma que “não é imprescindível que o documento esteja

assinado, podendo ser acolhido o que provém de terceiro ou daqueles registros como os do

comerciante ou dos assentos domésticos que não costumam ser assinados” ou como

lembrado por Mandrioli “é qualquiasi documento che il giudice ritenga meritevole di fede

quanto ad autenticità ed efficaccia probatoria” (apud THEODORO JUNIOR 1996:377).

5.7. DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA (CPC ARTIGOS 982 a 1.045)

A morte é fato jurídico relevante por que pode levar à transmissão de patrimônio

para herdeiros. Estes bens, havendo mais de um herdeiro, devem ser inventariados,

incluindo-se aí as dívidas ativas e passivas e quaisquer direitos e partilhados, para se

estabelecer a divisão da herança que tocará aos sucessores.

O procedimento ora em estudo serve também para disciplinar outros casos de

partilha: o da sucessão provisória dos bens dos ausentes (art. 1.163 do CPC) e o da divisão

dos bens do casal na dissolução da sociedade conjugal (art. 1.121, parágrafo único). “O

inventário é o procedimento especial de jurisdição contenciosa com a finalidade de

transmitir a herança e a atribuição de quinhões aos sucessores”, na objetiva definição de

Vicente Greco (1997:240-241).

E contencioso pois no mínimo previne lides, na visão carnelutiana, vale dizer, o

inventário será judicial ainda que as partes sejam capazes. A sentença de partilha tem força

de título executivo. Fala-se em inventário negativo: medida de jurisdição voluntária, é o

expediente criado pela praxe forense para provar que o óbito se deu sem deixar bens a

partilhar. Utilizado para cumprimento de certas obrigações (lavrar escritura em favor de

terceiros) ou para produção de efeitos jurídicos (permitir o casamento do cônjuge

sobrevivente).

Segundo a Lei 6.858/80 combinada com o disposto o artigo 1.037, do CPC,

estabelecem a desnecessidade de inventário para pagamento e/ou transferência de valores

de pequena monta e/ou relacionados com o contrato de trabalho do finado, como por

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exemplo o saque do FGTS, saldos em contas correntes/poupança, PIS, salários e parcelas

rescisórias.

Existem dois tipos (ou duas espécies) de inventário: o pleno (ou inventário

propriamente dito), disciplinado pelos artigos 982 a 1.030) e o arrolamento, de rito mais

simples, sumário (artigos 1031/1038 - com partilha amigável havendo herdeiros maiores e

capazes - que pode ser o). A forma do arrolamento poderá ser adotada, ainda, quando os

bens a inventariar não ultrapassarem o equivalente às antigas 2.000 OTN’s (redação dada

pelo artigo 1.036). A lei processual prevê possibilidade de processamento de inventários

cumulados, nos casos dos artigos 1.043 e 1.044.

O inventário e partilha devem ser requeridos em 30 dias (pena: multa incidente

sobre imposto causa mortis) e terminar em seis meses em razão do juízo universal do

inventário: artigo 96: todas as ações que o espólio for réu (não em que ele for autor ou que

versarem sobre bens imóveis). O procedimento sucessório tem por finalidade definir o

acervo para os herdeiros, isto é, o juízo vai decidir apenas sobre causas (de fato e de

direito) relativas à sucessão, provadas por documentos, relacionadas com o inventário.

Fora destes casos constituir-se-ão questões de alta indagação, oportunidade em que se

remeterá as partes para as vias ordinárias.

Observe-se que as chamadas questões de alta indagação, segundo a previsão do

artigo 984 são as que dependem de cognição com dilação probatória, contraditório pleno,

em procedimento ordinário, como nos casos de anulação de casamento, anulação de

testamento, investigação de paternidade, concubinato, etc.

A regra geral de competência é que o inventário deverá ser aberto no foro do

domicílio do autor da herança ou no foro da situação dos bens (se o falecido não tinha

domicílio certo) ou no lugar do óbito (se existirem bens situados em lugares diferentes). A

jurisdição brasileira será competente para proceder ao inventário dos bens deixados pelo

“de cujus” estrangeiro - caso de competência absoluta e improrrogável (Theodoro Júnior

1996:266).

Nos termos do art. 985/986 entre a morte e a nomeação do inventariante e para que

os bens não fiquem em situação imprecisa haverá um administrador provisório (cabeça do

casal ou herdeiro que esteja na posse dos bens), gerindo provisoriamente o patrimônio, mas

sem poderes para deles dispor.

No campo da legitimidade esta se apresenta ampla e concorrente mas não

sucessiva para requerer a abertura do inventário (desde o óbito qualquer um dos

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legitimados está autorizado): quem estiver na posse e administração do espólio,

normalmente cabendo em primeiro lugar ao administrador provisório (987) mas qualquer

pessoa arrolada no artigo 988 (cônjuge supérstite, herdeiro, legatário, credor...Fazenda

Pública, excepcionalmente até por portaria do juízo, embora ne procedat iudex ex officio

há interesse de ordem pública)

Importante não confundir quem está legitimidado para abertura do inventário

(987/988) com a pessoa do inventariante (ordem de nomeação do art. 990).

A petição inicial deve obedecer a regra do artigo 987, parágrafo único, instruída

com a certidão de óbito e com pedido de nomeação do inventariante, que deve ser, nesta

ordem, cônjuge, herdeiro que esteja na posse dos bens, qualquer herdeiro, testamenteiro,

pessoa indicada pelo juiz, etc.); este, é agente especial do juízo e quem administra o acerto

hereditário, o inventariante deve ser pessoa capaz e é nomeado por termo nos autos

segundo escolha delimitada pela lei (o artigo 990 estabelece uma ordem preferencial de

nomeação que o juízo não pode violar, sob pena de impugnação, exceto em circunstâncias

específicas)

São encargos do inventariante (exceto o dativo), segundo o artigo 991, do CPC

representar o espólio [que é uma universalidade de direitos e obrigações = patrimônio (-)

dívidas), não tem personalidade jurídica mas possui capacidade processual]. Exerce um

munus publico, representa o espólio, aliena bens, etc. mas toma medidas de simples

administração, a maioria das vezes dependendo de alvará judicial, à vista dos limites do

artigo 992.

Segundo o art. 995 o inventariante pode ser removido se agir com desídia na

condução da inventariança, se deixar deteriorar bens ou não defender o espólio, se não

prestar contas ou se sonegar bens. A decisão interlocutória que remove o inventariante se

faz por simples incidente processual, por requerimento do interessado e após defesa; corre

em apenso. Juiz pode ordenar busca e apreensão de bens que estejam em poder do

inventariante removido.

O inventariante nomeado presta compromisso em 5 dias, deve oferecer as

primeiras declarações em 20 dias (artigo 993 e parágrafo único), pessoalmente ou por

procurador com poderes especiais e não poderá encerrar o inventário sem prestar contas de

sua gestão, que pode ser sob a forma de ação de prestação de contas, a qual corre em

apenso aos autos do inventário.

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Por fim, assinale-se que o procedimento de inventário transcorre em dois estágios:

1.º) inventário (petição inicial, nomeação inventariante, primeiras declarações, citações,

avaliação dos bens, últimas declarações, imposto) e 2.º) partilha (petição dos quinhões,

deliberação e julgamento da partilha; formal).

Se encerra por dois tipos de partilha: judicial, necessariamente se houver herdeiros

incapazes, ou amigável, elaborada ou por escritura pública ou por escrito particular, em

qualquer caso homologada por juiz, se herdeiros maiores e capazes.

Pagos os credores ou reservados bens, abrem-se 10 dias para herdeiros formularem

pedido de quinhão, deliberando o juízo sobre a partilha (decisão interlocutória); após, é

elaborado um esboço de partilha , com estrita observância da ordem legal prevista no

artigo 1023: monte mor monte partível (menos dívidas) = meação do morto (menos

meação do cônjuge supérstite) = metade disponível (menos bens constantes do testamento,

se houver) = legítima (a ser partilhada).

A partilha será lançada nos autos e conterá um auto de orçamento (contendo a

descrição dos bens, os herdeiros, valores) e a folha de pagamento (a parte que coube a

cada herdeiro). Confirmado o pagamento do imposto e das custas, ouvida a Fazenda

Pública, o juiz julgará a partilha por sentença , a qual faz coisa julgada e constitui título

executivo judicial contra inventariante/herdeiro para entrega dos bens partilhados.

Possível a sobre partilha sobre bens não arrolados na época própria e nos casos do

artigo 1.040, uma vez passado em julgado a sentença relativa à partilha é expedido o

formal, que servirá de título para registro em cartórios, no DETRAN, etc.cabível ação

rescisória, em dois anos, contra sentença que julgou a partilha judicial e ação anulatória

contra a sentença que homologou a partilha amigável, em um ano.

5.8. AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL (CPC arts. 1120/124 - Lei 6515/77)

No direito brasileiro a dissolução da sociedade conjugal ocorrerá no seguintes

casos:

• pela morte de um dos cônjuges

• pela nulidade ou anulação do casamento

• pela separação judicial (sem extinção do vínculo existente entre o casal)

• pelo divórcio

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Sabe-se que o casamento somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou

pelo divórcio, vale dizer, apenas nestes casos é que o vínculo se dissolve.

No caso da separação esta pode ser: consensual (amigável) ou não-consensual

(litigiosa), como um prelúdio para o divórcio (a separação consensual não resolve lide e

não faz coisa julgada). No Brasil, a separação é remédio para um fato.

Na Separação consensual é condição essencial serem casados há mais de um ano

(art. 1.574, CCB; era de dois anos - art. 4o Lei Divórcio) e a vontade manifestada perante o

juízo, tudo homologado porque a lei não impõe motivos. Trata-se de uma separação

imotivada, ou seja, as partes requerem a homologação.

O pedido não se baseia na conduta do marido ou da mulher e tem fundamento da

inicial apenas razões de direito, isto é, a Lei do Divórcio e o Código Civil. Procura-se

transformar a separação litigiosa para a separação consensual. O juízo tambem procurará

conciliar as partes (uma separação litigiosa pode causar transtornos para os filhos, por

exemplo).

No que concerne à Separação não-consensual ou Separação Judicial, pode ser:

a) motivada: art. 5.º, Lei do Divórcio e art. 1.572, do CCB (imputação de ato que importe

grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum). Nesse

caso, um cônjuge tem que imputar ao outro a culpa, obrigatoriamente (infringência de

um dos deveres do casamento, previstos no artigo 1.573, do Código Civil: adultério;

tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar conjugal,

durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; conduta desonrosa. O juiz

pode considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em

comum).

O motivo alegado tem que ficar comprovado, em juízo, sendo que a parte ofendida

é quem requer a separação. Exemplos de conduta desonrosa: injúria grave; cônjuge com

terceiros. Ex.: expor ao ridículo; desonestidade; uso de bebidas alcoólicas; não presta

assistência moral, etc. Nestas hipóteses deve-se demonstrar a impossibilidade de

convivência do casal, para melhor aplicabilidade da norma. Deve-se, ainda, expor bem os

fundamentos, pois a separação não consensual comporta reconvenção.

Por fim, a lei brasileira prevê o Divórcio por conversão, previsto nos arts. 25 e 35,

LD; parágrafo único do art. 1.580, do CCB) ou direto (art. 40, LD). A conversão da

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separação Judicial em divórcio tem a petição é igual à da separação onsensual. Observe-se

que no divórcio não há necessidade de, obrigatoriamente, haver partilha.

O “nome” é Ação de Conversão de Separação Judicial em Divórcio e a parte

contrária não poderá entrar com a reconvenção, e pode contestar se não houver passado um

ano do trânsito em julgado da sentença que decretou a separação judicial ou o não

cumprimento das exigências e/ou obrigações.

Finalmente, a lei brasileira prevê o divórcio direto consensual - art. 40, caput,

parágrafo 2.º, LD; parágrafo 2.º, do art. 1.580, do CCB. Tem uma característica: não pode

o casal interromper o prazo de dois anos, morando juntos um mês, por exemplo. O divórcio

direto não consensual é previsto no art. 40 c/c artigo 5.º e parágrafos, da Lei do Divórcio e

é desnecessário apontar o motivo do casal encontrar-se separado, bastando apenas provar o

tempo (parágrafo 1.º, do art. 1.580, do CCB).

6 CONCLUSÃO

Os Procedimentos Especiais, como se disse, são um importante instrumento de

operacionalização dos direitos no Estado Democrático. A forma como vem sento

trabalhados, entretanto, em tempos de omissão legislativa, leva à conclusão da total

ausência de PROCESSO em seu emprego na rotina forense.

Assim, a ação de consignação em pagamento, o usucapião, a ação monitória, entre

outros, são categorias processuais re-visitadas pela pesquisa sistematicamente filtrados

pelo paradigma constitucional do Estado Democrático, regente da operacionalidade

constitucional, tudo em cumprimento ao artigo 207, da Constituição Brasileira.

Nenhuma efetivação de direito, nesta era da pós-modernidade em que vivemos,

pode ser levada a cabo sem uma teoria democrática que a sustente e esta só pode ser

moldada no ambiente de esclarecimento pelo Conhecimento.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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