JURISPRUDÊNCIA FIXADA DIREITO CONSTITUCIONAL...

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JURISPRUDÊNCIA JURISPRUDÊNCIA FIXADA Contumácia — Assento do S. T. J., de 19-10-2000, proc. n.º 87/2000 ............................. DIREITO CONSTITUCIONAL Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa de Varzim — Conceito de taxa — Lei habilitante — Precedência da lei — Taxa – imposto — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 410/2000, de 3-10-2000 ............................................................... Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais — Rendas de locação financeira relativas a imóveis — Princípios da igualdade e do Estado de direito democrático — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 418/2000, de 10-10-2000 .............................................. Arrendamento urbano — Denúncia do contrato de arrendamento para habitação do senhorio — Idade do arrendatário — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 420/2000, de 11-10-2000 ................................................................................................................ Processo criminal — Intervenção do juiz — Imparcialidade — Independência — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 423/2000, de 11-10-2000 .............................................. Processo criminal — Regime de subida diferida dos recursos — Extinção do procedimento criminal — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 435/2000, de 11-10-2000 ................ Fiscalização abstracta sucessiva — Quotizações sindicais — Liberdade sindical — Desfiliação — Restrição de efeitos — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 437/2000, de 18-10-2000 ............................................................................................................ Competência dos tribunais tributários — Reembolso de comparticipações do Fundo Social Europeu — Processo de execução fiscal — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 440/ 2000, de 24-10-2000 .................................................................................................. DIREITO PENAL Crime de coacção — Crime de ofensa à integridade física simples — Concurso aparente — Co-autoria — Escolha da pena — Ac. do S. T. J., de 2-10-2000, proc. n.º 1209/99 .... Crime de abuso de confiança — Elementos típicos — Requisitos da sentença — Fundamen- tação — Enumeração dos factos não provados — Indicação e exame crítico das provas — Recurso — Fundamentos do recurso — Contradição insanável da funda- mentação — Erro notório na apreciação da prova — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.º 779/99 .......................................................................................................... 5 12 25 32 38 45 50 53 61 72

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381 ÍndiceBMJ 500 (2000)

ÍNDICE

JURISPRUDÊNCIA

JURISPRUDÊNCIA FIXADA

Contumácia — Assento do S. T. J., de 19-10-2000, proc. n.º 87/2000 .............................

DIREITO CONSTITUCIONAL

Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa de Varzim — Conceito detaxa — Lei habilitante — Precedência da lei — Taxa – imposto — Ac. do TribunalConstitucional, n.º 410/2000, de 3-10-2000 ...............................................................

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais — Rendas de locação financeira relativas aimóveis — Princípios da igualdade e do Estado de direito democrático — Ac. doTribunal Constitucional, n.º 418/2000, de 10-10-2000 ..............................................

Arrendamento urbano — Denúncia do contrato de arrendamento para habitação dosenhorio — Idade do arrendatário — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 420/2000, de11-10-2000 ................................................................................................................

Processo criminal — Intervenção do juiz — Imparcialidade — Independência — Ac. doTribunal Constitucional, n.º 423/2000, de 11-10-2000 ..............................................

Processo criminal — Regime de subida diferida dos recursos — Extinção do procedimentocriminal — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 435/2000, de 11-10-2000 ................

Fiscalização abstracta sucessiva — Quotizações sindicais — Liberdade sindical —Desfiliação — Restrição de efeitos — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 437/2000,de 18-10-2000 ............................................................................................................

Competência dos tribunais tributários — Reembolso de comparticipações do Fundo SocialEuropeu — Processo de execução fiscal — Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 440/2000, de 24-10-2000 ..................................................................................................

DIREITO PENAL

Crime de coacção — Crime de ofensa à integridade física simples — Concurso aparente —Co-autoria — Escolha da pena — Ac. do S. T. J., de 2-10-2000, proc. n.º 1209/99 ....

Crime de abuso de confiança — Elementos típicos — Requisitos da sentença — Fundamen-tação — Enumeração dos factos não provados — Indicação e exame crítico dasprovas — Recurso — Fundamentos do recurso — Contradição insanável da funda-mentação — Erro notório na apreciação da prova — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000,proc. n.º 779/99 ..........................................................................................................

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382Índice BMJ 500 (2000)

Perda de instrumentos — Produtos e vantagens do crime — Os artigos 109.º e 111.º doCódigo Penal — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.º 2102/2000 .......................

Concurso de crimes — Pena única — Perdão — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc.n.º 2446/2000 .............................................................................................................

Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade — Ac. do S. T. J., de 12-10-2000,proc. n.º 170/2000 ......................................................................................................

Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade — Jovem adulto — Atenuaçãoespecial da pena — Medida da pena — Suspensão da execução da pena — Ac. doS. T. J., de 12-10-2000, proc. n.º 198/2000 ................................................................

Crime de homicídio privilegiado — Compreensível emoção violenta — Ac. do S. T. J., de12-10-2000, proc. n.º 2197/2000 ...............................................................................

Crime de burla — Responsabilidade civil — Competência do tribunal penal — Respon-sabilidade extracontratual — Absolvição — Ac. do S. T. J., de 18-10-2000, proc.n.º 1915/2000 .............................................................................................................

Tráfico de estupefacientes de menor gravidade — Suspensão de execução da pena —Regime de prova — Ac. do S. T. J., de 19-10-2000, proc. n.º 2803/2000 ..................

Crime de sequestro — Consumação — Crime de coação — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000,proc. n.º 929/99 ..........................................................................................................

Homicídio privilegiado — Compreensível emoção violenta — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000,proc. n.º 2350/2000 ....................................................................................................

Crime de furto — Momento da consumação — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000, proc.n.º 2544/2000 .............................................................................................................

DIREITO ADMINISTRATIVO

Concurso para juiz do Tribunal Central Administrativo — Juiz auxiliar do tribunal tributá-rio de 1.ª instância em comissão de serviço — Artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais — Ac. do S. T. A., de 11-10-2000, rec. n.º 44 764

Responsabilidade civil extracontratual do Estado — Determinação de jurisdição compe-tente — Ac. do S. T. A., de 12-10-2000, conflito n.º 352 ...........................................

Competência do Tribunal Central Administrativo — Relação jurídica de emprego público —Recurso contencioso de acto de membro do Governo — Ac. do S. T. A., de 12-10-2000,rec. n.º 45 258 ............................................................................................................

Litispendência — Prioridade do seu conhecimento — Ac. do S. T. A., de 25-10-2000,rec. n.º 44 083 ............................................................................................................

Intimação para emissão alvará de licenciamento de construção — Deferimento tácito —Vícios do acto revogatório — Ac. do S. T. A., de 26-10-2000, rec. n.º 46 691 ..........

DIREITO FISCAL

Contencioso aduaneiro — Dívida aduaneira — Cobrança coerciva — Processo de exe-cução fiscal — Ac. do S. T. A., de 4-10-2000, rec. n.º 24 557 ...................................

Distribuição de dividendos do exercício de 1992 por sociedade afiliada estabelecida emPortugal a sociedade-mãe holandesa — Retenção na fonte de IRC à taxa liberatóriade 15% — artigo 69.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 123/92,de 2 de Julho — Concomitante retenção na fonte do imposto sobre as doações poravença à taxa de 5% — artigos 182.º, alínea c), e 184.º do Código do Imposto

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383 ÍndiceBMJ 500 (2000)

Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações — Artigo 5.º, n.º 4,da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho — Ac. do S. T. A., de4-10-2000, rec. n.º 19 730 ..........................................................................................

Menos-valias potenciais ou latentes — Diminuição do capital social — Rendimento —Acréscimo — Teoria do incremento patrimonial — Ac. do S. T. A., de 25-10-2000,rec. n.º 24 565 ............................................................................................................

Emolumentos do registo comercial — Tabela de emolumentos do registo comercial —Direito comunitário — Jurisprudência comunitária — Ac. do S. T. A., de 25-10-2000,rec. n.º 25 128 ............................................................................................................

DIREITO DO TRABALHO

Contrato de trabalho nulo — Menor de 14 anos — Validade para efeitos de seguro —Ac. do S. T. J., de 3-10-2000, proc. n.º 41/2000 ........................................................

Pensão complementar de reforma — Regulamentação colectiva de trabalho contralegem — Direito à contratação colectiva — Direitos, liberdades e garantias dos traba-lhadores — Reserva de competência da Assembleia da República — Inconstitu-cionalidade orgânica — Ac. do S. T. J., de 31-10-2000, proc. n.º 2018/2000 ...........

Trabalho a bordo — Despedimento colectivo — Lei aplicável — Indemnização — Ac. doS. T. J., de 31-10-2000, proc. n.º 1919/2000 ..............................................................

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Recursos penais — Recurso em matéria de facto — Competência do Tribunal da Relaçãoem matéria de recursos penais — Ac. do S. T. J., de 11-10-2000, proc. n.º 1783/2000

Homicídio tentado — Documentação da prova — Indeferimento — Trânsito em julgado —In dubio pro reo — Fundamentação da sentença — Exame das provas e convicção —Medida da pena — Atenuação especial — Grau agravativo e ateunativo — Suspensãoda pena e execução da pena — Ac. do S. T. J., de 12-10-2000, proc. n.º 2003/2000

Recurso penal — Vícios de sentença — Tribunal competente — Ac. do S. T. J., de18-10-2000, proc. n.º 2193/2000 ...............................................................................

Dedução de incompetência territorial — Abertura da audiência de julgamento — Ac. doS. T. J., de 25-10-2000, proc. n.º 2273/2000 ..............................................................

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Acidente de trabalho — Higiene e segurança no trabalho — Presunção da culpa — Nexode causalidade — Responsabilidade da entidade seguradora — Ac. do S. T. J., de11-10-2000, proc. n.º 1808/2000 ...............................................................................

Nulidade do acórdão da Relação — Arguição — Acidente de trabalho — Culpa da entidadepatronal — Ónus da prova — Ac. do S. T. J., de 25-10-2000, proc. n.º 1921/2000 ....

Contrato de seguro — Folha de férias — Acidente de trabalho — Responsabilidade dosegurado — Nulidade do contrato de seguro — Ac. do S. T. J., de 31-10-2000, proc.n.º 98/2000 .................................................................................................................

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384Índice BMJ 500 (2000)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Falência — Graduação de créditos — Créditos emergentes de contrato de trabalho —Salários em atraso — Indemnizações — Ac. do S. T. J., de 4-10-2000, proc. n.º 2058/2000 ...........................................................................................................................

Execução ordinária — Embargos de executado — Ac. do S. T. J., de 10-10-2000, proc.n.º 1874/2000 .............................................................................................................

Acção executiva — Embargos de executado — Sucessão, mortis causa, na titularidade daorbigação — Ac. do S. T. J., de 10-10-2000, proc. n.º 2515/2000 ............................

Recuperação de empresa — Despacho de prosseguimento da acção — Deliberação daassembleia de credores — Homologação — Poderes do juiz — Ac. do S. T. J., de12-10-2000, proc. n.º 94/2000 ...................................................................................

Acção de inabilitação — Prodigalidade (jogo) — Artigo 152.º do Código Civil — Ac. doS. T. J., de 17-10-2000, proc. n.º 2039/2000 ..............................................................

Falência — Despacho de arquivamento — Recursos — Lei processual aplicável — Legiti-midade para recorrer — Ac. do S. T. J., de 17-10-2000, proc. n.º 2240/2000 ..........

Acto fora do prazo — Condições — Multa — Não exigência de requerimento — Ac. doS. T. J., de 24-10-2000, proc. n.º 2240/2000 ..............................................................

Acção de despejo — Pedido reconvencional — Ac. do S. T. J., de 26-10-2000, proc.n.º 2409/2000 .............................................................................................................

DIREITO CIVIL

Parte geral

Direito ao bom nome — Conflito de direitos — Responsabilidade civil — Ac. do S. T. J., de17-10-2000, proc. n.º 372/2000 .................................................................................

Direito das obrigações

Acção de condenação — Contrato de locação financeira — Regime jurídico aplicável àsrendas vencidas e não pagas pela locatária e respectivos juros — Artigo 310.º, alí-nea b), do Código Civil ou o regime do artigo 309.º do mesmo diploma legal — Ac. doS. T. J., de 4-10-2000, proc. n.º 170/2000 ..................................................................

Acidente de viação — Responsabilidade civil — Seguro obrigatório — Lesões materiais —Reparação — Perda da vida e perda de alimentos — Danos morais — Graduação daculpa — Equidade — Ac. do S. T. J., de 4-10-2000, proc. n.º 2213/2000 .................

Acidente de viação — Responsabilidade civil — Inexistência de seguro — Fundo de Garan-tia Automóvel — Sub-rogação — Abusiva circulação de veículo — Ac. do S. T. J., de4-10-2000, proc. n.º 2137/2000 .................................................................................

Acidente de viação — Centro Nacional de Pensões — Sub-rogação — Subsídio por morte —Pensão de sobrevivência — Ac. do S. T. J., de 10-10-2000, proc. n.º 2132/2000 .....

Acidente de viação — Acidente de trabalho — Sub-rogação — Direito de regresso —Prescrição — Crime — Ac. do S. T. J., de 24-10-2000, proc. n.º 2225/2000 ............

Direito das coisas

Posse — Restituição provisória — Bem do domínio público — Uso privativo — Ac. doS. T. J., de 12-10-2000, proc. n.º 385/2000 ................................................................

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385 ÍndiceBMJ 500 (2000)

Direito da família

Separação de facto — Cônjuge — Direito a alimentos — Ónus da prova — Ac. do S. T. J.,de 26-10-2000, proc. n.º 2603/2000 ...........................................................................

Direito das sucessões

Direito das sucessões — Dívidas da herança — Usufrutário — Obrigação pecuniária —Ac. do S. T. J., de 3-10-2000, proc. n.º 1723/2000 ....................................................

Sumários dos acórdãos

Supremo Tribunal Administrativo

I — Tribunal pleno:

Expropriação por utilidade pública — Acto tácito de indeferimento seguido de actoexpresso — Litispendência —Caducidade — Notificação a advogado — Ac. de24-10-2000 .........................................................................................................

Litispendência — Prioridade do seu conhecimento — Ac. de 25-10-2000 ................Processo disciplinar — Recurso hierárquico necessário — Nulidade ou anula-

bilidade — Garantia constitucional — Pressupostos processuais — Ac. de25-10-2000 .........................................................................................................

II — 1.ª Secção:

Comissão de coordenação regional — Recurso contencioso — Legitimidade — Nuli-dade (acto administrativo) — Ratificação — Plano director municipal — Planode urbanização — Grandes superfícies comerciais — Ac. de 4-10-2000 ..........

Competência dos tribunais administrativos — Contrato de trabalho a termo na Admi-nistração Pública — Acção de contrato e responsabilidade — Acção de reconhe-cimento de direito — Cumulação de pedidos — Ac. de 31-10-2000 ..................

Despacho do relator — Reclamação para a conferência — Constitucionalidade —Ac. de 12-10-2000 ..............................................................................................

Empreitada de obras públicas — Rescisão do contrato — Autarquia local — Falta deapresentação do plano de trabalhos (artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 235/86, de18 de Agosto) — Nulidade da sentença — Matéria de facto — Princípio da livreapreciação das provas — Prova pericial — Ac. de 12-10-2000 .......................

Execução de acórdão (fixação de indemnização) — Pressupostos — Caso julgado —Ac. de 12-10-2000 ..............................................................................................

Execução de julgado — Pedido de autorização de reversão — Efeitos do caso julgadoda decisão anulatória no modo de execução e na verificação de causa legítimade inexecução — Natureza do prazo previsto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lein.º 256-A/77, de 17 de Junho — Ac. de 4-10-2000 ............................................

Faltas por doença — Licença sem vencimento de longa duração — Ac. de 24-10-2000Liquidação de sociedade — Função administrativa e função jurisdicional — Cons-

titucionalidade do Decreto-Lei n.º 30 689, de 27 de Agosto de 1940 — Fundamen-tação — Ac. de 11-10-2000 ...............................................................................

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386Índice BMJ 500 (2000)

Plano de Urbanização da Ericeira — Anteplano de urbanização — Falta de publica-ção — Ineficácia jurídica — Ac. de 18-10-2000 ................................................

Professores do ensino secundário — Progressão na carreira — Bonificação poraquisição de mestrado — Mestrado e licenciatura — Ac. de 4-10-2000 ...........

Selecção da matéria de facto — Matéria conclusiva ou valorativa — Aperfeiçoamentodos articulados — Alterações ao Código de Processo Civil — Aplicação da lei notempo — Ac. de 26-10-2000 ..............................................................................

Reforma de acórdão (artigo 669.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) — Ac. de18-10-2000 .........................................................................................................

Responsabilidade civil do Estado — Cuidados médicos — Culpa — nexo de causali-dade — Ac. de 18-10-2000 ................................................................................

III — 2.ª Secção:

Conceito de prédio para efeitos de contribuição autárquica — Caravana tipo residen-cial — Ac. de 11-10-2000 ..................................................................................

Contra-ordenações aduaneiras — Processo — Competência do Ministério Públicopara tornar presente ao juiz o recurso da decisão da autoridade administrativaque aplica coima — Ac. de 4-10-2000 ...............................................................

Indeferimento liminar — Artigo 476.º do Código de Processo Civil — Apresentação denova petição — Ac. de 4-10-2000......................................................................

Imposto sucessório — Aplicação da lei no tempo em matéria de taxa — Ac. de31-10-2000 .........................................................................................................

Impugnação judicial — Ministério Público — Arguição de vícios novos — Ac. de31-10-2000 .........................................................................................................

Oposição à execução fiscal — Liquidação assente em lucro tributável definido por actorevogado — Efeitos do recurso hierárquico provido — Ac. de 18-10-2000 .....

Tribunais de Segunda Instância

I — Relação de Lisboa:

Abertura de instrução — Constituição de assistente — Inexistência de caso julgadoformal — Ac. de 31-10-2000 .............................................................................

Apoio judiciário — Convite ao aperfeiçoamento do pedido — Ac. de 25-10-2000 ....Aquisição de nacionalidade — Efectiva ligação à comunidade portuguesa — Aqui-

sição de nacionalidade por cidadã peruana residente na Suíça — Ac. de26-10-2000 .........................................................................................................

Assistente — Legitimidade — Herdeiro testamentário — Ac. de 11-10-2000 ...........Atestado médico — Ac. de 3-10-2000 .......................................................................Coima — Execução — Caso julgado formal — Prescrição — Ac. de 4-10-2000 .....Contrato-promessa — Depósito do preço convencionado — Ac. de 26-10-2000 .....Depoimento indirecto — Meio de prova — Proibição de valoração — Tráfico de

droga — Traficante consumidor — Concurso de crimes — Ac. de 25-10-2000Escutas telefónicas — Momento de lavrar o auto e de o apresentar ao juiz — Ac. de

25-10-2000 .........................................................................................................Expropriações — Benfeitorias — Ac. de 19-10-2000 ................................................Falsificação de documentos — Constituição da assistente — Legitimidade — Ac. de

10-10-2000 .........................................................................................................

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387 ÍndiceBMJ 500 (2000)

Fundamentação de despacho — Buscas — Ac. de 3-10-2000 ...................................Gravação de prova em tribunal colectivo — Requisitos legais para a sua reapreciação

pelo tribunal da Relação — Ac. de 11-10-2000 .................................................Indeferimento — Diligências de prova — Recurso — Subida — Incidente — Tributa-

ção — Ac. de 25-10-2000 ..................................................................................Intervenção principal — Apresentação de documentos — Custas — Ac. de

12-10-2000 .........................................................................................................Inutilidade da lide — Custas — Ac. de 12-10-2000 ..................................................Lei no tempo — Reclamação de créditos — Ac. de 12-10-2000 ................................Moeda falsa — Contradição insanável na fundamentação — Insuficiência da matéria

de facto — Reenvio — Ac. de 25-10-2000 .........................................................Nomeação de patrono a sociedades comerciais — Ac. de 19-10-2000 .....................Ofensa corporal — Contradição insanável — Vícios da sentença — Nulidade —

Suprimento — Medida da pena — Ac. de 25-10-2000 .......................................Procedimento cautelar — Princípio da instrumentalidade — retransmissão de pro-

grama de televisão — Ac. de 26-10-2000 ..........................................................Prosseguimento do processo penal para conhecimento do pedido cível — Ac. de

2-10-2000 ...........................................................................................................Recurso — Matéria de direito — Vícios da motivação — Manifesta improcedência —

Ac. de 11-10-2000 ..............................................................................................Recurso — Motivação — Rejeição — Falta de conclusões — Ac. de 25-10-2000 .....

II — Relação do Porto:

Acção de divisão de coisa comum — Desistência da instância — Ac. de 12-10-2000Acção de honorários — Tribunal de família — Incompetência material — Ac. de

31-10-2000 .........................................................................................................Acção executiva — Herdeiro — Levantamento da penhora — Ac. de 24-10-2000 ...Acção executiva — Título executivo — Garantia bancária — Ac. de 3-10-2000 .......Acidente de viação — Indemnização — Fundo de Garantia Automóvel — Ac. de

12-10-2000 .........................................................................................................Arrolamento de bens — Inventário para partilha de bens do casal — Ac. de

19-10-2000 .........................................................................................................Audiência de julgamento — Adiamento — Falta de testemunha — Ac. de 18-10-2000Caça — Amnistia — Perda de instrumento do crime — Ac. de 18-10-2000 ............Cheque sem provisão — Elementos da infracção — Acusação manifestamente infun-

dada — Ac. de 25-10-2000 ................................................................................Crime de abuso de liberdade de imprensa — Entrevista — Ac. de 18-10-2000 ........Crime de dano — Coisa alheia — Ac. de 11-10-2000 ..............................................Crime de emissão de cheque sem provisão — Tribunal competente — Ac. de

4-10-2000 ...........................................................................................................Debate instrutório — Arguido — Notificação pessoal — Ac. de 18-10-2000............Direito da personalidade — Direito ao repouso — Ac. de 16-10-2000 ....................Divórcio — Arrolamento — Comunhão geral de bens — Ac. de 9-10-2000 ............Execução — Falência dos executados — Sustação da execução — Ac. de 10-10-2000Falência — Privilégios creditórios — Hipoteca legal — Ac. de 19-10-2000 ............Fixação da competência — Processo pendente — Sucessão de leis no tempo — Ac. de

18-10-2000 .........................................................................................................

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388Índice BMJ 500 (2000)

Jogo de fortuna e azar — Elementos da infracção — Ac. de 18-10-2000 .................Juros moratórios — IRS — Retenção na fonte — Ac. de 12-10-2000 .......................Prescrição presuntiva — Alegação do pagamento — Ac. de 30-10-2000 .................Processo penal — Órgão de polícia criminal — Proibição de prova — Ac. de

11-10-2000 .........................................................................................................Propriedade horizontal — Participação nas despesas — Ac. de 17-10-2000 ...........Recurso subordinado — Prazo para a alegação — Ac. de 19-10-2000 ...................Registo predial — Registo da acção — Ac. de 25-10-2000 .......................................Restituição provisória de posse — Caminho público — Transferência de dominiali-

dade — Ac. de 9-10-2000 ..................................................................................Segurança Social — De morte do beneficiário — Cônjuge de facto — Aplicação re-

troactiva — Ac. de 3-10-2000 ...........................................................................Serviço telefónico — Prescrição presuntiva — Ac. de 25-10-2000 ...........................Sociedade comercial — Cheque — Ac. de 30-10-2000 .............................................Vinho verde — Contrafacção de selo — Assistente — Ac. de 18-10-2000 ...............

III — Relação de Coimbra:

Acidente de trabalho — Pedido de exame por junta médica — Requerimento não funda-mentado — Ac. de 12-10-2000 ..........................................................................

Acidente de viação e de trabalho — Sub-rogação da segurança social — Ac. de24-10-2000 .........................................................................................................

Adiamento do julgamento — Caso julgado formal — Conexão entre as alegações e asconclusões do recurso — Ac. de 17-10-2000 ....................................................

Âmbito de aplicação do artigo 340.º do Código de Processo Penal — Ac. de24-10-2000 .........................................................................................................

Compensação de créditos — Depósito bancário — Ac. de 24-10-2000 ....................Crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios, pre-

visto e punido pelo artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro —Responsabilidade da pessoa colectiva — Ac. de 25-10-2000 ............................

Crime de condução sem habilitação legal — Aplicação da pena acessória de proibiçãode conduzir — Ac. de 11-10-2000 .....................................................................

Crime de detenção de arma branca proibida — Ac. de 11-10-2000 .........................Domínio público — Regime de desafectação dos caminhos públicos — Ac. de 3-10-2000Excessos ou abusos injustificáveis de linguagem cometidos em peças processuais —

Responsabilidade do mandatário judicial — Ac. de 25-10-2000 .......................Falência — Prazo de caducidade — Acção de separação/restituição de bens — Ac. de

3-10-2000 ...........................................................................................................Impugnação da matéria de facto — Livre convicção do julgador — Fundamentação

das respostas — Ac. de 24-10-2000 ..................................................................Nulidade do despacho de pronúncia — Ac. de 4-10-2000 ........................................Prova documentada nos autos — Menor grau de exigência de motivação das decisões

de facto — Ac. de 25-10-2000 ...........................................................................Prova testemunhal (apreciação) — Ac. de 11-10-2000 ............................................Recursos convergentes do assistente e do Ministério Público sobre a medida da pena —

Improcedência posterior do recurso do Ministério Público — Doutrina do assenton.º 8/99 — Ac. de 11-10-2000 ...........................................................................

Registo predial — Âmbito da presunção — Posse violenta — Perda da posse —Prevalência da usucapião sobre o registo — Ac. de 31-10-2000 ......................

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389 ÍndiceBMJ 500 (2000)

Salários em atraso — Rescisão do contrato — Abuso de direito — Ac. de 12-10-2000Sociedades anónimas — Renúncia do presidente do conselho de administração —

Ac. de 24-10-2000 ..............................................................................................Sociedades comerciais — Incapacidade de gozo — Garantia dada a terceiro — Ac. de

17-10-2000 .........................................................................................................Suspensão da prescrição do procedimento contra-ordenacional (inaplicabilidade da

regra do artigo 120.º do Código Penal) — Ac. de 25-10-2000 .........................Título executivo — Reconhecimento de dívida por inventário — Ac. de 10-10-2000

IV — Relação de Évora:

Abertura de janelas — Servidão de vistas — Usucapião — Ac. de 12-10-2000 .......Acção cível enxertada em processo penal — Acidente de viação — Veículo furtado —

Seguro obrigatório — Ac. de 10-10-2000 .........................................................Acção cível por acidente de viação — Prescrição — Exercício do direito de queixa —

Ac. de 12-10-2000 ..............................................................................................Acção de restituição de posse — Caducidade — Providência cautelar — Ac. de

24-10-2000 .........................................................................................................Acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual — Causa de pedir —

Dano — Ineptidão da petição — Ac. de 26-10-2000 .........................................Acidente de trabalho e de viação — Não acumulação de indemnizações — Ac. de

10-10-2000 .........................................................................................................Conflito negativo de competência — Acção ordinária não contestada — Ac. de

26-10-2000 .........................................................................................................Conflito negativo de competência — Execução por multa aplicada a interveniente

acidental em processo penal — Ac. de 26-10-2000 ...........................................Crime de propagação de doença contagiosa — Vírus HIV — Ac. de 3-10-2000 ......Despacho de não pronúncia — Descrição dos factos — Ac. de 3-10-2000 ..............Execução especial por alimentos — Medida de adjudicação — Ac. de 12-10-2000Justa causa de despedimento — Perda de confiança — Ac. de 24-10-2000 ..............Pedido de escusa em processo penal — Ac. de 3-10-2000 ........................................Proibição de conduzir veículos motorizados — Acusação — Suspensão da exe-

cução — Ac. de 10-10-2000 ..............................................................................Salários em atraso — Rescisão do contrato pelo trabalhador com alegação de justa

causa — Prova da recepção da carta de rescisão — Ac. de 24-10-2000 ..........Servidão de passagem — Direito de tapagem — Ac. de 12-10-2000 ........................

V — Tribunal Central Administrativo:

I — Secção do Contencioso Administrativo:

Acção para reconhecimento de direito — Natureza do meio — Nulidade de sentençapor ausência de fundamentação e omissão de pronúncia — Ac. de 12-10-2000

Acto administrativo — Vício de forma por falta de fundamentação — Ac. de 26-10-2000Acto de processamento de abonos e vencimentos — Ac. de 19-10-2000 ...................Aposentação/jubilação — Magistrados do Ministério Público — Pensão unificada —

Ac. de 26-10-2000 ..............................................................................................

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390Índice BMJ 500 (2000)

Competência simultânea — Competência disciplinar — Prescrição — Controlojurisdicional sobre a gravidade da pena — Ac. de 26-10-2000 ........................

Contrato administrativo — Acto administrativo destacável e recorrível — Ac. de12-10-2000 .........................................................................................................

Falsos tarefeiros — A omissão de juros de mora no acto de processamento, de ven-cimentos — A fundamentação do acto tácito — Dever de indemnizar — Ac. de12-10-2000 .........................................................................................................

Pedido de suspensão de eficácia juntamente com petição de recurso — Tempestivi-dade — Ac. de 26-10-2000 ................................................................................

Reclamação para conferência — Inconstitucionalidade do artigo 15.º da Lei de Pro-cesso nos Tribunais Administrativos — Poderes do relator — Fiscalização abs-tracta da constitucionalidade — Ac. de 12-10-2000 ..........................................

Reversão de vencimento de exercício — Ac. de 12-10-2000 .....................................

II — Secção do Contencioso Tributário:

Acto de liquidação — Falta de notificação — Oposição à execução — Ac. de24-10-2000 .........................................................................................................

Artigos 57.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e80.º do Código de Processo Tributário — Vício de fundamentação — Ac. de3-10-2000 ...........................................................................................................

Artigo 64.º do CIVA — Direito ao crédito do imposto — Prazo para o seu pedido dereconhecimento — Ac. de 10-10-2000 ...............................................................

Embargos de terceiro — Cônjuge do devedor — IVA — Qualidade de terceiro —Ac. de 10-10-2000..............................................................................................

Impugnação judicial — Taxas — Reclamação prévia — Princípio da proporção —Má fé — Ac. de 31-10-2000 ...............................................................................

Interpretação da petição inicial quanto ao acto impugnado — Ajudas de custo —Ac. de 24-10-2000..............................................................................................

IRC — Encargos de férias — Regime transitório — Ac. de 3-10-2000 .....................Títulos de dívida — Ac. de 17-10-2000 .....................................................................

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391 ÍndiceBMJ 500 (2000)

BOLETIM DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

DirectorProcurador-Geral da República

ProprietárioMinistério da Justiça

RedacçãoProcuradoria-Geral da RepúblicaRua da Escola Politécnica, 140

1269-103 LISBOA

EditorGabinete de Documentação e Direito Comparado

da Procuradoria-Geral da RepúblicaRua do Vale de Pereiro, 2

1269-113 LISBOATelefone 21 382 0300

Assinatura e distribuiçãoInstituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça

Rua do Vale de Pereiro, 21269-113 LISBOA

Condições de assinatura anualPortugal e PALOP 26 000$00Estrangeiro 37 500$00

Composição em processo informáticoGabinete de Documentação e Direito Comparado

RevisãoJoaquim Melo

ImpressãoRainho & Neves, L.da

Depósito legaln.º 3602/83

Tiragem5500 exemplares

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N.º 500 — NOVEMBRO — 2000

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JURISPRUDÊNCIA

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5 Jurisprudência fixadaBMJ 500 (2000)

Contumácia

No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penalde 1987 a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição doprocedimento criminal.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAssento de 19 de Outubro de 2000Processo n.º 87/2000 — 3.ª Secção

ACORDAM no plenário das secções crimi-nais do Supremo Tribunal de Justiça:

O Ex.mo Magistrado do Ministério Públicojunto do Tribunal da Relação de Lisboa veio in-terpor recurso extraordinário para fixação de ju-risprudência, nos termos do artigo 437.º, n.os 1 e2, do Código de Processo Penal, do acórdão pro-ferido por tal Tribunal da Relação em 17 de De-zembro de 1999, processo n.º 4805/99, 3.ª Secção,com os seguintes fundamentos:

— No acórdão de que agora se recorre, deci-diu-se que, no domínio das vigências do CódigoPenal de 1982 (versão original) e do Código deProcesso Penal de 1987, a declaração de contu-mácia suspende a prescrição do procedimentocriminal;

— Sobre a mesma questão de direito, no âm-bito da mesma legislação, foi proferido em 14 deOutubro de 1999, no recurso n.º 4445/99, da9.ª Secção da mesma Relação, acórdão em que seconsagra solução oposta, isto é, que a declaraçãode contumácia não suspende a prescrição do pro-cedimento criminal;

— Tais acórdãos decidiram a mesma questãode direito assentando em soluções opostas e nodomínio da mesma legislação, tendo ambos tran-sitado em julgado.

Na opinião do Ex.mo Magistrado requerente,deverá fixar-se a seguinte jurisprudência: «Nodomínio da vigência do Código Penal de 1982 edo Código de Processo Penal de 1987 a declara-ção de contumácia não constituía causa de sus-pensão da prescrição do procedimento criminal.»

Na vista que teve dos autos, nos termos don.º 1 do artigo 440.º do Código de ProcessoPenal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu

douto parecer no sentido de existir oposição dejulgados e de o recurso ser admissível.

Por acórdão de fls. 24 e 25 foram julgadosverificados a oposição de julgados e todos ospressupostos do recurso, nomeadamente a alegadaoposição de julgados, e, em consequência, foiordenado o prosseguimento do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 442.ºdo Código de Processo Penal, apenas o Ex.mo Ma-gistrado do Ministério Público apresentou ale-gações em que doutamente se defende que oconflito de jurisprudência deve resolver-se da se-guinte maneira: «No domínio da vigência do Có-digo Penal de 1982 e do Código de Processo Penalde 1987 a declaração de contumácia não consti-tui causa de suspensão de prescrição do procedi-mento criminal.»

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Da exposição acima feita é manifesto que osdois acórdãos em conflito, ambos transitados,pronunciaram-se em sentido contrário ao apre-ciarem o mesmo ponto de direito, no domínio damesma legislação e relativamente a factos idênti-cos, pelo que se confirma existir a oposição a quese refere o artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código deProcesso Penal.

Para fundamentar o seu ponto de vista, es-creveu-se no acórdão recorrido, a certo passo:«É que o referido n.º 1 do artigo 119.º do CódigoPenal de 1982, versão original, tem a seguinteredacção: ‘A prescrição do procedimento crimi-nal suspende-se, para além dos casos especial-mente previstos na lei, durante o tempo em que:a) O procedimento criminal não possa legal-mente iniciar-se ou não possa continuar por faltade uma autorização legal.’ Ora, a declaração decontumácia constitui um verdadeiro impedi-

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6Jurisprudência fixada BMJ 500 (2000)

mento legal, que obsta ao prosseguimento do pro-cesso (e, portanto, do procedimento criminal)até à apresentação ou à detenção do arguido (ar-tigo 336.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Pe-nal de 1987). Tal como, por exemplo, há umimpedimento legal de julgar o Presidente da Re-pública antes de findo o mandato por crimes es-tranhos ao exercício das suas funções (artigo 133.º,n.º 4, da Constituição), há um impedimento legalde julgar um arguido a que não foi possível noti-ficar pessoalmente o despacho que designa diapara julgamento. No primeiro caso há uma faltade autorização legal em virtude das funções dapessoa, no segundo caso há uma falta de autori-zação legal em virtude da ausência da pessoa.Sem a declaração de contumácia, portanto, o pro-cedimento criminal não pode continuar por faltade uma autorização legal, falta essa que resultada ausência do arguido no processo e que caducaapenas no momento em que este se apresentarou for detido.»

Por sua vez, o acórdão fundamento baseia-senas seguintes razões para justificar o seu pontode vista:

«Cremos, porém, que não tem razão o dignorecorrente. É, sem dúvida, verdadeira a primeirapremissa em que assenta o seu raciocínio: o ar-tigo 119.º [do Código Penal de 1982] não contémum numerus clausus de causas de suspensão daprescrição. Simplesmente, respeitando tal nor-ma à ‘suspensão da prescrição’, a remissão feitano n.º 1 para os ‘casos especialmente previstosna lei’ só pode referir-se aos casos em que deter-minado preceito legal atribua expressamente adeterminado facto eficácia suspensiva da pres-crição. Assim, só poderia aceitar-se que a remis-são é para os casos de suspensão de processo se:

a) As expressões ‘suspensão do processo’e ‘suspensão da prescrição’ fossem sinó-nimos, o que não é verdade — casos há desuspensão da prescrição que se não ligama qualquer paragem/suspensão do pro-cesso [veja-se o caso paradigmático daalínea b) do n.º 1 do artigo 119.º]; ou

b) Houvesse uma indicação do legislador, ouse tivesse ao menos de concluir, face aosprincípios gerais, no sentido de que todae qualquer suspensão do processo im-

plica necessariamente a suspensão daprescrição.

Ora, se é certo que o instituto da suspensãoda prescrição, para além do mais, ‘radica na ideiasegundo a qual a produção de determinados even-tos, que excluem a possibilidade de o procedi-mento se iniciar a ou continuar, deve impedir odecurso do prazo da prescrição’ (Figueiredo Dias,Direito Penal Português, As ConsequênciasJurídicas do Crime, pág. 711), já parece não po-der afirmar-se, peremptoriamente, que qualquersuspensão da instância deve originar a suspen-são da prescrição pelo correspondente tempo: é,do ponto de vista teórico, perfeitamente admis-sível que algumas causas de suspensão do pro-cesso não tenham eficácia suspensiva da pres-crição. E, assim, cabe ao legislador optar por erigirem causa de suspensão da prescrição toda e qual-quer suspensão do processo ou escolher casuis-ticamente quais os casos de suspensão do pro-cesso que devem relevar para esse efeito. E averdade é que não encontramos no Código Penalde 1982 qualquer indício de que o legislador fez aprimeira opção. O argumento histórico leva-nosaté a concluir que essa opção foi deliberadamenterejeitada.»

Posto isto, vejamos quais as normas jurídicasem causa.

Dispõe o artigo 119.º do Código Penal de 1982,aprovado pelo Decreto-lei n.º 400/82, de 23 deSetembro, no seu n.º 1, o seguinte:

«A prescrição do procedimento criminal sus-pende-se, para além dos casos especialmenteprevistos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não possa le-galmente iniciar-se ou não possa conti-nuar por falta de uma autorização legal oude uma sentença prévia a proferir por tri-bunal não penal, ou por efeito da devolu-ção de uma questão prejudicial para o juízonão penal;

b) O procedimento criminal esteja pen-dente, a partir da notificação do despa-cho de pronúncia ou equivalente, salvono caso de processo de ausentes;

c) O delinquente cumpra no estrangeiro umapena ou uma medida de segurança priva-tiva da liberdade.»

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7 Jurisprudência fixadaBMJ 500 (2000)

Este artigo corresponde ao 110.º do projectodo Código Penal, parte geral, segundo o qual«a prescrição suspende-se durante o tempo emque:

1.º — O procedimento criminal não pôde ini-ciar-se ou continuar por falta de uma autorizaçãolegal ou de uma sentença prévia a proferir portribunal não penal, por efeito da devolução deuma questão prejudicial para um juízo não pe-nal, bem como em todos os casos em que a sus-pensão do processo penal é imposta por umadisposição especial da lei;

2.º — O processo penal se desenvolve, a par-tir da notificação do despacho de pronúncia e atéà sentença final e seu trânsito em julgado, salvono caso do processo de ausentes;

3.º — O delinquente cumpre uma pena noestrangeiro.» (Boletim do Ministério da Jus-tiça, n.º 127, pág. 127.)

Por sua vez, dispõe o artigo 336.º, n.º 1, doCódigo do Processo Penal aprovado pelo De-creto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro:

«A declaração de contumácia é da competên-cia do presidente e implica a suspensão dos ter-mos ulteriores do processo até à apresentaçãoou à detenção do arguido, sem prejuízo da rea-lização de actos urgentes nos termos do artigo320.º»

E acrescenta o n.º 3 que «a declaração de con-tumácia caduca logo que o arguido se apresentarou for detido, sem prejuízo do disposto no nú-mero anterior».

Como se sabe, o instituto da suspensão daprescrição foi uma novidade introduzida peloartigo 119.º do Código Penal de 1982 no direitopenal português — veja-se Figueiredo Dias,§ 1150, pág. 711, do Direito Penal Português —Parte Geral — As Consequências Jurídicas doCrime.

Por sua vez, o instituto da contumácia apa-rece pela primeira vez na lei processual penal,em substituição do processo de ausentes, noCódigo de Processo Penal de 1987 e com umaregulamentação totalmente distinta da apresen-tada por este processo (ver artigos 335.º e se-guintes do Código de Processo Penal de 1987 eartigos 562.º e seguintes do Código de ProcessoPenal de 1929).

Ora, toda a divergência a que os autos se refe-rem, resulta do uso da expressão «implica a sus-pensão dos termos ulteriores do processo» e aausência de alteração no artigo 119.º do CódigoPenal de 1982 em consequência da introdução doinstituto de contumácia.

Como diz Figueiredo Dias, na ob. cit., § 1151,pág. 712, «assim, também aqui aquela alínea [b)do artigo 119.º] deveria estatuir que é causa desuspensão da prescrição a pendência do proce-dimento [...] bem como, em vez da referênciaultrapassada ao processo de ausentes, deveria aprescrição ficar suspensa enquanto vigorar a de-claração de contumácia».

No seguimento deste ponto de vista, aquandoda revisão do Código Penal de 1982, foi propos-ta uma alteração ao n.º 2 do artigo 119.º, segundoa qual «no caso previsto na alínea b) do númeroanterior a suspensão não pode ultrapassar trêsanos, salvo se o arguido tiver sido declarado con-tumaz antes de ter expirado aquele prazo».

Na discussão da proposta, o Sr. Procurador--Geral da República emitiu parecer no sentido deque a «contumácia, por exemplo, não deveria in-terromper, mas sim suspender, pois o que severifica é a paralisação do processo devido aoarguido» e, «se a contumácia funciona tambémcomo causa autónoma da suspensão, então émelhor prevê-la no n.º 1».

Acabou a Comissão por entender «ser de pro-ceder às seguintes alterações no artigo 119.º, dadoo novo enquadramento dado à questão:

— A alínea c) passa a ter a seguinte redacção:«vigorar a declaração de contumácia»;

— No n.º 2 é eliminada a referência à contu-mácia (veja-se Código Penal — Actas e Projectoda Comissão Revisora, Ministério da Justiça,1993, págs. 106 a 109).

Solução que veio a ser consagrada no CódigoPenal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15de Março, na alínea c) do artigo 120.º

Como resulta do conteúdo das actas, nenhummembro da Comissão Revisora entendeu que asituação de contumácia poderia ser abrangida nossegmentos «o procedimento criminal não possalegalmente iniciar-se ou não possa continuar porfalta de uma autorização legal», ou nos «casosespecialmente previstos na lei» usados no trans-crito artigo 119.º Mas também parece resultar

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8Jurisprudência fixada BMJ 500 (2000)

claro que foi entendimento da Comissão que,dado o seu regime legal, a contumácia deveria serconsiderada como causa da suspensão do proce-dimento criminal.

Ainda recentemente, este Supremo Tribunalse pronunciou sobre esta questão no processon.º 1169/98, 3.ª Secção, onde se defendeu que adeclaração de contumácia, ao abrigo do dispostono Código de Processo Penal de 1987, tem efei-tos suspensivos do procedimento criminal, poisse trata de «um dos casos especialmente previstona lei» a que se refere o artigo 119.º, n.º 1, doCódigo Penal de 1982, afirmando na sua funda-mentação: «Aliás, se, por força da alínea a) don.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, aprescrição do procedimento criminal ‘suspen-de-se durante o tempo em que o procedimentocriminal não possa legalmente iniciar-se ou nãopossa continuar por falta de uma autorizaçãolegal’, cremos que não poderia deixar de suspen-der-se quando a própria lei manda suspender ostermos do processo, por se tratar de impedi-mento legal ao exercício do procedimento crimi-nal e ‘se o legislador considerou necessárioconsagrar expressamente no Código Penal de1995 a declaração de contumácia como causa desuspensão da prescrição do procedimento crimi-nal [artigo 120.º, n.º 1, alínea c)], tal deve expli-car-se não pelo propósito de preencher umalacuna da regulamentação e sim como conse-quência da atribuição à contumácia do efeitointerruptivo da prescrição no artigo 121.º, n.º 1,alínea c), donde a necessidade de fazer referênciaexpressa no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), à decla-ração de contumácia como causa de suspensãoda prescrição’ (Colectânea de Jurisprudência —Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII,tomo I, pág. 175).

Relativamente ao acórdão de 27 de Abril de2000, processo n.º 31/2000, 5.ª Secção, citadonas muito doutas alegações do Ex.mo Procurador--Geral Adjunto, dir-se-á que o mesmo teve emvista a interrupção da prescrição e não a suspen-são da mesma. Trata-se, pois, de situações dis-tintas.

Feita esta resenha, impõe-se agora determinarqual a solução a adoptar.

Princípio legal que todo o jurista tem que res-peitar ao proceder à interpretação de uma norma

jurídica é o consagrado no artigo 9.º do CódigoCivil.

Ao preceituar-se no n.º 1 do artigo 119.º «paraalém dos casos especialmente previstos na lei»não se pode deixar de considerar abrangidos queraqueles casos que de momento já se encontremprevistos em leis, quer aqueles que, de futuro,venham a ser consagrados em diplomas legais.Na verdade, nada impede que, desde logo, se pre-veja a possibilidade de, em normas avulsas ounão, se venha a consagrar situações que determi-nem a suspensão da prescrição do procedimentocriminal. É como que um dar aqui como reprodu-zido o estabelecido nas tais normas futuras.

Dizendo o artigo 336.º do Código de ProcessoPenal que a declaração de contumácia implica asuspensão dos termos ulteriores do processo atéa apresentação do arguido, só poderá querer tertido em vista aquela suspensão relacionada coma prescrição do procedimento criminal. O efeitovisado coincide com o previsto no artigo 119.º,n.º 3: desde o momento de declaração de contu-mácia até àquele em que caduca — n.º 3 do artigo336.º — a prescrição não corre.

De outra maneira, acabava-se por vir a prote-ger o arguido que, mais lesto, fugira à alçada dajustiça.

Não nos parece que o elemento histórico, nassuas vertentes, justifique o ponto de vista defen-dido no acórdão fundamento.

O facto de ser desconhecido, à data da entradaem vigor do Código Penal de 1982, o instituto dacontumácia, não justifica a afirmação de que on.º 1 do artigo 119.º não se podia referir aomesmo. A expressão usada «casos especial-mente previstos na lei» não se quer referir a de-nominações, mas a situações, a certos conteú-dos. É isto que interessa e não o nome que se lhesaplica. Para efeitos iguais, tem que haver solu-ções idênticas.

Justificando a introdução do normativo da alí-nea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de1995, diz Maia Gonçalves que ela resulta «deadaptação a soluções perfilhadas pelo Código deProcesso Penal» — Código de Processo PenalAnotado, 9.ª ed., 1996, pág. 499.

Parece-nos, assim, que a solução, em abs-tracto, defendida pelo acórdão recorrido não é decensurar.

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9 Jurisprudência fixadaBMJ 500 (2000)

Nestes termos, acorda o plenário das secçõescriminais em:

a) Confirmar, ainda que com diferente funda-mentação, o acórdão recorrido;

b) Fixar a jurisprudência no seguinte sentido:

«No domínio da vigência do Código Penal de1982 e do Código de Processo Penal de 1987 adeclaração de contumácia constituía causa de sus-pensão da prescrição do procedimento criminal.»

Sem tributação.Cumpra-se o disposto no artigo 444.º do Có-

digo de Processo Penal.

Lisboa, 19 de Outubro de 2000.

Luís Flores Ribeiro (Relator) — BernardoGuimarães Fisher de Sá Nogueira — VirgílioAntónio da Fonseca Oliveira — José DamiãoMariano Pereira — António Gomes LourençoMartins — Norberto José Araújo de Brito Câ-mara — Emanuel Leonardo Dias — ArmandoAcácio Gomes Leandro — Manuel de OliveiraLeal-Henriques — Hugo Afonso dos SantosLopes — Álvaro José Guimarães Dias — Dio-nísio Manuel Dinis Alves — José António Car-mona da Mota (vencido, pelas razões da decla-ração de voto anexa) — António Luís SequeiraOliveira Guimarães (no sentido da posição doEx.mo Conselheiro Carmona da Mota) — AntónioPereira Madeira (vencido, pelas razões doEx.mo Conselheiro Carmona da Mota) — Ma-nuel José Carrilho de Simas Santos — SebastiãoDuarte Vasconcelos da Costa Pereira (vencido,nos termos da declaração do Ex.mo ConselheiroCarmona da Mota) — António Correia de Abran-ches Martins.

Declaração de voto:

1. A análise crítica com que, na Revista deLegislação e de Jurisprudência, Eduardo Cor-reia fustigou o processo de ausentes regulado noCódigo Processo Penal de 1929 (sobretudo namedida em que ditava, depois de verificada aausência do arguido, o prosseguimento do pro-cesso à sua revelia — cfr. artigos 570.º e seguin-tes) conduziu a que o novo Código de Processo

Penal de 1982 viesse a optar, na impossibilidadede notificação ao arguido do despacho designativode dia para audiência ou de execução da sua de-tenção ou prisão preventiva, pela «suspensão dostermos ulteriores do processo até à apresentaçãoou detenção do arguido» (artigo 335.º, n.º 3).

2. Tal «suspensão» (dos termos processuaisulteriores) não prejudicava, porém, nem «a reali-zação de actos urgentes» (artigo 335.º, n.º 3) nem,tão-pouco, as diligências processuais que tives-sem em vista a apresentação ou a detenção doarguido em ordem, exactamente, à caducidade dadeclaração de contumácia e à activação dos «ter-mos ulteriores do processo»:

A detenção, que é uma das formas de se pôrtermo à situação de contumácia, pode ser de-terminada para aplicação de uma medida decoacção.

(Relação do Porto, 26 de Abril de 1995, Bole-tim do Ministério da Justiça, n.º 446, pág. 349.)

É admissível a emissão de mandados de cap-tura para detenção de arguido contumaz, comvista à notificação do despacho que recebeu aacusação, mesmo que o arguido esteja acusadode crime que não admita prisão preventiva.

(Relação do Porto, 20 de Novembro de 1996,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 461, pág. 517.)

É admissível a emissão de mandados decomparência ou de detenção contra arguido de-clarado contumaz com o objectivo de lhe sernotificado o despacho de «pronúncia».

(Relação do Porto, 20 de Novembro de 1996,Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo V,pág. 239. Relação do Porto, 8 de Janeiro de 1997,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 467, pág. 617.Relação do Porto, 14 de Maio de 1997, Boletimdo Ministério da Justiça, n.º 467, pág. 627. Re-lação do Porto, 11 de Junho de 1997, Boletim doMinistério da Justiça, n.º 467, pág. 475.)

Durante a situação de contumácia do ar-guido — e apesar da concomitante «suspensãodos ulteriores termos do processo» —, não sópoderá como deverá diligenciar-se — oficiosa-mente ou a requerimento dos interessados (Mi-nistério Público e assistente) — pela localizaçãodo arguido (e, sendo caso disso, pela sua deten-ção, captura e extradição), com vista à abrevia-

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10Jurisprudência fixada BMJ 500 (2000)

ção dessa situação, à apresentação ou detençãodo ausente, à caducidade da declaração de con-tumácia e, enfim, à realização — já na presençado arguido — dos «termos ulteriores do pro-cesso» (1).

(Relação de Lisboa, 22 de Maio de 1997, Bo-letim do Ministério da Justiça, n.º 463, pág. 635.Colectânea de Jurisprudência, ano XXII, tomo III,pág. 136.)

3. O Código Penal de 1982 — publicado navigência do Código de Processo Penal de 1929 —escusou-se, no âmbito do processo especial deausentes, a inventariar qualquer factor de sus-pensão do prazo prescricional do procedimentocriminal (artigo 119.º) e indicou, como único fac-tor interruptivo desse prazo, a «marcação do diapara o julgamento no processo de ausentes» [ar-tigo 120.º, n.º 1, alínea d)].

4. O artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de1982, em matéria de suspensão de prescrição doprocedimento criminal, salvaguardou, é certo, «oscasos especialmente previstos na lei» e, espe-cialmente, «o tempo em que o procedimentocriminal não pudesse legalmente iniciar-se oucontinuar por falta de uma autorização legal»(n.º 1).

5. Mas, ao referir-se às situações em que «oprocedimento criminal não pudesse legalmentecontinuar por falta de uma autorização legal»,não visaria, concerteza (pois que em 1982), a«suspensão dos ulteriores termos do processo»que o Código de Processo Penal de 1987 só viriaa fazer operar (a partir de 1988) relativamente,no novo processo penal, em caso de «contumá-cia» do arguido.

6. De qualquer modo, a «falta de uma autori-zação legal» (ou, melhor, de uma autorizaçãolegalmente exigida) visaria paradigmaticamente,as situações de imunidade penal do Presidente

da República, dos deputados e dos membros dogoverno:

A iniciativa do processo (por crimes pratica-dos pelo Presidente da República no exercíciodas suas funções) cabe à Assembleia da Repú-blica — artigo 133.º, n.º 2, da Constituição, re-vista pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 deSetembro.

Movido procedimento criminal contra algumdeputado e indiciado este definitivamente pordespacho de pronúncia ou equivalente, salvo nocaso de crime punível com pena maior, a Assem-bleia decidirá se o deputado deve ou não sersuspenso, para efeito de seguimento do pro-cesso — artigo 160.º, n.º 3.

Movido procedimento criminal contra ummembro do governo e indiciado este definitiva-mente por despacho de pronúncia ou equiva-lente, salvo no caso de crime punível com penamaior, a Assembleia decidirá se o membro dogoverno deve ou não ser suspenso, para efeito deseguimento do processo — artigo 199.º

7. E se era esse o sentido da lei ao aludir ao«tempo em que o procedimento criminal nãopudesse legalmente iniciar-se ou continuar porfalta de uma autorização legal», não creio que osentido e alcance dessa «autorização legal» — nopressuposto de que o legislador soube exprimiro seu pensamento em termos adequados e de queo intérprete não poderá ser considerado pelo in-térprete o pensamento legislativo que não tenhana letra um mínimo de correspondência verbal(artigo 9.º, n.os 2 e 3, do Código Civil) — com-preendessem (ou compreendam) os casos de sus-pensão do processo penal entre a constatação daausência do arguido e a sua apresentação ou de-tenção.

8. E tanto assim não era (nem será) que oDecreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, ao ajus-tar (com uma tardança de quase oito anos) (2) o

(1) O Código de Processo Penal revisto determina agora,no artigo 337.º, n.º 1, que «a declaração de contumácia im-plica para o arguido a passagem imediata de mandado de de-tenção para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior»..«Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito atermo de identidade e residência».)

(2) «Os processos prescrevem [...] também e principal-mente, porque foi cometido um grande erro legislativo entre1988 e 1995, com transformações estruturais nas leis penais,em que não foram acauteladas as figuras da interrupção/sus-pensão da prescrição, que constavam da legislação revogada.Eis em poucas palavras o que aconteceu: a interrupção/sus-pensão da prescrição estava contemplada no Código Penal,

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11 Jurisprudência fixadaBMJ 500 (2000)

Código Penal de 1982 ao Código de ProcessoPenal de 1987, fez questão em introduzir, comofactor de suspensão, a par dos «casos especial-mente previstos na lei» (artigo 120.º, n.º 1) e do«tempo em que o procedimento criminal nãopu-desse legalmente iniciar-se ou continuar porfalta de autorização legal» [artigo 120.º, n.º 1,alínea a)], «o tempo em que vigorar a declaraçãode contumácia» [artigo 120.º, n.º 1, alínea c)].

9. Aliás, têm fracassado, a nível do SupremoTribunal de Justiça e do Tribunal Constitu-cional, as sucessivas tentativas jurisprudenciais— antes da reforma de 1995 — de ajustamentosubstantivo do Código Penal de 1982, por inter-pretação «actualista», às novidades adjectivasdo Código de Processo Penal de 1987:

Instaurado processo criminal na vigência doCódigo de Processo Penal de 1987 por crimespraticados antes de 10 de Outubro de 1995 econstituído o agente como arguido posterior-mente a esta data, tal facto não tem eficáciainterruptiva da prescrição do procedimento poraplicação do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alí-nea a), do Código Penal aprovado pelo Decreto--Lei n.º 48/95, de 15 de Março.

(9 de Julho de 1998, acórdão/assento n.º 1/ 98,votado por unanimidade. Diário da República,I Série-A, de 29 de Julho de 1998. Boletim doMinistério de Justiça, n.º 479, pág. 87.)

Na vigência do Código Penal de 1982, redac-ção original, a notificação para as primeirasdeclarações ou para comparência ou interro-gatório do agente, como arguido, no inquérito,sendo o acto determinado ou praticado pelo Mi-nistério Público, não interrompe a prescrição

do procedimento criminal ao abrigo do dispostono artigo 120.º, n.º 1, alínea a), daquele diploma.

(12 de Novembro de 1998, acórdão/assenton.º 1/99, votado por unanimidade. Diário daRepública, I Série-A, de 5 de Janeiro de 1999.Colectânea de Jurisprudência, ano VI, tomo III,pág. 6. Boletim do Ministério de Justiça, n.º 481,pág. 118.)

Seria inconstitucional (artigo 29.º, n.os 1 e 3,da Constituição) o artigo 120.º, n.º 1, alínea a),do Código de Processo Penal interpretado nosentido de que a notificação para as primeirasdeclarações do arguido na fase de inquérito in-terromperia o prazo prescricional.

(Tribunal Constitucional, 7 de Abril de 1999,Boletim do Ministério de Justiça, n.º 486, pág. 51.)

Seria «inconstitucional, por violação dosn.os 1 e 3 do artigo 29.º da lei fundamental, anorma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo120.º da versão originária do Código Penal, nainterpretação segundo a qual a prescrição doprocedimento criminal se interrompe com a no-tificação para as primeiras declarações paracomparência ou interrogatório do agente, comoarguido, na instrução» (3).

(Tribunal Constitucional, acórdão n.º 122/00,23 de Fevereiro de 2000, processo n.º 257/99,2.ª Secção. Diário da República, II Série, n.º 131,de 5 de Junho de 2000.)

10. Creio, por isso, que — pelas mesmasrazões — mereceria igual sorte esta outra tenta-tiva jurisprudencial de minorar os efeitos do tal«escandaloso erro legislativo de 1987» (4).

J. A. Carmona da Mota.

que remetia a sua verificação quando ocorressem alguns actosprevistos do Código de Processo Penal, em Janeiro de 1988entrou em vigor um novo Código de Processo Penal que nãoprevia uma série dos actos interruptivos da prescrição; nãohouve uma alteração simultânea do Código Penal no sentidode se adequarem as suas disposições sobre prescrição ao novoCódigo de Processo Penal e as figuras da interrupção/sus-pensão quase desapareceram porque os actos que as determi-navam desapareceram do novo Código, essa situação durouaté Outubro de 1995 — e durante quase oito anos tal omissãolegislativa foi o pano de fundo do regime legal da prescrição»(Des. Francisco Bruto da Costa, O Independente, 21 de Ja-neiro de 2000).

(3) «Procurando minimizar os efeitos da jurisprudênciaobrigatória [fixada pelo assento do Supremo Tribunal de Jus-tiça n.º 1/99 de 5 de Janeiro], a jurisprudência tem vindo aconsiderar constituir causa interruptiva da prescrição o inter-rogatório judicial do arguido na fase da instrução. É orienta-ção sem qualquer fundamento legal» [Germano Marques daSilva, Direito Penal Português, III, Verbo, 1999, pág. 234,nota (1)].

(4) «Como hoje se sabe, houve um escandaloso errolegislativo em 1987, só corrigido em 1995, e que atinge todosos casos verificados nesses oito anos» (Ministro AntónioSantos Costa, Público, 17 de Janeiro de 2000).

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12 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa deVarzim — Conceito de taxa — Lei habilitante — Precedênciada lei — Taxa – imposto

I — Não é inconstitucional, por violação do disposto no n.º 7 do artigo 115.º daConstituição da República — na versão resultante da Lei Constitucional n.º 1/89, de8 de Julho —, o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipalda Póvoa de Varzim, aprovado em 2 de Maio de 1990 e alterado em 30 de Junho de 1993e em 3 de Maio de 1995.

II — Não são inconstitucionais, por violação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 106.ºe na alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República — na mesma ver-são —, as normas constantes dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do mesmo Regulamento.

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (Plenário)Acórdão n.º 410/2000, de 3 de Outubro de 2000Processo n.º 364/99 — 3.ª Secção

ACORDAM, em plenário, no Tribunal Cons-titucional

I

1. Joaquim da Costa Carvalho, na qualidadede dono e legítimo possuidor de três prédios ur-banos, identificados nos autos, sitos na freguesiae concelho da Póvoa de Varzim, submeteu a apre-ciação e aprovação da respectiva Câmara Muni-cipal um projecto de construção de um edifíciocom rés-do-chão e três andares, destinado a ha-bitação, escritórios e comércio, a emergir na áreade implantação daqueles imóveis, após demoli-ção destes, sendo-lhe, em consequência, conce-dido alvará de licença de construção, condicionadaao prévio pagamento de uma taxa especial, refe-rente à área total dos pisos, no valor de 671 210$00,de uma taxa especial, respeitante à demolição aefectuar, no valor de 44 640$00, e da taxa muni-cipal de urbanização, no montante de 9 277 000$00,tudo ascendendo a 9 992 850$00.

O interessado recorreu contenciosamente dorespectivo acto administrativo para o TribunalTributário de 1.ª Instância do Porto, defendendoque o mesmo padece de nulidade absoluta, porvícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

Pormenorizando, o acto em causa seria abso-lutamente nulo por violação do disposto no n.º 1do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 deNovembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 250/

94, de 15 de Outubro, na alínea b) do artigo 11.ºda Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, na alínea c) don.º 1 do artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de29 de Março, e no artigo 133.º, n.os 1 e 2, alínea b),do Código do Procedimento Administrativo;seria ainda absolutamente nulo por ser praticadoa coberto de uma norma, a da alínea a) do artigo3.º do Regulamento Municipal da Taxa de Ur-banização, norma ilegal, por violar o dispostonas alíneas a) e b) do artigo 11.º daquela Lei n.º 1/87 e no artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de29 de Novembro, na redacção do Decreto-Lein.º 302/94, de 11 de Dezembro — que seria alte-rado, por ratificação, pelo artigo 1.º da Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto —, e as normas respeitantesao lançamento de impostos, designadamente oartigo 1.º, n.º 1, da citada Lei n.º 1/87, como de-corre do preceituado na alínea c) do n.º 1 do ar-tigo 88.º do Decreto-Lei n.º 100/84 e no artigo133.º, alínea b), do Código do Procedimento Ad-ministrativo; e, finalmente, seria inconstitucional,por violar o disposto no n.º 2 do artigo 106.º e naalínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição daRepública.

O Tribunal Tributário de 1.ª Instância doPorto, por sentença de 25 de Janeiro de 1999(1.º Juízo), julgou a impugnação procedente por-que provada e, em consequência, anulou a liqui-dação das taxas acima identificadas.

No que ora releva, a decisão proferida nãoaplicou o Regulamento da Taxa Municipal de

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13 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

Urbanização da Póvoa de Varzim por o entenderinconstitucional, formal e organicamente, consi-derando, respectivamente, o disposto nos arti-gos 115.º, n.º 7, e 168.º, n.º 1, alínea i), da Cons-tituição da República — no texto oriundo da re-visão constitucional levada a efeito pela Lei Cons-titucional n.º 1/89, de 8 de Julho.

2.1 — O magistrado do Ministério Públicocompetente interpôs recurso para o TribunalConstitucional do assim decidido, ao abrigo dodisposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lein.º 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento(como posteriormente se explicitou) em incons-titucionalidade formal e orgânica, decorrente daviolação dos artigos 115.º, n.º 7, 106.º, n.os 2 e 3,e 168.º, alínea i) — aliás, 168.º, n.º 1, alínea i) —,da lei fundamental, pelas normas constantes dosartigos 1.º, 2.º e 3.º do indicado Regulamento,uma vez que se considerou que, para além de talRegulamento não indicar a respectiva lei habi-litante, a «taxa de urbanização aí estabelecida afavor do município reveste a natureza de im-posto, estando consequentemente subordinadaaos imperativos da «constituição fiscal».

2.2 — Neste Tribunal, apenas alegou a enti-dade recorrente, que formulou as seguintes con-clusões:

«1.º — Constando expressamente do preâm-bulo ou introdução do Regulamento da TaxaMunicipal de Urbanização da Póvoa de Varzimreferência à lei habilitante, surgindo a edição detal Regulamento fundada na alínea a) do n.º 2 doartigo 39.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 deMarço, e na alínea a) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, não ocorre a inconstitucio-nalidade formal de tal regulamento, por falta demenção ou indicação da respectiva lei habilitante.

2.º —   Como se decidiu no acórdão n.º 639/95do plenário deste Tribunal Constitucional, é lí-cito às autarquias locais o estabelecimento e co-brança de taxas de urbanização, como contra-partida da efectiva realização de infra-estruturasurbanísticas que visem facultar aos munícipes anormal utilização das obras por eles realizadas,na sequência de anterior licenciamento.

3.º — Tais receitas — independentemente domodo ‘presumido’ como são calculadas, com baseem indícios estabelecidos em regulamento — têm

natureza e estrutura sinalagmática, não se confi-gurando como ‘impostos’, cujo estabelecimentoestá obviamente vedado às autarquias locais.

4.º — A eventual não realização efectiva epontual pela autarquia da contrapartida ou con-traprestação que decorre do pagamento da refe-rida taxa de urbanização não a transmuta emimposto, apenas facultando ao particular a viada acção de incumprimento ou de restituição dasquantias pagas.

5.º — Termos em que deverá proceder o pre-sente recurso.»

Juntou-se certidão do texto integral do Regu-lamento em causa, tal como foi publicitado norespectivo edital.

Apresentou-se projecto de acórdão que, sub-metido à intervenção do plenário, nos termos doartigo 79.º-A da Lei n.º 28/82, não obteve venci-mento, pelo que ocorreu mudança de relator.

Decidindo.

II

1. O objecto do presente recurso de fiscaliza-ção concreta consiste na apreciação da cons-titucionalidade das normas dos artigos 1.º, 2.º e3.º do Regulamento da Taxa Municipal de Urba-nização da Póvoa de Varzim, na versão em vigorna data da liquidação impugnada, do seguinte teor:

«Artigo 1.º

(Conceito)

Constitui taxa municipal de urbanização, a se-guir designada por taxa de urbanização, a com-pensação devida ao município pela realização deinfra-estruturas urbanísticas na área do concelhoda Póvoa de Varzim.

Artigo 2.º

(Infra-estruturas urbanísticas)

Consideram-se infra-estruturas urbanísticas,para efeitos deste Regulamento:

a) A execução de trabalhos de construção,ampliação ou de reparação da rede viária,nele se compreendendo, em especial, aabertura, alargamento, pavimentação ereparação de vias municipais, caminhosvicinais e arruamentos urbanos;

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14 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

b) A execução de trabalhos de urbanizaçãoinerentes a equipamentos urbanos, taiscomo parques de estacionamento, pas-seios, parques, espaços livres e arboriza-dos e jardins;

c) A construção e reparação de redes de dre-nagem de esgotos domésticos e de colec-tores pluviais, bem como de elementosdepuradores;

d) A construção, ampliação e reparação deredes de abastecimento domiciliário deáguas;

e) A execução de trabalhos de construção eampliação da rede eléctrica, quando osmesmos não sejam da responsabilidadeda EDP, bem como respeitantes à ilumi-nação pública;

f) A recolha e tratamento de lixo;g) Aquisição de terrenos para equipamen-

tos.

Artigo 3.º

(Âmbito de aplicação)

1 — Estão sujeitos à taxa de urbanização, nostermos do presente Regulamento:

a) As obras de construção ou ampliação deedifícios;

b) As obras de reconstrução, quando deter-minem qualquer alteração estrutural doedifício primitivo e que não consista nosimples cumprimento do RegulamentoGeral das Edificações Urbanas e demaislegislação aplicável.

2 — A taxa de urbanização não substitui acobrança de outros encargos de âmbito muni-cipal, sujeitos a regime próprio, designadamenteos referentes a taxas ou tarifas relacionadas comligação à rede de esgotos e a sua conservação bemcomo de outros relativos a reembolsos com aexecução de ramais de água e de saneamento.»

De acordo com estas normas, estão sujeitas àtaxa de urbanização as obras de construção eampliação de edifícios, bem como as de recons-trução, quando determinam qualquer alteraçãoestrutural do edifício primitivo e que não consis-tam no simples incumprimento do RegulamentoGeral das Edificações Urbanas e demais legisla-

ção aplicável. Essa taxa, de montante calculadonos termos do artigo 5.º do Regulamento, é co-brada no momento da emissão do alvará delicença de construção, de acordo com o artigo 7.ºdeste diploma.

Prevê-se a possibilidade do pagamento emprestações do montante da taxa, se este for su-perior a 2 500 000$00 (artigo 8.º), havendo ape-nas lugar a cobrança adicional, se a construçãoexceder a área sobre a qual foi calculada a taxa, nocaso de a construção se fazer em lote tituladopor alvará de loteamento passado há pelo menoscinco anos, tendo-se cobrado, então, taxa de ur-banização (artigo 4.º).

2. A questão de inconstitucionalidade formal

2.1 — Nos termos do n.º 7 do artigo 115.º daConstituição — na versão resultante da revisãoconstitucional de 1989, à qual corresponde hojeo n.º 8 do artigo 112.º —, «os regulamentos de-vem indicar expressamente as leis que visamregulamentar ou que definem a competência sub-jectiva e objectiva para a sua emissão».

A norma constitucional exprime, assim, o prin-cípio da precedência ou da primariedade da lei,que Gomes Canotilho considera um dos instru-mentos utilizados pela Constituição «para res-tringir o amplo grau de liberdade de conformaçãonormativa da Administração, pouco compatívelcom um Estado de direito democrático» (cfr. Di-reito Constitucional e Teoria da Constituição,1.ª ed., Coimbra, 1998, pág. 734).

A exigência de indicação da lei habilitante visanão só disciplinar o uso do poder regulamentar,obrigando o governo e a Administração a contro-larem, em cada caso, se podem ou não emitirdeterminado regulamento, mas também, comoobservam Gomes Canotilho e Vital Moreira, agarantir «a segurança e a transparência jurídicas,sobretudo relevantes à luz da principiologia doEstado de direito democrático» (cfr. Constitui-ção da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed.,Coimbra, 1993, pág. 516).

Este dever de citação deve ser observado portodos os regulamentos, sejam eles emanados dogoverno, dos órgãos de governo próprio das Re-giões Autónomas ou — como é o caso — dosórgãos próprios das autarquias locais, pois de

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15 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

um ou de outro modo todos estão ligados à leique necessariamente precede cada um deles, umavez que inexiste poder regulamentar sem funda-mento em lei anterior (cfr. acórdãos do TribunalConstitucional n.os 184/89 e 110/95, publicados,respectivamente, no Diário da República, I Sé-rie, de 9 de Março de 1989, e II Série, de 21 deAbril de 1995). O papel da lei precedente é quenão é sempre o mesmo, como se observou, porseu lado, no acórdão n.º 76/88, publicado naII Série daquele jornal oficial de 21 de Abril de1988: umas vezes a lei a referir é aquela que odiploma visa regulamentar — é o caso dos regu-lamentos de execução stricto sensu ou dos regu-lamentos complementares —, outras vezes a leia indicar é a que define a competência subjectivae objectiva para a sua emissão (como é o casodos chamados «regulamentos independentes»,onde o poder regulamentar se reveste de maisdilatada margem de conformação).

Colhe-se do exposto que a violação do deverde citação da lei habilitante gera o vício de incons-titucionalidade formal.

A menção do suporte habilitante, convo-cando a lei definidora da competência subjectivae objectiva do regulamento, há-de ocorrer, paraque não se frustre o seu próprio objectivo, nopróprio texto do diploma ou, pelo menos, noentendimento de certa jurisprudência, no editaldestinado a dar publicidade ao regulamento, comose ponderou no acórdão n.º 1140/96, publicadono citado Diário da República, II Série, de 10 deFevereiro de 1997.

2.2 — À luz das considerações expostas podeconcluir-se inexistir o invocado vício de incons-titucionalidade.

Na verdade, o Regulamento da Taxa Munici-pal de Urbanização editado pela Câmara Muni-cipal da Póvoa de Varzim, na sua redacção origi-nária, de 2 de Maio de 1990, contém, no respec-tivo preâmbulo, a menção da lei habilitante: arespectiva Assembleia Municipal editou-o «nostermos da alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º doDecreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, e daalínea a) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87, de 6 deJaneiro» — sendo certo que o padrão de constitu-cionalidade a ter em conta, neste âmbito formal(como no orgânico), há-de ser o da versão daConstituição em vigor à data do diploma.

Entretanto, resulta do disposto na alínea a)do nº 11 da Lei nº 1/87 ser permitido aos municí-pios cobrar taxas pela realização de infra-estru-turas urbanísticas e, bem assim, no artigo 39.º,n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, com-petir às assembleias municipais aprovar postu-ras e regulamentos [e, de acordo com a alínea l)do mesmo preceito, estabelecer, nos termos dalei, taxas municipais e fixar os respectivos quan-titativos].

Foi dada, assim, satisfação à exigência consti-tucional.

Com efeito, não só a menção da legislaçãohabilitante consta do preâmbulo do Regula-mento como a este texto foi dada publicidademediante a afixação de editais, em 13 de Junho de1990, «nos lugares públicos do costume». E sebem que tenham ocorrido alterações pontuais aoseu conteúdo, em 30 de Junho de 1993 e em 3 deMaio de 1995, igualmente objecto de publicaçãoedital, sem aquela menção, o certo é que as refe-ridas alterações integraram-se no texto do Regu-lamento, mantendo-se o teor preambular, ondereside a indicação da normação habilitante.

3. A questão de inconstitucionalidade orgânica

3.1 — As autarquias locais gozam de autono-mia financeira, o que lhes permite, de acordo como regime que a lei ordinária fixar, obter receitaspróprias, como as provenientes da gestão do seupatrimónio e as cobradas pela utilização dos seusserviços (cfr. os n.os 1, 2 e 3 do artigo 240.º dotexto constitucional então em vigor, a que cor-respondem hoje os n.os 1, 2 e 3 do artigo 238.º).

Assim, compete à assembleia municipal, «sobproposta [...] da câmara», estabelecer, «nos ter-mos da lei, taxas municipais e fixar os respecti-vos quantitativos», inserindo-se na competênciados municípios a cobrança de taxas pela realiza-ção de infra-estruturas urbanísticas, como dis-punham a alínea l) do n.º 2 do artigo 39.º docitado Decreto-Lei n.º 100/84, respeitante às atri-buições das autarquias locais e competência dosrespectivos órgãos — diploma hoje substituídopela Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, mas emvigor à data da emissão do Regulamento emapreço — e, bem assim, a alínea a) do artigo 11.ºda Lei n.º 1/87, posteriormente revogada pela Lein.º 42/98, de 6 de Agosto.

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16 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

A essa data, como, aliás, actualmente, nãopodiam as autarquias criar impostos, dado cons-tituir reserva parlamentar a criação destes e adefinição dos seus elementos essenciais [cfr. osartigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da Cons-tituição da República, na versão então vigente].

Deste modo, determinar a natureza da taxa deurbanização em causa prende-se com a subjacentequestão de constitucionalidade orgânica, não cons-tituindo tarefa fácil a delimitação, no plano con-ceptual, de taxa, distinguindo-a de realidade tri-butária diferente, como seja um imposto — dan-do-se aqui por assente que as chamadas cate-gorias de «contribuições» ou tributos especiais,podem, para os concretos efeitos de qualifica-ção jurídico-tributária, equivaler-se a impostos(assim, António Braz Teixeira, Princípios deDireito Fiscal, vol. I, 3.ª ed., Coimbra, 1985,pág. 47).

Essa tarefa, de resto, revela-se tão menos fácilquanto mais se assiste a uma crescente com-plexificação das prestações económicas e dassubjacentes relações sociais, diluentes de con-tornos conceptuais seguros.

Não obstante, no âmbito do artigo 168.º daConstituição da República e face à alínea i) doseu n.º 1, torna-se indispensável essa delimita-ção — sem prejuízo de o regime geral das taxasintegrar a reserva relativa da Assembleia da Re-pública, após a última revisão constitucional,assim se reforçando a interacção parlamentarnessa área, com natural implicação no respectivoprotagonismo político (de qualquer modo, a novamedida da reserva de lei, mesmo que confinadaao nível menos exigente do regime geral, nãoafecta as situações já anteriormente criadas, ape-nas valendo para futuro).

Ora, o Tribunal Constitucional, face aos parâ-metros da reserva de lei anteriores à 4.ª revisãoconstitucional, sempre sustentou o entendimentode nela só terem lugar a criação de impostos e adeterminação da sua incidência, taxas, benefíciosfiscais e garantias dos contribuintes. Citem-se aeste propósito e a título meramente exemplifica-tivo, os acórdãos n.os 205/87, 461/87, 497/89, 268/97 e 504/98, publicados no Diário da República,I Série, de 3 de Julho de 1987 e de 15 de Janeirode 1988, e II Série, de 1 de Fevereiro de 1990, de22 de Maio de 1997 e de 10 de Dezembro de1998, respectivamente.

3.2 — O Tribunal Constitucional, ao distin-guir o imposto da taxa, tem surpreendido unila-teralidade naquele e, nesta, carácter bilateral ousinalagmático (assim, v. g., nos acórdãos n.os 348/86, 76/88, 1140/96 ou 558/98, publicados noDiário da República citado, I Série, de 9 de Ja-neiro de 1987 e de 21 de Abril de 1988, e II Série,de 10 de Fevereiro de 1997 e de 11 de Novembrode 1998, respectivamente).

No entanto, e recorrendo às característicasdoutrinariamente assinaladas na figura da taxa,como sejam a sinalagmaticidade e a correspec-tividade das prestações, também já se observou,no acórdão n.º 1108/96 — publicado no citadojornal oficial, II Série, de 20 de Dezembro de1996 —, não serem estas invocáveis como crité-rios com o mero objectivo de subsunção con-ceptual quando está em causa um juízo de cons-titucionalidade.

De acordo com o então ponderado — queaqui se segue de perto —, independentemente daresposta da doutrina fiscal, o arquétipo do racio-cínio jurídico naquele plano de constituciona-lidade deverá ser, no essencial, uma distinçãofuncional, determinada pelos fundamentos e ob-jectivos constitucionais da reserva de lei.

A subordinação do imposto à reserva de leiexprime (sempre nesse plano) a exigência de umcontrolo democrático que tem a ver com o res-peito da igualdade e da justiça tributárias, aferidasem função da capacidade contributiva de cadacidadão. Já a taxa se insere numa outra lógica,não necessariamente justificada pelo exactocusto da prestação ou do benefício, se bem que«juridicamente estruturada através da sinalagma-ticidade e correspectividade da prestação, tendocomo causa uma prestação de que é beneficiárioo cidadão vinculado ao seu pagamento.

Assim, para a função da taxa pode ser menosrelevante o custo e, por exemplo, mais relevantea contenção da utilização de um serviço — o quesignifica (e a jurisprudência constitucional tem--se comprometido nesse sentido) que o caráctersinalagmático da taxa não exige a correspon-dência do seu montante ao custo do bem ou ser-viço prestado: a bilateralidade que a caracterizamantém-se, mesmo na parte excedente ao custo(cfr., v. g., o acórdão n.º 205/87, publicado noDiário da República, I Série, de 3 de Julho de1987); não é, por si só, de qualificar a taxa como

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imposto, ou de lhe conceder tratamento consti-tucional de imposto, se o respectivo montanteexceder o custo dos bens e serviços prestados aoutente (cfr., v. g., o acórdão n.º 640/95, publicadonaquele jornal oficial, II Série, de 20 de Janeirode 1996).

Já se o valor da taxa for manifestamente des-proporcionado, «completamente alheio ao custodo serviço prestado», então pode duvidar-se se ataxa não há-de ser encarada, de um ponto devista jurídico-constitucional, como verdadeiro im-posto (citado acórdão n.º 640/95), porque dessemodo, e nessa medida, se afectaria a correspec-tividade. Assim, a desproporcionalidade, desvir-tuante da correspectividade, lesaria o critério legi-timante da taxa, enquanto a adequação à capa-cidade contributiva é característica do imposto(cfr. acórdão n.º 1108/96).

Ou seja — e para acompanhar mais uma vezeste último aresto —, «[a] base funcional da dis-tinção entre taxa e imposto não impõe [...] umasinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sina-lagmaticidade construída juridicamente e um sen-tido de correspectividade susceptível de serentendido e aceite como tal pelos cidadãos atin-gidos».

4.1 — Segundo consta da introdução ao Re-gulamento da Taxa Municipal de Urbanizaçãodo concelho da Póvoa de Varzim, a criação dessetributo tornou possível que a construção indivi-dual concorresse, também, para os custos da ur-banização. De outro modo a Câmara, sem recursosque lhe permitissem custear as obras de urbani-zação, não as poderia levar a termo, nomeada-mente tendo em conta uma «intensa pressão deconstrução, sobretudo em zonas situadas forados principais aglomerados».

A melhoria da rede viária e dos transportes,do saneamento, dos equipamentos e arranjos dosespaços públicos exige «que cada nova constru-ção ou cada aumento de área construída em pré-dios existentes comparticipe de forma significativanos encargos gerais de urbanização do concelho».

Nesta linha, diz-nos o artigo 2.º do Regula-mento o que se deve entender, para os seus efei-tos, por infra-estruturas urbanísticas: a) a exe-cução de trabalhos de construção, ampliação oude reparação da rede viária, nela se compreen-dendo, em especial, a abertura, alargamento, pa-

vimentação e reparação de vias municipais, ca-minhos vicinais e arruamentos urbanos; b) a exe-cução de trabalhos de urbanização inerentes aequipamentos urbanos, tais como parques de es-tacionamento, passeios, parques, espaços livrese arborizados e jardins; c) a construção e repara-ção de redes de drenagem de esgotos domésticose de colectores pluviais, bem como de elementosdepuradores; d) a construção, ampliação e repa-ração de redes de abastecimento domiciliário deáguas; e) a execução de trabalhos de construção eampliação da rede eléctrica, quando os mesmosnão sejam da responsabilidade da EDP, bem comorespeitantes à iluminação pública; f) a recolha etratamento de lixo; g) aquisição de terrenos paraequipamentos.

Colhe-se deste enunciado que o serviço pres-tado pela autarquia está conexionado com o pa-gamento do tributo e encerra a ideia de contra-prestação específica. Que assim é, corrobora oartigo 4.º do diploma — «regime especial dosloteamentos» — que não sujeita a essa taxa asobras de construção a realizar nos loteamentosurbanos com infra-estruturas a cargo do loteador,quando a licença tenha sido titulada por alvará deloteamento passado há menos de cinco anos etramitado de acordo com o § único do artigo 5.ºdo mesmo texto (n.º 1 do preceito), ao passoque, no caso de construção sita em lote ondetenha sido cobrada essa taxa e não se encontreesgotado aquele prazo, apenas haverá lugar acobrança adicional se a construção exceder a áreasobre a qual foi a taxa calculada (n.º 2).

Encontram-se, assim, por um lado, espe-cificadas as situações susceptíveis de originarema cobrança da taxa, individualizando-se, inclu-sivamente, as operações em que são percebidaspelos particulares as utilidades inerentes às in-fra-estruturas urbanísticas. São as mesmas ex-pressão da iniciativa autárquica na realizaçãodaquelas infra-estruturas e na execução dos equi-pamentos públicos necessários à utilização co-lectiva dos munícipes.

4.2 — O objectivo da taxa municipal de urba-nização em análise não traduz, por conseguinte,uma mera afectação financeira das receitas pro-venientes da sua cobrança, mas a compensaçãodas despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autar-quia, directa ou indirectamente causadas pelas

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obras sobre que incide esse tributo. Se essas obrasdeterminam a necessidade, actual ou futura, darealização de infra-estruturas urbanísticas, estasconstituem a contraprestação da autarquia, «oserviço prestado pela autarquia conexionado como pagamento da taxa», como refere o acórdãon.º 357/99, publicado no Diário da República,II Série, de 2 de Março de 2000.

Assim sucede quando os particulares retirambenefícios da utilização dos equipamentos pú-blicos disponibilizados pelas autarquias, inseri-dos na actividade pública de prestação de serviçosdestas últimas, sem que, no entanto, seja indis-pensável correspondência económica absolutaentre as prestações do ente público e do utente,nem contemporaneidade entre a cobrança do tri-buto e a fruição da vantagem ou benefício — que,de resto, pode até nem ocorrer.

4.3 — Na verdade, o carácter sinalagmáticodo nexo entre o pagamento desse tributo e a pres-tação da actividade pelo ente público não édescaracterizado se não existir equivalência eco-nómica, bastando, essencialmente, a correspon-dência jurídica. Até porque, como observaAlberto Xavier, do ponto de vista económico sócasualmente se verifica equivalência precisa en-tre prestação e contraprestação, entre o quanti-tativo da taxa e o custo da actividade pública ouo benefício auferido pelo particular (cfr. Manualde Direito Fiscal, Lisboa, 1974, I, págs. 43/44).

Não é que a função perequativa dos benefí-cios e encargos possa ser descurada na taxa, demodo a estabelecer-se a garantia de uma relaçãoproporcionada entre o seu montante, o fim pro-posto e os meios utilizados na realização dacontraprestação [assim se dirá que, contraria-mente aos impostos, a que não correspondemquaisquer contraprestações específicas, as taxassuportam os testes da proporcionalidade relati-vamente a estas: cfr. José Casalta Nabais, Con-tratos Fiscais (Reflexões acerca da Sua Admis-sibilidade), Coimbra, 1994, pág. 238]. Por outrolado, a natureza fundamentalmente colectivainerente à utilização dos equipamentos urbanís-ticos não prejudica a existência de uma contra-prestação directa e específica à prestação do par-ticular, apesar de não ser forçoso que a utilidadeproporcionada pelo serviço utilizado reverta,

exclusivamente, em benefício de quem pagar ataxa. O que se exige — e lhe retira a unilateralidadetípica do imposto — é que ocorram vantagensou utilidades correspectivas, de modo que osmunícipes tenham a possibilidade jurídica de exi-gir a realização, em prazo razoável, das infra--estruturas urbanísticas, para além de poderemutilizar os equipamentos públicos que a autarquiadisponibiliza. Ou seja, como se afirma no acórdãon.º 357/99, já citado, a circunstância de as obrasde infra-estruturas urbanísticas «poderem gerarutilidade para a generalidade da população nãocontende com o facto de elas serem efectuadasno interesse do onerado (cfr. parecer da Procura-doria-Geral da República n.º 59/86, publicado noDiário da República, II Série, de 15 de Abril de1987), que delas retira, ou pode retirar, uma uti-lidade própria (o serviço prestado é, nesta di-mensão, específico e divisível)».

De resto, como escreveu Teixeira Ribeiro, aexigência das taxas está exclusivamente relacio-nada com a utilização dos bens, mas as conve-niências da cobrança fazem com que elas sejamdevidas pela simples possibilidade dessa utiliza-ção (cfr. «Noção jurídica de taxa», Revista de Legis-lação e de Jurisprudência, ano 117.º, pág. 243).

4.4 — A realização de infra-estruturas urba-nísticas ocorre, por via de regra, na fase das ope-rações de loteamento, nomeadamente quando osmunicípios assumem uma função de estímulo àiniciativa de urbanização e de construção (pro-porcionando a abertura de arruamentos, cons-truindo infra-estruturas de abastecimento de águae de saneamento, por exemplo). O que se com-preende: o loteamento urbano constitui um ins-trumento típico de transformação urbanística dosolo, fazendo-se acompanhar, como tal, e nor-malmente, das operações materiais necessárias eimplícitas à iniciativa.

No entanto, o apontado nexo de conexão jus-tificativo da taxa não tem de funcionar sincro-nicamente — designadamente quando, como é oconcreto caso, se está perante uma operação dereconstrução ou ampliação de edifícios, e, comoparece suceder no concelho em causa, a ajuizarpelo pequeno exórdio do Regulamento, quando apressão da iniciativa privada da construção sedepara com as dificuldades financeiras munici-

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pais para custear as respectivas obras de urbani-zação.

Digamos que ainda aqui funciona a lógica deinteracção em que a taxa se insere (e a que oacórdão n.º 1108/96 alude), bastando-se com asinalagmaticidade construída juridicamente, jáanteriormente mencionada.

Não se surpreende, assim, vício de inconsti-tucionalidade orgânica no Regulamento em apreço.

III

Em face do exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional, por violaçãodo disposto no n.º 7 do artigo 115.º daConstituição da República — na versãoresultante da Lei Constitucional n.º 1/89,de 8 de Julho —, o Regulamento da TaxaMunicipal de Urbanização da CâmaraMunicipal da Póvoa de Varzim, apro-vado em 2 de Maio de 1990 e alterado em30 de Junho de 1993 e em 3 de Maio de1995;

b) Não julgar inconstitucional, por violaçãodo disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 106.ºe alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º da Cons-tituição da República — na mesma ver-são —, as normas constantes dos artigos1.º, 2.º e 3.º do mesmo Regulamento;

c) Consequentemente, conceder provimentoao recurso, devendo a sentença recorridaser reformulada em consonância com opresente juízo de constitucionalidade.

Lisboa, 3 de Outubro de 2000.

Alberto Tavares da Costa (Relator) — LuísNunes de Almeida — Maria Fernanda Palma —José de Sousa e Brito — Maria Helena Brito —Artur Maurício — Bravo Serra — MessiasBento [vencido, quanto à alínea b) da decisão,pelos fundamentos da declaração de voto quejunto] — Guilherme da Fonseca (vencido, con-forme declaração de voto do Ex.mo ConselheiroMessias Bento) — Maria dos Prazeres PizarroBeleza [vencida, quanto à alínea b), nos termosda declaração junta] — Vítor Nunes de Almeida[vencido, quanto à alínea b), conforme declara-ção de voto que junto] — Paulo Mota Pinto [ven-

cido, pelas razões constantes da declaração devoto do Ex.mo Conselheiro Messias Bento quantoà alínea b) da decisão] — José Manuel Cardosoda Costa [tenho bastantes dúvidas quanto àverdadeira natureza e consistência da «possibili-dade jurídica» reconhecida pelo precedente acór-dão ao sujeito passivo ou obrigado ao paga-mento da «taxa de urbanização» ora em causa deexigir da correspondente autarquia, especifica-mente, a realização das «respectivas» obras. Eispor que — sem deixar de reconhecer (por essarazão, mas não só por ela) a dificuldade do pro-blema de qualificação jurídica sub judicio, e ad-mitindo mesmo que possa classificar-se a situaçãocomo verdadeiramente de «fronteira» entre a«taxa» e o «imposto» — propendi para soluçãodiferente daquela a que o acórdão chegou].

Declaração de voto:

Votei no sentido de que as normas constantesdos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Regulamento da TaxaMunicipal de Urbanização da Póvoa de Varzimpadecem de inconstitucionalidade orgânica.

As razões deste meu entendimento são as quese seguem:

1. As autarquias locais gozam de autonomiafinanceira, nos termos da lei (cfr. artigo 240.º,n.os 1 e 2, da Constituição, na versão de 1989,correspondente, hoje, ao artigo 238.º, n.os 1 e 2).Dispõem, por isso, de receitas próprias, que com-preendem o produto das taxas cobradas pela uti-lização dos seus serviços (cfr. o n.º 3 do mesmoartigo 240.º). Essas taxas (e os respectivos mon-tantes), no que concerne aos municípios, sãoestabelecidas, nos termos da lei, pela respectivaassembleia municipal [cfr. o artigo 39.º, n.º 2,alínea l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 deMarço (atribuições das autarquias locais ecompetência dos respectivos órgãos), que era odiploma legal em vigor à data da emissão do Regu-lamento aqui em apreciação, mas que foi, entre-tanto, substituído pela Lei n.º 169/99, de 18 deSetembro], sob proposta da câmara municipal[cfr. o artigo 51.º, n.º 3, alínea a), do mesmo de-creto-lei]. Nas taxas municipais inclui-se a taxapor realização de infra-estruturas urbanísticas[cfr. o artigo 11.º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de

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20 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

Janeiro (Lei das Finanças Locais), entretantosubstituída pela Lei n.º 42/98, de 29 de Março] eas taxas pela concessão de licenças de loteamento,de execução de obras particulares, de ocupação davia pública por motivo de obras e de utilização deedifícios [cfr. a alínea b) do mesmo artigo 11.º].

As autarquias locais não podem, porém, criarimpostos, uma vez que a criação destes e a defi-nição dos seus elementos essenciais constituemreserva de lei parlamentar [cfr. os artigos 106.º,n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, naversão de 1989].

Interessa, então, saber se o tributo criado pe-las normas sub iudicio constitui uma taxa ou umimposto ou, pelo menos, se a sua criação consti-tui reserva de lei parlamentar.

Ora, o que distingue a taxa do imposto é ocarácter bilateral daquela e a natureza unilateraldeste: o imposto é, com efeito, toda a «prestaçãopecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácterde sanção, exigida pelo Estado ou por outrosentes públicos» [cfr. José Manuel Cardoso Costa(Curso de Direito Fiscal, Coimbra, 1979, pág. 4);a taxa, essa tem carácter sinalagmático, sendo aprestação, a pagar pelo particular, como contra-partida de uma «actividade do Estado, especial-mente dirigida ao respectivo obrigado» (cfr. ob.cit., pág. 11). «A taxa» — diz Teixeira Ribeiro(Revista de Legislação e de Jurisprudência,ano 117.º, págs. 289 e segs.) — «pode ser alter-nativamente definida ou como a quantia coacti-vamente paga pela utilização individualizada debens semipúblicos, ou como o preço autorita-riamente fixado de tal utilização.»

Quando, como sucede com a licença de cons-trução, a actividade do Estado (ou de outro entepúblico) pela qual se exige ao particular o paga-mento de certa quantia se traduz na remoção deum limite jurídico à actividade dos particulares,só se está perante uma taxa, se essa remoçãopossibilitar «a utilização de um bem semipú-blico»; se a remoção do limite jurídico à activi-dade dos particulares se não traduzir na utilizaçãoindividualizada ou efectiva de um bem semipú-blico, estar-se-á perante um imposto (cfr. TeixeiraRibeiro, Revista, cit., pág. 292); ou, noutro en-tendimento, perante a figura das contribuiçõesespeciais, as quais, quer sejam contribuições demelhoria, quer sejam contribuições para maio-res despesas, devem ser tratadas como os im-

postos, para o efeito de valer para a sua criação aexigência constitucional da reserva de lei parla-mentar [cfr., neste sentido, entre muitos outros,os acórdãos n.os 227/86, 313/92, 558/98 e 1140/96 (publicados no Diário da República, II Série,de 17 de Dezembro de 1986, 18 de Fevereiro de1993, 11 de Novembro de 1998 e 10 de Feve-reiro de 1997, respectivamente)].

Nos dizeres de José Casalta Ribeiro («O qua-dro jurídico das finanças locais em Portugal»,Fisco, n.º 82/83, Setembro/Outubro 97, ano IX,pág. 15), as taxas devidas por licenças «são na-turalmente apenas as devidas por verdadeiraslicenças — actos administrativos que removemum limite ou obstáculo jurídico à actividade dosparticulares — e não as devidas pelas chamadas‘licenças fiscais’. É que estas, tendo por base acolocação de um obstáculo à actividade dos par-ticulares sem qualquer suporte no interesse pú-blico geral e com o único objectivo de possibilitarà Administração, ao removê-lo, cobrar uma receita,configuram-se como verdadeiros impostos.»

2. Pois bem: as normas sub iudicio respeitamà criação de um tributo que não constitui umataxa. Designadamente não constitui a taxa pelarealização de infra-estruturas urbanísticas, queos municípios estavam autorizados, nalgunscasos, a cobrar simultaneamente com a conces-são do alvará de licença de construção, ao abrigodas disposições conjugadas dos artigos 11.º,alínea a), da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, e39.º, n.º 2, alínea l), do Decreto-Lei n.º 100/84, de29 de Março.

Na verdade, a taxa pela realização de infra--estruturas urbanísticas, a que se refere o men-cionado artigo 11.º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6de Janeiro, só a podem os municípios cobrar nomomento em que licenciam obras particulares,se, nessa fase, tiverem, efectivamente, realizadoinfra-estruturas urbanísticas.

É que as infra-estruturas urbanísticas reali-zam-se, normalmente, na fase das operações deloteamento. Por isso, o artigo 32.º, n.os 1 e 3, doDecreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro(licenciamento de operações de loteamento e dasobras de urbanização), sujeita «a realização deinfra-estruturas urbanísticas e a concessão dolicenciamento da operação de loteamento» aopagamento das taxas a que se referem as alí-

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neas a) e b) do citado artigo 11.º; e o artigo 68.º,n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de De-zembro (licenciamento municipal de obras par-ticulares), preceitua que a emissão de alvará delicença de construção (e de utilização) está su-jeita ao pagamento das taxas da alínea b) do mes-mo artigo 11.º (taxa pelo licenciamento de obras,pela ocupação da via pública por motivo de obrase pela utilização de edifícios).

Pode, no entanto, acontecer que as operaçõesde construção, reconstrução ou ampliação deedifícios acompanhem a realização de infra-es-truturas. Se tal suceder, o município, ao licenciaras obras, pode cobrar também a taxa prevista naalínea a) do referido artigo 11.º (ou seja: a taxapela realização de infra-estruturas urbanísticas).

Isto mesmo sublinhou este Tribunal no acórdãon.º 639/95 (tirado em plenário e publicado noDiário da República, II Série, de 19 de Março de1996): depois de dizer que «não está vedada aosmunicípios, sendo caso disso, a cobrança de ta-xas pela realização de infra-estruturas urbanís-ticas no processo de licenciamento de obrasparticulares», acrescentou que «se é certo seremtais infra-estruturas mais correntes e mesmo ne-cessárias nas operações de loteamento», «a ver-dade é que podem também acompanhar asoperações de construção, reconstrução ou am-pliação de edifícios, o que se prende com olicenciamento de obras particulares». E, a seguir,insistiu:

«É o que, no fundo, sustenta o Primeiro-Mi-nistro na sua resposta, quando diz:

— É que do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 20 de Novembro, não resulta qualquerimpossibilidade de os municípios cobrarem ta-xas referidas na alínea a) do artigo 11.º da Lein.º 1/87.

— Na verdade, estamos perante duas situa-ções diferentes, que podem gerar a cobrança dedois tipos de receitas também diferentes: a emis-são da alvará de licença de construção e de utili-zação [alínea b) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87] e arealização de infra-estruturas urbanísticas [alí-nea a) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87].

— Em certas situações, não há lugar a infra--estruturas urbanísticas — logo, não há lugar aopagamento da taxa prevista na alínea a) do artigo11.º da Lei n.º 1/87. Mas se, simultaneamente

com a concessão de alvará de licença de constru-ção, tiver havido realização de infra-estruturasurbanísticas, há lugar à taxa prevista na alínea a)do artigo 11.º da Lei n.º 1/87.

— Por outras palavras: o que o artigo 68.º doDecreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro,proíbe é que pela emissão de alvará de licença deconstrução possa haver lugar à cobrança de outrataxa, que não a prevista na alínea b) do artigo 11.ºda Lei n.º 1/87.

— Mas do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, não resulta nenhumaproibição à cobrança de outra taxa, resultante deoutro facto que não a licença de construção.»

Mais adiante, o aresto em causa, depois deacentuar que o questionado artigo 68.º «não brigacom um primeiro momento de exigência de ta-xas — as previstas na alínea a) do artigo 11.º daLei n.º 1/87 e devidas quando há lugar a elas, faceà tal realização de infra-estruturas», acrescentou:

«Sendo isto assim, é compatível o regime doartigo 68.º do Decreto-Lei n.º 445/91, relativa-mente à emissão de alvarás de licença de cons-trução e de utilização, abrigando-se na alínea b)do artigo 11.º da Lei n.º 1/87, com a faculdade pre-vista na alínea a) do mesmo artigo 11.º, no quetoca à exigência de taxas pela realização de infra--estruturas urbanísticas, se for caso disso.»

A denominada taxa de urbanização, cobradaao abrigo dos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Regulamentoaqui sub iudicio, também não tem qualquer simi-litude com a taxa que a EPAL está autorizada acobrar, ao abrigo de várias portarias, cujaconstitucionalidade foi apreciada por este Tri-bunal no acórdão n.º 1108/96, publicado no Diá-rio da República, II Série, de 20 de Dezembro, ereferido no texto do aresto a que esta declaraçãovai anexa.

Aí, com efeito, estava em causa um adicionalque, sendo cobrado, no concelho de Lisboa, dosconsumidores de água, em função do número demetros cúbicos consumidos por cada um deles,ainda é correspectivo dos encargos originadospelo tratamento e distribuição de água: é que,quem mais água consome mais encargos oca-siona em matéria do seu tratamento e distribuição.

Por isso, cobrar um adicional sobre o preçode cada metro cúbico de água consumida é, no

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fundo, o mesmo que aumentar o preço dessemetro cúbico, em percentagem igual ao adicional.

Significa isto que as normas apreciadas nesseacórdão n.º 1108/96, se alguma similitude têm,não é com as que aqui estão sub iudicio, mas simcom a norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lein.º 423/91, de 30 de Outubro, que prevê que, àtaxa de justiça aplicada a cada condenado em pro-cesso crime, acresça 1%. Também neste últimocaso, o Tribunal entendeu estar-se em presençade uma taxa, justamente por se tratar de umareceita fiscal sem qualquer autonomia em relaçãoà taxa de justiça da condenação, sendo, por isso,um puro adicional ou agravamento dessa mes-ma taxa de justiça [cfr., entre outros, o acórdãon.º 382/94 (publicado no Diário da República,II Série, de 8 de Setembro de 1994)].

Repete-se: a taxa de urbanização, cobrada pelaconcessão do alvará da licença de construção,não constitui uma taxa, pois que lhe falta o ca-rácter sinalagmático. O município, de facto, co-bra a «taxa, mas não assume a obrigação dequalquer contraprestação específica. O dever derealizar infra-estruturas urbanísticas é um devergeral decorrente da lei [cfr., designadamente, oartigo 64.º, n.º 2, alínea f), da Lei n.º 169/99, de 18de Setembro]. O Regulamento aqui em causa nãoo impõe como contrapartida da quantia cobrada.De resto, no caso, nenhuma infra-estrutura urba-nística foi realizada na sequência da construçãodo prédio licenciado. Tal taxa assemelha-se, issosim, ao tributo que o artigo 12.º do Regulamentodo Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lis-boa (aprovado pela Portaria n.º 247/77, de 19 deMaio) previa, para ser pago pelos construtoresque a câmara dispensasse de reservar uma áreaútil de 12,50 m2 por fogo para estacionamento —norma que este Tribunal declarou inconstitucio-nal, com força obrigatória geral, pelo acórdãon.º 236/94 (publicado no Diário da República,I Série-A, de 7 de Maio de 1994). E assemelha--se, bem assim, à «taxa de publicidade» previstapelo artigo 62.º do Regulamento e Tabela de Ta-xas Municipais da Câmara Municipal de Guima-rães (conjugado com o artigo 13.º das obser-vações aos artigos 57.º a 64.º do mesmo Regula-mento), que este Tribunal julgou inconstitucionalno acórdão n.º 558/98, atrás citado.

A construção de um novo prédio vai, decerto,conduzir a uma maior utilização das infra-estru-

turas urbanísticas existentes, mas o pagamentoda taxa de urbanização não constitui o municípiona obrigação de as renovar ou ampliar.

Conclui-se, assim, que as normas constantesdos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Regulamento da TaxaMunicipal de Urbanização da Póvoa de Varzim,na versão aqui sub iudicio, são inconstitucionais,por violação dos artigos 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1,alínea i), da Constituição, na versão de 1989: elascriam, de facto, um tributo que só uma lei parla-mentar ou um decreto-lei parlamentarmente au-torizado podiam ter criado.

3. O Ministério Público, depois de dar comoassente o carácter sinalagmático da taxa de urba-nização em causa, acrescenta que «a eventual nãorealização efectiva e pontual pela autarquia dacontrapartida ou contraprestação que decorre dopagamento da referida taxa de urbanização não atransmuta em imposto, apenas facultando aoparticular a via da acção de incumprimento ourestituição das quantias pagas».

O Ministério Público não tem, porém, razão.De facto, já se viu que a referida taxa de urba-

nização não tem natureza nem estrutura sinalag-mática, pois o respectivo montante não é con-traprestação ou contrapartida de nada. Acresceque, na referida tese, se, acaso, não houvernecessidade de realizar infra-estruturas urbanís-ticas, a cobrança da taxa é um absurdo, pois omunicípio vai cobrar um tributo, cujo montantetem, a seguir, que restituir. E, se houver necessi-dade de realizar essas infra-estruturas, há-de con-vir-se que é irrazoável e excessivo obrigar oparticular a pagar a taxa e impor-lhe o ónus depropor acção de cumprimento para forçar o mu-nicípio a cumprir.

4. O acórdão n.º 357/99 (publicado no Diárioda República, II Série, de 2 de Março de 2000)concluiu igualmente que a taxa municipal de ur-banização cobrada com o alvará de licença deconstrução é uma verdadeira taxa. Para tanto,sublinhou que, determinando as obras de cons-trução, reconstrução ou ampliação de edificações«a necessidade, actual ou futura, de realização deinfra-estruturas urbanísticas», «elas constituem,afinal, a contraprestação da autarquia, o serviçoprestado pela autarquia conexionado com o pa-gamento da taxa». Acrescentou que esse nexo é

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mais nítido, quando se tenham em conta certasdisposições do Regulamento (no caso, do Regu-lamento da Taxa Municipal de Urbanização deAmarante), que procedem a uma «delimitaçãonegativa da incidência da taxa» — delimitaçãoque — diz — «revela, claramente, que o tributovisa corresponder a serviços prestados, ou a pres-tar, pela autarquia, numa conexão directa com asobras realizadas».

O «traço essencial do conceito de taxa», paraeste aresto, não é já — tal como o leio — a natu-reza ou estrutura sinalagmática da relação queintercede entre o serviço prestado pela autarquiae o utente, mas antes (nas palavras de AníbalAlmeida, que o acórdão transcreve) a necessi-dade de «existência de uma conexão concreta entreos serviços ou bens materiais (ou o conjunto euns e outros) em que se venha a traduzir, concre-tamente, cada serviço público pensado em abs-tracto e os utentes a quem ele é prestado, emtodo o caso, a cuja produção tenham dadocausa.»

É esta uma concepção de taxa que, em meuentender, é diferente daquela que este Tribunaltem adoptado e que não vejo razão para aban-donar.

Vale isto por dizer que a argumentação doacórdão n.º 357/99 também não é de molde aabalar a conclusão a que cheguei atrás: a dainconstitucionalidade orgânica das normas aquisub iudicio.

Messias Bento.

Declaração de voto:

Votei vencida quanto à questão da inconstitu-cionalidade orgânica, no essencial, pelas seguin-tes razões:

Não creio que seja possível proceder à apre-ciação da conformidade constitucional das nor-mas que integram o objecto do presente recursoem bloco, ou seja, sem distinguir — e refiro-meagora, apenas, ao artigo 2.º, que é o que aquireleva —, de entre a lista das infra-estruturas,aquelas que podem ser «pagas» através do tri-buto exigido pela Câmara, porque correspondema contraprestações susceptíveis de gerarem a obri-

gação de pagar a taxa correspondente, daquelasque, não revestindo essa característica, são insus-ceptíveis de a criarem.

Ou seja: em meu entender, é impossível qua-lificar como taxa ou como imposto (ou comotributo que, não sendo verdadeiramente im-posto, deva seguir o seu regime constitucional)um pagamento exigido a um destinatário sem ave-riguar o que está esse destinatário obrigado a pa-gar; e se o pagamento se justifica como «contra-partida» de diferentes «contraprestações», há queaveriguar se todas elas revestem efectivamente anatureza de contraprestações dotadas das carac-terísticas que em geral se exigem para que sejaadmissível o seu pagamento através de uma taxa.

Ora, a verdade é que nem todas as infra-estru-turas apresentadas no Regulamento como con-trapartida da «taxa» exigida se apresentam comoa contrapartida de um serviço desenvolvido pelaautarquia que tenha em especial como destinatá-rio o obrigado.

Com efeito, se pode encontrar-se o sinalagmacaracterístico da taxa nas alíneas c), d), primeiraparte da alínea e) e f), já o mesmo se não podedizer das restantes alíneas do artigo 2.º do Regu-lamento; nessa parte, ocorre o vício da incons-titucionalidade orgânica.

Não é questionado, neste recurso, o critériode cálculo da taxa a pagar, definido no artigo 5.ºdo Regulamento, razão pela qual me abstenho deo apreciar — o que até poderia ser relevante paraa qualificação do tributo aqui em análise.

Votaria, pois, pela inconstitucionalidade or-gânica parcial da norma que se extrai do artigo 2.ºdo Regulamento, acolhendo o critério adoptadoem caso semelhante a este pelo acórdão n.º 76/88(Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º,págs. 331 e segs.), mas divergindo, todavia, quantoà impossibilidade de segmentar a norma — im-possibilidade, aliás, que, no referido acórdão, con-duziu a um juízo de inconstitucionalidade emtoda a sua extensão.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Declaração de voto:

Não pude subscrever o acórdão que, no caso,decidiu pela conformidade constitucional da taxade urbanização a que os autos respeitam.

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Com efeito, embora tenha subscrito o acórdãon.º 357/99 (processo n.º 1005/98), considero queas circunstâncias do caso impõem uma soluçãodiferente da alcançada naquele aresto, tal comose concluía no projecto apresentado nestes au-tos pelo relator inicial.

De acordo com os artigos 1.º, 2.º e 3.º do Re-gulamento da Taxa Municipal de Urbanização daPóvoa de Varzim, tal taxa constitui a compensa-ção devida ao referido município pela realizaçãode infra-estruturas urbanísticas na área do res-pectivo concelho, especificando o artigo 2.º oque, nos termos do referido Regulamento, se con-sidera «infra-estrutura urbanística». Nos termosdo mencionado Regulamento, a taxa é devidapelas obras de construção ou ampliação de edifí-cios, pelas obras de reconstrução quando deter-minem qualquer alteração estrutural do edifícioprimitivo, a menos que seja para cumprimentodo Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

Nos autos, estava em questão a qualificaçãoda referida compensação como «taxa» ou como«imposto», para o efeito de saber se a sua cria-ção constitui reserva de lei parlamentar.

Renovando aqui a tradicional distinção entreos dois conceitos, o que os separa é o facto de oimposto ter carácter unilateral e a taxa ter umcarácter bilateral. De facto, o imposto é toda aprestação pecuniária, coactiva e unilateral, exigidapelo Estado ou por outros entes públicos en-quanto a taxa tem carácter sinalagmático, no sen-tido de que se trata de uma prestação a pagarpelo particular como contrapartida pela utiliza-ção individualizada de bens semipúblicos oucomo preço autoritariamente fixado para tal uti-lização.

Assim, se a remoção do limite jurídico à acti-vidade dos particulares se não traduzir na utili-zação individualizada ou efectiva de um bemsemipúblico, tem de se concluir que se está pe-rante um imposto ou uma «contribuição espe-cial» que deve ser tratada como se fosse imposto.

No caso em apreço, a Câmara Municipalcobrou a taxa de urbanização juntamente com ataxa pela execução da obra, pela concessão doalvará de licença de construção, sem que tenhamsido realizadas quaisquer obras de infra-estrutu-ras urbanísticas na sequência da construção doprédio licenciado (como se escrevia no projectoinicial), pelo que a referida compensação não

constitui uma taxa mas sim um verdadeiro im-posto, razão pela qual se violou o princípio dareserva de lei parlamentar exigida para a criaçãode impostos.

O ter votado o acórdão n.º 357/99 assentou naconvicção — porventura menos correcta — deque, no caso, a Câmara Municipal de Amarantetinha, de facto, efectuado obras de infra-estrutu-ras urbanísticas de que beneficiaria especifica-mente o obrigado ao pagamento da «taxa».

De qualquer modo, repensando agora toda aproblemática deste tipo de «compensação», maisme convenço de que no caso das «taxas de infra--estruturas urbanísticas, mais conhecidas portaxas de urbanização, não se trata de verdadeirase próprias taxas, mas antes de «contribuiçõesespeciais», relativamente às quais o Tribunal temexigido o respeito do princípio da legalidade nasua criação, o que torna inconstitucional a suaqualificação como taxa, pois entendo que a exi-gência do pagamento da compensação pela reali-zação de infra-estruturas urbanísticas deve sertratada como se fosse um imposto.

De facto, o que está em causa na estatuição dareferida «taxa de urbanização» é uma utilidadeobtida da actividade pública de interesse geral ouuma maior despesa causada ao município pelanecessidade de fazer face aos maiores encargoscom tal actividade pública. Não existe, assim, emboa verdade, qualquer prestação individual deserviços aos particulares assente em qualquerdever específico do mesmo município que possasubstanciar o facto gerador da «taxa», nada po-dendo o particular exigir à entidade credora da«taxa».

As «contribuições especiais» são tributos quese podem traduzir na obtenção de um benefício(«contribuições de melhoria») ou em encargospor maiores despesas públicas (ou municipais)provocadas pelas construções privadas, isto é,decorrentes do urbanismo e sem que o contri-buinte possa exigir algo em troca.

De facto, as «contribuições de melhoria» pres-supõem uma prévia acção de investimento pú-blico em determinada urbanização, não sendorazoável que apenas alguns beneficiem de tal in-vestimento.

Por outro lado, os «encargos por maiores des-pesas» radicam no facto de as iniciativas priva-das de urbanização, provocando largos réditos

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25 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

para os promotores, dão origem a maiores des-pesas públicas, que acabam por ser suportadaspor todos os membros da comunidade, justifi-cando-se assim a criação de encargos para satis-fazer tais despesas.

Assim, não ignorando que existem diferentesentendimentos doutrinais, parece-me que NunoSá Gomes (cfr. «Alguns aspectos jurídicos eeconómicos controversos da sobretributaçãoimobiliária, no sistema fiscal português», Ciên-cia e Técnica Fiscal, n.º 386, Abril-Junho de1997, págs. 103 e segs.), está mais próximo darealidade quando considera que «a fiscalidade dourbanismo, em sentido amplo, abranja estas duasmodalidades de impostos: as contribuições poraumento de valor decorrente das obras públicas

de urbanização (encargos de mais-valias) e con-tribuições por maiores despesas, decorrentes deiniciativas privadas de urbanização (taxas paraa realização de infra-estruturas urbanísticas).»

Neste entendimento é óbvio que a criação eregulamentação de tal tipo de «taxas» pelas as-sembleias municipais ao arrepio do estabelecidono artigo 103.º da Constituição viola a reserva delei formal bem como o princípio da legalidade etipicidade da criação de impostos.

Assim, votaria a improcedência do recursopor inconstitucionalidade do Regulamento daTaxa Municipal de Urbanização da Póvoa deVarzim.

Vítor Nunes de Almeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 270, de 22 de Novembro de 2000, pág. 18 929.

(G. R.)

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais — Rendas delocação financeira relativas a imóveis — Princípios da igualdadee do Estado de direito democrático

A norma constante do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), do Código do Imposto sobre oRendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 deNovembro, no segmento em que determina a não dedutibilidade, para efeitos de determi-nação do lucro tributável do locatário, das rendas de locação financeira relativas aimóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos, não é inconstitucional, porviolação dos princípios da igualdade e do Estado de direito democrático.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 418/2000, de 10 de Outubro de 2000Processo n.º 114/2000 — 1.ª Secção

ACORDAM na 1.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I

1. No Tribunal Tributário de 1.ª Instância deBraga, Fernando, Macedo & Eugénio, L.da, com

sede no lugar de Monte de Pombal, freguesia deInfias, concelho de Guimarães, deduziu impug-nação judicial contra a liquidação do impostosobre o rendimento das pessoas colectivas refe-rente ao exercício de 1992, na sequência doindeferimento da reclamação graciosa oportuna-mente apresentada (cfr. processo apenso).

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26 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

Alegou, em síntese, que:

— Por escritura pública de 22 de Junho de1990, a impugnante e a sociedade Leasimpor —Companhia de Locação Financeira Imobiliária,S. A., celebraram um contrato de locação finan-ceira, respectivamente como locatária e locadora,tendo como objecto o prédio urbano identificadonos autos, destinado a indústria, situado no lugarde Monte de Pombal, freguesia de Infias, conce-lho de Guimarães (prédio que, na mesma data,havia sido adquirido pela Leasimpor à impug-nante);

— A impugnante passou a usufruir o gozo doreferido prédio e ficou obrigada ao pagamento deretribuições periódicas, tendo pago as rendas acor-dadas no contrato de locação financeira;

— Tendo a impugnante contabilizado comocusto do exercício e deduzido para efeito de de-terminação do lucro tributável o montante dascontribuições periódicas pagas, o Núcleo de Fis-calização de Empresas da Direcção Distrital deFinanças de Braga não aceitou a dedução ao lucrotributável do valor de 2 899 215$00, correspon-dente às rendas pagas em cumprimento do con-trato de locação financeira;

Na perspectiva da recorrente, a liquidaçãoimpugnada «enferma do vício de violação de lei ede errónea qualificação do facto tributário».

2. Na sua resposta, o representante da Fa-zenda Pública remeteu para a fundamentaçãoconstante do despacho impugnado, proferidopela Direcção de Finanças do Distrito de Braga(a fls. 22 e 23 do apenso). Aí se afirmava que,uma vez que o bem locado inclui uma parte edifi-cada e um logradouro, na contabilidade deveriaser evidenciado separadamente o valor do terrenoe o valor da construção, tal como determina oartigo 11.º do Decreto-Lei n.º 2/90, de 12 de Ja-neiro. Não sendo tal explicitação feita pelo con-tribuinte, aplicar-se-ia o regime supletivo, nostermos do qual se considera que o valor do ter-reno a ter em consideração corresponde a 25% dovalor global da aquisição (no caso, 40 000 000$00).Partindo de tal valor, foi efectuada a correcçãodos custos em conformidade com o disposto noartigo 41.º, n.º 1, alínea f), do Código do Impostosobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, peloque a liquidação não é ilegal.

3. Requerida pela impugnante a prova porarbitramento, mediante exame, com base em trêsquesitos que apresentou, foram designados peri-tos, que concluíram no seu laudo:

«À luz dos critérios contabilísticos atrás enun-ciados, e por pesquisa por amostragem efec-tuada à escrita da empresa e respectiva documen-tação de suporte, conclui-se que esta cumpriu opreceituado no Plano Oficial de Contabilidade,bem como o disposto na [...] Directriz Contabilís-tica n.º 10, quanto ao regime transitório de con-tabilização dos contratos de locação financeira,após 1 de Janeiro de 1994, para contratos cele-brados anteriormente a esta data e ainda emvigor.»

4. Por sentença de 13 de Julho de 1999(fls. 58 e segs.), o Tribunal Tributário de 1.ª Ins-tância de Braga julgou a acção procedente, anu-lando a liquidação na parte em que se mostreinfluenciada pela não consideração do valor totaldas rendas.

O Tribunal fundamentou assim a sua decisão:

«A única questão a resolver é a de saber se aimpugnante, em face do disposto no dito artigo41.º, n.º 1, alínea f), podia ter apresentado comocusto do exercício a totalidade do valor das ren-das pagas, ou se, como pretende a Fazenda Pú-blica, não podia deduzir uma parte referente aoterreno.

À época (a sua redacção foi alterada pelo De-creto-Lei n.º 138/92, de 17 de Julho, dela resul-tando então não serem dedutíveis para efeitos dedeterminação do lucro tributável as rendas delocação financeira relativas a imóveis na partecorrespondente à amortização financeira do bemlocado que excedesse a reintegração máxima quepoderia ser praticada caso o bem de que se tra-tasse fosse adquirido directamente, sendo esseexcesso eventualmente deduzido das diferençasocorridas nos exercícios em que a amortizaçãofinanceira fosse inferior àquela reintegração má-xima; foi revogada pelo Decreto-Lei n.º 420/93,de 28 de Dezembro, e tem agora a redacção quelhe deu a Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, eque nada tem a ver com a problemática aqui emcausa), a dita alínea f) dizia, basicamente, nãoserem dedutíveis ao lucro tributário as rendas de

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27 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

locação financeira relativas a imóveis na partecorrespondente ao valor dos terrenos.

Quer esta redacção quer a introduzida pelodito Decreto-Lei n.º 138/92 (esta mais conseguida)mostram a preocupação do legislador em impe-dir o empolamento de custos através do expe-diente da aquisição de imóveis por meio de con-tratos de locação financeira.

[...]No caso dos autos, a impugnante obrigou-se

ao pagamento de rendas no valor de 82 938 800$00,pelo uso de um imóvel vendido à locadora por40 000 000$00, sem obrigação de quaisquer obraspara esta...

Se tivesse adquirido a propriedade do imóvel,a impugnante não podia deduzir senão 5% porano do valor dos edifícios existentes no prédio,segundo o artigo 11.º e código 2020 do grupo I dadivisão I da tabela II do Decreto Regulamentarn.º 2/90, de 12 de Janeiro, ou seja, 20 anos paradeduzir, em princípio, 30 000 000$00, vista aregra 3 daquele artigo 11.º

A aceitar-se a tese da impugnante, só relativa-mente a 1991 podia ela deduzir 13 859 660$00(4 x 3 646 915$00 — renda trimestral das pri-meiras 20 prestações).

Sendo isto assim, e compreendendo-se, em-bora, a preocupação do legislador, não quer dizerque seja sufragável a interpretação meramenteliteral que fazem a administração fiscal e a Fa-zenda Pública do citado preceito.

A locação financeira não é a mesma coisa queum contrato de compra e venda a prazo; nostermos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 171/79,de 6 de Junho, a locadora pode [...] comprar acoisa objecto do contrato. Não se obriga a com-prar, e, seguramente, muitos destes contratos fin-dam sem que a compra tenha lugar.

Por outro lado, as rendas pagas num casocomo o dos autos — em que o contrato temcomo objecto um prédio urbano, naturalmentecom edifícios e logradouro — não são decom-poníveis (visto que as partes o não fizeram) numaparte destinada ao pagamento do uso dos edifí-cios e outra do logradouro; a renda é só uma, erefere-se à unidade predial.

[...]A dita alínea f) releva do pressuposto, não

aceitável, de equiparação da locação financeira auma compra e venda a prazo, só assim se enten-

dendo que se restrinja o direito do locatário, dededução dos encargos com as rendas, de modoidêntico ao aplicável ao adquirente de um imó-vel, no que se refere ao terreno.

Todavia, as rendas de um contrato de locaçãofinanceira são, em princípio, custos comprova-damente indispensáveis para a realização dosproveitos — v. artigo 23.º, n.º 1, alínea d), doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas, onde expressamente se fala emrendas, nada obstando a que o locatário a queesta norma se refere (e que tem o direito de dedu-zir tudo quanto despenda a título de rendas), emcerto momento, adquira a propriedade do lo-cado, tendo, entretanto, obtido deduções quenão conseguiria se tivesse comprado o imóvelaquando da outorga do contrato de arrendamento.

Não quer isto dizer que o Fisco se deva quedarmanietado perante qualquer contrato de locaçãofinanceira, por mais estapafúrdio que ele pareça.

Havendo indícios de negócio simulado sus-ceptível de causar diminuição de receita tributá-ria, deve actuar-se os meios de investigaçãocriminal respectivos, pois pode estar-se em facede um ilícito criminal tipificado no artigo 23.º doRegime Jurídico das Infracções Fiscais nãoAduaneiras.

Em conclusão:

Recusamos a aplicação da norma constanteda alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º do Código doImposto sobre o Rendimento das Pessoas Co-lectivas, por a considerarmos violadora dos prin-cípios do Estado de direito democrático — artigo2.º da lei fundamental — e da igualdade, do ar-tigo 13.º do mesmo diploma, entendido aquele(Estado) como um em que institutos jurídicosdiferenciados como são a compra e venda e ocontrato de locação financeira de imóveis, má-xime quanto à transmissão da propriedade, nãosão equiparados para efeitos fiscais, em termosde ao locador só serem permitidas as deduçõesde custos que não incluam a parte respeitante aoterreno do imóvel não integralmente ocupado comconstruções, como acontece com o proprietário,e o princípio da igualdade como impondo quesituações semelhantes tenham tratamento fiscalsemelhante, sendo o caso das rendas de um con-trato de arrendamento ou de locação financeira,

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na medida em que num caso e noutro não há acerteza de que, findo o contrato, ou em qualquermomento da sua vigência, o locatário adquira apropriedade do locado, devendo, pois, ambos,em função dessa incerteza, ter o mesmo trata-mento, ou seja, o direito de deduzirem fiscalmenteo valor total das rendas.

A impugnante podia, pois, deduzir a totali-dade do valor das rendas, tendo mérito a suapretensão.

Termos em que se julga a impugnação proce-dente, anulando-se a liquidação na parte em quese mostre influenciada pela não consideração dovalor total de rendas acima referido.»

5. O representante do Ministério Públicojunto do Tribunal Tributário de Braga interpôsrecurso desta decisão para o Tribunal Constitucio-nal, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1,alínea a), e 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Lein.º 28/82.

No Tribunal Constitucional, o MinistérioPúblico apresentou as suas alegações, tendo con-cluído:

«1.º — A norma constante do artigo 41.º,n.º 1, alínea f), da redacção originária do Códigodo Imposto sobre o Rendimento das PessoasColectivas, ao estatuir que não são dedutíveiscomo custos do exercício os encargos derivadosde rendas de locação financeira, na parte corres-pondente ao valor dos terrenos — aliás, em conso-nância com a regra afirmada pelo artigo 32.º,n.º 1, alínea b), do mesmo Código, que dispõenão serem aceites como custos as reintegraçõesde imóveis na parte correspondente ao valor dosterrenos —, não viola os princípios da igualdadee do Estado de direito democrático.

2.º — Na verdade, tal solução legislativa — si-tuada em área de conteúdo acentuadamente ‘téc-nico’ e orientado por preocupações de índoleessencialmente ‘economista’ — não pode consi-derar-se absolutamente arbitrária ou discricioná-ria, tendo nomeadamente em conta que, na locaçãofinanceira, o locatário — para além do imediatogozo da coisa — goza de uma expectativa deaquisição da mesma, nos termos do próprio con-trato.

3.º — Termos em que deverá proceder o pre-sente recurso.»

Fernando, Macedo & Eugénio, L.da, nãoalegou.

Cumpre decidir.

II

6. O presente recurso tem por objecto aconstitucionalidade da norma contida no artigo41.º, n.º 1, alínea f), do Código do Imposto sobreo Rendimento das Pessoas Singulares, aprovadopelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novem-bro, que o Tribunal Tributário de Braga julgouinconstitucional e que, nos termos do artigo 204.ºda Constituição da República Portuguesa, se re-cusou a aplicar.

Dispunha o artigo 41.º, n.º 1, alínea f), do Có-digo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Singulares, na sua versão originária:

«Artigo 41.º

(Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)

1 — Não são dedutíveis para efeitos de deter-minação do lucro tributável os seguintes encar-gos, mesmo quando contabilizados como custosou perdas do exercício:

.......................................................................f) As rendas de locação financeira relativas

a imóveis na parte correspondente ao va-lor dos terrenos ou de que não seja aceitereintegração nos termos da alínea b) don.º 1 do artigo 32.º e, bem assim, as rendasde locação financeira de viaturas ligeirasde passageiros e de barcos de recreio e deaviões de turismo na parte em que nãoseja aceite reintegração nos termos da alí-nea f) do n.º 1 do citado artigo;

..................................................................»

Tendo em conta a questão discutida no casodos autos e o segmento do preceito que o juiz serecusou a aplicar, apenas está em causa nesterecurso a primeira parte da norma transcrita, istoé, a norma segundo a qual «não são dedutíveispara efeitos de determinação do lucro tributável,mesmo quando contabilizadas como custos ouperdas do exercício, as rendas de locação finan-ceira relativas a imóveis na parte correspondenteao valor dos terrenos».

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29 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

O tribunal recorrido considerou que estanorma é «violadora dos princípios do Estado dedireito democrático e da igualdade», em razão de,por um lado, equiparar, para efeitos fiscais, ocontrato de compra e venda e o contrato de loca-ção financeira, em matéria de dedução de custos,e de, por outro, impor um tratamento fiscal dife-renciado das rendas correspondentes a um con-trato de arrendamento e das rendas correspon-dentes a um contrato de locação financeira.

7. Ao tempo da liquidação impugnada no pro-cesso que está na origem do presente recurso deconstitucionalidade, e até 1 de Janeiro de 1994,os bens dados em locação financeira eram con-tabilizados no activo imobilizado da sociedadede locação financeira e não no activo imobilizadodo locatário.

Correspondentemente, durante o período deduração do contrato, a amortização e a reintegra-ção fiscal dos bens objecto de locação financeiraeram feitas pela sociedade de locação financeira eas rendas de locação financeira eram aceites comocustos para efeitos de determinação do lucrotributável do locatário (sobre a matéria, cfr.: JoséCarlos Gomes Santos, «Enquadramento fiscal dalocação financeira em Portugal. Algumas notas ecomentários», Ciência e Técnica Fiscal, n.os 319/321, Julho-Setembro 1985, págs. 195 e segs.;Maria Teresa Barbot Veiga de Faria, «Locaçãofinanceira: questões em torno de um novo trata-mento contabilístico e fiscal», Fisco, Dezembro1988, págs. 11 e segs.; M. H. Freitas Pereira,«Regime fiscal das rendas de locação financeirade imóveis e de viaturas ligeiras de passageiros»,Ciência e Técnica Fiscal, n.º 361, Janeiro--Março 1991, págs. 135 e segs.; Rui Pinto Duarte,«15 anos de leis sobre leasing — balanço e pers-pectivas», Fisco, Março-Abril 1994, págs. 3 esegs.; João Fernandes, «O novo tratamento con-tabilístico e fiscal da locação financeira», Fisco,Março-Abril 1994, págs. 15 e seguintes).

Este regime de contabilização dos bens ob-jecto de locação financeira era susceptível de con-duzir a uma situação de não neutralidade fiscal.Por isso, ainda antes de substituir tal regime peloinverso, de integração dos bens objecto de loca-ção financeira no activo do locatário (em vigordesde 1 de Janeiro de 1994), a lei não deixou dedar «alguns passos no sentido de uma disciplina

mais neutral» (cfr. M. H. Freitas Pereira, «Re-gime fiscal das rendas de locação financeira ...»,págs. 139 e segs.), a saber:

— A exclusão da base de cálculo das reinte-grações dos bens dados em locação financeira dopreço convencionado para a transferência da pro-priedade desses bens para o locatário no final docontrato [alínea e) do n.º 1 do artigo 32.º do Có-digo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas e n.º 1 do Decreto Regulamentarn.º 2/90, de 12 de Janeiro];

— A não dedutibilidade para efeitos de deter-minação do lucro tributável de determinados va-lores, os referidos na alínea f) do nº 1 do artigo41.º do Código do Imposto sobre o Rendimentodas Pessoas Colectivas;

— A fixação de um ritmo de reintegrações dosbens dados em locação financeira em termos maispróximos dos que seriam praticados caso os benstivessem sido adquiridos directamente pelo lo-catário (n.º 3 do artigo 14.º do Decreto Regula-mentar n.º 2/90).

A não dedutibilidade, para efeitos de determi-nação do lucro tributável do locatário, dos valo-res referidos na alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas — e, concretamente, das rendasde locação financeira relativas a imóveis na partecorrespondente ao valor dos terrenos — é assimconsiderada uma das medidas destinadas a mino-rar as consequências da não neutralidade fiscaldecorrentes do regime contabilístico e fiscal en-tão em vigor.

A solução consagrada na alínea f) do n.º 1 doartigo 41.º do Código do Imposto sobre o Rendi-mento das Pessoas Colectivas corresponde ànorma incluída na alínea b) do n.º 1 do artigo 32.ºdo mesmo Código, reflectindo a regra da simetriaentre as posições do locatário e do locador noregime fiscal da locação financeira.

Na verdade, o artigo 32.º, n.º 1, alínea b), doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas, na parte que aqui interessa con-siderar, estabelece que «não são aceites comocustos as reintegrações de imóveis na parte cor-respondente ao valor dos terrenos».

Este último preceito encontra a sua justifica-ção na circunstância de os terrenos não estaremsujeitos a deperecimento — ao contrário do que

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30 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

sucede, por exemplo, com os edifícios — e nãopoderem por isso ser reintegrados para efeitosfiscais.

8. Trata-se portanto de verificar se a normaquestionada, inserida no contexto descrito, con-traria os princípios do Estado de direito demo-crático e da igualdade.

8.1 — De acordo com a noção apresentadapor Gomes Canotilho e Vital Moreira (Consti-tuição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed.,Coimbra, pág. 63), «o princípio do Estado dedireito democrático, mais do que constitutivo depreceitos jurídicos, é sobretudo conglobador eintegrador de um amplo conjunto de regras e prin-cípios dispersos pelo texto constitucional, quedensificam a ideia da sujeição do poder a princí-pios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãosliberdade, igualdade e segurança».

Para o que aqui releva, o princípio do Estadode direito democrático abrange, designadamente:o princípio da protecção dos cidadãos contra aprepotência, o arbítrio e a injustiça; o princípioda igualdade; o princípio da confiança.

Ora, como se referiu, a não dedutibilidade,para efeitos de determinação do lucro tributáveldo locatário, das rendas de locação financeirarelativas a imóveis na parte correspondente aovalor dos terrenos, sendo uma das medidas ten-dentes a uma maior neutralidade fiscal no domí-nio da locação financeira, pretende traduzir umaposição de simetria entre as posições do locatá-rio e do locador.

A não dedutibilidade, para efeitos de determi-nação do lucro tributável do locatário, das rendasde locação financeira relativas a imóveis na partecorrespondente ao valor dos terrenos relaciona--se portanto com a regra geral da inadmissibilidadede reintegração de terrenos para efeitos fiscais,consequência legal da circunstância natural donão deperecimento ou desgaste físico dessa cate-goria de bens.

A solução não é assim desprovida de funda-mento material, não se vendo como possa afec-tar, em termos inadmissíveis e desproporcio-nados, quaisquer expectativas dignas de tutelaou lesar o princípio da confiança.

8.2 — Também por esta razão não procede oargumento, que parece constar da sentença re-

corrida, assente na comparação entre, de umlado, a situação fiscal do locatário financeiro (ouo tratamento fiscal das rendas correspondentes aum contrato de locação financeira) e, de outro, asituação fiscal do comprador ou do arrendatário(ou o tratamento fiscal, respectivamente, doscustos relacionados com terrenos ou das rendascorrespondentes a um contrato de arrenda-mento).

Segundo a jurisprudência uniforme e cons-tante do Tribunal Constitucional, o princípio daigualdade reconduz-se a uma proibição de arbí-trio, sendo inadmissíveis quer a diferenciação detratamento sem qualquer justificação razoável,de acordo com critérios objectivos constitucio-nalmente relevantes, quer a identidade de trata-mento para situações manifestamente diferentes.

A caracterização de uma medida legislativacomo inconstitucional, por violação do princí-pio da igualdade, depende, em última análise, daausência de fundamento material suficiente, istoé, da falta de razoabilidade e da falta de coerênciacom o sistema jurídico.

Em contrapartida, as medidas de diferencia-ção hão-de ser materialmente fundadas.

À luz destas considerações, a solução consa-grada pela norma questionada no presente re-curso não se apresenta de todo injustificada nemdesrazoável.

Com efeito, o contrato de locação financeiradistingue-se — quanto ao regime jurídico a quese encontra sujeito, quanto aos direitos e obriga-ções das partes, quanto à natureza jurídica —quer do contrato de compra e venda quer do con-trato de arrendamento (sobre a distinção, portodos, Rui Pinto Duarte, A Locação Financeira,Lisboa, s. d., 1983, págs. 79 e seguintes).

Acrescerá ainda para a justificação do regimeconstante do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), do Có-digo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas que ele traduz uma ponderaçãodo equilíbrio económico-fiscal das partes dentrodo próprio contrato de locação financeira.

De todo o modo, importa sublinhar que, paraefeitos fiscais, mais relevante do que a qualifica-ção jurídico-formal das operações é a considera-ção da respectiva função económica e financeira.Na verdade, e também por essa razão, em certoscasos, «os conceitos jurídico-privados sofremuma reelaboração no direito fiscal» (cfr. José

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31 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

Manuel Cardoso da Costa, Curso de Direito Fis-cal, Coimbra, 2.ª ed., 1972, págs. 117 e seguinte).

Sob este ponto de vista, há que reconhecer,por um lado, que não é desrazoável aproximar osregimes fiscais da compra e venda financiada e dalocação financeira, uma vez que as vantagens eos custos para o comprador são equiparáveis aosdo locatário financeiro (sobre a questão, MichaelMartinek, Moderne Vertragstypen, I: Leasing undFactoring, München, 1991, págs. 75 e segs.).A aproximação justifica-se particularmente emcasos, como o dos autos, do designado lease-back — operação através da qual o proprietáriode um bem procede à sua venda, celebrando si-multaneamente com o comprador um contrato delocação de retoma do mesmo bem —, em que ovendedor-locatário não deixa de ter a posse físicado bem alienado e é afinal materialmente o autên-tico proprietário do bem tomado em locação fi-nanceira. A locação financeira tem então umafunção predominante, se não mesmo exclusiva,de financiamento e a transmissão (meramentejurídica) do bem para o locador financeiro cons-titui a garantia desse financiamento.

Por outro lado, dentro da mesma perspectivade consideração da função económico-financeiradas operações, não é desrazoável a diferenciaçãodos regimes fiscais aplicáveis ao arrendamento eà locação financeira. Na verdade, a renda, no con-trato de arrendamento, corresponde ao preço de-vido pelo uso do bem arrendado, enquanto a rendade locação financeira inclui uma parte que cor-responde à amortização financeira do bem lo-cado e outra parte que diz respeito ao juro e àmargem de locação financeira. Esta circunstânciareflecte-se no valor das rendas correspondentesa um e outro contrato: em condições equiparáveis,as rendas relativas a um contrato de arrenda-mento são tendencialmente de valor mais baixodo que as rendas relativas a um contrato de loca-ção financeira.

9. Não estabelecendo a norma contida na pri-meira parte da alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º do

Código do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas qualquer medida susceptível delesar, em termos inadmissíveis e desproporcio-nados, expectativas dignas de tutela, nem resul-tando de tal norma qualquer diferença de trata-mento que possa considerar-se arbitrária ouinjustificada, conclui-se não existir violação dosprincípios do Estado de direito democrático e daigualdade.

10. A não inconstitucionalidade da normaconstante do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), do Có-digo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas, foi já afirmada por este Tribunalnos acórdãos n.os 321/00 e 358/00 (ainda inéditos).

III

11. Nestes termos, e pelos fundamentos ex-postos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma cons-tante do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), doCódigo do Imposto sobre o Rendimentodas Pessoas Colectivas, aprovado peloDecreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de No-vembro, no segmento em que determina anão dedutibilidade, para efeitos de deter-minação do lucro tributável do locatário,das rendas de locação financeira relativasa imóveis na parte correspondente ao va-lor dos terrenos;

b) Consequentemente, conceder provimentoao recurso, determinando a reforma da de-cisão recorrida de harmonia com o pre-sente juízo sobre a questão de constitu-cionalidade.

Lisboa, 10 de Outubro de 2000.

Maria Helena Brito (Relatora) — Vítor Nunesde Almeida — Artur Maurício — Luís Nunes deAlmeida — José Manuel Cardoso da Costa.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 270, de 22 de Novembro de 2000, pág. 18 934.

(G. R.)

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32 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

Arrendamento urbano — Denúncia do contrato de arrendamentopara habitação do senhorio — Idade do arrendatário

A norma do artigo 107.º, n.º 1, alínea a), do Regime do Arrendamento Urbano,interpretado no sentido de que o senhorio, mesmo que tenha mais de 65 anos de idade,não pode denunciar o contrato de arrendamento para satisfazer a sua necessidade dehabitação, se, no momento em que a denúncia deva produzir efeitos, o arrendatário tiver65 ou mais anos de idade, não consagra uma solução arbitrária, não violando, por isso,o princípio da igualdade.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 420/2000, de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 204/2000 — 3.ª Secção

ACORDAM na 3.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. Maria Margarida Neves Sousa Santos eJosé Manuel da Cruz Sousa Santos interpõem opresente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,do acórdão da Relação de Lisboa de 28 de Outu-bro de 1999.

Este aresto negou provimento ao recurso deapelação que os ora recorrentes tinham inter-posto da sentença que havia julgado improce-dente a acção de despejo por eles proposta contraAdriano Gonçalves, com fundamento na neces-sidade da casa, que lhe arrendaram, para nela es-tabelecerem a sua habitação, pois, sendo emigran-tes, pretendem regressar a Portugal e não têmaqui casa própria ou arrendada.

A acção foi julgada improcedente e a apelaçãonão provida, em virtude de o arrendatário (ditoAdriano Gonçalves) ter mais de 65 anos de idade.

Pretendem os recorrentes que este Tribunalaprecie a constitucionalidade da norma constanteda alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do Regime doArrendamento Urbano, «na interpretação de quea limitação ao direito de denúncia para habitaçãodo senhorio aí contemplada pode ser opostamesmo ao senhorio de idade igual ou superior àdo inquilino».

Os recorrentes concluíram como segue a ale-gação que apresentaram neste Tribunal:

1 — Em caso de conflito de direitos à habita-ção, a lei faz prevalecer a necessidade habitacional

do senhorio face à do inquilino, atribuindo-lhe odireito de denunciar o contrato de arrendamentopara prover essas necessidades.

2 — Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo107.º do Regime do Arrendamento Urbano, essedireito do senhorio tem como limite a circuns-tância de o inquilino ter mais de 65 anos de idade:visou a lei proteger, nesse caso, a parte normal-mente mais fraca no contrato, em atenção à res-pectiva senioridade.

3 — Quando porém o senhorio denunciantetenha ele mesmo idade igual ou superior a 65anos — e sobretudo se tiver idade superior à doinquilino — desaparece a razão de ser daquelalimitação.

4 — O cerne do princípio da igualdade consa-grado no artigo 13.º da Constituição é o de asse-gurar tratamento igual a situações materialmenteiguais e tratamento diferente a situações mate-rialmente diferentes, em função e na medidadessa diferença.

5 — A interpretação sustentada nas instân-cias — de que a limitação ao direito de denúnciapara habitação do senhorio contemplada nanorma da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º doRegime do Arrendamento Urbano aprovado peloDecreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro,pode ser oposta mesmo a senhorio de idade igualou superior à do inquilino — provoca um trata-mento desigual em situações onde está ausente adiferença material que justificou a solução da lei.

6 — Com essa interpretação, a norma emcausa é materialmente inconstitucional.

Termos em que deve ser a mesma norma, naapontada interpretação, ser julgada inconstitu-cional.

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33 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

O recorrido não alegou.

2. Cumpre, então, decidir se a norma cons-tante da alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º doRegime do Arrendamento Urbano (aprovadopelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outu-bro), na interpretação apontada, é ou não incons-titucional.

II — Fundamentos

3. A norma sub iudicio.

O contrato de arrendamento para habitação— único que aqui importa considerar — estásujeito ao princípio da renovação obrigatória eautomática: «renova-se por períodos sucessivos,se nenhuma das partes o tiver denunciado notempo e pela forma convencionados ou designa-dos na lei» — dispunha o artigo 1054.º, n.º 1, doCódigo Civil, revogado, entretanto, pelo artigo3.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 321-B/90,de 15 de Outubro; e, presentemente, o artigo68.º, n.º 2, do Regime do Arrendamento Urbano,dispõe: «a denúncia do contrato pelo senhoriosó é possível nos casos previstos na lei e pelaforma nela estabelecida». Ou seja: o senhorio nãopode denunciar o contrato de arrendamento adnutum.

Com a regra da renovação obrigatória e auto-mática do contrato de arrendamento habitacional— que foi introduzida no nosso ordenamentojurídico pelo Decreto n.º 5 411, de 17 de Abril de1919, mas que deixou de ser obrigatória para to-dos os contratos desse tipo, pois, nos termosdos artigos 98.º a 100.º do citado Regime, as par-tes podem convencionar que o contrato tenhaduração limitada — o que se pretende é conferirestabilidade à posição do locatário: este, findo oprazo convencionado ou supletivamente fixadona lei, pode impor ao senhorio a renovação docontrato, unilateral e discricionariamente.

O senhorio pode, no entanto, também pôrtermo ao contrato por denúncia — para além deo poder fazer cessar por resolução ou caduci-dade (cfr. o artigo 50.º do Regime do Arrenda-mento Urbano).

Um dos casos em que o contrato de arrenda-mento pode ser denunciado pelo senhorio é o deeste ter necessidade da casa para sua habitação

[cfr. a alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do referidoRegime].

O exercício do direito de denúncia do con-trato para habitação do senhorio depende, po-rém, da verificação dos requisitos enumeradosnas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 71.º do refe-rido Regime do Arrendamento Urbano [cfr., so-bre esses requisitos, os acórdãos n.os 151/92 e174/92 (publicados no Diário da República,II Série, de 28 de Julho de 1992 e de 18 de Setem-bro de 1992, respectivamente)]. E mais: tal direitode denúncia não pode ser exercido quando, nomomento em que deva produzir efeitos, ocorraalguma das circunstâncias enumeradas nas alí-neas a) e b) do n.º 1 do artigo 107.º desse mesmoRegime.

Dispõe, na verdade, o n.º 1 deste artigo 107.º,inserido no capítulo II, cuja epígrafe é Das limi-tações ao direito de denúncia:

«1 — O direito de denúncia do contrato dearrendamento, facultado ao senhorio pela alínea a)do n.º 1 do artigo 69.º, não pode ser exercidoquando no momento em que deva produzir efei-tos ocorra alguma das seguintes circunstâncias:

a) Ter o arrendatário 65 ou mais anos deidade ou, independentemente desta, se en-contre na situação de reforma por inva-lidez absoluta, ou, beneficiando de pensãode invalidez, sofra de incapacidade totalpara o trabalho;

b) Manter-se o arrendatário no local arren-dado há 30 ou mais anos, nessa quali-dade.»

Por conseguinte, no que aqui importa, se, nomomento em que a denúncia deve produzir efei-tos, o arrendatário tiver 65 ou mais anos deidade, o senhorio não pode denunciar o contratopara satisfazer a sua necessidade de habitação.E isto é assim (na interpretação do acórdão re-corrido), mesmo que o senhorio tenha, tambémele, mais de 65 anos de idade.

Na verdade, tal aresto, depois de assentar emque o recorrente e o recorrido se encontram emiguais circunstâncias quanto à idade, pois têmambos mais de 65 anos de idade, ponderou oseguinte:

«No caso que nos ocupa, pretendeu o legisla-dor que a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo

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107.º do Regime do Arrendamento Urbano, emcaso de conflito de interesses entre arrendatárioe senhorio e, no que respeita ao direito funda-mental à habitação, proteger, por motivo de hu-manidade, a parte mais fraca que considerou sero inquilino.

Se o legislador, perante tal conflito de interes-ses, quisesse fazer prevalecer os do senhorio,certamente não deixaria de regular expressamen-te o caso, como acontece em França, com a LeiQuilliot (exigia expressamente para o inquilinoidade superior a 70 anos, desde que o locadornão tivesse mais de 60), norma essa reeditada noartigo 15.º, parte III, da Lei de 6 de Julho de 1989(Lei n.º 89-462).

Tendo as limitações impostas ao exercício dodireito de denúncia como justificação a diferenteposição do inquilino e do senhorio, o legisladorordinário acabou por a situação desigual dar tra-tamento desigual.»

Mas, se o senhorio, que requer a denúncia doarrendamento, for emigrante ausente do País há,pelo menos, 10 anos, pretender regressar ou ti-ver regressado ao País há menos de 1 ano, e, naaltura da celebração do contrato, já fosse pro-prietário, comproprietário ou usufrutuário doimóvel, então o inquilino já não lhe pode oportriunfantemente a sua idade, para evitar o des-pejo: nesse caso, o facto de o inquilino ter 65anos ou mais de idade já não opera como limita-ção ao direito de denúncia do contrato para habi-tação do senhorio.

Na verdade, o artigo 108.º do referido Regimeprescreve:

«As limitações previstas no n.º 1 do artigoanterior não subsistem quando o senhorio, sendojá proprietário, comproprietário ou usufrutuáriodo prédio ou parte do prédio à data do seu arren-damento, pretenda regressar ou tenha regressadohá menos de 1 ano ao País, depois de ter estadoemigrado durante, pelo menos, 10 anos.»

Nestes autos, embora o senhorio invoque asua qualidade de emigrante, não há, porém, queconsiderar a situação por último referida. O quetão-só há que decidir é se é inconstitucional anorma constante do artigo 107.º, n.º 1, alínea a),do Regime do Arrendamento Urbano, interpre-tada no sentido de que o senhorio, mesmo que

tenha mais de 65 anos de idade, não pode de-nunciar o contrato de arrendamento para satis-fazer a sua necessidade de habitação, se, no mo-mento em que a denúncia deva produzir efeitos,o arrendatário tiver 65 ou mais anos de idade.

4. A questão de constitucionalidade.

4.1 — Sustentam os recorrentes que a normaaqui sub iudicio é inconstitucional, por violaçãodo princípio da igualdade, uma vez que — di-zem — «provoca um tratamento desigual emsituações onde está ausente a diferença materialque justificou a solução da lei».

Vejamos, então.

4.2 — Como atrás se referiu — apenas com aexcepção dos contratos de duração limitada —, olegislador subtraiu o contrato de arrendamentopara habitação à regra da liberdade contratual esubmeteu-o à da renovação obrigatória e auto-mática. Fê-lo, porque, conhecendo como conhecea falta de casas para habitação, decidiu sacrificarum direito do senhorio — o direito de denunciarlivremente o contrato, que se compreende sejano direito de iniciativa económica privada, sejano direito de propriedade — a favor do direito àhabitação do locatário, ou seja, do direito queeste tem de dispor de uma casa para nela habitar.

É que o direito à habitação, embora seja umdireito cuja realização — uma realização gradual,pois é um direito colocado «sob reserva do pos-sível» —, constitui, essencialmente, tarefa doEstado (cfr. artigo 65.º, n.º 2, da Constituição),funda-se na dignidade da pessoa humana. E, porisso, como há um mínimo incomprimível dessedireito cuja concretização o Estado deve assegu-rar, o legislador, com esse objectivo, impõe res-trições ao proprietário privado, que, desse modo,é chamado a ser solidário com o seu semelhante,em nome, desde logo, da função social da pro-priedade, sobre a qual recai uma verdadeira hipo-teca social, a qual, numa certa visão das coisas,se funda no destino universal dos bens.

Mas, como já se disse, se o senhorio necessi-tar da casa para sua habitação, pode requerer adenúncia do contrato para o termo do respectivoprazo (ou da sua renovação).

Este direito de denúncia do contrato para ha-bitação do senhorio constituía, nas Ordenações,

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um dos fundamentos de despejo imediato [cfr.Pires de Lima e Antunes Varela (Código CivilAnotado, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 1997, pág, 621)].A Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, rein-troduziu no nosso ordenamento jurídico essapossibilidade de o senhorio denunciar o contratopara satisfazer a sua necessidade de habitação(cfr. artigo 69.º). Em 1975, porém, o Decreto-Lein.º 155/75, de 25 de Março, suspendeu todas asacções e execuções de despejo em que estivesseem causa a denúncia do contrato para habitaçãodo senhorio. Tal diploma legal veio, no entanto, aser revogado em 1977 pelo Decreto-Lei n.º 293/97, de 20 de Julho, depois de, já em 1976, oDecreto-Lei n.º 583/76, de 22 de Junho, ter vindopermitir a denúncia do contrato a favor dosretornados, emigrantes e aposentados. Ou seja: apartir de meados de 1948, salvo no pequenointerregno que vai do Decreto-Lei n.º 155/75, de25 de Março, ao Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 deJulho, sempre a lei deu primazia ao direito dehabitação do senhorio sobre o direito de habita-ção (ou similar) do inquilino.

Nos dizeres no citado acórdão n.º 151/92, «éisto coisa que bem se compreende, pois é inteira-mente razoável que o legislador — colocado pe-rante um conflito de direitos: de um lado, o direitoà habitação do senhorio, fundado num direitoreal próprio (um direito de propriedade, decompropriedade ou de usufruto), e por outro,o direito à habitação do inquilino (ou um seudireito similar), fundado num contrato de arren-damento, cujo objecto é, justamente, o imóvelque pertence ao senhorio —, não podendo darsatisfação a ambos os direitos, inteiramente ra-zoável é — dizia-se — que sacrifique o direitodo inquilino ao direito à habitação do senhorio».

Acrescentou-se nesse aresto:

«É inteiramente razoável, porque o senhorioaté pretende exercer o seu direito à habitaçãonum imóvel de que ele próprio é proprietário,comproprietário ou usufrutuário. Tem, assim,‘melhor direito’ do que o inquilino, que pretendecontinuar a satisfazer as suas necessidades dehabitação nesse mesmo imóvel do senhorio.»

No mesmo acórdão, ponderou-se a seguir:

«O sacrifício que o legislador impõe ao direitodo locatário deixa, é certo, inteiramente por sa-

tisfazer as necessidades deste em matéria de ha-bitação. Tal sacrifício é, no entanto, em absoluto,necessário para que o direito do senhorio a teruma habitação própria encontre satisfação.

Com efeito, o direito à habitação do senhorioe o do inquilino, pretendendo concretizar-se nomesmo imóvel, acabam por excluir-se um ao ou-tro: cada um deles só pode satisfazer-se em de-trimento do outro.»

E concluiu o referido aresto:

«A solução legal tem, assim, suficiente cre-dencial constitucional.»

4.3 — Nestes autos, não está, porém, emcausa a constitucionalidade das normas legais quepermitem ao senhorio denunciar o contrato dearrendamento, quando necessite da casa arren-dada para sua habitação — normas que são asdos artigos 69.º a 72.º do Regime do Arrenda-mento Urbano. Tão-pouco se questiona a consti-tucionalidade do artigo 107.º, n.º 1, alínea a), domesmo Regime, enquanto tal normativo consi-dera a idade do inquilino (65 ou mais anos deidade) facto impeditivo da denúncia do contrato.A constitucionalidade desta norma só a questio-nam os recorrentes, enquanto ela permite que oinquilino, com 65 ou mais anos de idade, impeçatal denúncia, apesar de o senhorio ter, tambémele, essa idade.

Recorda-se que os recorrentes sustentam quea norma constante da alínea a) do n.º 1 do citadoartigo 107.º, interpretada como foi no acórdãorecorrido — ou seja: interpretada no sentido deque o inquilino, que tiver 65 ou mais anos deidade, pode impedir a denúncia do contrato dearrendamento pelo senhorio, fundada na neces-sidade da casa para habitação, mesmo que estetenha também 65 ou mais anos de idade —, violao princípio da igualdade.

Esta é também a opinião de J. R. C. PintoFurtado, que, no seu Manual do ArrendamentoUrbano (Coimbra, 1996), escreve a este propó-sito, na pág. 770:

«Outro ponto parece ainda digno de reflexão:é o das idades comparativas de denunciantes einquilinos. Sendo esta limitação fundada numjusto motivo de humanidade, parece que não po-derá ser oposto a denunciante que tenha a mesmaou mais avançada idade. Doutro modo, violar-

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-se-á o princípio constitucional da igualdade doscidadãos perante a lei (artigo 13.º, n.º 1, da Cons-tituição da República Portuguesa): a senectudedo senhorio é tão digna de consideração quanto ado inquilino.»

Será assim ?

Para responder à pergunta, convém recordarque a regra da renovação obrigatória e automáticado contrato de arrendamento (e, assim, a pros-crição da denúncia do contrato ad nutum) encon-tra a sua justificação na necessidade de protegera estabilidade habitacional do inquilino. Ora, essanecessidade assume particular relevo quando oinquilino já tem certa idade (no caso, 65 anos oumais), pois que se lhe torna então mais difícilarranjar outra casa; e, mesmo quando o consiga,ver-se-á, em regra, obrigado a romper com o pas-sado, pois tem que deixar o meio em que viveumuitos anos e onde, por isso, criou raízes e fezamigos, para ir refazer a vida noutro local —num local, onde pode nem sequer conhecer nin-guém e ao qual, por isso, pode sentir as maioresdificuldades a ambientar-se.

Compreende-se assim que o legislador consi-dere a idade do inquilino facto impeditivo da de-núncia do contrato — que o mesmo é dizer que aconsidere causa de exclusão do direito de de-núncia.

Ora, o princípio da igualdade — que, como ésabido, impõe se dê tratamento igual às situa-ções essencialmente iguais e tratamento dife-rente às situações que forem essencialmente di-ferentes — o que recusa é o arbítrio legislativo,as soluções irracionais ou irrazoáveis, por seremcarecidas de fundamento material ou racional ca-paz de as sustentar.

Enfrentando a questão da constitucionalidadeda norma, que dispõe que a idade do inquilinoconstitui obstáculo ao exercício do direito de de-núncia do senhorio, sustenta Jorge Aragão Seiaque ela não viola o princípio da igualdade. Es-creve, a propósito:

«Porquê esse limite?Porque se entende que, quando o inquilino

tem certa idade ou invalidez absoluta ou incapa-cidade total para o trabalho, permitir a denúnciado contrato seria colocá-lo numa situação dedesenraizamento, pois foi naquela casa que criou

raízes, arranjou os amigos, etc., e de dificuldadede arranjar nova habitação e de se adaptar a novoambiente» (cfr. Arrendamento Urbano, Coim-bra, 2000, 5.ª ed., pág. 548).

E, depois de referir que «a única igualdade»entre a situação do senhorio que pretenda de-nunciar o contrato e a do inquilino «será a idadeou a invalidez ou a incapacidade», o mesmo co-mentarista acrescenta que «o inquilino quandoarrenda casa está confiante na renovação do ar-rendamento, não está nos seus planos de vidaarranjar outra residência», ao passo que o senho-rio, «quando concedeu o gozo da casa, já sabia deantemão que não a poderia ir habitar, por tercriado com o inquilino uma relação duradoura, con-forme estipula o artigo 1054.º do Código Civil».

É certo que o senhorio, que pretende denun-ciar o contrato, por ter necessidade da casa parasua habitação, se tiver 65 anos de idade ou mais,encontra-se, no que concerne à idade e à necessi-dade da casa, em situação idêntica à do inquilinoque já tenha atingido aquela idade. Simples-mente, a mudança de vida que, nessa idade, im-porta uma mudança de casa é algo que ele podesuportar sem dificuldades de maior, pois é elepróprio a tomar a iniciativa da mudança. Já oinquilino, esse, vê-se forçado a mudar os hábitose rotinas de vida, que foi criando pelo facto deviver muitos anos no mesmo sítio, e, bem assim,a afastar-se dos amigos que aí fez. Por isso, amudança de vida, sendo-lhe imposta, pode levá-loa sentir-se completamente perdido e desen-raizado, representando, assim, uma violênciaatentatória do respeito que lhe é devido enquantopessoa.

Há-de convir-se que estas razões justificamque o legislador — colocado perante um conflitode direitos: de um lado, o direito à habitação dosenhorio, e do outro, o direito à habitação doinquilino, pretendendo ambos concretizar-se so-bre o mesmo imóvel — resolva esse conflito afavor do inquilino, pois que ele se apresenta emsituação mais carecida do amparo da lei.

4.4 — Em conclusão:

A norma aqui sub iudicio — ou seja, a doartigo 107.º, n.º 1, alínea a), do Regime do Arren-damento Urbano, interpretado no sentido de queo senhorio, mesmo que tenha mais de 65 anos de

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idade, não pode denunciar o contrato de arren-damento para satisfazer a sua necessidade dehabitação, se, no momento em que a denúnciadeva produzir efeitos, o arrendatário tiver 65 oumais anos de idade — não consagra uma soluçãoarbitrária. Tal solução é, sim, razoável: ela tem,como se viu, suficiente fundamento racional.

Tal norma não viola, por isso, o princípio daigualdade.

III — Decisão

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Negar provimento ao recurso; e, em con-sequência, confirmar o acórdão recorridoquanto ao julgamento da questão deconstitucionalidade;

b) Condenar os recorrentes nas custas, com15 UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Messias Bento (Relator) — Alberto Tavaresda Costa — José de Sousa e Brito — Maria dosPrazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos dadeclaração junta) — Luís Nunes de Almeida.

Declaração de voto:

Votei vencida porque considero que a normaque constitui o objecto do presente recurso, con-tida na alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do Re-gime do Arrendamento Urbano, interpretada nosentido de que a limitação ao direito de denúnciapara habitação do senhorio aí contemplada podeser oposta mesmo ao senhorio de idade igual ousuperior à do inquilino, é inconstitucional porofensa do princípio da igualdade.

Em meu entender, as considerações expendidasno acórdão sobre o princípio da igualdade — que,basicamente, reconduz à ideia de que se há-de dartratamento igual às situações essencialmenteiguais e tratamento diferente às situações que fo-rem essencialmente diferentes, bem como a lógica

que determinou o julgamento contido no acórdãon.º 151/92, nele citado [«é inteiramente razoávelque o legislador — colocado perante um conflitode direitos: de um lado, o direito à habitação dosenhorio, fundado num direito real próprio (umdireito de propriedade, de compropriedade ou deusufruto), e, por outro lado, o direito à habitaçãodo inquilino (ou um seu direito similar), fundadonum contrato de arrendamento, cujo objecto é,justamente, o imóvel que pertence ao senhorio —,não podendo dar satisfação a ambos os direitos,inteiramente razoável é — dizia-se — que sacri-fique o direito do inquilino ao direito à habitaçãodo senhorio»] deveriam ter conduzido a um juízode inconstitucionalidade.

Afigura-se-me irrelevante, no contexto dosdireitos em jogo, a diferença considerada no acór-dão como suficiente para legitimar, do ponto devista do princípio da igualdade, a prevalência dointeresse do inquilino: o facto de o senhorio tertomado a iniciativa da mudança; e não é jus-tificada a afirmação, feita a final, de que é o in-quilino que se apresenta em situação maiscarecida do amparo da lei. No confronto de si-tuações iguais quanto ao ponto essencial em ques-tão — ambos necessitam da casa para viver,ambos têm 65 anos ou mais —, não creio que acircunstância de o senhorio ter tomado a inicia-tiva da mudança deva levar a desconsiderar oseu direito de propriedade, que, pelas razõesapontadas no referido acórdão n.º 151/92, deviaprevalecer.

Note-se, a terminar, que haverá seguramentesituações em que o mesmo conflito se pode de-senrolar sem que se possa afirmar, sequer, que osenhorio tomou a iniciativa de mudar. Pense-se,por exemplo, nas hipóteses de ele próprio serarrendatário e cessar o correspondente arrenda-mento sem que se possa considerar que criouintencionalmente as condições para poder exer-cer o direito de denúncia (o contrato foi resol-vido ou denunciado, a casa ardeu, etc.).

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 270, de 22 de Novembro de 2000, pág. 18 937.

(G. R.)

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Processo criminal — Intervenção do juiz — Imparcialidade —Independência

Não é inconstitucional a norma constante do artigo 40.º do Código de ProcessoPenal, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto, quando inter-pretada no sentido de permitir a intervenção no julgamento do juiz que, findo o primeirointerrogatório judicial do arguido detido, determinou a respectiva libertação, medianteadopção de medidas de coacção não privativas da liberdade, medidas de coacção queposteriormente manteve no momento em que recebeu a acusação e marcou o dia para ojulgamento.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 423/2000, de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 357/99 — 3.ª Secção

ACORDAM na 3.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. A ora recorrente Ana Paula Gonçalves foipresente ao Tribunal Judicial da Comarca deMirandela para que se procedesse ao respectivointerrogatório judicial, uma vez que havia sidodetida em flagrante delito, tendo sido na alturasujeita às seguintes medidas de coacção:

a) Termo de identidade e residência;b) Prestação de caução no montante de

750 000$00, no prazo de 10 dias;c) Obrigação de se apresentar semanal-

mente no posto da PSP de Mirandela aosábado;

d) Não se ausentar para o estrangeiro nemse ausentar da cidade de Mirandela.

O referido interrogatório judicial foi presi-dido pelo Dr. José Alberto Vaz Carreto, juiz da-quele Tribunal, que proferiu então o despachode fls. 111 e seguintes.

2. Posteriormente, já após a designação dadata para o julgamento, veio a arguida requerer adeclaração de impedimento daquele juiz para in-tervir no julgamento por, enquanto juiz de ins-trução criminal, ter procedido ao seu primeirointerrogatório judicial e lhe ter aplicado as medi-das de coacção referidas supra, estando por isso

impedido de participar na fase de julgamento porlhe serem aplicáveis as razões que levaram aodecretamento da inconstitucionalidade, comforça obrigatória geral, duma dada interpretaçãodo artigo 40.º do Código de Processo Penal.

3. O requerido veio contudo a ser indeferidocom base nas seguintes razões:

«Fomos nós, como juiz da comarca de Miran-dela e como tal investidos de funções de juiz deinstrução, que procedemos ao primeiro interro-gatório da arguida e lhe aplicámos as medidas decoacção, mas nenhuma delas foi a prisão preven-tiva, por havermos considerado, como da deci-são consta, que havia razões que a tal obstavam.

Como impedimentos elenca a lei os do artigo39.º do Código de Processo Penal, que a arguidanão invoca, e o artigo 40.º do Código de ProcessoPenal, nos termos do qual está impedido de pro-ceder ao julgamento o juiz que tiver presidido aodebate instrutório.

Face à decisão do Tribunal Constitucional— acórdão n.º 186/98 (Diário da República 20de Março de 1998) — com força obrigatória ge-ral, está também impedido de proceder ao julga-mento o juiz que, na fase de inquérito, decretou eposteriormente manteve a prisão preventiva doarguido.

É apenas este o alcance da decisão do Tribu-nal Constitucional.

Haverá razões para impedir a intervenção nojulgamento de um juiz que, tendo ouvido o ar-guido em primeiro interrogatório, todavia, não

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39 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

decretou a prisão preventiva, nem a manteve pos-teriormente? Ou seja, deverá o artigo 4.º do Có-digo de Processo Penal, interpretado à luz doartigo 32.º, n.º 5, da Constituição, impedir qual-quer juiz que intervenha na fase de inquérito deintervir no julgamento?

Face ao nosso sistema legal, cremos que não.E no caso em apreço, cremos que mais se jus-

tifica a ausência do impedimento. Na verdadea apresentação do arguido detido ao juiz paraprimeiro interrogatório visa a defesa do arguido —dar-lhe face aos elementos do processo ocasiãopara se defender e assegurar a sua liberdade. Apre-sentada detida, a arguida foi ouvida e solta.

Creio, face aos termos legais e à decisão doTribunal Constitucional, inexistir o impedi-mento suscitado.

Pelo exposto, indefiro a declaração de impe-dimento e, consequentemente, não me declaroimpedido para proceder ao julgamento da ar-guida nestes autos.»

4. Inconformada com o assim decidido, a ar-guida recorreu para o Tribunal da Relação doPorto, tendo concluído as alegações que apre-sentou nesse Tribunal nos seguintes termos:

«1.ª — O Sr. Dr. José Alberto Vaz Carreto,actualmente a desempenhar funções como juizde círculo de Mirandela e ao qual cabe a presi-dência do julgamento a realizar oportunamente,procedeu ao primeiro interrogatório da ora re-corrente, quando a mesma lhe foi apresentadasob detenção;

2.ª — Conforme resulta do despacho exaradoa fls. 111 e seguintes dos autos, esse Sr. Magis-trado Judicial concluiu por ser adequada e pro-porcional a aplicação, a ambos os arguidos (umdos quais já faleceu), da medida de prisão pre-ventiva, só não tendo chegado a fazê-lo pelasrazões que depois referiu no mesmo despacho;

3.ª — Todavia, para além de se ter determi-nado a suspensão da execução da prisão pre-ventiva imposta ao arguido Júlio (entretantofalecido), sujeitou a ora recorrente, cumulativa-mente, a quatro medidas de coacção, entre asquais avultam uma pesada caução, a obrigação deapresentação semanal (ao sábado) no posto daPSP de Mirandela e a obrigação de não se ausen-tar dessa cidade, nem para o estrangeiro;

4.ª — O que bem demonstra, afinal, ter esseSr. Magistrado Judicial ficado desde logo comuma fortíssima convicção quanto à culpabili-dade dos arguidos e à gravidade das respectivascondutas, convicção essa que não deixou de sereflectir nas medidas de coacção por ele impos-tas à ora recorrente;

5.ª — Acresce que foi esse mesmo Sr. Magis-trado Judicial que, através do despacho exaradoa fls. 273 dos autos, recebeu a acusação e, alémdo mais, manteve o estatuto coactivo da ora re-corrente, reiterando expressamente o juízo que(já) tem quanto à gravidade da conduta imputadaa esta última e, implicitamente, quanto à culpa-bilidade da mesma pela respectiva prática, por-quanto determinou que ela fosse especialmenteadvertida das consequências da violação dos de-veres impostos;

6.ª — A nossa lei fundamental — e bem as-sim o artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeiados Direitos do Homem, aprovada pela Lein.º 6578, de 13 de Outubro — garante a todos osarguidos que hajam de ser submetidos a julga-mento, acusados da prática de uma infracção cri-minal, que o tribunal que vai conhecer do pleitose moverá na estrita observância das regras daindependência e da imparcialidade (cfr. artigos20.º, n.º 1, e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituição daRepública Portuguesa);

7.ª — E quando a imparcialidade do juiz ou aconfiança do público nessa imparcialidade sejajustificadamente posta em causa, como sucedeno caso em apreço, então esse Sr. Magistradonão estará em condições de ‘administrar justiça’,podendo e devendo declarar-se ou ser declaradoiudex inhabilis e, consequentemente, estar-lhe ouser-lhe vedada toda e qualquer interven- ção nafase de julgamento;

8.ª — Na verdade, também aqui pode dizer--se que o Sr. Magistrado Judicial em questão estájá com uma convicção de tal forma arreigadaquanto ao peso dos elementos que constam dosautos que, ‘objectivamente — e sem prejuízo daindependência interior que ele for capaz de preser-var —, fica inexoravelmente comprometida a suaindependência e imparcialidade na fase do julga-mento’, pelo que deveria ter sido declarado o seuimpedimento para nele intervir;

9.ª — Decidindo de forma diversa, o doutodespacho recorrido violou, entre outros, os arti-

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40 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

gos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.os 1 e 5, da Constituiçãoda República Portuguesa, o artigo 6.º, n.º 1, daConvenção Europeia dos Direitos do Homem,aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, ebem assim o artigo 40.º do Código de ProcessoPenal, quando interpretado em conformidade coma nossa lei fundamental.

5. Ouvido o Ministério Público, que se pro-nunciou no sentido do indeferimento do recurso,o Tribunal da Relação do Porto decidiu, por arestode 10 de Fevereiro de 1999, negar provimento aorecurso e, em consequência, manter o despachorecorrido. Escudou-se, para tanto, em síntese, naseguinte argumentação:

«Dos autos resulta que o Sr. Juiz do tribunalrecorrido, enquanto juiz do Tribunal Judicial daComarca de Mirandela, exercendo por inerênciaas funções de juiz de instrução, procedeu ao pri-meiro interrogatório da recorrente, que lhe haviasido apresentada detida, tendo-lhe aplicado as járeferidas medidas de coacção. Posteriormente,já como juiz do Tribunal de Círculo daquelaComarca, recebeu a acusação deduzida contra arecorrente e manteve as medidas de coacção quelhe havia anteriormente aplicado, ordenandoainda que a mesma fosse advertida das conse-quências da violação dos deveres impostos.

Esta situação não se enquadra, assim, quer naprevisão do artigo 40.º do Código de ProcessoPenal, com a actual redacção, quer na decisão doTribunal Constitucional, com força obrigatóriageral, uma vez que o Sr. Juiz do tribunal recor-rido não aplicou à recorrente a medida de coac-ção de prisão preventiva e, relativamente a estaúltima decisão, ainda, a manutenção da medidade coacção anteriormente aplicada já não ocorreuna fase de inquérito, mas depois de deduzidaacusação pelo Ministério Público.

O facto de o Sr. do tribunal recorrido ter orde-nado que a recorrente fosse advertida das conse-quências do incumprimento das obrigaçõesimpostas não tem, para o caso, qualquer relevân-cia, uma vez que tal ocorreu no cumprimento dopreceituado no artigo 194.º, n.º 3, do Código deProcesso Penal, nada mais significando do queisso, não se podendo tirar do mesmo as ilaçõesque a recorrente pretende, nomeadamente quanto

à formação de um juízo sobre a sua culpa pelaprática dos crimes que lhe são imputados.

Acresce que o Sr. Juiz do tribunal recorrido,ao ouvir a recorrente em primeiro interrogatórioe ao fixar-lhe as medidas de coacção, mais nãofez do que proceder ao controlo jurisdicional dasua detenção, uma vez que podiam estar emcausa os seus direitos, liberdades e garantias,como refere o Ex.mo Procurador-Geral Adjuntono seu parecer.

Assim, mal se compreende que, tendo a inter-venção do Sr. Juiz sido esporádica e com as fina-lidades referidas, pelo menos no que diz respeitoà sua intervenção no processo, se venha arguir asua suspeição.

A atender-se a pretensão da recorrente, entãotoda e qualquer medida de coacção aplicada porum juiz, nomeadamente no despacho de recebi-mento da acusação, constituiria impedimentopara intervir no julgamento, o que acarretaria sem-pre a necessidade da intervenção de dois juízesno processo: um para receber a acusação e sepronunciar sobre as medidas de coacção; outropara proceder ao julgamento. Isto porque, quandoum juiz profere um despacho de recebimento daacusação, não pode deixar de examinar as provasexistentes no inquérito, uma vez que as poderejeitar se a considerar manifestamente infunda-das, nos termos do artigo 311.º, n.º 2, alínea a),do Código de Processo Penal. De igual modoteria de haver um juiz que não o do julgamentopara se pronunciar sobre as medidas de coacção,nomeadamente para cumprimento do dispostono artigo 213.º do Código de Processo Penal, jádepois de recebida a acusação.

Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 40.ºdo Código de Processo Penal, já com as altera-ções introduzidas pela Lei n.º 59/98, Código deProcesso Penal Anotado, 9.ª ed. revista e actua-lizada, 1998, depois de manifestar a sua discor-dância quanto à alteração deste artigo, refere nãodescortinar porque é que o juiz de instrução ficanecessariamente preso a um préjuízo só porqueaplicou a um arguido uma qualquer medida decoacção, ainda que seja a prisão preventiva.Acrescenta ainda que, relativamente à aplicaçãoao arguido de qualquer outra medida de coacção,o juiz de instrução não fica automaticamenteimpedido, podendo isso, em casos pontuais, fun-damentar um eventual pedido de suspeição.

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41 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

Dos autos não resulta que, para além das ra-zões invocadas na motivação do recurso, tenhahavido outras que levaram a recorrente a reque-rer a suspeição do Sr. Juiz do tribunal recorrido,pelo que, mesmo perfilhando-se este último en-tendimento, sempre o requerimento teria de serindeferido.»

6. É desta decisão que vem interposto, aoabrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei doTribunal Constitucional, o presente recurso. Pre-tende a recorrente ver apreciada a constituciona-lidade da norma que, na interpretação da decisãorecorrida, se extrai do artigo 40.º do Código deProcesso Penal, «segundo a qual não está impe-dido de participar no julgamento o juiz que, nafase de inquérito e aquando do primeiro inter-rogatório do arguido detido, aplicou ao mesmoquatro medidas de coacção, que não a prisão pre-ventiva, medidas essas que posteriormente man-teve no despacho que recebeu a acusação e desig-nou o dia para o julgamento.»

7. Já neste Tribunal foi a recorrente notifi-cada para alegar, o que fez, tendo concluído nosseguintes termos:

«1.ª — O Sr. Dr. José Alberto Vaz Carreto,então juiz de direito no Tribunal da Comarca deMirandela e a exercer, por inerência, as funçõesde juiz de instrução, foi quem procedeu ao pri-meiro interrogatório da ora recorrente, quando amesma lhe foi apresentada sob detenção, sendocerto que foi também ele que, agora, já na vestede juiz de círculo da mesma comarca, proferiudespacho de recebimento da acusação e de desig-nação de dia para julgamento, a realizar sob a suapresidência;

2.ª — Conforme resulta do douto despachoque então exarou nos autos, esse mesmo Sr. Ma-gistrado Judicial concluiu que era adequada e pro-porcional a aplicação da medida da prisão pre-ventiva a ambos os arguidos (um dos quais jáfaleceu), que só não chegou a decretar pelasrazões que depois referiu no mesmo despacho;

3.ª — Todavia, para além de ter determinadoa suspensão da execução da prisão preventivaimposta ao arguido Júlio (entretanto falecido),sujeitou a ora recorrente, cumulativamente, aquatro medidas de coacção, entre as quais avul-

tam uma pesada caução, a obrigação de apresen-tação semanal (ao sábado) no posto da PSP deMirandela e a obrigação de não se ausentar dessacidade nem para o estrangeiro;

4.ª — O que bem demonstra, afinal, ter esseSr. Magistrado Judicial ficado desde logo comuma fortíssima convicção quanto à culpabilidadedos arguidos e à gravidade das respectivas con-dutas, convicção essa que não deixou de se re-flectir nas medidas de coacção por ele impostas àora recorrente;

5.ª — Foi esse mesmo Sr. Magistrado Judi-cial que no despacho de recebimento da acusaçãomanteve o estatuto coactivo da ora recorrente,reiterando expressamente o juízo que já tinhaquanto à gravidade da conduta imputada a estaúltima e, implicitamente, quanto à culpabilidadeda mesma pela respectiva prática;

6.ª — Os artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1, 32.º,n.os 1 e 5, e 205.º, todos da Constituição, e aindao artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dosDireitos do Homem, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, garantem a todos os argui-dos que hajam de ser submetidos a julgamento,acusados da prática de uma infracção criminal,que o tribunal que vai conhecer do pleito se mo-verá na estrita observância das regras da inde-pendência e da imparcialidade;

7.ª — E quando a imparcialidade do juiz ou aconfiança do público nessa imparcialidade sejamjustificadamente postas em causa, como sucedeno caso em apreço, então o Sr. Magistrado nãoestará em condições de ‘administrar justiça’, po-dendo e devendo declarar-se ou ser declarado iudexinhabilis e, consequentemente, estar-lhe ou ser-lhe vedada toda e qualquer intervenção na fasedo julgamento;

8.ª — Na verdade, também aqui pode dizer--se que o Sr. Magistrado Judicial em questão estájá com uma convicção de tal forma arreigadaquanto ao peso dos elementos que constam dosautos que, ‘objectivamente — e sem prejuízo daindependência interior que ele for capaz de preser-var —, fica inexoravelmente comprometida a suaindependência e imparcialidade na fase do julga-mento’, pelo que devia ter sido declarado o seuimpedimento para nele intervir;

9.ª — Decidindo de forma diversa, o doutoacórdão recorrido sufragou uma interpretação dacitada redacção do artigo 40.º do Código de Pro-

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42 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

cesso Penal que é desconforme com a nossa leifundamental, tendo violado, entre outros, os ar-tigos 2.º, 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1, 32.º, n.os 1 e 5, e205.º, todos da Constituição, bem como o artigo6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos doHomem, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13 deOutubro.»

8. Igualmente notificado para alegar disse oMinistério Público, recorrido, a concluir:

«1.º — Não implica interpretação violadorade qualquer preceito ou princípio constitucionala que se traduz em considerar não incluída nosimpedimentos previstos no artigo 40.º do Có-digo de Processo Penal a situação que resulta deter o juiz que intervém no julgamento de certoarguido procedido ao seu primeiro interrogató-rio, determinando a respectiva libertação, me-diante adopção de medidas de coacção não pri-vativas da liberdade, que reiterou e manteve nomomento em que recebeu a acusação.

2.º — Termos em que deverá manifestamenteimproceder o presente recurso.»

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II — Fundamentação

9. É o seguinte o teor do preceito em que seinsere a norma cuja constitucionalidade vem ques-tionada pela recorrente:

«Artigo 40.º

(Impedimento por participação em processo)

1 — Nenhum juiz pode intervir em recursoou pedido de revisão relativos a uma decisão quetiver proferido ou em que tiver participado, ouno julgamento de um processo a cujo debateinstrutório tiver presidido ou em que tiver apli-cado e posteriormente mantido a prisão preven-tiva do arguido.»

A decisão recorrida interpretou o preceitosupra-referido no sentido de «não considerarimpedido de participar no julgamento o juiz queprocedeu ao primeiro interrogatório judicial daarguida, determinando a respectiva libertação,mediante adopção de medidas de coacção não

privativas da liberdade, medidas de coacção queposteriormente manteve no momento em que re-cebeu a acusação e marcou o dia para o julga-mento».

É esta dimensão normativa do artigo 40.º doCódigo de Processo Penal que a recorrente pre-tende ver confrontada com a Constituição e que,nessa exacta medida, constitui o objecto do re-curso.

10. O artigo 40.º do Código de Processo Pe-nal, na redacção anterior à introduzida pela Lein.º 59/98, de 25 de Agosto, foi já declarado incons-titucional, com força obrigatória geral, pelo acór-dão n.º 186/98 (Diário da República, I Série-A,n.º 67, de 20 de Março de 1998), por violação doartigo 32.º, n.º 5, da Constituição da RepúblicaPortuguesa, quando interpretado em termos depermitir a intervenção no julgamento do juiz que,na fase de inquérito, decretou e posteriormentemanteve a prisão preventiva do arguido.

Importa, por isso, começar por averiguar se adimensão normativa do artigo 40.º do Código deProcesso Penal que vem questionada não coin-cide com a já declarada inconstitucional pelocitado acórdão n.º 186/98, caso em que apenashaveria agora que fazer aplicação daquela decla-ração de inconstitucionalidade com força obriga-tória geral.

Cremos, porém, que tal identidade não se ve-rifica.

Com efeito, no acórdão n.º 186/98 — comonos acórdãos em que este se fundamentou: osacórdãos n.os 935/96, de 10 de Julho (Acórdãosdo Tribunal Constitucional, vol. 34.º, págs. 347e segs.), 284/97, de 9 de Abril, e 481/97, de 2 deJulho (estes ainda inéditos) — estava em causa oartigo 40.º do Código de Processo Penal quandointerpretado em termos de permitir a interven-ção no julgamento do juiz que, durante a fase deinquérito, decretou e posteriormente manteve aprisão preventiva do arguido.

Nos presentes autos está em causa o artigo40.º do Código de Processo Penal quando inter-pretado em termos de permitir a intervenção nojulgamento do juiz que, presidindo ao primeirointerrogatório judicial da arguida, decretou a res-pectiva libertação, mediante adopção de medi-das de coacção não privativas da liberdade, me-

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43 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

didas de coacção que posteriormente manteveno momento em que recebeu a acusação e mar-cou o dia para o julgamento.

Esta diferença ao nível da matéria de facto queesteve na base do citado acórdão n.º 186/98 e aque agora está na base do presente processotorna inaplicável, à situação que agora constituiobjecto dos autos, a declaração de inconstitucio-nalidade com força obrigatória geral ali formulada.

12. Resta, contudo, averiguar se do confrontodirecto entre a dimensão normativa do artigo 40.ºdo Código de Processo Penal que agora vem ques-tionada e os preceitos constitucionais invocadospela recorrente não resulta qualquer situação deinconstitucionalidade.

Confrontemos, em primeiro lugar, aquela di-mensão normativa com o disposto no artigo 32.ºda Constituição, designadamente com o seu n.º 5.

Da anterior jurisprudência do Tribunal Cons-titucional (expressa não apenas no já citado acór-dão n.º 186/98, bem como naqueles que estiveramna sua base, mas ainda nos acórdãos n.º 114/95,Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 30.º,págs. 661 e segs., 75/99, Diário da República,II Série, de 6 de Abril de 1999, e 338/99, esteainda inédito) resulta claramente que não é qual-quer intervenção anterior no processo por partedo juiz que depois há-de participar no julga-mento que é apta a justificadamente pôr em causaa sua independência e imparcialidade — ou aconfiança do arguido e do público nessa mesmaindependência e imparcialidade — em termos dedever considerar-se que a norma que a permita éinconstitucional por violação do disposto no ar-tigo 32.º, n.º 5, da Constituição.

Como se afirmou repetidamente naquelesacórdãos, «um juízo de inconstitucionalidade danorma que permita a intervenção no julgamentodo juiz que participou numa fase anterior, porviolação do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição,pressupõe que as intervenções do juiz — pelasua frequência, intensidade ou relevância — se-jam aptas a razoavelmente permitir que se for-mule uma dúvida séria sobre as condições deisenção e imparcialidade desse mesmo juiz ou agerar uma desconfiança geral sobre essa mesmaimparcialidade e independência».

Assente precisamente nessa jurisprudência,considerou já o Tribunal que, designadamente,

não era idónea a, justificadamente, pôr em causaa independência e imparcialidade do juiz que há-de participar no julgamento, uma sua participa-ção pontual, isolada, na fase de inquérito, tra-duzida em, por exemplo, ordenar uma buscadomiciliária (acórdão n.º 114/95), proferir des-pacho de manutenção da prisão preventiva ante-riormente aplicada ao arguido, ao abrigo do dis-posto no artigo 213.º do mesmo Código (acórdãon.º 29/99), ou simplesmente decretar a prisãopreventiva findo o primeiro interrogatório judi-cial do arguido detido (acórdão n.º 338/99).

Pois bem, cremos que também na situaçãoque agora é objecto dos autos as intervençõesanteriores do juiz — que se limitou a, findo oprimeiro interrogatório judicial, ter aplicado àarguida medidas de coacção não detentivas daliberdade e a pronunciar-se, no momento em querecebeu a acusação, pela sua manutenção nosprecisos termos — não são aptas a justificada-mente permitir que se formule uma dúvida sériasobre as suas condições de isenção e imparciali-dade ou a gerar uma desconfiança geral sobre essamesma imparcialidade e independência.

No que se refere à intervenção traduzida em,findo o primeiro interrogatório judicial da ar-guida detida, determinar a sua libertação e orde-nar um leque de medidas de coacção diferentesda prisão preventiva, trata-se de uma interven-ção numa fase bastante embrionária do processo,no início do inquérito, em que, portanto — como,bem refere o representante do Ministério Pú-blico neste Tribunal —, «carece ostensivamentede sentido sustentar que o juiz formulou logo aíuma convicção segura sobre a culpabilidade daarguida» em termos de permitir que se formuleuma dúvida séria sobre as suas condições de im-parcialidade e isenção ou a gerar uma descon-fiança geral sobre essa mesma imparcialidade eindependência.

E essa situação não é alterada pelo simplesfacto de o juiz, no momento em que recebe aacusação e por imperativo legal, se ter pronun-ciado pela manutenção do quadro existente emtermos de medidas de coacção a que a arguidaestava sujeita.

Uma intervenção processual como a queagora está em causa implica um envolvimentocom o processo — e também com o arguido —substancialmente menos intenso do que na hipó-

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tese — em causa no acórdão n.º 186/98, bemcomo naqueles em que este se fundamentou —em que o juiz é confrontado com um requerimen-to autónomo do arguido solicitando a revogaçãoda(s) medida(s) de coacção em vigor e em que,conse-quentemente, o juiz tem que proceder auma apreciação especificada dos fundamentosinvocados bem como das razões porque entendeser de manter a medida de coacção.

Em suma: julgamos que a simples decisão pelamanutenção do quadro existente em termos demedidas de coacção, no momento do recebi-mento da acusação, não é suficiente para, por sisó ou em conjugação com a intervenção ante-rior, conduzir à formulação de uma dúvida séria,razoável objectiva sobre as condições de isençãoe imparcialidade do juiz ou a gerar uma descon-fiança geral da comunidade sobre essa mesmaisenção e imparcialidade, termos em que não severifica a alegada violação de inconstitucionali-dade.

13. Finalmente, cremos que o que vai ditoresponde não apenas à alegada inconstituciona-lidade por violação do disposto no artigo 32.º,n.º 5, da Constituição, mas ainda à alegada viola-ção das outras normas constitucionais invocadaspela recorrente, designadamente as que resultamdos artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e205.º, todos da Constituição.

A ser verdade, como procurámos demonstrar,que intervenções anteriores no processo comoas que agora estão em causa não são aptas a,justificadamente, permitir que se formule umadúvida séria sobre as condições de isenção e im-parcialidade do juiz, deixa de se poder afirmarque ao permitir-se-lhe que participe no julga-

mento se estão a postergar garantias de defesa,em violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, daConstituição, ou a violar a sua dignidade en-quanto pessoa humana garantida, designada-mente, pelo artigo 2.º da Constituição.

III — Decisão

Por tudo o exposto, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional a norma cons-tante do artigo 40.º do Código de Pro-cesso Penal, na versão introduzida peloDecreto-Lei n.º 58/98, de 25 de Agosto,quando interpretado no sentido de per-mitir a intervenção no julgamento do juizque, findo o primeiro interrogatório judi-cial do arguido detido, determinou a res-pectiva libertação, mediante adopção demedidas de coacção não privativas daliberdade, medidas de coacção que poste-riormente manteve no momento em querecebeu a acusação e marcou o dia para ojulgamento;

b) Negar provimento ao presente recurso deconstitucionalidade.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa dejustiça em 15 UCs.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

José de Sousa e Brito (Relator) — MessiasBento — Alberto Tavares da Costa — Mariados Prazeres Pizarro Beleza — Luís Nunes deAlmeida.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 268, de 20 de Novembro de 2000, pág. 18 802.

(G. R.)

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Processo criminal — Regime de subida diferida dos recursos —Extinção do procedimento criminal

A interpretação do artigo 407.º do Código de Processo Penal, que só permite asubida imediata nos casos expressamente previstos no seu n.º 1 (e também nos quecorrespondem à previsão do seu n.º 2), não se encontrando entre eles o do recurso dedecisão que indefira o pedido de extinção do procedimento criminal com fundamento naprescrição, não se afigura contraditória com o princípio constitucional das garantiasde defesa do arguido, na parte em que impõe que este deva ser julgado no mais curtoprazo possível.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 435/2000, de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 721/99 — 2.ª Secção

ACORDAM na 2.ª Secção do Tribunal Cons-titucional:

I — Relatório

1. O Ministério Público deduziu acusaçãocontra Adérito Virgílio Sardinha Faustino impu-tando-lhe a prática de um crime de emissão decheque sem provisão, previsto e punido, à datada prática dos factos, pelas disposições conju-gadas dos artigos 11.º, n.º 1, alínea a), do De-creto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na suaredacção originária, e 314.º, alínea c), do CódigoPenal de 1982 e, actualmente, pelo artigo 11.º,n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91, de28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lein.º 316/97, de 19 de Novembro.

O arguido, notificado da acusação, veio afls. 8 a 12 dos autos suscitar a questão da pres-crição do procedimento criminal.

Por despacho de 14 de Junho de 1999, o juizdo processo considerou, entre o mais, «mani-festo que não decorreu o prazo de prescriçãoaplicável».

Na parte em que não julgou extinto o procedi-mento criminal por prescrição, o arguido inter-pôs recurso deste despacho para o Tribunal daRelação de Lisboa, tendo o mesmo recurso vindoa ser recebido, por despacho de 12 de Julho domesmo ano, «com subida diferida, nos própriosautos, juntamente com o recurso interposto da

decisão que tiver posto termo à causa, e efeitomeramente devolutivo (artigos 399.º, 401.º, 406.º,407.º, n.º 3, 408.º e 411.º, n.º 1, do Código deProcesso Penal).»

2. O recorrente reclamou então deste despa-cho para o presidente do Tribunal da Relação deLisboa, pugnando pela subida imediata do re-curso admitido e sustentando que, se o recursosubisse imediatamente se daria satisfação aos prin-cípios da celeridade e da economia processual, aque alegadamente não faria obstáculo o dispostono artigo 407.º do Código de Processo Penal.Finalmente, para a hipótese de assim não se en-tender, sustentou o arguido que a retenção dorecurso o tornaria absolutamente inútil, nos ter-mos do artigo 407.º, n.º 2, do referido Código,para além de que outro entendimento seria in-constitucional, por violação da segunda partedo n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da Repú-blica Portuguesa.

A reclamação apresentada veio a ser indefe-rida pelo presidente da Relação de Lisboa emdespacho de 19 de Outubro de 1999, com o fun-damento em que «a retenção do recurso não im-pede que, portanto, o ora reclamante venha aobter o resultado útil do recurso: a revogação dodespacho recorrido, com as suas legais conse-quências.»

Pelo que:

«Não se verifica in casu uma situação de ab-soluta inutilização do recurso, em consequência

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da sua retenção, que faça aplicar o disposto noartigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.»

No que concerne à invocada inconstitucionali-dade da interpretação dada à norma do artigo407.º do Código de Processo Penal, escreveu-senesse despacho que:

«É a retenção do recurso até final que favore-cerá a concretização de que o julgamento atinja otermo normal, que, dada a fase processual emque está o processo principal, é atingível atravésda sentença final.»

E concluiu:

«Não se vê que a retenção do recurso até àinterposição do recurso da decisão final violeaquela norma constitucional.»

3. Deste despacho interpôs o arguido AdéritoVirgílio Sardinha Faustino recurso de constitucio-nalidade para este Tribunal, concluindo o res-pectivo requerimento do seguinte modo:

«1) O artigo 407.º do Código de ProcessoPenal, na interpretação que lhe deu o despachorecorrido, é inconstitucional.

2) Pois o recurso deve ter subida imediata,uma vez que o que está em causa é a prescriçãodo procedimento criminal e, portanto, o arquiva-mento do processo.

3) Assim, só com a subida imediata do re-curso se satisfaz a exigência constitucional con-tida na última parte do citado artigo 32.º de que oarguido deve ser julgado no mais curto espaçopossível.

4) E é evidente que a Constituição, ao dizerque o arguido deve ser julgado no mais curtoespaço de tempo, quer referir-se tanto ao julga-mento final como ao julgamento de qualquer ques-tão incidental em que seja posto em causa oarquivamento do processo, não havendo razãopara distinguir, sendo o mesmo o efeito num casoe noutro.»

Em resposta ao despacho do relator profe-rido ao abrigo do n.º 5 do artigo 75.º- A da Lei doTribunal Constitucional, veio o recorrente indi-car a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei doTribunal Constitucional como a alínea ao abrigoda qual o recurso vinha interposto e o n.º 1 doartigo 407.º do Código de Processo Penal como

norma cuja inconstitucionalidade pretende verapreciada:

«Pois que o recurso de decisão que declarenão extinto o procedimento criminal com funda-mento na prescrição e que, portanto, não ponhatermo ao processo com esse fundamento ou ou-tro susceptível também de conduzir à extinçãodo procedimento criminal tem que ter subida ime-diata ainda que em separado e não diferida, nocumprimento do artigo 32.º da Constituição, se-gundo o qual o arguido deve ser julgado no maiscurto espaço compatível com a defesa.»

4. Produzidas as respectivas alegações nesteTribunal, concluiu o recorrente que:

«O artigo 407.º, n.º 1, do Código de ProcessoPenal, ao não abarcar na sua previsão também osrecursos interpostos de decisões que neguem ounão declarem a extinção do procedimento crimi-nal com base na prescrição ou em qualquer outracircunstância susceptível de conduzir ao arqui-vamento do processo, não satisfaz a exigênciaconstitucional contida no artigo 32.º da Consti-tuição sendo assim inconstitucional.»

O Procurador-Geral Adjunto em exercícioneste Tribunal apresentou contra-alegações e aíformulou as seguintes conclusões:

«1 — Não é inconstitucional, pois não violaqualquer princípio ou preceito da lei fundamen-tal, a norma constante do n.º 1 do artigo 407.º doCódigo de Processo Penal, interpretada em ter-mos de só deverem subir imediatamente os re-cursos aí expressamente previstos, não estandoabarcado em tal tipologia taxativa o recurso in-terposto da decisão interlocutória que haja con-siderado não se verificar a prescrição do proce-dimento criminal, invocada pelo arguido antesdo julgamento em 1.ª instância.

2 — Na verdade, a apreciação a final de talrecurso, nos termos do n.º 3 daquele preceito,mantém plena utilidade para o arguido que, por-ventura, houvesse sido julgado e condenado, jáque a respectiva procedência ditaria a retroactivaanulação de todos os actos processuais subse-quentes, incompatíveis com a extinção do proce-dimento criminal.

3 — Termos em que deverá improceder o pre-sente recurso.»

Cumpre apreciar e decidir.

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II — Fundamentos

5. O n.º 1 do artigo 407.º do Código de Pro-cesso Penal regula o momento da subida dosrecursos interpostos de decisões em processopenal, dispondo que:

«1 — Sobem imediatamente os recursos in-terpostos:

a) De decisões que ponham termo à causa;b) De decisões posteriores às referidas na

alínea anterior;c) De decisões que apliquem ou mantenham

medidas de coacção ou de garantia patri-monial, nos termos deste Código;

d) De decisões que condenem no paga-mento de quaisquer importâncias, nostermos deste Código;

e) De despacho em que o juiz não reconhe-cer impedimento contra si deduzido;

f) De despacho que recusar ao MinistérioPúblico legitimidade para a prossecuçãodo processo;

g) De despacho que não admitir a consti-tuição de assistente ou a intervenção departe civil;

h) De despacho que indeferir o requeri-mento para a abertura de instrução;

i) Da decisão instrutória, sem prejuízo dodisposto no artigo 310.º;

j) De despacho que indeferir requerimentode submissão de arguido suspeito de ano-malia mental à perícia respectiva.»

Nas alegações do presente recurso questiona--se a constitucionalidade desta norma, interpre-tada no sentido de «não abarcar na sua previsãotambém os recursos interpostos de decisões queneguem ou não declarem a extinção do procedi-mento criminal com base na prescrição ou emqualquer outra circunstância susceptível de con-duzir ao arquivamento do processo», designa-damente por, segundo pretende o recorrente, taldimensão interpretativa violar o artigo 32.º daConstituição. Todavia, na verdade, no presenterecurso está apenas em causa a extinção do pro-cedimento criminal por prescrição, tendo, aliás,sido apenas nesta dimensão que a norma foi apli-cada na decisão recorrida.

6. A questão da constitucionalidade do n.º 1do artigo 407.º do Código de Processo Penal não

foi ainda objecto de decisão pelo Tribunal Cons-titucional, muito embora a conformidade consti-tucional do seu n.º 2 (segundo o qual «sobemainda imediatamente os recursos cuja retençãoos tornaria absolutamente inúteis») tenha sidopor diversas vezes apreciada por este Tribunal.

Foi-o, primeiro, no acórdão n.º 474/94 (publi-cado no Diário da República, II Série, de 8 deNovembro de 1994) e, depois, nos acórdãosn.os 964/96, 1205/96 (publicados no Diário daRepública, II Série, de 23 de Dezembro de 1996e de 14 de Fevereiro de 1997, respectivamente),244/94, 551/98 e 68/00 (ainda inéditos).

Ora, é a conjugação de ambos os citados nú-meros do artigo 407.º do Código de ProcessoPenal que delimita os recursos que, em processopenal, sobem imediatamente: no n.º 1 elencam-sesituações típicas (e taxativas) de recursos comsubida imediata; no n.º 2 prevê-se uma cláusulageral que acresce àquelas.

Nos casos decididos pelos acórdãos citados,as situações em causa não se encontravam pre-vistas, segundo a interpretação das decisões re-corridas, na norma de enumeração — o n.º 1 —,nem foram consideradas incluídas na cláusulageral, sendo esta dimensão interpretativa repor-tada ao n.º 2 do artigo 407.º que era tida porinconstitucional.

No caso dos presentes autos, a situação — talcomo a configurou a decisão de que se pretendeurecorrer — não se encontra elencada na norma don.º 1, sendo logo por isso que o recorrente con-sidera tal norma inconstitucional, com dispensada sua eventual cobertura pela norma do n.º 2(a qual, de resto, foi expressamente afastada peladecisão recorrida).

Acresce que, além de a norma sindicada nãoser a mesma, o sentido tido como inconstitucional— referente à não subida imediata do «recursode decisão que declare não extinto o procedimentocriminal com fundamento na prescrição» — tam-bém não encontra precedente em nenhum doscasos referidos.

7. Esta conclusão não significa, todavia, queos fundamentos subjacentes à jurisprudênciadeste Tribunal relativa à constitucionalidade doreferido n.º 2 do artigo 407.º — e, também, àrelativa ao artigo 734.º, n.º 2, do Código de Pro-cesso Civil, em que se baseou (cfr., v. g., o acór-

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dão n.º 208/93, publicado no Diário da Repú-blica, II Série, de 28 de Maio de 1993) — nãosejam, em grande medida, transponíveis para opresente caso.

Assim, para concluir que não existe violaçãodo princípio das garantias de defesa, escreveu-seno citado acórdão n.º 474/94:

«Em matéria de direito penal, a Constituiçãogarante aos arguidos que o processo penal lhesassegura ‘todas as garantias de defesa’, ou seja,todos os direitos e instrumentos necessários parao arguido defender a sua posição e contrariar aacusação.

Um dos meios ou uma das expressões do di-reito de defesa é o direito de recorrer (cfr. acórdãon.º 8/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional,vol. 9.º, pág. 229), precisando todavia a jurispru-dência do Tribunal que, ressalvado o ‘núcleo es-sencial’ do direito de defesa centrado no direitode recorrer da sentença condenatória e dos actosjudiciais que privem ou restrinjam a liberdade doarguido ou afectem outros direitos fundamentaisseus, o direito de recorrer pode ser restringido oulimitado em certas fases do processo, podendomesmo não ser admitido relativamente a certosactos do juiz (v. g., despacho que designa diapara julgamento em processo correccional —acórdão n.º 31/87, (ibidem, pág. 463), nem ga-rantir um triplo grau de jurisdição (acórdãon.º 178/88, Acórdãos do Tribunal Constitucio-nal, vol. 12.º, pág. 569).

No caso em apreço, o direito de recurso estágarantido, na medida em que o recurso foi admi-tido. Toda a questão resulta, porém, do facto deque, admitido embora o recurso, como o não foipara subir imediatamente não suspende o anda-mento do processo, que continuará os seus ter-mos normais, já que o recurso apenas seráapreciado quando subir e for apreciado o recursoque vier a ser interposto da decisão final.

A subida diferida dos recursos assenta clara-mente numa exigência de celeridade processual— como bem refere, nas suas alegações, o Pro-curador-Geral Adjunto — que em processo pe-nal é um ‘valor constitucionalmente relevante.’Assim, fazendo a lei processual penal subir ime-diatamente apenas os recursos cuja utilidade seperderia em absoluto se a subida fosse diferida,obvia-se a que a tramitação normal do processo

seja afectada por constantes envios do processoà 2.ª instância para apreciação de decisões inter-locutórias e, por outro lado, pode vir a evitar-seo conhecimento de muitos destes recursos quepodem ficar prejudicados no seu conhecimentopelo sentido da decisão final.

É certo que o provimento de um recurso destetipo leva à inutilização dos actos processuaisque forem praticados após a sua interposição eque esteja na dependência do acto ou despachorecorrido.

Importa aqui, porém, acentuar que o regimede subida diferida em nada diminui as garantiasde defesa do arguido que, face ao provimento dorecurso, sempre verá a sua posição ser reconhe-cida jurisdicionalmente.»

No mesmo aresto afastou-se, também, a pos-sibilidade de a norma impugnada contrariar oprincípio da presunção de inocência do arguido,a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, oprincípio do acusatório e do contraditório e oprincípio da igualdade.

Ora, também no presente caso — em que estáem causa um recurso interposto de uma decisãoque negou ou não declarou a extinção do procedi-mento criminal com base na prescrição — podedizer-se não ser «absolutamente inútil» o re-curso interlocutório, se eventualmente provido afinal, pois que, a suceder assim, se teriam deeliminar do processado, quer a decisão julgadainválida, quer os actos dele dependentes. Tal re-curso mantém, pois, utilidade, mesmo subindoapenas a final.

Foi, aliás, por se considerar o caso dos autoscomo exterior à previsão do n.º 2 do artigo 407.ºdo Código de Processo Penal que se pôde cir-cunscrever a questão de constitucionalidade à suanão previsão no n.º 1 do mesmo artigo.

8. Convém salientar que a excepção de pres-crição deve ainda ser apreciada na subsequentefase processual, nos termos do artigo 338.º, n.º 1,do Código de Processo Penal.

Para além disso, nota-se que o interesse dignode tutela, que justificaria o conhecimento ime-diato do recurso sobre a decisão da prescrição,antes do julgamento (onde essa prescrição serátambém reapreciada, como se disse), seria, no-meadamente, o de evitar que o arguido fosse sub-metido a julgamento, se, eventualmente, se viesse

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a considerar que o procedimento criminal estavaprescrito. Está, pois, em causa saber se a conti-nuação do processo sem subida e decisão ime-diata do recurso da decisão que indeferiu a requeridaprescrição do procedimento criminal — e desig-nadamente com a submissão do arguido a julga-mento — importa violação das garantias de defesado arguido constitucionalmente consagradas.

Recorde-se que a Constituição não impõe,como já reconheceu este Tribunal, uma exaus-tiva verificação da existência de razões que indi-ciem a presumível condenação do arguido, comodecorrente de um hipotético direito deste de nãoser submetido a julgamento. Como se escreveuno acórdão n.º 31/87, publicado no Diário daRepública, II Série, de 1 de Abril de 1987:

«A Constituição não estabelece qualquerdireito dos cidadãos a não serem submetidos ajulgamento, sem que previamente tenha havidouma completa e exaustiva verificação da existên-cia de razões que indiciem a sua presumível con-denação.»

Ora, o mesmo pode e deve dizer-se da ime-diata reapreciação de decisão sobre a existênciade uma causa extintiva do procedimento criminalcomo a prescrição, quando tal existência foi jáverificada, e negada, pelo juiz. É certo que este,quando indefere a requerida prescrição do proce-dimento criminal, pode eventualmente ter ajui-zado mal sobre a verificação ou não dos respec-tivos pressupostos no caso concreto, prosse-guindo o processo e efectuando-se o julgamento,nesse caso, num procedimento criminal que po-derá já estar extinto e cuja extinção poderia serverificada mediante a reapreciação, em recursocom subida imediata, da decisão a ela relativa.

Diga-se, antes do mais, que este risco se afi-gura como inerente à própria ponderação dasexigências de celeridade processual, a qual é, tam-bém, um valor constitucional, sendo direito doarguido o de ser julgado «no mais curto prazocompatível com as garantias de defesa» (cfr. on.º 2 do artigo 32.º da Constituição). Na verdade,um alargamento das situações de recurso comsubida imediata terá sempre como efeito a dimi-

nuição da celeridade processual, pelo que talinvocada celeridade não se afigura como argu-mento a favor do alargamento da norma do artigo407.º, n.º 1, do Código de Processo Penal — con-forme pretende o recorrente —, mas antes comoum dos fundamentos da natureza taxativa do seun.º 1 (temperada embora pelo seu n.º 2).

Acresce que, como se disse, a prescrição doprocedimento pode e deve ser reapreciada no iní-cio da audiência (cfr. o artigo 338.º, n.º 1, do Códigode Processo Penal), sendo tal possibilidade deapreciação da prescrição como que «renovada»,antes da subida do recurso que terá lugar — seentão ainda se justificar — no momento da subidado recurso da decisão final (artigo 407.º, n.º 3, doCódigo de Processo Penal), e vindo a reapreciaçãoainda a verificar-se no recurso, quando este subir.

Pode, assim, concluir-se que a interpretaçãodo artigo 407.º, que só permite a subida imediatanos casos expressamente previstos no seu n.º 1(e também nos que correspondem à previsão doseu n.º 2), não se encontrando entre eles o dorecurso de decisão que indefira o pedido de extin-ção do procedimento criminal com fundamentona prescrição, não se afigura contraditória com oprincípio constitucional das garantias de defesado arguido, na parte em que impõe que este devaser julgado no mais curto prazo possível.

E, deste modo, impõe-se concluir pela inexis-tência de inconstitucionalidade da norma subiudicio, na interpretação em causa, a qual nãoviola as garantias de defesa previstas no artigo32.º da Constituição da República.

III — Decisão

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Cons-titucional decide negar provimento ao recurso e,consequentemente, confirmar o despacho recor-rido quanto ao julgamento da questão de constitu-cionalidade, condenando o recorrente em custascom 15 UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Paulo Mota Pinto (Relator) — Bravo Serra —Guilherme da Fonseca — José Manuel Cardosoda Costa.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 268, de 20 de Novembro de 2000, pág. 18 808.

(G. R.)

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Fiscalização abstracta sucessiva — Quotizações sindicais —Liberdade sindical — Desfiliação — Restrição de efeitos

I — Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma doartigo 16.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, na parte em que atribui aosindicato o direito de exigir do trabalhador que dele se desfilie o pagamento de quotizaçãoreferente aos três meses seguintes ao da comunicação da desfiliação, por violação doartigo 55.º, n.º 2, alínea b), da Constituição.

II — Nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, e por razões de segurançajurídica, restringem-se os efeitos da inconstitucionalidade, por forma a que só se produ-zam a partir da publicação da mesma declaração, salvo quanto às quantias não pagasou cujo pagamento foi impugnado.

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (Plenário)Acórdão n.º 437/2000, de 18 de Outubro de 2000Processo n.º 531/97

ACORDAM no plenário do Tribunal Cons-titucional:

I — O pedido

1. O Provedor de Justiça impugna a constitu-cionalidade da norma ínsita na última parte doartigo 16.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de30 de Abril, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e55.º, n.º 2, alínea b), da Constituição, o qual dis-põe o seguinte:

«O trabalhador tem direito de retirar-se a todoo tempo do sindicato em que esteja filiado, me-diante comunicação por escrito ao presidente dadirecção, sem prejuízo do direito de o sindicatoexigir o pagamento da quotização referente aostrês meses seguintes ao da comunicação.»

2. Fundamenta o pedido em razões que são,em síntese, as seguintes:

a) A norma sub judicio, ao atribuir ao sindi-cato o direito de exigir ao trabalhador que dele sedesvincule o pagamento da quotização referenteaos três meses seguintes ao da comunicação dedesvinculação, é uma medida limitativa da liber-dade de inscrição sindical negativa, isto é, da li-berdade de os trabalhadores não se inscreverem

nos sindicatos e de, uma vez inscritos, os pode-rem abandonar.

A possibilidade de exigir ao trabalhadoraquele pagamento condiciona a livre decisão dostrabalhadores relativamente à permanência nosindicato: o pagamento de três meses de quoti-zação, quantia a que poderá acrescer a da quo-tização para outro sindicato em que o trabalhadordecida inscrever-se, não deixará de ser tomadaem conta no momento em que se desenhe umaopção de abandono.

b) A restrição da liberdade sindical, que inte-gra o elenco dos direitos, liberdades e garantiasdos trabalhadores, constante do capítulo III dotítulo II da Constituição, não é necessária paraprotecção constitucional das associações sindi-cais, a qual não pode compreender a possibili-dade de exigir o pagamento daquelas quotizações,porque «ninguém pode ser obrigado a fazerparte de uma associação nem coagido por qual-quer meio a permanecer nela» (artigo 46.º, n.º 3,da Constituição).

c) Também a subsistência de cada sindicatonão é determinante para o objectivo constitucio-nal de reforço das associações sindicais.

d) Mas mesmo que se admitisse ser necessá-ria a referida restrição, ela não se mostraria con-forme ao princípio da proporcionalidade nas suastrês vertentes: adequação ou idoneidade, neces-sidade e proporcionalidade em sentido estrito oujusta medida.

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e) Finalmente, também esta medida se revelaexcessiva em face da prevalência constitucionalda liberdade de inscrição sindical — a qual inte-gra a liberdade de não se filiarem em nenhumsindicato — sobre o reforço das associações sin-dicais existentes.

3. Dada a circunstância de a norma questiona-da pertencer a um diploma emanado de um órgão(o Conselho da Revolução) entretanto extinto,foi ordenada a notificação, nos termos e para osefeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3,da Lei do Tribunal Constitucional, do Presidenteda Assembleia da República — já que a esta cabehoje competência reservada para dispor sobre amatéria (despacho de fls. 17).

Essa entidade limitou-se a oferecer o mereci-mento dos autos.

II — Fundamentação

4. Segundo entendimento firmado em juris-prudência do Tribunal Constitucional (acórdãon.º 445/93 — Diário da República, I Série-A, de13 de Agosto de 1993) «a liberdade de inscriçãono sindicato comporta tanto uma dimensão po-sitiva, que reconhece ao trabalhador o direito dese filiar ou inscrever no sindicato que o possarepresentar sem dependência de um acto de ad-missão discricionário por parte daquele [...]como uma dimensão negativa que garante o di-reito de não inscrição sindical e o direito de aban-donar o sindicato a todo o tempo no caso de talinscrição existir».

Este direito de livre sindicalização, na duplavertente assinalada, analisa-se, ainda, na proibi-ção de quaisquer mecanismos ou medidas de pres-são que directa ou indirectamente possam con-tribuir para limitar o pleno gozo e fruição da-quela liberdade, obstando a que, por qualquerforma, mesmo remota ou indirecta, os sindicatospossam funcionar como estrutura de coacção.

No referido acórdão, o Tribunal Constitu-cional chegou mesmo a considerar que a liber-dade sindical negativa deverá ser «interpretadade modo extensivo, de maneira que se com-preendam nela tanto as obrigações directas comoas indirectas».

Este entendimento da liberdade sindical su-gere, desde logo, que o Tribunal tem adoptado

um sentido bastante amplo de liberdade sindical,de modo a limitar as possibilidades de condicio-namento da mesma, em função de quaisquer ou-tros interesses.

Mas a necessidade de equacionar uma ponde-ração concreta de valores para o caso, que justi-ficasse restrições, está superada pelo modo comoo texto constitucional explicita as dimensões damesma liberdade, incluindo a dimensão da «liber-dade de inscrição» e acrescentando justamente àafirmação da liberdade de inscrição sindical a se-guinte menção: «não podendo nenhum trabalha-dor ser obrigado a pagar quotizações para sin-dicato em que não esteja inscrito» [artigo 55.º,n.º 2, alínea b), da Constituição].

É assim o próprio texto constitucional queproscreve a possibilidade de qualquer obrigaçãode quotização que não corresponda ao puro exer-cício da liberdade sindical.

Tendo tal dimensão normativa o sentido deimpedir quotizações obrigatórias em geral quesejam uma via de anular a liberdade de inscrição,também não pode deixar de incluir situações emque tenha deixado de existir inscrição, na decor-rência do exercício claro da vontade de abandonodo sindicato, isto é, da própria liberdade sindi-cal, mantendo-se, apesar disso, o pagamento dequotizações.

5. A situação desenhada na norma em criseconflitua directamente com a proibição contidano texto constitucional, não existindo razões cons-titucionalmente fundadas para a excepcionar dela.

Na realidade, sendo a necessidade de finan-ciamento dos sindicatos e, consequentemente, aconsolidação da actividade sindical a única jus-tificação possível para a situação prevista nanorma sub judicio, não será nunca meio ade-quado para obter tal fim alguma medida que res-trinja directa ou indirectamente a liberdade dedesvinculação do sindicato.

Sendo a protecção da actividade sindicaljustificada ela própria pela liberdade sindical emtodas as suas dimensões, não poderá justificarrestrições deste tipo, que desvirtuem o sentidoda própria liberdade.

6. Com efeito, de um ponto de vista subjec-tivo, aquela exigência poderá ser encarada pelotrabalhador como uma «sanção» por se ter

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desfiliado. E, pelo menos, poderá desincentivaro abandono do sindicato pelo trabalhador.

E mesmo a perspectiva, num plano objectivo,de que aquela verba corresponderia a uma espé-cie de indemnização por facto lícito não impedeo assinalado efeito condicionador da liberdadesindical. Uma tal exigência, enquanto contráriaao texto constitucional, careceria de uma justifi-cação fornecida pelos valores constitucionais.Qualquer qualificação técnica, por si, nem anula-ria um efeito restritivo da liberdade sindical nemsuperaria o problema da necessidade de uma suajustificação no plano constitucional. Ora, comose referiu, não pode a protecção da actividadesindical em si mesma fornecer a procurada justi-ficação, porquanto está subordinada ao prius dolivre exercício pleno da liberdade sindical, o qualpode consistir exactamente na extinção de certossindicatos e na formação de outros. O único va-lor constitucionalmente relevante nesta sede, paraalém da própria liberdade sindical, será o asse-guramento de condições materiais para que sepossam constituir sindicatos.

III — Restrição de efeitos

7. Concluindo-se pela inconstitucionalidadeda norma do artigo 16.º, n.º 4, do Decreto-Lein.º 215-B/75, na parte em que atribui ao sindi-cato o direito de exigir ao trabalhador que dele sedesfilie o pagamento de quotização referente aostrês meses seguintes ao da comunicação da des-filiação, concluir-se-á pela correspondente de-claração, com força obrigatória geral.

É, porém, aconselhável, por razões de segu-rança jurídica, exactamente pelo efeito que estadeclaração poderia produzir nos sindicatos exis-tentes no exercício normal das suas actividades,restringir os efeitos da inconstitucionalidade comforça obrigatória geral.

Neste sentido, valerá aqui o que se entendeuno acórdão n.º 135/90 (Acórdãos do TribunalConstitucional, vol. 15.º, págs. 83 e segs.), respei-tante a uma norma que previa a utilização demeios informáticos para desconto na fonte dasquotizações sindicais.

Importa, no entanto, nessa ressalva de efei-tos, ponderar também a solução acolhida noacórdão n.º 76/88 (Acórdãos do Tribunal Consti-tucional, vol. 11.º, págs. 331 e segs.). Nesse aresto,

em que se declararam inconstitucionais certasnormas regulamentares municipais que criavamuma tarifa de saneamento, devida por todos osconsumidores de água do concelho de Lisboa,igualmente o Tribunal, «por razões de interessepúblico, e considerando muito em particular aperturbação que adviria para os serviços autár-quicos se estes tivessem de restituir toda a ‘tarifade saneamento’ entretanto cobrada», decidiu res-salvar os efeitos dessa decisão, por forma a queeles se produzissem apenas a partir da publica-ção dela: dessa ressalva de efeitos excepcionou,todavia, «os contribuintes que ainda não houve-rem pago a tarifa».

Ora, à semelhança do que se decidiu nesseacórdão n.º 76/88, considera-se que a restrição dainconstitucionalidade, a emitir no presente pro-cesso, não deve ir tão longe que leve ainda (em-bora, provavelmente, essa seja uma possibilidaderemota) a que quem não pagou ou contestou emdevido tempo o pagamento de quotas sindicaisrelativas a um período posterior à sua desfiliaçãode um sindicato ainda tenha de pagá-las ou nãopossa reaver a respectiva importância.

IV — Decisão

8. Nestes termos, o Tribunal Constitucionaldeclara a inconstitucionalidade, com força obri-gatória geral, da norma do artigo 16.º, n.º 4, doDecreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, na par-te em que atribui ao sindicato o direito de exigirdo trabalhador que dele se desfilie o pagamentode quotização referente aos três meses seguintesao da comunicação da desfiliação, por violaçãodo artigo 55.º, n.º 2, alínea b), da Constituição.

Nos termos do artigo 282.º, n.º 4, da Consti-tuição, e por razões de segurança jurídica, res-tringem-se os efeitos da inconstitucionalidade,por forma a que só se produzam a partir da pu-blicação da mesma declaração, salvo quanto àsquantias não pagas ou cujo pagamento foi im-pugnado.

Lisboa, 18 de Outubro de 2000.

Maria Fernanda Palma (Relator) — José deSousa e Brito — Maria Helena Brito — VítorNunes de Almeida — Artur Maurício — Paulo

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Mota Pinto — Bravo Serra — Messias Bento —Guilherme da Fonseca — Alberto Tavares daCosta — Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (ven-cida, nos termos da declaração de voto junta) —José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto:

1. Votei vencida, no essencial, porque não con-sidero que a norma constitucional consideradainfringida tenha o alcance que lhe foi atribuídopelo acórdão. Em meu entender, a referência ao«pagamento da quotização referente aos trêsmeses seguintes ao da comunicação» apenas tempor função fixar o montante a pagar ao sindicatoem caso de desvinculação e, de forma alguma,pretender prolongar a obrigação de pagar quotaspor três meses a um sindicato a que o trabalha-dor já não pertence.

Poderia a lei definir um montante fixo, semqualquer relação com o montante das quotas co-bradas pelo sindicato, que a questão de cons-titucionalidade a resolver seria exactamente amesma.

O objectivo da proibição constitucional depagamento de «quotizações para sindicato emque não esteja inscrito» é o de impossibilitardisposições legais como as que integraram oordenamento português na vigência do regimecorporativo e que impunham o pagamento dequotas a trabalhadores não inscritos no sindicatocorrespondente à respectiva profissão, como ébem conhecido.

2. E não creio que a norma apreciada nesteprocesso afecte a liberdade sindical, nem em ge-ral, nem em particular no que à liberdade de esco-lha e de inscrição no sindicato se refere. Desteponto de vista, não considero constitucional-mente censurável impor a quem esteve inscritonum sindicato e — é legítimo presumir — bene-ficiou da respectiva máquina o pagamento de umaquantia (cujo montante se não afigura excessivoou desproporcionado) cuja justificação se encon-tra na conveniência de não privar essa máquina,de forma imprevisível, do financiamento com quecontava para manter o respectivo funciona-mento.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.

Foi publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 272, de 24 de Novembro de 2000, pág. 6712.

(G. R.)

Competência dos tribunais tributários — Reembolso decomparticipações do Fundo Social Europeu — Processo deexecução fiscal

I — Aprovado o financiamento público de uma acção de formação e realizados osadiantamentos previstos, quando se detecta a existência de montantes indevidamentepagos ou não justificados, cabe ao Departamento para os Assuntos do Fundo SocialEuropeu notificar as entidades promotoras para procederem à restituição desses mon-tantes.

II — Trata-se portanto de reembolsos de dinheiros do Estado (caso da compartici-pação vir do Orçamento) ou de dinheiros vindos do Fundo Social Europeu, cujo paga-mento é feito por intermédio do Estado e por cujo reembolso o Estado é, em certos termos,responsável.

III — Assim, a norma do diploma que determina que estas restrições devem sercobradas através do processo de execução fiscal no caso de não cumprimento da resti-

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54 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

tuição voluntária não vem alargar ou sequer modificar a competência já estabelecida noCódigo de Processo Tributário.

IV — Não existe assim qualquer violação da reserva de lei da Assembleia da Repú-blica, uma vez que não há nenhuma invasão do poder legiferante do Parlamento quandoo Governo legisla respeitando os limites já definidos da competência dos serviços dejustiça fiscal, designadamente do âmbito do processo de execução fiscal.

TRIBUNAL CONSTITUCIONALAcórdão n.º 440/2000, de 24 de Outubro de 2000Processo n.º 7/2000 — 1.ª Secção

ACORDAM no Tribunal Constitucional:

I — Relatório

1. Profelco — Projecto e Fabrico de Elemen-tos de Construção, L.da, deduziu oposição con-tra a execução fiscal que lhe foi instaurada pelaRepartição de Finanças de Faro para restituiçãode uma quantia recebida no âmbito das compar-ticipações do Fundo Social Europeu.

A oposição deduzida foi julgada improce-dente por sentença do Tribunal Tributário de1.ª Instância de Faro, que considerou que não severifica a nulidade prevista no artigo 251.º, alí-nea b), do Código de Processo Tributário, já quea certidão foi extraída pela entidade competente,estando a cobrança através de execução fiscalprevista nos Decretos-Leis n.º 158/90, de 17 deMaio, e n.º 246/91, de 6 de Julho.

Desta decisão foi interposto recurso juris-dicional para o Supremo Tribunal Administra-tivo, tendo a recorrente, nas conclusões que apre-sentou, reiterado a questão da inconstituciona-lidade dos Decretos-Leis n.º 158/90 e 246/91,por violação do artigo 106.º, n.os 2 e 3, artigo108.º, n.os 1, 2 e 4, artigo 167.º, alínea p), e 202.º,alínea b), todos da Constituição da RepúblicaPortuguesa.

O Supremo Tribunal Administrativo, poracórdão de 20 de Outubro de 1999, julgou im-procedente o recurso, negando-lhe provimentoe, quanto à questão de constitucionalidade disseo seguinte:

«Finalmente — cfr. conclusão c) — a incons-titucionalidade dos Decretos-Leis n.os 158/90 e246/91 vem reportada à incompetência dos tri-bunais tributários para a execução, mas tam-

bém esta não constitui fundamento da oposição[...] De qualquer modo, não consideram a dívidaem causa como um imposto, limitando-se a per-mitir a respectiva cobrança por aqueles tribu-nais, em nada alterando a respectiva natureza.»

2. Profelco — Projecto e Fabrico de Elemen-tos de Construção, L.da, notificada desta decisão,veio interpor recurso para o Tribunal Constitu-cional. Porém, como não referiu os elementosexigidos pelo artigo 75.º-A da Lei do TribunalConstitucional, foi convidada a completar os ele-mentos em falta, o que fez pela forma seguinte:

«Entende a recorrente que existe inconstitu-cionalidade dos Decretos-Leis n.os 158/90 e 246/91 por violarem de forma flagrante os artigos106.º, n.os 2 e 3, 108.º, n.os 1, 2 e 4, 167.º, alínea p),e 202.º, alínea b), todos da Constituição da Re-pública Portuguesa.»

Neste Tribunal foi a recorrente de novo noti-ficada para indicar as normas que pretende queo Tribunal aprecie, o que não fez durante o pro-cesso.

Em cumprimento do ordenado, a recorrenteveio dizer o seguinte:

«3.º —Pois tem vindo a ora recorrente a de-fender a tese da inconstitucionalidade por acçãodos Decretos-Leis n.os 158/90 e 246/91 por vio-lação do artigo 104.º, n.º 2, artigo 105.º e artigo106.º, todos da Constituição da República Por-tuguesa, porquanto

4.º — Não está previsto na lei fundamentalque ‘as restituições de adiantamentos recebidostenham a forma de um imposto, pois, de acordocom o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da Repú-blica Portuguesa, a tributação das empresas incidefundamentalmente sobre o seu rendimento real.

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55 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

5.º — E no caso em apreço o Governo, aofacultar ao Departamento para os Assuntos doFundo Social Europeu, através dos supra-referi-dos Decretos-Leis n.os 158/90 e 246/91, o acessoà cobrança das «restituições de adiantamentosrecebidos» através dos tribunais fiscais, vem equi-parar tais receitas às de um imposto.

6.º — Ora, se de um imposto se tratasse, deacordo com o artigo 105.º, n.º1, alínea a), daConstituição da República, a mesma receita de-veria ser discriminada nas receitas do Estado, etal não sucede no caso sub judice.

7.º — Assim sendo, se de um imposto se tra-tasse, o mesmo teria de ser criado nos termos daConstituição, tendo de ser previsto no respec-tivo Orçamento do Estado e fiscalizada a suacobrança pelo Tribunal de Contas e pela Assem-bleia da República Portuguesa, nos termos dosartigos 104.º, 105.º, 106.º e 107.º, todos da Cons-tituição da República Portuguesa.»

Como decorre da transcrição feita, a recor-rente continua a não identificar as normas queentende serem inconstitucionais, reportando talinconstitucionalidade aos próprios diplomas.

Assim, dado que o Tribunal Constitucionalapenas conhece da inconstitucionalidade de nor-mas e não de diplomas legais ou de decisões judi-ciais, parece que não se devia conhecer do recursoassim interposto.

Porém, analisados os diplomas em questão,constata-se que a recorrente apenas podia ques-tionar uma norma — a mesma norma — em am-bos os diplomas, constituídos, o primeiro, apenaspor três artigos e, o segundo, apenas por doisartigos.

A norma em causa só podia ser o artigo 1.º doDecreto-Lei n.º 158/90, de 17 de Maio, no qualse prevê que a restituição de quantias recebidasno âmbito de comparticipações do Fundo SocialEuropeu e do Estado Português que não sejamefectuadas no prazo estipulado será realizada atra-vés de execução fiscal, tendo-se limitado o artigo1.º do Decreto-Lei n.º 246/91, de 6 de Julho, a darnova redacção ao n.º 2 daquele preceito e acres-centando um n.º 3, como se verá adiante.

Face a este condicionalismo, entendeu-se queestava suficientemente definido o objecto do re-curso, por forma a dele se poder conhecer, ten-do-se determinado a produção das pertinentesalegações.

Uma vez produzidas estas, a recorrente con-cluiu as que apresentou pela forma seguinte:

«Deverá ser efectuada pelo Tribunal Consti-tucional nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b),da sua Lei Orgânica a fiscalização concreta daconstitucionalidade e da legalidade dos Decre-tos-Leis n.º 158/90, de 17 de Maio, e n.º 246/91, de 6 de Julho, por violação do disposto nosartigos 104.º, 106.º, 107.º e 212.º, n.º 3, todos daConstituição da República Portuguesa.»

A Fazenda Pública não apresentou alegações.Corridos que foram os vistos legais, cumpre

apreciar e decidir.

II — Fundamentos

3. A questão que a recorrente suscita nospresentes autos é a da inconstitucionalidade danorma que atribui ao tribunais tributários com-petência para, através da execução fiscal, cobra-rem as dívidas ao Fundo Social Europeu e aoEstado Português relativas à restituição de quan-tias recebidas e não devolvidas dentro do respec-tivo prazo pelas entidades obrigadas a tal res-tituição.

A tal respeito, invocou nas alegações para oSupremo Tribunal Administrativo a violação dosartigos 106.º, 108.º e 202.º da Constituição, for-mulando nesse contexto considerações semelhan-tes às que reeditou na resposta ao convite que,neste Tribunal, lhe foi feito e que estão atrástranscritas. Invoca ainda a violação do artigo167.º, alínea p), mas sem qualquer desenvolvi-mento. Porém, nas alegações para este Tribunal,e tendo a ver com este último preceito, alega quetais comparticipações não são impostos e, porisso, a sua cobrança através dos tribunais tri-butários e da execução fiscal só poderia ter lugarse fosse estabelecida por lei da Assembleia daRepública ou por diploma do Governo devida-mente autorizado, o que não acontece no casoem apreço: daí a inconstitucionalidade da normaem causa.

Nestes termos, tratar-se-ia de inconstituciona-lidade orgânica, mas a norma violada não poderiaser a norma da alínea p) do artigo 167.º — como,certamente por lapso, vem referido pela recor-rente —, e antes a norma do artigo 167.º, alí-nea q), da Constituição, na revisão de 1989.

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56 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

Importa, antes de mais, ver o teor das normasquestionadas.

O Decreto-Lei n.º 158/90, de 17 de Maio, es-tabelece:

«Artigo 1.º

1 — Sempre que as entidades obrigadas à res-tituição de qualquer quantia recebida no âmbitodas comparticipações do Fundo Social Europeue do Estado Português não cumpram a sua obri-gação no prazo estipulado, será a mesma reali-zada através de execução fiscal.

2 — O pedido de execução fiscal referido nonúmero anterior, a promover pelo MinistérioPúblico em representação do Estado Português,é instruído com os seguintes documentos, queservirão de título executivo para todos os efeitoslegais:

Cópia da notificação da decisão de aprovaçãodo apoio financeiro em causa e da declaração darespectiva aceitação ou documento equivalente;

Cópia das autorizações de pagamento emiti-das pelo Departamento dos Assuntos do FundoSocial Europeu;

Cópia do despacho do director-geral do De-partamento dos Assuntos do Fundo Social Eu-ropeu que determinou a restituição;

Cópia da notificação à entidade do despachoreferido na alínea anterior.»

Pelo seu lado, o artigo 1.º do Decreto-Lein.º 246/91, de 6 de Julho, que deu nova redacçãoao n.º 2 do artigo 1.º do diploma de 1990 e acres-centou um n.º 3 a esse preceito, dispõe como segue:

«1 — ............................................................2 — A execução fiscal será promovida pelos

serviços competentes de justiça fiscal com baseem certidão do despacho do director-geral doDepartamento para os Assuntos do Fundo So-cial Europeu que determine a restituição e a suanotificação à entidade devedora.

3 — A representação do exequente nos tribu-nais tributários faz-se nos termos do dispostono artigo 42.º do Código de Processo Tributário,aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 deAbril.»

Importa ainda referir que os diplomas em ques-tão contêm ainda uma outra norma (no Decreto--Lei n.º 158/90 é o artigo 3.º e no Decreto-Lein.º 246/91 é o artigo 2.º) de teor idêntico e que

estabelece que cada um dos diplomas «se aplicaàs reposições pendentes à data da sua entradaem vigor».

É esta norma — a do artigo 1.º do Decreto-Lein.º 158/90, na redacção do Decreto-Lei n.º 246/91, na medida em que manda efectuar a cobrançadas restituições das verbas adiantadas pelo FundoSocial Europeu e pelo Estado e não volunta-riamente devolvidas através do processo de exe-cução fiscal — que a recorrente considera quedeve ser julgada inconstitucional quer por viola-ção dos artigos 106.º, n.os 2 e 3, 107.º, n.os 1,2 e 4,quer por violação do artigo 167.º, n.º 1, alínea q),todos da Constituição da República Portuguesa[versão de 1989 — hoje: artigos 103.º, n.os 2 e 3,104.º, n.os 1, 2 e 4, e 165.º, n.º 1, alínea p)].

Vejamos a situação dos autos.

A recorrente solicitou apoio financeiro parapromover um curso de formação, tendo recebidoum adiantamento financeiro, que, por decisãoposterior do Instituto do Emprego e FormaçãoProfissional, lhe foi retirado, tendo-se ordenadoa restituição das comparticipações adiantada-mente recebidas, sem que a recorrente proce-desse a essa restituição, pelo que foi instaurada apresente execução fiscal.

Trata-se, assim, da cobrança coerciva de umadívida ao Departamento para os Assuntos doFundo Social Europeu relativa à restituição deadiantamento de financiamento indevidamentepago ou não justificado.

4. O Fundo Social Europeu foi criado peloartigo 123.º do Tratado de Roma para obviar àresolução dos problemas sociais derivados daintegração no espaço comunitário, tendo-se orien-tado no sentido de a sua intervenção se alargarpor forma a favorecer a estabilidade do empregoe ajudar à criação de novos empregos, facilitandotambém a formação profissional com vista à ob-tenção de melhores possibilidades de emprego.

A actuação do Fundo Social Europeu tradu-zia-se usualmente no fornecimento de meios fi-nanceiros aos países da Comunidade com vistaà realização daquelas finalidades, assim poten-ciando a intervenção do próprio país.

A aplicação da reforma da vertente FundoSocial Europeu do Quadro Comunitário de Apoioiniciou-se em 1990, na sequência da aprovação

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57 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

do Regulamento (CEE) n.º 4255/88 (Jornal Ofi-cial das Comunidades de 19 de Dezembro de1988), tendo por base o Despacho Normativon.º 68/91, de 25 de Março. Face às alteraçõesintroduzidas pelo Regulamento (CEE) n.º 2084/93 (Jornal Oficial das Comunidades de 31 deJulho de 1993), foram efectuadas alterações eajustamentos, sendo o resultado o Decreto Re-gulamentar n.º 15/94, de 6 de Julho.

De acordo com este diploma, a soma da con-tribuição comunitária com a contribuição pú-blica nacional designa-se por financiamento pú-blico das acções de apoio ao emprego e à forma-ção profissional, no âmbito do Fundo SocialEuropeu, cabendo ao Ministro do Emprego e daSegurança Social a gestão de programas.

Nos termos do artigo 32.º do Decreto Regula-mentar n.º 15/94, compete ao Departamento deAssuntos do Fundo Social Europeu notificar asentidades promotoras que formularam pedidosde financiamento da obrigação de restituírem osmontantes indevidamente pagos ou não justifi-cados.

Estas importâncias, quer provenientes doFundo Social Europeu quer do Orçamento doEstado, devem ser depositadas em conta bancá-ria a favor do serviço e criada para o efeito, se-gundo o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 432/89, de16 de Dezembro (diploma que permite aos ser-viços da administração central que movimentemverbas do Fundo Social Europeu adquirirem au-tonomia administrativa parcial).

Conclui-se, assim, que as comparticipaçõesfinanceiras do Fundo Social Europeu devem servoluntariamente restituídas em caso de não utili-zação ou de utilização para fins diferentes da-queles para que foram concedidas, devendo asentidades promotoras ser notificadas para oefeito, dispondo do prazo de 10 dias, após oqual passarão a vencer juros de mora à taxaestabelecida para as dívidas de impostos ao Es-tado (artigo 32.º, n.º 3, do Decreto Regulamentarn.º 15/94).

De acordo com o direito comunitário, Portu-gal é subsidiariamente responsável perante aComissão das Comunidades Europeias peloreembolso das comparticipações pagas e não uti-lizadas ou indevidamente aplicadas, conforme sereitera no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 158/90,de 17 de Maio, e se prevê no artigo 23.º do Re-

gulamento (CEE) n.º 4253/88 (Jornal Oficial,n.º L 374, de 31 de Dezembro de 1988) e no ar-tigo 11.º do Regulamento (CEE) n.º 1681/94 (Jor-nal Oficial, n.º L 178, de 12 de Julho de 1994).

5. A natureza das verbas envolvidas — com-participações conjuntas do Fundo Social Euro-peu e do Orçamento do Estado nacional —, ofacto de se tratar de reembolsos ou restituiçõesconjuntas, em que se torna difícil separar a ori-gem dos fundos, sendo porém certo que o Es-tado Português é o responsável pela devoluçãoàs autoridades comunitárias dos valores que oFundo Social Europeu adiantou, todos estes as-pectos permitem concluir que o reembolso dossubsídios do Fundo Social Europeu não podedeixar de ser equiparado aos créditos do Estado— se não mesmo havidos como créditos dosEstado —, para o efeito da sua cobrança atravésdo processo de execução fiscal.

O Departamento para os Assuntos do FundoSocial Europeu foi criado pelo Decreto-Lein.º 156-A/93, de 16 de Abril, na dependência doMinistério do Emprego e da Segurança Social(antes, Ministério do Trabalho) e concebido paraser o interlocutor único e obrigatório de quempretenda candidatar-se aos apoios do FundoSocial Europeu. É um departamento da adminis-tração central do Estado, dotado de autonomiaadministrativa com gestão de receitas próprias.É com este departamento que se estabelece arelação jurídico-administrativa respeitante aosapoios do Fundo Social Europeu.

É inegável que uma parte dos subsídios oucomparticipações cuja restituição ou reembolsose procura obter corresponde a créditos do Es-tado Português. A outra parte consiste na com-participação das entidades comunitárias forne-cida através do Fundo Social Europeu.

Como o Estado Português sempre é respon-sável pelo seu reembolso perante a Comissãodas Comunidades Europeias e o Departamentopara os Assuntos do Fundo Social Europeu é ointerlocutor único e obrigatório dos organismospúblicos e privados que se queiram candidataraos apoios do Fundo Social Europeu, competin-do-lhe também o financiamento directo corres-pondente à formação prevista no programaquadro, é razoável que tais dívidas sejam equipa-radas aos créditos do Estado.

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58 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

De facto, existe uma analogia substancial (senão mesmo «identidade») entre os subsídios doFundo Social Europeu e as comparticipaçõessaídas do Orçamento do Estado: realizam exac-tamente a mesma finalidade de apoiar o empregoe a formação profissional; o pagamento do finan-ciamento é feito pelo Departamento para osAssuntos do Fundo Social Europeu e o pedidode restituição dos montantes indevidamente pa-gos ou não justificados inicia-se com a notifica-ção do Departamento para os Assuntos do FundoSocial Europeu às entidades devedoras.

Por último, os créditos a recuperar através doDepartamento para os Assuntos do Fundo So-cial Europeu resultantes da não utilização ou apli-cação indevida, independentemente da origemdos respectivos fundos (Fundo Social Europeuou Estado), gozam das garantias especiais iden-tificadas no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 158/90,de 17 de Maio.

Não pode, assim, deixar de se concluir quetais créditos, quando se não verifique a restitui-ção voluntária ao Departamento para os Assun-tos do Fundo Social Europeu das verbas nãoutilizadas ou utilizadas para fins diferentes, sãocréditos do Estado derivados de reembolsos oureposições que gozam das garantias dos créditosdo Estado previstas no artigo 31.º do Código deProcesso Tributário, e cuja cobrança se insere noâmbito da execução fiscal.

E nem se diga que os reembolsos e reposiçõesreferidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 233.º doCódigo de Processo Tributário se reportam ex-clusivamente a contribuições, taxas ou impostos,não abrangendo as comparticipações do FundoSocial Europeu, pois se é certo que a sua origemé comunitária quem responde pela sua devolu-ção, no caso de incorrecta utilização acaba porser o Estado Português que a legislação comuni-tária torna subsidiariamente responsável.

Acresce que ficou já atrás demonstrado queexiste uma analogia substancial entre os créditosdo Fundo Social Europeu e os créditos do Es-tado que se destinam à realização da mesma fina-lidade, devendo, por isso, beneficiar do mesmoregime de cobrança. Tanto mais que os subsídiosdo Fundo Social Europeu não são atribuídos di-rectamente mas antes depositados em conta doDepartamento para os Assuntos do Fundo So-cial Europeu e depois pagos em participação

conjunta com os subsídios do Estado Português,através de adiantamentos financeiros, cabendoposteriormente ao Departamento para os As-suntos do Fundo Social Europeu a notificaçãopara restituição ou reembolso relativamente aosfinanciamentos não utilizados ou indevidamenteaplicados. O que significa que, no caso de se tra-tar do reembolso ou restituição de financiamen-tos, não pode já falar-se de subsídios do FundoSocial Europeu ou do Estado mas tão-somentede dinheiros do Estado a recuperar através doDepartamento para os Assuntos do Fundo So-cial Europeu, isto é, de um departamento do Es-tado Português.

6. No caso em apreço, o pedido de apoiofinanceiro foi formulado em 20 de Novembro de1992 (ponto 1 dos factos), tendo sido determi-nada a restituição do primeiro adiantamento re-cebido em 13 de Junho de 1994, por decisão doInstituto do Emprego e Formação Profissional(ponto 2 dos mesmos factos), sendo a certidãopara execução passada em 20 de Março de 1996pelo Departamento para os Assuntos do FundoSocial Europeu.

Assim, a questão da competência do tribunaltributário para conhecer da execução tem de ava-liar-se à face da redacção dada ao artigo 1.º dodiploma de 1990 pelo Decreto-Lei n.º 246/91, de6 de Julho, e do Código de Processo Tributário,aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 deAbril.

Isto, no que se refere à questão da inconstitu-cionalidade orgânica do artigo 1.º do Decreto--Lei n.º 158/90, de 17 de Maio, na redacção doDecreto-Lei n.º 246/91, de 6 de Julho, por even-tual violação do artigo 167.º, n.º 1, alínea q), daConstituição (versão de 1989).

É que, entretanto e por outro lado, a questãoda inconstitucionalidade da norma questionada,com referência aos demais preceitos da Consti-tuição invocados pela recorrente, não pode obterdeferimento. Segundo a recorrente, o facto de sepoder recorrer à execução fiscal para cobrançadas quantias em dívida por restituições ou reem-bolsos das comparticipações às acções financia-das conjuntamente pelo Fundo Social Europeu epelo Estado Português transforma estas quan-tias em impostos, os quais só poderiam ser cria-dos por lei da Assembleia da República ou pordecreto-lei autorizado.

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59 Direito ConstitucionalBMJ 500 (2000)

É, porém, manifesto que o facto de certoscréditos do Estado poderem ser cobrados atra-vés do processo mais expedito da execução fiscalnão os converte em impostos, nem sequer tornanecessário que os mesmos sejam tratados comoimpostos. De facto, o próprio Código de Pro-cesso Tributário prevê que determinadas dívidasao Estado possam ser cobradas coercivamenteatravés do processo de execução fiscal: desdelogo, os reembolsos e reposições [alínea b) don.º 1 do artigo 233.º]; depois, as dívidas ao Es-tado, de qualquer natureza, cuja obrigação de pa-gamento tenha sido reconhecida por despachoministerial [alínea a) do n.º 2], e, finalmente, asdívidas equiparadas por lei aos créditos do Es-tado [alínea b) do n.º 2].

Esta equiparação, para efeitos de cobrança,destas dívidas aos créditos fiscais do Estado nãoas converte em impostos para o efeito respeitodo princípio da legalidade ou das garantias doscontribuintes, uma vez que os créditos em causaresultam de subsídios ou comparticipações doEstado ou atribuídas através do Estado e que nãoforam utilizadas ou foram indevidamente utili-zadas e que por isso têm de ser devolvidas.

Não pode, por isso, afirmar-se que exista qual-quer violação do artigo 106.º, n.os 2 e 3, e 107.º,n.os 2, 3 e 4, nem dos artigos 108.º, n.os 1 e 2, e202.º, alínea b), todos da Constituição (revisão de1989), normas que, neste contexto, a recorrenteinvocou em diferentes ocasiões e que dizem res-peito a impostos em geral ou a certos e determi-nados impostos e execução do Orçamento.

7. Vejamos então, agora, a questão da incons-titucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 158/90, na redacção do Decreto-Lei n.º 246/91, de 6de Julho, por violação do artigo 167.º, n.º 1, alí-nea q), da Constituição.

Segundo a recorrente, a inconstitucionalidadedo diploma resulta da violação da reserva de leida Assembleia da República, na medida em quese determina no artigo 1.º que a cobrança doscréditos relativos às restituições de subsídios doFundo Social Europeu ou do Estado para acçõesde formação não utilizados ou indevidamenteutilizados seja realizada através do processo deexecução fiscal, ou seja, por diploma emanado sódo Governo, sem qualquer autorização legislativapara o efeito, estaria a alargar-se a competênciaexecutiva dos tribunais fiscais.

Se, na realidade, a norma questionada vier in-troduzir uma alteração (alargamento) na compe-tência dos tribunais fiscais, permitindo que sedilate o âmbito da acção executiva fiscal sem quetal modificação conste de lei da Assembleia daRepública ou de diploma do Governo que tenhasido emanado no âmbito de uma autorizaçãolegislativa, é manifesto que existe violação dareserva de lei da Assembleia, pois só a esta cabelegislar acerca da organização e competência dostribunais. O Governo teria, assim, legislado emmatéria reservada ao Parlamento, através de di-ploma emitido exclusivamente no uso da sua com-petência própria.

Importa, portanto, analisar qual era, no mo-mento da publicação da norma aplicada, a com-petência em matéria de processo de execuçãofiscal dos tribunais tributários.

Nos termos do que se dispõe no artigo 62.º doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais (Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril),«compete aos tribunais tributários de 1.ª ins-tância conhecer»:

.......................................................................Da cobrança coerciva de dívidas a pessoas de

direito público, nos casos previstos na lei [...]Das demais matérias que lhes forem confia-

das por lei;».

Por outro lado, estabelece o artigo 31.º doCódigo de Processo Tributário que «constituemgarantias dos créditos do Estado, além de ou-tras previstas na lei, a sua cobrança coercivamediante processo de execução fiscal e o direitode reclamação de créditos fiscais em processosde execução que não sigam os termos da exe-cução fiscal».

Importa agora determinar quais os créditosdo Estado que podem ser cobrados através doprocesso de execução fiscal.

Nos termos do artigo 233.º do Código de Pro-cesso Tributário, o âmbito da execução fiscal é oseguinte:

«1 — O processo de execução fiscal abrangea cobrança coerciva das seguintes dívidas:

Contribuições, impostos e taxas, incluindo osadicionais cumulativamente cobrados, juros eoutros encargos legais;

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60 BMJ 500 (2000)Direito Constitucional

Reembolsos e reposições;Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas

em decisões, sentenças ou acórdão relativos acontra-ordenações fiscais, salvo quando aplica-das pelos tribunais comuns.

2 — Serão igualmente cobradas mediante pro-cesso de execução fiscal:

Outras dívidas ao Estado, de qualquer natu-reza, cuja obrigação de pagamento tenha sido re-conhecida por despacho ministerial;

Outras dívidas equiparadas por lei aos crédi-tos do Estado;

Receitas parafiscais.»

Assim, de acordo com toda esta legislação, acompetência dos tribunais fiscais para, atravésda acção executiva, cobrarem dívidas ao Estadoabrange, para além das resultantes de contribui-ções, impostos e taxas, coimas e outras sançõespecuniárias decorrentes de contra-ordenações fis-cais, os reembolsos e reposições e, ao lado des-tes, podem também ser cobradas, através doprocesso de execução fiscal, outras dívidas aoEstado, de qualquer natureza, desde que a obri-gação de pagamento esteja reconhecida por des-pacho ministerial, e ainda, as dívidas que, por lei,são equiparadas aos créditos do Estado e ainda acobrança de dívidas a pessoas de direito público,nos casos previstos na lei.

No caso em apreço torna-se relevante salien-tar que, aprovado o financiamento público deuma acção de formação (que corresponde à somada contribuição comunitária com a contribuiçãopública) e realizados os adiantamentos previs-tos, quando se detecta a existência de montantesindevidamente pagos ou não justificados, cabeao Departamento para os Assuntos do FundoSocial Europeu notificar as entidades promoto-ras para procederem à restituição desses mon-tantes.

Trata-se portanto de reembolsos de dinheirosdo Estado (caso da comparticipação vir do Orça-

mento) ou de dinheiros vindos do Fundo SocialEuropeu, cujo pagamento é feito por intermédiodo Estado e por cujo reembolso o Estado é, emcertos termos, responsável, como resulta dasdisposições citadas dos Regulamentos (CEE)n.os 1681/94 e 4253/88.

Assim, a norma do diploma que determinaque estas restituições devem se cobradas atravésdo processo de execução fiscal no caso de nãocumprimento da restituição voluntária não vemalargar ou sequer modificar a competência jáestabelecida no Código de Processo Tributário.Com efeito, o Código de Processo Tributário de1991 inclui no âmbito do processo de execuçãoos reembolsos e reposições de créditos do Es-tado, o que aliás também já constava do Códigodas Contribuições e Impostos, que foi por aquelerevogado (artigo 144.º).

Não existe assim qualquer violação da reservade lei da Assembleia da República, uma vez quenão há nenhuma invasão do poder legiferante doParlamento quando o Governo legisla respei-tando os limites já definidos da competência dosserviços de justiça fiscal, designadamente do âm-bito do processo de execução fiscal.

Assim, tem o presente recurso de ser julgadoimprocedente, com confirmação da decisão re-corrida.

III — Decisão

Nestes termos, o Tribunal Constitucional de-cide julgar não inconstitucional a norma do artigo1.º do Decreto-Lei n.º 158/90, de 17 de Maio, naredacção do Decreto-Lei n.º 246/91, de 6 de Ju-lho, e, em consequência, negar provimento ao pre-sente recurso, confirmando a decisão recorrida.

Lisboa, 24 de Outubro de 2000.

Vítor Nunes de Almeida (Relator) — ArturMaurício — Maria Helena Brito — José Ma-nuel Cardoso da Costa.

Foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 280, de 5 de Dezembro de 2000, pág. 19 589.

(G. R.)

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Crime de coacção — Crime de ofensa à integridade físicasimples — Concurso aparente — Co-autoria — Escolha da pena

I — Tendo os factos, integradores de violência e de ameaças com mal importante,provocado medo ao ofendido, visando os arguidos, com tais violência e ameaças, levá-loa, contra sua vontade, entregar dinheiro, e actuando os arguidos em harmonia com opreviamente acordado para a execução conjunta do facto, detendo e exercendo o domí-nio funcional deste, só não conseguindo a entrega do dinheiro mercê da resistência doofendido, mostra-se integrado o crime de coacção, na forma tentada, praticado emco-autoria.

II — Tendo os agentes actuado em co-autoria, os actos praticados por cada umdeles, em execução do plano e de acordo com este, são imputados, do ponto de vista dailicitude, a todos os demais.

III — As ofensas à integridade física, tratando-se de ofensas corporais leves, devemconsiderar-se integradas no elemento típico «violência» do crime de coacção, verifican-do-se, não um concurso efectivo entre o crime de ofensas à integridade física simples e ocrime de coacção, mas antes um concurso aparente, por consunção daquele crime poreste, cuja pena prevista abrange a protecção do bem jurídico da integridade física pró-prio do tipo legal do crime do artigo 143.º do Código Penal.

IV — Face às elevadas exigências de prevenção geral reflectidas no caso concreto,ligadas ao fenómeno das cobranças de dívidas por meio de violência ou ameaças inte-grantes de coacção, inadmissível numa sociedade própria de um Estado de direito demo-crático, e às significativas de prevenção especial, derivadas da actuação conjunta e poracordo de quatro agentes, a imposição de pena de multa alternativa não realiza deforma bastante as finalidades da punição.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 1209/99 — 3.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Na 3.ª Secção da 7.ª Vara Criminal de Lisboaforam submetidos a julgamento os arguidos:

1 — Sandro Marques de Brito, solteiro, nas-cido a 20 de Março de 1972, em GovernadorValadares, de nacionalidade brasileira, filho deDjalma Marques de Brito e de Maria Doracy deBrito, sócio gerente de empresa, residente na Ruade Miguel Torga, lote 28-A-F, Quinta do Torrão,Monte da Caparica;

2 — Luciano Marques de Brito, solteiro, nas-cido em 24 de Fevereiro de 1974, em Governa-dor Valadares, de nacionalidade brasileira, filhode Djalma Marques de Brito e de Maria Doracyde Brito, montador de tectos falsos, residente na

Rua de Miguel Torga, lote 28-A-F, Quinta doTorrão, Monte da Caparica,

acusados pelo digno agente do Ministério Pú-blico da prática, em co-autoria material, de umcrime de coacção na forma consumada, previstoe punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do Código Pe-nal, e o arguido Sandro ainda de ter praticado,como autor material, um crime consumado deofensas corporais simples, previsto e punido peloartigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, em concursoefectivo com o de coacção.

Foi deduzido pedido de indemnização civilpelo queixoso António José Correia Martinscontra os arguidos, pedindo-se a condenação so-lidária destes (e também de António José MartinsBraz e João Manuel Quedas Matias, arguidosque foram declarados contumazes, tendo-se or-denado, quanto aos mesmos, a separação de pro-

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62 BMJ 500 (2000)Direito Penal

cessos) no pagamento do montante de 800 000$00,a título de danos patrimoniais e não patrimoniais,acrescido de juros vincendos até integral paga-mento.

Por douto acórdão desse Tribunal de 28 deOutubro de l999 foi decidido:

I — Quanto à acção:

— Julgar a acusação parcialmente procedente,por parcialmente provada, e, consequentemente:

a) Condenar ao arguidos Sandro Marquesde Brito e Luciano Marques de Brito,como co-autores materiais de um crimede coacção, na forma tentada, previsto epunido pelos artigos 22.º, 23.º e 154.º,n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 anode prisão cada um;

b) Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lein.º 29/99, de 12 de Maio, declarar per-doada toda a pena de prisão aplicada aoarguido Luciano, sob a condição resolutivaa que alude o artigo 4.º da mesma lei;

c) Condenar o arguido Sandro, como autormaterial de um crime de ofensas corpo-rais simples, previsto e punido pelo ar-tigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na penade 10 meses de prisão e, em cúmulo jurí-dico desta com a fixada em a), na penaúnica de 16 meses de prisão, cuja exe-cução se suspende pelo período de 2 anos.

II — Quanto ao pedido cível:

— Julgar parcialmente procedente, por par-cialmente provada, a pretensão indemnizatóriado demandante António José Correia Martins e,por via disso, condenar solidariamente os de-mandados/arguidos Sandro Marques de Brito eLuciano Marques de Brito a pagar-lhe a quantiade 100 000$00, acrescida de juros vencidos desdea data da apresentação do pedido e dos que apartir desta data se vencerem, até integral paga-mento, calculados à taxa legal de 10% (Portarian.º 1171/95, de 25 de Setembro, e artigo 559.º doCódigo Civil), sem prejuízo de diversa taxa legalque venha a ser estabelecida posteriormente;

Inconformados com tal decisão, dela recorre-ram ambos os arguidos.

Nas respectivas motivações, formularam asconclusões, que se passam a transcrever:

A) Arguido Sandro Marques de Brito:

1.ª — São elementos constitutivos do crimede ofensas corporais simples, previsto e punidono artigo 143.º do Código Penal, os seguintes: oelemento objectivo que se consubstancia em cau-sar uma ofensa na saúde ou corpo de outra pes-soa e o elemento subjectivo que se revela naconsciência do elemento objectivo do tipo e navontade de o levar a cabo.

2.ª — Assim, tratando-se de um crime de re-sultado (em virtude de a lei exigir para a consu-mação a produção de um evento material), paraque alguém seja punido pelo artigo 143.º do Có-digo Penal, é necessário que haja não só a inten-ção de provocar uma lesão na saúde ou corpo deoutra pessoa, mas também que essa lesão se ve-rifique efectivamente.

3.ª — No presente processo ficou provadoque o queixoso teve dores, mas não ficou pro-vado que essas dores tenham emergido do em-purrão que o arguido Sandro lhe deu.

4.ª — Assim sendo, a conduta do arguidoSandro não se pode subsumir ao resultado pu-nido pelo artigo 143.º do Código Penal; o arguidoSandro deve ser absolvido do crime de ofensascorporais simples, o que se requer.

5.ª — Não o tendo feito com o se impunha, otribunal a quo procedeu a um incorrecto enqua-dramento jurídico penal dos factos provados ecom isso violou o disposto no artigo 143.º doCódigo Penal.

6.ª — São elementos essenciais do crime decoacção, previsto e punido pelo artigo 154.º doCódigo Penal, o uso de violência ou ameaça commal importante por parte do agente, com a in-tenção de constranger o ofendido à prática deuma acção ou omissão ou a suportar uma activi-dade.

7.ª — Nos termos do artigo 22.º do CódigoPenal, ‘há tentativa quando o agente praticaractos de execução de um crime que decidiu come-ter, sem que este chegue a consumar-se’.

8.ª — O arguido Sandro não praticou quais-quer actos de execução do crime de coacção.

9.ª — Da prova produzida apenas ficou apu-rado que o arguido Sandro se dirigiu à morada

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63 Direito PenalBMJ 500 (2000)

onde o queixoso se encontrava, subiu ao 1.º andardessa morada e aí entrou para reclamar uma quan-tia a que considerava ter direito.

10.ª — Não se provou que o arguido Sandrotenha utilizado de violência contra o queixoso ouque tenha sido ele quem proferiu contra esteameaças de males futuros.

11.ª — Igualmente não resultou provada quea intenção do arguido Sandro, ao dirigir-se à mo-rada em causa, fosse a de praticar o crime decoacção.

12.ª — A presença do arguido Sandro no inte-rior do gabinete do queixoso não pode ser havidacomo acto de execução do crime de coacção emnenhuma das modalidades previstas no artigo22.º do Código Penal.

13.ª — Assim, os factos provados não inte-gram as circunstâncias dos artigos 22.º, 23.º e154.º do Código Penal.

14.ª — Não tendo praticado qualquer acto deexecução do crime de coacção, previsto e punidopelo artigo 154.º do Código Penal (em conformi-dade com a descrição de tais actos constante doartigo 22.º do Código Penal), o arguido Sandrodeve ser absolvido do crime de coacção na suaforma tentada, o que se requer.

15.ª — Não o tendo feito como se impunha, otribunal a quo procedeu a um incorrecto enqua-dramento jurídico penal dos factos provados ecom isso violou o disposto nos artigos 154.º,22.º e 23.º do Código Penal.

16.ª — Caso assim não se entenda e venhaeste Tribunal considerar que o arguido Sandrocometeu os crimes de coacção na forma tentada ede ofensas corporais simples na forma consu-mada, considera o ora recorrente que a pena deprisão que lhe foi aplicada não se justifica e éexagerada no presente caso.

17.ª — É verdade que ambos os crimes emquestão são puníveis com pena de prisão ou penade multa, em alternativa.

18.ª — No entanto, a aplicação da pena deprisão deve reduzir-se ao indispensável e apenasé legítima quando, para os fins gerais e concretosde prevenção, não se mostrem adequadas as me-didas não privativas de liberdade.

19.ª — Nos termos do artigo 71.º, n.º 2, doCódigo Penal a determinação da medida da penaé feita em função da culpa do agente e das exigên-cias de prevenção.

20.ª — A culpa do arguido Sandro foi aferidacom base em factos que em relação a si não seprovaram, como sejam o uso de violência física ea ameaça com um mal futuro.

21.ª — Não foram, sequer ponderados [comoprescreve que seja feito a alínea c) do n.º 2 doartigo 71.º do Código Penal] os motivos que le-varam o ora recorrente a deslocar-se ao local detrabalho do queixoso, sendo certo que aqueleconsiderava ser credor da empresa deste pelovalor de 2 000 000$00, devidos pelo esforço doseu trabalho.

22.ª — Acresce que o arguido é primário;desde a data em que ocorreu o incidente em aná-lise, o arguido sempre manteve bom comporta-mento, como atesta o facto de o mesmo serprimário; o arguido vive com amigos, facto nor-mal em jovens da sua idade; o arguido é sóciogerente de uma empresa do ramo da construçãocivil; o arguido trabalha.

23.ª — Em suma, o arguido não é um delin-quente e não necessita de ser reintegrado na so-ciedade, pois jamais dela se afastou ou se sentiuum estranho na mesma, como se demonstrou.

24.ª — Entende-se que a pena de prisão, en-quanto sanção aplicada ao arguido Sandro, é ma-nifestamente exagerada e desajustada face àsnecessidades de prevenção e repressão futuras.

25.ª — Considera, assim, o ora recorrente que,a entender-se dever o mesmo ser condenado pelaprática de um crime de coacção na forma tentadae de um crime de ofensas corporais simples naforma consumada, a sanção a aplicar-lhe deveráser a pena de multa, o que se requer, a qual sedeverá ficar muito próxima do mínimo.

26.ª — Mas mesmo que se entenda dever seraplicada ao arguido pena de prisão, entende esteque a pena aplicada pelo tribunal a quo deveráser substancialmente reduzida.

27.ª — Com efeito, quando a pena abstracta-mente aplicável à forma do crime de ofensas cor-porais simples vai até três anos e quando apenasse provou que o arguido Sandro deu um empur-rão ao queixoso, entende-se que aplicar-lhe penade prisão e, em concreto, exactamente 10 mesesde prisão é manifestamente exagerado e inade-quado, devendo por isso tal medida ser reduzida,o que se requer.

28.ª — Igualmente, quando a pena abstracta-mente aplicável à forma do crime de coacção na

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64 BMJ 500 (2000)Direito Penal

forma tentada, por efeito da atenuação especialprevista nos artigos 23.º, n.º 2, 72.º, n.º 1, e 73.º,n.º 1, alíneas a) e c), todos do Código Penal, vaiaté 2 anos de prisão ou multa até 240 dias, enten-de-se que aplicar-lhe pena de prisão e, em con-creto, exactamente metade da pena máxima deprisão aplicável ao caso, é manifestamente exa-gerado, devendo por isso tal medida ser redu-zida, o que se requer.

29.º — Aos factos acima mencionadosacresce que nos termos do artigo 29.º do CódigoPenal ‘cada comparticipante é punido segundo asua culpa, independentemente da punição ou dograu de culpa dos outros comparticipantes’.

30.ª — A conduta do arguido Sandro não pode,com justeza considerar-se grave.

31.ª — Pelo atrás exposto, entende-se quenão foram ponderados como deviam os critérioslegais para determinação da pena concreta e damedida da pena, pelo que o acórdão recorridoviolou o disposto nos artigos 70.º, 71.º e 72.º,todos do Código Penal.

32.ª — Por último, tendo o acórdão recorridocondenado o arguido Sandro ao pagamento dejuros de mora sobre o montante de indemnizaçãoarbitrado à taxa de 10%, violou o disposto naPortaria n.º 269/99, de 12 de Abril.

33.ª — Assim, impõe-se que, caso o arguidoSandro seja efectivamente condenado no paga-mento de uma indemnização ao queixoso, àmesma devam acrescer juros de mora contadossobre o valor arbitrado à taxa de 10% desde adata do pedido até ao dia 16 de Abril de 1999 e àtaxa de 7% desde 17 de Abril de 1999 até integrale efectivo pagamento, sem prejuízo de diversataxa que venha a ser estabelecida posterior-mente, conforme Portarias n.os 1171/95, de 25 deSetembro, e 268/99, de 12 de Abril.

Nestes termos, requer-se seja dado provi-mento ao presente recurso, revogando-se oacórdão recorrido nos termos enunciados.»

B) Arguido Luciano Marques de Brito:

«1.ª — São elementos essenciais do crime decoacção, previsto e punido pelo artigo 154.º doCódigo Penal, o uso de violência ou ameaça commal importante por parte do agente, com a inten-ção de constranger o ofendido à prática de umaacção ou omissão ou a suportar uma actividade.

2.ª — Nos termos do artigo 22.º do CódigoPenal, ‘há tentativa quando o agente praticaractos de execução de um crime que decidiu come-ter, sem que este chegue a consumar-se’.

3.ª — O arguido Luciano não praticou quais-quer actos de execução do crime de coacção.

4.ª — Da prova produzida apenas ficou apu-rado que o arguido Luciano se dirigiu à moradaonde o queixoso se encontrava, subiu ao 1.º an-dar dessa morada e aí ficou, do lado de fora dogabinete do queixoso, nas escadas junto à portaque dá acesso ao mesmo.

5.ª — Por seu turno, resulta do acórdão recor-rido, e com isso se fundamenta a decisão, que oqueixoso ‘afirmou ter sido agredido e constran-gido no interior do seu gabinete’, no qual o ar-guido Luciano comprovadamente não entrou.

6.ª — Donde resulta que o constrangimentode que o queixoso possa ter sido alvo, por tersido cometido no interior do seu gabinete, nãofoi praticado pelo ora recorrente.

7.ª — Não se provou que o arguido Lucianotenha utilizado de violência contra o queixoso ouque tenha sido ele quem proferiu contra esteameaças de males futuros.

8.ª — Igualmente não resultou provada que aintenção do arguido Luciano, ao dirigir-se à mo-rada em causa, fosse a de praticar o crime decoacção.

9.ª — A presença do arguido Luciano nas es-cadas que dão acesso ao gabinete do queixosonão pode ser havida como acto de execução docrime de coacção em nenhuma das modalidadesprevistas no artigo 22.º do Código Penal.

10.ª — Assim, os factos provados não inte-gram as circunstâncias dos artigos 22.º, 23.º e154.º do Código Penal.

11.ª — Não tendo praticado qualquer acto deexecução do crime de coacção, previsto e punidopelo artigo 154.º do Código Penal (em conformi-dade com a descrição de tais actos constante doartigo 22.º do Código Penal), o arguido Lucianodeve ser absolvido do crime de coacção na suaforma tentada, o que se requer.

12.ª — Não o tendo feito como se impunha, otribunal a quo procedeu a um incorrecto enqua-dramento jurídico penal dos factos provados ecom isso violou o disposto nos artigos 154.º,22.º e 23.º do Código Penal.

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65 Direito PenalBMJ 500 (2000)

13.ª — Caso assim não se entenda e venhaeste Tribunal considerar que o arguido Lucianocometeu o crime de coacção na forma tentada,considera o ora recorrente que a pena de prisãoque lhe foi aplicada não se justifica e é exageradano presente caso.

14.ª — É verdade que o crime de coacção épunível com pena de prisão ou pena de multa,em alternativa.

15.ª — No entanto, a aplicação da pena deprisão deve reduzir-se ao indispensável e apenasé legítima quando, para os fins gerais e concretosde prevenção, não se mostrem adequadas as me-didas não privativas de liberdade.

16.ª — Nos termos do artigo 71.º, n.º 2, doCódigo Penal, a determinação da medida da penaé feita em função da culpa do agente e das exigên-cias de prevenção.

17.ª — A culpa do arguido Luciano foi aferidacom base em factos que em relação a si não seprovaram, como sejam o uso de violência física ea ameaça com um mal futuro.

18.ª — Acresce que o arguido é primário;desde a data em que ocorreu o incidente em aná-lise, o arguido sempre manteve bom comporta-mento, como atesta o facto de o mesmo serprimário; o arguido tem uma família constituída,pois vive em união de facto; a mulher do arguidonão trabalha, sendo doméstica; o arguido tem umafilha com 1 mês de idade; o arguido é sócio deuma empresa do ramo da construção civil; o ar-guido trabalha; o arguido tem casa própria, paraaquisição da qual recorreu a empréstimo ban-cário.

19.ª — Em suma, o arguido não é um delin-quente e não necessita de ser reintegrado na so-ciedade, pois jamais dela se afastou ou se sentiuum estranho na mesma, como se demonstrou.

20.ª — Entende-se que a pena de prisão, en-quanto sanção aplicada ao arguido Luciano, émanifestamente exagerada e desajustada face àsnecessidades de prevenção e repressão futuras.

21.ª — Considera, assim, o ora recorrente que,a entender-se dever o mesmo ser condenado pelaprática de um crime de coacção na forma tentada,a sanção a aplicar-lhe deverá ser a pena de multa,o que se requer, a qual se deverá ficar muito pró-xima do mínimo.

22.ª — Mas mesmo que se entenda dever seraplicada ao arguido pena de prisão, entende este

que a pena aplicada pelo tribunal a quo deveráser substancialmente reduzida.

23.ª — Com efeito, quando a pena abstracta-mente aplicável à forma do crime em causa naforma tentada, por efeito da atenuação especialprevista nos artigos 23.º, n.º 2, 72.º, n.º 1, e 73.º,n.º 1, alíneas a) e c), todos do Código Penal, vaiaté 2 anos de prisão ou multa até 240 dias, enten-de-se que aplicar-lhe pena de prisão e, em con-creto, exactamente metade da pena máxima deprisão aplicável ao caso, é manifestamente exa-gerado, devendo por isso tal medida ser redu-zida, o que se requer.

24.ª — Aos factos acima mencionados acresceque nos termos do artigo 29.º do Código Penal‘cada comparticipante é punido segundo a suaculpa, independentemente da punição ou do graude culpa dos outros comparticipantes’.

25.ª — A conduta do arguido Luciano é bemdistinta da dos demais co-arguidos neste pro-cesso e por isso é inaceitável que seja condenadoà mesmíssima pena.

26.ª — Pelo atrás exposto, entende-se quenão foram ponderados como deviam os critérioslegais para determinação da pena concreta e damedida da pena, pelo que o acórdão recorridoviolou o disposto nos artigos 70.º, 71.º e 72.º,todos do Código Penal.

27.ª — Por último, tendo o acórdão recorridocondenado o arguido Luciano ao pagamento dejuros de mora sobre o montante de indemnizaçãoarbitrado à taxa de 10%, violou o disposto naPortaria n.º 269/99, de 12 de Abril.

28.ª — Assim, impõe-se que, caso o arguidoLuciano seja efectivamente condenado no paga-mento de uma indemnização ao queixoso, àmesma devam acrescer juros de mora contadossobre o valor arbitrado à taxa de 10% desde adata do pedido até ao dia 16 de Abril de 1999 e àtaxa de 7% desde 17 de Abril de 1999 até integrale efectivo pagamento, sem prejuízo de diversataxa que venha a ser estabelecida posterior-mente, conforme Portarias n.os 1171/95, de 25 deSetembro, e 269/99, de 12 de Abril.

Nestes termos, requer seja dado provimentoao presente recurso, revogando-se o acórdãorecorrido nos termos enunciados.»

Na sua douta resposta, a Ex.ma Magistrada doMinistério Público no tribunal de 1.ª instância

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66 BMJ 500 (2000)Direito Penal

pugnou pela improcedência, na totalidade, de am-bos os recursos, por entender correctas as incri-minações e ajustadas as penas.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, oEx.mo Procurador-Geral Adjunto, quando da vistanos termos do artigo 416.º do Código de Pro-cesso Penal, pronunciou-se no sentido de nadaobstar ao conhecimento do recurso, Igual enten-dimento constou do despacho preliminar.

Corridos os vistos, realizou-se a audiência comobservância das formalidades legais, cumprindoagora decidir.

II

Relativamente à decisão de facto, o doutoacórdão recorrido consignou:

Factos provados (1):

1 — O queixoso António José Correia Mar-tins era um dos sócios da Termovouga — Cons-truções e Planeamento, L.da

2 — O arguido Sandro era (em 1996) e ainda éum dos sócios gerentes da firma Tetiplaca —Sociedade de Montagens e Construção Civil, L.da

3 — O arguido Luciano é actualmente (desdeFevereiro de 1999) um dos sócios da Tetiplaca,L.da, empresa que realizou uma obra para aTermovouga, L.da

4 — Em 7 de Março de 1996, a Tetiplacaintentou uma acção declarativa de condenaçãocom processo ordinário contra a Termovouga noTribunal Judicial de Almada, relacionada com adita obra realizada em Portalegre, na Escola Su-perior de Tecnologia e Gestão do Instituto Poli-técnico de Portalegre.

5 — Em 30 de Setembro de 1996 foi tentada acitação da ré na Rua de Santa Marta; tal diligên-cia não teve êxito em virtude de o sócio que aíexerce a sua actividade profissional ter infor-mado o Tribunal que não tinha poderes para re-ceber a referida citação em virtude de já ter cessadoos poderes de gerência e ter acrescentado que asede da ré Termovouga se situava na Avenida daRainha D. Amélia, 18, rés-do-chão, direito, emLisboa.

6 — Em Janeiro de 1997, o arguido Sandroconsiderava que a Termovouga devia à Tetiplacacerca de 2 000 000$00 correspondentes a partedo preço daquela obra, do que deu conhecimentoao arguido Luciano, seu irmão, e aos outros doisarguidos.

7 — Tendo descoberto o local onde o quei-xoso se encontrava a trabalhar, os dois arguidosjuntamente com os arguidos António e João, nodia 10 de Janeiro de 1997, cerca das 10.30 horas,mediante prévio acordo, dirigiram-se à Azinhagada Francelha, letras ASr, na Quinta do Figo Ma-duro, no Prior Velho, área desta comarca.

8 — Aí chegados, pretextaram que queriamfalar com o queixoso a propósito de um negócio,tendo o mesmo disso sido informado pela suasecretária, na sequência do que os mandou subirao gabinete onde se encontrava a trabalhar, si-tuado no 1.º andar.

9 — O arguido Sandro, juntamente com osarguidos António e João, entraram no gabinetedo queixoso, enquanto o arguido Luciano perma-necia à porta numas escadas que davam acessoao mesmo.

10 — O arguido Sandro já dentro do referidogabinete exigiu ao queixoso que lhe desse o di-nheiro da dívida supra-referida.

11 — O queixoso negou-se a entregar-lhe qual-quer dinheiro, alegando que já não era sócio daTermovouga e que nenhum conhecimento tinhada alegada dívida desta para com a Tetiplaca.

12 — Então, um dos três arguidos que esta-vam dentro do gabinete e que não foi possíveldeterminar acercou-se do queixoso e, empurran-do-o contra a parede e os móveis e puxando-lheo nó da gravata apertando-lhe o pescoço, exigiu--lhe que lhe desse o referido dinheiro, o que oqueixoso continuou a recusar.

13. —Na mesma ocasião e lugar o arguidoSandro derrubou um vaso que estava sobre umamesa do gabinete do queixoso e desferiu aindaempurrões contra este.

14 —O queixoso gritou então para Carla Ga-lego, a secretária que inicialmente tinha atendidoos arguidos e que estava num gabinete ao lado dodele, pedindo-lhe para esta chamar a polícia, oque ela tentou fazer, do que foi impedida por umdos arguidos, que não foi possível determinar.

15 — Os arguidos, vendo que não conse-guiam os seus intentos, abandonaram as instala-

(1) Subordinaremos a números a indicação dos factos, pornossa iniciativa, para maior facilidade de referência.

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67 Direito PenalBMJ 500 (2000)

ções dizendo um deles, que não foi possível de-terminar, ao queixoso que havia de pagar a dívidae que se não pagasse quem iria sofrer seria a suamulher e os seus filhos.

16 — Das agressões resultaram para o ofen-dido dores e incómodos de que não necessitou dereceber tratamento hospitalar.

17 — O ofendido ficou com medo.18 — Ao actuar da forma descrita, de comum

acordo e em conjugação de esforços, os arguidosquiseram valer-se da circunstância de serem qua-tro e obrigar, pela violência da força e superiori-dade física, o ofendido a entregar-lhes o dinheiro,o que não conseguiram por razões alheias à suavontade e quiseram fazê-lo sentir medo das con-sequências da sua recusa, o que conseguiram.

19 — O arguido Sandro quis ainda molestarfisicamente o queixoso.

20 — Agiram de forma livre e deliberada econhecendo a censurabilidade das suas condutas.

21 — O arguido Sandro é solteiro.22 — Exerce a profissão de carpinteiro, de

que aufere cerca de 100 000$00/mês.23 — Vive em casa de uns amigos.24 — Tem o 8.º ano.25 — Afirmou que nunca respondeu nem tem

processos pendentes.26 — Confessou parcialmente os factos, ad-

mitindo ter sido ele quem primeiro exigiu o di-nheiro ao queixoso e ter-lhe dado um empurrão,mas sustentando que aquele o empurrou primeiro.

27 — O arguido Luciano é solteiro mas viveem união de facto, da qual tem um filho com1 mês de idade, sendo a companheira doméstica.

28 — Exerce a profissão de pintor da cons-trução civil, de que aufere cerca de 150 000$00/mês;

29 — Vive em casa própria, que adquiriu porrecurso ao crédito bancário, suportando uma pres-tação mensal de 56 000$00.

30 — Tem o 7.º ano.31— Afirmou que nunca respondeu nem tem

processos pendentes.32 — Confessou parcialmente os factos, admi-

tindo ter permanecido nas escadas junto ao ga-binete do queixoso enquanto aqueles decorriam.

Factos não provados:

— Foi o arguido João quem se acercou doqueixoso e, empurrando-o contra a parede e os

móveis e puxando-lhe o nó da gravata apertan-do-lhe o pescoço, lhe exigiu que lhe desse o di-nheiro;

— Os arguidos Sandro e António se manti-nham junto à porta do escritório, impedindo oqueixoso de sair;

— O arguido Sandro tenha dito ao ofendidoque se não lhe desse o dinheiro lhe dava um tiroe que a sua família sofreria retaliações, nem quetenha sido o mesmo arguido quem impediu a CarlaGalego de telefonar à PSP;

— O queixoso deu um empurrão ao arguidoSandro;

— O arguido Sandro, ao empurrar o queixoso,tenha visado defender-se e ser alvo de qualqueragressão;

— O arguido Sandro tenha empurrado o quei-xoso contra o mobiliário do escritório;

— O arguido Sandro, ao sair das instalações,tenha dito ao queixoso «o senhor há-de pagaresta dívida»;

— Das agressões infligidas pelos arguidosresultaram para o queixoso diversas contusões ehematomas;

— O ofendido, após os factos, tenha alteradoo seu modo normal e habitual de vida e nuncamais viveu descansado, passando a viver commedo e num estado de permanente sobressalto,tal como a sua família;

— O ofendido tenha abandonado a sua resi-dência durante dois meses, indo dormir para casade um irmão;

— O ofendido acorde frequentemente em so-bressalto e com sonhos relacionados com o seusequestro e o dos seus filhos menores;

— O preço da obra realizada a favor da Ter-movouga não tinha sido integralmente pago;

— A acção intentada em Almada tenha tidopor objecto o diferendo relativo ao pagamentodo preço;

— Durante um ano, a Termovouga furtou-se,de má fé, à citação naquela mesma acção e re-cusava as cartas de citação justificando que o nomeda empresa não estava completo, mudava de sede(para que as cartas fossem devolvidas) e mudavade gerência (para obstar a que os representanteslegais fossem citados através de funcionário);

— Durante a ano de 1996 foi impossívelcontactar via telefónica com a Termovouga;

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68 BMJ 500 (2000)Direito Penal

— O arguido Sandro quando no dia dos factosse dirigiu às instalações onde trabalhava o quei-xoso pretendia reunir com alguns dos responsá-veis da Termovouga e pretendia propor um acordoe reduzir um pouco a dívida daquela;

— O arguido Sandro no dia dos factos estavaacompanhado dos restantes co-arguidos, porquede seguida iriam juntos para as instalações deuma outra obra que tinham em curso;

— A nova morada da Termovouga fosse nolocal onde ocorreram os factos;

— Quando os arguidos chegaram ao referidolocal tenham perguntado onde era o gabinete dogerente da Termovouga;

— Apenas o arguido Sandro e o arguido Joãoentraram no gabinete do queixoso;

— O arguido Luciano estava bem afastado daporta do gabinete do queixoso;

— O arguido Luciano é pessoa calma e conci-liadora;

— A Termovouga protelou constantementeo cumprimento da sua obrigação, alegando de-feitos que não existiram. Do preço acordado(3 046 738$00), a Termovouga apenas pagou aquantia de 950 000$00;

— A Termovouga foi condenada na acção deAlmada;

— O arguido Sandro conseguiu apurar que aresponsabilidade dos defeitos alegados não eraimputável à sua empresa;

— A partir da 2.ª quinzena de Dezembro de1995, os gerentes da Termovouga deixaram deestabelecer quaisquer contactos e já nem sequerse dignavam receber nenhum dos sócios da Teti-placa ou sequer atender as chamadas telefónicasdestes;

— Foi enviada carta para citação da ré Termo-vouga para a sua sede sita na Avenida da RainhaD. Amélia, 18, rés-do-chão, direito, em Lisboa, aqual veio a ser devolvida com a menção «Re-cusada em virtude de o nome da firma não estarcompleto»;

— Foi enviada nova carta de citação da réTermovouga e enviada para a mesma morada, aqual foi devolvida com a menção «Mudou-se semdeixar nova morada»;

— A empresa do arguido Sandro requereuinformação à Conservatória do Registo Comer-cial de Lisboa, tendo tomado conhecimento quea sede da Termovouga havia sido transferida;

— No início de Janeiro de 1997, através doserviço informativo 118 e depois de algumas di-ligências e cruzamento de informações, a em-presa do arguido Sandro conseguiu saber quetodos os trabalhadores da Termovouga e bemassim o queixoso se haviam mudado na totali-dade para a morada onde ocorreram os factos.

Motivação da decisão de facto:

A convicção do Tribunal formou-se a partirda análise crítica das declarações dos própriosarguidos, do depoimento das testemunhas ouvi-das e documentos juntos aos autos, tendo-seainda feito apelo ao conhecimento do mundo eda vida e às regras da experiência comum, prin-cipalmente no que concerne ao dolo.

O arguido Sandro, como se provou, confes-sou parcialmente os factos. Admitiu mesmo terdado um empurrão ao ofendido, só que susten-tou tê-lo feito para se defender, o que não con-venceu, vista a superioridade física em que seencontrava, uma vez que estava acompanhadopelos outros três arguidos.

O arguido Luciano também confirmou queestava nas escadas junto ao gabinete ào quei-xoso enquanto os seus co-arguidos estavam nointerior.

Por seu turno, o queixoso confirmou ter sidoagredido e constrangido no interior do gabinete enegou ter empurrado algum dos arguidos, nãotendo, contudo, sido capaz de precisar qual opapel desempenhado por cada um dos arguidos.Igual testemunho foi prestado por Carla Galego,pessoa que atendeu inicialmente os arguidos e osencaminhou para o gabinete do queixoso, a qual,estando num gabinete ao lado do daquele, se aper-cebeu das intenções dos arguidos e tentou cha-mar a PSP, do que foi impedida por um dosarguidos, não sendo, todavia, capaz de identifi-car qual deles a impediu.

Foi ainda importante o depoimento da teste-munha José Matos, trabalhador no mesmo localonde os factos ocorreram e que, alertado para osmesmos pela testemunha Carla Galego, acorreuao gabinete do queixoso, tentando acalmar os âni-mos do mesmo passo que viu o arguido Sandro aempurrar aquele.

Tais depoimentos, embora com pequenas con-tradições aqui e ali, convenceram da isenção e doessencial afirmado.

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69 Direito PenalBMJ 500 (2000)

A testemunha Vítor Lopes, ouvida por depre-cada, que confirmou ter ouvido a discussão e depermeio barulhos de pontapés e pressentia em-purrões, também não viu a quem eram dirigidosnem quem empurrava quem.

Mais disse esta testemunha que nos dias se-guintes o queixoso denotava comportamentonormal.

A testemunha Maria Granadeiro em nadacontribuiu para o esclarecimento dos factos oumesmo para o apuramento da personalidade dosarguidos.

É das regras da experiência comum que nin-guém se presta a ir a um local exigir dinheiro a umsuposto devedor sem que previamente saiba aoque vai.

Tiveram-se em conta os documentos defls. 285 a 289, 324 a 332, 357 a 359 e 362 e 363(alguns deles repetidos) e atentou-se no certifi-cado do registo criminal dos arguidos (fls. 46, 89e 53).

Por fim, deu-se crédito às declarações dos ar-guidos no que concerne às respectivas situaçõespessoais, familiares e profissionais.

III

As questões a decidir são pois as seguintes:

a) Os factos provados não integram a prá-tica por qualquer dos arguidos do crimede coacção na forma tentada, por queforam condenados como co-autores ma-teriais?

b) O factualismo apurado não permite con-siderar cometido pelo arguido Sandro ocrime de ofensa à integridade física sim-ples, em que o douto acórdão o condenoucomo co-autor material?

c) A considerarem-se praticados pelos ar-guidos Sandro e Luciano os referidos cri-mes, as penas aplicadas deviam ter sidode multa e não de prisão, atento o critériode escolha da pena estabelecido no artigo70.º do Código Penal?

d) A concluir-se ser adequada a aplicação depenas de prisão, as medidas concretas des-sas penas em que os arguidos foram con-denados apresentam-se excessivas, pordesproporcionadas face aos critérios doartigo 71.º do Código Penal.

e) A manter-se a condenação dos arguidosno pagamento da indemnização, deve seralterada a taxa dos juros no sentido de sernão de 10% desde a data do pedido atéintegral pagamento, mas de essa taxa res-peitar apenas ao período que decorre dadata do pedido até 16 de Abril de 1999,devendo a taxa, a partir dessa data, ser de7%, por força da Portaria n.º 266/99, de12 de Abril?

1. Apreciemos a questão sintetizada sob aalínea a), relativa à condenação dos arguidos pelocrime de coacção.

Da conjugação dos factos provados com odisposto nos artigos 154.º, n.os 1 e 2, 22.º e 26.º,todos do Código Penal, resultam integrados oselementos do tipo objectivo e do tipo subjectivodo crime de coacção, na forma tentada, pratica-dos pelos arguidos como co-autores materiais:

O queixoso foi vítima de violência, traduzidanos factos descritos sob os n.os 12, 13 e 16, e deameaças com mal importante para sua mulher eseus filhos, que lhe provocaram medo (factosdescritos sob os n.os 15 e 17), visando tais vio-lência e ameaças praticados pelos arguidos levaro queixoso a, contra a sua vontade, portanto cons-trangido, entregar dinheiro que o arguido Sandroinvocava ser devido por empresa de que o quei-xoso seria sócio a empresa de que eram sócios elee o co-arguido Luciano(factos descritos sob osn.os 1 a 14);

Os arguidos agiram com a intenção de conse-guir, por esses meios, forçar o arguido à entregado dinheiro, actuando de forma livre e deliberadae conhecendo a censurabilidade das suas condu-tas (factos descritos sob os n.os 18 e 20, conjuga-dos com os que o são sob os n.os 6 a 17 e 19),portanto com dolo, sob a forma de dolo directo;

Os arguidos não conseguiram que o arguidoentregasse o dinheiro, apesar dos descritosactos, manifestamente de execução [artigo 22.º,n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal], por vir-tude da reacção do queixoso, que se recusou afazê-lo e gritou para que a secretária chamasse apolícia, circunstâncias estas independentes davontade dos arguidos (cfr. n.os 11, 14 e 15 doelenco dos factos provados e n.º 1 do citado ar-tigo 22.º);

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70 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Todos os arguidos actuaram em harmonia comprévio acordo entre todos eles para a execuçãoconjunta do facto (n.os 7 e 18 do elenco dos fac-tos provados), execução em que todos intervie-ram directamente e detendo e exercendo odomínio funcional do facto (incluindo o arguidoLuciano, que, ficando embora à porta do gabi-nete do queixoso, não deixou de actuar em har-monia com o plano formulado ex ante de seremos quatro a apresentarem-se na empresa do quei-xoso para, pela superioridade física daí resul-tante, conseguirem com êxito o constrangimentoprojectado (cfr., nomeadamente, o n.º 18 do elen-co dos factos provados);

Agiram assim em co-autoria material (artigo26.º do Código Penal), pelo que os actos pratica-dos por cada um deles na execução do referidoplano e de acordo com este são igualmente impu-tados, do ponto de vista da ilicitude, a todos osdemais (2).

Improcede, pois, este fundamento comum aambos os recursos.

2. Apreciemos agora a questão sintetizadasob a alínea b), relativa ao crime de ofensas àintegridade física simples em que o douto acórdãocondenou também o recorrente Sandro.

Pretende ele que não pode imputar-se-lhe aprática deste crime por não ter ficado provadoque as dores sofridas pelo queixoso tenham resul-tado do empurrão que esse arguido lhe deu.

Não lhe assiste, porém, razão.Os factos provados significam que a ofensa

do corpo do queixoso, traduzida nas referidasdores, resultou adequadamente das descritasagressões praticadas pelo recorrente e co-argui-dos António e João, em manifesta co-autoriamaterial, pelo que, como se referiu a propósitodo crime de coacção, são todos responsáveis peloconjunto dos actos, e suas consequências, prati-cados conjuntamente de harmonia com o planode execução acordado, independentemente daautoria individual de cada um desses actos.

Verifica-se porém que este crime de ofensa àintegridade física simples não se encontra em re-lação de concurso efectivo com o crime de coac-ção, mas antes numa relação de concurso aparente,por consunção daquele crime por este. Tratan-do-se de ofensas corporais leves, devem efecti-vamente considerar-se integradas no elementotípico «violência» do crime de coacção, cuja penaprevista abrange, nesse caso, a protecção do bemjurídico da integridade física próprio do tipo le-gal de crime do artigo 143.º do Código Penal (3).

Não deve por isso ser objecto de punição au-tónoma o crime de ofensa à integridade físicasimples.

3. Apreciemos agora as questões relativas àspenas, sintetizadas sob as alíneas c) e d), nestemomento limitadas às referentes ao crime decoacção, atento o decidido quanto à consunçãopor este do crime de ofensa à integridade físicasimples.

Considerando as elevadas exigências de pre-venção geral reflectidas no caso concreto, ligadasao fenómeno das cobranças de dívidas por meiode violências ou ameaças integrantes de coacção,inadmissível numa sociedade própria de um Es-tado de direito democrático, e ao circunstancia-lismo indiciador de significativas exigências deprevenção especial, traduzidas designadamentena actuação conjunta e por acordo de quatro agen-tes, a pena de multa não se apresenta como bas-tante para a realização das finalidades da punição.

É por isso de manter a opção do douto acórdãorecorrido pela pena de prisão, considerado quefoi o disposto no artigo 70.º do Código Penal.

Relativamente à determinação, nos termos dosartigos 40.º e 71.º do Código Penal, da medidaconcreta das penas, dentro de uma moldura abs-tracta que se situa entre um mês e dois anos deprisão, atentas as disposições conjugadas dosartigos 154.º, n.º 1, 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, alí-neas a) e b), do Código Penal, afigura-se-nos oseguinte:

Considerando que a ilicitude se mostra de graumédio, que o dolo se reveste da forma directa e se(2) Neste sentido, cfr., v. g., Acórdãos do Supremo Tribu-

nal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1999, processo n.º 1136/98, de 18 de Março de 1999, processo n.º 1116/98, de 6 deOutubro de 1999, processo n.º 698/99, de 10 de Novembro de1999, processo n.º 1008/99, de 15 de Dezembro de 1999, pro-cesso n.º 723/99.

(3) Neste sentido, cfr., v. g., Taipa de Carvalho e PaulaRibeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Pe-nal, parte especial, tomo I, págs. 368 e 217, respectivamente.

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71 Direito PenalBMJ 500 (2000)

apresenta intenso, mais pronunciado relati-vamente ao arguido Sandro, e atendendo às pro-vadas condições pessoais e profissionais dosarguidos, a indiciar razoável integração social; ebem assim à ausência de antecedentes criminais,circunstância a relacionar com as idades dos ar-guidos, as penas de 10 meses para o arguidoSandro e de 7 meses para o arguido Luciano apre-sentam-se como adequadas ao grau de culpa decada um dos arguidos (cfr. artigo 29.º do CódigoPenal), às fortes necessidades concretas de pre-venção geral positiva ou de integração e, dentroda «moldura de prevenção geral», também às apre-ciáveis exigências de prevenção especial de so-cialização.

Atendendo, porém, à ausência de anteceden-tes criminais dos arguidos, às suas idades e à cir-cunstância de estarem profissionalmente beminseridos, apresenta-se como positivo o juízo deprognose no sentido de que a simples censura dofacto e a ameaça da prisão realizam de formaadequada e bastante as finalidades, essencialmentepreventivas, da punição.

Por isso, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, doCódigo Penal, deve suspender-se, pelo períodode dois anos, a execução das penas de prisão emque os arguidos vão condenados.

Por virtude dessa suspensão, não é de con-siderar a aplicação de perdão nos termos da Lein.º 29/99, de 12 de Maio, atento o disposto noartigo 6.º dessa lei.

4. Relativamente à questão dos juros, sinte-tizada sob a alínea e), assiste razão aos arguidos,porém com a correcção de que a taxa de 7% édevida desde a data de 12 de Abril de 1999, porforça da Portaria n.º 263/99.

IV

Em conformidade, julgando em parte proce-dente o recurso, revoga-se parcialmente o doutoacórdão recorrido, decidindo-se:

a) Condenar os arguidos Sandro Marquesde Brito e Luciano Marques de Brito,como co-autores materiais de um crimede coacção na forma tentada, previsto epunido pelas disposições combinadas dosartigos 154.º, n.os 1 e 2, 22.º, 23.º, n.os 1 e2, e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos doCódigo Penal, nas penas, respectiva-mente, de 10 e 7 meses de prisão;

b) Absolver o arguido Sandro Marques deBrito do crime de ofensa à integridade fí-sica simples, previsto e punido pelo ar-tigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, por seencontrar numa relação de consunção como crime de coacção referido na alínea a);

c) Suspender, pelo período de dois anos, nostermos do artigo 50.º, n.º 1, do CódigoPenal, as penas, referidas na alínea a), emque os arguidos vão condenados;

d) Determinar que a taxa dos juros vencidose vincendos relativos à indemnização emque os arguidos foram condenados seráde 7% no período posterior a 12 de Abril,por força da Portaria n.º 263/99, sem pre-juízo de diversa taxa legal que venha a serestabelecida posteriormente.

São devidas custas pelos arguidos, fixando-sea taxa de justiça em 6 UCs.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Gomes Leandro (Relator) — Virgílio Oli-veira — Mariano Pereira — Leonardo Dias.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 28 de Outubro de 1999 da 3.ª Secção da 7.ª Vara Criminal de Lisboa, processon.º 493/98.

I — Está de acordo com o entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência relativamenteaos elementos típicos do crime de coacção e à tentativa. Cfr., v. g., Américo Taipa de Carvalho,Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, págs. 352 e seguintes, MaiaGonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 14.ª ed., 2001, págs. 523 e 524, Leal-

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72 BMJ 500 (2000)Direito Penal

-Henriques/Simas Santos, Código Penal Anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., referências doutrinárias e resenhajurisprudencial a págs. 314 e seguintes.

II — Corresponde a posições pacíficas da doutrina e da jurisprudência no domínio da co-autoria.Cfr., v.g., Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1971, págs. 245 e segs.,Figueiredo Dias, Direito Penal, sumários, 1976, págs. 56 e segs., Maria da Conceição S. Valdágua,Início da Tentativa do Co-Autor, Lex, Lisboa 1993, págs. 137 e segs., Faria e Costa, «Formas docrime», Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, 1983, págs. 169 e seguintes.

III — Neste sentido, v. g., Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do CódigoPenal, Parte Especial, tomo I, pág. 368, Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense doCódigo Penal, parte especial, tomo I, pág. 217. Ver, ainda, Maia Gonçalves, Código Penal PortuguêsAnotado e Comentado, 14.ª ed., 2001, anotações ao artigo 154.º

IV — Sobre o critério de escolha da pena, cfr., v.g., Robalo Cordeiro, «A determinação da pena»,Jornadas de Direito Criminal — Revisão do Código Penal — Alterações ao Sistema Sancionatórioe Parte Especial, II, Centro de Estudos Judiciários, págs. 47 e 48, Figueiredo Dias, Direito PenalPortuguês — As Consequência Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, págs. 329 e se-guintes.

(R. S. O.)

Crime de abuso de confiança — Elementos típicos — Requisitosda sentença — Fundamentação — Enumeração dos factos nãoprovados — Indicação e exame crítico das provas — Recurso —Fundamentos do recurso — Contradição insanável da funda-mentação — Erro notório na apreciação da prova

I — São elementos típicos do crime de abuso de confiança no actual Código Penal,quer na versão inicial de 1982, quer na de 1995:

a) A entrega ao agente, por título não translativo de propriedade, de coisamóvel, entrega essa livre e válida, em virtude de uma relação fiduciáriaentre o agente e o dono ou detentor da coisa, que constitua aquele naobrigação de afectar a coisa móvel, que lhe foi entregue materialmenteou colocada sob a sua disponibilidade, a um uso determinado ou naobrigação de a restituir;

b) A posterior obrigação da coisa móvel pelo agente, contra a vontadedo proprietário ou legítimo detentor desta, através da prática de actosque exprimem a inversão do título de posse, isto é, que o agente passoua dispor da coisa ut dominus, com animus rem sibi habendi, integran-do-se no seu património;

c) A conhecimento pelo agente dos elementos descritos sob as alíneas a)e b) e a vontade de realizar o referido sob a alínea b) ou a consciênciade que da conduta resulta a sua realização como consequência neces-sária ou como consequência possível e conformando-se, neste últimocaso, com o resultado.

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73 Direito PenalBMJ 500 (2000)

II — Resultando do elenco dos factos provados que o arguido, no uso de poderesque o assistente lhe outorgara por procuração, onde se diz que é constituída no interessedo mandatário e que este fica isento de prestação de contas, celebrou com terceirocontrato-promessa e subsequente contrato de venda de bem imóvel do assistente, pelopreço de 20 000 000$00, que recebeu, depositou na sua conta bancária e não entregouao assistente, apesar de este lho ter solicitado, mas tendo sido considerado não provadoque o arguido se apropriasse dos 20 000 000$00 entregues como preço da venda efec-tuada, que tal preço não lhe pertencesse, que agisse livre, deliberada e conscientementea fim de se apoderar de tal preço, que o fizesse contra a vontade do seu dono e queconhecesse a ilicitude da sua conduta, é manifesto que não podem considerar-se integra-dos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de abuso de confiança, pelo quese impunha a decidida absolvição do arguido.

III — Sendo de reconhecer que a indicação dos factos considerados não provadosganharia em clareza substancial e diminuição do risco de aparência de conclusividadese efectuada com referência mais directa, concreta e pormenorizada a factualismo apon-tado na pronúncia, e sendo também de considerar que a indicação e o exame crítico dasprovas que fundamentaram a decisão de facto não se revestiu da explicitação que seriamais desejável para a melhor compreensão e sindicabilidade, em recurso do processológico-racional que levou a essa decisão, certo é que a consideração da globalidade dadecisão de facto e da sua fundamentação leva a ter essa decisão por suficientementecompreensível, coerente e justificada, por isso não contraditória, não enfermando deerro notório na apreciação da prova nem de insuficiência de fundamentação.

IV — Resultando dessa globalidade ter-se por não provado que o dinheiro nãopertencesse ao arguido e que este tivesse agido com a vontade de se apoderar do di-nheiro, tendo a consciência que ele não lhe pertencia, tal não implica contradiçãoinsanável com o facto provado de o arguido ter depositado em seu nome e não ter entre-gue ao assistente o dinheiro do preço do bem quando da venda, no uso de poderesconferidos por procuração constituída no interesse do mandatário e isentando este daprestação de contas.

V — Tal não significa também erro notório na apreciação da prova, no sentido defacilmente apreensível pelo homem médio com a experiência de julgados, vício esse que,como o anterior, é excluído pela consideração de que não foi possível esclarecer a razãode ser da outorga da procuração nesses termos e que é da experiência comum que estespodem corresponder à vontade de outorga de uma procuração para realização de umnegócio em nome do outorgante mas no interesse do procurador, em harmonia com aeventual existência de negócio jurídico subjacente de datio pro solvendo ou outro, daípodendo resultar que o procurador não tenha a obrigação de entregar o recebido emconsequência do uso dos poderes resultantes da outorga da procuração, nem de prestarcontas.

VI — De igual modo, não se verifica insuficiência de fundamentação pois mostra-sesuficientemente esclarecido que a globalidade da decisão de facto resultou de não tersido possível obter prova testemunhal ou documental que infirmasse ou confirmasse asversões do arguido e do assistente, designadamente quanto às razões da outorga daprocuração com as referidas cláusulas de o ser no interesse do procurador e isentandoeste do dever de prestar contas.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 779/99

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74 BMJ 500 (2000)Direito Penal

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Pelo tribunal colectivo de círculo de Portimãofoi julgado o arguido António Olímpio de Albu-querque Pereira, casado, agricultor, nascido a15 de Março de 1942, filho de Olímpio da Con-ceição e de Manuela Camarate de Albuquerque,natural de Milharado, Mafra, e residente no Mor-gado do Alte, Loulé, acusado pelo digno agentedo Ministério Público e pelo assistente EjlerSchmidt da prática, como autor material, de umcrime de abuso de confiança, previsto e punidopelo artigo 300.º, n.os 1 e 2, alínea a), do CódigoPenal, versão de 1982, a que corresponde actual-mente o artigo 205.º, n.os 1 e 4, alínea b), doCódigo Penal, versão de 1995.

O assistente deduziu ainda pedido de indem-nização civil no montante de 27 666 000$00.

Por acórdão de 11 de Julho de1997 daqueletribunal, foi o arguido absolvido do crime e dopedido de indemnização civil.

Desta decisão recorreu o assistente para oSupremo Tribunal de Justiça, que, pelo acórdãode fls. 415 e seguintes, julgou procedente o re-curso, declarando nulo o acórdão recorrido, porviolação do artigo 379.º, alínea a), referido aoartigo 374.º, ambos do Código de Processo Pe-nal, e determinando a repetição do acto decisório,pelo mesmo tribunal, para cumprimento do pres-crito no citado artigo 374.º

Baixados os autos e reunido de novo o tribu-nal colectivo, veio a ser proferido acórdão peloqual o arguido foi igualmente absolvido dos refe-ridos crime e pedido de indemnização civil.

De novo recorreu o assistente e o SupremoTribunal de Justiça, pelo acórdão de fls. 454 eseguintes, decidiu igualmente no sentido da nuli-dade do novo acórdão, prevista no artigo 379.º,alínea a), com referência ao artigo 374.º, ambosdo Código de Processo Penal, determinando queo tribunal de 1.ª instância procedesse ao sanea-mento dessa nulidade.

Em sequência de tal determinação, o mesmotribunal colectivo proferiu o acórdão de fls. 465a 471, que de novo absolveu o arguido do crime edo pedido de indemnização civil.

O assistente novamente recorreu desta deci-são, formulando na sua motivação as seguintesconclusões:

a) No acórdão recorrido é afirmado que nãose provou que o arguido se tivesse apro-priado de 20 000 000$00 entregues comopreço da venda efectuada e que tal preçonão lhe pertencesse. Factos que estão emcontradição com os factos também pro-vados, de que o arguido vendeu um bemdo mandante, recebeu 20 000 000$00 edepositou na sua conta bancária, tendosido interpelado para os pagar;

b) Quem vende o bem de terceiro no âmbitode um mandato e não lhe faz a entrega domontante recebido, após ter sido interpe-lado para o fazer, tem necessariamenteintenção de apropriação e apropria-seefectivamente dessa importância, mesmoque no texto da procuração tenha ficadoestabelecido que o procurador estavaisento de prestar contas;

c) A matéria dada como não provada nãoconsubstancia verdadeiros factos, masantes conclusões tiradas dos factos pro-vados, contudo, em sentido contrário,acabando por contrariá-los.

Existe assim contradição insanável dafundamentação, o que determina o reenviodo processo para novo julgamento, tendoem conta o disposto nos artigos 410.º,n.º 2, alínea b), e 426.º do Código de Pro-cesso Penal;

d) Da matéria dada como provada e que aquise dá por integralmente reproduzida, ve-rifica-se que se encontram preenchidosos elementos do tipo de crime de que oarguido vinha pronunciado;

e) Não condenando o arguido, o tribunal estáa cometer um erro na apreciação da prova,facto que determina o reenvio do pro-cesso para novo julgamento ao abrigo dodisposto nos artigos 426.º e 410.º, n.º 2,alínea c), do Código de Processo Penal;

f) Por outro lado, continua o acórdão recor-rido sem estar suficientemente fundamen-tado, pois a explicação que se veio dar,com elaboração de novo acórdão, em nadade palpável acrescenta aos anteriores acór-dãos;

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75 Direito PenalBMJ 500 (2000)

g) Ficámos a saber que as testemunhas nãopuseram em causa as declarações do as-sistente e arguido, mas, não sabendo oque estes declararam, ficamos na mesma;

h) Ao nível do direito, é apenas dito que,por não ler havido apropriação ilegítima(uma conclusão e não um facto), nãohouve inversão do título de posse e, con-sequentemente, crime;

i) O tribunal tinha de explicar porque é queconsidera não ter havido apropriação ile-gítima, não o fazendo, ficamos sem sabera razão da afirmação;

j) Por outro lado, não respondeu o colec-tivo ao facto indicado no n.º 7 da pronún-cia e que consistia em saber se o arguidolinha entregue a quantia recebida ao seulegítimo dono;

k) Estando nós no âmbito de crime de abusode confiança, é essencial saber se o ar-guido entregou ou não o montante emcausa ao seu legítimo dono. Da leiturado acórdão pode-se tirar a conclusão deque esse montante não foi entregue, con-tudo, tratando-se de um facto essencial, omesmo tinha de estar indicado como pro-vado ou não provado;

l) Há assim falta de fundamentação do acór-dão recorrido, facto que acarreta a suanulidade, tendo em conta do disposto nosartigos 374.º, n.º 2, e 379.º, alínea a), doCódigo de Processo Penal.

Nestes termos e nos demais de direito queVV. Ex.as doutamente suprirão deve:

a) Ser declarado que existem contradiçõesinsanáveis na fundamentação do acórdãorecorrido, bem como erro notório na apre-ciação da prova, e, consequentemente,ordenar-se o reenvio do processo paranovo julgamento relativamente à totali-dade do objecto;

Caso assim doutamente não se entenda,b) Ser declarado que o acórdão é nulo por

falta de fundamentação, ordenando-se acorrecção do mesmo.

Na sua resposta, a Ex.ma Magistrada do Mi-nistério Público defendeu a manutenção do jul-

gado, por entender não ter o acórdão incorridoem qualquer dos vícios invocados.

Também o arguido apresentou motivação, sa-lientando que o acórdão deve ser mantido por-que está legalmente bem fundamentado e resultado factualismo provado a ausência de ilicitude ede intenção criminosa por parte do arguido, es-tando pendente no tribunal civil a questão essen-cial, consistente em saber se o arguido deve ounão prestar contas.

Subidos de novo os autos ao Supremo Tribu-nal de Justiça, o Ex.mo Procurador-Geral Ad-junto, na sua promoção quando da vista nos ter-mos do artigo 416.º do Código de ProcessoPenal, pronunciou-se no sentido de nada obstarao conhecimento do recurso. Igual entendimentofoi expresso no despacho preliminar.

Corridos os vistos, teve lugar a audiência dejulgamento com observância do formalismo le-gal, cumprindo agora apreciar e decidir.

II

De acordo com a jurisprudência pacíficadeste Supremo Tribunal, o âmbito do recurso édefinido pelas conclusões extraídas pelos recor-rentes das respectivas motivações, sem prejuízodo conhecimento oficioso de certos vícios ou nu-lidades, ainda que não invocados ou arguidas pe-los sujeitos processuais.

As questões a decidir respeitam, pois, aosinvocados vícios da contradição insanável da fun-damentação, do erro notório na apreciação daprova e da nulidade resultante de insuficiência dafundamentação.

III

Relativamente à decisão de facto, consignou--se no acórdão recorrido:

Discutida a causa resultou assente que:

«1 — Ejler Schmidt outorgou, em 1 de Abrilde 1992, no Cartório Notarial de Silves, uma pro-curação, que entregou, nessa data, ao arguido,António Olímpio de Albuquerque Pereira, na qualconferia poderes para este, em nome daquele,além do mais, vender pelo preço, condições eoutras cláusulas que entendesse, a pessoa que

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lhe aprouvesse, receber o preço e dar quitação,assinar e outorgar quaisquer documentos públi-cos ou particulares, tudo relativamente a imó-veis de sua propriedade e na qual se consigna quea mesma ‘é constituída no interesse do manda-tário’ e o ‘procurador isento da prestação decontas’.

2 — Com uso de tal procuração, o arguidoassinou no dia 5 de Maio de 1992, no CartórioNotarial de Silves, um contrato-promessa comeficácia real, titulado por escritura pública, noqual, em representação de Ejler Schmidt, pro-meteu vender à sociedade REFI — Dados Fis-cais, Económicos e Financeiros, L.da, pelo preçode 20 000 000$00, o lote de terreno para cons-trução urbana, designado por lote 12, com a áreade 888 m2, no sítio das Sesmarias, concelho deAlbufeira, descrito na Conservatória do RegistoPredial de Albufeira sob o n.º 926, lote esse deEjler Schmidt.

3 — Por escritura pública outorgada no Car-tório Notarial de Silves em 1 de Julho de 1992, oarguido vendeu, em nome e representação de EjlerSchmidt, o referido lote à aludida sociedade, pelopreço de 20 000 000$00.

4 — Como pagamento do preço acima men-cionado a aludida sociedade entregou ao arguidoa quantia a ele correspondente, através de doischeques n.os 3 372 652 225 e 3 372 649 879, doBanco Comercial Português, passados à ordemdo mesmo e que o arguido depositou na sua con-ta bancária aberta na Caixa de Crédito AgrícolaMútuo de Alte.

5 — Ejler Schmidt solicitou ao arguido o pa-gamento de 20 000 000$00 referidos em 3.»

Não se provou que:

O arguido lograsse obter a procuração a quese alude nos autos;

O arguido se apropriasse de 20 000 000$00,entregues como preço da venda efectuada;

Tal preço não lhe pertencesse;O arguido agisse livre, deliberada e conscien-

temente, a fim de se apoderar de tal preço;E que o fizesse contra a vontade do seu dono;Fundamenta-se o tribunal no teor dos do-

cumentos juntos aos autos, nomeadamente os defls. 9 a 11, 12 a 17, 18 a 21, 22 a 25 e 106 a 109,bem como no teor das declarações do arguido edas testemunhas prestadas em audiência final.

E, quanto aos factos não provados, na ausên-cia de qualquer meio de prova conclusivo emsentido divergente.

Concretamente, determinam a convicção dotribunal quanto aos factos retroconsignados:

1 — O teor do documento de fls. 9 a 11,conjugado com as declarações do arguido queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados, com ponderação das declarações do assis-tente quanto aos factos pessoais por este pro-duzidos;

2 — O teor do documento de fls. 12 a 17,conjugado com as declarações do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados;

3 — O teor do documento de fls. 18 a 21,conjugado com as declarações do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados;

4 — O teor do documento de fls. 106 a 109,conjugado com as declarações do arguido, queincidiram sobre factos pessoais e por este prati-cados;

5 — O teor do documento de fls. 22 a 25,conjugado com as declarações do arguido, queincidiram sobre factos pessoais por este pratica-dos, e as declarações do assistente quanto aosfactos pessoais por este produzidos.

As testemunhas, por sua parte, depuseramcom isenção e imparcialidade, não pondo emcausa o declarado pelo arguido e assistente, nemo teor dos documentos, não permitindo assimuma valoração distinta dos factos não provados.

Acresce que da prova produzida e, nomeada-mente, das declarações do arguido e assistentenão se logrou obter qualquer explicação para arazão de ser do teor da procuração emitida poreste a favor daquele.

A apreciação das referidas questões implicaque se tenham ainda em conta os factos impu-tados ao arguido na pronúncia, que o acórdãorecorrido aliás reproduziu no respectivo relató-rio e cuja específica consideração facilita a com-preensão da fundamentação e da decisão desseacórdão.

Esses factos são os seguintes:

1.º — Ao queixoso Ejler Schmidt, melhor iden-tificado nos autos a fls. 142, pertencia um ter-

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reno para construção, designado por lote 12, coma área de 888 m2, sito no sítio das Sesmarias,freguesia e concelho de Albufeira;

2.º — O arguido logrou que lhe fosse entregueuma procuração assinada pelo queixoso no dia1 de Abril de 1992 no Cartório Notarial de Sil-ves, na qual lhe foram conferidos poderes para,em nome do queixoso, além do mais, vender pelopreço, condições e outras cláusulas que enten-desse, a pessoa que lhe aprouvesse, receber opreço e dar quitação, assinar e outorgar quais-quer documentos públicos ou particulares, tudorelativamente a imóveis de propriedade do quei-xoso — cfr. documento de fls. 10 e 11;

3.º — Fazendo uso dos poderes que lhe foramconferidos, o arguido no dia 5 de Maio de 1992,no Cartório Notarial de Silves, assinou um con-trato-promessa com eficácia real, titulado por es-critura pública, no qual, em representação do quei-xoso, prometeu vender à sociedade TRF-FL —Dados Fiscais, Económicos e Financeiros, L.da,melhor identificada nos autos a fls. 13, pelo pre-ço de 20 000 000$00, o prédio designado porlote 12, sito no sítio das Sesmarias, concelho deAlbufeira sob o n.º 926, prédio esse pertencenteao queixoso — cfr. documento de fls. 14 a 17;

4.º — Por escritura pública outorgada no Car-tório Notarial de Silves em 1 de Julho de 1992, oarguido, em nome e representação do queixoso,vendeu o referido prédio à aludida sociedade pelopreço de 20 000 000$00 — cfr. documento defls. 18 a 21;

5.º — Como pagamento do preço acima men-cionado a aludida sociedade entregou ao arguidoa quantia a ele correspondente, o que fez atravésde dois cheques (cheque n.os 3 372 652 225 e3 372 649 897, ambos sacados sobre o BancoComercial Português) passados à ordem domesmo — cfr. documento de fls. 104 a 106;

6.º — Tais quantias foram depositadas numaconta bancária que o arguido tinha aberta em seunome na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo deAlte;

7.º — O arguido, apesar de saber que aquelemontante que lhe foi entregue não lhe pertencia,visto que resultava da venda de um bem perten-cente ao ofendido e apesar de saber que o factode a procuração que lhe foi entregue o dispensarde prestar contas não o legitimava a apropriar-sedo produto da referida venda, não se coibiu de se

apoderar daquela quantia, não a tendo entregueao seu legítimo dono, mau grado ter sido instadopara o efeito;

8.º — Agiu de modo livre e voluntário e com opropósito de se apoderar do valor de um patri-mónio que sabia não ser seu, bem sabendo tam-bém que o fazia contra a vontade do respectivodono e que a sua conduta era contrária à lei.

E importa ainda ter presente os elementostípicos do crime de abuso de confiança no actualCódigo Penal, quer na versão inicial de 1982,quer na de 1995:

a) A entrega ao agente, por título não trans-lativo de propriedade, de coisa móvel, en-trega essa livre e válida, em virtude deuma relação fiduciária entre o agente e odono ou detentor da coisa, que constituaaquele na obrigação de afectar a coisamóvel, que lhe foi entregue materialmenteou colocada sob a sua disponibilidade, aum uso determinado ou na obrigação de arestituir;

b) A posterior apropriação da coisa móvelpelo agente, contra a vontade do proprie-tário ou legítimo detentor desta, atravésda prática de actos que exprimem a inver-são do título de posse, isto é, que o agentepassou a dispor da coisa ut dominus, comanimus rem sibi habendi, integrando-a noseu património;

c) O conhecimento pelo agente dos elemen-tos descritos sob as alíneas a) e b) e a von-tade de realizar o referido sob a alínea b)ou a consciência de que da conduta re-sulta a sua realização como consequêncianecessária ou como consequência possí-vel e conformando-se, neste último caso,com o resultado.

1. Apreciando:

Os factos descritos sob os n.os 1 a 5 do elencodos factos provados significam que o arguido, nouso de poderes que o assistente lhe outorgarapor procuração onde se diz que é constituídano interesse do mandatário e que este fica isentode prestação de contas, celebrou com terceirocontrato-promessa e subsequente contrato devenda de bem imóvel do assistente, pelo preço

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78 BMJ 500 (2000)Direito Penal

de 20 000 000$00, que o arguido recebeu, depo-sitou na sua conta bancária e não entregou aoassistente, apesar de este lho ter solicitado.

Foi porém considerado não provado que oarguido «se apropriasse dos 20 000 000$00 en-tregues como preço da venda efectuada» que «talpreço não lhe pertencesse», que o arguido «agisselivre, deliberada e conscientemente, a fim de seapoderar de tal preço» «que o fizesse contra avontade do seu dono» e que o arguido «conhe-cesse a ilicitude da sua conduta».

É de reconhecer que a indicação dos factosconsiderados não provados ganharia em clarezasubstancial e diminuição do risco de aparência deconclusividade se efectuada com referência maisdirecta, concreta e pormenorizada a todo ofactualismo apontado nos artigos 7.º e 8.º da pro-núncia. E é de considerar que a indicação e oexame crítico das provas que fundamentaram adecisão de facto não se revestiu da explicitaçãoque seria mais desejável para a melhor com-preensão e sindicabilidade em recurso do pro-cesso lógico-racional que levou a essa decisão.

Contudo, a consideração da globalidade dadecisão de facto e da sua fundamentação leva ater essa decisão por suficientemente compreen-sível, coerente e justificada, por isso não contra-ditória, não enfermando de erro notório naapreciação da prova nem de insuficiência de fun-damentação. Verifica-se efectivamente:

Não há necessariamente a apontada contradi-ção entre a fundamentação e a decisão e o invo-cado erro notório na apreciação da prova porqueo que resulta dessa globalidade é ter-se por nãoprovado que o dinheiro não pertencesse ao ar-guido e que este tivesse agido com a vontade dese apoderar do dinheiro, tendo a consciência queele não lhe pertencia. O que não implica contra-dição insanável com o facto provado de o ar-guido ter depositado em seu nome, e não terentregue ao assistente o dinheiro do preço dobem quando da venda no uso de poderes conferi-dos por procuração «constituída no interesse domandatário» e isentando este da «prestação decontas». E também não significa erro notório naapreciação da prova, no sentido de facilmenteapreensível pelo homem médio com a experiên-cia de julgador. Exclui qualquer desses vícios aconsideração de que não foi possível esclarecer arazão de ser da outorga da procuração nesses

termos e que é da experiência comum que estespodem corresponder à vontade de outorga deuma procuração para realização de um negócioem nome do outorgante mas no interesse do pro-curador, em harmonia com a eventual existênciade negócio jurídico subjacente de datio pro sol-vendo ou outro, daí podendo resultar que o pro-curador não tenha a obrigação de entregar orecebido em consequência do uso dos poderesresultantes da outorga da procuração, nem deprestar contas (1).

Também não se verifica a invocada insuficiên-cia de fundamentação, pois resulta suficiente-mente esclarecido que a globalidade da referidadecisão de facto resultou de não ter sido possívelobter prova testemunhal ou documental queinfirmasse ou confirmasse as versões do arguidoe do assistente, designadamente quanto às ra-zões da outorga da procuração com as referidascláusulas de o ser no interesse do procurador eisentando este do dever de prestar contas.

Assente o factualismo provado e não pro-vado, é manifesto que não podem considerar-seintegrados os elementos do tipo objectivo e sub-jectivo do crime de abuso de confiança, acimareferidos, pelo que se impunha a decidida absol-vição do arguido.

IV

Em conformidade, julgando-se improcedenteo recurso, confirma-se o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa dejustiça em 6 UC’s.

Fixa-se em 18 000$00 os honorários àEx.ma Defensora Oficiosa.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Gomes Leandro (Relator) — Leonardo Dias —Virgílio Oliveira — Mariano Pereira.

(1) Cfr., artigos 265.º, n.º 3, 1170.º, n.º 2, e 840.º do CódigoCivil e, v. g., Pires de Lima e Antunes Varela, Código CivilAnotado em anotações aos citados artigos.

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79 Direito PenalBMJ 500 (2000)

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 9 de Abril de 1999 do Tribunal de Círculo de Portimão, processo n.º 3/97.

I — É abundante a jurisprudência sobre o crime de abuso de confiança e respectivos elementostípicos.

De entre ela, podem ver-se, v. g., os acórdãos de 24 de Abril de 1991, processo n.º 41 555; de 12de Maio de 1994, processo n.º 45 977; de 4 de Dezembro de 1996, processo n.º 47 271; de 18 deDezembro de 1997, processo n.º 701/97; de 19 de Novembro de 1998, processo n.º 925/98; de 15 deMaio de 1999, processo n.º 265/99, e de 2 de Fevereiro de 2000, processo n.º 606/99, todos na basede dados informatizada da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

II — É muito vasta e constante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre afundamentação da sentença. Entre os mais recentes, cfr. os acórdãos de 16 e de 30 de Junho de 1999,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 488, págs. 262 e 272, respectivamente, bem como os recenseadosnas anotações correspondentes.

Concretamente sobre o exame crítico das provas, exigido pelo artigo 374.º, n.º 2, do Código deProcesso Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, cfr. o acórdão de 25 deNovembro de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 491, pág. 200.

III — É também muito vasta e uniforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobrea contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova:

a) Quanto ao primeiro vício, cfr., entre os mais recentes, os acórdãos de 7 de Outu-bro de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 490, pág. 167; de 2 deDezembro de 1999, processo n.º 790/99 — 5.ª Secção, Sumários de Acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça, n.º 36, pág. 64, e de 30 de Novembro de2000, processo n.º 2188/2000 — 5.ª Secção, ibidem, n.º 45, pág. 87.

b) Quanto ao segundo, cfr. os acórdão de 16 de Junho de 1999, Boletim do Minis-tério da Justiça, n.º 488, pág. 262; 20 de Outubro de 1999, ibidem, n.º 490,pág. 190, e, bem assim, os indicados nas respectivas anotações; 25 de Novem-bro de 1999, processo n.º 641/99 — 5.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Su-premo Tribunal de Justiça, n.º 35, pág. 92, e de 2 de Dezembro de 1999, pro-cesso n.º 790/99 — 5.ª Secção, ibidem, n.º 36, pág. 64.

(E. A. M.)

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80 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Perda de instrumentos — Produtos e vantagens do crime —Os artigos 109.º e 111.º do Código Penal

Enquanto o artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal prevê a perda com fundamento naperigosidade imediata dos instrumentos ou objectos relacionados com o facto ilícitotípico, o artigo 111.º do mesmo diploma «trata da perda das vantagens patrimoniaisconseguidas ilicitamente, que se apresenta, não como uma pena acessória, mas sim comouma medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme o direito, condu-zindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos e que só indirecta eimprecisamente se poderia conseguir com a multa, elevando a taxa diária ou impondomulta cumulativamente com prisão».

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 2102/2000

ACORDAM na Secção Criminal do SupremoTribunal de Justiça:

1. Na Vara Mista da Comarca de Coimbra foijulgado o arguido Manuel Reis Pereira, identifi-cado nos autos, sob a imputação de haver come-tido, de forma continuada, um crime de peculatode uso, previsto e punido pelo artigo 376.º, n.º 1,e de um crime de peculato, previsto e punidopelo artigo 375.º, n.º 1, ambos do Código Penal,vindo, a final, a ser condenado apenas pela prá-tica da segunda infracção na pena de 3 anos deprisão, suspensa na sua execução por 3 anos,sob a condição de liquidar ao Estado o valor dopedido cível formulado (7 025 836$00) em pres-tações mensais até 2 anos e no perdimento doveículo automóvel apreendido nos autos, de ma-trícula 60-55-EQ.

Em desacordo com parte de tal decisão, delainterpôs recurso o arguido para este SupremoTribunal de Justiça, motivando-o para concluirassim:

— «O douto acórdão de que se recorre de-clara perdido a favor do Estado o veículo auto-móvel, marca Rover, matrícula 60-55-EQ, en-tendendo o colectivo que:

— De acordo com o preceituado no artigo109.º, n.º 1, do Código Penal são declarados per-didos a favor do Estado os objectos que sirvampara a prática de um crime, ou que estavam des-

tinados a servir para a prática de um crime, ouproduzidos por um crime quando por sua natu-reza ou pelas circunstâncias do caso ponham emperigo a segurança das pessoas, a moral ou a or-dem pública ou ofereçam sérios riscos de seremutilizados para o cometimento de novos crimes.

— Contudo, para que o automóvel fosse de-clarado perdido a favor do Estado, era indispen-sável que o mesmo oferecesse um perigo típicoexigido por lei, ou, concretizando, que tal veí-culo, pela sua natureza ou pelas circunstânciasdo caso, ponha em perigo a segurança das pes-soas, a moral ou a ordem pública ou ofereça sé-rios riscos de ser utilizado para o cometimentode novos crimes — cfr. acórdão do Supremo Tri-bunal de Justiça de 19 de Dezembro de 1989,Boletim do Ministério da Justiça,n.º 392, pág. 237.

— Ora, na situação em apreço o veículo nãopõe em perigo a segurança das pessoas, a moralou a ordem pública bem como não oferece sériosriscos de ser utilizado para cometimento de no-vos crimes e tanto assim é que do teor do acórdãorecorrido não resulta que o veículo tenha sidodeclarado perdido a favor do Estado em razão dequalquer dos pressupostos supra-enunciados.

— Já que a perda do veículo em questão foipelo colectivo considerada como uma verda-deira sanção e não por se mostrarem preenchi-dos os pressupostos, consignados na lei, de cujaverificação depende a declaração de perda doveículo a favor do Estado,

— Em suma, o veículo foi declarado perdido afavor do Estado como sanção, tendo sido olvi-

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81 Direito PenalBMJ 500 (2000)

dados os pressupostos legais de que depende aperda do objecto, devendo por tal ser revogado odouto acórdão nesta parte e em consequência sero veículo entregue ao arguido.»

Respondeu o Ministério Público junto do tri-bunal a quo, para dizer, em síntese, o seguinte:

— «Provou-se em audiência que o veículo emquestão foi adquirido com dinheiros públicos deque o arguido, no exercício das suas funções, seapropriou.

— Isto é, a aquisição do veículo resultou dofacto ilícito típico.

— Esta é a situação prevista no artigo 111.º,n.º 3, do Código Penal» e não a do «artigo 109.º[...] pelo que não haverá lugar, a nosso ver, àdiscussão e apreciação dos requisitos daquele pre-ceito que, esse sim, exige os requisitos aponta-dos pelo recorrente».

Já neste Supremo Tribunal de Justiça o Mi-nistério Público promoveu se designasse dia paraa audiência oral.

2. A única questão que está aqui em causa é aque respeita ao perdimento, decretado pela deci-são recorrida, do veículo automóvel de matrícula60-55-EQ, registado em nome do arguido/recor-rente, perdimento esse que o tribunal a quo san-cionou porque o considerou adquirido com bensprovenientes do facto ilícito típico pelo qualaquele foi condenado.

Pretende o impugnante que se inverta a deci-são nesse aspecto, porquanto, em seu entender,não estão verificados os pressupostos de quedepende a perda de instrumentos e produtos docrime alinhados no artigo 109.º, n.º 1, do CódigoPenal, ou seja:

— Os que serviram para a prática de um factoilícito típico ou que por este tiverem sido produ-zidos, quando, atenta a sua natureza ou as cir-cunstâncias do caso, puserem em perigo asegurança das pessoas, a moral ou a ordem pú-blica, ou ofereçam sério risco de serem utilizadospara a prática de novas infracções.

Cremos que não tem razão.É que, como salienta o Ministério Público

junto do tribunal a quo, ao caso não se aplica adisposição do artigo 109.º, n.º 1, referido (tese dorecorrente), mas sim a do artigo 111.º do mesmodiploma.

Ou seja: naquele prevê-se a perda com funda-mento na perigosidade imediata dos instrumen-tos ou objectos relacionados com o facto ilícitotípico, enquanto no artigo 111.º se contemplamsituações que escapam a fieira do artigo 109.º,constituindo como que válvula de segurança con-tra possíveis evasões ou fraudes.

Isto é: o artigo 111.º «trata da perda das van-tagens patrimoniais conseguidas ilicitamente, quese apresenta, não como uma pena acessória, massim como uma medida destinada a restabelecer aordem económica conforme o direito, condu-zindo a uma justa privação dos benefícios ilicita-mente obtidos e que só indirecta e imprecisamentese poderia conseguir com a multa, elevando ataxa diária ou impondo multa cumulativamentecom a prisão» (Código Penal Anotado, vol. I,2.ª ed., pág. 784, de que o presente relator é umdos autores).

Ora, está suficientemente demonstrado nosautos que a viatura em questão foi adquirida pelorecorrente com as vantagens que obteve com aprática do facto ilícito, o que, de resto, aquelenem sequer contesta.

Donde que o julgado não mereça reparo.

3. De harmonia com o exposto, acordam naSecção Criminal deste Supremo Tribunal de Jus-tiça em negar provimento ao recurso.

Condena-se o recorrente em 5 UCs de taxa dejustiça.

Honorários ao defensor oficioso: 18 000$00.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Leal Henriques (Relator) — Gomes Lean-dro — Leonardo Dias — Virgílio Oliveira.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão da 1.ª Secção Vara Mista de Coimbra, processo n.º n.º 44/99.

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82 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Veja-se, como se cita, Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, vol. I, 2.ª ed.,pág. 784, e ainda, a propósito da distinção entre a previsão dos artigos 109.º e 111.º do Código Penal,o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 1999, processo n.º 1336/98,3.ª Secção, e, bem assim, Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 14.ª ed.,págs. 379 e seguintes.

(A. L. L.)

Concurso de crimes — Pena única — Perdão

I — No caso do concurso de crimes, o arguido será condenado «numa única pena»,resultante de uma operação jurídica que leva em linha de conta o conjunto das penasconcretamente estabelecidas para os diversos delitos imputados ao arguido, nos termosdo artigo 77.º do Código Penal, descontando-se o perdão de que o arguido beneficiesobre aquela pena única.

II — No caso de sobre a pena única recaírem os perdões decretados pelas Leisn.os 23/91 e 29/99, de 12 de Maio, deverá ter-se em conta o disposto no artigo 1.º, n.º 4, daLei n.º 29/99, o que significa que é esta última lei a mandar somar todos os perdõessucessivamente concedidos e que as operações de perdão incidem sobre a pena únicaformada sobre as penas parcelares correspondentes a todos os crimes pelos quais oarguido foi condenado.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 2446/2000 — 3.ª Secção

ACORDAM na Secção Criminal do SupremoTribunal de Justiça:

1. Na comarca de Faro (processo n.º 1023/93do 2.º Juízo Criminal) e em razão do preceituadona Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, o respectivotribunal colectivo procedeu à reformulação docúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguidoDomingos Manuel Alves Guerreiro em váriosprocessos e anteriormente estabelecido poracórdão de 21 de Fevereiro de 1997, fazendoigualmente funcionar o perdão concedido poraquela lei, fixando finalmente para o mencionadoarguido a pena única de 2 anos e 10 meses deprisão.

Não concordou o Ministério Público com ométodo utilizado pelo tribunal a quo nas opera-ções a que procedeu para chegar a esse cúmulo

final e por isso veio interpor recurso da respec-tiva decisão, que motivou, concluindo assim:

— «Nos termos do artigo 77.º do Código Pe-nal, não podem cumular-se penas originárias como remanescente de outras penas, dado que a penaúnica é o resultado das penas de todos os crimesem situação de concurso — mas trata-se das pe-nas aplicadas e não de remanescentes que iriamintroduzir no cúmulo factores de distorção nãoqueridos nem previstos pela referida norma.

— O ‘adequado cúmulo jurídico’ previsto noartigo 2.º, n.º 3, da Lei n.º 29/99 é um cúmulointercalar, abrangendo apenas os crimes aos quaiso perdão é aplicável e cujo único fim é o de cons-tituir um instrumento de cálculo do mesmo —destina-se tão-só a que possa ser determinado oquantum do perdão aplicável, o qual, contudo,não se desconta nesse cúmulo intercalar.

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83 Direito PenalBMJ 500 (2000)

— Ultrapassada essa fase de cálculo, o cúmulointercalar deixa de ter qualquer relevância, tendojá cumprido a sua missão como instrumento decálculo.

— O perdão deve então ser deduzido à penaúnica inicialmente fixada, a pena originária emque o arguido foi condenado.

— Se houver lugar a mais perdões, calculam--se os mesmos realizando os cúmulos intercala-res que se mostrem necessários.

— De seguida tomam-se todos os perdõese deduz-se tal soma à pena única originária docúmulo inicialmente fixado, nos termos do artigo1.º, n.º 4, da Lei n.º 29/99.

— No caso dos autos a pena única origináriadeverá fixar-se em 4 anos e 6 meses de prisão; e,descontados 2 anos, por perdão das Leis n.os 23/91 e 29/99, tem o arguido a cumprir o remanes-cente de 2 anos e 6 meses de prisão.

— Decidindo nos termos em que o fez, violouo douto acórdão recorrido o disposto nos artigos77.º do Código Penal e 1.º, n.os 1 e 4, e 2.º, n.º 3, daLei n.º 29/99.»

Já neste Supremo Tribunal de Justiça o Mi-nistério Público, na sua vista, promoveu que,concluído o exame preliminar, se designasse diapara julgamento, o qual teve lugar após os com-petentes vistos, havendo agora que decidir.

E decidindo.

2. A situação concreta sobre que importaponderar respeita a um arguido condenado emvários processos, com decisões já transitadas epenas por cumprir, e que esquematicamente sepode configurar assim:

a) Processo n.º 132/93 — Beja — furto qua-lificado (14 meses de prisão);

b) Processo n.º 94/91 — Beja — furtos qua-lificados (16 meses de prisão em cúmulojurídico);

c) Processo n.º 59/95 — Beja —injúrias(3 meses de prisão e 25 dias de multa + 3meses de prisão e 25 dias de multa);

d) Processo n.º 144/93 — Beja — introdu-ção em casa alheia (18 meses de prisão);

e) Processo n.º 32/95 — tiro com arma defogo (6 meses de prisão) e detenção dearma proibida (18 meses de prisão);

f) Processo n.º 120/93 — Seixal — furtosimples (6 meses de prisão);

g) Processo n.º 1023/93/93 — Faro — fal-sificação (10 meses de prisão).

Por acórdão de 21 de Fevereiro de 1997 otribunal colectivo de círculo de Faro estabeleceuo cúmulo jurídico de todas estas penas proce-dendo do seguinte modo:

— Manteve a pena unitária de 16 meses deprisão aplicada no processo n.º 94/91 — Beja,fazendo sobre ela funcionar o perdão de 1 ano,ao abrigo da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho;

— Em seguida operou novo cúmulo jurídicodo remanescente daquela pena (4 meses de pri-são) com as penas restantes, condenando o ar-guido a uma pena única de 4 anos e 3 meses deprisão e 40 dias de multa a 300$00 por dia, coma alternativa de 26 dias de prisão.

Finalmente por acórdão de 10 de Maio de2000 o mesmo tribunal colectivo, face às novasregras de clemência consubstanciadas na Lein.º 29/99, de 12 de Maio, reformulou o anteriorcúmulo jurídico, operando da seguinte maneira:

— Relativamente à pena aplicada no pro-cesso n.º 94/91 (único a beneficiar do perdão de1 ano da Lei n.º 23/91, de 4 de Julho), manteve-sea respectiva condenação, fazendo recair sobreela o perdão de 1 ano consoante aquela lei (talcomo se havia feito no anterior cúmulo), so-brando por cumprir 4 meses de prisão;

— Após esta operação, pegou-se nessa penaremanescente (ditos 4 meses de prisão) e proce-deu-se ao cúmulo jurídico com as penas aplica-das nos outros processos, deixando de fora aspenas dos processos n.os 59/95 (injúrias) e 32/95(tiro com arma de fogo), cujas infracções foramamnistiadas, fixando-se esse cúmulo em 3 anos e10 meses de prisão;

— Sobre este cúmulo fez-se funcionar o per-dão decorrente da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio(1 ano), pelo que a pena final ficou reduzida a2 anos e 10 meses de prisão.

Segundo o Ministério Público recorrente, otribunal a quo violou a lei (artigos 77.º do CódigoPenal e 1.º, n.os 1 e 4, e 2.º, n.º 3, da Lei n.º 29/99,de 12 de Maio) ao seguir o percurso referenciadopara chegar à pena única final.

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84 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Assim, e ao contrário do que fez o acórdãorecorrido, deveria antes, na perspectiva do re-corrente — e se bem entendemos o seu raciocí-nio — proceder-se a dois cúmulos jurídicos depenas, a saber:

— Um primeiro cúmulo, que estabelecesse apena única originária respeitante a «todos os cri-mes cometidos pelo arguido que se encontramem situação de concurso», e destinada apenas àdeterminação do cálculo do perdão decorrente daLei n.º 23/91, operação que não chegou a fazer--se, pois que se deduziu sem mais o perdão de 12meses da Lei n.º 23/91 à única pena que delepodia beneficiar (processo n.º 94/91), só depoisse procedendo ao cúmulo entre o remanescentedessa pena (4 meses de prisão) e as restantespenas não perdoadas;

— Ora, esse cúmulo originário, excluídas aspenas correspondentes aos crimes amnistiados(dois crimes de injúrias e um crime de tiro dearma de fogo — penas de 3 meses, 3 meses e6 meses de prisão), deveria fixar-se em 4 anos e6 meses de prisão;

— Um cúmulo final que pegasse no cúmulooriginário (4 anos e 6 meses de prisão) e fizessesobre ele incidir o somatório de todos os perdõessucessivamente concedidos ao arguido, isto é, odecorrente da Lei n.º 23/91 (12 meses de prisão),mais o que resulta da Lei n.º 29/99 (outros 12meses), chegando-se assim a uma pena única fi-nal de 2 anos e 4 meses de prisão (4 anos e6 meses, menos 2 anos).

Cremos que tem razão o Ministério Públicorecorrente.

E para assim se entender basta seguir os dize-res da lei.

Na verdade, consoante flui do estatuído noartigo 77.º do Código Penal — que textua sobreas regras da punição do concurso de infracções ese aplicam aos casos de conhecimento superve-niente do mesmo por força do disposto no artigo78.º do citado diploma legal —, no caso de con-curso de crimes, como é a hipótese presente, oarguido será condenado «numa única pena», penaessa que há-de resultar de uma operação jurídicaque leva em linha de conta as «penas concreta-mente aplicadas aos vários crimes», tendo comolimite máximo o somatório das penas parcelaresestabelecidas e como limite mínimo a mais ele-

vada das penas concretamente fixadas para osdiversos delitos concorrentes.

É, pois, extremamente claro o legislador, aoprescrever que a base a considerar para a forma-ção do cúmulo jurídico será sempre o conjuntodas penas concretamente estabelecidas para osdiversos delitos imputados ao arguido e nunca aspenas sobrantes de extemporâneas operações deperdão.

Isto mesmo nos ensina Figueiredo Diasquando escreve (As Consequências Jurídicas doCrime, pág. 285):

«Em primeiro lugar, o tribunal tem de deter-minar a pena que concretamente caberia a cadaum dos crimes em concurso, como se de crimessingulares, objecto de cognições autónomas, setratasse, para tanto seguindo o procedimentonormal de determinação da pena. Esta operaçãojustifica-se pela própria essência e natureza dapena conjunta; e também porque [...] ela se revelaabsolutamente indispensável para as operaçõessubsequentes de determinação da pena do con-curso.»

Uma vez encontrada a pena única originária,há que lhe descontar o perdão de que eventual-mente o arguido possa beneficiar.

Só que, aquando da prolação do acórdãoposto em crise, o arguido em causa beneficiava,não de um perdão (o da Lei n.º 23/91), mas dedois (o daquela lei e o da Lei n.º 29/99).

E então, aí, há que ter em conta o disposto noartigo 1.º, n.º 4, desta última lei, segundo o qual,no caso de cúmulo jurídico, «o perdão incidesobre a pena única e é materialmente adicionávela perdões anteriores», o que, se por um ladosignifica que é a própria a lei a mandar somartodos os perdões sucessivamente concedidos,por outro não deixa de constituir um reforço daideia de que as operações de perdão incidemsobre a pena única formada sobre as penas par-celares correspondentes a todos os crimes pelosquais o arguido foi condenado e não sobre mistu-ras de penas remanescentes e não remanescentesque eventualmente sejam encontradas em quais-quer operações de desconto.

Assim, de resto, se decidiu no acórdão desteSupremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de2000, processo n.º 931/99 — 3.ª Secção, quevem referenciado deste modo nos Sumários de

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85 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, edi-ção do Gabinete dos Juízes Assessores:

«Em caso de concurso de crimes em que hápenas que beneficiam de perdão e penas que nãobeneficiam deste, impõe-se proceder a um pri-meiro cúmulo parcial, usando os critérios dosartigos 77.º e 78.º do Código Penal, que serveapenas para avaliar a extensão do perdão. Cal-culado o perdão aplicável, há que proceder àreformulação do cúmulo geral do conjunto daspenas, usando os mesmos critérios, para depoisdescontar a medida já encontrada do perdão.»

3. Em consequência do exposto, acordam naSecção Criminal deste Supremo Tribunal de Jus-

tiça em, concedendo provimento ao recurso in-terposto nos autos pelo Ministério Público, re-vogar a decisão impugnada, a qual deverá serreformulada de acordo com as regras anterior-mente expressas.

Sem tributação.Honorários ao defensor oficioso: 18 000$00.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Leal Henriques (Relator) — Gomes Leandro —Virgílio Oliveira (confirmaria a operação jurídicade formação do cúmulo jurídico da 1.ª instân-cia) — Leonardo Dias.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 10 de Maio de 2000 do tribunal colectivo do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Faro,processo n.º 1023/93.

No sentido do acórdão, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de1995, processo n.º 47 618, 3.ª Secção.

(A. C. A. S.)

Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade

I — A conclusão de que o tráfico de menor gravidade tem de resultar (só poderesultar) de uma análise global da conduta do agente; donde que, verificado um caso doartigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o tráfico apenas poderá ser havidode gravidade menor se a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída,tendo em conta nomeadamente (logo, a título exemplificativo) as circunstâncias enun-ciadas no artigo 25.º do supra-indicado diploma.

II — Já não há, pois, lugar para se erigir como factor decisivo de qualificação (aocontrário do que acontecia na vigência do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro,cujo artigo 24.º precisamente se epigrafava de «Tráfico de quantidades diminutas») o damaior ou menor quantidade de droga: este factor será um entre os mais a considerar.

III — O que importa, isso sim, é apurar, na falada análise, se de todo o conjunto daactividade do arguido emergem itens inculcadores de reiteração, habitualidade, inten-sidade, disseminação alargada ou sintomaticamente expressiva, ligações mais ou menosmarcadas ao mundo dos estupefacientes ou ao seu mercado, carácter dos actos pratica-dos e sua dimensão.

IV — Só deste apuramento pode partir-se para, com razoável segurança, seextremarem, entre si, o grande tráfico, o médio tráfico e o pequeno tráfico e, através dessa

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86 BMJ 500 (2000)Direito Penal

diferenciação, alcançar-se suporte para se afirmar se se trata ou não de um caso deilicitude consideravelmente diminuída.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 170/2000

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

Perante tribunal colectivo, na comarca deAlcanena, círculo judicial de Tomar, responde-ram, em processo comum, os identificados ar-guidos Mário António Mineiro Duarte, AdelinoManuel Costa Calado, Paulo Jorge RodriguesMarques, Raul Calado Ferreira, Carlos José Cor-tes Rodrigues e Eurico José Henriques Graça,acusados, pelo Ministério Público, os arguidosMário António, Adelino Manuel, Paulo Jorge eRaul, da prática, cada um deles, de um crime detráfico de estupefacientes, previsto e punido noartigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22de Janeiro, o arguido Carlos José, da prática deum crime de consumo de estupefacientes, pre-visto e punido no artigo 40.º, n.º 2, do Decreto--Lei n.º 15/93, e o arguido Eurico José, comocúmplice de um crime de tráfico de estupefacien-tes, previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, doDecreto-Lei n.º 15/93.

Realizado o julgamento, decidiu o colectivo:Absolver o arguido Eurico José Henriques

Graça;

Condenar:

O arguido Mário António Mineiro Duarte,como autor de um crime previsto e punido noartigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 4 meses deprisão;

O arguido Adelino Manuel Costa Calado,como autor de um crime previsto e punido noartigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 4 meses deprisão;

O arguido Paulo Jorge Rodrigues Marques,como autor de um crime previsto e punido noartigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 4 meses deprisão;

O arguido Raul Calado Ferreira, como autorde um crime previsto e punido no artigo 25.º,alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Ja-neiro, na pena de 18 meses de prisão:

O arguido Carlos José Cortes Rodrigues, comoautor de um crime previsto e punido no artigo40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 deJaneiro, na pena de 20 dias de multa à taxa diáriade 400$00.

Mais decidiu suspender a execução das penasaplicadas aos arguidos Mário António, AdelinoManuel e Paulo Jorge pelo período de 4 anos esuspender, igualmente, a execução da pena apli-cada ao arguido Raul mas pelo período de 3 anos.

Inconformado com a decisão, interpôs re-curso o digno magistrado do Ministério Público,o qual, após douta motivação (cfr. fls. 377 a 385),formulou as conclusões seguintes:

A qualidade e quantidade de produto estupe-faciente vendido, os meios utilizados e as moda-lidades e circunstâncias da acção impedem quese possa concluir pelo tráfico de diminutas quan-tidades ou que a ilicitude do facto possa conce-ber-se como consideravelmente diminuída.

Por isso, os arguidos cometeram o crime pre-visto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto--Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e nunca o crimeprevisto e punido pelo artigo 25.º do mesmo di-ploma legal.

Não se encontram verificados, no caso, ospressupostos do artigo 50.º, n.º 1, do CódigoPenal, para que seja suspensa a execução da penade prisão aplicada aos arguidos.

O tribunal colectivo violou, por errada inter-pretação, os artigos 50.º, n.º 1, do Código Penale 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Enferma ainda do vício a que alude o artigo410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, umavez que existe contradição entre a motivação e adecisão.

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87 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Nestes termos, deve ser revogado.(Cfr. fls. 385 a 386.)

Contramotivaram os arguidos Adelino Ma-nuel Costa Calado (cfr. fls. 390-391 v.º) e MárioAntónio Mineiro Duarte (cfr. fls. 392 a 394),ambos no sentido de dever ser negado provimentoao recurso e confirmada a decisão recorrida.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal deJustiça, foi a Ex.ma Procuradora-Geral Adjuntade parecer que deveriam eles ser remetidos aoTribunal da Relação de Coimbra por a este per-tencer o conhecimento do recurso.

(Cfr. fls. 396 a 396 v.º)

Cumprido o preceituado no n.º 2 do artigo417.º do Código de Processo Penal (cfr. despa-cho de fls. 397 a 397 v.º e cota de fls. 397 v.º), nãofoi exercitado, pelos notificados, direito de res-posta.

Pelas razões constantes do despacho de examepreliminar de fls. 399 a 399 v.º (para que se re-mete), entendeu o relator que o processo deveriaprosseguir, neste Supremo, para apreciação domérito do recurso interposto.

Recolhidos os legais vistos, teve lugar au-diência, nela se tendo observado o ritual exigido.

Cabe agora decidir e a tanto se passa.

Reafirmando o entendimento veiculado nodespacho de exame preliminar, insistimos em quenão foi posta em causa, no recurso, a matéria defacto provada; colocada foi sim, em crise, a qua-lificação jurídico-penal que a tal matéria o colec-tivo conferiu (o que consubstancia hipótese bemdiversa).

Daí que o que se impetra no recurso é precisa-mente a requalificação dos ilícitos cometidos naprevisão do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto n.º 15/93, com as consequências daí derivantes (umadas quais poderia ser a da impossibilidade dasuspensão da execução das penas aplicadas).

E isto é tanto mais evidente quanto é certoque se o Ex.mo Recorrente chegou às conclusões aque chegou para formular os pedidos que for-mula foi porque (só podia ter sido) entendeu queo acervo facticial assente (e no modo como porassente se deu) bastava para aquelas conclusõese para suportar aqueles pedidos.

Diga-se, de resto, que não apenas as sobreditasconclusões versam exclusivamente sobre maté-ria de direito, como a alegada contradição «entrea motivação e a decisão» não se enquadra na ló-gica do recurso pelas razões já apontadas.

Aliás, nenhum dos vícios que no n.º 2 do ar-tigo 410.º do Código de Processo Penal se elencam[designadamente o aludido — seria o da alínea b)daquele n.º 2] detecta este Supremo a imper-mitirem-lhe adequada decisão de direito (n.º 1 doartigo 426.º do Código de Processo Penal) e, tão--pouco, visiona a existência de qualquer nulidadeque devesse ser conhecida (também do recursoestão ausentes arguições a tal respeito).

Alberga-se, portanto, o recurso, na previsãodo artigo 432.º, alínea d), do Código de ProcessoPenal, o que logo atesta que é ao Supremo Tribu-nal de Justiça que pertence conhecê-lo.

Nada se opõe, então, a que se entre na dilu-cidação da temática proposta, confinada ela, comose viu, a ponderar-se sobre a correcção dasubsunção jurídica para que propendeu o tribu-nal a quo e a avalizar-se, em correlação com estaponderação e em função do que dela é susceptí-vel de resultar, da justeza da suspensão da exe-cução das penas aplicadas aos arguidos que delaaproveitaram.

Posto isto, recorda-se a factualidade certifi-cada pelo colectivo.

Foi ela a seguinte:

I — Pelo menos desde finais de Dezembro de1998, o posto da GNR de Alcanena passou areceber telefonemas de pessoas que não se iden-tificavam, alertando para o tráfico de produtosestupefacientes que vinha acontecendo no lugarde Monsanto, junto aos cafés Casa de Pasto eArbirú, referindo como autores desses actos osquatro primeiros arguidos;

II — Nos mesmos telefonemas ameaçava-seque a população formaria milícias em face daintensidade e notoriedade de tal actividade;

III — No dia 30 de Abril de 1999, cerca das17.25 horas, elementos da GNR dirigiram-se parao local referenciado, e junto do café Casa dePasto, detiveram os arguidos Mário, Adelino ePaulo, os quais eram constantemente abordadospor indivíduos referenciados como toxicodepen-dentes e ainda o arguido Carlos José;

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88 BMJ 500 (2000)Direito Penal

IV — Aqueles arguidos detinham na suaposse os seguintes objectos e substâncias:

O Mário António, no bolso direito das calçase dentro de um maço de tabaco, três «panfletos»com um pó acastanhado, com peso total de0,502 g, o qual, submetido a exame laboratorial,revelou conter heroína com peso líquido de0,104 g. Tinha ainda consigo 7445$00;

O Paulo Jorge tinha no bolso da camisa umacaixa de rolo fotográfico com três «panfletos»,com um pó acastanhado, com o peso total de0,336 g, o qual, submetido a exame laboratorial,revelou conter heroína com o peso líquido de0,070 g;

O Adelino Manuel tinha no bolso esquerdodas calças um ovo de plástico, contendo quatro«panfletos» com um pó acastanhado, com o pesototal de 0,734 g, o qual, submetido a examelaboratorial, revelou conter heroína com o pesolíquido de 0,155 g;

O Carlos José tinha consigo uma caixa con-tendo quatro «panfletos», com um pó acasta-nhado com o peso total de 0,374 g, o qual,submetido a exame laboratorial, revelou conterheroína com o peso líquido de 0,069 g;

V — No dia 30 de Abril de 1999, numa buscaefectuada à residência do arguido Mário Mi-neiro, foram encontrados papéis com númerosde telefone, uma navalha e vários plásticos paraacondicionar droga, os quais, submetidos aexame laboratorial, revelaram conter resíduos deheroína;

VI — No mesmo dia, numa busca efectuada àresidência do arguido Adelino Manuel, foramencontrados um copo de vidro com 76 papéispreparados para fazer «panfletos», um ovo deplástico, uma porcelana em forma de sapato epratas e uma faca (o ovo, a porcelana e a faca,submetidos a exame laboratorial, revelaram con-ter resíduos de heroína), uma embalagem de mor-talhas, um papel com números de telefone, umplástico com papel dobrado, duas navalhas e umtelemóvel;

VII — No dia 29 de Julho de 1999, numabusca efectuada à residência de Raul Calado, fo-ram encontrados uma placa de substância vege-tal prensada, com o peso de 7,240 g, produto,que submetido a exame laboratorial, revelou serCannabis sativa L., com o peso líquido de 7,190 g,

duas saquetas de plástico, seis pratas com resí-duos de um produto que, após exame laboratorial,revelou líquido de 7,190 g, duas saquetas de plás-tico, seis pratas com resíduos de um produtoque, após exame laboratorial, revelou conter he-roína, uma folha de papel com nomes e horas,uma balança com quatro pesos de 3 g, 2 g e 1g;

VIII — Os arguidos Mário António, AdelinoManuel e Paulo Jorge destinavam o produto es-tupefaciente que lhes foi apreendido à venda aterceiros, obtendo, dessa forma, vantagem eco-nómica, e no momento em que foram intercepta-dos encontravam-se ali para vender o produtoque tinham consigo a consumidores que apare-cessem.

Os 7445$00 em poder do arguido Mário Mi-neiro provinham da venda de heroína;

IX — A faca, as navalhas e as embalagens deplástico apreendidas serviam para a preparação,divisão e embalagem das doses de heroína que ostrês primeiros arguidos vendiam aos consumi-dores;

X — O arguido Carlos José destinava o pro-duto estupefaciente que lhe foi apreendido aoseu consumo;

XI — Os três primeiros arguidos quase dia-riamente, da parte da tarde, vendiam heroína, empacotes, ao preço de 1000$00 cada um, a consu-midores que os procuravam no Largo de Mon-santo, perto da paragem de autocarro e do caféCasa de Pasto, vendas que, por vezes, aconte-ciam dentro dos veículos dos consumidores;

XII — No interior do café Casa de Pasto,explorado pelo arguido Eurico, foi encontrado nacasa de banho um cesto de papéis contendo di-versas pratas queimadas;

XIV — O arguido Mário Mineiro adquiria aheroína em Lisboa;

XV — O arguido Raul deslocava-se a Lisboa,ao Casal Ventoso, em médias duas vezes porsemana, a fim de comprar estupefaciente;

XVI — Os arguidos Mário António, AdelinoManuel, Paulo Jorge, Raul Calado e Carlos Joséagiram de forma livre, deliberada e consciente,tendo perfeito conhecimento das característicasdos produtos que detinham ou venderam, bemsabendo que a compra, detenção, venda e con-sumo daqueles estupefacientes são actos proibi-dos por lei;

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89 Direito PenalBMJ 500 (2000)

XVII — O arguido Mário Mineiro na alturaem que foi detido fazia alguns trabalhos de mar-cenaria, cabos de vassoura que vendia a fábricas.Entre 2 de Fevereiro e 30 de Junho de 1998esteve ao serviço da Junta de Freguesia deMonsanto, onde recebia o ordenado mensal de57 918$00. Era consumidor de heroína, o quevinha acontecendo desde há alguns anos, tendochegado a fazer tratamento de desintoxicação.O lucro que retirava da venda de heroína serviaao arguido para adquirir o estupefaciente para oseu consumo e custear as suas despesas de sub-sistência.

Como antecedentes criminais regista-se umacondenação em 24 de Outubro de 1995 por umcrime de consumo de estupefacientes, tendo sidocondenado na pena de 20 dias de multa à taxadiária de 300$00.

Declarou-se arrependido e com vontade demudar o seu modo de vida, abandonando o con-sumo e tráfico de estupefacientes;

XVIII — O arguido Adelino Manuel Caladoera consumidor de heroína. Desde Outubro de1998 que não desempenhava qualquer activi-dade, tendo anteriormente trabalhado na cons-trução civil e como operário de curtumes. O lucroque retirava da venda de heroína permitia-lheadquirir estupefaciente e custear as suas despe-sas de subsistência. Tem um filho de 6 anos deidade. O arguido tem uma perspectiva de em-prego na empresa Santos Filho, L.da Declarou-searrependido e com vontade de mudar o seu modode vida, abandonando o consumo e tráfico deestupefacientes.

Não tem antecedentes criminais;XIX — O arguido Paulo Jorge trabalhou al-

guns anos como operário de curtumes mas naaltura da detenção não desempenhava qualqueractividade. Era também consumidor de estupe-facientes, custeava o seu consumo de heroínacom o lucro que conseguia com a venda de droga,o que também lhe permitia fazer face às suasdespesas de subsistência.

Também se afirmou arrependido e com von-tade de mudar o seu modo de vida, deixando oconsumo e tráfico de estupefacientes.

Não tem antecedentes criminais;XX — O arguido Raul Calado é operário de

curtumes, tendo estudado comunicação social.Aufere o salário mensal de cerca de 100 000$00.

Vive com a mãe e uma irmã. É consumidor dehaxixe, tendo estado internado na Clínica Dr. Ma-nuel Pinto Coelho entre os dias 31 de Maio e 5de Junho de 1999 em tratamento à sua depen-dência de substâncias psicoativas;

XXI — O arguido Carlos Rodrigues na alturaem que foi detido não desempenhava qualqueractividade desde há alguns meses. Era consumi-dor de heroína;

XXI — O arguido Eurico Graça é de condiçãoeconómica e social modesta, vivendo da explora-ção do café Casa de Pasto.

Não se provou:

Que o estupefaciente apreendido no dia 30de Abril de 1999 aos arguidos Mário Mineiro,Paulo Marques, Adelino Calado e Carlos Rodri-gues correspondesse a, respectivamente, cinco,quatro, nove e cinco doses individuais;

Que os papéis com números de telefoneapreendidos ao Mário fossem números de tele-fone de consumidores de estupefacientes;

Que a balança apreendida ao arguido Raul fossede aferição e que servisse para pesar doses deheroína e haxixe;

Que a embalagem de mortalha apreendia ser-visse para embalar doses de heroína;

Que os papéis apreendidos com nomes fos-sem registos de nomes e contactos de consumi-dores;

Que o arguido Raul Calado vendesse estupe-facientes;

Que as vendas se efectuassem no interior docafé Café de Pasto ou que os arguidos aí contac-tassem consumidores;

Que os arguidos contactassem os consumido-res através de acenos de cabeça e gestos com oslábios;

Que os três primeiros arguidos pousassem oproduto numas escadas junto à garagem dos au-tocarros depois dos consumidores ali colocaremo dinheiro e que permanecessem ali por algumtempo para disfarçar;

Que o arguido Raul fornecesse o produto es-tupefaciente aos três primeiros arguidos;

Que cada um dos três primeiros arguidos ven-desse em média seis pacotes de heroína por dia;

Que o haxixe apreendido ao arguido Raul sedestinasse à venda;

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90 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Que o arguido Eurico soubesse que os trêsprimeiros arguidos se dedicavam à venda de es-tupefacientes;

Que pessoas de Monsanto tenham alertado oarguido Eurico para o facto de no interior do seucafé vir a processar-se tráfico de droga.

Quanto à qualificação jurídico-penal:

Como se sabe, a conclusão a firmar sobre amenor gravidade do tráfico tem de resultar (sópode resultar) de uma análise global da condutado agente; donde que, verificado um caso do ar-tigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, o tráfico ape-nas deverá ser havido como de gravidade menorse a ilicitude do facto se mostrar consideravel-mente diminuída, tendo em conta nomeada-mente (logo, a título exemplificativo) os meiosutilizados, a modalidade ou as circunstâncias daacção e a qualidade ou a quantidade das subs-tâncias em causa (cfr. artigo 25.º do Decreto-Lein.º 15/93).

Já não há, pois, lugar para se erigir como fac-tor decisivo de qualificação (ao contrário do queacontecia na vigência do Decreto-Lei n.º 430/83,de 13 de Dezembro, cujo artigo 24.º precisa-mente se epigrafava de «Tráfico de quantidadesdiminutas»), o da maior ou menor quantidade dadroga: este factor será um entre os mais a consi-derar e que atrás se referiram.

O que importa, isso sim, é apurar, na faladaanálise global, se de todo o conjunto da activi-dade do arguido emergem items inculcadores dereiteração, habitualidade, intensidade, dissemi-nação alargada ou sintomaticamente expressiva,ligações mais ou menos marcadas ao mundo dosestupefacientes ou ao seu mercado, carácter orga-nizado dos actos praticados e sua dimensão.

Só deste apuramento pode partir-se para, comrazoável segurança, se extremarem, entre si, ogrande tráfico, o médio tráfico e o pequeno trá-fico e, através dessa diferenciação, alcançar-sesuporte para se afirmar se se trata ou não de umcaso de ilicitude consideravelmente diminuída.

O douto acórdão recorrido fez um cuidadodiagnóstico do património factológico em queassentou e encarecendo, embora, o flagelo socialque a droga representa e não secundarizando anocividade que advém da substância estupefa-ciente que esteve em jogo (heroína, a mais dele-

téria das chamadas «drogas duras»), chegou àconclusão de que se prefigurava uma hipótese detráfico de menor gravidade: daí a convolação sub-suntiva que realizou relativamente ao que vinhaproposto na acusação.

Na perspectiva que adoptou pode, inclusive,achar-se razão de ser no que se escreveu na deci-são deste Supremo Tribunal de Justiça que apa-rece transcrita no dito acórdão impugnado, quantoa que, sendo o arguido toxicodependente (comose comprovou serem os arguidos destes autos),«a sua personalidade e capacidade organizativase quedarão por uma mercancia apenas sufi-ciente para subsistir como dependente da droga.Não uma actividade em exclusivo, como no casodo traficante — consumidor, mas numa situaçãorelativamente próxima». (Cfr. fls. 371.)

Para este prisma de visão, encontrou o tribu-nal julgador outro bom alicerce: o de que só porele se conseguirão evitar reacções criminais des-proporcionadas. (Cfr., ainda, fls. 371.)

De todo o modo, esta última asserção valerá,sobretudo, em sede de culpa ou de expressão dejuízo de censura a tal culpa adequado.

No plano da qualificação jurídica que é o queagora se encara, a apontada posição ganha relevoem termos de conduzir à conclusão de umamenor ilicitude e não é de desprezar, portanto,mesmo neste domínio.

Configurou, pois, o douto tribunal a quo apartir da factualidade fixada e da convicção quesobre ela formou a ocorrência de crimes de trá-fico cujo tipo fundamental se estrutura no artigo21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.

Entendeu, porém, situá-los num contexto emque a ilicitude dos factos, numa valoração globalde todos os factores recolhidos e sopesados, sepode ter realmente por consideravelmente dimi-nuída, o que justifica, sem especial reserva, eexplica, sem vultosa dúvida, a subsunção das con-dutas delituosas dos arguidos aqui em causa(Mário António, Adelino Manuel, Paulo Jorge eRaul) ao tipo privilegiado do crime de tráfico demenor gravidade do artigo 25.º do decreto-leicitado.

Não se acha, por conseguinte, razão válidapara endereçar reparo, nesta vertente, à decisãorecorrida, pelo que, também nesta vertente, nãorecolhe procedência, sem embargo do brilho das

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91 Direito PenalBMJ 500 (2000)

alegações que o sustentaram, o recurso inter-posto.

No que tange à dosimetria concreta das penasaplicadas e à suspensão da sua execução:

Nunca será demais encarecer que a droga cons-titui nas sociedades dos nossos dias, designada-mente na nossa, um verdadeiro flagelo, uma pragasocial a que importa dar um combate sem tré-guas, sendo enormes as necessidades da preven-ção geral, bem como as suas exigências; há,portanto, não só que rigorisar as acções dos tra-ficantes, como obstar a que surjam novos trafi-cantes, fomentando, por um lado, a desmotiva-ção dos que se dedicam a tais actividades e ata-lhando, por outro, ao aumento de consumidores.

Todavia, não pode ser esquecido que toda apena tem como alicerce axiológico uma culpaconcreta, que a sua individualização pressupõeproporcionalidade entre a sanção e essa culpa eque, não sendo embora de escamotecer as exigên-cias da prevenção geral e as da reprovação docrime, deve a aplicação das penas orientar-se numsentido a um tempo educativo e reinseridor, tudoa ser informado pelos mandamentos consigna-dos nos artigos 71.º, n.os 1 e 2, e 40.º, n.os 1 e 2, doCódigo Penal e, sobretudo, pela regra (a do n.º 2deste último preceito) de que, em caso algum, amedida da pena pode ultrapassar a medida daculpa.

E se, em domínio da ilicitude, se impõe distin-guir, por forma a identificar o seu grau, os casosde grande tráfico, do médio tráfico e do pequenotráfico, igualmente aqui, no capítulo da culpa,forçosa é uma diferenciação que permita adequaro juízo de censura a um expoente que será di-verso, consoante se trate de grandes patrões dadroga, de traficantes já inseridos neste deplorá-vel universo ou de pequenos agentes de tráfico,nomeadamente a esse tráfico virados por apetên-cias de consumo (ainda que não em exclusivo) edos quais se possa ainda esperar uma manifesta-ção no sentido de arrepiarem caminho: cientesembora, de que todos estes agentes delitivos, commaior ou menor expressão ou com maior ou me-nor papel neste sombrio cenário, para este con-tribuem, não deve, essa inevitável constatação,levar-nos a dispensar a relativização das sanções.

No caso sub judice, o perfil pessoal dos argui-dos, com especial atenção para a ausência de

passado criminal (apenas o arguido Mário Antó-nio apresenta uma condenação anterior mas porcrime de consumo), para o comprovado arrepen-dimento e para a, igualmente comprovada, von-tade de abandonarem o consumo de drogas (oque, a acontecer, evitará, por certo, que voltem arecair em práticas de tráfico) ajuda à formulaçãode um juízo de prognose favorável conducente aconcluir que «a simples censura do facto e aameaça de prisão realizam de forma adequada esuficiente as finalidades da punição» (artigo 50.º,n.º 1, parte final, do Código Penal).

E a tal prognóstico não obstam, ainda que senão desprezem, os contrapontos da culpa na for-mação da personalidade de que, pelo menos atéagora, os arguidos padeceram (a queda na tenta-ção da droga não é propriamente factor ate-nuativo nem do crime de tráfico nem de outroscom ele correlacionados ou dele derivados, em-bora, como tal, já se possa ter a atitude ou avontade de fugir a essa tentação) da ilicituderevelada (se bem que em grau não elevado) e dodolo manifestado (a não tonalizar com intensi-dade demasiada).

Não se tem, pois, por merecedora de reparo adecisão que suspendeu a execução das penasaplicadas aos arguidos, criteriosos se achando,igualmente, na sua dimensão temporal, os perío-dos estipulados em ordem a testar (e a atestar) ocomportamento futuro dos mesmos arguidos.

Certo é que estes não são propriamente jo-vens imaturos mais facilmente permeáveis oumais dignos de alguma contemporização, por viadessa imaturidade; mas, por aqui, também seencontra razão (uma outra razão) para que selegítima pensar que, mais madura e consciente-mente, possam reflectir na gravidade dos actospraticados, evitando recidivas: aliás, não serátarde, cremos, para inverterem positivamente osseus percursos de vida.

De todo o modo:

Entendemos estar perante um condicionalismoque, a todos os títulos e até em benefício dospróprios arguidos, aconselha fazer complemen-tar as decretadas suspensões de execução daspenas aplicadas do regime de prova (cfr. artigos50.º, n.º 2, e 53.º, n.os 1 e 2, do Código Penal),regime esse que, modalidade sendo do institutoda suspensão da execução das penas, a um tempo

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92 BMJ 500 (2000)Direito Penal

e do mesmo passo, serve os desideratos da pre-venção especial (pelo acompanhamento) e os daprevenção geral (através da vigilância).

E diga-se que este acréscimo condicionantedas suspensões decididas não envolve, como ébem de ver, qualquer ofensa ao princípio da proi-bição da reformatio in pejus (cfr. n.º 1 do artigo409.º do Código de Processo Penal), já que, incasu, apenas o Ministério Público recorreu con-tra os arguidos e peticionando, para eles, proce-desse o recurso, efeitos que seriam muito maisgravosos.

Em síntese conclusiva:

Improcede o recurso interposto pelo Minis-tério Público, ainda que naturalmente se com-preendam e aceitem as preocupações do Ex.mo Ma-gistrado recorrente, modelarmente expressas nasua alegação.

Mas condicionam-se as suspensões decreta-das ao regime de prova que as acompanhará aolongo de todo o decurso dos períodos temporaispara elas fixados: os de 4 anos para os arguidosMário António Mineiro Duarte, Adelino Ma-nuel Costa Calado e Paulo Jorge Rodrigues Mar-ques e o de 3 anos para o arguido Raul CaladoFerreira.

Desta sorte e pelos expostos fundamentos:

Nega-se provimento ao recurso do Ministé-rio Público e confirma-se o douto acórdão recor-rido, passando, contudo, as suspensões daexecução das penas aplicadas aos arguidos a se-rem acompanhadas, por todo o decurso dos pe-ríodos estabelecidos para essas suspensões, doregime de prova definido nos artigos 50.º, n.º 2,parte final, e 53.º, n.os 1 e 2, do Código Penal e aconcretizar nos moldes que vierem a ser fixadospelos respectivos serviços de reinserção social.

Não é devida tributação.Para os devidos efeitos, remeta-se ao Insti-

tuto de Reinserção Social, após trânsito, certi-dão do presente acórdão, acompanhando-a detodos os elementos referentes aos arguidos Má-rio António Mineiro Duarte, Adelino ManuelCosta Calado, Paulo Jorge Rodrigues Marques eRaul Calado Ferreira, existentes no processo.

Aos Ex.mos Defensores Oficiosos designadosfixam-se os honorários de 20 000$00, a adiantarpelo Cofre Geral dos Tribunais.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Oliveira Guimarães (Relator) — Dinis Al-ves — Guimarães Dias — Costa Pereira.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 3 de Fevereiro de 2000 do Tribunal Judicial de Alcanena, processo n.º 111/99.

I — Tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça que, no domínio do tráfico de menorgravidade de estupefacientes, não releva apenas, e nem sequer preponderantemente, a quantidade dedroga transaccionada, tudo dependendo da apreciação e consideração conjunta das circunstâncias,factores ou parâmetros mencionados no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

No sentido referido leiam-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 5.ª Secção, de 3 deFevereiro de 2000, tirado no processo n.º 1164/99; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 deMaio de 2000, tirado no processo n.º 125/2000, também da 5.ª Secção; no acórdão do SupremoTribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2000, tirado do processo n.º 1003/99, da 3.ª Secção; noacórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2000, tirado no processo n.º 1193/99, da5.ª Secção; todas as referências a estes acórdãos resultaram da consulta feita no site do SupremoTribunal de Justiça na Internet.

No mesmo sentido e em recolha feita na base de dados da DGSI, na Internet, encontramos osseguintes acórdãos: acórdão tirado em 20 de Novembro de 1997, no processo n.º 0009793, publicadono Boletim do Ministério da Justiça, ano 1997, n.º 471, pág. 163, bem como o acórdão de 7 de Maiode 1997, também do Supremo Tribunal de Justiça, tirado no processo n.º 1371/96, publicado noBoletim do Ministério da Justiça, n.º 467, págs. 462 e seguintes.

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93 Direito PenalBMJ 500 (2000)

II — Para efeitos de se determinar se o tráfico é apenas de menor gravidade, tem interesse,designadamente, o período de tempo da actividade, o número de pessoas adquirentes da droga, arepetição de vendas ou cedências, os montantes envolvidos no negócio de tráfico e a natureza dosprodutos, bem como os meios utilizados.

O presente acórdão entende que no conceito diferencial entre os artigos 25.º e 21.º da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, revelarão particularmente os conceitos padrões do artigo 25.º, os meios utiliza-dos, uma incipiente organização de tráfico, uma perigosidade medianamente significativa em termosde difusão das substâncias, posto que a qualidade da droga seja das mais perigosas do mercado eatenta, nomeadamente, as quantidades comerciadas, mas em que a ilicitude dos factos, numa valoraçãofactual de todos os factores recolhidos e sopesados, se pode ter realmente por consideravelmentediminuída.

III — Assim está incurso, de acordo com o presente acórdão, na previsão do artigo 25.º da Lein.º 15/93, de 22 de Janeiro, o «traficante» de pequeno porte, que lida com a venda de uma das drogasmais perigosas (heroína), assegurando o elo final da cadeia de tráfico e que atenta contra os valoressocietais de defesa da sociedade quanto à proliferação das redes locais de tráfico.

IV — Face a estes arguidos não é de rejeitar, liminarmente, a formulação de um juízo de prognosefavorável, no sentido de conduzir os mesmos à formulação da seguinte hipótese — «a ameaça da penade prisão realiza, no caso concreto, e em relação aos concretos arguidos, de forma adequada e sufi-ciente as finalidades da punição».

Esta interrogação deve merecer, no caso em apreço, resposta positiva, entendendo o tribunalSupremo que no caso concreto nos encontramos num condicionalismo, que aconselha fazer comple-mentar as decretadas suspensões de execução das penas aplicadas do regime de prova — cfr. artigos50.º, n.º 2, e 53.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.

V — O presente acórdão, destinando-se a ser lido por um universo de leitores vasto, abre novasto campo de leitores, potencialmente, um espaço de completude, no que toca à sua abertura aoconhecimento da racionalidade e coerência argumentativa dos juízes que decidiram.

Este acórdão não apresenta um corte entre uma e outra instância de julgamento, completando oacórdão, ora anotado, a valoração da medida de suspensão da execução da pena de prisão quer nodesiderato da prevenção especial quer da prevenção especial.

Parte-se no acórdão, ora anotado, de uma leitura da nota justificativa da Lei n.º 15/93 e do texto daprópria lei que permite ao decisor judicial distinguir os casos de tráfico importante e significativo dotráfico menor, que, apesar de tudo, não podendo ser aligeirado de modo a esquecer-se o papelessencial que os dealers de rua representam na cadeia do grande tráfico, não pode, por outro lado, serpenalizado do mesmo modo que as outras intervenções criminosas no mundo do tráfico. Encontrou--se o decisor judicial, na leitura dos factos a decidir, com a falada válvula de segurança do sistema, quevisa evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadasou que, ao invés, se force ou se use indevidamente uma atenuante especial.

(P. B.)

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Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade —Jovem adulto — Atenuação especial da pena — Medida dapena — Suspensão da execução da pena

I — Comete o crime previsto e punido pelo disposto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto--Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não o crime previsto e punido no artigo 25.º do mesmodiploma legal, o arguido que, através de outras pessoas, procedia à venda de produtoestupefaciente a consumidores, entregando-lhe aquelas o dinheiro resultante da venda,nada revelando que a ilicitude da sua conduta se mostre consideravelmente diminuída,tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a qualidade (heroína) ou a quanti-dade global de cerca de 250 g de droga e o modus operandi, com obtenção de lucros,explorando a necessidade de toxicodependentes.

II — Reúne as condições objectivas e subjectivas para beneficiar do regime especialpara jovens, nos termos dos artigos 9.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82,de 23 de Setembro, o arguido de 20 anos de idade e com o 9.º ano da escolaridade, semantecedentes criminais, que confessou parcialmente os factos, com algum interesse parao seu razoável esclarecimento, é consumidor de heroína, com sinais e síndroma de absti-nência de opiáceos, tendo sido acompanhado/tratado clinicamente no estabelecimentoprisional, no âmbito de um programa de apoio a reclusos toxicodependentes em que seinscreveu, sendo pessoa modesta e considerada por familiares e amigos, e tendo assegu-rado trabalho logo que saia da prisão.

III — Para a aplicação da atenuação especial da pena não é exigível o arrependi-mento sincero pelos actos praticados, por ser toxicodependente, e, nessas circunstân-cias, o dependente carece de capacidade para o efeito, sendo, porém, essencial que seesforce ou se disponibilize para se libertar do vício ou da dependência.

IV — Face à idade do arguido e ausência de passado criminal, a confissão parcialdos factos e o propósito de se libertar da toxicodependência, o elevado grau de ilicitudedo crime, o tipo de dolo e as consequências de crimes desta natureza mostra-se ajustadaa pena de 3 anos de prisão.

V — Evidenciando o arguido alguma adaptação à vida social normal, com coloca-ção laboral em perspectiva e beneficiando da integração social no meio em que vive,para além do seu círculo familiar, será de suspender a execução da pena, acrescendo,embora, no caso concreto, a imposição de certas condições.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 198/2000 — 5.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

Por acórdão do tribunal colectivo da comarcade Santa Maria da Feira de 4 de Fevereiro de2000, o arguido Nuno Américo Soares Correia,solteiro, electricista, nascido a 10 de Agosto de1978, foi condenado pela prática de um crime detráfico de estupefacientes, previsto e punido peloartigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22de Janeiro, na pena de 4 anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs o presenterecurso, em cuja motivação extraiu as seguintesconclusões:

1) O comportamento do arguido preenche otipo legal de crime previsto e punido pelo artigo25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

2) O recorrente tinha, à data dos factos, 20anos de idade; é primário e tem condições objec-tivas e subjectivas para lhe ser aplicada a legisla-ção especial para jovens delinquentes (De-

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95 Direito PenalBMJ 500 (2000)

creto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro), ate-nuando-se especialmente a pena;

3) E, em todo o caso, quer numa hipótesequer noutra, ver a execução da pena suspensão;

4) Foram violados os artigos 24.º, n.º 1, e 25.ºdo Decreto-Lei n.º 15/93, o artigo 50.º do CódigoPenal e o artigo 1.º (e todo o diploma) do De-creto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Na sua douta resposta, o Ministério Públicorefuta toda a argumentação do recorrente e con-clui que a decisão recorrida não merece qualquerreparo.

Foram requeridas alegações por escrito.Fixado o prazo para o efeito, o recorrente limi-

tou-se a dar «por reproduzido o texto das moti-vações que acompanham o requerimento deinterposição de recurso».

Nessa peça processual, o Ex.mo Procurador--Geral Adjunto apenas concorda, atenta a idadedo arguido, com a existência de razões sérias parase decretar a atenuação especial da pena.

Colhidos os vistos, procedeu-se à conferên-cia, com observância do formalismo legal.

Cumpre decidir.

O tribunal colectivo deu como provados osseguintes factos, que se reproduzem integral-mente quer no que tange ao recorrente quer noque se reporta aos arguidos Eugénio Ferreira daCosta e Joaquim Rodrigues da Costa, não recor-rentes, também condenados neste processo empenas de prisão (18 meses de prisão e 1 ano deprisão, respectivamente) cuja execução foi sus-pensa pelo período de 3 anos:

1.º) Os arguidos Nuno e Eugénio, tambémconhecido por «Geno Airoso», desde pelo me-nos Fevereiro de 1999 que desenvolviam a acti-vidade de venda de heroína com uma regularidadediária, na zona do Centro Comercial denominadoChafariz, em Lourosa, Santa Maria da Feira, eárea circundante.

2.º) Para o efeito, o arguido Nuno Américoangariava as doses de heroína necessárias para onúmero de transacções prováveis durante um dia,normalmente 24 pacotes, preferencialmente noperíodo da tarde, entregando-as depois ao ar-guido Eugénio, chegando por vezes a renovar aentrega de heroína duas ou três vezes por dia.

3.º) Por sua vez, o arguido Eugénio procedia àvenda dessas doses aos consumidores que lheaparecessem como clientes, vendendo cada dosepelo preço de 1000$00.

4.º) Posteriormente o arguido Eugénio entre-gava o produto da venda que fazia ao arguidoNuno Américo, dando-lhe este como recompensaheroína.

5.º) Algumas vezes acontecia que o arguidoEugénio telefonava ao arguido Nuno Américo,dando-lhe conta de algumas encomendas de he-roína que lhe haviam sido feitas e em face dasmesmas combinavam o local de entrega do pro-duto em causa, sendo o próprio arguido Nunoque nessas alturas promovia a concretização detais transacções.

6.º) No princípio de Maio de 1999, o arguidoJoaquim, também conhecido por «Quim Ai-roso», passou igualmente a vender heroína porconta do arguido Nuno, nos mesmos termos com-binados para o arguido Eugénio.

7.º) Na sua actividade de venda de heroína oarguido Nuno fazia-se deslocar por vezes no seuveículo automóvel, de matrícula TN-19-32, marcaToyota, modelo Corolla.

8.º) Assim, no âmbito de tal actividade de vendade heroína, no dia 11 de Maio de 1999, a partirdas 11 horas, na zona do Centro Comercial Cha-fariz, os arguidos Eugénio e Joaquim procede-ram a várias transacções de heroína, nomeada-mente vendendo heroína e recebendo a respec-tiva quantia em dinheiro dos consumidores Má-rio Filipe Sousa Pinto, conhecido pela alcunhado «Manaca», Nuno Filipe Sousa Pinto, AlfredoPinto Correia da Silva e Carlos Alberto TavaresCorreia.

9.º) Ao mesmo tempo em que ocorriam a tran-sacções de heroína efectuadas pelos arguidosEugénio e Joaquim, o arguido Nuno vigiava olocal no seu veículo atrás identificado.

10.º) Já no dia 10 de Maio de 1999, a partirdas 16 horas, no mesmo local os arguidos Eugénioe Joaquim haviam efectuado transacções de he-roína com os consumidores que iam aparecendopara o efeito, estando incluídos entre eles os con-sumidores Mário Pinto e Carlos Alberto.

11.º) No dia 12 de Maio, a partir das 11 horas,sempre no mesmo local os arguidos levaram acabo várias transacções de heroína, sendo quecerca das 13.35 horas o arguido Nuno deslocou-

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96 BMJ 500 (2000)Direito Penal

-se no seu veículo, acompanhado pelo arguidoEugénio, até junto às piscinas de Lourosa e apósdeixar o arguido Eugénio naquele local continuouo percurso automóvel até Santa Maria de Lamas,sendo aí abordado por uma brigada da GNR queo havia seguido até ali.

12.º) Foram então executados os mandadosde busca domiciliária à residência do arguidoNuno, tendo sido aí encontrados os seguintesobjectos: 102 000$00 em notas do Banco de Por-tugal, que se encontravam escondidas debaixo docolchão da sua cama; um doseador de heroínaencontrado no parapeito da janela do seu quarto;uma navalha com 11 cm de lâmina e dois recortesde plástico.

13.º) Efectuada ainda revista ao arguido NunoAmérico, foi-lhe encontrada dentro da sua car-teira a quantia de 12 000$00 em notas do Bancode Portugal.

14.º) Na mala do veículo do arguido NunoAmérico foram encontradas duas t-shirts, aindaembaladas, três boxers, um cinto, um par de bo-tas e dois pares de sandálias de senhora, todos damarca Jimmy Dolye.

15.º) Os objectos encontrados na posse doarguido Nuno Américo são no caso do dinheiro eobjectos encontrados na mala do seu carro pro-duto da actividade de venda de estupefacientes eno caso dos restantes objectos instrumentos ne-cessários para a execução de tal actividade.

16.º) No mesmo dia e pelas 13.50 horas, no-vamente em frente ao Centro Comercial Chafa-riz e encontrando-se aí os arguidos Eugénio eJoaquim a venderem heroína, foram os mesmosabordados por uma brigada da GNR, tendo sidonessa ocasião encontrado na posse do arguidoJoaquim a quantia em dinheiro de 5000$00 emnotas do Banco de Portugal e duas doses de he-roína, com o peso bruto de 0,394 g, que o mesmohavia escondido segundos antes num canteiro deflores ali existente.

17.º) Por sua vez, foi encontrado na posse doarguido Eugénio um telemóvel com o qual muitasvezes fazia os contactos com os clientes interes-sados em adquirirem heroína.

18.º) Posteriormente com a colaboração desteúltimo arguido foram encontradas escondidasnum muro junto à residência de seu pai 16 dosesde heroína, com o peso bruto de 1,590 g, que lhe

haviam sido entregues naquele dia pelo arguidoNuno.

19.º) O dinheiro encontrado na posse do ar-guido Joaquim era proveniente das transacçõesde heroína que o mesmo já havia efectuado na-quele dia.

20.º) A droga encontrada ainda em poder dosarguidos Joaquim e Eugénio e com o peso líquidototal de 0,540 g destinava-se à venda a quemaparecesse para o efeito, mediante contrapartidaem dinheiro.

21.º) O lucro obtido com tais vendas seriaentregue ao arguido Nuno, conforme previa-mente combinado por todos.

22.º) Todos os arguidos eram na ocasião con-sumidores diários de heroína e nenhum deles exer-cia na ocasião actividade profissional com carácterde regularidade, vivendo o arguido Nuno quaseexclusivamente do lucro obtido no tráfico de droga.

23.º) Os arguidos Eugénio e Joaquim ao pro-cederem à venda de estupefacientes por conta doarguido Jorge visavam que este lhes cedesse he-roína para consumirem.

24.º) Foi comprovado laboratorialmente queo produto apreendido na posse dos dois argui-dos é heroína, substância essa incluída na tabelaI-A do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

25.º) Os arguidos agiram de forma livre e cons-ciente, em comunhão de esforços e intenções,bem sabendo que desenvolviam em conjunto aactividade de venda de heroína, conhecendo aindaa natureza e as características daquele estupefa-ciente.

26.º) Todos os arguidos sabiam que actuavamde modo proibido e punido por lei.

27.º) O arguido Nuno tem a profissão de elec-tricista e vivia com a sua companheira.

28.º) O arguido Nuno é consumidor de he-roína, apresentando sinais e síndroma de absti-nência de opiáceos e tem sido acompanhado/tratado clinicamente no estabelecimento prisionalonde se encontra, no âmbito de um programa deapoio a reclusos toxicodependentes onde se ins-creveu.

29.º) O arguido Nuno em 15 de Setembro de1999 andava a receber acompanhamento psico-lógico pela sua não adaptação à prisão, assimcomo ao consumo de substâncias tóxicas.

30.º) O arguido Nuno, após a sua detenção,tem tido apoio familiar, designadamente dos seus

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97 Direito PenalBMJ 500 (2000)

pais, que se mostram disponíveis para o receberlogo que saia da prisão.

31.º) Este arguido antes de se dedicar à vendade heroína trabalhava como electricista e tem as-segurado trabalho na construção civil logo quesaia da prisão.

32.º) O arguido entre 9 e 30 de Novembro de1998 tentou fazer um tratamento de desinto-xicação no Centro de Apoio à Toxidependênciada Vergada, tendo tal situação ficado registada noseu médico de família, o qual integra a Sub-Re-gião de Saúde Aveiro.

33.º) O arguido é estimado e considerado pe-los seus amigos e familiares, sendo uma pessoamodesta.

34.º) O arguido Nuno tem como habilitaçõesliterárias o 9.º ano de escolaridade.

35.º) O arguido na ocasião do sucedido tinha20 anos de idade e não tem antecedentes criminais.

36.º) O arguido Eugénio é operário da cons-trução civil, mediante cerca de 85 000$00 pormês, e vive com os seus pais.

37.º) Este arguido é consumidor de estupefa-cientes, nomeadamente heroína, tendo reveladoem 12 de Outubro de 1999 a presença de opiá-ceos.

38.º) O arguido Eugénio tem como habilita-ções literárias o 4.º ano de escolaridade.

39.º) O arguido relatou o sucedido do modocomo o mesmo ficou descrito nos factos pro-vados.

40.º) Este arguido não tem antecedentes cri-minais.

41.º) O arguido Joaquim encontra-se desem-pregado e vive com os seus pais.

42.º) Este arguido é consumidor de estupefa-cientes, nomeadamente heroína, tendo reveladoem 12 de Outubro de 1999 a presença de opiáceos.

43.º) O arguido tem como habilitações literá-rias o 3.º ano de escolaridade.

44.º) O arguido relatou o sucedido do modocomo o mesmo ficou descrito nos factos pro-vados.

45.º) Este arguido não tem antecedentes cri-minais.

Nas conclusões da motivação do recurso vêmesquematizadas as seguintes questões:

1.ª — A qualificação jurídica da conduta dorecorrente (artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93);

2.ª — A pena devia ter sido especialmenteatenuada, por aplicação do disposto no Decreto--Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro;

3.ª — A suspensão da execução da pena deprisão a aplicar (artigo 50.º do Código Penal).

Quanto à 1.ª questão, o acórdão recorrido con-siderou praticado pelo recorrente o crime de trá-fico de estupefacientes previsto pelo artigo 21.º,n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro,punido com pena de prisão de 4 a 12 anos,expendendo: «Nesta conformidade e pelo que fi-cou anteriormente relatado quanto à angariação deestupefaciente pelo arguido Nuno, cuja venda aosconsumidores se efectuava através dos outros ar-guidos, a quem lhe entregavam o dinheiro resul-tante dessas vendas, nas diversas situações emque foram apontadas, somos de crer que o mesmocometeu esse crime de tráfico de que vem incurso.»

Esta conclusão traduz correctamente a fac-tualidade provada, pois nada revela que a ilicitudedo facto (isto é, da conduta do recorrente) semostra consideravelmente diminuída, tendo emconta nomeadamente os meios utilizados [...] aqualidade ou a quantidade dos produtos estupe-facientes transaccionados (artigo 25.º do De-creto-Lei n.º 15/93).

Como se salienta nas doutas alegações escri-tas do Ministério Público, quer a quantidade glo-bal (cerca de 250 g) da droga traficada, quer a suaqualidade (heroína), não permitem concluir poruma menor ilicitude (tendo em conta o númerode bens jurídicos protegidos pela norma que fo-ram e podiam ter sido atingidos e o grau real ehipotético de lesão).

Acresce o modus operandi do arguido navenda das doses de heroína, com obtenção delucros, explorando a necessidade de toxicodepen-dentes (garantindo maior eficácia na prossecuçãodo seu objectivo e a maior impunidade pessoal).

No que concerne à segunda questão, o recor-rente tinha, à data dos factos, 20 anos de idade.

O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23de Setembro, prevê e preceitua:

«Se for aplicável pena de prisão, deve o juizatenuar especialmente a pena nos termos dosartigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiversérias razões para crer que da atenuação resul-tem vantagens para a reinserção social do jovemcondenado.»

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98 BMJ 500 (2000)Direito Penal

É sabido que a aplicação do disposto nestepreceito «não opera automaticamente, havendonecessidade de fazer um prognóstico favorávelacerca do carácter evolutivo e da capacidade deressocialização» do delinquente (acórdão de 12de Junho de 1997, Boletim do Ministério da Jus-tiça, n.º 468, pág. 122).

O acórdão recorrido entendeu:

«Neste caso e pelo que ficou provado, é ma-nifesto que o arguido Nuno tem condições exter-nas (apoio familiar, trabalho assegurado) paraque, se quisesse, pudesse optar pela sua rein-serção social e daí ser-lhe aplicável aquele regimede jovem delinquente.

Porém, não ficou igualmente demonstradoquaisquer propósitos sérios por parte do mesmoarguido, de modo que se possa dizer que omesmo pretende reinserir-se e arrepiar o cami-nho desviante que seguiu até aqui, o que passa-ria, a nosso ver e sem sombra de dúvida, por terassumido na integra a sua actividade de tráfico,assim como os proveitos monetários que daíretirou.

Em suma, não tendo o arguido Nuno deno-tado qualquer arrependimento por ter desenvol-vido tal actividade de tráfico, que é distinto emestar preocupado com a sua situação de encar-ceramento, [a] que ninguém certamente gosta deestar sujeito, o que passaria, a nosso ver, pelaconfissão integral e sem reservas do que ficouefectivamente demonstrado, não se pode dizerque o mesmo está sinceramente movido por ra-zões, louváveis e sérias, de reinserir-se social-mente, pelo que carece de fundamento a aplicaçãodaquele regime do jovem delinquente.»

A esta impressionante asserção o recorrentecontrapõe (motivação): os sinais de ressocia-lização começam quando começa a trabalhar noestabelecimento prisional e quando se inscreve noprograma com desintoxicação que frequenta [...]

A atitude do recorrente, durante a audiênciade julgamento, apresenta-se sumariada, em sededa formação da convicção do tribunal, nos se-guintes termos:

«O arguido Nuno começou por dizer que quemo iniciou nestas vendas foi o arguido Eugénio,limitando-se a fazer seguir as doses de heroína deum tal Pedro para este outro arguido, em troca de

uma dose para si. Tal arguido também afirmouque nunca cedeu qualquer droga ao arguido Joa-quim para este vender — esta versão veio a serposteriormente contrariada pelos outros doisarguidos. O arguido Nuno admitiu, porém, queno período referido em 1.º dos factos provadosentregava tais ‘panfletos’ de heroína ao arguidoEugénio.»

Quer dizer: houve, por parte deste arguido,uma confissão parcial dos factos, que algum in-teresse revestiu para o seu razoável esclareci-mento.

Além disso, ficou provado que o recorrente:

1) Tem a profissão de electricista e vivia coma sua companheira;

2) É consumidor de heroína, apresentando si-nais e síndroma de abstinência de opiáceos e temsido acompanhado/tratado clinicamente no esta-belecimento prisional onde se encontra no âm-bito de um programa de apoio a reclusos toxico-dependentes onde se inscreveu;

3) Em 15 de Novembro de 1999, andava areceber tratamento/acompanhamento psicoló-gico pela sua não adaptação à prisão, assim comoao consumo de substâncias tóxicas;

4) Após a sua detenção, tem tido apoio fami-liar, designadamente dos seus pais, que se mos-tram disponíveis para o receber logo que saia daprisão;

5) Antes de se dedicar à venda de heroína tra-balhava como electricista e tem assegurado tra-balho na construção civil logo que saia da prisão;

6) Entre 9 e 30 de Novembro de 1998, tentoufazer um tratamento de desintoxicação no Cen-tro de Apoio à Toxidependência de Vergada,tendo tal situação registada no seu médico defamília, o qual integra a Sub-Região de Aveiro;

7) É estimado e considerado pelos seus ami-gos e familiares, sendo uma pessoa modesta;

8) Tem como habilitações literárias o 9.º anode escolaridade;

9) Na data dos factos tinha 20 anos de idade enão tem antecedentes criminais.

Deste modo, se verifica estarem preenchidasas condições objectivas e subjectivas da aplica-ção ao recorrente do regime especial para jovensdelinquentes (artigo 9.º do Código Penal e artigo4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setem-

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99 Direito PenalBMJ 500 (2000)

bro) e designadamente a atenuação especial dapena, sendo, no caso, desmesurada a exigência dearrependimento sincero pelos actos praticados,uma vez que o arguido Nuno Correia era toxico-dependente, consumidor de heroína e, nessas cir-cunstâncias, o dependente ou viciado não reco-nhece facilmente as suas faltas, por carecer decapacidade para tal, sendo, porém, essencial quese esforce ou se disponibilize para se libertar dovício ou da dependência e, depois de liberto, oarrependimento surgirá com naturalidade e comoconsequência dessa superação.

Pode mesmo dizer-se que a disponibilidadeconsciente e esforçada para o arguido se afastardo vício, vencendo a toxicodependência, consti-tui um indício ou relevante sintoma de arrepen-dimento e revelador de um propósito de arrepiarcaminho e de renegar o passado.

Em consequência da atenuação especial dapena e nos termos do disposto no artigo 73.º,n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a moldurapenal aplicável ao recorrente oscila entre um mí-nimo de 9 meses e 18 dias de prisão e um máximode 8 anos de prisão.

Tendo em consideração as circunstâncias fa-voráveis e desfavoráveis ao recorrente, que re-sultam do acervo de factos provados e desig-nadamente, como se anota no acórdão recorrido,a sua idade e a ausência de antecedentes crimi-nais, a confissão parcial dos factos e o propósitode se libertar da toxicodependência, o elevadograu da ilicitude do crime, o tipo de dolo que édirecto e as consequências dos crimes desta na-tureza, afigura-se ajustado e adequado aplicar aorecorrente a pena de 3 anos de prisão.

Terceira questão: a pretensão de suspensãoda execução da pena de prisão.

De acordo com todo o condicionalismo ate-nuativo verificado (o arguido revela alguma adap-tação à vida social normal; tem colocação laboralem perspectiva, beneficiando ainda de integraçãosocial no meio em que vive, para além do seu

círculo familiar que o protege e o ampara), afigu-ra-se possível formular um juízo de prognosefavorável de que a simples censura do facto e aameaça da prisão realizam de forma adequada esuficiente as finalidades da punição (artigo 50.º,n.º 1, do Código Penal).

Por isso, a pena referida será suspensa na suaexecução pelo período de 3 anos, acompanhadodo regime e de certas condições, conforme seenunciará.

Em face do exposto, os juízes deste SupremoTribunal de Justiça, concedendo provimentoparcial ao recurso, decidem:

a) Condenar o arguido, ora recorrente, pelaprática do crime considerado no acórdão recor-rido, após a atenuação especial referenciada, napena de três 3 de prisão;

b) Suspender a execução da pena de prisãoora aplicada pelo período de 3 anos, que seráacompanhado do regime de prova e mediante umplano individual da readaptação social, impon-do-se ao arguido Nuno Correia os seguintes de-veres e regras de conduta:

1) Não frequentar locais relacionados com oconsumo e tráfico de estupefacientes;

2) Comparecer nos dias e horas determinadospelo tribunal ou pelo Instituto de ReinserçãoSocial no âmbito deste processo;

3) Sujeitar-se a tratamento de desintoxicação,dando para o efeito o arguido a sua concordância;

c) Confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

Pelo decaimento parcial, o recorrente pagará3 UCs de taxa de justiça. Passe-se mandados desoltura imediata.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Dinis Alves (Relator) — Guimarães Dias —Costa Pereira.

DECISÃO IMPUGNADA:

Sentença do 2.º Juízo Criminal do Tribunal de Círculo da Comarca de Santa Maria da Feira,processo n.º 819/99.

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100 BMJ 500 (2000)Direito Penal

I — O acórdão em anotação insere-se na orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal deJustiça.

II — Sobre o crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93,de 22 de Janeiro, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2000, publicadono Boletim do Ministério de Justiça, n.º 499, pág. 199, e respectiva anotação, na qual se dá nota emtermos sucintos sobre a evolução quanto à apreciação dos pressupostos da sua aplicação.

III — Quanto ao sumariado em II e III tem subjacente a não aplicação automática do instituto, oque constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, podendo ver-se, nesse sentidoe entre outros, o acórdão de 2 de Junho de 1999, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 488, pág. 175,e os acórdãos deste Tribunal de 4 de Fevereiro de 1998, processo n.º 1243/97, de 23 de Abril de 1998,processo n.º 32/98, e de 2 de Julho de 1998, processo n.º 448/98, estes consultáveis na base de dadosdo Ministério da Justiça, e, ainda, os recentes acórdãos de 12 de Julho de 2000, processo n.º 1773/2000 — 3.ª Secção, e de 6 de Dezembro de 2000, processo n.º 2738/2000 — 3.ª Secção, com sumáriospublicados nos Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente nosn.os 43 (Julho/Setembro de 2000) e 47 (Dezembro de 2000), acessíveis na Internet, no endereço http://www.cidadevirtual.pt/stj/secjur.html.

Quanto ao específico aspecto da valoração do estado de toxicodependência na determinação daconduta do agente e escolha da pena, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julhode 2000, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 489, pág. 100, e respectiva anotação, ondese traça o quadro evolutivo da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria.

IV — Sobre medida da pena, veja-se o acórdão de 12 de Março de 1998, neste Boletim, n.º 475,pág. 233, e respectiva anotação.

(J. M. S. M.)

Crime de homicídio privilegiado — Compreensível emoçãoviolenta

I — Para que o homicídio seja privilegiado, indispensável é que o agente tenhaactuado dominado por compreensível emoção violenta ou por qualquer dos outros mo-tivos enunciados no artigo 133.º do Código Penal.

II — A emoção não é violenta nem compreensível quando, como no caso, o relacio-namento marital entre a assistente e o arguido terminou cerca dois ou três meses antes daprodução dos factos delituosos e o arguido motivou a sua conduta no «estado de ciú-mes» que o dominava e não em qualquer outro, não se provando que se sentiu «enga-nado e vexado pela (ex-) companheira em frente do actual namorado».

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 2197/2000 — 5.ª Secção

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101 Direito PenalBMJ 500 (2000)

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

Por acórdão do tribunal colectivo do 1.º JuízoCriminal de Cascais, o arguido António Caste-lhano dos Santos Carlos, casado, pedreiro, nas-cido aos 29 de Novembro de 1975, em Angola,foi condenado como autor de um crime de homi-cídio simples, na forma tentada, previsto e pu-nido pelos artigos 131.º, 22.º, 23.º e 73.º, todosdo Código Penal, na pena de 4 anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs o presenterecurso, sustentando que a factualidade provadadeve ser enquadrada no crime de homicídio pri-vilegiado, previsto e punido pelo artigo 133.º doCódigo Penal, e pedindo a redução e a suspensãoda execução da pena.

Nas conclusões da motivação especifica emsíntese:

1 — O recorrente actuou, praticando umcrime tipicamente passional e dominado porforte emoção (o ciúme que sentia e o ver-se rejei-tado, à meia-noite, na casa que ainda poucotempo antes fora sua, pela sua ex-companheira,na frente de outro homem, que a acompanhava),que o inibiu de agir fria e racionalmente;

2 — Compreende-se não o facto em si, masaquela emoção que arrebatou o arguido naquelemomento;

3 — E, consequentemente, aplicar-lhe o re-gime previsto no artigo 133.º do Código Penal,por se verificarem os pressupostos de que de-pende a sua aplicação;

4 — Não o fazendo, o tribunal a quo violouessa norma penal, devendo interpretá-la e aplicá-lade acordo com o entendimento atrás referido;

5 — Quanto à medida concreta da pena, o orarecorrente considera excessiva a pena que lhe foiaplicada ... de 4 anos de prisão efectiva;

6 — O recorrente é delinquente primário,confessou parcialmente os factos, mostra-se pro-fundamente arrependido e encontrando-se limi-tada a censurabilidade ético-jurídica, sendo igual-mente a ilicitude não muito elevada na medidaem que as lesões não foram muito graves;

7 — A favor do arguido o facto de gozar deboas condições pessoais, estava a trabalhar an-tes da sua detenção e tem apoio familiar;

8 — Tudo circunstâncias que devidamenteponderadas apontam para a aplicabilidade dapena em medida próxima ao limite mínimo legal(que é de 1 ano e 7 meses), não devendo a pena,em concreto, ir além dos 2 anos de prisão e sus-pendendo-se a sua execução, uma vez que a sim-ples reprovação e a ameaça da pena seriamsuficientes para afastar o arguido da prática denovos ilícitos;

9 — O arguido tão-só roga a VV. Ex.as umaoportunidade de refazer a sua vida em liberdade,tendo de se ver que o crime que cometeu foi umacto único e isolado na sua vida, pretendendo ape-nas trabalhar e contribuir para o sustento de seusfilhos menores que se encontram em Angola;

10 — Foi violado pelo tribunal a quo o dis-posto nos n.os 1 e 2 do artigo 72.º do CódigoPenal, devendo esse tribunal ter interpretado eaplicado este preceito no seu verdadeiro alcance.

Na sua resposta, o Ex.mo Procurador da Repú-blica apresenta a seguinte conclusão:

«Subscrevemos integralmente as doutas mo-tivações de recurso, sendo de explicar que nãoacompanhámos a leitura do acórdão recorrido,mas sim e somente representámos o MinistérioPúblico na audiência (produção de prova e alega-ções orais), pelo que, tal como havíamos pedidonas alegações orais, entendemos que os factospermitem a convolação para a prática de umcrime de homicídio privilegiado na forma tentadae, daí, que a pena imposta ao arguido deve serbem menor, não repugnando ao Ministério Pú-blico que a sua execução seja suspensa.»

A assistente e ofendida Rejane da Silva Cris-tina também contra-alegou e na sua resposta ex-traiu as seguintes conclusões:

1 — Não ser de acolher face à prova produ-zida um enquadramento do comportamento doarguido no tipo do homicídio privilegiado do ar-tigo 133.º do Código Penal, devido à gravidade desua actuação que apenas por um acaso não pro-vocou a morte à ofendida;

2 — Permitir que a punição da tentativa re-caísse sobre a prática de um crime de homicídioprivilegiado ao abrigo do qual, pretensamente, se

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102 BMJ 500 (2000)Direito Penal

teria desenrolado a sua conduta, seria uma formainjusta de recompensar o arguido ora recorrente;

3 — Não dever ser alterada a medida concretada pena aplicada ao arguido por tal ser contrárioaos fins de retribuição e punição das penas;

4 — E ainda por se ter tido em consideraçãona devida proporção os factores atenuantes nocomportamento do arguido;

5 — Decisão que altere a medida de pena acumprir pelo arguido para valores inferiores aosfixados pelo douto acórdão em 1.ª instância, per-mitirá criar as condições para a que situaçõescomo a presente se venham a repetir futura-mente com mais frequência com prejuízo mani-festo para a criação de uma sociedade mais se-gura onde a paz social impere;

6 — Além do mais, decisões no sentido doencurtamento de penas em tentativas de homicí-dio contribuirão de forma decisiva para desen-corajar as vítimas a recorrer aos tribunais paraverem os seus direitos defendidos e incentivará orecurso à justiça privada.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador--Geral Adjunto, na vista que teve do processo,nada opôs ao conhecimento do recurso.

Colhidos os vistos, procedeu-se à audiência,com observância do formalismo legal.

Cumpre decidir.

O tribunal colectivo deu como provados osseguintes factos (que se transcrevem integral-mente, bem como os não provados):

No dia 26 de Abril de 1999, cerca da meianoite, o arguido dirigiu-se ao lote 11, 4.º, frente,Edifício Ryad, em Cascais, residência de Rejaneda Silva, com quem vivera maritalmente duranteum ano e dois meses e até Fevereiro de 1999;

Como a mesma não estivesse esperou-a nasescadas do prédio;

Quando a Rejane chegou, acompanhada deManuel Nunes Agostinho, o arguido disse quelhe queria falar, pelo que entraram todos no apar-tamento;

Aí, porque a Rejane lhe disse que nada maisqueria com ele, o arguido pegou num cinzeiroque apenas não atirou contra aquela porque o

mencionado Manuel Agostinho o impediu agar-rando-lhe o braço;

Receosa de que o arguido lhe fizesse mal, aRejane saiu de casa gritando e foi tocar a diversascampainhas das restantes habitações a fim depedir ajuda;

O arguido foi atrás dela e com a faca apreen-dida nos autos que retirou da cozinha da casa daRejane desferiu-lhe diversas facadas e quando afaca se partiu ainda lhe apertou o pescoço;

Em resultado desta actuação a Rejane sofreuferidas incisas na região temporal esquerda docouro cabeludo, na base da face esquerda do pes-coço, na face posterior do braço esquerdo, nolábio superior, atingindo a face direita e no tórax,ferida perfurante da região supraclavicular es-querda com pneumotorax traumático à esquerda,lesões estas que lhe determinaram, directa enecessariamente, 30 dias de doença, sendo 15com incapacidade para o trabalho — exames defls. 31, 53 a 71, 123 e 124.

A faca com 21,8 cm de comprimento total,sendo 11,3 cm de lâmina, pode ser usada comoarma letal de agressão, o que era do conheci-mento do arguido que não tinha motivo ponde-roso para a sua detenção.

O arguido agiu livre, voluntária e consciente-mente, com intenção de causar a morte de Rejane,o que apenas não sucedeu por razoes alheias àsua vontade, bem sabendo que a sua actuação eraproibida por lei;

O arguido não tem antecedentes criminais;Admitiu ter esfaqueado Rejane mas nega a

intenção de matar;Motivou a sua conduta no estado de ciúmes e

mostrou-se profundamente arrependido;Vive em Portugal há sete anos, nele trabalhava

como pedreiro da construção civil auferindo7500$00 por dia;

Tem cá familiares e está perfeitamente inte-grado.

Da contestação:

A Rejane revelou ao arguido que não querianada com ele;

O arguido não levava a faca consigo, tendo-atirado do balcão da cozinha de Rejane;

A queixosa foi internada a 26 de Abril e es-teve sem trabalhar durante 15 dias.

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103 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Com interesse para a decisão da causa não seprovaram os seguintes factos:

Da acusação:

A Rejane tivesse tido 30 dias de doença comincapacidade para o trabalho;

A faca apreendida pertencesse ao arguido.

Da contestação:

Não ser verdade que o arguido tivesse espe-rado a Rejane nas escadas do prédio;

A Rejane tenha revelado no momento dosfactos que tinha outro namorado — o ManuelAgostinho — e que tinha feito o desmancho deum filho;

A queixosa e o seu namorado tivessem a in-tenção de expulsar violentamente o arguido decasa, ao que este reagiu envolvendo-se em lutacorpo-a-corpo com o Manuel Agostinho, aomesmo tempo que a Rejane dirigindo-se a estedizia «acaba com ele»;

Seja falso que o arguido tenha apertado o pes-coço à queixosa;

A intenção do arguido fosse apenas a de agre-dir fisicamente a queixosa;

Se sentisse enganado e vexado pela compa-nheira em frente do actual namorado;

Não se descrevem outros factos porque éirrelevante para a boa decisão da causa.

Apreciando:

Quanto à 1.ª questão.É manifestamente improcedente a pretensão

do recorrente de que se deveria ter feito o en-quadramento jurídico-penal dos factos no crimede homicídio privilegiado, previsto e punidopelo artigo 133.º do Código Penal, que, assim,determina:

«Quem matar outra pessoa por compreensí-vel emoção violenta, compaixão, desespero oumotivo de relevante valor social ou moral, quediminuam sensivelmente a sua culpa, é punidocom pena de prisão de 1 a 5 anos.»

Na verdade, não se provou que o arguido ac-tuara dominado por compreensível emoção vio-lenta ou por qualquer dos outros motivos enun-ciados naquele normativo.

Mesmo que existisse alguma emoção, tal emo-ção não fora violenta nem era compreensível,

uma vez que a assistente acabara o relaciona-mento marital com o arguido em Fevereiro de1999 e os factos delituosos ocorreram ... em 26 deAbril de 1999 (quase dois ou três meses depois)!

Além disso, o arguido apenas motivou a suaconduta no «estado de ciúmes» e não em qual-quer outro motivo, sendo certo que não se pro-vou ter-se sentido «enganado e vexado pela(ex)companheira em frente do actual namorado».

Afastada a consunção dos factos no crime dehomicídio privilegiado, na forma de tentativa,resta-nos aquilatar da justeza da medida da penaaplicada (4 anos de prisão).

O acórdão recorrido, tendo presentes osparâmetros prevenidos no artigo 71.º do CódigoPenal (por mero lapso, referiu o artigo 72.º), sa-lientou os seguintes factores:

A ilicitude não é muito elevada na medida emque as lesões não foram muito graves;

Dolo directo e intenso.

Exigências de prevenção e reprovação a recla-marem severidade porque se trata de um crimemuito grave e gerador de grande alarme social.

A favor do arguido, a confissão parcial, au-sência de antecedentes criminais, arrependi-mento e situação pessoal — estava a trabalhar.Tem apoio familiar.

Ponderados estes elementos, reputou ade-quada a pena de 4 anos de prisão.

Esta ponderação, em termos genéricos e noessencial, não é merecedora de censura.

No entanto, impõe-se explicitar que o arguidoAntónio Carlos tinha, à data dos factos, 23 anosde idade, sendo delinquente primário.

Reside em Portugal, desde há sete anos, tra-balhando na construção civil, e está perfeita-mente integrado.

Acresce que o arguido, sem dúvida, deveriaestar algo atormentado de ciúmes e possuído dealguma irritação, por várias razoes, e principal-mente pelo facto de a assistente, sua antiga com-panheira, estar acompanhada de outro parceiro... e de lhe ter garantido que não queria mais nadacom ele.

Essa irritação deve se ter exacerbado quando,após o arremesso frustrado do cinzeiro, a visadaRejane Cristina haver saído para o patamar doapartamento, tocando as campainhas das portasdos vizinhos ...

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104 BMJ 500 (2000)Direito Penal

De acordo com todo o circunstancialismoatenuativo verificado, afigura-se ajustado cominarao arguido, ora recorrente, a pena de 3 anos deprisão.

Afigura-se ainda possível formular um juízode prognose favorável de que a simples censurado facto e a ameaça da prisão realizam de formaadequada e suficiente as finalidades da punição(artigo 5.º, n.º 1, do Código Penal).

Por isso, a pena a aplicar ao arguido será sus-pensa na sua execução pelo período de 3 anos,sob a condição de, ao abrigo do disposto no ar-tigo 51.º, n.º 1, alínea g), do Código Penal, seapresentar, de 6 em 6 meses aos serviços de rein-serção social competentes, nos termos por estesdefinidos.

Em face do exposto, os juízes deste SupremoTribunal de Justiça, concedendo provimentoparcial do recurso, decidem:

a) Condenar o arguido, ora recorrente, pelaprática do crime considerado no acórdãorecorrido, na pena de 3 anos de prisão;

b) Suspender a execução da pena de prisãoora aplicada, pelo período de 3 anos, soba condição supradiscriminada;

c) Confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

Pelo decaimento parcial, o recorrente pagará3 UCs de taxa de justiça.

Passe-se mandados de libertação imediata.Fixam-se em 25 000$00 os honorários devi-

dos ao ilustre defensor oficioso nomeado nestaaudiência, a adiantar pelos cofres.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Dinis Alves (Relator) — Guimarães Dias —Costa Pereira — Carmona da Mota (com decla-ração de voto).

Declaração de voto:

Não creio — ante a natureza do ilícito come-tido (nada menos que um crime de homicídio,felizmente frustrado) (1), o elevado grau de culpa

do arguido (2) e a impreparação do arguido parao cumprimento de exigências básicas do conví-vio social, como, desde logo, a do respeito ele-mentarmente devido à opção de vida do com-panheiro(a) que decida romper a respectiva rela-ção (3) — que «a simples censura do facto» e «aameaça da prisão» «realizem de forma ade-quada e suficiente as finalidades da punição» ou«satisfaçam as necessidades de reprovação eprevenção do crime».

Primo, porque é o próprio acórdão que reco-nhece que «exigências de prevenção e reprova-ção reclamam severidade, porque se trata deum crime muito grave e gerador de grandealarme social».

Secundo, porque o arguido encontra-se hácerca de um ano e meio em prisão preventiva,justamente em razão do «grande alarme social»que, por um lado, o seu crime produziu e que,por outro, sua libertação precoce haveria de exa-cerbar.

Tertio, porque a suspensão da pena desau-torizaria — injustamente — a justificabilidade(4) da medida de prisão preventiva que os tri-bunais de instância vêm mantendo, contra o ar-guido, há quase um ano e meio.

Quarto, porque a pena substitutiva de «sus-pensão da pena», tal como o perdão genérico depenas (cfr. artigo 2.2 da Lei n.º 29/99), se revela,ante um crime de homicídio [ainda que frustrado(5), mas não privilegiado] (6), genericamentedesajustada, e,

(1) «O arguido foi atrás dela e, com a faca (de 21,8 cm decomprimento total, sendo 11,3 cm de lâmina) que retirara dacozinha de Rejane, desferiu-lhe diversas facadas e, quando afaca se partiu, ainda lhe apertou o pescoço.»

(2) «Não se provou que o arguido actuara dominado porcompreensível emoção violenta [...] e, mesmo que existisse al-guma emoção, tal emoção não fora violenta nem era com-preensível, uma vez que a assistente acabara o relaciona-mento marital com o arguido em Fevereiro de 1999 e os factosdelituosos ocorreram em 26 de Abril de 1999 (quase três me-ses depois).»

(3) Mesmo que conjugal. E, no caso, tal relação não pas-sava de uma relação marital de apenas um ano e dois meses,que, ademais, já terminara há cerca de três meses...

(4) Pois que «as medidas de coacção devem ser propor-cionais não só à «gravidade do crime» como «às sanções queprevisivelmente venham a ser aplicadas» (artigo 193.º, n.º 1,do Código de Processo Penal).

(5) «O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente,com intenção de causar a morte de Rejane, o que apenas nãosucedeu por razões alheias à sua vontade.»

(6) «O arguido apenas motivou a sua conduta no ‘estadode ciúmes’ e não em qualquer outro motivo, sendo certo quenão se provou ter-se sentido ‘enganado e vexado pela ex-com-panheira em frente do actual namorado.»

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105 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Quinto, porque — a meu ver — mais avisadoseria, uma vez que o arguido já cumpriu em pri-são preventiva aproximadamente metade da pena(de prisão) proposta, remeter-se para a «liber-dade condicional» a confirmação, pelo conde-nado, da expectativa — que o tribunal, ante a sua

juventude e «perfeita integração», razoavelmentedetém — de que este, uma vez em liberdade,«conduzirá a sua vida de modo socialmente res-ponsável, sem cometer crimes» [artigo 61.º, n.º 2,alínea a), do Código Penal].

J. A. Carmona da Mota.

DECISÔES IMPUGNADAS:

I — Sentença da 3.ª Secção de 13 de Abril de 2000 do 1.º Juízo Criminal de Cascais, processon.º 657/99.

II — Acórdão da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6423/99.

É muito abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o crime homicídioprivilegiado e o conceito de compreensível emoção violenta.

Por todos, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1986,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 354, pág. 285; de 28 de Maio de 1986, Boletim do Ministério daJustiça, n.º 357, pág. 254; de 10 de Novembro de 1989, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 391,pág. 224; de 16 de Janeiro de 1990, Actualidade Jurídica, n.º 5; de 30 de Outubro de 1991, Boletim doMinistério da Justiça, n.º 410, pág. 409; de 8 de Maio de 1997, Boletim do Ministério da Justiça,n.º 467, pág. 287; de 11 de Junho de 1997, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do SupremoTribunal de Justiça, ano V, tomo II, pág. 228, e de 24 de Novembro de 1998, processo n.º 645/98.

Sobre a questão tipificada, reveste-se de interesse a consulta do Comentário Conimbricence doCódigo Penal, parte especial, tomo I, págs. 50 e segs., dirigido por Jorge Figueiredo Dias, e aindaCódigo Penal Anotado, 3.ª ed., vol. 2.º, parte especial, págs. 127 e segs., de Manuel Leal Henriquese Manuel Simas Santos.

(I. S. M.)

Crime de burla — Responsabilidade civil — Competência dotribunal penal — Responsabilidade extracontratual —Absolvição

I — Absolvido o arguido do crime de burla, o ilícito conexo, só se verificado, podefundar condenação por responsabilidade civil.

II — A responsabilidade extracontratual ou aquilina não abrange a obrigação derestituição emergente de um contrato, bem como a obrigação inerente ao cheque, comodecorre do assento do Supremo Tribunal de Justiça.

III — A nulidade de um contrato por falta de forma excede o âmbito de competênciado tribunal penal por não se incluir na responsabilidade extracontratual ou aquilina,levando à absolvição do pedido cível.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 18 de Outubro de 2000Processo n.º 1915/2000 — 3.ª Secção

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106 BMJ 500 (2000)Direito Penal

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No Tribunal Judicial de Setúbal respon-deu, perante o tribunal colectivo, o arguido Fer-nando Jorge da Fonseca Domingues Tavares,divorciado, consultor, nascido a 24 de Junho de1942 e residente na Avenida de Angola, 27, 9.º-A,Setúbal, acusado pelo Ministério Público de ha-ver praticado um crime de burla, previsto e pu-nido pelos artigos 313.º, n.º 1, e 314.º, alínea c),do Código Penal vigente à data dos factos e hojeprevisto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal na actualversão.

Maria Teresa Anjos Morais deduziu pedidode indemnização civil contra o arguido, pedindoa condenação deste a pagar-lhe a quantia de4 256 657$00.

Após audiência de julgamento, decidiu o tri-bunal colectivo absolver o arguido da prática docrime por que estava acusado, mas condená-lo,em procedência parcial do perspectivo pedido,no pagamento à lesada Maria Teresa da quantiade 2 500 000$00, acrescida de juros à taxa legaldesde 2 de Outubro de 1992 até integral paga-mento.

2. Inconformado com o decidido quanto àparte cível, recorreu o arguido Fernando Jorgepara este Supremo Tribunal de Justiça, con-cluindo na motivação:

2.1 — O arguido foi absolvido do crime deburla de que vinha acusado e o pedido de indem-nização cível tinha como causa de pedir o crimepraticado pelo arguido;

2.2 — Absolvido do crime porque vinha pro-nunciado, terá o arguido de ser absolvido do pe-dido de indemnização cível enxertado no processocriminal;

2.3 — A causa de pedir em que se baseou odouto acórdão para condenar o arguido foi ummútuo eventualmente celebrado entre a queixosae o arguido, nulo por vício de forma;

2.4 — Não foi essa a causa de pedir invocadano processo e de tal causa de pedir não se podedefender o arguido que podia legitimamente ale-gar e provar que havia restituído à queixosa não

apenas o capital, mas uma quantia exorbitante atítulo de juros;

2.5 — A queixosa pode invocar se quisernuma acção cível esta causa de pedir que, toda-via, não pode ser oficiosamente atendida pelotribunal, porque isso prejudicará o direito de de-fesa do arguido;

2.6 — Foi violado por erro de interpretação oartigo 71.º do Código de Processo Penal;

2.7 — Deve dar-se provimento ao recurso,revogar-se o acórdão e absolver-se o recorrentedo pedido de indemnização cível.

3. Apesar da natureza do objecto do recurso,apresentou resposta o Ex.mo Magistrado doMinistério Público a sustentar a revogação doacórdão.

4. Também a lesada apresentou resposta paraapoiar o decidido, concluindo:

4.1 — O arguido foi absolvido do crime deque vinha acusado por entretanto ter sido des-criminalizado;

4.2 — O pedido de indemnização cível tinhacomo causa de pedir o crime praticado pelo ar-guido, tendo-se este constituído no momento docrime na obrigação de indemnizar;

4.3 — À data da emissão do cheque estavampreenchidos todos os elementos objectivos e sub-jectivos do crime previsto e punido pelo artigo11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 454/91;

4.4 — A causa de pedir em que se baseou odouto acórdão para condenar o arguido não foi omútuo subjacente celebrado entre a queixosa e oarguido, mas sim a emissão do cheque;

4.5 — Verificavam-se, pois, os pressupostosdo artigo 483.º do Código Civil.

5. Conforme decidiu o tribunal colectivo, sãoos seguintes os factos provados:

5.1 — O arguido preencheu, assinou e entre-gou a Maria Teresa dos Anjos Morais o chequen.º 6228273629, sacado sobre o Banco Fonse-cas & Burnay, agência de Setúbal, com o valor de2 500 000$00, datado de 30 de Setembro de 1992,que apresentado o pagamento no Banco Portu-guês do Atlântico, agência de Setúbal, veio de-volvido em 2 de Outubro de 1992 nos serviços

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107 Direito PenalBMJ 500 (2000)

de compensação do Banco de Portugal com amenção de «conta bloqueada»;

5.2 — Esse cheque veio devolvido com essamenção porque a conta ao mesmo relativa estavasaldada desde 12 de Março de 1992, tendo ficadobloqueada a partir de 16 de Março de 1992, factoque foi comunicado ao arguido pelo Banco Fon-secas & Burnay;

5.3 — Tal cheque destinava-se ao pagamentode igual quantia que Maria Teresa Anjos Moraislhe havia emprestado;

5.4 — Esta, depositando confiança, no ar-guido, aceitou o aludido cheque na expectativaque o quantitativo nele inscrito seria pago;

5.5 — Em consequência dessa actuação doarguido, Maria Teresa Anjos Morais sofreu umprejuízo correspondente ao montante do chequee respectivos juros;

5.6 — Sabia o arguido que ao assinar e preen-cher o aludido cheque, ele não seria pago poisque era do seu conhecimento que a conta bancá-ria correspondente estava bloqueada, sabendoque iria provocar um prejuízo patrimonial à quei-xosa, actuando e conformando-se com esse re-sultado e conhecendo que essa conduta eraproibida e punida por lei;

5.7 — O arguido, à altura dos factos descri-tos, passava por dificuldades de natureza mone-tária e como necessitasse daquela quantia comurgência pedira à referida Maria Teresa e esta,como já conhecia os pais do arguido por quemtinha consideração e respeito, emprestou-lhe aquantia em causa;

5.8 — O arguido trabalha como consultor,não tendo rendimento certo.

5.9 — O arguido entregou à queixosa o che-que dos autos, emitido sobre essa conta que pos-suía no Banco Fonsecas & Burnay, na data indi-cada e no valor de 2 500 000$00.

5.10 — O cheque de 2 500 000$00 (com on.º 6228273629 sacado sobre o Banco Fonsecas& Burnay), entregue pelo arguido à lesada MariaTeresa, foi emitido sem nome do beneficiário,tendo sido ela própria a inscrever o seu nome aconselho do funcionário bancário do Banco Por-tuguês do Atlântico;

5.11 — Foram várias as insistências feitaspela lesada ao arguido para pagar, o que nuncaaconteceu.

6. Não se provou, nomeadamente, que o ar-guido tenha querido ludibriar a le-sada, fazendo-lhe crer que o quantitativo lhe seria pago, com opropósito concretizado de, sem para tal qual-quer direito, não lhe pagar a referida quantia, de-fraudando-a no seu património.

7. A fundamentação jurídica que aparece noacórdão como suporte da condenação cível é tex-tualmente a seguinte:

«Quanto ao pedido de indemnização cível, oque temos, subjacente à emissão do cheque, é umcontrato de mútuo, nulo por falta de forma legal.

Podendo e devendo ser essa nulidade oficio-samente declarada pelo tribunal e tendo a mesmaefeito retroactivo, deve ser restituído à lesadatudo o que tiver sido prestado, ou seja, no caso,o valor correspondente.

Temos, assim, a existência da obrigação porparte do mutuário (demandado) em restituir osvalores que a mutuante lhe entregou, ou seja, ocapital mutuado, bem como dos rendimentos queo montante não recebido lhe renderia, ou seja, oslucros.»

No que diz respeito à parte criminal, refere-seno acórdão que o imputado crime de burla não severifica e depois fundamenta-se essa afirmaçãoexclusivamente com argumentos pertinentes a umsuporte imputado crime de emissão de chequesem cobertura, crime esse que, na realidade, aacusação não imputara ao arguido.

8. Essa fundamentação acaba por aparecerreflectida na resposta à motivação apresentadapela lesada, bem como na resposta do Ministé-rio Público, chegando mesmo este magistrado adizer que no acórdão se convolou a acusação parao crime de emissão do cheque sem provisão, pre-visto e punido pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea a), doDecreto-Lei n.º 454/91, e que «o crime que estáem causa nos presentes autos é o de emissão deum cheque sem provisão», o qual, no entanto,deixara de o ser por a conduta haver sido des-criminalizada com a entrada em vigor do artigo11.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 deDezembro, na redacção introduzida pelo De-creto-Lei n.º 316/97, de 18 de Novembro.

Não é exacto que tenha havido convolação(nova qualificação jurídica) do crime de burla para

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108 BMJ 500 (2000)Direito Penal

o crime de emissão de cheque sem cobertura,caso em que previamente teria de haver uma no-tificação aos sujeitos processuais para sobre talquestão emitirem a sua posição. Nem da acta daaudiência nem do próprio acórdão resulta a alu-dida convolação, mas tão-somente o afastamentodo crime de burla com razões indevidas retiradasda regulamentação do crime de emissão de che-que sem cobertura, ou, no máximo, o afastamentode tal tipo de crime como possível enquadra-mento jurídico novo.

O arguido estava acusado por um crime deburla e não de emissão de cheque sem coberturapenalmente tutelada. Note-se que a acusação éde 9 de Dezembro de 1996, não estando, pois,presente a descriminalização acima aludida econsequentemente o disposto no artigo 3.º, n.º 4,do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro.

9. Assim, absolvido o arguido do crime deburla por que estava acusado, o ilícito civilconexo, por não verificado, também não podiafundar condenação por responsabilidade civilregulada nos artigos 483.º e seguintes do CódigoCivil.

A obrigação de restituir emergente da nuli-dade de um contrato (artigo 289.º, n.º 1, do Có-digo Civil) assim como a obrigação inerente aocheque e respectivo dever de prestar (artigos 44.ºe 45.º da Lei Uniforme), inscrevem-se fora daresponsabilidade civil (artigo 483.º Código Civil),ou seja, da responsabilidade extracontratual ouaquiliana, o que afasta a aplicação do dispostono artigo 377.º, n.º 1, do Código de ProcessoPenal, como decorre da jurisprudência fixada pelo

acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17de Junho de 1999, Diário da República, I Série-A,de 3 de Agosto de 1999, na seguinte formulação:

«Se em processo penal for deduzido pedidocível, tendo o mesmo por fundamento um factoilícito criminal, verificando-se o caso previsto noartigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,ou seja, a absolvição do arguido, este só poderáser condenado em indemnização civil se o pe-dido se fundar em responsabilidade extracontra-tual ou aquiliana, com exclusão da responsabili-dade civil contratual.»

No acórdão sob recurso, o arguido-deman-dado foi condenado a pagar com base num con-trato de mútuo nulo por falta de forma, fonte daobrigação de restituir, excedendo-se assim o âm-bito da competência do tribunal penal (artigos71.º e 377.º do Código de Processo Penal e 129.ºdo Código Penal).

10. Pelo exposto, julgando procedente o re-curso do arguido, do pedido de indemnizaçãocivil o absolvem.

Custas na 1.ª instância no Supremo Tribunal,no que concerne à parte cível, pela demandantecivil, sendo também por ela devidos os honorá-rios à Ex.ma Defensora Oficiosa nomeada na au-diência neste Supremo Tribunal, os quais se fixamem 18 000$00, a adiantar pelos cofres.

Lisboa, 18 de Outubro de 2000.

Virgílio Oliveira (Relator) — Mariano Pe-reira — Flores Ribeiro — Brito Câmara.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 15 de Fevereiro de 2000 da Vara Mista de Setúbal, processo n.º 178/95.

Aplicação do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, acórdão do Supremo Tribunalde Justiça de 17 de Junho de 1999, Diário da República, I Série-A, de 3 de Agosto de 1999,expressamente citado no douto acórdão.

(M. G. L. M.)

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109 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Tráfico de estupefacientes de menor gravidade — Suspensãode execução da pena — Regime de prova

I — A qualificação de uma conduta como tráfico de menor gravidade, nos termos doartigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Fevereiro, deve partir de uma visão globalda acção que evidencie que aquele tráfico concreto merece e justifica ser apodado demenor gravidade.

II — Essa qualificação deverá igualmente assentar em considerações de justiçarelativa que permitem extremar o grande tráfico do médio ou do pequeno, em sede deajustadamente se compatibilizarem a extensão e os efeitos das condutas, com a medidadas sanções a aplicar e com a dimensão da culpa dos respectivos agentes.

III — Deve ser considerado tráfico de menor gravidade aquele em que a acção doarguido, globalmente ponderada, decorre num período de tempo assaz reduzido, não foiapoiada por grandes meios, dela esteve ausente qualquer sofisticação, se radicou visi-velmente em necessidades de consumo (ainda que não exclusivamente), se originou pormodo patente na degradação do seu percurso de vida (do que lhe não cabe inteiraresponsabilidade), não mostra ligação a grandes ou significativos circuitos ou mean-dros do tráfico, não revela ligações profundas com o meio e se apresenta artesanal nosmoldes e pouco expressiva nas consequências.

IV — A suspensão de execução da pena, ao mesmo tempo que satisfaz objectivos deprevenção especial, realiza eficazmente objectivos de prevenção geral, sobretudo sebalizada por um período de duração que permita aferir da eficácia da medida e secondicionada pelo regime de prova, definido este por um plano de readaptação social epela sujeição do condenado a uma específica vigilância e controlo por parte de assistên-cia social especializada.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 19 de Outubro de 2000Processo n.º 2803/2000

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

Perante tribunal colectivo, na 3.ª Secção da7.ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, respon-deu, em processo comum, o identificado arguidoGui Emanuel Santos da Costa, acusado, peloMinistério Público, da prática, em autoria mate-rial, de um crime de tráfico de estupefacientes,previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, do De-creto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com refe-rência às tabelas I-A e B anexas a este diploma.

Realizado o julgamento, decidiu o colectivo:Condenar o sobredito arguido, como autor

material de um crime de tráfico de estupefacien-tes, previsto e punido no artigo 21.º, n.º 1, doDecreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, comreferência às tabelas I-A e B anexas, na pena de5 anos de prisão.

Mais decidiu declarar perdida a favor do Es-tado a quantia de 247 810$00 constante defls. 4, bem como a heroína e a cocaína apreendi-das, ordenando-se a destruição destas últimas(artigo 62.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 15/93).

Inconformado com a decisão, dela interpôsrecurso o arguido, o qual, após motivação, che-gou às seguintes conclusões:

O tribunal colectivo considerou não ter sidomuito elevada a ilicitude, embora de algum signi-ficado, e ser o arguido um delinquente primáriocuja deficiente formação da personalidade se fi-cou a dever a um quadro familiar desfavorável;

Contudo, parece que o julgador não tomouem devida conta todas aquelas circunstânciasque, no caso concreto, teriam servido para medira culpa do arguido, nomeadamente aquelas que,admitidas pela sociedade como propiciadoras da

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110 BMJ 500 (2000)Direito Penal

marginalidade e de comportamentos desviantes,traduzem uma menor reprovação social;

Assim, o quadro familiar no qual se desenvol-veu a personalidade do arguido nos primeirosanos de vida e a incapacidade da própria socie-dade para oferecer quadros de protecção alterna-tivos à inexistência de uma família, circunstânciasa que se juntaram a juventude e imaturidade doarguido, não permitiram a este determinar-se deacordo com os padrões e regras de conduta nor-mais, do que resulta uma incontestável diminui-ção da culpa a ter em conta na medida da penaconcreta a aplicar;

Tendo afastado expressamente o regime apli-cável aos jovens com idade compreendida entreos 16 e os 21 anos, no qual se insere o arguido,por não ter tomado em devida conta as circuns-tâncias descritas que teriam feito diminuir consi-deravelmente a culpa do arguido, o tribunalcolectivo violou o disposto no n.º 2 do artigo 40.ºe nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 73.º doCódigo Penal, este último com referência ao ar-tigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Se-tembro, devendo, por isso, ser revogado nessaparte pela adequação da medida da pena à culpado arguido, com a consequente suspensão da exe-cução da mesma. (Cfr. fls. 98 e segs., designa-damente fls. 100.)

Respondeu a digna magistrada do MinistérioPúblico, no sentido do não provimento do re-curso, logo no da manutenção do acórdão recor-rido. (Cfr. fls. 103 a 107 v.º)

Subidos os autos a este Supremo Tribunal deJustiça, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta se-quenciou o seu «visto» com a promoção que, deseguida, se transcreve:

«Dada a idade do recorrente e a provada si-tuação de consumo de heroína e cocaína (cfr. ponto5.º do elenco dos factos provados), p. se oficie àDirecção-Geral dos Serviços Prisionais paraque informe se o recluso — em prisão preven-tiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa —está a frequentar algum projecto terapêutico.»(Cfr. fls. 110.)

A este propósito, proferiu o relator, emexame preliminar (n.º 1 do artigo 417.º do Códigode Processo Penal), despacho que igualmente

transcrevemos por pertinente à estrutura do acór-dão a prolatar e à linha a que irá obedecer.

Nele se textuou:

«Sem embargo da louvável preocupação que ailustre magistrada revela com o simples exarardesta sua promoção, entende-se, contudo, que adiligência aventada, para além de incurial nestafase do processo, não se reveste, salvo o devidorespeito, de utilidade decisiva para a decisão fi-nal, tanto mais que, pelo próprio objecto espe-cífico do recurso, todas as perspectivas pessoaise sociais que se abrem ou podem abrir-se ao ar-guido não deixarão de ser — deverão mesmo eprimordialmente ser — encaradas, valoradas etidas em conta naquela decisão.

De resto, saber se o referido arguido, de mo-mento — e nada é mais aleatório e inseguro doque um condicionalismo de momento —, fre-quenta, no Estabelecimento Prisional de Lisboa,qualquer projecto terapêutico, não se tem sequerpor particularmente relevante: o que pode inte-ressar, isso sim, em termos de recuperação pes-soal e social, é a persistência temporal continuadanum tratamento clínico de desintoxicação a que oarguido em causa se disponha e a que de motuproprio se submeta (no presente e no futuro,dentro ou fora do estabelecimento prisional) emmoldes não apenas pontuais ou circunstanciaismas que se traduzam na obtenção de resultadosvisíveis e comprovadamente eficazes.

A isto, é óbvio, não daria (nem poderia dar)resposta abrangente e adequada a informaçãoagora pretendida, pelo que se torna despicienda.

Assim sendo, indefere-se o doutamente pro-movido.» (Cfr. fls. 111-111 v.º)

Donde que e sem mais, recolhidos os legaisvistos, se tramitaram os autos para audiênciaoral, que teve lugar com inteira observância doritualismo exigido.

Cabe, agora, decidir e a tanto se passa.Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-

se em função das conclusões extraídas pelo re-corrente da sua motivação.

Daqui decorre que o do ora interposto secinge à abordagem da medida da pena aplicada aoarguido, impetrando-se a sua redução e ao ques-tionar da não aplicação pelo tribunal a quo doregime penal especial para jovens com idade com-preendida entre os 16 e os 21 anos previsto no

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111 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, e deque, eventualmente, resultaria, por via da ate-nuação especial ali contemplada (cfr. artigo 4.º),a possibilidade de situar a sanção em domíniospermissivos da suspensão da sua execução.

Está, pois, exclusivamente em causa umreexame de matéria de direito, inserindo-se, porconseguinte, o recurso, de pleno, na previsão daalínea d) do artigo 432.º do Código de ProcessoPenal.

Não invocados nem detectados quaisquer dosvícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do Có-digo de Processo Penal, nem arguidos ou divisa-das nulidades que devessem ser conhecidas, fixadae intocável se encontra a matéria de facto des-crita e assegurada se mostra a correcção proces-sual.

Resta, então, entrar, sem mais delonga, na pon-deração do recurso.

Recordemos, porém, antes de tudo, a factua-lidade certificada pelo douto colectivo.

Foi ela a seguinte:

No dia 13 de Fevereiro de 2000, pelas 11.30horas, na Rua do Casal Viúva Teles, em Lisboa, oarguido foi surpreendido por agentes da PSP naposse de uma embalagem contendo um produtosuspeito de ser cocaína e de 211 outras embala-gens contendo um produto suspeito de ser he-roína, respectivamente com os pesos brutos de0,330 g e 63,794 g;

Mais lhe apreenderam a quantia de 247 810$00em notas e moedas do Banco de Portugal;

Os produtos referidos no primeiro parágrafoforam submetidos a exame laboratorial e identifi-cados como sendo cocaína e heroína, tendo ospesos líquidos de 0,217 g e 54,681 g;

O arguido conhecia perfeitamente a naturezae características de tais produtos;

Destinando-os à cedência a terceiros me-diante recebimento do seu fornecedor de heroínae cocaína para o seu consumo pessoal, em quan-tidades não concretamente apuradas e ainda me-diante a entrega, por aquele mesmo fornecedor,de 3000$00 ou 4000$00 no fim de cada dia;

Actividade a que já se vinha dedicando pelomenos há dois dias;

Para o efeito recebia de um indivíduo que re-feriu conhecer por «Tó» heroína e cocaína que deseguida vendia no Casal Viúva Teles;

Actividade que iniciava naquele local porvolta das 8.45 horas e que se prolongava até aca-bar de vender a heroína e cocaína que para oefeito lhe tinha sido entregue;

A importância referida no segundo parágrafoobteve-a o arguido na sequência de anteriorestransacções de tais produtos;

Agiu livre e voluntariamente;Bem sabendo que tal conduta lhe estava legal-

mente vedada;Iniciou-se no consumo de estupefacientes em

Dezembro de 1999;Os pais do arguido estão separados: a mãe é

toxicodependente e encontra-se presentementenum centro de recuperação; o pai vive no Nortedo País;

O arguido viveu durante algum tempo comuma avó, na morada dos autos, em Vialonga; de-pois esteve três ou quatro anos no Colégio dePina Manique, da Casa Pia de Lisboa, de ondesaiu dois ou três meses antes de ser detido, me-ses esses durante os quais vivia na rua, tendochegado a prostituir-se na zona do Parque deEduardo VII, em Lisboa;

Tem a frequência do curso de Administraçãoe Comércio, tendo reprovado no último ano;

É primário.

Nada mais se provou com interesse para adecisão da causa.

Sendo que a questão essencial a tratar é a damedida da pena aplicada, pois que a ela se cir-cunscreve o objecto do recurso, a verdade é quenão pode deixar-se de a fazer proceder da análisede uma outra: a da justeza da qualificação jurí-dico-criminal dos factos dados como provados.

Por esta começamos, pois.

Não foi concretamente posta em causa, pelorecorrente, a incriminação definida pelo colec-tivo, se bem que se pressinta insinuada, no re-curso, alguma reserva a tal respeito.

Seja como for, não pode, nem deve este Su-premo — enquanto tribunal de revista e órgão,por excelência e natureza, mentor de direito —dispensar-se de reexaminar a correcção dassubsunções, o que significa que fica por cumprirparcela importante da sua tarefa, se se dissocia,v. g., de avalizar a base que autoriza a aplicação

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112 BMJ 500 (2000)Direito Penal

da pena: a ser assim, ver-se-ia o nosso mais altotribunal limitado, a decidir dentro do espartilhodo que se lhe pede, mesmo que, para decidir so-bre o que se lhe pede, tivesse de fazê-lo (de acei-tar fazê-lo) a partir de alicerces que não perfilha.

Como ficou dito, entendeu o colectivo, no casosub judice, inserir os factos praticados pelo ar-guido-recorrente na previsão típica do ilícito doartigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.

A este tipo penal contrapõe-se a forma miti-gada que se acolhe no sequente artigo 25.º, nestese dispondo que, «se, nos casos dos artigos 21.ºe 22.º, a ilicitude do facto se mostrar considera-velmente diminuída, tendo em conta nomeada-mente os meios utilizados, a modalidade ou ascircunstâncias da acção, a qualidade ou a quanti-dade das plantas, substâncias ou preparações, apena é de:».

Logo se alcança do citado texto normativo,não se poder ter como adquirido tudo aquilo quefoi jurisprudencialmente elaborado no que tangeao conceito de «quantidade diminuta» que iden-tificava o crime do artigo 24.º do pregressoDecreto-Lei n.º 430/83, de 23 de Dezembro(cfr. n.º 3 do preceito), uma vez que, presente-mente e face à redacção do artigo 25.º do De-creto-Lei n.º 15/93, o requisitório exigido para seconsiderar o tráfico como de menor gravidade (esta,aliás, a epígrafe do normativo) passa por outrasexigências e demanda a ponderação de outrascircunstâncias, donde que a quantidade e a quali-dade da droga, continuando a ser factores impor-tantes, não assumem, por si sós, o papel único eabsoluto de ditarem a qualificação: esta impõe avisão global das acções, só desta podendo dimanara conclusão de que o tráfico de que se trate me-rece e justifica ser apodado como de menor gra-vidade.

E também não é legítimo secundarizar consi-derações de justiça relativa nessa operação dequalificação, pois que, sem elas, não se tornapossível e muito menos será seguro extremar,entre si, as situações de grande tráfico, de médiotráfico, de pequeno tráfico ou de tráfico ocasio-nal ou acidental, em sede de ajustadamente, secompatibilizarem a extensão e os efeitos das con-dutas com a medida das sanções que devam apli-car-se-lhes e com a dimensão da culpa dos res-pectivos agentes.

Na hipótese vertente, recorrendo-se ao quevem de ser explanado e perante o que permite opatrimónio facticial descrito:

A acção do arguido espraiou-se por um pe-ríodo de tempo assaz reduzido, não foi apoiadapor grandes meios, dela esteve ausente qualquersofisticação, radicou-se visivelmente (ainda quenão exclusivamente) em necessidades de con-sumo, originou-se por modo patente na degrada-ção do seu percurso de vida (do que lhe não cabeinteira responsabilidade), não mostra ligação agrandes ou a significativos circuitos ou mean-dros de tráfico, não revela ligações profundascom o meio e apresenta-se enfim artesanal nosmoldes e pouco expressiva nas consequências.

Provável sendo — há que admiti-lo — que,com o decurso do tempo, fora da intervenção dasautoridades e sem condicionantes limitativas ecorrectoras, todos estes itens, agora frágeis, sefortalecessem pela negativa passando a justificarum visionamento menos favorável, certo é po-rém que as actuações delituosas, em ordem aavalizar da configuração do tipo de tráfico demenor gravidade, hão-de encarar-se por umprisma actualista.

Ora, sob este prisma, concluímos — semquebra do respeito devido ao douto tribunala quo — que a actuação concreta do arguido, talcomo nos autos se descreve e espelha, é ao âm-bito previsivo do artigo 25.º do Decreto-Lein.º 15/93, de 22 de Janeiro, que deve acolher-se enão ao do artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma,como foi decidido.

Donde, procedermos à correspondente con-volação.

Quanto à medida da pena:

É questão a apreciar agora — por via da reali-zada convolação qualificativa — já sob a égide damedida legal abstracta estabelecida para o crimede tráfico de menor gravidade ou seja a de 1 a 5anos de prisão [alínea a) do artigo 25.º do De-creto-Lei n.º 15/93], observando-se que o limitemáximo cominado para este tipo penal (5 anosde prisão) excede o limite mínimo estipulado parao crime do artigo 21.º, n.º 1, cuja moldura legalabstracta é de 4 a 12 anos de prisão, e recordan-do-se que o recorrente foi condenado em 1.ª ins-tância por este último ilícito na pena de 5 anos deprisão.

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113 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Consoante dispõe o artigo 71.º do CódigoPenal, no seu n.º 1, «a determinação da medida dapena, dentro dos limites definidos na lei, é feitaem função da culpa do agente e das exigências daprevenção».

E, em ordem à concretização daquela medida,prescreve o n.º 2 do preceito que o tribunal«atende a todas as circunstâncias que, não fa-zendo parte do tipo de crime, depuserem a favordo agente ou contra ele, considerando, nomeada-mente ...» (segue-se uma indicação a título exem-plificativo).

Por seu turno, o artigo 40.º do Código Penalindica que «a aplicação de penas e de medidas desegurança visa a protecção de bens jurídicos e areintegração do agente na sociedade» (n.º 1) ecomanda que «em caso algum a pena pode ultra-passar a medida da culpa» (n.º 2).

Pelo que nestas normas se plasma, logo se vêque o modelo de determinação da medida da penaé aquele que comete à culpa ou função (única,mas nem por isso menos decisiva) de estabelecero limite máximo e inultrapassável da pena: à pre-venção geral (de integração) a função de forneceruma «moldura de prevenção», cujo limite má-ximo é dado pela medida óptima de tutela dosbens jurídicos — dentro do que é consentidopela culpa — e cujo limite mínimo é fornecidopelas exigências irrenunciáveis de defesa do or-denamento jurídico, e à prevenção especial afunção de encontrar o quantum exacto da pena,dentro da referida «moldura de prevenção», quemelhor sirva as exigências de socialização (ou,em casos particulares, de advertência ou de se-gurança) do delinquente (cfr., sobre este tema,o estudo do Prof. Figueiredo Dias, intitulado«O Código Penal português de 1982 e a sua re-forma», Revista Portuguesa de Ciência Crimi-nal, ano 3.º, Abril-Dezembro de 1993, pág. 186).

Portanto, é imperativo concluir que a culpado agente constitui o critério (ou o vector) pri-macial, combinado com os critérios (ou vectores)da prevenção, a atender na determinação da penae na concretização da sua medida.

O que, irreversivelmente, nos conduz aos do-mínios da chamada «teoria da margem de liber-dade» (Spielraumtheorie): a pena concreta éfixada entre um limite mínimo (já adequado àculpa) e um limite máximo (ainda adequado àculpa), intervindo os outros fins das penas (as

exigências da prevenção geral e as da preven-ção especial) dentro destes limites (cfr. Roxin,Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal,págs. 94-113), tudo porém sem esquecer a buscado ponto de equilíbrio que, entre aqueles limitese em atenção àquelas prevenções, possa, o me-lhor possível, corresponder à aproximação ou àcoincidência entre a culpa e a sanção.

Importa, enfim, enfatizando que um dos prin-cípios fundamentais do direito penal moderno éo da igualdade nas decisões de justiça, evitar queele possa ser colocado em crise pelo problemaconexo das disparidades na aplicação das penas:há, assim, que fazer funcionar, face a cada casoconcreto, condimentos de justiça relativa obs-tativos de tais disparidades (cfr., para melhordesenvolvimento desta problemática, a obraMedida Concreta da Pena — Disparidades, Con-selheiro Simas Santos e Dr. Correia Ribeiro, Edi-tores Vislis, 1998).

Avivados estes princípios e sublinhadas es-tas regras, é altura de regressar à hipótese sobanálise onde, uns e outras, não podem deixar dereger.

Vejamos então:

É nítido que, com os factos que praticou, dei-xou o arguido revelada, pontualmente, uma per-sonalidade desviante.

E é inquestionável que as exigências de pre-venção geral devem estar particularmente pre-sentes neste tipo de criminalidade: como temvindo a ser dito e repetido, mormente na juris-prudência deste Supremo Tribunal, o tráfico deestupefacientes apresenta-se, nos nossos dias enas sociedades de todo o mundo, como um flagelosocial, a expurgar pelos malefícios que causa, queraos consumidores, quer à comunidade, especial-mente tratando-se de heroína e cocaína, drogasduras de acentuado poder destrutivo pela de-pendência que provocam.

Ficou provado que o recorrente agiu livre evoluntariamente, bem conhecendo a ilegalidadeda sua conduta.

E, por outro lado, provado não ficou que asua actividade se tenha relacionado exclusiva-mente com a sua necessidade de consumir estu-pefacientes ou que se haja dedicado ao tráficocomo meio para lograr, ainda em exclusivo, a sa-tisfação de tal necessidade.

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114 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Bom também será não esquecer que o facto deser toxicodependente ou de se se deixar cair noconsumo de droga pode até ser indício de umacerta culpa na formação da personalidade e queuma constatada falta de vontade ou de coragemem mudar de rumo e cortar com o consumo nãodeve ser postergada pelos julgadores e antes con-siderada como factor desfavorável.

Convirá enfim que se realce que os bens jurí-dicos protegidos no artigo 21.º, n.º 1 (e, claroestá, no artigo 25.º), do Decreto-Lei n.º 15/93 sãodemasiadamente valiosos para se permitir quefiquem seriamente desprotegidos por uma even-tual prevalência dos desideratos da prevençãoespecial sobre os da prevenção geral.

Já falámos da ilicitude da actuação do recor-rente a propósito da convolação realizada, sendoque o dolo que presidiu a essa actuação foi odirecto e normal, como, aliás, o identificou o tri-bunal a quo.

Igualmente no acórdão recorrido se sublinhouser o arguido primário e ter confessado integral-mente os factos, incidências todavia não espe-cialmente relevantes, atentas a evidência daquelese a idade do mesmo arguido (16 anos, pois quenasceu em 14 de Dezembro de 1983).

Assinalou-se no aresto impugnado que «o qua-dro familiar do arguido, espelhado em 13 e 14dos factos provados, terá contribuído para umadeficiente formação da sua personalidade, levan-do-o a desviar-se dos padrões e regras normaisde conduta» mas que «não pode tal quadro ser-vir-lhe de escudo para se desresponsabilizar pe-los seus actos, já que é em circunstâncias adversasque se testa a capacidade e a coragem para resis-tir à tentação de enveredar por comportamentosdesviantes, mormente a entrada no complexomundo da droga, que, todos sabem, e o arguidonão podia ignorar, proporciona a miragem de fá-ceis e elevados lucros, embora, como agora certa-mente vê e sente, as desvantagens não superemnunca as vantagens daquela miragem e daquelefacilitismo».

Escreveu-se, ainda, no acórdão sob censura,que se, «à data dos factos o arguido tinha menosde 21 anos, «a verdade é que, não se podendo‘‘confundir justiça com paternalismo, o tribunalnão vislumbra razões sérias para lhe atenuar es-pecialmente a pena, por não ser de crer que dessa

atenuação resultassem vantagens para a suareinserção social, razão pela qual se afasta a apli-cação do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de23 de Setembro’’, para se concluir que ‘‘é pelaconsideração da mencionada culpa, das aponta-das exigências, que são fortes e prementes emvirtude dos graves problemas que a ‘maré negra’da droga vem colocando à sociedade e das descri-tas circunstâncias, sem esquecer a sua situaçãofamiliar, se julga adequado sancioná-lo com a penade 5 anos de prisão’’.» (Cfr. fls. 93.)

Sempre salvo o devido respeito, a verdade éque não podemos deixar de considerar como de-masiado rigorista a visão do douto colectivo que,naturalmente dominado pela envolvência dograve problema da droga e da sua disseminação,secundarizou a pouca idade do arguido (saído hábem pouco da esfera da inimputabilidade penal),a circunstância de não terem sido tanto as suasapetências pelo lucro fácil ou pela tentação porinfringir as boas regras que o levaram à delin-quência (mas, antes, o modo de vida em que secriou e desenvolveu e que negativo sendo, não é,de todo em todo, da sua responsabilidade), amanifesta incapacidade da sociedade para apon-tar caminhos ou alternativas a um jovem nas con-dições de recorrente e a patente ineficácia dosistema para superar, por instrumentos preven-tivos e profilácticos capazes, a fragilidade e aimaturidade propicias, nestas idades, a desvioscomportamentais.

Não pode a sociedade exigir que se pautempelos seus padrões e regras normais de condutaaqueles que não protegeu, nem acolheu devida-mente; não é eticamente legítimo que o Estadoexerça, com rigor excessivo, o seu direito de pu-nir, quando não cria (embora apregoe) os meiosnecessários para evitar (pelo emprego, pela edu-cação, pela estabilidade, pelas expectativas defuturo) que um jovem acerte o passo pelo di-reito e pelas lei, designadamente deixando que,por desprotecção, como, in casu, aconteceu, umjovem de 16 anos de idade, inclusive com algu-mas habilitações literárias, se veja forçado a pros-tituir-se para subsistir e sobreviver.

Sobre a perspectiva traçada pelo tribunal aquo — aliás à revelia de relatório social que teriasido aconselhável (artigo 370.º do Código de Pro-cesso Penal) para melhor identificação do perfil

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115 Direito PenalBMJ 500 (2000)

do arguido (em termos de passado, presente eevolução futura) — tem então de prevalecer aargumentação do recorrente, máxime a que se ex-pressou na conclusão 4.ª da sua bem elaboradamotivação.

Consente-se, por isso, dizer que, em condicio-nalismos como o dos autos, existe uma culpasocial e institucional a influenciar as própriasculpa jurídico-penal e na formação da persona-lidade dos delinquentes.

E quando, em tais condicionalismos, é inope-rante a sociedade e ineficaz o sistema, terão essainoperância e essa ineficácia de reverter, com al-guma relevância, a favor dos arguidos, sem pre-juízo, é óbvio, da responsabilidade destes.

É o caso.

Aqui chegados e dentro da moldura legal abs-tracta delineada para o tipo penal para cujo âm-bito entendemos convolar a actuação do arguido(1 a 5 anos de prisão — artigo 25.º, alínea a), doDecreto-Lei n.º 15/93), importa, agora, determi-nar a medida concreta da pena que deve cominaraquela actuação.

Em consonância com os critérios apontados eantecedentemente desenvolvidos, fixa-se a mes-ma em 3 anos de prisão.

De resto, sempre se diga que, mesmo que setivesse tido por configurado o crime do artigo21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, seria de con-siderar algo exagerada a pena que foi preferenciada(5 anos de prisão — um ano mais sobre o respec-tivo mínimo legal), isto mormente pelas faladasrazões de justiça relativa, já que temos visto pu-nições menores relativamente a factos integradoresde crime de tráfico tradutores de maior gravidadee amplitude.

Cabe, entretanto, ainda um apontamentoacerca da não aplicação in casu do regime penalespecial para jovens (Decreto-Lei n.º 430/83, de23 de Setembro) e de que o arguido era susceptí-vel de beneficiar.

Não é esse regime, como se sabe, de aplicaçãoforçosa ou automática, só devendo, por isso, serdesencadeado, em termos de atenuação especial(de acordo com os artigos 72.º e 73.º do CódigoPenal), quando o juiz «tiver sérias razões paracrer que da atenuação resultem vantagens para areinserção social do jovem condenado» (artigo4.º do decreto-lei citado).

E se poderia discutir-se a razoabilidade dadecidida sua não aplicação, a haver-se mantido aqualificação jurídico-criminal pelo crime do arti-go 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 e face aoquantum da pena que o tribunal recorrido apli-cou, óbvio é que, ante a convolação realizada, aaplicação do dito regime surge, agora, neste novocondicionalismo, como incurial, uma vez queaquela própria convolação representa, na prá-tica, uma modalidade de atenuação especial (con-frontem-se os artigos 72.º, n.os 1 e 2, e 73.º, n.os 1e2, do Código Penal) e antolhar-se-ia, aqui sim,permissiva em demasiado e afrontadora das exi-gências da prevenção geral, uma outra atenuaçãodaquela índole.

De resto, não é despiciendo frisar que toda afilosofia subjacente ao referenciado regime res-peita, essencialmente, à ideia de que o gravameda pena possa prejudicar a reinserção social dojovem condenado; e embora se verifique um nú-cleo comum de propósitos entre aquele regimee o instituto da suspensão da execução da pena— nada se opondo a um funcionamento con-comitante de ambos —, a verdade é que a filoso-fia que enforma este último se radica, sobretudo,na previsível influência favorável que a pena desubstituição possa exercer no comportamentofuturo do agente.

Da eventualidade (e da conveniência) de seestipular, na hipótese em apreço, uma pena destetipo, nos vamos ocupar, em capítulo terminal danossa análise, certo sendo que, pela sua medida,a pena que fixamos (3 anos de prisão) satisfaz aopressuposto objectivo exigido pelo artigo 50.º,n.º 1, primeira parte, do Código Penal.

Já se terá depreendido que, presente todo ocircunstancialismo emergente dos autos, não en-jeitamos e, antes, arriscamos a formulação de umjuízo de prognose favorável ao arguido na crençade que, atendendo à sua personalidade, às condi-ções da sua vida — esperando-se que aquela secorrija e que estas melhorem — à sua condutaanterior e posterior ao crime e às circunstânciasdeste «a simples censura do facto e a ameaça daprisão realizam de forma adequada e suficienteas finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, se-gunda parte, do Código Penal).

Por um lado, não poderíamos excluir, liminar-mente, a emissão de tal juízo, relativamente a um

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116 BMJ 500 (2000)Direito Penal

arguido com apenas 16 anos de idade e em home-nagem à asserção de as penas efectivas de priva-ção de liberdade deverem ser consideradas comosancionamento a aplicar em extremo indispensá-vel, consequentemente naqueles casos em que,tendo-se ponderadamente em conta outras cir-cunstâncias apropriadas, a gravidade da infrac-ção seja de molde a tornar todas as outras penasmanifestamente inadequadas; por outro lado, háque relevar que a suspensão da execução da penade prisão deve ser olhada como uma medida que,sendo penal, assume um importante conteúdopedagógico e reeducativo, designadamente agoraque inclui, como uma sua modalidade, o cha-mado «regime de prova» (que bem gostaríamosde ver funcionar mais correntemente).

No caso sub judice, é ainda de entender, comoreforço do prognóstico avançado, o documentode fls. 69 (inculcador de uma futura estabilidadefamiliar para o arguido) e a declaração de fls. 70(permissiva de se pensar que o arguido irá ter,em liberdade, um posto de trabalho assegurado).

À semelhança do que temos afirmado de ou-tras vezes, a suspensão da execução da penareúne a virtualidade de poder servir eficazmente,ao mesmo tempo que satisfaz os da prevençãoespecial, os ditames e desideratos da prevençãogeral: mister é que se balize por período tempo-ral bastante para atestar da eficácia da medida e,em determinados casos (como, v. g., o presente)se condicione pelo aludido regime de prova, defi-nido este por um plano de readaptação social epela sujeição do condenado a uma específica vi-gilância e controlo por parte de assistência socialespecializada (o que prefigura uma intervençãoestatal na vida do delinquente pós-condenação eao longo do sursis, no sentido de desenvolver oseu sentido de responsabilidade).

Atentando nestes condimentos, é de suspen-der, portanto, a execução da pena de 3 anos deprisão — que passou a ser a aplicada ao arguido —por um período de 3 anos, com sujeição do ditoarguido, em todo esse período, a regime de prova,nos moldes que as entidades de reinserção socialvenham a gizar (artigos 50.º, n.os 1, 2, parte final,e 5 e 53.º, n.os 1 e 2, do Código Penal).

Saliente-se, de resto, que é a própria lei queestatui que «o regime de prova é, em regra, deordenar quando a pena de prisão cuja execuçãofor suspensa tiver sido aplicada em medida su-

perior a 1 ano e o condenado não tiver aindacompletado, ao tempo do crime, 25 anos deidade» (n.º 3 do artigo 53.º do Código Penal).

E escusado será encarecer a importância quepode assumir, neste caso, a aplicação deste re-gime, em sede de aconselhamento ou acompa-nhamento de tratamento terapêutico que liberta,de vez, o arguido recorrente, da sujeição às drogas.

Realcemos, enfim, em jeito de corolário doque ficou expendido, que «presentemente nada émais importante para o direito penal que comba-ter o mito popular da existência de uma ligaçãoentre a aplicação das penas e a luta contra a crimi-nalidade. A adopção de graus de repressão me-nores terá por resultado automático tornar menospertinente o problema das variações inoportu-nas» (cfr: conclusão 16.ª do relatório geral do8.º Colóquio Criminológico, elaborado pelo Pro-fessor Nils Jareborg, da Universidade de Uppsala,Suécia, inserto na ob. cit. Medida Concreta daPena — Disparidades, pág. 271).

Em síntese conclusiva:

Altera-se a qualificação jurídico-criminal dosfactos praticados pelo arguido, subsumindo-os,por convolação, ao tipo penal previsto no artigo25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93 (tráfico de menorgravidade); e, por este crime, face à moldura legalindicada na alínea a) do preceito, condena-se omesmo arguido na pena de 3 anos de prisão, penaesta a ficar suspensa na sua execução pelo perío-do de 3 anos mas condicionada ao regime de pro-va por todo o decurso daquele fixado período(artigos 50.º, n.os 1, 2 e 5, e 53.º, n.os 1 e 2, doCódigo Penal).

Procede, assim, o recurso, embora em funçãodestas variantes.

Desta sorte e pelos expostos fundamentos:

Revoga-se o douto acórdão recorrido, conde-nando-se o arguido, como incurso num crime detráfico de menor gravidade, previsto e punido noartigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de22 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão, aqual, contudo, se suspende, na sua execução, peloperíodo de 3 anos, com sujeição do sobreditoarguido, por todo o decurso do mesmo período,a regime de prova, em termos a definir pelosrespectivos serviços de reinserção social (artigos

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117 Direito PenalBMJ 500 (2000)

50.º, n.os 1, 2 e 5, e 53.º, n.os 1 e 2, do CódigoPenal).

Mantém-se o referido acórdão, no demais quenão ficou expressamente revogado.

Procede, portanto, o recurso interposto, den-tro das adaptações verificadas.

Não é devida tributação.

Passem-se e expeçam-se, via fax, os compe-tentes mandados de soltura a favor do arguidoGui Emanuel Santos da Costa, o qual deverá, deimediato, ser posto em liberdade, salvo se, por

outro qualquer processo ou motivo, tiver de con-tinuar detido ou preso.

Para os devidos efeitos e logo que transita-dos, remeta-se ao Instituto de Reinserção Socialcertidão do presente acórdão, acompanhando-seesta de todos os elementos referentes ao arguidoe existentes no processo.

Lisboa, 19 de Outubro de 2000.

Oliveira Guimarães (Relator) — Dinis Alves —Guimarães Dias — Carmona da Mota.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 21 de Junho de 2000 da 3.ª Secção do 7.º Juízo Criminal de Lisboa, processon.º 686/2000.

O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre tráfico de menor gravidade [previsto epunido nos termos do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro], para além domais, nos seus acórdãos de 13 de Janeiro de 2000 — Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo I,págs. 190 e segs.; no acórdão de 29 de Abril de 1998 — Colectânea de Jurisprudência, ano VI, tomo II,págs. 191 e segs.; no acórdão de 16 de Outubro de 1996, Colectânea de Jurisprudência, ano IV,tomo III, págs. 163 e segs., e no acórdão de 20 de Abril de 1994, Boletim do Ministério da Justiça,n.º 436, pág. 204.

Sobre o regime de prova, sua configuração dogmática e relação com a pena de substituição desuspensão de execução da pena, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — AsConsequências Jurídicas do Crime, págs. 398 e seguintes.

(A. L. D.)

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118 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Crime de sequestro — Consumação — Crime de coação

I — O crime de sequestro só se consuma quando a vítima é privada da sua liberdadeambulatória, com carácter de permanência, por um período de tempo que, sob o ponto devista político-criminal, já não pode ser qualificado de insignificante.

II — Após a revisão operada ao Código Penal de 1982 pelo Decreto-Lei n.º 48/95,de 15 de Março, foi eliminado do leque das agravantes qualificativas do sequestro acircunstância de a privação da liberdade ter sido precedida ou acompanhada de ofensaà integridade física simples e ou praticada por duas ou mais pessoas [cfr. artigo 160.º,n.os 1 e 2, alíneas b), primeira parte, e g), do Código Penal de 1982].

III — Significa isto que, com a lei nova, passando a ser apenas punível como seques-tro simples o crime cometido em tais condições, a tentativa deste não resulta punível porforça no n.º 1 do artigo 23.º do Código Penal.

IV — Porém, a descrita conduta dos agentes integra simultaneamente o tipo legalde crime de coacção simples, previsto e punido pelo artigo 156.º do Código Penal de1982 ou pelo artigo 154.º do Código Penal de 1995, em que o bem jurídico tutelado éainda com liberdade pessoal mas, agora, na sua acepção de liberdade de decisão e deacção e em que, independentemente da pena cominada para o crime consumado, a tenta-tiva resulta punível (n.º 2 dos artigos 156.º e 154.º).

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 25 de Outubro de 2000Processo n.º 929/97 — 3.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

No processo comum (colectivo) n.º 174/93.GHSNT — 1.ª Vara Mista de Sintra, AgostinhoJosé Lopes, solteiro, pedreiro, nascido a 9 deFevereiro de 1963, na freguesia de Fradizela, con-celho de Mirandela, filho de António José Lopese de Laura Maria Eugénia Machado, residente naRua Nova Massapões, lote 1141, Casal Novo,Caneças, e Silvino de Morais, casado, auxiliaradministrativo principal, nascido a 25 de Abrilde 1953, na freguesia de Ervões, concelho deValpaços, filho de Artur Morais e de Maria deMorais, com residência na Rua Nova Massapões,1132, em Casal Novo, Casal de Cambra, foramjulgados pela co-autoria material de um crimetentado de sequestro, previsto e punido pelosartigos 160.º, n.os 1 e 2, alíneas b) e g), 22.º, n.º 2,alíneas b) e c), 23.º, n.os 1 e 2, e 74.º, todos doCódigo Penal de 1982, e de um crime de detençãode arma proibida, previsto e punido pelo artigo260.º do mesmo Código, com referência ao artigo

3.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75,de 17 de Abril.

A assistente Mafalda Sofia Oliveira Hen-riques deduziu, contra ambos os arguidos pe-dido de indemnização civil, no montante de507 700$00.

A final, foi proferido acórdão, de que, naparte que interessa, se transcreve o respectivodispositivo:

«Nestes termos e nos demais de direito, acor-dam os juízes que constituem este tribunalcolectivo em:

A) Julgar a douta acusação pública parcial-mente procedente, por provada, nos termos so-breditos, e, em consequência:

1.º — Absolvem ambos os arguidos do crimede detenção de arma proibida, previsto e punidopelo artigo 260.º do Código Penal, com referên-cia ao artigo 3.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lein.º 207-A/75, de 17 de Abril;

2.º — Condenam os arguidos Agostinho JoséLopes e Silvino de Morais como co-autores de

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119 Direito PenalBMJ 500 (2000)

um crime de sequestro, previsto e punido peloartigo 158.º, n.º 1, do Código Penal revisto, naspenas de 2 anos e 6 meses de prisão e 2 anos e9 meses de prisão, respectivamente;

B) Em julgar parcialmente procedente o pe-dido cível deduzido pela assistente, e, em conse-quência:

1.º — Condenam os arguidos a pagarem àassistente Mafalda Sofia Oliveira Henriques, atítulo de indemnização por danos patrimoniais emorais, a quantia de 504 550$00.

2.º — Absolvem os arguidos do demais pedido.3.º — Nos termos do disposto no artigo 8.º,

n.º 1, alínea d), da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, esob a condição resolutiva a que alude o artigo11.º do mesmo diploma legal, declara-se per-doada a cada um dos arguidos a pena de 1 ano deprisão.»

Inconformado, o arguido Agostinho Lopesinterpôs o presente recurso, concluindo a moti-vação, como segue (transcrição):

«1 — Não se caracterizou em parte alguma doacórdão a vinculação dos arguidos e em especialdo recorrente aos elementos típicos do crime desequestro.

2 — Para haver crime de sequestro não seexige o preenchimento de um específico períodode tempo, mas a privação da liberdade, para quepossa ter algum significado e relevância, comoelemento do crime, não poderá ter uma duraçãotão diminuta que verdadeiramente não afecte aliberdade de locomoção.

3 — Os factos provados ocorreram em plenavia pública, não tendo havido remoção da assis-tente do local onde se encontrava, reduzindo-sea um agarrar nos braços por parte do recorrente.

4 — Os factos provados não são, assim, ac-tos de execução do crime de sequestro, previstoe punido pelo artigo 158.º do Código Penal, sendoerrada a qualificação jurídico-criminal da con-duta do recorrente, o que quanto muito se pode-ria qualificar no âmbito de actos preparatórios,cfr. artigo 21.º do Código Penal.

5 — De todo o modo, o acórdão recorridoviolou os pressupostos ínsitos nos artigos 70.º e71.º do Código Penal.

6 — Os critérios dosimétricos contidos nosegundo dispositivo foram desconsiderados naaplicação da pena do recorrente, já que este éprimário e tem bom comportamento anterior eposterior aos factos.

7 — Por não se verificarem os pressupostospara o crime de sequestro, nem se atendeu aoestatuído no artigo 71.º, o acórdão violou o artigo160.º, n.º 1, artigo 1.º, n.º 1, e ainda os artigos 40.ºe 50.º, todos do Código Penal, bem como os pre-ceitos combinados dos artigos 2.º, 9.º, 13.º e 32.ºda Constituição da República Portuguesa.

Por não se verificarem os respectivos pressu-postos, o arguido não devia de ter sido conde-nado.

Sendo-o, foram violadas as respectivas dis-posições legais, devendo o acórdão ser revogadoe substituído por outro que o absolva.

Quando assim não seja, e sem conceder, sem-pre a pena aplicada se mostra exagerada, de-vendo de ser substancialmente reduzida e sus-pensa na sua execução.»

Responderam a assistente e o Ministério Pú-blico, pugnando ambos pela manutenção do re-corrido.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador--Geral Adjunto, na vista dos autos, não se pro-nunciou sobre o mérito do recurso nem suscitouqualquer questão.

Corridos os vistos e realizada audiência pú-blica, cumpre decidir.

Transcrição parcial do acórdão recorrido:

«Discutida a causa, são os seguintes os factosprovados:

1 — Cerca das 21 horas do dia 26 de Maio de1993, a assistente Mafalda Sofia de OliveiraHenriques caminhava a pé pela Rua das Flores,em Casal de Cambra, quando ao seu lado surgiu,seguindo na mesma direcção, o veículo automó-vel, de matrícula JH-28-12, conduzido pelo ar-guido Agostinho Lopes e onde se transportavano lugar ao lado do condutor o arguido Silvino deMorais.

2 — Ao chegarem junto da Mafalda, o ar-guido Agostinho abrandou a marcha que impri-

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120 BMJ 500 (2000)Direito Penal

mia ao veículo e, após o Silvino ter aberto o vidrodo seu lado, aquele dirigindo-se à assistente dis-se-lhe: «É boazona, és mesmo boa, não queresvir dar uma volta connosco.»

3 — A Mafalda, sentindo-se ofendida e as-sustada, atravessou a estrada pelo lado de trásdo veículo automóvel conduzido pelo arguidoAgostinho e atingiu o passeio do lado contrário,onde passou a caminhar.

4 — De imediato, o arguido Agostinho mu-dou a direcção do veículo para esquerda, atraves-sando a estrada em diagonal e invadindo a faixade rodagem contrária e parou junto à Mafalda,tendo dito: «A vaca está a fazer-se esquisita.»

5 — Quando a Mafalda referiu aos arguidosque a deixassem em paz e que ia tirar a matrículado veículo para posteriormente fazer queixa de-les, o Agostinho desligou o motor, tendo de ime-diato saído do veículo e agarrando a Mafalda pelobraço disse-lhe: «Sua filha da puta, o que é quevais fazer?», após o que começou a bater-lhecom murros na cabeça e na cara, sobretudo nolado esquerdo e na zona do ouvido, enquantorepetidamente lhe chamava «puta» e «puta demerda».

6 — Seguidamente, o, arguido Silvino saiu docarro dizendo «e se a gente fosse dar uma volta»,ao mesmo tempo que agrediu também a queixosacom murros no rosto.

7 — Nessa ocasião, um dos arguidos disse:«A vaca não ia tirar a matrícula do carro? A gentevai meter-lhe a matrícula pela cona acima», tendoo arguido Agostinho dito: «Vamos dar uma voltaque ela chega para os dois.»

8 — Assim, enquanto o arguido Silvino deMorais abriu a porta lateral traseira, do lado docondutor, do mencionado veículo, o que deixou aqueixosa em pânico, o arguido Agostinho Lopesagarrou os dois braços daquela e puxava-a para ocarro para nele a introduzirem contra a vontadedesta, a qual fincava os pés no chão, fazendoquanta força podia para não se deixar arrastar, egritava bem alto por socorro.

9 — Os gritos da Mafalda lograram despertara atenção de, pelo menos, um dos moradores deuma vivenda sita naquela rua, que, vendo o quese estava a passar, começou a gritar.

10 — Foi então que a Mafalda, perante umafrouxamento da força que o arguido Agostinho

Lopes fazia, logrou libertar-se, correndo a refu-giar-se no jardim de uma vivenda próxima, cujosdonos a acolheram em sua casa.

11 — Os arguidos meteram-se na viatura quefoi conduzida pelo Agostinho até às proximida-des da vivenda onde a Mafalda se refugiou e juntoao portão da casa onde se encontrava a testemu-nha Joaquim Andrade, que havia gritado quandoouviu os gritos da queixosa, cujo portão de en-trada arrombaram, e onde começaram a gritar:«Anda cá, anda cá para fora minha puta, não vaischamar a polícia», só acabando por se ir emboraalguns momentos depois e após reacção dosmoradores que chamaram a entidade policial.

12 — Os arguidos agiram com intenção deprivar a Mafalda, contra a vontade desta, da sualiberdade, batendo-lhe com intenção de atravésde lesão à sua integridade física, diminuir a suaresistência, só não tendo logrado levar a Mafaldacom eles devido ao aparecimento de terceirosque possibilitaram a fuga desta.

13 — Agiram em toda a sua actuação em con-jugação de esforços e de intentos.

14 — Nesse mesmo dia, um dos arguidos de-tinha com ele um chicote formado por 19 ara-mes, envoltos em matéria plástico, de cor preta,com uma das extremidades dobrada em pega, afazer de cabo, e com cerca de 1 m de compri-mento.

15 — Este instrumento não tem aplicaçãodefinida, podendo, atentas as suas característi-cas, ser usado como arma letal de agressão.

16 — Nenhum dos arguidos justificou a suaposse, tendo, outrossim, negado a sua detenção.

17 — Qualquer dos arguidos sabia ser a de-tenção de tal instrumento conduta não permitidapor lei.

18 — Cada um dos arguidos, em toda a suaactuação, agiu livre, voluntária e conscientemente,conhecendo a reprovabilidade da sua conduta.

19 — A Mafalda, beneficiária n.º 133256171da segurança social portuguesa, como resultadodirecto e necessário da conduta dos arguidos, so-freu, pelo menos, contusão da região tempero-mandibular esquerda, que directamente lhe causoutrês dias de doença, todos com incapacidade paraas suas actividades.

20 — Foi levada ao Hospital de Santa Maria,onde recebeu tratamento.

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121 Direito PenalBMJ 500 (2000)

21 — Ao ser agarrada pelos arguidos e pe-rante as suas ameaças, a Mafalda ficou apavo-rada, julgando que a iam violar, e ainda hoje sentemedo quando pensa no sucedido.

22 — Durante algum tempo a queixosa tinhadificuldade em falar, por efeito do enervamentoem que ficou.

23 — Em consequência das lesões sofridas, aMafalda pagou ao Hospital de Santa Maria, atítulo de consulta médica e exame radiológico, aquantia de 1350$00.

24 — À data era cabeleireira, auferindo cercade 47 000$00 por mês.

25 — Em consequência das lesões sofridas aqueixosa teve fortes dores e faltou ao empregodurante dois dias.

26 — Os arguidos são vizinhos e amigos. Ne-garam, no essencial, os factos que a seu respeitose provaram.

27 — Apenas o arguido Agostinho admitiuter mandado um «piropo» à Mafalda e de, pe-rante a reacção desta, ter parado o veículo juntodo passeio e ter agredido a mesma no rosto comduas bofetadas.

28 — Ao arguido Agostinho não são conheci-dos antecedentes criminais. Trabalha como sub--empreiteiro da construção civil. Vive em casaprópria, com uma companheira, auferindo men-salmente, segundo referiu, cerca de 80 000$00 a100 000$00. Está habilitado com a 4.ª classe.

29 — O arguido Silvino de Morais já foi jul-gado, pelo menos uma vez, no âmbito do pro-cesso n.º 633/92 do ex-3.º Juízo, 1.ª Secção, doTribunal Judicial de Loures, por crimes de danoe introdução em casa alheia, cometidos em 22 deMarço de 1991, tendo, por acórdão de 17 deNovembro de 1992, já transitado em julgado, sidocondenado na pena de 2 anos de prisão e 60 diasde multa, à taxa de 500$00, com 40 dias de pri-são em alternativa da multa, prisão.

A pena de prisão foi-lhe suspensa na sua exe-cução pelo período de 3 anos, na condição de, noprazo de 60 dias, arguido comprovar o paga-mento de uma compensação de 60 000$00 à ofen-dida, pelos estragos provocados e posteriormenterevogada, tendo-lhe sido concedida a liberdadecondicional por despacho de 8 de Fevereiro de1994 do 1.º Juízo do Tribunal de Execução dasPenas de Lisboa.

30 — O arguido Silvino é funcionário pú-blico, auferindo mensalmente cerca de 90 000$00líquidos. Vive em casa própria com a mulher etrês filhos. A mulher explora um estabeleci-mento de café, por conta própria.

31 — À data dos factos o arguido Silvinoandava em tratamento médico por neurose an-siosa grave e ainda para desintoxicação alcoólica.

32 — Nenhum dos arguidos revelou arrepen-dimento sincero.

Factos não provados:

De entre os factos alegados pela acusaçãopública e particular e pelos arguidos nas suascontestações, com interesse para a decisão dacausa, não se provaram os seguintes:

— Que tivesse sido precisamente pelas 21.50horas ou pelas 22 horas do dia 26 de Maio de1993 que se verificaram os factos supra e dadoscomo ocorridos nesse dia;

— Que tenha sido o arguido Silvino quem, diri-gindo-se à Mafalda, disse: «É boazona, és mesmoboa, não queres vir dar uma volta connosco»;

— Que o arguido Silvino tenha conjunta-mente com o arguido Agostinho puxado a Ma-falda, arrastando-a em direcção ao veículo emque se transportavam,

— Que os gritos da Mafalda tenham desper-tado a atenção de alguns moradores da zona quesaíram de suas casas;

— Que o arguido Agostinho Lopes, na se-quência da fuga da Mafalda, tenha subido ao ter-raço da casa da pessoa que acorreu aos gritos daqueixosa, com uma moca na mão e que tenha sidocom essa moca e com um cabo de aço que osarguidos rebentaram o portão que dá acesso àresidência dessa dita pessoa;

— Que ambos os arguidos detivessem con-sigo o chicote supra-referido;

— Que a queixosa tenha ficado com hemato-mas em todo o rosto, na cabeça e nos braços eque tenha tido fortes dores em todo o corpo,bem como que essa situação se tenha mantidopor muito tempo, bem como que ela tenha des-pendido no seu transporte do Hospital para casaa quantia de 1500$00 e a quantia de 2000$00 nasua deslocação à GNR do Cacém;

— Que a zona por onde caminhava a ofendidaseja uma zona mal afamada, a partir do escurecer;

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122 BMJ 500 (2000)Direito Penal

— Que a Mafalda tenha reagido ao «piropo»do Agostinho Lopes, mandando-o para «os cor-nos do pai dele» e que o Agostinho tenha gritadopara a Mafalda dizendo que «não admitia quechamasse o pai para ali», tendo ela continuado ainsultá-lo;

— Que o arguido Agostinho tenha feito mar-cha atrás, parando junto da ofendida, à qual sedirigiu e, encolerizado, apenas lhe tenha dadoduas bofetadas, tendo-se ela logo posto em fugaaos gritos, em direcção a uma casa próxima;

— Que o pai do arguido Agostinho tivessefalecido há pouco tempo;

— Que o arguido Silvino não tenha sequertido oportunidade de sair do veículo;

— Que as vivendas mais próximas do localonde os arguidos se envolveram com a queixosase situem a cerca de uma centena de metros;

— Que a testemunha Joaquim Andrade tenhapor diversas vezes contactado o arguido Silvino,insinuando-lhe que o incidente seria facilmentesanável a troco de uma pequena magia e que oarguido sempre lhe respondeu dizendo «quemnão deve não teme»;

— Que o arguido Silvino nunca tenha visto ochicote acima referido e que esse chicote tenhasido encontrado no chão da Rua das Flores, pertodo automóvel da Polícia que transportou os ar-guidos depois de os ter detido no café da mulherdo arguido Silvino;

— Que o arguido Silvino goze da estima dosseus colegas de trabalho;

— Que o arguido Agostinho circule diaria-mente pela Rua das Flores, nas suas deslocaçõespara a sua residência e que ele more a cerca de1 km de distância daquele local;

— Que ele diariamente se cruze e seja avis-tado por outros moradores daquela zona, sendoinclusive frequentador dos estabelecimentos co-merciais daquela zona, sendo pessoa conhecidana localidade;

— Que o arguido Agostinho tenha tido bomcomportamento posterior.»

O recurso interposto, directamente, do acór-dão final do tribunal colectivo para o SupremoTribunal de Justiça visa, exclusivamente, o ree-xame da matéria de direito — cfr. artigo 432.º,alínea d), do Código de Processo Penal. É cons-

tante e pacífica a jurisprudência deste SupremoTribunal de Justiça no sentido de que, sem pre-juízo das questões do conhecimento oficioso, oâmbito do recurso se define pelas conclusõesextraídas, pelos recorrentes, das respectivas mo-tivações.

O recurso vem limitado à decisão condenatóriaem matéria crime.

Em síntese, o recorrente sustenta que:

a) Os factos que se provou ter praticado nãointegram o tipo de crime por que foi condenado,pelo que se impõe a sua absolvição;

b) De qualquer modo, ainda que se considerecorrecta a qualificação jurídica operada no acórdãorecorrido, a pena aplicada peca por excesso, de-vendo ser substancialmente reduzida e suspensana sua execução:

Vejamos:

1. Da qualificação jurídica

Código Penal de 1982

Artigo 22.º

1 — Há tentativa quando o agente praticaactos de execução de um crime que decidiu come-ter, sem que este chegue a consumar-se.

2 — São actos de execução:

a) Os que preenchem um elementoconstitutivo de um tipo de crime;

b) Os que forem idóneos a produzir o resul-tado típico; ou

c) Os que, segundo a experiência comum esalvo circunstâncias imprevisíveis, foremde natureza a fazer esperar que se lhessigam actos das espécies indicadas nasalíneas anteriores.

Artigo 23.º

1 — Salvo disposição em contrário, a tenta-tiva só é punível se ao crime consumado respec-tivo corresponder pena superior a 2 anos de prisão.

2 — A tentativa é punível com a pena aplicá-vel ao crime consumado, especialmente atenuada.

3 — A tentativa não é punível quando formanifesta a inaptidão do meio empregado peloagente ou a inexistência do objecto essencial àconsumação do crime.

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123 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Artigo 160.º

1 — Quem detiver, prender, mantiver presaou detida outra pessoa, ou de qualquer forma aprivar da sua liberdade, será punido com prisãoaté 2 anos.

2 — A prisão será, porém, de 2 a 10 anos se aprivação da liberdade:

a) Durar por mais de 2 dias;b) For precedida ou acompanhada de ofensa

à integridade física, tortura, tratamentocruel e desumano ou com emprego deoutros meios violentos;

c) For praticada com o falso pretexto de quea vítima sofria de anomalia psíquica;

d) For praticada simulando o agente, de qual-quer modo, autoridade pública, ou comgrave abuso dos poderes inerentes às suasfunções públicas;

e) Tiver como resultado o suicídio, priva-ção da razão ou impossibilidade perma-nente para o trabalho da vítima;

f) Ocorrer depois de o ofendido ter sido frau-dulentamente atraído a um local em ter-mos de não poder socorrer-se da auto-ridade pública ou de terceiros para selivrar de detenção;

g) For praticada por duas ou mais pessoas.

3 — Para o efeito da alínea b) do númeroanterior, considera-se privação da liberdade comemprego de outros meios violentos aquela que éprecedida ou acompanhada de ameaças com arma,da utilização de narcóticos ou outras substânciassusceptíveis de anularem ou diminuírem a resis-tência da vítima ou ainda da ameaça de infligir ummal que constitua crime relativamente à vítimaou a pessoa da sua família.

4 — A prisão poderá, porém, elevar-se a 15anos quando da privação da liberdade resultar amorte da vítima.

Código Penal de 1995

Artigo 22.º

1 — Há tentativa quando o agente praticaractos de execução de um crime que decidiu come-ter, sem que este chegue a consumar-se.

2 — São actos de execução:

a) Os que preencherem um elemento cons-titutivo de um tipo de crime;

b) Os que forem idóneos a produzir o resul-tado típico; ou

c) Os que, segundo a experiência comum esalvo circunstâncias imprevisíveis, foremde natureza a fazer esperar que se lhessigam actos das espécies indicadas nasalíneas anteriores.

Artigo 23.º

1 — Salvo disposição em contrário, a tenta-tiva só é punível se ao crime consumado respec-tivo corresponder pena superior a 3 anos deprisão.

2 — A tentativa é punível com a pena aplicá-vel ao crime consumado, especialmente atenuada.

3 — A tentativa não é punível quando formanifesta a inaptidão do meio empregado peloagente ou a inexistência do objecto essencial àconsumação do crime.

Artigo 158.º(versão originária)

1 — Quem detiver, prender, mantiver presaou detida outra pessoa ou de qualquer forma aprivar da liberdade é punido com pena de prisãoaté 3 anos ou com pena de multa.

2 — O agente é punido com pena de prisão de2 a 10 anos se a privação da liberdade:

a) Durar por mais de 2 dias;b) For precedida ou acompanhada de ofensa

à integridade física grave, tortura ou ou-tro tratamento cruel, degradante ou desu-mano;

c) For praticada com o falso pretexto de quea vítima sofria de anomalia psíquica;

d) For praticada simulando o agente autori-dade pública, ou com abuso grosseiro dospoderes inerentes às suas funções públi-cas; ou

e) Tiver como resultado suicídio ou ofensaà integridade física grave da vítima.

3 — Se da privação da liberdade resultar amorte da vítima, o agente é punido com pena deprisão de 3 a 15 anos.

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124 BMJ 500 (2000)Direito Penal

4 — Se a pessoa sequestrada for uma daspessoas referidas na alínea h) do n.º 2 do artigo132.º, no exercício das suas funções ou por causadelas, as penas referidas nos números anterioressão agravadas de um terço nos seus limites míni-mos e máximos.

Artigo 158.º(após a Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro)

1 — Quem detiver, prender, mantiver presaou detida outra pessoa, ou de qualquer forma aprivar da liberdade, é punido com pena de prisãoaté 3 anos ou com pena de multa.

2 — O agente é punido com pena de prisão de2 a 10 anos se a privação da liberdade:

a) Durar por mais de 2 dias;b) For precedida ou acompanhada de ofensa

à integridade física grave, tortura ou ou-tro tratamento cruel, degradante ou desu-mano;

c) For praticada com o falso pretexto de quea vítima sofria de anomalia psíquica;

d) Tiver como resultado suicídio ou ofensaà integridade física grave da vítima;

e) For praticada contra pessoa particular-mente indefesa, em razão de idade, defi-ciência, doença ou gravidez;

f) For praticada contra uma das pessoas re-feridas na alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º,no exercício das suas funções ou porcausa delas;

g) For praticada mediante simulação de au-toridade pública ou por funcionário comgrave abuso de autoridade.

3 — Se da privação da liberdade resultar amorte da vítima o agente é punido com pena deprisão de 3 a 15 anos.

Com a tipificação jurídico-penal do seques-tro, tutela-se, como é sabido, a liberdade ambu-latória da pessoa humana, ou seja, a sua liberdadede se deslocar ou movimentar no espaço físico,enfim, a liberdade de ir, fisicamente, de um lugarpara outro.

Sendo, como é, seguramente, um crime de re-sultado (a privação da liberdade ambulatória davítima), o sequestro consuma-se logo que aquelese produz (embora a consumação não se esgote

aí e, antes, perdure até ao momento em que avítima recupera a liberdade).

A lei não define um período de tempo mínimoa partir do qual a privação de liberdade assume arelevância pressuposta no tipo legal mas issonão autoriza a concluir que qualquer privação,por mais diminuta que seja a sua duração, sedeva considerar, necessariamente, como típica.Com efeito, há privações da liberdade de movi-mentos cuja dimensão temporal, por tão redu-zida, se queda, manifestamente, aquém da duraçãopensada pelo legislador como a mínima que jus-tifica a incriminação. Ora, a circunstância de umaprivação de liberdade ambulatória não atingir, notempo, aquela dimensão mínima que, político--criminalmente, justifica a incriminação implica,como nos parece evidente, que ela seja conside-rada como insignificante ou irrelevante, também,para efeitos de preenchimento do tipo, o quesignifica que não constitui lesão relevante do bemjurídico por aquele tutelado ou que, material-mente, não consubstancia a privação da liber-dade ambulatória típica do sequestro.

Sendo assim, deve assentar-se em que o crimeem análise só se consuma quando a vítima é pri-vada da sua liberdade ambulatória, com carácterde permanência, por um período de tempo que,do ponto de vista político-criminal, já não possaser qualificado de insignificante.

No caso dos autos, está provado, em síntese,que os arguidos, depois de a terem socado nacabeça e rosto, decidiram, com o propósito co-mum de a privar de liberdade, meter a ofendidano automóvel, para dar uma volta com eles, tudocontra a vontade dela. Para tanto, o ora recor-rente agarrou-a pelos dois braços e puxou-a parao automóvel, do qual o co-arguido Silvino deMorais abrira, entretanto, uma das portas, para,através desta, ali a introduzirem. Resistindo sem-pre, firmando os pés no chão para não ser arras-tada e gritando, bem alto, por socorro, a ofendida,tirando proveito do afrouxamento da força dorecorrente — no momento em que um terceiro,acudindo aos seus apelos, começou, também, agritar —, logrou libertar-se e correr para umacasa próxima, onde a acolheram.

Claramente, o sequestro não se consumou.É certo que, por instantes, agarrada e puxada

pelos braços, a vítima esteve impedida de sair

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125 Direito PenalBMJ 500 (2000)

daquele local. Mas, não é menos certo que essaprivação, pela sua curta duração, carece de rele-vância bastante para ser havida como a típica dosequestro.

O crime, porém, só não se consumou porquea ofendida se pôs em fuga, nas mencionadas cir-cunstâncias. Com efeito, a não ter conseguidosoltar-se das mãos do ora recorrente, a ofendidaacabaria, contra sua vontade, fechada e transpor-tada no automóvel, privada, então sim, significa-tivamente, da sua liberdade ambulatória, conformeera intenção dos arguidos alcançar, através dasua actuação conjugada, já que esta, em si mesma,era, inequivocamente, idónea a produzir aqueleresultado. Portanto, face ao disposto no artigo160.º, n.os 1 e 2, alíneas b) e g), e 22.º, n.os 1 e 2,alínea b), do Código Penal de 1982 (então, emvigor), a qualificação dos factos praticados pelosarguidos como tentativa de sequestro qualifi-cado (privação precedida de ofensas à integri-dade física simples e praticada por duas pes-soas), não suscita a menor dúvida.

Acontece, porém, que, após a revisão de 1995,do leque das agravantes qualificativas do crimede sequestro (cfr. artigo 158.º, n.º 2), a referida naalínea g) do n.º 2 do artigo 160.º do Código Penalde 1982 foi, pura e simplesmente, eliminada, talcomo da descrita na primeira parte da alínea b)do mesmo dispositivo resultou excluída a cir-cunstância de a privação de liberdade ter sidoprecedida ou acompanhada de ofensa à integri-dade física simples [na medida em que, para oefeito, passou a atribuir-se relevância exclusiva àofensa à integridade física grave, cfr. artigo 158.º,n.º 2, alínea b), do Código Penal de 1995].

Significa isto, assim, que o sequestro, em quea privação de liberdade foi precedida ou acompa-nhado de ofensas à integridade física simples eou praticada por duas ou mais pessoas, punívelcomo crime qualificado pelo artigo 160.º, n.os 1 e2, alíneas b), primeira parte, e g), do Código Pe-nal de 1982, foi, por lei posterior, eliminado donúmero das infracções qualificadas. Logo, porforça do disposto no artigo 4.º, n.º 2, do CódigoPenal, deixou de ser punível como sequestro qua-lificado e, consequentemente, passou a ser puní-vel, apenas, como sequestro simples.

Ou seja: o facto dos autos que, como vimos,segundo o Código Penal de 1982, em vigor à datada sua prática, integrava a tentativa de um se-

questro qualificado passou a constituir, unica-mente, a tentativa de sequestro simples.

Ora, sendo o crime de sequestro simples con-sumado punível com pena de prisão até 2 anos— cfr. artigo 160.º, n.º 1, do Código Penal de1982 —, a sua tentativa, logo por força da normado artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Código, dada aausência de disposição em contrário, não é pu-nível.

Se os factos que se provou terem sido prati-cados pelos arguidos se subsumissem, exclusi-vamente, ao tipo legal que acabámos de analisar,nada mais restaria que decretar a sua absolvição,como é pretensão do recorrente. Porém, comopassaremos a ver, preenchendo aquele, a mesmafactualidade integra, simultaneamente, o tipo le-gal de crime tentado de coacção simples, em queo bem jurídico tutelado é, ainda, a liberdade pes-soal mas, agora, na sua acepção de liberdade dedecisão e de acção.

Código Penal de 1982

Artigo 156.º

1 — Quem, por meio de violência, ameaça deviolência, ameaça de queixa criminal ou de reve-lação de um facto atentatório da honra e da con-sideração, ou ameaça com a prática de um crime,constranger outrem a uma acção ou omissão ou asuportar uma actividade será punido com penade prisão até 2 anos ou multa até 180 dias, oucom uma e outra, cumulativamente.

2 — A tentativa é punível.3 — A coacção só será punível quando for

censurável a utilização do meio para atingir o fimvisado.

4 — A punição por este crime não consomeaquela que couber aos meios empregados para oexecutar.

Código Penal de 1995

Artigo 154.º

1 — Quem, por meio de violência ou deameaça com mal importante, constranger outrapessoa a uma acção ou omissão, ou a suportaruma actividade, é punido com pena de prisão até3 anos ou com pena de multa.

2 — A tentativa é punível.

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126 BMJ 500 (2000)Direito Penal

3 — O facto não é punível:

a) Se a utilização do meio para atingir o fimvisado não for censurável; ou

b) Se visar evitar suicídio ou a prática defacto ilícito típico.

4 — Se o facto tiver lugar entre cônjuges,ascendentes e descendentes ou adoptantes eadoptados, ou entre pessoas que vivam em si-tuação análoga à dos cônjuges, o procedimentocriminal depende de queixa.

Com efeito, dolosamente (com o propósitode a privarem da sua liberdade, fazendo-a entrare permanecer no automóvel, contra a sua von-tade), exerceram actos de violência sobre a ví-tima (agarrando-lhe os braços e puxando-a para aviatura, depois de a terem agredido a murro, nacabeça e no rosto), inequivocamente censuráveise idóneos a constrangê-la a uma acção que ela nãoqueria, manifestamente, praticar, qual era a de seintroduzir na viatura e dar uma volta com eles.

Ora, independentemente da pena cominadapara o crime de coacção simples consumado, atentativa é punível, quer no Código Penal de 1982(cfr. artigo 156.º, n.º 2) quer no Código Penal de1995 (cfr. artigo 154.º, n.os 2) (por não virem aocaso, como é de todo evidente, abstraímos dascausas de exclusão da punibilidade previstas nosn.os 3, dos mesmos dispositivos).

Em suma, os arguidos devem ser condenadospela co-autoria material de um crime tentado decoacção simples, previsto e punido pelas dispo-sições combinadas dos artigos 156.º, n.os 1 e 2,22.º, n.os 1 e 2, alínea b), 23.º, n.os 1 e 2, e 74.º,n.os 1, alíneas c), d) e e), e 2, do Código Penal de1982 e dos artigos 154.º, n.os 1 e 2, 22.º, n.os 1 e 2,alínea b), 23.º, n.os 1 e 2, e 73.º, n.os 1, alíneas a),c) e d), e 2, do Código Penal de 1995.

(Note-se que, do nosso ponto de vista, o dis-posto no n.º 4 do artigo 156.º do Código Penal de1982, não consubstancia qualquer regra especialem matéria de concurso de infracções. Daí a nãoautonomização das ofensas à integridade físicasimples — crime que, aliás, estaria amnistiadopelo artigo 1.º, alínea a), da Lei n.º 15/94, de 11de Maio —, por estarem tipicamente associadasà violência.

E note-se, ainda, que, apesar de interposto,apenas, por um dos dois arguidos, o recurso apro-

veita ao não recorrente, por não se fundar emmotivos estritamente pessoais e o caso ser deco-autoria material — cfr. artigo 402.º, n.º 2, doCódigo de Processo Penal.)

2. Da determinação das penas

Dispõe o artigo 40.º do Código Penal de 1995que a aplicação de penas visa a protecção debens jurídicos e a reintegração social do agente(n.º 1) e que em caso algum a pena pode ultrapas-sar a medida da culpa (n.º 2).

Do nosso ponto de vista, deve entender-seque, sempre que e tanto quanto for possível,sem prejuízo da prevenção especial positiva e,sempre, com o limite imposto pelo princípio daculpa — nulla poena sine culpa —, a funçãoprimordial da pena consiste na protecção de bensjurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos com-portamentos danosos dos bens jurídicos.

A culpa, salvaguarda da dignidade humana doagente, não sendo o fundamento último da pena,define, em concreto, o seu limite máximo, abso-lutamente intransponível, por maiores que se-jam as exigências de carácter preventivo que sefaçam sentir. A prevenção especial positiva, po-rém, subordinada que está à finalidade principalde protecção dos bens jurídicos, já não temvirtualidade para determinar o limite mínimo; este,logicamente, não pode ser outro que não o mí-nimo de pena que, em concreto, ainda, realiza,eficazmente, aquela protecção.

[Poderia objectar-se que esta concepção abre,perigosamente, caminho ao terror penal. Uma talobjecção, porém, ignoraria, para além do papeldecisivo reservado à culpa, que, do que se trata,é do direito penal de um estado de direito sociale democrático, onde quer a limitação do juspuniendi estatal, por efeito da missão de exclu-siva protecção de bens jurídicos, àquele atri-buída (a determinação do conceito material debem jurídico capaz de se opor à vocação totalitá-ria do Estado continua sendo uma das preocupa-ções prioritárias da doutrina; entre nós, FigueiredoDias — que, como outros prestigiados autores,entende que, na delimitação dos bens jurídicoscarecidos de tutela penal, haverá que tomar-se,como referência, a própria lei fundamental —propõe a seguinte definição: «unidade de aspec-tos ônticos e axiológicos, através da qual se ex-

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127 Direito PenalBMJ 500 (2000)

prime o interesse, da pessoa ou da comunidade,na manutenção ou integridade de um certo esta-do, objecto ou bem em si mesmo socialmenterelevante e por isso valioso» — cfr. «Os novosrumos da política criminal», Revista da Ordemdos Advogados, ano 43.º, 1983, pág. 15) e osprincípios jurídico-penais da lesividade ou ofen-sividade, da indispensabilidade da tutela penal,da fragmentaridade, subsidariedade e da propor-cionalidade, quer os próprios mecanismos dademocracia e os princípios essenciais do Estadode direito são garantias de que, enquanto de di-reito, social e democrático, o Estado não poderáchegar ao ponto de fazer da pena uma arma que,colocada ao serviço exclusivo da eficácia pela efi-cácia do sistema penal, acabe dirigida contra asociedade. Depois, prevenção geral, no Estadode que falamos, não é a prevenção estritamentenegativa ou de pura intimidação. Um direito pe-nal democrático que, por se apoiar no consensodos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fun-damentais da colectividade tem de, pela mesmarazão, colocar a pena ao serviço desse senti-mento jurídico comum; isso significa que ela nãopode ser aplicada com o único objectivo de inti-midar de tal forma os potenciais delinquentesque os leve a abster-se de cometer crimes — casoem que a intimidação não tem outro limite quenão seja o necessário à consecução de tal finali-dade — mas que, também e acima de tudo, devedar satisfação às exigências da consciência jurí-dica colectiva. Ora, dizer que a intimidação dapena preventiva geral tem de ser conforme aosentimento jurídico comum é o mesmo que dizerque ela tem de limitar-se ao necessário para res-tabelecer a confiança geral na validade da normaviolada e, em última análise, na própria ordemjurídica. A pena não perde a sua função (nega-tiva) intimidatória mas esta subordina-se àquelaoutra, socialmente positiva ou integradora: a pre-venção geral é já, predominantemente, positivaou de integração.)

Enfim, devendo proporcionar ao condenado apossibilidade de optar por comportamentos al-ternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena deviolação intolerável da sua dignidade, lhe impor ainteriorização de um determinado sistema de va-lores), a pena tem de responder, sempre, positi-vamente, às exigências da prevenção geral deintegração.

Ora, se, por um lado, a prevenção geral posi-tiva é a finalidade primordial da pena e se, poroutro, esta nunca pode ultrapassar a medida daculpa, então, parece evidente que — dentro,claro está, da moldura legal — a moldura da penaaplicável ao caso concreto («moldura de preven-ção») há-de definir-se entre o mínimo imprescin-dível à estabilização das expectativas comu-nitárias e o máximo que a culpa do agente con-sente; entre tais limites, encontra-se o espaçopossível de resposta às necessidades da sua rein-tegração social.

A medida das penas determina-se em funçãoda culpa do arguido e das exigências da preven-ção (artigos 72.º, n.º 1, do Código Penal de 1982e 71.º, n.º 1, do Código Penal de 1995), atenden-do-se a todas as circunstâncias que, não fazendoparte do tipo de crime, deponham a favor oucontra ele (n.os 2 dos mesmos dispositivos).

No caso concreto, as exigências de prevençãogeral positiva — especialmente prementes por-que crimes como os dos autos, potenciando aideia de que as ruas são cada vez menos seguras,geram grande intranquilidade social — só se sa-tisfazem com uma pena de prisão efectiva que sesitue para além do ponto médio da moldura apli-cável (desnecessária, todavia, a multa cumula-tiva prevista no artigo 156.º, n.º 1, do CódigoPenal de 1982)

O crime é punível, repete-se, tanto pelo Có-digo Penal de 1982 (vigente à data da sua prática)como pelo Código Penal de 1995, pelo que, dosdois, há que aplicar o regime que, em concreto, semostre mais favorável aos arguidos (cfr. artigo2.º, n.º 4).

A moldura legal do crime tentado de coacção éde 1 a 16 meses de prisão, segundo o regime doCódigo Penal de 1982 (cfr. artigos 40.º, n.º 1,160.º, n.º 1, 23.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1), e de 1 mês a2 anos de prisão, segundo o do Código Penal de1995 [cfr. artigos 41.º, n.º 1, 154.º, n.º 1, 23.º,n.º 2, e 73.º, n.º 1, alínea a)].

Assim, ponderando, por um lado:

— O elevado grau de ilicitude do facto (osarguidos forçaram fisicamente a vítima, para,contra a sua vontade, a fazerem entrar no auto-móvel e, nele, a transportarem) e o seu modo deexecução (socos na cabeça e no rosto e puxandoa vítima pelos braços);

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128 BMJ 500 (2000)Direito Penal

—A gravidade das consequências (a ofendidaficou apavorada, sofreu dores e lesões físicas quedeterminaram doença e incapacidade para o tra-balho por três dias);

— O dolo directo, a audácia (praticaram osfactos, cerca das 21 horas, de um dia de Maio,numa das ruas de um aglomerado populacional)e a superioridade (em razão do número) dos ar-guidos em relação à ofendida;

— O arguido Agostinho, ora recorrente, teveuma participação mais activa do que o seu co--arguido, no que respeita às violências físicas queforam exercidas sobre a vítima e nenhum dosdois revelou arrependimento sincero;

— O arguido Silvino tem um condenação emjuízo anterior por crimes de dano e introduçãoem casa alheia;

e, por outro, que:

— O ora recorrente tinha 30 anos de idade,está habilitado com a 4.ª classe, trabalha comosubempreiteiro da construção civil, vive em casaprópria, com uma companheira, aufere cerca de80 000$00 a 100 000$00 mensais, não tem ante-cedentes criminais e, na audiência de julgamento,confessou ter agredido a ofendida no rosto (em-bora dizendo que só o fez com duas bofetadas);

— O arguido Silvino de Morais tinha 40 anosde idade, é funcionário público, vive em casa pró-pria, com a mulher — que explora um estabeleci-mento de café, por conta própria — e três filhos,auferia, líquidos, cerca de 90 000$00 mensais eandava em tratamento médico de uma neuroseansiosa grave e de desintoxicação alcoólica;

julga-se que a moldura de prevenção se define,para ambos os arguidos, entre os 10 e os 12 me-ses de prisão, no regime do Código Penal de 1982,e entre os 16 e os 18 meses de prisão, no doCódigo Penal de 1995.

Não se justificando a aplicação de penas dis-tintas (a aparente vantagem do recorrente, peloseu comportamento processual e ausência depassado criminal, é neutralizada pela referidamaior participação física activa na execução dosfactos) e tendo em consideração que nenhum dosarguidos evidencia particulares carências de so-cialização, que nada indicia que o facto seja frutode qualquer inclinação para o crime, e, por fim,que devem ser minimizados, tanto quanto possí-

vel, os efeitos deletérios e criminógenos da pri-são, conclui-se que a medida concreta das penasse deve fixar em 11 meses de prisão, aplicando oregime do Código Penal de 1982, e em 17 mesesde prisão, aplicando o do Código Penal de 1995.

Por se revelar, em concreto, mais favorávelaos arguidos, é o do Código Penal de 1982 oregime que, em obediência ao citado artigo 2.º,n.º 4, será aplicado.

O recorrente sustenta, também, que a exe-cução da sua pena deve ser suspensa. Não temrazão, pois, torna-se por demais evidente que asimples censura do facto e a ameaça da prisão,bastando, provavelmente, para o afastar da cri-minalidade, frustaria, de forma socialmente into-lerável, as expectativas comunitárias na validadedas normas violadas, o que é o mesmo que dizernão realizaria a finalidade da prevenção geralpositiva.

Continua a haver lugar à aplicação do perdãodecretado pela Lei n.º 15/94, de 11 de Maio.

Termos em que, pelas razões expostas, dandoparcial provimento ao recurso e fazendo-o apro-veitar ao não recorrente, nos termos do artigo402.º, n.º 2, alínea a), do Código de ProcessoPenal), acordam em:

a) Revogar a decisão recorrida, na parte emque condena os arguidos Agostinho JoséLopes e Silvino de Morais, como co-au-tores de um crime de sequestro, previstoe punido pelo artigo 158.º, n.º 1, do Có-digo Penal de 1995, nas penas de 2 anos e6 meses de prisão e 2 anos e 9 meses deprisão, respectivamente;

b) Absolver ambos os arguidos do crime ten-tado de sequestro, previsto e punido pe-los artigos 160.º, n.os 1 e 2, alíneas b) e g),22.º, n.º 2, alíneas b) e c), 23.º, n.os 1 e 2, e74.º do Código Penal de 1982, por queforam acusados;

c) Condenar ambos os arguidos, como co--autores materiais de um crime tentadode coacção simples, previsto e punidopelas disposições combinadas dos arti-gos 156.º, n.os 1 e 2, 22.º, n.os 1 e 2, alí-nea b), 23.º, n.os 1 e 2, e 74.º, n.os 1, alí-neas c), d) e e), e 2, do Código Penal de1982, cada um deles, na pena de 11 mesesde prisão;

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129 Direito PenalBMJ 500 (2000)

d) Declarar integralmente perdoadas, aoabrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 1,alínea d), da Lei n.º 15/94 e sob a condiçãoresolutiva estabelecida no artigo 11.º domesmo diploma, as penas agora aplica-das;

c) Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.

Por ter decaído em parte, custas pelo recor-rente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Leonardo Dias (Relator) — Virgílio Oliveira —Mariano Pereira — Flores Ribeiro.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 7 de Outubro de 1996 do tribunal colectivo da 1.ª Vara Mista de Sintra, processon.º 174/93.

I — Sobre a questão tipificada e no mesmo sentido, cfr. Comentário Conimbricence do CódigoPenal, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, parte especial, tomo I, págs. 408 e 409, e ainda acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1990, Colectânea de Jurisprudência, ano XV,tomo IV, pág. 21, de 21 de Junho de 1995, processo n.º 47 277, 3.ª Secção, de 24 de Maio de1995, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo II,pág. 210.

II e III — Em sentido idêntico, veja-se obra acima citada, pág. 413.(I. S. M.)

Homicídio privilegiado — Compreensível emoção violenta

Age com compreensível emoção violenta, sendo assim os factos integráveis no ar-tigo 133.º do Código Penal, aquele que agride deliberadamente outro com um machado,causando-lhe a morte, depois de a vítima o ter ameaçado com uma arma de fogo apon-tada e de o ter perseguido após ele a ter desarmado, infligindo-lhe pancadas que acaba-ram por fazer perder ao arguido o controlo emocional, descontrolo esse motivado tambéme principalmente pelo facto de a vítima ter mantido e persistir em manter relações sexuaiscom a sua própria filha, namorada do arguido, que aliás a vítima surpreendera deitadacom o arguido, o que motivara a fúria da vítima.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 25 de Outubro de 2000Processo n.º 2350/2000

ACORDAM na 3.ª Secção do Supremo Tri-bunal de Justiça:

No Tribunal Judicial da Comarca de Figueiródos Vinhos respondeu, em processo comume perante o tribunal colectivo, o arguido LuísMiguel Teixeira Freire Rodrigues Baião com os

sinais dos autos, a quem o Ministério Públicoimputou a prática de um crime de homicídio qua-lificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e132.º, n.º 2, alíneas g) e h), do Código Penal

Célia Maria Santos Teixeira constituiu-se as-sistente nos autos e deduziu pedido de indemni-zação contra o arguido, requerendo a condenaçãodeste a pagar-lhe a quantia de 14 500 000$00.

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130 BMJ 500 (2000)Direito Penal

O arguido contestou a acusação e o pedidocível.

Realizada a audiência de discussão e julga-mento, veio o arguido a ser condenado na penade 4 anos de prisão pela prática de um crime dehomicídio privilegiado, previsto e punido no ar-tigo 133.º do Código Penal, e a pagar à assistentea quantia de 3 000 000$00 e juros, sendo absol-vido do mais peticionado.

Com esta decisão não concordaram nem oMinistério Público nem a assistente e daí o te-rem interposto recurso para este Supremo Tri-bunal, que, por seu acórdão de fls. 378, atribuiucompetência para o julgar ao Tribunal da Rela-ção de Coimbra.

Este Tribunal da Relação, por seu acórdão defls. 394 e seguintes veio a rejeitar o recurso daassistente na parte relativa às invocadas contra-dições e omissões e à acção civil, negando, nomais, provimento aos recursos, confirmando-seo acórdão recorrido.

Não se conformou, uma vez mais, a assis-tência e daí o ter interposto recurso para esteSupremo Tribunal do acórdão do Tribunal daRelação.

Da motivação apresentada extraiu a recor-rente as seguintes conclusões:

«1 — O recurso da assistente, apresentado naRelação, encontra-se motivado, pelo que não de-veria ter sido rejeitado, mas sim apreciado e deci-dido.

2 — O arguido teve intenção de matar a vítima.3 — O instrumento utilizado é um instru-

mento particularmente perigoso.4 — O arguido não actuou sob impulso de

emoção violenta compreensiva.5 — Não há relação de proporcionalidade en-

tre o facto pesado de emoção e a conduta doarguido.

6 — Os factos enquadram-se jurídico-penal-mente nos artigos 131.º e 132.º, alínea g), do Có-digo Penal, punível com pena de 12 a 25 anos.

7 — Por erro de interpretação e ou aplicação,foram violados os comando legais previstos nosartigos 71.º, 131.º, 132.º, alínea g), e 133.º do Có-digo Penal e artigos 414.º, n.º 2, 401.º, n.º 1, alí-neas b) e c), do Código de Processo Penal.

Deve o recurso merecer provimento, revogan-do-se o douto acórdão recorrido e substituído

por outro que condene o arguido pela prática decrime de homicídio qualificado, previsto e pu-nido nos artigos 131.º e 132.º, alínea g), do Có-digo Penal e julgue procedente o pedido de indem-nização civil.»

Respondendo à motivação, quer o MinistérioPúblico quer o arguido defendem a improcedên-cia do recurso com a consequente manutençãodo decidido.

Neste Supremo Tribunal a Ex.ma Procuradora--Geral Adjunta teve visto dos autos e foi profe-rido o despacho preliminar.

Colhidos os vistos, realizou-se a audiênciaoral.

Nas doutas alegações que produziu a Ex.ma Pro-curadora-Geral Adjunta defendeu a correcta qua-lificação jurídica dos factos provados, bem comoa pena aplicada, pelo que deve ser mantida adecisão recorrida.

Por sua vez, a Ex.ma Defensora Oficiosa, nalinha do defendido pelo Ministério Público, en-tendeu ser de confirmar a decisão recorrida.

Cumpre agora decidir.

Da discussão da causa e com interesse para asua decisão resultaram provados, apenas, os se-guintes factos:

1.°) A assistente e demandante cível é a únicafilha de Evangelista Almeida Teixeira, o qual fa-leceu no dia 7 de Abril de 1999, no estado deviúvo, sem qualquer testamento ou outra dispo-sição de última vontade, sucedendo-lhe aquelafilha como sua única e universal herdeira;

2.°) O arguido mantinha com a assistente, em7 de Abril de 1999 e desde finais de 1998, contraa vontade de Evangelista Teixeira, um relaciona-mento de namoro, mantendo com ela, por diver-sas vezes, relações sexuais, inclusivamente emcasa da avó do arguido, tendo este as mais sériasintenções para com a assistente, estando no seuespírito casar com ela, tomar-se como pai dafilha que ela já tinha e com todos constituir fa-mília;

3.°) A Célia foi mãe uma única vez, com aidade de 16 anos, tendo engravidado aos 15 anos,vivendo a Célia, a sua filha e o pai da primeira namesma casa, propriedade deste último;

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131 Direito PenalBMJ 500 (2000)

4.°) A Célia manteve, por mais de uma vez econtra a sua vontade, relações sexuais com seupróprio pai, obrigada por este, sendo certo quecerca de duas semanas antes de 7 de Abril de1999 o pai da Célia persistiu em manter com elarelações sexuais, não tendo sido possível apurarse logrou alcançar os seus propósitos;

5.°) O referido Evangelista era, na sua vidafamiliar, pessoa quezilenta e violenta, batendoamiúde na sua esposa, enquanto foi viva, e mesmona assistente e na filha desta, de tal forma que,por mais de uma vez, a esposa dele, a assistentee a filha desta se viram obrigadas a fugir de casado Evangelista, refugiando-se em casa de vizi-nhos e amigos, entre os quais se contava a avó doarguido, o qual, por isso mesmo, tinha conheci-mento de que o Evangelista sovava a sua esposa,a assistente e a filha desta;

6.º) A Célia sempre avisou o arguido de que opai, a vítima Evangelista, não via com bons olhoso seu relacionamento amoroso, não apenas comele, mas com qualquer outro homem, pois quetinha ciúmes dela, opondo-se a que sua filha serelacionasse sentimental e sexualmente com ou-tro homem que não fosse ele próprio;

7.°) Por isso, o arguido e a Célia encontra-vam-se fugazmente, aproveitando e controlandoas ausências do pai dela;

8.°) E foi o que aconteceu no dia 7 de Abril de1999;

9.°) Nesse dia, por volta da hora do almoço,aproveitando a ausência do Evangelista, que seencontrava a trabalhar nos pinhais, o arguido foia casa dele, sita em Avelais, Arega, Figueiró dosVinhos, onde a Célia e sua filha se encontravam,tendo almoçado juntos, após o que a Célia e oarguido foram para o quarto dela, onde manti-veram relações sexuais, sabendo ambos que oEvangelista estava a trabalhar para os pinhais;

10.º) Cerca das 15 horas, quando aí se encon-travam, o arguido e a Célia foram surpreendidospela súbita chegada do pai dela, que, inesperada-mente, regressou a casa, em virtude de momen-tos antes se ter ferido na mão esquerda no seutrabalho, tendo-se dirigido a sua casa para ir bus-car um documento necessário para ser assistidono centro de saúde;

11.°) Ao pressentirem o Evangelista, a Céliaescapuliu-se para o tanque de lavar roupa, pre-tendendo desviar as atenções do pai e tentando

evitar que este detectasse a presença do arguido,e este, sem tempo para mais nada, nem sequerpara se vestir da cinta para baixo, nem calçar-se,escondeu-se debaixo da cama;

12.°) O Evangelista descobriu ali o arguido e aprimeira coisa que fez foi pegar nas calças doarguido e atirá-las pela janela fora, janela essaque se pode visualizar na fotografia de fls. 16(janela aberta, localizada mais à direita, por cimade uma porta com um portão azul), tendo ascalças caído nas imediações do portão azul, quepode ser visualizado na fotografia de fls. 16;

13.°) Logo após ter sido descoberto, o ar-guido procurou sair debaixo da cama, para fugire, assim, evitar o confronto físico com o Evange-lista, sendo certo que nessa ocasião, estando oarguido, ainda, com parte do corpo debaixo dacama, o Evangelista agrediu-o a pontapé, comum sapato, no lábio superior, ferindo-o;

14.°) Apesar disso, o arguido conseguiu sairdebaixo da cama, sendo que ele e a vítima aca-baram por se agarrar um ao outro, tentando oarguido fugir, enquanto o Evangelista batia noarguido, a soco, a pontapé e pisando-lhe os pés,ao mesmo tempo que, aos gritos e em estado degrande exaltação, ameaçava que iria matar o ar-guido e a filha Célia;

15.°) O arguido procurou, nessa altura, acal-mar o Evangelista, dizendo-lhe que gostava daCélia e que queria casar com ela, objectivo quenão logrou alcançar, já que a exaltação e nervo-sismo do Evangelista cresciam cada vez mais, aponto de, a certa altura, ter pegado numa peça dedecoração em plástico que estava pendurada naparede e arranhou com ela o arguido, no braçoesquerdo;

16.°) Uma vez que o arguido logrou retirar--lhe essa peça de plástico e porque o seu estadode exaltação e fúria não pararam de crescer, oEvangelista saiu do quarto da Célia e foi buscaruma espingarda que se encontrava no quarto dele,ao lado do quarto da Célia onde a cena se desen-rolara até ao momento, arma essa que mostraexaminada a fls. 6 e que a vítima procurou apon-tar na direcção do arguido;

17.°) Munido dessa arma, o Evangelista amea-çou o arguido, dizendo que o matava, sendo certoque este, enfrentando-o, conseguiu tirar-lhe aespingarda da mão e atirou-a para cima da arcavisível na fotografia inferior de fls. 14, tentando

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132 BMJ 500 (2000)Direito Penal

o Evangelista retomá-la, o que não logrou, por aisso o arguido se ter oposto;

18.°) Por causa da actuação do Evangelistaaté agora descrita, o arguido passou a estar domi-nado por um sentimento de nervosismo e de re-ceio de que o Evangelista atentasse contra a suavida e ou a da Célia;

19.°) Vendo-se impossibilitado de retomar aarma e pressentindo que o arguido se propunhafugir, o Evangelista investiu de novo contra oarguido, agarrando-se ao mesmo, passando o ar-guido e o Evangelista a lutar um com o outro, jáno patamar das escadas, que poderão ser visua-lizadas na fotografia inferior de fls. 13, repetindoo Evangelista, constantemente, que matava o ar-guido e a Célia;

20.º) Nessa ocasião, face às agressões físicasque o Evangelista já lhe tinha infligido e se pro-punha continuar a infligir-lhe, considerando asameaças de morte que o Evangelista lhe dirigia,atendendo ao facto de saber que o Evangelistapersistia na intenção de manter relações sexuaiscom a sua própria filha, namorada do arguido,sabendo que o Evangelista sovava violentamentea Célia e filha desta, vendo-se impossibilitado dese livrar do Evangelista sem o agredir, já que esteo não largava, o arguido perdeu totalmente o con-trolo emocional sobre si próprio, exaltou-se emo-cional e gravemente e, dominado por esse estadode grande e grave exaltação, o arguido empurroucom força o Evangelista pelas referidas escadasabaixo, com vista a livrar-se dele, e, em seguida,vestir as calças, calçar-se e fugir, tendo o Evan-gelista caído de costas, aos rebolões, após o queficou caído e estendido de costas para baixo, nosolo, junto ao último degrau dessas escadas,junto à porta existente ao lado desse degrau e queigualmente poderá ser vista na fotografia inferiorde fls. 13, ficando a padecer de dores;

21.°) Logo de seguida, o arguido desceu essasescadas para ir buscar as calças que o Evangelistatinha deitado pela janela e que estavam próximasdo Evangelista, tendo em vista vestir-se, poste-riormente calçar-se, e fugir;

22.°) Quando passava junto ao Evangelista,este, apesar de estar com dores, fez menção decontinuar a luta e impedir a fuga do arguido, ten-do-se agarrado a uma das pernas do arguido, apóso que pontapeou o arguido, facto que ainda maisagravou o estado de descontrole emocional e

exaltação do arguido, o qual se viu, assim, im-possibilitado de ir buscar as suas calças e de selivrar definitivamente da situação sem voltar aconfrontar-se com a vítima;

23.°) Foi então que o arguido, dominado pelodescontrolo e exaltação acabados de referir,actuando com intenção de agredir a vítima, des-feriu três socos na parte de trás da cabeça doEvangelista, socos esses que agravaram as doresreferidas no ponto 20.º), e como, mesmo assim,o Evangelista ainda persistisse em continuar aimpedir a fuga do arguido e em agredi-lo, dirigiu--se o arguido a uma arrecadação da residência doEvangelista, sita ao fundo das escadas, do ladoesquerdo para quem desce essas escadas, cujaporta de entrada poderá ser visualizada nas foto-grafias inferiores de fls. 13 e 15, daí retirou ummachado, com 11,5 cm de largura, 23 cm de al-tura, 4 cm de espessura e um cabo em madeiracom 93 cm de comprimento, conforme auto defls. 5, que aqui se dá por reproduzido;

24.°) E, agarrando na mão o machado, pelocabo, aproximou-se, de novo, da vítima e desfe-riu-lhe, com violência e com intenção de a moles-tar fisicamente, vários golpes sucessivos com alâmina do machado, de cima para baixo, em nú-mero não inferior a três, sendo-lhe indiferente azona do corpo da vítima que viesse a ser atin-gida, acabando por atingi-la na cabeça, nos mem-bros superiores e inferiores, causando-lhe umsofrimento físico e psíquico atroz, até ao mo-mento em que a vítima ficou inconsciente, ape-sar do que o Evangelista não morreu logo, tendoainda sido levado com vida para o Hospital dosCovões, em Coimbra;

25.°) Como consequência, directa e neces-sária, de tal agressão o Evangelista Almeida Tei-xeira sofreu os ferimentos e as lesões descritos eexaminados no relatório de autópsia de fls. 112e seguintes, que aqui se dá por integralmentereproduzido para todos os efeitos, designada-mente dois esfacelos, um com 10 cm de compri-mento e outro com 7,5 cm de comprimento por2,5 cm e meio de afastamento de bordos, no ladodireito da cabeça, um terceiro esfacelo no mem-bro superior direito com 7,5 cm de comprimentopor 2,5 cm de afastamento de bordos, uma feridaincisa, com 1,5 cm de comprimento por 0,5 cm,na cabeça, outra ferida incisa no membro inferioresquerdo com 3,5 cm de comprimento por 1 cm,

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133 Direito PenalBMJ 500 (2000)

e, consequentemente, lesões traumáticas crânio--meningo-encefálicas (laceração cerebral com fo-cos de contusão cerebrais, edema cerebral, hemor-ragias subdural e subaracnoideia, fracturas daabóbada, base e face), bem como lesão traumáticado membro superior direito (fractura do cúbitodireito), as quais lhe determinaram a morte;

26.°) Com a conduta acima descrita, apesarde não ter intenção de matar a vítima, o arguidosabia que podia atingir zonas vitais da vítima eque lhe poderia causar a morte, apesar do que aagrediu nos termos referidos, conformando-secom a morte da vítima que daí poderia resultar;

27.°) O arguido sabia, ainda, que o machado,pelas suas características cortantes e contunden-tes, pela forma como foi utilizado, com golpesrepetidos e violentos, bem como pelas regiõesdo corpo que podia atingir e efectivamente atin-giu, era um meio susceptível de causar as lesõesreferidas, provocando a morte, e que deixava avítima particularmente incapaz de se defender,com tudo isso se tendo conformado;

28.°) Actuou sempre de forma livre, voluntá-ria e consciente, sabendo que a sua conduta eraproibida e punida por lei;

29°) Após desferir os golpes com o machado,o arguido largou-o na aludida arrecadação, ondeveio a ser encontrado, nos termos melhor do-cumentados na fotografia inferior de fls. 15;

30.º) Imediatamente a seguir, sem socorrer avítima por qualquer forma, o arguido vestiu ascalças, calçou os sapatos e fugiu num ciclomotorde sua pertença, com direcção a uma casa de suamãe sita em Zambujal, com o objectivo de telefo-nar a sua mãe e pô-la ao corrente do que se pas-sava, o que não conseguiu, dado que quando paraela telefonou, entre as 16 e 17 horas, a mesmanão se encontrava em casa, acabando por sercapturado naquela casa de sua mãe, pela GNR,sem qualquer espécie de oposição ou resistência;

31.°) Durante todo envolvimento entre o ar-guido e a vítima, o arguido esteve sempre des-calço e nu, ao menos da cintura para baixo;

32.°) Até ao momento em que empurrou oEvangelista pelas escadas abaixo, o arguido sópensou em fugir e escapar-se aos momentos crí-ticos que vivia, tendo, por isso e até esse mo-mento, tentado acalmar, repelir, afastar e afas-tar-se do agressor;

33.°) A vítima era conhecida no meio onderesidia, incluindo pelo arguido, como pessoa queno seu meio familiar tinha feitio irascível e muitoviolento, sendo, pelos menos no relacionamentocom sua esposa, filha e neta, pessoa com baixosprincípios e de mau carácter;

34.°) Teve relações sexuais com a mãe da Célia,quando aquela tinha apenas 12 ou 13 anos;

35.°) Opunha-se a qualquer namoro da Célia,tendo ciúmes violentos de quem quer que dela seaproximasse, pois já mantivera e pretendia con-tinuar a manter relações sexuais com a própriafilha, tendo sido nestas circunstâncias que, oca-sionalmente, a Célia conheceu o arguido, o qual,arrostando com toda a oposição que de imediatopressentiu, resolveu arrostar com a situação enamorá-la, o que a Célia aceitou, tendo preve-nido sempre o arguido acerca da personalidadedo pai e dos cuidados que tinham de ter para elenão desconfiar da sua relação;

36.°) O arguido relatou os factos em que seviu envolvido de forma basicamente coincidentecom a descrição que deles se fez nos pontos 1.º)a 24.º) e 26.º) a 32.º);

37.°) É um jovem de esmerada educação, bomcarácter, com exemplar comportamento e pos-tura ao longo da sua vida, mesmo depois de seencontrar detido preventivamente no estabele-cimento prisional, calmo, educado e respeitador;

38.°) No Brasil frequentava a UniversidadeGama Filho, do Rio de Janeiro, onde cursavaBiologia;

39.°) Não tem qualquer antecedente criminal;40.º) É um jovem afectivamente carenciado,

sempre teve hábitos de trabalho, antes de se en-contrar detido, beneficiando de apoio familiar;

41.°) O arguido trabalha no EPRC, desde quese encontra detido, como faxina do refeitório;

42.°) Ficou extraordinariamente amarguradocom o ocorrido e está profundamente arrepen-dido por ter praticado os factos de que resulta-ram a morte da vítima Evangelista;

43.°) O Evangelista sustentava a assistente,mãe solteira, e a filha desta, de 4 anos de idade, asquais dele dependiam em absoluto, proporcio-nando-lhes o Evangelista alimentação, casa e ves-tuário, em troco do que exigia à Célia que estacuidasse das lides domésticas e dos trabalhosagrícolas, posto que a mesma não desempenhavaqualquer actividade remunerada por conta de ter-

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134 BMJ 500 (2000)Direito Penal

ceiros, sendo ela pessoa com um atrasado e muitobaixo nível intelectual;

44.°) Durante todo o tempo que demorou oconfronto entre a vítima e o arguido, a Célia nãoreagiu, não tentou evitar fosse o que fosse, tudodevido a ter receio que seu pai a agredisse;

45.°) Após a detenção do arguido, a Célia foivisitá-lo à prisão a Coimbra, pelo menos trêsvezes, após o que, subitamente, deixou de ir visi-tar o arguido;

46.°) Em Junho de 1999 a assistente Céliavoltou a relacionar-se com outro homem, um talMário, coveiro de profissão, tendo passado aviver com ele maritalmente, em condições ab-solutamente análogas às dos cônjuges, sendo omesmo Mário quem, desde então, passou a cus-tear as despesas com alimentação, saúde, ves-tuário e educação da assistente e filha desta, comeles convivente, não tendo a assistente qualqueremprego remunerado, limitando-se a cuidar daslides domésticas;

47.°) A assistente Célia herdou a totalidadeda herança de seu pai, constituída pelos bensimóveis e depósitos em dinheiro que se encon-tram melhor identificados na relação de bens cer-tificada a fls. 230 a 232;

48.°) Em consequência da queda pelas esca-das a baixo, dos socos que lhe foram desferidospelo arguido e dos golpes com o machado quesofreu, a vítima Evangelista sofreu intensas edolorosas dores físicas e psíquicas;

49.°) A partir do momento em que o arguidose muniu do machado e passou a golpear a vítimae até que esta ficou inconsciente, ela viveu mo-mentos de verdadeiro pavor, sentindo-se o Evan-gelista completamente indefeso e totalmenteincapaz de contrariar a actuação do arguido e orumo dos acontecimentos, tendo mesmo tomadoconsciência da extensão e gravidade dos feri-mentos que lhe estavam a ser ocasionados peloarguido e de que, por causa deles, poderia vir afalecer , facto que lhe provocou grande angústia eagravou o seu sofrimento;

50.º) O Evangelista era um homem activo,muito trabalhador, poupado, sem vícios ou hábi-tos de gastador, com gosto pela vida, aparentavaser saudável e robusto, não lhe sendo conhecidosantecedentes médicos ou cirúrgicos;

51.°) No dia 7 de Abril de 1999, trabalhavapor conta de outrem, como fazia sempre que tal

lhe era proporcionado, no descasque e desrami-ficação de árvores previamente abatidas por ter-ceiros, auferindo quantia que não foi possívelapurar;

52.°) Dadas as suas limitações intelectuaise cognitivas, a sua simplicidade e ingenuidade, aassistente nem sequer conseguiu concluir a4.ª classe;

53.°) O arguido tinha compleição física supe-rior à da vítima, sendo maior a agilidade e des-treza daquele, quando comparadas com as desta,o que era do conhecimento do arguido e da vítimaEvangelista;

54.°) O arguido foi sujeito a primeiro interro-gatório judicial de arguido detido, constando orespectivo auto de fls. 18 a 33 dos autos.

Não se provaram quaisquer outros factos.

Em particular, não se provou que:

a) Em virtude da queda referida no ponto20.º) dos factos provados, o Evangelistatenha ficado com ferimentos na partedetrás da cabeça (artigo 8.° de fls. 121;artigo 8.° de fls. 141 v.º e 24.° de fls. 142verso);

b) O arguido tivesse actuado com intenção eo propósito determinado de tirar a vidaao Evangelista, ao munir-se do machado eao golpear com ele o Evangelista (artigo10.° de fls. 121 e artigo 10.° de fls. 141 v.ºartigo 56.° de fls. 144 v.º);

c) O arguido tivesse procurado atingir, es-pecificamente, a zona da cabeça do Evan-gelista (artigo 12.° de fls. 122, artigo 12.°de fls. 141 v.º);

d) O arguido tenha procurado atingir, espe-cificamente, qualquer das zonas do corpoda vítima que foi atingida pelos golpes domachado (artigo 17.º de fls. 142);

e) O arguido queria causar a morte de Evan-gelista Almeida Teixeira (artigos 16.° defls. 123 e de fls. 142);

f) O arguido reparou num cabo de madeiraque se encontrava encostado a um pipo, àentrada de uma loja, ao fundo das esca-das, e pegando nele desferiu instantanea-mente três pancadas no Evangelista (ar-tigo 27.° de fls. 200 v.º);

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135 Direito PenalBMJ 500 (2000)

g) Tenha corrido o boato de que o pai daCélia fosse o pai da filha desta e que ofalecido Evangelista tenha desflorado («de-sonrado») a assistente quando esta tinha13 ou 14 anos de idade (artigo 7.° defls. 199 v.º e artigo 5.° de fls. 206 v.º);

h) O Evangelista tenha regressado a casa porter desconfiado e ter tentado surpreendero arguido e a Célia em flagrante e vingar-sedo arguido (artigo 13.° de fls. 199 v.º e 200);

i) O Evangelista tenha arranhado o arguidono pescoço (artigo 19.° de fls. 200) e que,por ocasião do referido no ponto 22.°)dos factos provados, o Evangelista conti-nuasse a ameaçar o arguido de que o have-ria de matar (artigo 26.° de fls. 200 v.º);

j) A circunstância referida no ponto 31.º)dos factos provados é, desde logo e sópor si, claramente inibitória e redutora dascapacidades físicas e sobretudo mentais epsíquicas de quem se vê envolvido numaluta de vida ou de morte (artigo 32.° defls. 201), transmitindo o facto de o arguidose encontrar numa sensação de inferio-ridade e um sentimento de autocastração(artigo 33.° de fls. 201);

k) Ao ser detectado pela vítima nas circuns-tâncias em que o foi, o arguido tenha fi-cado imediatamente ferido de uma afliçãoe possuído de um estado de pânico per-feitamente capazes de provocarem umaaniquilação do autocontrolo e um descar-rilamento automático e incontrolável dasfaculdades de discernir e de agir em per-feita consciência (artigo 34.° de fls. 201);

l) A vítima tenha chegado a apontar a armana direcção do arguido (artigo 35.° defls. 201 v.º);

m) A vítima Evangelista tenha ficado a pade-cer de hemorragia sanguínea (artigo 25.°de fls. 142 v.º) e que o arguido lhe tenhadesferido mais de três socos;

n) A partir do momento em que foi agarradoe pontapeado pela vítima ao fim das es-cadas [ponto 22.°) dos factos provados],o arguido só tenha continuado a pensarem fugir e escapar-se aos momentos críti-cos que vivia, tendo continuado, por isso,a tentar acalmar, repelir, afastar e afastar--se do agressor;

o) A partir do momento em que empurrou avítima pelas escadas abaixo e esta caiu, oarguido não tivesse outra forma de se pôrem fuga e de se livrar da vítima que nãofosse a de tentar pôr a vítima incons-ciente e suficientemente ferida para per-mitir a fuga (artigo 38.° de fls. 201 v.º);

p) A partir do momento em que foi agarradoe pontapeado pela vítima ao fim do dasescadas [ponto 22.°) dos factos prova-dos], o arguido não tivesse outra intençãoque não fosse a de legitimamente se livrarda vítima;

q) Após a sua queda pelas escadas abaixo avítima continuasse a ameaçar o arguido(artigo 43.° de fls. 202);

r) O arguido se tenha socorrido de um cabode madeira que se lhe deparou ali mesmoà mão de semear (artigos 44.° e 45.° defls. 202);

s) Quando pegou em tal objecto, o arguidotenha pensado que era isso mesmo, ouseja, um simples pau (artigo 46.° defls. 202), só depois se tendo apercebidode que era um cabo de um machado, es-tando cego de medo e actuando em estadode quase inconsciência, quando com elegolpeou a vítima, sendo nessa precisa al-tura movido pelo único objectivo de imo-bilizar o Evangelista e de fugir (artigo 47.°de fls. 202);

t) A vítima era uma pessoa muito forte eque, apesar da sua idade, trabalhava dia-riamente na dura actividade de abate ecorte de árvores (artigos 48.° e 49.° defls. 202);

u) Foi o Evangelista quem desonrou a pró-pria filha Célia, quando esta tinha so-mente cerca de 13 ou 14 anos de idade,correndo «bocas» na povoação de Arega,que a filha da própria Célia é tambémfilha do Evangelista, ou seja, que este épai-avô da menor Lurdes (artigo 53.° defls. 202 v.º);

v) O arguido tenha sido traumatizado pelohomicídio do seu avô e pela morte de seupai, nas circunstâncias trágicas de tersido colhido por um comboio, e que erao grande orgulho da sua mãe e da famíliaque lhe resta (artigo 58.° de fls. 203);

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136 BMJ 500 (2000)Direito Penal

w) O arguido se encontrasse em Portugalpara, em nome da mãe, tentar resolveralguns problemas relacionados com umasterras, modesta herança do seu falecidopai;

x) O arguido não fugiu, nem tentou fugir;y) A Célia nunca contactou com sua mãe, de

quem viveu sempre afastada e que nuncaa tratou como filha (artigo 3.° de fls. 206);

z) O Evangelista nunca tenha proporcio-nado à assistente qualquer educação, nemlhe permitiu que tivesse qualquer em-prego ou ocupação, reduzindo-a à condi-ção de uma verdadeira escrava;

aa) A Célia tenha dito alguma vez ao arguidoque o pai dela era capaz de os matar porser bruto e violento, mais lhe tendo ditoque o pai lhe dera pontapés na barriga,que às vezes lhe causavam dores, e que jálhe apontara a espingarda à cabeça;

bb) A Célia amasse o arguido;cc) A Célia escrevesse recadinhos, autênti-

cas cartas de amor, como as juntas aosautos com a contestação cível;

dd) A Célia tenha imaginado que fosse o ar-guido a vítima;

ee) O Evangelista andasse a dizer que matavao Luís;

ff) Durante algum tempo, a Célia tenha rece-bido e guardado várias cartas que o ar-guido lhe escreveu;

gg) Convencido de que a Célia não o visitavapor dificuldades monetárias, o arguidotenha mandado vales postais com dinheiropara a Célia, que recusou-se a recebê-los,tendo passado a devolver as cartas que oarguido lhe enviava, directamente, ou porinterposta pessoa, um tal Mário, que écoveiro;

hh) A assistente Célia tenha casado com oMário, que tenha entrado na posse dodinheiro que integra a herança de seupai, que esse dinheiro ascenda a cerca de12 000 000$00, que hoje viva desafoga-damente, muito melhor do que vivia nacompanhia de seu pai, com bens e rendi-mentos muito superiores aos que a ví-tima lhe proporcionava;

ii) O Evangelista fosse pessoa simples e boa(artigo 35.° de fls. 143), amigo, guia e con-

fidente de sua filha (artigo 46.° de fls. 144),sendo ele quem orientava a sua filha ea filha desta, sua neta (artigo 45.° defls. 144), tendo a demandante sofrido pro-funda dor e abalo psicológico com a mor-te de seu pai (artigo 44.° de fls. 144),tendo chorado chorado e ainda hoje choraa sua pouca sorte e a perda de seu pai(artigo 46.° de fls. 144), para lá de, impo-tente, ter vivido intensamente a tarde dodia 7 de Abril de 1999 (artigo 43.° defls. 143 v.º);

jj) A vítima ainda trabalharia, não fosse asua morte, durante mais seis anos, aufe-rindo diariamente, durante 22 dias úteispor mês, um salário de 6000$00 por dia,entregando a vítima à demandante doisterços do seu salário para esta fazer faceàs despesas com alimentação, vestuário,calçado, cuidados de saúde e todas as de-mais inerentes à sua pessoa;

kk) A vítima se encontrasse numa situaçãode manifesta inferioridade e desvantagem,sem qualquer hipótese de socorro, por setratar de local fechado, vedado por murocom cerca de 2 cm de altura, não havendoquaisquer outras pessoas nas redondezas(artigos 60.º e 61.º de fls. 144 v.º e 145);

ll) O arguido tivesse sido movido por senti-mentos de pura e requintada malvadez eódio (artigo 57.° de fls. 144 v.º);

mm) No dia 7 de Abril de 1999, antes de re-gressar a casa, o Evangelista tivesse es-tado a trabalhar noutra actividade dife-rente da indicada no ponto 51.°) dos fac-tos provados (artigo 36.° de fls. 143 v.º);

nn) A gravidez da Célia referida no ponto 3.°)dos factos provados tivesse sido fruto derelacionamento indesejado;

oo) A fuga referida no ponto 30.°) tenha ocor-rido por causa de o arguido estar cheio deterror pelo sucedido e de temor pelasconsequências que lhe poderiam advir;

pp) Para lá das declarações prestadas em pri-meiro interrogatório judicial de arguido de-tido e em audiência de julgamento, o ar-guido tenha prestado, com a maior dispo-nibilidade e franqueza, qualquer outra co-laboração às entidades judiciais e policiaisencarregues da tramitação destes autos.

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137 Direito PenalBMJ 500 (2000)

De acordo com o disposto no artigo 433.º doCódigo de Processo Penal, sem prejuízo do dis-posto no artigo 410.º, n.os 2 e 3, o recurso inter-posto para o Supremo Tribunal de Justiça visaexclusivamente o reexame da matéria de direito.

É pacífica a jurisprudência deste SupremoTribunal de Justiça no sentido de que o âmbitodo recurso se define pelas conclusões que os re-correntes extraiem da respectiva motivação, semprejuízo contudo das questões de conhecimentooficioso.

Relativamente à questão posta na conclusãoprimeira, dir-se-á, desde já, que a recorrente nãotem qualquer razão.

Se tivermos presente as conclusões apresen-tadas pela recorrente no recurso que interpôs doacórdão proferido na 1.ª instância — transcritasno acórdão do Tribunal da Relação a fls. 396 —,vê-se que aquela conclusão nada diz de útil,tendo em linha de conta o exigido por lei — artigo412.º do Código de Processo Penal. Com efeito,nela se diz: «o julgamento deve ser anulado erepetido para maior e melhor indagação dosfactos e sanação das contradições e omissõesverificadas».

Ora isto, salvo o devido respeito, é não cum-prir o que a lei impõe e daí que não restasse outrasolução ao Tribunal da Relação que não fosse ode rejeitar o recurso na parte aí tida em lista.

Vejamos agora a segunda questão posta nasrestantes conclusões: a de saber se os factos da-dos como provados devem, ou não, ser enqua-drados juridicamente tal como foi feito quer pelotribunal de 1.ª instância, quer pelo Tribunal daRelação.

Diz o artigo 133.º do Código Penal:

«Quem matar outra pessoa dominado por com-preensível emoção violenta, compaixão, deses-pero ou motivo de relevante valor social ou moral,que diminuam sensivelmente a sua culpa, é puni-do com pena de prisão de 1 a 5 anos.»

A matéria de facto dada como provada eacima transcrita é de ter como definitiva, umavez que não ocorre qualquer dos vícios previstosno artigo 410.º, n.º 2. Esta questão, aliás, já foianalisada no acórdão do Tribunal da Relação ondeigualmente se decidiu que, na verdade, não ocor-ria qualquer vício — fls. 403.

Se tivermos presente os factos dados comoprovados, nomeadamente nos n.os 18.º), 20.º),22.º) e 23.º), pode dizer-se, sem sombra de dú-vida, que o arguido agiu dominado por com-preensível emoção violenta.

Figueiredo Dias, em anotação ao artigo 133.º doCódigo Penal no Comentário Conimbricense,parte especial, tomo I, pág. 50, define este ele-mento do seguinte modo: «compreensível emo-ção violenta é um forte estado de afecto emocionalprovocado por uma situação pela qual o agentenão pode ser censurado e àquele também o ho-mem normalmente ‘fiel ao direito’ não deixariade ser sensível».

Qual a situação emocional com que o arguidoagiu? Perante a factualidade provada, não se po-deria exigir ao agente outro tipo de comporta-mento.

Diz a recorrente que não há proporcionalidadeentre o facto gerador da emoção e o condutorarguido (conclusão 5.ª).

Como se vê da vária jurisprudência desteSupremo Tribunal citada em Leal Henriques eSimas Santos, Código de Processo Penal Ano-tado, vol. 2.º, 2.ª ed., págs. 136 e segs., para quea emoção seja compreensível é preciso que hajauma relação de proporcionalidade entre o factogerador e o facto provocado.

A este propósito, diz Figueiredo Dias na obrasupracitada, página 51:

«A análise possível dos casos jurisprudenciaismostra em todo o caso que não se trata no fundoda exigência de ‘pro-porcionalidade’, mas sim,como deve ser, de um mínimo de gravidade oupeso da emoção que estorva o cumprimento dasintenções normais do agente e determinada porfacto que lhe não é imputável.»

Assim entendido o requisito legal, impõe-seconcluir que ele se encontra preenchido pelosfactos ocorridos: a compreensível emoção vio-lenta com que agiu o arguido provocou uma di-minuição sensível da sua culpa.

Perante isto, fica prejudicado o conhecimentoda conclusão 5.ª, pelo que nada há a censurar aoacórdão recorrido.

Nestes termos, acordam em negar provi-mento ao recurso.

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138 BMJ 500 (2000)Direito Penal

Condena-se a recorrente em 8 UCs de taxa dejustiça, fixando-se os honorários à Ex.ma Defen-sora Oficiosa em 18 000$00, a avançar peloscofres.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 7 de Maio de 2000 do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 898/2000.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sempre insistiu na necessidade do requisito da«proporcionalidade» entre o facto gerador e o facto provocado, contra a opinião da doutrina.

Figueiredo Dias, na obra e lugar citados no texto do acórdão, reinterpreta a jurisprudência emtermos de considerar que por «proporcionalidade» se deve entender apenas um «mínimo de gravi-dade ou peso da emoção», e é este entendimento que, ao que parece, é subscrito no acórdão.

Sobre a matéria em referência existe abundantíssima jurisprudência do Supremo. Ver, por úl-timo, o acórdão de 11 de Novembro de 1999, publicado no Boletim, n.º 491, pág. 78, bem como ajurisprudência e a doutrina aí citadas.

(E. M. C.)

Crime de furto — Momento da consumação

I — Ao prever o crime de furto, foi intenção do legislador criar um tipo criminal deconsumação instantânea, isto é, um delito que se acha perfeito logo que a coisa alheiaentra na esfera patrimonial do arguido, ficando à sua disposição.

II — O crime de furto consuma-se, assim, logo que a coisa saia da esfera jurídica doofendido e entre no património de outrem, em regra, no do próprio agente.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 25 de Outubro de 2000Processo n.º 2544/2000

ACORDAM na Secção Criminal do SupremoTribunal de Justiça:

1. Em tribunal colectivo da Vara de Compe-tência Mista da Comarca de Setúbal respondeu oarguido Albertino José dos Reis Salgado, sufi-cientemente identificado nos autos, sob a acusa-ção de haver cometido um crime de roubo con-sumado, previsto e punido pelo artigo 210.º,n.º 1, do Código Penal, vindo a ser condenadopor tal crime, mas sob a forma tentada, na pena

de 10 meses de prisão, suspensa na sua execuçãopelo período de 1 ano e 6 meses.

Em desacordo com tal decisão, dela interpôsrecurso o Ministério Público, que motivou paraconcluir assim:

— «O presente recurso restringe-se ao ree-xame da matéria de direito relativa à subsunçãolegal da matéria de facto.

— É que os factos provados integram um cri-me de roubo consumado.

— O douto acórdão parece acolher a tese deque para se consumar o crime de furto (e, natu-

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Flores Ribeiro (Relator) — Brito Câmara —Pires Salpico — Lourenço Martins.

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139 Direito PenalBMJ 500 (2000)

ralmente, também de roubo) ‘é necessário que oagente do crime exerça uma relação de domíniosobre a coisa furtada’,

— E, para além disso, a ‘posse pacífica’ so-bre a coisa subtraída, na esteira, aliás, de certajurisprudência (acórdão da Relação de Lisboa de1 de Junho de 1983 — Boletim do Ministério daJustiça, n.º 335, pág. 331, e acórdão do SupremoTribunal de Justiça de 23 de Novembro de1982 — Boletim do Ministério da Justiça, n.º 321,pág. 316).

— No entanto, o Supremo Tribunal de Justiçaveio progressivamente a abandonar aquela tese.

— Tendo designadamente em conta ‘propó-sitos práticos ligados à eficácia da tutela penal’(v. acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Junhode 1983 — Boletim do Ministério da Justiça,n.º 335, pág. 331).

— E tendo preconizado que não é necessáriaà consumação do crime de furto que o agentetenha o objecto furtado em pleno sossego ou emestado de tranquilidade.

— Assim, a tese aceite hoje (e de há muitoadquirida) pela nossa jurisprudência tem a vercom a chamada tese da ‘consumação formal oujurídica’,

— Ou seja, ‘consuma-se quando, tendo ape-nas subtraído, ainda não logrou apropriar-se dacoisa, como queria’ (Crimes contra o Patrimó-nio, pág. 39 — José António Barreiros, Univer-sidade Lusíada, e jurisprudência aí citada).

— E o que fica dito para o crime de furtoaplica-se ao crime de roubo,

— Pelo que foram violadas as normas previs-tas nos artigos 210.º, n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º, todosdo Código Penal.

— Deve, ainda assim, aplicar-se uma penadentro do limite máximo dos 3 anos de prisão emanter-se a suspensão da execução da pena porum período de 2 anos.»

Neste Supremo Tribunal de Justiça o Minis-tério Público opinou que, no caso, cabe à Rela-ção de Évora o conhecimento do objecto dorecurso, por ser esse o tribunal escolhido pelorecorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 427.ºe 428.º do Código de Processo Penal.

Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do mesmodiploma e corridos os vistos legais, há que co-nhecer e decidir.

2. Deu o tribunal a quo como provada a se-guinte matéria de facto:

— No dia 24 de Janeiro de 1999, cerca das16.20 horas, na Rua dos Trabalhadores do Mar,nesta cidade de Setúbal, o arguido acercou-se deKarel Ida Price e, de forma repentina e sem que amesma pudesse oferecer resistência, agarrounuma mala de pele azul que esta levava consigo,deu um forte puxão, conseguindo retirar-lha epôr-se em fuga com a mesma, com o propósitode fazer seu o dinheiro ou objectos com valor detroca que a mesma contivesse.

— Tal mala continha, para além de vários do-cumentos pessoais, 10 cartões de crédito pes-soais, 60 dólares americanos e uma nota de500$00 do Banco de Portugal.

— Entretanto e na sequência dos gritos daofendida, vários populares perseguiram desdelogo e de imediato o arguido, conseguindo detê-loe recuperar tal mala e respectivos haveres.

— Ao proceder da forma descrita o arguidoactuou com o propósito de fazer sua tal carteirae quantia em dinheiro, ciente de que tais coisasnão lhe pertenciam e privado desta, pela força oupor desistência involuntária, não importa que istoocorra quando já fora da esfera de actividadepatrimonial do proprietário: o furto deixou de seconsumar, não passando da fase da tentativa.Não foi completamente frustrada a posse ou vi-gilância do dono. Não chegou este a perder, detodo, a possibilidade de contacto material com ares ou de exercício do seu poder de disposiçãosobre ela.»

A segunda, menos rígida, pode ser vista emFaria e Costa (Comentário Conimbricence doCódigo Penal, tomo II, págs. 49 e segs.), que seexprime deste modo:

«Julgamos não ser suficiente o instantâneodomínio de facto sobre a coisa, porquanto é issoum critério que faria, incorrectamente, coincidirou fazer sobrepor subtracção com domínio dofacto (ou até com apossamento/apropriação), oque traria consequências desastrosas sobretudopara a desistência da tentativa e para o arrepen-dimento activo. Para além disso, uma compreen-são que tenha em conta o sentir comum obriga aque se perceba que o domínio de facto exige, aonível da consciência colectiva, representações que

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140 BMJ 500 (2000)Direito Penal

afastem o preciosismo da instantaneidade comoelemento único e preponderante para classificar--mos o real e efectivo domínio de facto. Na ver-dade, ninguém compreenderia que ao entrar emsua casa e ao ver um ladrão que tentava escaparpela porta traseira com um saco cheio de coisasfurtadas não pudesse exercer o direito de legí-tima defesa na medida em que o furto já estariaconsumado, isto é, o ladrão já teria o instantâneodomínio de facto sobre a coisa.»

E mais adiante conclui assim o mestre deCoimbra:

«De sorte que se nos afigure irrecusável acei-tar que tem de haver um mínimo de tempo quepermita dizer que um efectivo domínio de factosobre a coisa é levado a cabo pelo agente, Noentanto, estamos longe de defender que o domí-nio de facto se tenha de operar em pleno sossegoou em estado de tranquilidade, como parece ad-vogar alguma da nossa jurisprudência [...] Somostambém de opinião de que não há nem deve ha-ver uma medida certa e exacta para o preenchi-mento daquele mínimo. As circunstâncias e, comigual peso, a natureza da coisa furtada serão oselementos mais capazes de nos orientarem nestecampo.»

Na jurisprudência também não há uniformi-dade.

Em abono da tese que reclama a necessidadede «sossego» e «tranquilidade» do produto docrime na esfera jurídica do agente, são escassasas decisões tiradas pelos nossos tribunais supe-riores (cfr., entre outros, os acórdãos do Su-premo Tribunal de Justiça de 23 de Novembrode 1982, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 321,pág. 316, e da Relação de Lisboa de 1 de Junhode 1983, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 335,pág. 331).

Ao contrário, porém, são maioritariamenteconformes com a segunda posição (a da consu-mação instantânea do crime de furto — e conse-quentemente de roubo — e da inconfundibilidadeda consumação com o exaurimento do delito),conforme pode ver-se, entre outros, dos seguin-tes arestos: acórdãos da Relação de Lisboa de 1de Junho de 1983, Boletim do Ministério da Jus-tiça, n.º 335, pág. 331; da Relação de Évora de 27de Março de 1984, Colectânea de Jurisprudên-

cia, ano IX, tomo II, pág. 303; da Relação deLisboa de 16 de Julho de 1986, Colectânea deJurisprudência, ano XI, tomo IV, pág. 176; daRelação de Coimbra de 11 de Junho de 1987,Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo III,pág. 54; do Supremo Tribunal de Justiça de 21de Julho de 1987, Boletim do Ministério da Jus-tiça, n.º 369, pág. 376; de 13 de Janeiro de 1988,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 373,pág. 279; de 1 de Junho de 1988, Boletim doMinistério da Justiça, n.º 378, pág. 784; da Rela-ção do Porto de 14 de Dezembro de 1988, Bole-tim do Ministério da Justiça, n.º 382, pág. 529;do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de1989, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 389,pág. 298; do Supremo Tribunal de Justiça de21 de Março de 1990, Colectânea de Jurispru-dência, ano XV, tomo II, pág. 15; de 26 de Se-tembro de 1990, Boletim do Ministério da Justiça,n.º 399, pág. 293; da Relação de Coimbra de 25de Setembro de 1991, processo n.º 118/91; doSupremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de1993, processo n.º 43 504; de 21 de Maio de1997, processo n.º 437/97, de 22 de Maio de1997, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo II,pág. 224; de 12 de Fevereiro de 1998, processon.º 1272/92; de 22 de Outubro de 1998, processon.º 726/98; e de 12 de Novembro de 1998, pro-cesso n.º 747/98.

Tendo presente o posicionamento da dou-trina e da jurisprudência sobre questão de tãoinegável melindre, somos também a entender quefoi intenção do legislador, no caso, criar um tipocriminal de consumação instantânea, isto é, umdelito que se acha perfeito logo que a coisa alheiaentra na esfera patrimonial do arguido, ficando àsua disposição.

Ou seja, como assinala Eduardo Correia, ocrime consuma-se logo que a coisa «saia da es-fera jurídica do ofendido e entre no patrimóniode outrem, em regra, no do próprio agente» (Bo-letim do Ministério da Justiça, n.º 182, pág. 314).

3. Face ao exposto, acordam na Secção Cri-minal do Supremo Tribunal de Justiça em, con-cedendo provimento ao recurso, revogar a decisãorecorrida, que deverá ser substituída por outraque condene o arguido pela prática de um crimede roubo consumado.

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141 Direito PenalBMJ 500 (2000)

Sem custas por não serem devidas.Honorários ao defensor oficioso: 18 000$00.

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Leal Henriques (Relator) — Virgílio Oli-veira — Leonardo Dias (voto a decisão).

Declaração de voto:

Vencido. Salvo o devido respeito pela opiniãocontrária doutamente expendida no texto doacórdão, vimos perfilhando, na linha de pensa-mento defendido, nomeadamente, por FariaCosta, no lugar acima citado, o seguinte entendi-mento (cfr., v. g., processo n.º 17/2000-3.ª):

Atenta a multiplicidade das realidades fácticasintegráveis nas incriminações por furto ou roubo,o sentido jurídico-penal destas e as cambiantesvalorativas inerentes, designadamente, às figurasda tentativa, da desistência ou do arrependi-mento activo e da legítima defesa, avaliadas à luzdas realidades substantivas da vida a que pro-curam corresponder, a consumação exige um mí-nimo de estabilidade na entrada da coisa nodomínio de facto do agente.

Afigura-se-nos que este entendimento tomapossíveis, para as situações menos lineares, so-luções mais razoáveis e adequadas, à luz tambémda consideração sistemática dos institutos da

desistência ou do arrependimento activo e dalegítima defesa, a que a lei confia a possibilidadedo encontro das decisões que melhor corres-pondam à mais equilibrada concordância práticada realização dos diversos valores em causa.

A solução da consumação instantânea, pordemasiado formal, dificulta, relativamente aoagente, a consideração de casos de efectiva desis-tência e, no que respeita à vítima ou a terceiros, oreconhecimento de casos reais de legítima defesa.

O entendimento que defende verificar-se aconsumação só quando o agente adquire o plenoe tranquilo domínio de facto sobre a coisa sub-traída ou entregue parece não proteger com sufi-ciente rigor os valores em causa, face à realidadeda vida.

Aplicando o entendimento que julgamos pre-ferível ao caso dos autos, na interpretação que seafigura mais razoável do circunstancialismo con-creto apurado — «entretanto e na sequência dosgritos da ofendida, vários populares persegui-ram desde logo e de imediato o arguido, conse-guindo detê-lo e recuperar tal mala e respectivoshaveres» —, concluiria que no momento em queestes factos ocorreram os bens ainda não se en-contravam de uma forma minimamente estávelno domínio de facto do arguido.

(Sublinhados nossos.)Em conformidade, confirmaria o acórdão re-

corrido.

Leonardo Dias.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão de 14 de Abril de 2000 do Tribunal Judicial de Setúbal, processo n.º 106/99.

I e II — Cfr. a abundante jurisprudência e a doutrina citadas no texto do aresto. Veja-se aindaMaia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 14.ª ed., pág. 630.

(A. L. L.)

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Concurso para juiz do Tribunal Central Administrativo — Juizauxiliar do tribunal tributário de 1.ª instância em comissão deserviço — Artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Adminis-trativos e Fiscais

Para o efeito do disposto no n.º 2 do artigo 92.º do Estatuto dos Tribunais Adminis-trativos e Fiscais, os juízes auxiliares dos tribunais administrativos e fiscais, nomeadosem comissão de serviço, devem ser considerados juízes dos tribunais administrativos efiscais, podendo ser providos como juízes do Tribunal Central Administrativo, desde quesatisfaçam os demais requisitos legais.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 44 764(Secção do Contencioso Administrativo)

ACORDAM, em conferência, na 1.ª Secção doSupremo Tribunal Administrativo:

1.1. Francisco António Pedroso de ArealRothes, juiz de direito, residente na Rua da Ta-pada, lote 1, 3.º, direito, 6200 Covilhã, interpôs,neste Supremo Tribunal, recurso contencioso,com vista à anulação do acto do Conselho Supe-rior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de11 de Janeiro de 1999, «que não o admitiu aoconcurso curricular de acesso a lugares de juiz daSecção do Contencioso Tributário do TribunalCentral Administrativo», aberto pelo avison.º 16 494/98, publicado no Diário da Repú-blica, II Série, de 20 de Outubro de 1998.

Imputou ao acto recorrido vício de violaçãoda lei, por erro nos pressupostos, do artigo 92.º,n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrati-vos e Fiscais, ou, assim não se entendendo, víciode violação do mesmo artigo, por errada inter-pretação legal.

Subsidiariamente, arguiu ainda a inconstitucio-nalidade do n.º 2 do artigo 92.º do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais, em refe-rência.

1.2. A entidade recorrida apresentou a res-posta de fls. 64 e 76, inclusive, na qual sustentoua legalidade do acto impugnado e o improvimentodo recurso.

1.3. A fls. 88 e seguintes foram apresentadasas alegações do recorrente, reiterando a tese defen-dida na petição e com as seguintes conclusões:

«I — O recorrente, contrariamente ao queentendeu a autoridade recorrida, enquanto semantiver, como se mantém, no exercício de fun-ções como juiz auxiliar no Tribunal Tributário de1.ª Instância é juiz dos tribunais administrativose fiscais, advindo-lhe essa qualidade da sua no-meação pelo Conselho Superior dos TribunaisAdministrativos e Fiscais para exercer aquelasfunções, sendo que o facto de ser juiz auxiliarnão lhe retira tal qualidade, que não depende damodalidade, da nomeação (definitiva ou tempo-rária, consoante se reporte a um lugar existenteno quadro ou para além dele), mas tão-só da no-meação para exercer funções num tribunal da ju-risdição administrativa ou fiscal.

II — O recorrente é juiz dos tribunais admi-nistrativos e fiscais, pois foi nomeado juiz auxi-liar no tribunal tributário de 1.ª instância e man-tém-se desde há mais de sete anos em exercíciode funções nos períodos correspondentes aosturnos que lhe foram destinados, para além doâmbito da competência territorial daquele tribu-nal, aceitando o Conselho Superior dos Tribu-nais Administrativos e Fiscais que o recorrenteproferisse, como proferiu, diversas decisões nou-tros tribunais pertencentes à jurisdição fiscal, onunca se compreenderia se o recorrente fosseapenas juiz no tribunal tributário de 1.ª instância.

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III — Carece de justificação a afirmação deque só os juízes de direito nomeados em comis-são permanente de serviço para lugares existen-tes no quadro, e já não os nomeados em comissãode serviço (sujeito a prazo) para lugares paraalém do quadro, pertencem ao ‘corpo de juízesdos tribunais administrativos e fiscais’, pois nãopode fazer-se defender a qualidade de juiz dostribunais administrativos e fiscais.

b) Todos eles apenas podem ser nomeadospelo Conselho Superior dos Tribunais Adminis-trativos e Fiscais, cuja competência no que res-peita à nomeação de juízes é, exclusivamente,para nomear juízes dos tribunais administrati-vos e fiscais [cfr. artigo 98.º, n.º 2, alínea a), doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais], sejam dos titulares de um lugar previsto noquadro ou auxiliares.

c) A nomeação de qualquer deles, como titu-lar ou como auxiliar, nos termos dos artigos 53.ºdo Estatuto dos Magistrados Judiciais e 96.º,n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrati-vos e Fiscais, depende de autorização do Conse-lho Superior da Magistratura.

d) Todos eles, titulares ou auxiliares, ficamsujeitos ao poder disciplinar e de gestão do Con-selho Superior dos Tribunais Administrativos eFiscais.

e) Em relação a todos eles, titulares ou auxi-liares, as deliberações do Conselho Superior dosTribunais Administrativos e Fiscais sobre mé-rito e disciplina produzem efeitos iguais aos queteriam só proferidas pelo Conselho Superior daMagistratura (cfr. artigo 98.º, n.os 1 e 5, do Es-tatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais);

IV — Ainda que os juízes auxiliares, para cer-tos efeitos legais e exclusivamente por força daexistência de limite temporal do seu vínculo,possam ser arredados do exercício de certosdireitos concedidos aos seus colegas titulares(v. g., a capacidade de ser eleito pelos seus parescomo vogal para o Conselho Superior dos Tribu-nais Administrativos e Fiscais, uma vez que omandado para tal cargo, nos termos do dispostono artigo 99.º, n.º 4, do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, é de quatro anos e oartigo 57.º do Estatuto dos Magistrados Judi-ciais, na redacção vigente à data, impunha o limitede três anos para a comissão de serviço; a possi-bilidade de ser transferido nos termos do artigo

83.º do Estatuto dos Tribunais Administrativose Fiscais, uma vez que a existência do referidolimite de três anos com a regra da inexistência delimite de permanência no lugar do artigo 79.º domesmo diploma), em relação ao n.º 2 do artigo92.º do Estatuto dos Tribunais Administrativose Fiscais, como também em relação a muitas ou-tras normas do mesmo diploma (v. g., as dosartigos 77.º, 78.º, 81.º, 91.º, 97.º, 98.º e 100.º), oreferido limite temporal não assume qualquerrelevância.

V — Assim, a deliberação do Conselho Supe-rior dos Tribunais Administrativos e Fiscais quenão admitiu o recorrente a concurso curricular deacesso a lugares de juiz da Secção do ContenciosoTributário do Tribunal Central Administrativocom o fundamento que não é juiz dos tribunaisadministrativos e fiscais enferma de vício de vio-lação da lei por erro nos pressupostos, que de-termina a anulação daquele acto.

VI — Ainda que assim não se considere, ha-verá que ter em conta que a melhor interpretaçãodo artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais sempre determinaria aadmissão do recorrente ao referido concurso.

VII — Aquela norma estabelece os índicespelas quais revela a adequação funcional dos juízesda Secção do Contencioso Tributário do Tri-bunal Central Administrativo e que são, exclusi-vamente, a antiguidade e o mérito, a antiguidadee o mérito na jurisdição administrativa e fiscal.É indefensável pretender que o legislador insti-tuiu como índice da referida adequação o exercí-cio das funções na situação de juiz titular, umavez que inexiste qualquer diferença de natureza oude qualidade entre as funções jurisdicionais con-fiadas aos juízes titulares e aos juízes auxiliares.

VIII — De redacção do n.º 2 do artigo 92.º doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais não pode extrair-se qualquer argumento afavor da interpretação vertida no acto recorrido,invocando que se fosse intenção do legisladorpermitir o acesso à 2.ª instância de juízes auxi-liares, teria utilizado uma fórmula verbal que me-lhor traduzisse o seu pensamento (cfr. artigo 9.º,n.º 3, do Código Civil), designadamente refe-rindo os juízes com mais de cinco anos de servi-ço nos tribunais administrativos e fiscais, ao invésde ter dito ‘juízes dos tribunais administrativosa fiscais com mais de cinco anos de serviço neles’.

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É que o legislador por certo não terá configu-rado a possibilidade de juiz algum se poder man-ter em exercício de funções em tribunais admi-nistrativos e fiscais por mais de cinco anos nasituação de juiz auxiliar, situação que é contráriaà natureza da comissão de serviço e até à lei(cfr. artigo 57.º do Estatuto dos Magistrados Ju-diciais na redacção vigente à data).

IX — Por outro lado, a admissão da recor-rente a concurso para um lugar de juiz da Secçãodo Contencioso Tributário do Tribunal CentralAdministrativo e, eventualmente, a sua nomea-ção para esse lugar, em nada prejudicaria os juízesque exercem funções nos tribunais administrati-vos e fiscais como efectivos;

— Desde logo, porque os requisitos para anomeação de juízes de direito nos tribunais tri-butários de 1.ª instância, quer como titulares,quer como auxiliares, nos termos do dispostonos artigos 96.º, n.º 6, e 108.º, alínea a), do Esta-tuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais,são os mesmos: ter mais de cinco anos de serviçona magistratura e classificação não inferior a Bom(e esses respeitava-os o recorrente na data da suanomeação);

— Depois, porque na graduação dos juízespara a 2.ª instância sempre se terá em conta aantiguidade e o mérito de cada um dos concor-rentes na jurisdição administrativa e fiscal;

— Finalmente, porque o argumento de que sóos juízes titulares se sujeitaram a concurso paraa 1.ª instância, salvo o devido respeito só apa-rentemente é válido;

— Na verdade, teria sido o recorrente o no-meado caso tivesse concorrido (e as razões porque não concorreu ficaram já ditas) a qualquerum dos muitos lugares de juiz da 1.ª instânciados tribunais fiscais que foram postos a con-curso nos últimos três anos. Nem se diga que sóé assim no caso concreto, poderia não o ser emrelação a outros juízes auxiliares que houvessemperfeito cinco anos de serviço nos tribunais ad-ministrativos e fiscais e aí tivessem obtido clas-sificação superior a Bom. É que o único caso emque tais circunstâncias alguma vez se verifica-ram, o Conselho Superior dos Tribunais Admi-nistrativos e Fiscais não pode ignorar, é o dorecorrente e, atento o disposto no já referidoartigo 57.º do Estatuto dos Magistrados Judi-ciais, não é provável que alguma vez mais tome a

ocorrer um caso idêntico; ou seja, o caso do re-corrente é único e irrepetível, não fazendo sen-tido argumentar com uma pretensa generalidadeda situação.

X — O legislador não reservou o acesso à2.ª instância dos tribunais administrativos efiscais aos juízes em exercício de funções na1.ª instância desses tribunais (cfr. n.º 1 do artigo92.º do Estatuto dos Tribunais Administrativose Fiscais); por maioria de razão, não o reservariaapenas aos juízes que aí exercem funções comotitulares.

XI — A interpretação do artigo 92.º, n.º 2, doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, efectuada pela autoridade recorrida, sempresalvo o devido respeito, revela-se também inade-quada através dos efeitos da sua aplicação con-creta à situação sub judice, pois dela resulta umaflagrante injustiça: por um lado, o recorrente,apesar de ser o candidato a concurso com maisantiguidade na jurisdição administrativa e fiscal ede ter a mesma nota de mérito que os demaiscandidatos que foram graduados (ou seja, ser ocandidato que, objectivamente e face aos índicesestipulados na lei, revela maior adequação fun-cional ao lugar a prever), nem sequer foi admi-tido a concurso; por outro lado, o ConselhoSuperior dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, que permitiu que o recorrente durante seteanos exercesse como juiz auxiliar exactamente asmesmas funções jurisdicionais que estão confia-das a qualquer outro juiz que preste serviço comojuiz titular num tribunal tributário, recusa-lheagora, para efeitos de concurso à 2.ª instância,tratamento igual ao dos juízes auxiliares.

XII — Assim, caso o acto recorrido não ve-nha a ser anulado por enformar de vício de viola-ção de lei por erro nos pressupostos, nos termosdas conclusões formuladas sob os n.os I a V, de-verá sê-lo por enformar do mesmo vício, maspor errada interpretação do n.º 2 do artigo 92.º doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, ao considerar que este normativo tem ínsitauma distinção entre juízes titulares e juízes auxi-liares vedando a estes o acesso à 2.ª instância.

XIII — Ainda que assim não se considera,sempre a norma do artigo 92.º, n.º 2, do Estatutodos Tribunais Administrativos e Fiscais, na in-terpretação que lhe foi dada pelo Conselho Su-perior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,

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deverá ser tida por inconstitucionalidade, porviolação de princípio da igualdade, previsto noartigo 13.º da Constituição da República Portu-guesa.

XIV — É que, como decorre do que ficou jádito, inexiste qualquer fundamento material, ra-zoável e pertinente para a lei distinguir entre juízestitulares e juízes auxiliares para efeitos de acessoà 2.ª instância. Na verdade, a uns e outros estãoconfiadas funções jurisdicionais da mesma natu-reza e qualidade, sendo apenas que os primeirosas exercem em lugares existentes no quadro e ossegundos em lugares não previstos no quadro; anomeação de uns e outros na 1.ª instância obe-dece os mesmos requisitos gerais e especiais;todos estão sujeitos ao mesmo regime legal.O facto de os primeiros ocuparem um lugar exis-tente no quadro, enquanto os segundos exercemfunções em lugares para além do quadro não éfundamento material, razoável e pertinente paraque àqueles se permita o acesso à 2.ª instância ea estes se recuse essa faculdade.

XV — O argumento da autoridade recorridana resposta, de que os juízes auxiliares, contra-riamente ao que sucede com os seus colegastitulares, não se sujeitaram a concurso para pro-vimento na 1.ª instância, o que, na sua perspec-tiva, constituiria o elemento de facto distintivo ajustificar, face ao artigo 92.º, n.º 2, do Estatutodos Tribunais Administrativos e Fiscais, a diver-sidade de tratamento dado ao recorrente em rela-ção aos demais candidatos graduados, emboraaparentemente decisivo, ignora dois dados fác-ticos que lhe retiram toda a validade e que fica-ram já referidos na conclusão IX.

— Primeiro, é manifesto que, como reconhe-ceu o Conselho Superior dos Tribunais Admi-nistrativos e Fiscais na resposta, o recorrente,juiz de direito que se mantém em exercício defunções como juiz auxiliar no tribunal tributáriode 1.ª instância há mais de sete anos e que aíobteve duas classificações de Bom com distin-ção, caso tivesse concorrido (e sobre as razõespor que não concorreu, já tudo ficou dito) a qual-quer dos numerosos concursos para lugares dejuiz da 1.ª instância dos tribunais fiscais abertonos últimos três anos (à data da deliberação re-corrida), teria sido o nomeado;

— Segundo, e pese embora o que vem de sedizer seja aplicável em relação a qualquer juiz

auxiliar que estivesse nas mesmas condições, nãose pode ignorar, sob pena de fazer da aplicaçãoda justiça em mero exercício académico, da vidaque a situação do recorrente é única e, certa-mente, irrepetível, porque a manutenção durantemais de sete anos de uma comissão de serviço émanifestamente contra a natureza desta comis-são (que, como diz a autoridade recorrida na res-posta, é ‘um instrumento da mobilidade paraacorrer a necessidades temporárias dos serviços’)e até contra a lei, designadamente contra o dis-posto no artigo 57.º do Estatuto dos Magistra-dos Judiciais, na redacção aplicável (como tam-bém decorre da resposta da autoridade recorrida,que diz expressamente que a comissão de ser-viço é ‘temporária sujeita a prazo, que, nos ter-mos do artigo 57.º do Estatuto dos MagistradosJudiciais, salvo disposição especial em contrá-rio, é de três anos’).»

1.4. A entidade recorrida sustentou nas ale-gações a posição já defendida na resposta, con-cluindo do seguinte modo:

«I — Por via da igualdade, digo, da igualaçãoda ‘comissão permanente de serviço’ ao ‘provi-mento definitivo’ na jurisdição administrativa efiscal só poderão ser nomeados em comissãopermanente de serviço os juízes que reunirem ascondições para ser nomeados a título definitivo.

II — O provimento a título definitivo só épossível em lugares vagos do quadro do respec-tivo tribunal administrativo ou fiscal, o que sig-nifica que também a nomeação em comissãopermanente de serviço, nos termos do n.º 1 doartigo 96.º do Estatuto dos Tribunais Adminis-trativos e Fiscais, só é admissível para lugares doquadro do tribunal em causa que se encontremvagos.

III — Os juízes providos em lugares do qua-dro dos tribunais, nomeados em comissão per-manente de serviço, ou título definitivo, de har-monia com o disposto no artigo 96.º, n.º 1, doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, são juízes dos tribunais administrativos eou fiscais, porque são eles os titulares dos luga-res do quadro desses tribunais.

IV — Prevenindo situações conjunturais,v. g., de excessiva pendência processual face aoquadro de juízes, que se caracterizam por serem

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pontuais e transitórias, o legislador inseriu noEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais uma norma legal — artigo 108.º — que prevêa existência de juízes auxiliares:

‘Podem ser nomeados juízes auxiliares:

a) Em comissão de serviço, os que reúnamos requisitos gerais e especiais exigidospara o concurso;

b) ..............................................................’

V — Podemos, assim, distinguir:

— A ‘comissão permanente de serviço’ pres-supõe a existência de vaga no quadro conside-rado e o seu preenchimento com carácter de per-manência;

— A ‘comissão de serviço’.

Contrariamente:

— Pressupõe a não existência de vaga no qua-dro do tribunal (caso contrário, poderia serpreenchida por juiz titular), ou então que tal vaganão tenha sido preenchida, efectivamente, poruma qualquer razão; e, para além disso,

— A duração dessa ‘comissão de serviço’ élimitada no tempo (cfr. artigo 57.º, n.º 1, do Esta-tuto dos Magistrados Judiciais).

VI — Conclui-se, pois, que os juízes auxilia-res não são juízes dos tribunais onde, pontual etransitoriamente, exercem funções, já que não seintegram nos respectivos quadros de juízes (‘osjuízes auxiliares não são juízes do tribunal ondeexercem, mas tão-só juízes no tribunal onde exer-cem’, como se disse no acórdão da 1.ª Secçãodo Supremo Tribunal Administrativo de 9 deJaneiro de 1990, recurso n.º 27 824, in apensoDiário da República de 30 de Junho de 1992,págs. 9 e seguintes).

VII — O próprio Estatuto dos MagistradosJudiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) permiteconcluir de igual modo: os magistrados judiciaisformam um corpo único, aplicando-se-lhes o Es-tatuto dos Magistrados Judiciais, qualquer queseja a situação em que se encontrem (artigo 1.º doEstatuto dos Magistrados Judiciais), podendoser nomeados para comissão de serviço de natu-reza judicial (entre outras — artigos 53.º e 56.ºdo Estatuto dos Magistrados Judiciais) por pe-ríodos de tempo limitados, embora renováveis(artigo 57.º), o que significa que os magistrados

judiciais em comissão de serviço (in casu juízesauxiliares) mantêm o seu estatuto de juízes auxi-liares, magistrados da jurisdição comum, não são,nem podem ser considerados, juízes da jurisdi-ção administrativa e fiscal e como tal o ora recor-rente não integra o requisito exigido pelo n.º 2do artigo 92.º do Estatuto dos Tribunais Admi-nistrativos e Fiscais, para efeitos de acesso luga-res de juiz do Tribunal Central Administrativo.

IX — Por tais motivos não se verificam osalegados vícios de violação de lei por erro nospressupostos, nem por errada interpretação don.º 2 do artigo 92.º do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais.

X — O princípio da igualdade contém em si aproibição do arbítrio, ou seja, a proibição de tra-tamento diverso de situações de facto iguais e otratamento igual de situações diferentes.

XI — Na jurisdição administrativa e fiscaltemos, por um lado, juízes providos em 1.ª ins-tância a título definitivo ou exercendo o cargo emcomissão permanente de serviço, fazendo partedo corpo único dos juízes dos tribunais adminis-trativos e fiscais, e, por outro, juízes auxiliaresque, não fazendo parte daquele corpo, prestamserviço, transitório e pontualmente, nos referi-dos tribunais.

XII — Os primeiros, providos a título defini-tivo ou em comissão permanente de serviço, en-contram-se providos com carácter permanentenos quadros dos tribunais administrativos e fis-cais, mediante processo de recrutamento, deten-do a qualidade de juízes dos tribunais admi-nistrativos e fiscais e beneficiando integralmentedo estatuto que a estes assiste.

XIII — Os segundos, exercendo funções emcomissão de serviço, independentemente de qual-quer processo de recrutamento, são nomeadostemporária e transitoriamente, por escolha con-dicionada aos ‘requisitos gerais e especiais parao concurso’ [alínea a) do artigo 108.º do Estatutodos Tribunais Tribunais Administrativos e Fis-cais], não submetidos a qualquer prova de selec-ção ou concurso, não estão colocados em lugaresdo quadro de juízes dos tribunais e não benefi-ciam integralmente do estatuto que aos primei-ros assiste, nos autos, mantêm o seu estatuto dejuízes da jurisdição comum.

XIV — É esta disparidade de situações quejustifica a interpretação dada ao n.º 2 do artigo

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92.º no acto sob recurso, ao distinguir-se entrejuízes efectivos e juízes auxiliares para efeitosde acesso à 2.ª instância administrativa e fiscal.

XV — E por aquela mesma razão não enfer-ma tal norma, na interpretação que lhe foi dadano acto recorrido, de inconstitucionalidade porviolação do princípio da igualdade.»

1.5. O Ex.mo Magistrado do Ministério Pú-blico junto deste Supremo Tribunal emitiu o pa-recer de fls. 116 e seguintes, que se dá por repro-duzido, no qual se prenuncia pelo provimentode recurso, com a consequente anulação do actorecorrido.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciare decidir.

2.1. Com interesse para a decisão, conside-ram-se assentes os seguintes factos:

A) O recorrente é juiz de direito, contando em27 de Outubro de 1998 13 anos e 21 dias deserviço, tempo este contado desde 10 de Outu-bro de 1985, data da sua nomeação como auditorde justiça (documento n.º 1 de fls. 14).

B) Por deliberação do Conselho Superior dosTribunais Administrativos e Fiscais de 17 deFevereiro de 1992, foi nomeado, em comissão deserviço, juiz auxiliar do Tribunal Tributário de1.ª Instância de Aveiro (documento n.º 2 defls. 16), tendo tomado posse do referido lugarem 24 de Março de 1992 (documento n.º 3 defls. 17).

C) A comissão de serviço do recorrente, comojuiz auxiliar dos tribunais administrativos e fis-cais foi-lhe sucessivamente renovada por deli-berações do Conselho Superior dos TribunaisAdministrativos e Fiscais de 3 de Maio de 1993,21 de Fevereiro de 1994, 3 de Abril de 1995,4 de Março de 1996 e 17 de Março de 1997(documento de fls. 18 e 22, inclusive).

D) No exercício das funções de juiz auxiliardo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro,o recorrente foi inspeccionado duas vezes, a pri-meira inspecção reportada ao período compre-endido entre 24 de Março e 31 de Dezembro de1992 e a segunda ao período entre 1 de Janeirode 1993 e 30 de Setembro de 1996 (documentosn.os 12 e 13).

E) Em ambas as inspecções foi classificado deBom com distinção, por deliberações do Conse-lho Superior dos Tribunais Administrativos eFiscais de 6 de Fevereiro de 1995 e 17 de Marçode 1997 (documentos n.os 12 e 13).

F) Por deliberação do Conselho Superior dosTribunais Administrativos e Fiscais de 28 deSetembro de 1998, publicada por aviso públicono Diário da República, II Série, de 20 de Outu-bro de 1998, foi aberto concurso curricular deacesso a lugares de juiz da Secção do ContenciosoTributário do Tribunal Central Administrativo,ao abrigo do artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais (documenton.º 14 de fls. 44).

G) O recorrente candidatou-se ao concursoreferido em F), tendo o Conselho Superior dosTribunais Administrativos e Fiscais, por delibe-ração de 11 de Janeiro de 1999, decidido não oadmitir, por não ser «juiz dos tribunais adminis-trativos e fiscais mas apenas juiz auxiliar nostribunais administrativos e fiscais.

E não sendo juiz em comissão permanente deserviço da 1.ª instância não se compreenderiaque pudesse candidatar-se à 2.ª instância (do-cumento n.º 15 de fls. 47).

2.2. O direito

Sustenta o recorrente que a deliberação im-pugnada, do Conselho Superior dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, pela qual foi excluídodo concurso para juiz do Tribunal Central Ad-ministrativo (Secção do Contencioso Tributário)viola o artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribu-nais Administrativos e Fiscais por erro nos pres-supostos em que se baseia, ou, assim não seentendendo, por erro de interpretação legal domesmo preceito.

Subsidiariamente arguia inconstitucionalidadedo dispositivo legal em questão, na interpreta-ção que lhe foi dada pelo acto recorrido, porapenso ao princípio da igualdade consagrado noartigo 13.º da Constituição da República Portu-guesa.

Vejamos se lhe assiste razão.Como resulta da matéria de facto julgada

assente, a deliberação recorrida excluiu o recor-rente do concurso curricular para preenchimento

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de lugares de juiz do Tribunal Central Adminis-trativo (2.ª Secção) por considerar que «não erajuiz dos tribunais administrativos e fiscais, masapenas juiz auxiliar nos tribunais administrati-vos e fiscais.

E não sendo juiz em comissão permanente deserviço da 1.ª instância, não se compreenderiaque pudesse candidatar-se à 2.ª instância.

Defende o recorrente que, ao invés do consi-derado nesta deliberação, é juiz dos tribunais ad-ministrativos e fiscais.

Na verdade, sustenta, a sua qualidade de juizdessa jurisdição advém-lhe da nomeação peloConselho Superior dos Tribunais Administra-tivos e Fiscais para exercer funções de juiz noTribunal Tributário de 1.ª Instância de Aveiro,não podendo depender da modalidade da no-meação, «definitiva ou temporária, consoante sereporta a lugar existente no quadro ou para alémdele».

Por outro lado, mesmo que hipoteticamentefosse entendido que, sendo juiz auxiliar, não éjuiz dos tribunais fiscais, uma interpretação legalcorrecta do artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais, sempre de-terminaria a admissão do recorrente, pois res-peita os índices de adequação à função a que sereporta o normativo em apreço.

Entende-se que a razão está do lado do recor-rente.

Assim:

Dispõe o artigo 92.º do Estatuto dos Tribu-nais Administrativos e Fiscais:

«1 — Podem ser nomeados juízes de umasecção do Tribunal Central Administrativo osjuízes de outra secção e os juízes dos tribunaisde relação que tenham exercido funções em tri-bunais administrativos ou fiscais durante maisde três anos e possuam classificação superior aBom, relativa a essas funções atribuída pelo Con-selho Superior do Tribunais Administrativos eFiscais.

2 — Não havendo requerentes nas condiçõesdo número anterior, são nomeados, por con-curso curricular, juízes dos tribunais administra-tivos e fiscais com mais de cinco anos de serviçoneles e classificação superior a Bom.»

A deliberação impugnada interpretou o n.º 2do dispositivo legal transcrito como excluindodo respectivo âmbito de aplicação os «juízesauxiliares» dos tribunais administrativos e fis-cais, nomeados em comissão de serviço, inde-pendentemente do tempo em que permaneceramem exercício de funções nesses tribunais e dasclassificações de serviço neles obtidas.

Seria assim, como bem fez notar o recorrentee o evidencia a argumentação da entidade recor-rida nas respectivas peças processuais, a circuns-tância de existir ou não no quadro o lugar preen-chido pelo candidato nos tribunais de 1.ª instânciada jurisdição administrativa e fiscal, que deter-minaria a possibilidade de o mesmo poder con-correr à 2.ª instância da referida jurisdição.

Erradamente, porém.Ao contrário do que a fundamentação do acto

recorrido parece pressupor, a expressão «juízesdos tribunais administrativos e fiscais», a queatende o preceito em causa, não tem um sentidounívoco, de modo a poder abranger apenas osjuízes do quadro daqueles tribunais nele provi-dos a título definitivo ou em comissão perma-nente de serviço.

Que assim é demonstra-o o facto de, emvariadíssimas situações, a lei, nomeadamente oEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, se referia aos «juízes dos tribunais adminis-trativos e fiscais» englobando, sem margem paradúvida, os juízes auxiliares.

Esta é, de resto, a situação normal.Vejam-se, designadamente, os artigos 77.º (Re-

gime estatutários), 78.º (Categoria e direitos dosjuízes dos tribunais administrativos e fiscais),81.º (Requisitos gerais de provimento dos juízesdos tribunais administrativos e fiscais), 98.º, n.º 2(Competência do Conselho Superior dos Tribu-nais Administrativos e Fiscais em relação aosjuízes dos tribunais administrativos e fiscais) e100.º (Inspecções) do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais.

O enunciado linguístico usado nestes precei-tos, no aspecto a considerar, é exactamente omesmo do n.º 2 do artigo 92.º em apreço e nin-guém parece duvidar, legitimamente, que os juízesauxiliares também estão compreendidos no âm-bito de aplicação das citadas normas.

O sentido puramente literal, que se afigura terpresidido à interpretação da entidade recorrida,

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149 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

não bastava como critério interpretativo — como,de resto, sucede na maior parte dos casos —pois o texto da lei permite outras significações.

De harmonia com o ensinamento da melhordoutrina, nacional e estrangeira, sobre interpre-tação das leis (ver entre outros Baptista Ma-chado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legi-timador, págs. 181 e segs., Karl Lareny Metodo-logia da Ciência do Direito, págs. 368 e segs.) ecom os cânones hermenêuticos consagrados noartigo 9.º do Código Civil, entre os vários signifi-cados possíveis segundo o sentido literal, a in-terpretação deve dar preferência àquele quemelhor realize o fim visado pelo legislador aoelaborou a norma interpretando. E, na recons-tituição de pensamento legislativo, o intérpretenão pode deixar de levar em conta a unidade dosistema jurídico, pois, como ensina BaptistaMachado (ob. cit., pág. 191), «dos três factoresinterpretativos a que se refere o n.º 1 do artigo9.º, este é, sem dúvida, o mais importante. A suaconsideração como factor decisivo ser-nos-ia sem-pre imposta pelo princípio da carência valorativaou axialógica da ordem jurídica.»

Ora, a interpretação subjacente à deliberaçãoimpugnada, não é, seguramente, a que melhorrealiza o fim visado pelo legislador ao fixar osrequisitos de provimento dos juízes do TribunalCentral Administrativo, tendo sobretudo emconta a carência valorativa da ordem jurídica.

De facto, estando em causa concurso de acessoa tribunal superior da jurisdição administrativa efiscal, o legislador terá, compreensivelmente,como sucede em qualquer concurso de acesso,visado seleccionar os concorrentes mais aptos;isto é, aqueles que pelo número de anos de exer-cício de funções nos tribunais de 1.ª instância dareferida jurisdição e pelas classificações de ser-viço obtidas, mediante inspecção realizada ao tra-balho neles desenvolvido, revelassem maioradequação às funções a desempenhar.

Ora, é bom de ver que, a modalidade de provi-mento dos concorrentes nos tribunais de 1.ª ins-tância em nada interfere com essa adequação.

Outra interpretação ainda seria, porventura,admissível se os requisitos de provimento dosjuízes auxiliares, em comissão de serviço, nostribunais administrativos e fiscais fossem dife-rentes e menos exigentes, designadamente no querespeita à antiguidade e classificação de serviço,

das requeridas aos juízes providos a título defi-nitivo ou em comissão permanente de serviço.

Só que não é assim.Os requisitos de nomeação exigidos aos juízes

auxiliares, em comissão de serviço, são os mes-mos exigidos para o concurso de provimentocomo juiz dos referidos tribunais — cinco anosde serviço na magistratura e classificação de ser-viço não inferior a Bom — [artigos 90.º, n.º 6, e108.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Ad-ministrativos e Fiscais).

Numa outra perspectiva, ainda seria, even-tualmente, de aceitar a opção do legislador pelareserva de acesso à 2.ª instância da jurisdiçãoadministrativa e fiscal aos juízes providos nostribunais de 1.ª instância em comissão perma-nente de serviço (além dos providos a título de-finitivo) se este tipo de provimento acarretassedesvantagens na progressão na carreira da magis-tratura judicial dos tribunais comuns, não sofri-das pelos juízes auxiliares em comissão tempo-rária de serviço.

Mas também esta situação se não verifica.Quer os juízes auxiliares em comissão tempo-

rária de serviço quer os juízes providos em co-missão permanente de serviço nos tribunaisadministrativos e fiscais continuam a pertenceraos quadros da magistratura judicial dos tribu-nais comuns, em cuja carreira continuam a pro-gredir, com acesso às instâncias superiores, e aestes podem regressar, requerendo a cessação dacomissão de serviço (artigo 96.º, n.º 4, do Esta-tuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Face ao exposto, forçoso é concluir que ne-nhum fundamento razoável justifica a distinçãoentre juízes auxiliares em comissão de serviço ejuízes em comissão permanente de serviço, commais de cinco anos de exercício de funções nostribunais administrativos e classificação supe-rior a Bom, para o efeito de poderem ser nomea-dos juízes do Tribunal Central Administrativo.

Resta dizer que o acórdão do pleno da 1.ª Sec-ção proferido no recurso n.º 27 824, invocadopela entidade recorrida em abono da interpreta-ção sufragada na deliberação contenciosamenteimpugnada, não colide com a solução encontradano caso ora em recurso.

Está em causa, no aresto citado, a interpreta-ção de preceitos legais diferentes — a alínea e)do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 99.º do Estatuto dos

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150 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

Tribunais Administrativos e Fiscais —, sendototalmente diverso o excepto legislativo.

De facto, trata-se aí de apurar se um juiz auxi-liar tem capacidade de ser eleito pelos seus parescomo vogal do Conselho Superior dos TribunaisAdministrativos e Fiscais. A resposta foi nega-tiva, tendo-se entendido que «para efeito do dis-posto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 99.ºdo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, só os juízes de nomeação efectiva (a títulodefinitivo ou em comissão permanente de ser-viço) são juízes dos tribunais administrativos decírculo».

A decisão do aresto é perfeitamente razoável,no caso analisado, dado que o mandato para vo-gal do Conselho, nos termos do artigo 99.º, n.º 4,do Estatuto dos Tribunais Administrativos eFiscais, é de quatro anos e o artigo 57.º do Esta-tuto dos Magistrados Judiciais, na redacção vi-gente à data, impunha o limite de três anos paraa comissão de serviço.

A interpretação do conceito de juiz auxiliar,em comissão temporária de serviço, foi, como seviu, efectuada para um efeito completamente dis-tinta do analisado no presente recurso, em nadaconflituando os resultados a que nos mesmos sechegou.

2.2.2. De tudo quanto vem referido resultaque a deliberação do Conselho Superior dos Tri-bunais Administrativos e Fiscais que excluiu orecorrente do concurso para juiz do TribunalCentral Administrativo (2.ª Secção) — dandocomo assente que o mesmo contava à data 6anos, 7 meses e 23 dias de antiguidade na jurisdi-ção Fiscal a tinha sido classificado duas vezes deBom com distinção —, por o mesmo «não serjuiz dos tribunais administrativos e fiscais masapenas juiz auxiliar nos tribunais administrati-vos e fiscais», viola, por erro de interpretaçãolegal, o artigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribu-nais Administrativos e Fiscais, merecendo seranulado.

3. Nestes termos, acordam em conceder pro-vimento ao recurso contencioso, anulando a de-liberação impugnada, por vício de violação doartigo 92.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Ad-ministrativos e Fiscais.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Maria Angelina Domingues (Relatora) —António Fernando Samagaio — Isabel Jovita.

Não se conhece jurisprudência anterior sobre a matéria apreciada no acórdão.(A. C. S. S.)

Responsabilidade civil extracontratual do Estado — Deter-minação de jurisdição competente

Acção de responsabilidade civil emergente de actos ilícitos praticados por órgãoou agente do Estado ou de outra entidade pública. É a natureza, pública ou privada,desses actos que determina a jurisdição competente para apreciar a acção.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 12 de Outubro de 2000Conflito n.º 352(Tribunal dos Conflitos)

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151 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

ACORDAM no Tribunal dos Conflitos:

José Bonifácio Monteiro e mulher, Isolina daConceição Sousa, propuseram acção declarativaordinária contra a Junta de Freguesia da Maceira(seguidamente Junta) e o presidente da CâmaraMunicipal de Leiria (de ora em diante Câmara)em representação desta, em que pediram a suacondenação a pagar-lhes 1 050 000$00, com ju-ros legais desde a citação, pela ocupação de umaparcela de terreno de sua propriedade, pelo cortee pelo estrago nos pinheiros e eucaliptos e pordanos não patrimoniais, no alargamento do ca-minho das Bregieiras, levado a cabo pela Junta,com maquinaria e pessoal da Câmara.

A Câmara e a Junta contestaram, tendo ar-guido a incompetência material do tribunal civil.

Os autores responderam no sentido da im-procedência de tal arguição.

Por despacho de fls. 40-41, foi julgado o tri-bunal incompetente em razão da matéria e absol-vidas as recorrentes da instância.

Os autores recorreram sem êxito para o Tri-bunal da Relação de Coimbra.

Recorreram do acórdão confirmativo para esteTribunal dos Conflitos, tendo concluído assimno sentido da sua revogação:

«1) Os alegantes, conforme consta de fls. ...,interpuseram recurso para o Tribunal da Relaçãode Coimbra da sentença proferida pelo M.mo Juizdo Tribunal Cível da Comarca de Leiria;

2) Por acórdão foi decidido manter a decisãorecorrida;

3) Para isso os Ex.mos Srs. Doutores JuízesConselheiros concluíram que, ‘desta forma, nãohá dúvidas que, no caso sub judice e perante amatéria alegada, se verifica uma situação de res-ponsabilidade extracontratual das rés por pre-juízos decorrentes de actos de gestão pública,cujo conhecimento, por isso, é da competênciado contencioso administrativo, por força do atráscitado artigo 51.º, alínea h), do Estatuto dos Tri-bunais Administrativos e Fiscais’;

4) Conforme tem sido maioritariamente deci-dido pelos nossos tribunais superiores, quandoestá em causa a posse, propriedade e indemniza-ção derivada da violação desses actos materiais,é competente o tribunal comum para conhecer

destas questões, e não o tribunal administrativode círculo;

5) Neste processo se discute a posse, pro-priedade, administração do bem — terrenoocupado, e indemnização respectiva — v. inclu-sivamente contestação apresentada pela ré Juntade Freguesia;

6) Dúvidas não existem que é competente paraconhecer desta acção o tribunal comum, nos ter-mos dos artigos 64.º e 66.º do Código de Pro-cesso Civil e artigos 14.º e 18.º da Lei Orgânicados Tribunais Judiciais;

7) Os alegantes ainda poderiam, nos termosdo artigo 273.º do Código de Processo Civil, alte-rar a causa de pedir, nomeadamente reivindicar aparcela de terreno que as rés ocuparam indevida-mente, em alternativa ao pedido que fizeram noprimeiro parágrafo do artigo 22.º da petição ini-cial;

8) Deverá declarar-se o Tribunal Cível daComarca de Leiria competente para decidir aquestão, e não o Tribunal Administrativo de Cír-culo de Coimbra, como se decidiu;

9) O acórdão recorrido violou a interpretaçãoa aplicação do disposto nos artigos 64.º e 66.º doCódigo de Processo Civil e artigos 14.º e 18.º daLei Orgânica dos Tribunais Judiciais;

10) Deverá ser revogado o acórdão de recor-rido.»

O Sr. Magistrado do Ministério Público pro-nunciou-se pela competência da jurisdição admi-nistrativa.

Colhidos que foram os vistos legais, há queconhecer do objecto do recurso.

Segundo o artigo 66.º do Código de ProcessoCivil, «as causas que não sejam atribuídas aalguma jurisdição especial são da competênciado tribunal comum».

E, nos termos do n.º 1 do artigo 67.º do mesmoCódigo de Processo Civil, «o tribunal comum é ocivil».

O n.º 1 do artigo 90.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, consagra a responsabilidadecivil das autarquias locais «perante terceiros porofensa de direitos destes ou de disposições des-tinadas a proteger os seus interesses, resultantede actos ilícitos culposamente praticados pelos

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152 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

respectivos órgãos ou agentes no exercício dassuas funções ou por causa desse exercício».

De acordo com o disposto na alínea h) don.º 1 do artigo 51.º do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais (Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril), compete aos tribunais admi-nistrativos de círculo conhecer «das acções so-bre responsabilidade civil do Estado, dos demaisentes públicos e dos titulares dos seus órgãos eagentes por prejuízos decorrentes de actos degestão pública, incluindo acções de regresso».

São actos de gestão pública os levados a cabopor órgãos ou agentes da Administração Públicano exercício das suas atribuições, segundo nor-mas de direito público (neste sentido, conformejurisprudência e doutrina correntes, o acórdãodeste Tribunal dos Conflitos de 1 de Junho de1989, Acórdãos Doutrinais, n.º 346).

Quer o artigo 2.º da Lei 2110, de 19 de Agostode 1961, quanto às câmaras municipais, quer on.º 10 do artigo 253.º do Decreto-Lei n.º 34 593,de 11 de Maio de 1945, quanto às juntas de fre-

guesia, atribuem competência quanto à constru-ção, conservação, reparação, respectivamente, emrelação a estradas e caminhos municipais e a ca-minhos vicinais.

Ora, os elementos factuais carreados pelosautores mostram que as recorrentes são deman-dadas por actos realizados no exercício dessassuas atribuições, reguladas por normas de direitopúblico.

Termos em que se decide, ex vi do dispostono n.º 2 do artigo 107.º do Código de ProcessoCivil, ser competente o tribunal administrativode círculo para a acção em causa.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

José Alberto de Azevedo Moura Cruz (Rela-tor) — Eugénio Alves Barata — Abílio Vascon-celos Carvalho — João Pedro Araújo Cordeiro —Armando Santos Lourenço — António FernandoSamagaio.

O aresto sob anotação conclui que a determinação da jurisdição competente para apreciar umaacção de responsabilidade civil intentada contra entidade pública resulta da natureza pública ouprivada dos actos administrativos ou actos materiais lesivos, e não da dos bens ofendidos ou direitosviolados.

Na acção proposta contra município e Junta de Freguesia pedia-se o pagamento de uma indem-nização resultante dos prejuízos causados (i) com a ocupação de uma parcela de terreno dos autores,(ii) com os estragos em pinheiros e eucaliptos na parte não ocupada e (iii) com os danos nãopatrimoniais sofridos como recorrência dessas acções. Tudo na sequência de obras levadas a cabo emestrada municipal ou vicinal.

(R. B.)

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153 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

Competência do Tribunal Central Administrativo — Relaçãojurídica de emprego público — Recurso contencioso de acto demembro do Governo

I — As expressões «actos e matéria relativos ao funcionalismo público» e «quetenham por objecto a definição de uma relação jurídica de emprego público», usadasnos artigos 40.º, alíneas a) e b), e 104.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos eFiscais, devem ser interpretadas num sentido amplo, abrangendo tanto os actos relativosà relação jurídica de emprego já constituída como os actos relativos à sua constituição.

II — A formação do contrato de trabalho a termo certo é necessariamente prece-dida de oferta de emprego e selecção dos candidatos, forma concursal simplificada regu-lada no Decreto-Lei n.º 427/89, diploma que regula a constituição da relação jurídica deemprego na Administração Pública, que se conclui através de acto administrativo, epode conter eventualmente actos destacáveis.

III — Sendo a actividade administrativa destinada a seleccionar os candidatosregulada pelo direito administrativo e, assim, sujeita à jurisdição administrativa, inde-pendentemente da natureza jurídica das relações contratuais a estabelecer, o acto de ummembro do Governo que incide sobre o acto final do concurso, quando objecto de re-curso contencioso, enquadra-se na matéria respeitante a relação jurídica de empregopúblico, pelo que a competência para conhecer de tal recurso cabe ao Tribunal CentralAdministrativo, nos termos do artigo 40.º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Adminis-trativos e Fiscais.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 45 258(Secção do Contencioso Administrativo)

ACORDAM na 1.ª Secção do Supremo Tri-bunal Administrativo:

Maria Angelina da Mota Nogueira, residenteem Vale de Maria, concelho de Celorico deBasto, interpõe recurso jurisdicional do acórdãodo Tribunal Central Administrativo de 11 deMarço de 1999, que se declarou materialmenteincompetente para conhecer do recurso con-tencioso de anulação por ela interposto do des-pacho de 12 de Junho de 1997 do Secretário deEstado da Administração Educativa que lhe ne-gara provimento ao recurso hierárquico em queimpugnou o acto que a graduou em 3.º lugar emconcurso para contrato de pessoal a termo certopara prestar serviço de cozinha na Escola C + Sde Celorico de Basto.

Na sua alegação de recurso, a recorrente con-cluiu:

A) Entende o tribunal a quo que o pessoalcontratado a termo certo não possui a natureza

de agente administrativo e que como tal a matériaem recurso não cabe na área de jurisdição dostribunais administrativos.

B) Estaria, em nosso entender, correcta a po-sição do tribunal a quo se se estivesse a discutiralgum contencioso decorrente de relação laboralestabelecida entre a recorrente e a Escola C+S deCelorico de Basto, isto é, se aquela tivesse sidocontratada a termo certo e no decorrer do con-trato, surgisse algum contencioso.

C) O vínculo laboral nunca se estabeleceu,porquanto a recorrente, ao ser reclassificada em3.º lugar, ficou fora dos dois lugares que possibi-litavam a celebração do contrato.

D) O que está em causa é a verificação documprimento das regras definidas no concurso, eapurar se o grupo seleccionador actuou no res-peito integral pelos princípios norteadores daAdministração Pública face à lei e aos parti-culares.

E) E é aqui que entendemos que a deliberaçãorecorrida padece de vício de violação de lei,

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154 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

sendo o tribunal a quo o único competente paraverificar da sua existência ou não.

F) Assim, o que está em causa é o concurso eesse, apesar de ser para contratação a termo e deo pessoal a contratar não vir a ter natureza deagente administrativo, o certo é que tem de obe-decer aos princípios gerais de direito, sob penade ser inútil.

G) O controlo das instituições públicas e aigualdade de tratamento que estas têm que terpara com todos os particulares só aos tribunaiscompete.

H) A relação jurídica de emprego público cons-titui-se por nomeação e contrato de pessoal, re-vestindo esta última as modalidades de contratoadministrativo de provimento ou contrato de tra-balho a termo certo (artigos 3.º, 4.º e 14.º do De-creto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro).

I) É pois claro que o tribunal a quo é o compe-tente para apurar se o grupo seleccionador, aodecidir como decidiu, afastando, pelas razões queaduziu, a recorrente de um dos dois lugares deprovimento para ser contratada a termo certopara ajudante de cozinha, actuou dentro da lega-lidade e no cumprimento dos princípios quenorteiam a actividade da Administração Pública,ou se, pelo contrário, actuou em violação de lei, eafastou indevidamente a recorrente e que seriaesta a que devia ter sido seleccionada, para o2.º lugar, e consequentemente que era com estaque devia ter sido celebrado o contrato de traba-lho a termo cedo, para ajudante de cozinha, nasequência do concurso aberto.

J) O acórdão recorrido violou entre outras asnormas dos artigos 40.º, alínea a), do Decreto--Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, 3.º e 6.º doEstatuto dos Tribunais Administrativos e Fis-cais, 3.º, 4.º, 5.º e 6.º do Código do ProcedimentoAdministrativo e 3.º, 13.º e 266.º da Constituiçãoda República Portuguesa.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Públicojunto deste Supremo Tribunal Administrativoemitiu parecer no sentido de se conceder provi-mento ao recurso, argumentando que o despachoimpugnado constitui o acto final de um procedi-mento administrativo desenvolvido com vista àselecção dos candidatos mais aptos ao preenchi-mento dos lugares, sendo, por isso, um acto ad-ministrativo que, pela sua autoria e pela matériaque envolve, deve ser apreciado em via de re-

curso contencioso pelo Tribunal Central Admi-nistrativo, por força da norma do artigo 40.º, alí-nea b), do Estatuto dos Tribunais Administra-tivos e Fiscais.

Colhidos vistos, cumpre decidir.

1. Os factos documentados com interessepara a decisão:

a) Conforme publicitado na imprensa, oconselho directivo da Escola C+S deCelorico de Basto deu como aberto con-curso para dois lugares de ajudante de co-zinha, a contratar a «termo certo»;

b) A recorrente candidatou-se, foi primeirograduada em 2.º lugar e, após reclamaçãode outra concorrente, ficou graduada em3.º lugar, não tendo, por isso, sido contra-tada;

c) Interpôs recurso para o Ministro da Edu-cação do acto que a graduou em 3.º lugar,recurso a que foi negado provimento pordespacho de 12 de Junho de 1997 doSecretário de Estado da AdministraçãoEducativa;

d) Do despacho referido em c) recorreu con-tenciosamente a recorrente para este Su-premo Tribunal Administrativo;

e) De acordo com promoção do MinistérioPúblico, foi o recurso contencioso dospresentes autos mandado remeter ao Tri-bunal Central Administrativo, nos termosdos artigos 104.º do Decreto-Lei n.º 229/96 e 26.º, n.º 1, alínea c), 40, alínea b), e119.º, n.º 2 (cfr. fls. 20 e 21 dos autos).

2. O direito

Questão que se nos coloca é apenas a de saberse a decisão do litígio em causa cabe, ou não, nacompetência dos tribunais administrativos.

2.1 — Porque a matéria foi já tratada nopleno desta Secção, em diversos dos seus acór-dãos, designadamente no de 28 de Abril de 1999(recurso n.º 44 616), e por forma que merece anossa inteira concordância, iremos acompanharde perto a argumentação deste último aresto.

«De acordo com o disposto no artigo 40.º,alínea b), do Estatuto dos Tribunais Adminis-

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155 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

trativos e Fiscais, na redacção dada pelo De-creto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro, com-pete à Secção do Contencioso Administrativodo Tribunal Central Administrativo conhecer,entre outros, dos recursos de actos administra-tivos ou em matéria administrativa praticadospelo Governo, seus membros [...] todos quandorelativos ao funcionalismo público.

Por seu turno, o artigo 104.º do mesmo Esta-tuto dos Tribunais Administrativos e Fiscaisesclarece que, para efeitos daquele diploma, con-sideram-se actos e matéria relativos ao funciona-lismo público os que tenham por objecto adefinição de uma situação decorrente de uma re-lação jurídica de emprego público.

Este Supremo Tribunal já teve oportunidadede sublinhar em vários dos seus arestos que, ape-sar de na sua formulação se aludir a situação de-corrente de uma relação jurídica de empregopúblico, deve ser dado a este preceito um enten-dimento amplo, nele abarcando também os lití-gios respeitantes à própria constituição dessarelação de emprego, designadamente os concer-nentes a concursos de selecção e recrutamentode pessoal.

Com efeito, salientou-se, designadamenteno acórdão de 27 de Maio de 1998 (recurson.º 43 855), que a noção constante do artigo 104.ºdo Estatuto dos Tribunais Administrativos eFiscais deve compreender o conjunto de actosconstitutivos da própria relação jurídica de em-prego e os actos destacáveis do procedimentotendentes a tal constituição, pois, de outro modo,ficariam de fora daquele conceito grande partedos actos inerentes a concursos da função pú-blica, desde logo, ficariam excluídos os actos pra-ticados no âmbito dos concursos de ingresso, namedida em que não existe antes uma relação deemprego público envolvendo os candidatos. Ora,prossegue o acórdão citado, certamente que olegislador não pretendeu tal exclusão, pelo quehá que concluir que a expressão ‘actos e matériarelativos ao funcionalismo público’ e ‘que tenhampor objecto a definição de uma situação decor-rente de uma relação jurídica de emprego pú-blico’ têm um sentido amplo, abrangendo tantoos actos relativos à relação jurídica de emprego jáconstituída como os actos relativos à sua cons-tituição.»

A mesma ideia ressalta da norma do artigo 1.ºdo Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, aodispor que o presente diploma define o regimede constituição, modificação e extinção da rela-ção jurídica de emprego na Administração Pú-blica.

Os elementos expostos e a referência a esteúltimo diploma legal permitem-nos voltar ao casoem apreço. Com efeito, o artigo 3.º do Decreto--Lei n.º 427/89 dispõe que a relação jurídica deemprego na Administração Pública constitui-sepor nomeação e contrato de pessoal, contratoque, de acordo com o artigo 14.º do mesmo di-ploma, só pode revestir as modalidades de con-trato administrativo de provimento e contratode trabalho a termo certo.

O artigo 19.º daquele decreto-lei regula aoferta de emprego e a selecção dos candidatos,no que concerne o contrato de trabalho a termocerto.

Ora, face ao teor do anúncio do respectivoconcurso, no caso em apreço não está em causa aqualificação como contrato de trabalho a termocerto, que, como vimos, é uma das formas deconstituição de relação jurídica de emprego naAdministração Pública, que a lei define como oacordo bilateral pelo qual uma pessoa não inte-grada nos quadros assegura, com carácter de su-bordinação, a satisfação de necessidades transitó-rias dos serviços de duração determinada que nãopossam ser asseguradas nos termos do artigo 15.º(cfr. artigo 18.º).

E aqueles mesmos elementos apontam para aconclusão de que, precedendo a formação do con-trato de trabalho a termo certo, como aconteceem todos os casos em que a Administração visaestabelecer com interessados a relação jurídicade emprego público, aquela está legalmente obri-gada a observar regras que a lei determina, ouseja, o procedimento administrativo concursal,que se conclui através de um acto administrativosusceptível de recurso, podendo conter actosdestacáveis igualmente impugnáveis.

Nesta sede, para além do que resulta dos pre-ceitos legais citados, interpretados no sentidoamplo que acima apontámos no que concerneaos artigos 40.º, alínea b), e 104.º do Estatuto dosTribunais Administrativos e Fiscais, deve con-clui-se, acompanhando o acórdão que vimos se-

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156 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

guindo, sendo a actividade administrativa des-tinada à selecção dos candidatos regulada pelodireito administrativo, e, assim, sujeita à jurisdi-ção administrativa, independentemente da natu-reza jurídica das relações contratuais a estabelecere do foro a que ficarão sujeitos os litígios emer-gentes dessas relações, entendemos que o actoem causa, da autoria de um membro do Governo,versa matéria respeitante a relação jurídica deemprego público, pelo que competente para co-nhecer do recurso desse acto é, nos termos doartigo 40.º, alínea b), do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, o Tribunal CentralAdministrativo, através da sua Secção do Con-tencioso Administrativo.

3. Nestes termos, decide-se:

a) Conceder provimento ao recurso juris-dicional;

b) Revogar o acórdão recorrido; ec) Ordenar a remessa do processo ao Tribu-

nal Central Administrativo, a fim de ali seconhecer do recurso contencioso, se mo-tivo não subsistir para a sua rejeição.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Alves Barata (Relator) — Vítor Gomes —Macedo Almeida.

O acórdão anotando sublinha que o procedimento administrativo constituído com vista à cele-bração de um contrato de trabalho a termo certo, por isso de direito privado, culmina num actoadministrativo impugnável nos tribunais administrativos. De resto, é essa a jurisprudência do Su-premo Tribunal Administrativo, referindo-se até no texto do aresto o acórdão do pleno de 28 de Abrilde 1999, proferido no recurso n.º 44 616.

As expressões «funcionalismo público» e «relação jurídica de emprego público», utilizadas nosartigos 40.º e 104.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, devem ser interpretadas comgrande amplitude, extensivamente, de forma a abrangerem todas aquelas situações onde se observempontos de contacto relevantes. Assim, devem equiparar-se-lhes as relações jurídicas com uma estru-tura semelhante, com uma disciplina jurídica idêntica, ou, pelo menos, sujeitas, ainda que só parcial-mente, a normas de direito público.

Com efeito, quando neste diploma se fala em «matéria relativa ao funcionalismo público» ou«actos [...] relativos ao funcionalismo público» está a utilizar-se estas expressões no seu sentido maisamplo possível, de modo a incluir nelas todas as situações que, não sendo, no estrito rigor dosprincípios, de funcionalismo público, lhe possam ser equiparadas por corresponderem a relaçõesfuncionais idênticas, ou por estarem intimamente conexionadas com ela, por lhe serem prévias—processo de recrutamento — ou posteriores — procedimento de aposentação — e mesmo indem-nizatórias.

A este propósito a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem sido abundantee variada. Quanto à identidade funcional podem ver-se os já citados acórdãos do pleno de 28 de Abrilde 1999, no recurso n.º 44 616 (procedimento administrativo visando a contratação por contrato atermo certo), e da Secção de 22 de Outubro de 1998, no recurso n.º 43 391 (acto praticado no âmbitodo serviço militar obrigatório); quanto ao processo de recrutamento e aposentação, os acórdãos de5 de Maio de 1998, no recurso n.º 43 338, e de 14 de Outubro de 1998, no recurso n.º 44 118;finalmente, quanto à responsabilidade civil emergente de uma relação desta natureza, o acórdão de4 de Março de 1999, no recurso n.º 44 476.

(R. B.)

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Litispendência — Prioridade do seu conhecimento

I — A litispendência é um pressuposto processual de conhecimento oficioso queobsta a que o tribunal conheça não só do mérito da causa como ainda dos restantespressupostos processuais.

II — As questões suscitadas com carácter prévio no recurso jurisdicional da deci-são que decretou a litispendência não devem ser conhecidas antes da questão dalitispendência se se verificar que constituem pressupostos processuais da causa.

III — Também por isso o conhecimento das questões relativas à regularidade dainstância cede perante a prioridade de conhecimento da litispendência.

IV — A litispendência ocorre no momento da propositura do recurso contencioso,pelo que é irrelevante, para efeito da sua verificação, qualquer invocação posterior devícios.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 44 083(Pleno da Secção de Contencioso Administrativo)

ACORDAM, em conferência, no pleno daSecção do Contencioso Administrativo:

Em 9 de Julho de 1998 José da Costa Pimentainterpôs recurso contencioso da decisão profe-rida pelo Conselho Superior dos Tribunais Ad-ministrativos e Fiscais datada de 30 de Março de1998, que lhe aplicou a pena disciplinar deaposentação compulsiva.

Requereu que fosse fixado efeito suspensivoao recurso e que o acto recorrido fosse, a final,declarado inexistente ou, assim não se enten-dendo, declarado nulo ou anulado.

O tribunal recusou-se a tomar conhecimentodo referido pedido de fixação de efeito suspensivodada a respectiva inadequação processual e, apósa resposta da autoridade recorrida, julgou proce-dente a excepção de litispendência por esta ar-guida, pelo que a «absolveu da instância» comfundamento nos artigos 287.º, n.º 1, alínea e), e494.º, alínea i), do Código de Processo Civil.

Contra o assim decidido reage o recorrente nopresente recurso jurisdicional, sintetizado nasseguintes conclusões:

1.ª — O douto acórdão recorrido é inexistenteporque emana de uma formação de julgamentoconstituída nos termos dos artigos 14.º, n.º 3, e

26.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais, diploma que padecepor inteiro de «inconstitucionalidade subse-quente», já que é inconstitucional a autorizaçãolegislativa conferida pela Lei n.º 29/83, de 8 deSetembro, ao abrigo da qual o mesmo Estatutodos Tribunais Administrativos e Fiscais foi emi-tido.

2.ª — Essa Lei n.º 29/83, de 8 de Setembro, éinconstitucional por ser completamente omissaquanto à indicação da respectiva «extensão», nosseus artigos 1.º a 4.º, que assim violam o n.º 2 doartigo 168.º da Constituição, na versão de 1982.

3.ª — O douto acórdão recorrido é inexistente,sendo uma decisão a non judicie, porque os ele-mentos que compuseram a formação de julga-mento jamais adquiriram a qualidade de juízes doSupremo Tribunal Administrativo, na medida emque foram aí colocados por uma entidade admi-nistrativa denominada «Conselho Superior dosTribunais Administrativos e Fiscais», entidadeessa que o Estatuto dos Tribunais Administrati-vos e Fiscais (artigos 77.º e seguintes) pretendeucriar ao abrigo da referida autorização legislativainconstitucional.

4.ª — De resto, mesmo não sendo incons-titucional a autorização legislativa conferida pelaLei n.º 29/83, são inconstitucionais os artigos77.º e seguintes do Estatuto dos Tribunais Ad-

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158 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

ministrativos e Fiscais (máxime os artigos 77.º,96.º, n.º 4, 98.º, 99.º, 101.º e 102.º), pois a referidalei nada autoriza em matéria de «estatuto de juízes»,designadamente a sua submissão a um «ConselhoSuperior dos Tribunais Administrativos e Fiscais»ou a um seu «presidente», que, deste modo, sãoentidades juridicamente inexistentes.

5.ª — Nem quis autorizar, pois disse o pró-prio Ministro da Justiça, Dr. Rui Machete, aointroduzir o respectivo pedido da autorizaçãolegislativa (proposta de lei n.º 21/III, Diário daAssembleia da República, III Legislatura, 1.ª ses-são legislativa, II Série, n.º 18, de 9 de Julho de1983), na reunião plenária da Assembleia da Re-pública de 15 de Julho de 1983: «nesta autoriza-ção legislativa, não estamos a considerar oproblema do estatuto dos magistrados em geral,nem sequer em especial [...] Portanto, isso nãoestá previsto dentro dos limites desta autori-zação legislativa» — Diário da Assembleia daRepública, III Legislatura, 1.ª sessão legislativa(1983-1984), I Série, n.º 23, de 16 de Julho de1983, pág. 1025.

6.ª — Além disso, tal matéria nem poderia serobjecto de autorização legislativa, sendo comodecidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdãon.º 472/95, publicado no Diário da República,I Série-A, n.º 206/95, de 6 de Setembro de 1995:«o estatuto dos juízes, enquanto titulares de cadaum dos órgãos de soberania que são os tribunais,não pode deixar de se considerar como estandoincluído no âmbito do artigo 167.º, alínea l) [alí-nea g), na versão de 1982], da Constituição»,pelo que «quanto a tal matéria [...] não é legítimaa concessão de uma autorização legislativa aoGoverno».

7.ª — Não sendo inexistente, o douto acórdãorecorrido é nulo, porque o Ministério Públicoparticipou no processo e «emitiu parecer no sen-tido, tão-só, da procedência da questão préviasuscitada pela autoridade recorrida», sendo talparecer proibido por lei, já porque foi emitido aoabrigo da competência que lhe confere os artigos42.º e 54.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribu-nais Administrativos, normas inconstitucionaispor violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea q), daConstituição (na versão de 1982), segundo o quala emissão de normas de competência do Mi-nistério Público é da competência relativa daAssembleia da República.

8.ª — Verifica-se igualmente nulidade porqueo Ministério Público foi convocado e esteve pre-sente na sessão de julgamento secreto, onde sus-tentou a sua posição contra o recorrente, sendoque este jamais foi convocado, nem teve oportu-nidade de responder, ou sequer de conhecer aargumentação oral do Ministério Público, mo-tivo por que é também inconstitucional o artigo15.º da Lei de Processo nos Tribunais Adminis-trativos (e o artigo 8.º, § único, n.º 2, do Regula-mento do Supremo Tribunal Administrativo),que dá ao Ministério Público o direito de assistiràs sessões de julgamento e ser «ouvido na dis-cussão», tudo com violação do referido artigo168.º, n.º 1, alínea q), da Constituição (na versãode 1982) e do direito fundamental do recorrentea um «processo equitativo», consagrado no ar-tigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

9.ª — O acórdão recorrido é também nuloporque, como nele se diz, «a autoridade recor-rida juntou» documentos aos autos, nomeada-mente «certidão» da «deliberação de 23 de No-vembro de 1998», e nada disso foi notificado aorecorrente, em violação dos artigos 3.º, n.º 3, e526.º do Código de Processo Civil e infringindotambém o artigo 201.º, n.º 1, do mesmo diplomae o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.

10.ª — Além disso, o douto acórdão levou emconta a «resposta» da entidade recorrida, querealmente nenhuma resposta apresentou, sendoo autor do acto de «resposta» o presidente daentidade recorrida, que invocou delegação depoderes, que não existe nem pode existir e que,em todo o caso, é ineficaz porque não estápublicada no Diário da República, como exige oartigo 37.º, n.º 2, do Código do ProcedimentoAdministrativo.

11.ª — Finalmente, não se verifica litispen-dência visto que a causa de pedir nos presentesautos é mais ampla que a do recurso n.º 43 845,acrescendo que «as deliberações nulas sãoimpugnáveis, sem dependência de prazo, por viade interposição de recurso contencioso ou dedefesa em qualquer processo administrativo ouJudicial» — artigo 88.º, n.º 2, do Decreto-Lein.º 100/84, de 29 de Março. O mesmo se diga dainexistência [artigos 137.º, n.º 1, e 139.º, n.º 1,alínea a), do Código do Procedimento Adminis-trativo].

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159 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

12.ª — Considerar que a arguição de novosvícios foi «processualmente prematura» signi-fica que o processo tem de prosseguir até aomomento em que o recorrente tem direito a essaarguição, sob pena de violação do direito deacesso ao tribunal, consagrado no artigo 20.º,n.º 1, da Constituição, sendo inconstitucional,por violação desse preceito, o artigo 67.º, n.º 1,do Regulamento do Supremo Tribunal Admi-nistrativo, interpretado no sentido do acórdãorecorrido.

13.ª — Como se vê, o douto acórdão recor-rido violou as seguintes normas jurídicas:

a) O n.º 2 do artigo 168.º da Constituição(versão de 1982), que torna inconstitu-cionais os artigos 14.º, n.º 3, e 26.º, n.º 1,alínea c), do Estatuto dos Tribunais Ad-ministrativos e Fiscais;

b) A alínea g) do artigo 167.º da Constitui-ção, na versão de 1982, sendo incons-titucionais as normas que criaram e regu-lam o funcionamento do Conselho Supe-rior dos Tribunais Administrativos eFiscais e do seu «presidente», nomeada-mente os artigos 77.º, 96.º, n.º 4, 98.º, 99.º,101.º e 102.º do Estatuto dos TribunaisAdministrativos e Fiscais;

c) Os artigos 168.º, n.º 1, alínea q), e 201.º,n.º 1, alínea a), da Constituição (na ver-são de 1982), que tornam inconstitucio-nais os artigos 15.º, 42.º e 54.º, n.º 1, daLei de Processo nos Tribunais Adminis-trativos;

d) O artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, quetorna inconstitucionais os artigos 15.º, 42.ºe 54.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tri-bunais Administrativos e o artigo 8.º,§ único, n.º 2, da Lei Orgânica do Su-premo Tribunal Administrativo;

e) Os artigos 3.º, n.º 3, 526.º e 201.º, n.º 1, doCódigo de Processo Civil;

f) O artigo 98.º, n.º 3, do Estatuto dos Tri-bunais Administrativos e Fiscais e o ar-tigo 217.º, n.º 2, da lei fundamental, quetorna inconstitucional o artigo 86.º, n.º 4,do Código do Procedimento Administra-tivo, na interpretação dada pelo doutoacórdão;

g) O artigo 37.º, n.º 2, do Código do Procedi-mento Administrativo;

h) Os artigos 134.º, n.º 2, 137.º, n.º 1, e139.º, n.º 1, alínea a), do Código do Pro-cedimento Administrativo e o artigo 88.º,n.º 2, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 deMarço;

i) O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, quetorna inconstitucional artigo 67.º, n.º 1,do Regulamento do Supremo TribunalAdministrativo, interpretado no sentidodo acórdão recorrido.

Nestes termos, requer: a) seja o douto acórdãorecorrido declarado inexistente; b) quando assimse não entenda, seja tal douto acórdão declaradonulo ou seja anulado; c) quando assim se nãoentenda, seja tal douto acórdão revogado e, emtodo o caso, seja ele substituído por outro queaplique o direito cabível e ordene o prossegui-mento dos autos.

O Ministério Público é de parecer que o re-curso não merece provimento.

Foram colhidos os vistos, importando decidir.

Em causa está o acórdão da Secção que, dandocomo verificada a excepção de litispendência,absolveu do pedido a autoridade recorrida.

É a esta decisão que o recorrente imputa osvícios reproduzidos nas conclusões da respec-tiva alegação: alguns referem-se a pressupostosprocessuais e outros à errada apreciação jurídicada questão que determinou o tribunal a rejeitar orecurso.

Todavia, a litispendência é, também ela, umpressuposto processual [artigos 493.º, n.os 1 e 2,e 494.º, alínea i), do Código de Processo Civil],embora de carácter relativo, pois opera apenasna acção interposta em último lugar, e de natu-reza preventiva, pois se destina a prevenir a inú-til duplicação da actividade processual e o riscode contradição de julgados.

A sua justificação reside, portanto, em moti-vos de ordem pública atinentes à própria funçãojurisdicional e daí que o seu conhecimento seimponha oficiosamente ao tribunal (artigo 495.ºdo Código de Processo Civil).

Também por isso se deve reconhecer que averificação da litispendência obsta a que o tribu-nal conheça não só do mérito da causa comoainda dos restantes pressupostos processuais damesma causa, pois estas são questões sobre as

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160 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

quais igualmente incidirá a pronúncia do tribunalsolicitado, em primeiro lugar, a decidir o litígio.

Ou seja: «para que a litispendência possa serdecretada, requere-se e basta a citação do réupara uma acção idêntica a outra já proposta, semque haja necessidade de, previamente, procederà verificação dos pressupostos processuais emqualquer delas, nem sequer na primeira» (An-selmo de Castro, Direito Processual Civil Decla-ratório, Coimbra, 1982, vol. II, pág. 244).

Daqui se conclui que as questões suscitadas,embora com carácter prévio, no presente re-curso, não podem ser conhecidas desde que severifique, afinal, que constituem a duplicação dequestões que devam ser tratadas no recurso in-tentado em primeiro lugar, pois é exactamente arepetição deste tipo de pronúncia jurisdicionalque a lei quer evitar através do mecanismo dalitispendência.

As questões invocadas genericamente a pro-pósito de vícios pretensamente determinantesda inexistência ou nulidade do acórdão recorridoe que resultam da invocação da inconstitucio-nalidade das normas que determinam a composi-ção e funcionamento do tribunal recorrido sãopermanentes, já subsistiam na data da interpo-sição do recurso contencioso interposto em pri-meiro lugar e continuarão a manter-se, devendoser aqui entendidas como relativas aos pressu-postos da instância e perdendo, por isso, o seucarácter prévio face ao julgamento da questão delitispendência.

Com efeito, o conhecimento da litispendênciaé prévio em relação aos demais pressupostos,«já que actua a se, com inteira autonomia dosrestantes» (autor e ob. cits., pág. 244).

Assim, o conhecimento das questões a que sereportam as conclusões 1.ª a 8.ª, inclusive, daalegação do recorrente é subsequente ao conheci-mento da questão da litispendência, caso se nãomostre prejudicado pela solução dada a estaquestão.

Nas conclusões 9.ª e 10.ª vêm suscitadas ques-tões de natureza processual desta vez relativasespecificamente a este processo: refere-se queterá sido cometida uma nulidade processual pornão haver sido notificada ao recorrente a junçãode documentos por parte da autoridade recor-rida; além disto, o tribunal não deveria ter consi-derado a resposta daquela autoridade, como fez.

Porém, mais uma vez é oportuno recordar queestas são questões cuja prioridade de conheci-mento cede perante a questão da litispendência.

É que a litispendência ocorre no momento dadedução do pedido, no presente caso no mo-mento da interposição do recurso, e, a verificar--se, determina a imediata extinção da instânciano processo intentado em segundo lugar, sendopor isso inútil e até ilógico que o tribunal apreciepreviamente questões relacionadas com a cor-recção formal da tramitação subsequente, paraefeito de determinar a sua regularização, antes deimpor a aludida extinção.

Não pode, por isso, acompanhar-se o acórdãorecorrido na parte em que decidiu que o conheci-mento da legalidade da resposta apresentada pelaautoridade recorrida «precede» o da litispen-dência. Tal raciocínio só seria de sufragar se aquestão da litispendência não se integrasse naactividade de investigação oficiosa do tribunal,caso em que o respectivo conhecimento só adviriaao tribunal se e quando regularmente suscitadono processo.

Mas já vimos que a solução legal é a oposta.Cumpre assim verificar se se verifica a apon-

tada excepção.

Considerou o acórdão recorrido que do con-fronto com a petição do recurso n.º 43 845, ins-taurado em 5 de Maio de 1998, com o presentepedido (instaurado em 11 de Janeiro de 1999),seria patente a identidade de sujeitos e de pe-dido. Em suma, em ambos estaria em causa omesmo acto administrativo, que tem um únicodestinatário: o recorrente.

No recurso ora em apreciação o recorrentenão impugna verdadeiramente este julgamento,limitando-se a esgrimir uma determinada inter-pretação legal: sendo a nulidade invocável a todoo tempo e em qualquer processo, poderá ser de-clarada também neste processo. E assim seria senão fosse precisamente a regra da litispendênciaque impede a repetição de causas.

Invoca depois que os factos concretos invo-cados em cada uma das causas «não coincideminteiramente», nem a «totalidade dos pedidos éidêntica».

Todavia, não refere em que pontos da matériade facto existe divergência, ou quais são os pedi-dos em que se não verifique identidade, como

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161 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

aliás lhe competiria — artigo 690.º-A, n.º 1, alí-nea a), do Código de Processo Civil.

É certo que foi formulado um pedido incidentalnovo, o de fixação de efeito suspensivo ao re-curso. Mas este foi liminarmente afastado, emvirtude de o tribunal se haver recusado a tomardele conhecimento dada a sua manifesta inade-quação formal. Passou assim a ser também mani-festa a identidade de pedidos, pois em ambos oscasos a pretensão se reconduz à declaração deinexistência, ou de nulidade, ou de anulação doacto recorrido.

É certo que, depois da juntada do processoinstrutor, o recorrente veio invocar novos víciosde que se teria apercebido apenas com o conheci-mento daquele processo: mas o certo é que alitispendência se verifica com a propositura daacção, como se viu, e, quando o recurso foi intro-duzido em juízo, já se verificava a apontada iden-tidade, denunciadora da litispendência.

Assim, a via pela qual o recorrente pretendeobter o efeito jurídico que visa obter em ambos

os recursos, a respectiva causa de pedir, tambémé idêntica, tal como julgou o acórdão recorrido.

Nestes termos, apurado que o acórdão nãomerece censura na parte em que julgou verificadaa excepção de litispendência, fica prejudicado nopresente recurso, pelas já apontadas razões, oconhecimento das demais questões suscitadaspelo recorrente.

Em face do exposto acordam no pleno da Sec-ção em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa dejustiça e a procuradoria respectivamente em40 000$00 e 20 000$00.

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Carlos José Belo Pamplona de Oliveira (Rela-tor) — José da Cruz Rodrigues — AntónioFernando Samagaio — Rui Manuel PinheiroMoreira — António José Simões Redinha —Pedro Manuel de Pinho Gouveia e Melo — Isa-bel Jovita Loureiro dos Santos Macedo.

Debruçando-se sobre o instituto da litispendência no âmbito da jurisdição administrativa, pode-rão confrontar-se ainda os seguintes acórdãos:

De 29 de Outubro de 1987, recurso n.º 23 713, Apêndice ao Diário da República de20 de Abril de 1994, pág. 4706;

De 4 de Abril de 1989, recurso n.º 20 696, Apêndice ao Diário da República de 15de Novembro de 1994, pág. 2199;

De 4 de Junho de 1996, recurso n.º 38 319;De 10 de Julho de 1997, recurso n.º 37 190;De 17 de Outubro de 1995, recurso n.º 38 720, Apêndice ao Diário da República de

30 de Abril de 1997, pág. 7773;De 28 de Novembro de 1996, recurso n.º 40 067, Apêndice ao Diário da República

de 15 de Abril de 1991, pág. 8081.

(M. P.)

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162 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

Intimação para emissão alvará de licenciamento de constru-ção — Deferimento tácito — Vícios do acto revogatório

I — Do artigo 62.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, decorreque são pressupostos cumulativamente exigíveis do pedido de intimação judicial parapassagem de alvará de licenciamento de obra: a) o deferimento expresso ou tácito dopedido de licenciamento; b) a recusa injustificada ou falta de emissão do alvará respec-tivo; c) o pagamento ou garantia das taxas devidas pela emissão.

II — Não concorre numa dada situação o primeiro dos pressupostos quando odeferimento tácito tenha sido revogado por posterior acto expresso de indeferimento.

III — A legalidade do acto revogatório não pode ser avaliada no processo referenteao pedido de intimação.

IV — Tal questão terá de ser suscitada em recurso contencioso que tenha porobjecto material a revogação.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 46 691(Secção do Contencioso Admnistrativo)

ACORDAM, em subsecção, na Secção doContencioso Administrativo do SupremoTribunal Administrativo:

I — Fundamentação

1. COOAGRICAL — Cooperativa Agrícolado Concelho das Caldas da Rainha, C. R. L.,requereu, no Tribunal Administrativo de Círculode Coimbra, a intimação do presidente da Câ-mara Municipal das Caldas da Rainha, nos ter-mos do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de20 de Novembro, para emissão de um alvará delicença de construção.

Alegou que, sendo proprietária do prédio ur-bano sito em Nossa Senhora do Pópulo, Caldasda Rainha, requereu, em 10 de Março de 1990,na Câmara Municipal das Caldas da Rainha olicenciamento de obras de construção de um pa-vilhão, pedido que deu origem ao processo deobra n.º 150/99.

Em 27 de Setembro de 1999 a Câmara Muni-cipal deliberou revogar o deferimento tácito doprojecto de arquitectura, que entretanto ocorrera.

A recorrente interpôs recurso contenciosodessa deliberação.

Mais tarde a mesma Câmara Municipal revo-gou essa deliberação revogatória, pelo que, as-sim, o deferimento tácito se manteve.

Em 25 de Outubro de 1999 foram apresenta-dos os projectos de especialidades.

Nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lein.º 445/91, houve deferimento tácito do pedidode licenciamento em 9 de Dezembro de 1999.

Em 7 de Junho de 2000 foi feito o pedido deemissão do alvará de licença de construção e nodia 9 foram pagas as taxas devidas.

A entidade requerida na sua resposta defls. 31 a 35 propugnou o indeferimento do pedido.

2. Por sentença do Tribunal Administrativode Círculo de Coimbra de 28 de Julho de 2000(fls. 61 a 65), foi o pedido de intimação indefe-rido por falta de verificação dos respectivos pres-supostos.

3. Nessa sentença julgou-se provada a se-guinte matéria de facto, considerada relevantepara a decisão da causa:

«1 — Em 10 de Março de 1999 a requerenterequereu à Câmara Municipal o licenciamento deconstrução de um pavilhão no seu prédio sito emNossa Senhora do Pópulo, Caldas da Rainha,

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163 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

pedido que deu origem ao processo de obrasn.º 150/99;

2 — Em 22 de Outubro de 1999 a requerenterequereu à Câmara Municipal, na qualidade deproprietária e titular do processo de obras parti-culares n.º 150/99, a aprovação dos projectos deestabilidade, instalação de gás, redes interioresde água e esgotos, isolamento térmico e de cha-minés de ventilação e exaustão de fumos e em 25de Outubro requereu e aprovação do projecto deinstalações telefónicas e telecomunicações;

3 — Em 27 de Setembro de 1999 a CâmaraMunicipal deliberou revogar o deferimento tá-cito e apontar para o indeferimento do pedido deconstrução;

4 — A requerente interpôs recurso conten-cioso desta deliberação;

5 — Em 20 de Março de 2000 a Câmara Mu-nicipal deliberou revogar a deliberação de 27 deSetembro de 1999 por não estar devidamentefundamentada e por na parte relativa à revogaçãodo deferimento tácito não ter sido dada oportu-nidade à requerente para se pronunciar nos ter-mos do artigo 100.º do Código do ProcedimentoAdministrativo;

6 — Nesta mesma reunião foi deliberado re-vogar o deferimento tácito eventualmente produ-zido, por violação do artigo 121.º do RegulamentoGeral das Edificações Urbanas, por violação doDecreto-Lei n.º 61/90, de 15 de Fevereiro, e porviolar o disposto nas normas provisórias da ci-dade, aprovadas por Resolução do Conselho deMinistros n.º 79/99, de 28 de Julho, e foi delibe-rado indeferir a aprovação do projecto de arqui-tectura, por o tipo de obra não ser compatívelcomo o equilibrado desenvolvimento urbanís-tico da área, tratando-se de área residencial debaixa densidade para moradias ou pequenos edi-fícios com cércea máxima de dois pisos, ape-nas se admitindo pequenas unidades de comérciodiário;

7 — Em 7 de Junho de 2000 a requerenterequereu ao presidente da Câmara Municipal dasCaldas da Rainha a emissão do alvará de licençade construção, face ao deferimento tácito do pe-dido, bem como a emissão de guias para paga-mento das taxas devidas;

8 — Em 9 de Junho de 2000 a requerenteprocedeu ao depósito à ordem da Câmara Mu-nicipal das Caldas da Rainha da quantia de

180 000$00, a título de pagamento das taxasdevidas no processo de licenciamento de obrasparticulares n.º 150/99.»

4. A decisão de indeferimento do pedido deintimação fundamentou-se na seguinte argumen-tação:

«A Câmara Municipal tinha 30 dias para sepronunciar sobre o pedido. Não o fazendo, epartindo do princípio que o processo estava ins-truído com todos os documento necessários, pre-sumir-se-ia haver deferimento do pedido.

Com base neste raciocínio vem a requerentepedir a intimação da Câmara Municipal paraemissão do alvará, que não emitiu voluntaria-mente. A requerente reclama ter-se formado actotácito de deferimento porque desde a data dopedido de aprovação do projecto de arquitecturae do pedido de aprovação dos projectos de espe-cialidades a requerida nada disse no prazo legalque dispunha para se pronunciar.

Nos termos do artigo 141.º do Código do Pro-cedimento Administrativo qualquer acto admi-nistrativo pode ser revogado se se verificarem asseguintes condições: ser inválido, isto é, ser con-siderado pela autoridade decisora como contrá-rio à lei aplicável ao caso; ser respeitado o prazoque a lei concede para o efeito — dentro do prazodo recurso contencioso ou até à resposta da au-toridade recorrida.

No caso o eventual deferimento tácito do pe-dido de aprovação do projecto de arquitecturafoi revogado expressamente.

Tendo-o sido falta, naturalmente, um dos pres-supostos legais de cuja verificação depende oprocesso especial previsto no artigo 62.º do De-creto-Lei n.º 445/91, que é a existência de deferi-mento, tácito ou expresso.

Neste sentido vejam-se os acórdãos citadospelo magistrado do Ministério Público: acórdãosdo Supremo Tribunal Administrativo de 27 deOutubro de 1998, recurso n.º 42 196, e de 13 deJaneiro de 1999, recurso n.º 44 495.

Fundando-se a revogação em ilegalidade doacto a destruição deste equivale a um reconheci-mento da invalidade que o fere desde a origem eatinge os efeitos já produzidos.

Não há, pois, deferimento.»

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164 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

5. É contra esta sentença que, pela reque-rente, vem interposto o presente recurso juris-dicional, terminando as respectivas alegações(fls. 70 a 83) com a formulação das seguintesconclusões:

«1.ª — Não é verdadeira a conclusão da aliásdouta sentença recorrida quando refere que a deli-beração n.º 838 da Câmara Municipal das Caldasda Rainha, datada de 20 de Março de 2000, pro-cedeu à revogação do deferimento tácito even-tualmente produzido e ao indeferimento do pro-jecto de arquitectura, já que tal deliberação nãocontém mais do que projectos de actos adminis-trativos, que foram notificados à ora recorrentenos termos e para os efeitos dos artigos 100.º eseguintes do Código do Procedimento Adminis-trativo;

2.ª — Tendo a ora recorrente apresentado asua pronúncia em audiência prévia, impunha-seque a Câmara Municipal das Caldas da Rainhaapreciasse essa pronúncia ou, ainda que o nãofizesse, praticasse os actos administrativos defi-nitivos e executórios sequentes dos projectos deactos notificados à ora recorrente;

3.ª — Dos autos não resulta provada qual-quer das ilegalidades imputadas pela autoridaderecorrida ao deferimento tácito porquanto:

a) A obtenção de parecer do Serviço Nacio-nal de Bombeiros era obrigação da Câ-mara Municipal das Caldas da Rainha,sendo a invocação feita pela autoridaderecorrida claramente violadora do princí-pio da boa fé, constante do artigo 6.º-Ado Código do Procedimento Adminis-trativo;

b) As normas provisórias da cidade das Cal-das da Rainha apenas se tornaram efica-zes em data posterior a qualquer defe-rimento tácito ocorrido no presente licen-ciamento;

c) Não é apresentada qualquer factualidadesubsumível na alegada violação do artigo121.º do Regulamento Geral das Edifica-ções Urbanas por parte do licenciamentode obras sub judice;

4.º — O licenciamento da obra em apreço en-contra-se tacitamente deferido, pelo que a nãoemissão do respectivo alvará de licença de

construção constitui conduta ilícita da autorida-de recorrida, devendo, consequentemente, tal au-toridade ser intimada a emitir o competente alvaráde licença de construção nos termos do dispostono artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 445/91, com aredacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lein.º 250/94.

Nestes termos, deve o presente recurso serjulgado como provado e procedente, revogan-do-se aliás a douta sentença recorrida e intiman-do-se a autoridade recorrida a emitir o peticionadoalvará de licença de construção.»

A autoridade requerida contra-alegou (fls. 100)pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, oEx.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinteparecer:

«Vem interposto recurso da sentença defls. 61 e seguintes que indeferiu o pedido deintimação de passagem de alvará, formulado pelarecorrente nos termos do artigo 62.º do Decreto--Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

Afigura-se-nos não assistir razão à recorrente.De facto, da deliberação n.º 838, de 20 de

Março de 2000, da Câmara Municipal das Cal-das da Rainha, exarada na acta n.º 12/200, junta afls. 43, consta que a entidade requerida relativa-mente ao processo de obras n.º 150/99, cujo alvaráde licenciamento está aqui e causa, revogou odeferimento tácito eventualmente produzido,bem como indeferiu projecto de arquitectura,aliás nos termos e com os fundamentos da pro-posta do presidente da Câmara junta a fls. 45.

O deferimento tácito, invocado pela recor-rente como fundamento do pedido de intimaçãoformulado a fls. 2, não se verificava, pois tinhasido expressamente revogado por aquela delibe-ração da Câmara.

O cumprimento simultâneo, ou posterior àdecisão, do dever de audiência previsto no artigo100.º do Código do Procedimento Administra-tivo será eventualmente causa de anulação dadeliberação n.º 838, mas isso é questão estranhaaos presentes autos e que só poderá ser dis-cutida em sede de recurso contencioso daqueleacto administrativo — cfr. acórdão de 16 deAgosto de 2000, recurso n.º 46 384.

Assim, revogado que foi o deferimento tácito,falta um dos pressupostos para deferimento do

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165 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

pedido de intimação para a emissão de alvará,pelo que a sentença recorrida, indeferindo o pe-dido, deve ser mantida.

Nos termos expostos somos de parecer quedeve ser negado provimento ao presente recurso.»

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar edecidir.

II — Fundamentação

O Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novem-bro, que aprovou o regime de licenciamento deobras particulares, dispõe no seu artigo 62.º,n.os 1 e 8 (redacção do artigo 1.º do Decreto-Lein.º 250/94, de 15 de Outubro), o seguinte:

1 — Nos casos de deferimento, expresso outácito, de pedidos de licenciamento, perante arecusa injustificada ou falta de emissão do alvarárespectivo, pode o interessado pedir ao tribunaladministrativo de círculo a intimação da autori-dade competente para proceder à referida emis-são».

.......................................................................8 — A certidão da sentença transitada em jul-

gado que haja intimado à emissão do alvará subs-titui, para todos os efeitos previstos no presentediploma, nomeadamente para os pedidos de liga-ção das redes de saneamento, de abastecimento ede telecomunicações, o alvará não emitido.»

Ora, a propósito desta disposição legal, existejurisprudência consolidada deste Supremo Tri-bunal Administrativo — quer quanto aos pres-supostos do direito à emissão do alvará, querquanto à repercussão que nesse direito, quandofundado em deferimento tácito, implica a poste-rior emissão de acto expresso de indeferimento,quer quanto à inadmissibilidade de averiguação,no meio processual em causa, da (in)validade desteacto expresso — que interessará registar.

Assim, no acórdão de 26 de Agosto de 1998,processo n.º 43 987, se demonstrou que os «ac-tos constitutivos de direitos (como é o caso dolicenciamento [expresso ou tácito] de obras)podem ser revogados pela Administração comfundamento em ilegalidade, no prazo fixado nalei para o recurso contencioso (o mais longo, deum ano, segundo jurisprudência uniforme) —artigo 141.º do Código do Procedimento Admi-

nistrativo» e que «a formação do acto tácito nostermos do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 445/91tem unicamente a ver com o preenchimento dosrequisitos do deferimento (tácito) da pretensãoe não com a legalidade do seu ficcionado con-teúdo dispositivo (acórdão de 9 de Julho de 1996,recurso n.º 40 221)», pelo que, uma vez que, nocaso, à data de apresentação do pedido de inti-mação, ainda que se tivesse formado o alegadodeferimento tácito, o mesmo se encontrava jáexpressamente revogado, tinha necessariamenteque improceder a pretensão dos recorrentes.

No acórdão de 27 de Outubro de 1998, pro-cesso n.º 42 960, decidiu-se: «I — O facto de seter formado acto tácito não afasta que a Admi-nistração continua com o dever legal de decidir,nos termos do artigo 9.º do Código do Procedi-mento Administrativo. II — Praticando a Admi-nistração acto expresso depois de se ter formadoacto tácito positivo, existe revogação deste úl-timo. III — Revogado o acto tácito de deferi-mento de licenciamento de construção por actoexpresso, não há lugar ao pedido de intimaçãojudicial para um comportamento previsto no ar-tigo 62.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 deNovembro, que tenha por pressupostos aqueleacto revogado.»

Também no acórdão de 13 de Janeiro de 1999,processo n.º 44 495, se entendeu: «I — Do artigo62.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20de Novembro, decorre que são pressupostoscumulativamente exigíveis do pedido de intimaçãojudicial para passagem de alvará de licenciamentode obra: a) o deferimento expresso ou tácito dopedido de licenciamento; b) a recusa injustificadaou falta de emissão do alvará respectivo; c) opagamento ou garantia das taxas devidas pelaemissão. II — Não concorre numa dada situaçãoo primeiro dos pressupostos quando o deferi-mento tácito tenha sido revogado por posterioracto expresso de indeferimento. III — A legali-dade do acto revogatório não pode ser avaliadano processo referente ao pedido de intimação.IV — Tal questão terá de ser suscitada em re-curso contencioso que tenha por objecto mate-rial a revogação.»

Idêntico entendimento foi sufragado noacórdão de 25 de Agosto de 1999, processon.º 45 353, assim sumariado: «I — A nulidade do

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166 BMJ 500 (2000)Direito Administrativo

acto de indeferimento expresso de licença deloteamento tem de ser patente, para que o julgadordo processo de intimação para passagem de alvaráde loteamento possa, numa análise perfunctória,dela conhecer. II — O vício de forma por falta defundamentação não gera a nulidade do indefe-rimento referido em I, mas mera anulabilidade.III — Não se justifica a suspensão da instância,nos termos do artigo 97.º, n.º 1, do Código deProcesso Civil, do processo de intimação parapassagem de alvará de loteamento, até à decisãodo recurso interposto ou a interpor do indefe-rimento expresso do pedido de licenciamento doreferido loteamento.»

Finalmente, o acórdão de 21 de Outubro de1999, processo n.º 45 374, decidiu: «I — Tendoo pedido de licenciamento de construção de obraparticular sido objecto de expressa decisão deindeferimento, com fundamento no disposto noartigo 63.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lein.º 445/91, de 20 de Novembro, por despachonotificado à interessada, ora recorrente, e quenão foi por esta impugnado, é evidente que fa-lham os pressupostos da intimação judicial paraa emissão de alvará, previstos no artigo 62.º,n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de No-vembro, que dispõe para casos de ‘deferimento,expresso ou tácito, de pedidos de licenciamento’.II — Não colhe, por irrelevante, qualquer invo-cação de ilegalidade daquele despacho de indefe-rimento expresso, que sempre teria revogado oeventual deferimento tácito anterior do pedidode licenciamento, dado que tal ilegalidade só po-deria ser conhecida em sede de recurso conten-cioso dele interposto.»

Recordada esta orientação jurisprudencial, quese reitera, cumpre agora aplicá-la ao caso subjudice.

Ora, resulta da matéria de facto apurada, con-cretamente da deliberação n.º 838, transcrita daacta n.º 12/2000 (fls. 43 a 49 dos autos), que aCâmara requerida, na sua sessão de 20 de Marçode 2000, decidiu o seguinte:

«Presente o processo de obras n.º 150/99, e orecurso contencioso de anulação n.º 12/2000, in-terposto no Tribunal Administrativo de Círculode Coimbra, da deliberação tomada em reuniãode 27 de Setembro de 1999, acompanhados da

proposta do Sr. Presidente da Câmara, que aquise dá por transcrita e fazendo parte integrante dapresente acta:

A Câmara deliberou, por unanimidade, apro-var a referida proposta, pronunciando-se:

A — Pela revogação do deferimento tácitoeventualmente produzido, com os fundamentosda proposta do Sr. Presidente, que aqui se dá porintegralmente reproduzida e fazendo parte inte-grante da presente acta;

B — Pelo indeferimento do projecto de ar-quitectura, nos termos das informações da DPUn.os 135-CR e 148-CR, datadas respectivamentede 15 de Novembro de 1999 e de 17 de Março de2000, que aqui se dão por integralmente reprodu-zidas e como fazendo parte integrante desta acta;

C — Pela notificação à COAGRICAL para,nos termos do artigo 100.º do Código do Proce-dimento Administrativo, querendo, se pronun-ciar, por escrito, no prazo de 10 dias úteis, sobreas intenções da Câmara.»

Na mesma sessão de 20 de Março de 2000a Câmara requerida, através da sua resoluçãon.º 837, deliberou, de entre outras matérias, re-vogar a deliberação de 27 de Setembro de 1999pelos fundamentos constantes da proposta de17 de Março de 2000 do seu presidente (fls. 38 a42), deliberação esta que havia sido impugnadapela requerente contenciosamente no processon.º 12/2000.

Resulta de forma clara que a Câmara requerida,na mesma data, embora tenha revogado a resolu-ção de 27 de Setembro de 1999 que havia revo-gado o deferimento tácito eventualmente recaídono processo n.º 150/99, reafirmou, através datranscrita resolução n.º 838, não só a revogaçãodo deferimento tácito eventualmente produzido,com os fundamentos da proposta respectiva doseu presidente, como ainda indeferiu o projectode arquitectura, nos termos das informações daDPU n.os 135-CR e 148-CR, datadas respectiva-mente de 15 de Novembro de 1999 e de 17 deMarço de 2000, ao abrigo do disposto nos arti-gos 63.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 445/91 e 121.º do Regulamento Geral das EdificaçõesUrbanas.

Deste modo, quando a recorrente, em 7 deJunho de 2000, requereu ao presidente da Câ-

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167 Direito AdministrativoBMJ 500 (2000)

mara Municipal das Caldas da Rainha a emissãodo alvará de licença de construção, já o pretensodeferimento tácito tinha sido substituído, na or-dem jurídica, por um indeferimento expresso, poisnenhum outro sentido pode ser dado à aludidaresolução n.º 838, de 20 de Março de 2000, queexpressamente, repete-se, revogou o suposto de-ferimento tácito.

Face a este quadro, a pretensão da recorrenteà emissão de alvará carecia de base legal, pelo quefoi legítima a não emissão, não merecendo qual-quer censura a sentença recorrida que, com essefundamento, indeferiu o pedido de intimação ju-dicial para a emissão do alvará em causa.

De acordo com a reiterada jurisprudência atráscitada, não é este meio processual de intimaçãopara emissão de alvará o adequado para conhecerde vícios geradores da anulabilidade do referidoacto expresso de revogação do deferimento tá-cito, consubstanciado na resolução n.º 838, queterão de ser arguidos no recurso contencioso a

interpor desse acto, concretamente atinentes aocumprimento ou não da audiência prevista noartigo 100.º do Código do Procedimento Admi-nistrativo, sendo que é inquestionável a sua natu-reza decisória.

III — Decisão

Em face do exposto, improcedendo todas asconclusões da alegação da recorrente, acordamem negar provimento ao presente recurso juris-dicional, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa dejustiça e a procuradoria em, respectivamente,40 000$00 e 20 000$00.

Lisboa, 26 de Outubro de 2000.

Macedo Almeida (Relator) — Nuno Salgado —Santos Botelho

O decidido, designadamente na matéria a que se reportam os pontos III e IV do sumário,corresponde ao sentido da jurisprudência anterior, citada no acórdão.

(A. C. S. S.)

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168 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

Contencioso aduaneiro — Dívida aduaneira — Cobrançacoerciva — Processo de execução fiscal

A cobrança coerciva da dívida aduaneira que não tenha sido paga voluntaria-mente segue a forma do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 1.º do Decreton.º 13 947, de 15 de Julho de 1927, do artigo 233.º, n.º 1, alínea a), do Código deProcesso Tributário, do artigo 155.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo edo artigo 232.º, n.º 1, alínea a), do Código Aduaneiro Comunitário.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 24 557(Pleno da Secção do Contencioso Tributário)

ACORDAM no Supremo Tribunal Adminis-trativo:

I — Relatório

Com fundamento da inexistência jurídica dotítulo executivo, ou na sua nulidade, no facto dea alfândega gozar do direito de retenção sobre asmercadorias submetidas a despacho, pelo quenão cabe processo de execução fiscal, em incom-petência material da repartição de finanças e dostribunais tributários para a execução fiscal dasdívidas aduaneiras, em inconstitucionalidade daalínea g) do artigo 43.º do Código de ProcessoTributário, em falta de registo de liquidação (peloque não há liquidação) e no facto de ter sido im-pugnada a legalidade da dívida exequenda no pro-cesso de contra-ordenação e num processo deimpugnação judicial, a importadora Riberal-ves — Comércio de Produtos Alimentares, S. A.,com sede em Torres Vedras, arguiu nulidades doprocesso fiscal que contra si foi instaurado pela1.ª Repartição de Finanças de Torres Vedras ededuziu, subsidiariamente, oposição à mesmaexecução fiscal.

A petição foi indeferida liminarmente por des-pacho de fls. 71 do 9.º Juízo do Tribunal Tribu-tário de 1.ª Instância de Lisboa. Após recurso,este Supremo Tribunal Administrativo declarou--se incompetente em razão da hierarquia e o an-tigo Tribunal Tributário de 2.ª Instância, poracórdão de fls. 112 e seguintes, anulou o despa-cho de indeferimento liminar.

Voltando o processo ao tribunal tributário de1.ª instância, este, por sentença de fls. 141 eseguintes, julgou a oposição improcedente, apósconsiderar que há lei a prever a cobrança a pos-teriori de direitos, que não há inconstituciona-lidade, que há título executivo e que foi feito oregisto de liquidação.

Inconformada com esta sentença, dela recor-reu a executada para este Supremo Tribunal Ad-ministrativo, concluindo que a dívida não podiaser cobrada pelo processo de execução fiscal, poisnão havia lei ou despacho ministerial que tal au-torizasse, que o tribunal tributário não pode co-nhecer de matérias de contencioso aduaneiro, quea alfândega não tem competência para extrair tí-tulos executivos, que a dívida exequenda não éuma dívida ao Estado mas faz parte dos recursospróprios comunitários e que a sentença se fun-dou em normas que não estavam em vigor.

A Fazenda Pública não contra-alegou.Neste Supremo Tribunal Administrativo, o

Ministério Público emitiu douto parecer nos ter-mos do qual se deve negar provimento ao recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir a questãode saber se a decisão recorrida deve ser confir-mada ou reformada, sendo certo que vem dadocomo provado que a dívida exequenda é uma dí-vida fiscal aduaneira, que foi feito o registo deliquidação na alfândega com o n.º 900 291, de 11de Março de 1993, e que o director da Alfândegade Lisboa em 19 de Julho de 1993 emitiu a certi-dão de dívida que serviu para instaurar o proces-so de execução fiscal.

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169 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

II — Fundamentos

A questão de mérito do recurso jurisdicionalprende-se com o problema de direito de saber se,ao tempo em que foi instaurada a execução fiscalcontra a recorrente, existia qualquer norma jurí-dica que estabelecesse que as dívidas aduaneiraseram cobradas pelas execuções fiscais.

De facto, os diplomas básicos do direito adua-neiro nacional não estabeleciam a forma de co-brança coerciva dos direitos e demais imposições.E não a estabeleciam porque havia uma lei espe-cial que tratava dessa matéria. Referimo-nos aoDecreto n.º 13 947, de 15 de Julho de 1927, quenunca foi revogado — pelo que está em vigor —cujo artigo 1.º prescreve o seguinte:

«Para a cobrança coerciva dos direitos adua-neiros e mais imposições, taxas, emolumentos edespesas de fiscalização a receber pelas alfânde-gas ou pela Guarda Fiscal terão força executiva,nos termos e para os efeitos do Código das Exe-cuções Fiscais, as certidões extraídas dos livrosou documentos de onde constarem as importân-cias em dívida, depois de definitivamente liqui-dadas.»

Desta norma resulta a obrigação para as auto-ridades aduaneiras de extraírem certidões de dí-vida para serem remetidas para as execuçõesfiscais para cobrança coerciva.

Não podia deixar de ser assim, como semprefoi assim. Em regra, as leis aduaneiras estabele-cem as garantias do pagamento da dívida adua-neira. Mas pode acontecer de as mercadoriassaírem da acção fiscal e haver dívida aduaneirapara pagar. Se não operasse a cobrança coercivapor via das execuções fiscais, o Estado ficava naimpossibilidade de se pagar.

Mas, em rigor, nem era precisa esta lei espe-cial para a cobrança coerciva dos direitos e de-mais imposições aduaneiras, pois já resultava dasregras gerais sobre execução fiscal que assim ti-nha de ser.

Com efeito, nos termos do artigo 233.º, n.º 1,do Código de Processo Tributário, o processo deexecução fiscal abrange a cobrança coerciva dascontribuições, impostos e taxas, incluindo os adi-cionais cumulativamente cobrados, juros e ou-tros encargos legais.

Ora, sendo os direitos aduaneiros e demaisimposições, ou encargos de efeito equivalente,impostos, naturalmente que cabem no âmbito daexecução fiscal. A regra do artigo 233.º, n.º 2,alínea a), do Código de Processo Tributário, nostermos da qual serão igualmente cobrados me-diante processo de execução fiscal de outras dí-vidas ao Estado, de qualquer natureza, cuja obri-gação de pagamento tenha sido reconhecida pordespacho ministerial, não é aplicável aos direitose demais imposições aduaneiros, precisamenteporque estes direitos e demais imposições sãoimpostos, são dívida de natureza fiscal. As ou-tras dívidas, a que se refere o artigo 233.º, n.º 2,alínea a), do Código de Processo Tributário, sãodívidas não fiscais.

Por outro lado, nos termos do artigo 155.º,n.º 1, do Código do Procedimento Administra-tivo, quando por força de um acto administra-tivo devam ser pagas a uma pessoa colectivapública, ou por ordem desta, prestações pecuniá-rias, seguir-se-á, na falta de pagamento volun-tário no prazo fixado, o processo de execuçãofiscal regulado no Código de Processo Tributá-rio. E diz o n.º 2 que, para o efeito, o órgão admi-nistrativo competente emitirá nos termos legaisuma certidão, com valor de título executivo, queremeterá, juntamente com o processo adminis-trativo, à repartição de finanças do domicílio ousede do devedor.

Finalmente, nos termos do artigo 232.º, n.º 1,alínea a), do Código Aduaneiro Comunitário,quando montante de direitos não for pago noprazo fixado, as autoridades aduaneiras recorre-rão a todas as possibilidades previstas nas dis-posições em vigor, incluindo a execução forçada,para assegurar o pagamento desse montante.

Anotando este preceito, escreveram os adua-neiristas António Nuno da Rocha e outros que«a cobrança coerciva da dívida aduaneira segueas regras que se encontram definidas para o pro-cesso de execução fiscal, constantes dos artigos233.º e seguintes do Código de Processo Tribu-tário» (cfr. Código Aduaneiro Comunitário Ano-tado, pág. 269).

Por todas estas razões, a recorrente não temqualquer razão, pelo que improcedem todas asconclusões do seu recurso.

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170 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

III — Decisão

Nestes termos, acordam os juízes deste Su-premo Tribunal Administrativo em negar provi-mento ao recurso e em confirmar a decisãorecorrida.

Custas pela recorrente, com 50% de procura-doria.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Almeida Lopes (Relator) — Alfredo Madu-reira — Ernani Figueiredo

Não foi localizada jurisprudência que tratasse a questão sumariada.(A. M. S.)

Distribuição de dividendos do exercício de 1992 por sociedadeafiliada estabelecida em Portugal a sociedade-mãe holandesa —Retenção na fonte de IRC à taxa liberatória de 15% — ar-tigo 69.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, na redacção do Decreto-Lein.º 123/92, de 2 de Julho — Concomitante retenção na fonte doimposto sobre as doações por avença à taxa de 5% — artigos182.º, alínea c), e 184.º do Código do Imposto Municipal de Sisae do Imposto sobre as Sucessões e Doações — Artigo 5.º, n.º 4,da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho

I — O artigo 5.º, n.º 4, da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho,relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas deEstados-Membros diferentes, ao limitar a 15% e a 10% o montante da retenção na fontedo imposto sobre os lucros distribuídos pelas filiais estabelecidas em Portugal às socie-dades-mãe de outros Estados-Membros, deve ser interpretado no sentido de que essaderrogação não visa só o IRC, mas se aplica a qualquer imposição, qualquer que seja asua natureza ou denominação, sob a forma de retenção na fonte sobre os dividendosdistribuídos por essas filiais.

II — Como assim, dado que o Estado Português, após a sobredita directiva, apenasprocedeu à alteração do artigo 69.º do Código do Imposto sobre o Rendimento dasPessoas Colectivas (Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho), mantendo a redacção do ar-tigo 182.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões eDoações, é de considerar derrogado este preceito, aquando da distribuição de dividen-dos por sociedade afiliada portuguesa a sociedade-mãe de outro Estado-Membro, ha-vendo a esta sido então retido na fonte IRC respeitante ao exercício de 1992 à taxaliberatória de 15%.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 4 de Outubro de 2000Recurso n.º 19 730(Secção do Contencioso Tributário)

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171 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

ACORDAM, em conferência, na Secção doContencioso Tributário do SupremoTribunal Administrativo:

Epson Europe, B. V., com sede na Rua Prof.J. H. Bavincklaan, n.º 5, 1183 AT Amstelveen,Holanda, deduziu a presente impugnação judi-cial contra liquidação de imposto sobre as suces-sões e doações pago por avença (cujo lhe foiretido por ocasião do pagamento de dividendos),com fundamento em errada transposição para aordem jurídica portuguesa do disposto no artigo5.º, n.º 4, da Directiva do Conselho de 23 deJulho de 1990 (JOCE, n.º L 225, de 20 de Agostode 1990), na medida em que, para além das taxasde 15% e 10% de imposto sobre o rendimentodas pessoas colectivas previstas no artigo 69.º,n.º 2, alínea c), do CIRC, na redacção introduzidapelo Decreto-Lei, n.º 123/92, de 2 de Setembro(com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1992),deixou subsistir a tributação dos rendimentos(dividendos) previstos no artigo 184.º do Códigodo Imposto Municipal de Sisa e do Imposto so-bre as Sucessões e Doações, pelo que a tributaçãodos dividendos excede os preditos 15% ou 10%.

Por sentença de 4 de Abril de 1995, a fls. 61--69, o M.mo Juiz de direito do 2.º Juízo do Tribu-nal Tributário de 1.ª Instância do Porto julgouprocedente a impugnação, por isso que anulou aliquidação em causa e mandou restituir o atinenteimposto pago.

Inconformados, o Ministério Público e a Fa-zenda Pública interpuseram para este SupremoTribunal Administrativo recurso de tal decisão,rematando esta recorrente a sua alegação com asseguintes conclusões:

1 — A dedução de 5% no rendimento dasacções, efectuada pela sociedade afiliada portu-guesa à sociedade-mãe, não é um imposto sobrerendimento, nem, tão-pouco, sobre o capital, masantes um imposto sobre transmissões a títulogratuito.

2 — O facto de ser calculado com base norendimento não lhe altera a natureza de um ver-dadeiro imposto sobre as sucessões e doações.

3 — Assim sendo — como é —, a Directivan.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, foi transpostapara a ordem jurídica interna, por via legislativa,pelo Decreto-Lei n.º 123/90, que deu nova re-

dacção ao artigo 69.º do CIRC, com vista ao seuefeito prático.

4 — Fica, portanto, com plena aplicação oartigo 182.º do Código do Imposto Municipal deSisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doa-ções, que prevê o pagamento por avença, me-diante dedução de 5% no rendimento dos títulos,a título de imposto sucessório devido pelas trans-missões a título gratuito.

5 — Que nada colide com o IRC, nem a ele seassemelha.

6 — Ainda que assim não fosse entendido, asdirectivas não são directamente aplicáveis na or-dem jurídica interna dos Estados-Membros.

7 — A distinção, prevista naquele preceitolegal, entre regulamento — directamente apli-cável — e directiva — insusceptível de efeitodirecto — obedeceu à preocupação de preservaruma margem de liberdade dos Estados, dos quaisfica a depender a integração na ordem interna dasprescrições comunitárias constantes da directiva.

8 — A sentença recorrida, não obstante reco-nhecer a necessidade de as directivas serem trans-postas para o direito interno, concluiu pelaaplicabilidade directa da directiva sobredita.

9 — Inexiste qualquer relação hierárquica en-tre o Tribunal das Comunidades Europeias e asjurisdições nacionais e, muito menos, aquele fun-ciona como um tribunal de recurso. Não lhe cabe,com efeito, reformar as decisões proferidas naordem interna, ou anular os actos dos Estados,mesmo que contrários ao direito comunitário.O que não é o caso.

10 — Do que ficou dito falece o fundamentode que o artigo 182.º do Código do ImpostoMunicipal de Sisa e do Imposto sobre as Suces-sões e Doações deve ser derrogado, por força daaplicação directa da Directiva n.º 90/435/CEE.

— A Epson Portugal procedeu à retenção nafonte do IRC devido, à taxa de 15%, no montantede 6 119 360$00, e à retenção na fonte do im-posto sobre as sucessões e doações por avença àtaxa de 5%, no montante de 2 039 786$00.

— Epson Europe, B. V., sociedade de respon-sabilidade limitada, é uma sociedade com umadas formas elencadas no anexo à directiva dasComunidades Europeias relativa a sociedades--mãe e filiais (n.º 90/435/CEE).

— Em conformidade com a lei fiscal holan-desa, Epson Europe, B. V., é uma sociedade con-

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172 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

siderada residente na Holanda para efeitos fis-cais e não é considerada residente para efeitosfiscais fora da Comunidade, por força dos ter-mos de qualquer tratado sobre dupla tributaçãoconcluído com um Estado terceiro.

— Epson Europe, B. V., está sujeita a im-posto sobre as sociedades na Holanda, sem pos-sibilidade de opção ou de isenção.

No acórdão interlocutório de fls. 111-117, de23 de Setembro de 1998, este Supremo TribunalAdministrativo submeteu ao Tribunal Judicialda Comunidade Europeia, nos termos do artigo177.º do Tratado de Roma (actual artigo 234.ºCE), questão prejudicial sobre a interpretaçãodo artigo 5.º, n.º 4, da Directiva n.º 90/435/CEE,do Conselho, de 23 de Julho, relativa ao regimefiscal comum aplicável às sociedades-mãe e socie-dades afiliadas de Estados-Membros diferentes.

Pronunciando-se sobre a mesma em acórdãode 8 de Junho último, cuja cópia autenticada cons-titui fls. 264-273 deste processo, tal órgão juris-dicional comunitário declarou:

«O artigo 5.º, n.º 4, da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, relativa aoregime fiscal comum aplicável às sociedades-mãese sociedades afiliadas de Estados-Membros di-ferentes, ao limitar a 15% e a 10% o montante daretenção na fonte do imposto sobre os lucrosdistribuídos pelas filiais estabelecidas em Portu-gal às suas sociedades-mãe de outros Estados--Membros, deve ser interpretado no sentido deque essa derrogação não visa só o IRC mas seaplica a qualquer imposição, qualquer que seja asua natureza ou denominação, sob a forma deretenção na fonte sobre os dividendos distribuí-dos por essas filiais.»

Este Supremo está vinculado a esta interpre-tação, pois, como se lê no acórdão do pleno destaSecção de 11 de Novembro de 1998, recurson.º 13 893, «nos termos do artigo 5.º do Tratadodas Comunidades Europeias, os Estados-Mem-bros — neles se incluindo os tribunais dos Esta-dos-Membros [...] — tomarão todas as medidasgerais ou especiais capazes de assegurar o cum-primento das obrigações decorrentes do Tratadoda Comunidade Europeia ou resultantes de actosdas instituições da Comunidade, devendo facili-tar à Comunidade o cumprimento da sua missão.É a consagração do princípio da solidariedade

comunitária. Por isso, temos que acatar a autori-dade do caso julgado formado pelo acórdão doTribunal Judicial da Comunidade Europeia.»

Aliás, já o Dr. Miguel Almeida Andrade noseu Guia Prático do Reenvio Prejudicial, ediçãode 1991, refere, a págs. 106 e segs., que «é pací-fico o entendimento segundo o qual o acórdãoprejudicial reveste força obrigatória no processoque está na sua origem. E isto quer se trate de umacórdão interpretativo, quer de um acórdão deapreciação de validade.

O juiz nacional que submete a questão preju-dicial ao Tribunal Judicial da Comunidade Eu-ropeia vê-se assim confrontado com um actojurisdicional ao qual está vinculado. Ou seja, eleterá que respeitar na decisão do litígio a doutrinado acórdão do Tribunal Judicial da ComunidadeEuropeia [...] só poderá fazer a aplicação dos pre-ceitos de direito comunitário com o sentido quelhes tenha sido dado no acórdão que provocou.

11 — A directiva foi transposta para o direitointerno, mas nada tem a ver com tal artigo 182.º

Por seu lado, a alegação de recurso do Minis-tério Público culmina com as seguintes conclu-sões:

a) A Directiva do Conselho n.º 90/435/CEEapenas se reporta e se aplica às retençõesna fonte;

b) Não abrange, nem limita, a tributaçãoestabelecida pelos Estados-Membros;

c) O acto previsto pelo artigo 182.º do Có-digo do Imposto Municipal de Sisa e doImposto sobre as Sucessões e Doaçõesnão constitui uma retenção na fonte;

d) Trata-se do pagamento de um impostocom liquidação própria e prévia, comoresulta dos artigos 182.º e 184.º daqueleCódigo;

e) Por isso, não se lhe aplica a limitação pre-vista pela referida directiva, não sendoafectado por ela;

f) Deve, assim, revogar-se a sentença, porviolação da directiva e disposições referi-das, e julgar-se improcedente a impug-nação.

Contra-alegando, a impugnante conclui:

I — A Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 deJulho, impõe ao Estado Português a obrigação

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173 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

de, posteriormente a 1 de Janeiro de 1992, nãoreter na fonte, seja a que título for, mais 15% dosdividendos atribuídos por sociedades afiliadasportuguesas a sociedades-mãe sediadas noutrosEstados-Membros, desde que verificados os re-quisitos nela elencados;

II — Aquela directiva e aquela norma sãohierarquicamente superiores às normas de di-reito interno não constitucionais e são dotadasde efeito directo;

III — O Estado Português, para transposiçãopara a ordem jurídica interna daquela directiva,apenas procedeu à alteração do artigo 69.º doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas, mantendo inalterado o artigo182.º do Código do Imposto Municipal de Sisa edo Imposto sobre as Sucessões e Doações;

IV — Do que resulta uma tributação global,por retenção na fonte, à taxa de 20%, incidentesobre os dividendos distribuídos por uma socie-dade anónima de direito português a uma socie-dade sediada noutro Estado-Membro, ainda quetodos os requisitos legais previstos na directivase encontrem preenchidos;

V — Consequentemente, a tributação efec-tiva é superior à transitoriamente autorizada peladirectiva;

VI — Pelo que o artigo 182.º do Código doImposto Municipal de Sisa e do Imposto sobreas Sucessões e Doações deve considerar-se revo-gado «aquando da distribuição de lucros pelassociedades afiliadas portuguesas à sociedade-mãe,sendo esta de outro Estado-Membro, como bemfoi decidido na sentença recorrida.»

Vem assente a seguinte factualidade:

— Epson Portugal — Informática, S. A., comsede na Rua do Progresso, 471, 1.º, Perafita, apu-rou no exercício de 1992 o resultado líquido de105 524 534$00.

— Por deliberação de 31 de Março de 1993, aEpson Portugal decidiu afectar a distribuição dedividendos o montante de 80 000 000$00, cor-respondente a 1066$66 por cada acção detida.

— A impugnante é titular de 38 246 acções daEpson Portugal.

— Os dividendos distribuídos à impugnanteforam no valor de 40 795 733$00.

A intervenção do Tribunal Judicial da Comu-nidade Europeia não reveste, portanto, a forma

de uma consulta, nem o seu acórdão pode servisto como um parecer cuja doutrina possa, ounão, ser seguida pela jurisdição que esteve naorigem do reenvio prejudicial. Como diz expres-samente o artigo 177.º, o «Tribunal de Justiça écompetente para decidir a título prejudicial»,encontrando-se o juiz reenviante vinculado a essadecisão. Outra solução seria incompreensível faceao propósito visado com a instituição de ummecanismo que pretende assegurar a unidade dodireito comunitário e que, inclusivamente, tomaobrigatório para as jurisdições de cujas decisõesnão caiba recurso de direito interno a colocaçãodas questões que envolvam a ordem jurídica co-munitária ao Tribunal Judicial da ComunidadeEuropeia.

A obrigatoriedade do acórdão para o juiznacional foi claramente afirmada pelo TribunalJudicial da Comunidade Europeia no processon.º 52/76, Benedetti/Munari:

«Nos termos do artigo 177.º, o Tribunal deJustiça é competente para decidir sobre a inter-pretação do [...] Tratado e dos actos adoptadospelas instituições da Comunidade.

Segue-se que um acórdão proferido a títuloprejudicial tem por objecto resolver uma ques-tão de direito e vincula o juiz nacional quanto àinterpretação das disposições e actos comunitá-rios em causa.»

E mais à frente sublinha o mesmo autor que«a última palavra sobre as questões de direitocomunitário envolvidas na solução de qualquerlitígio cabe ao Tribunal Judicial da ComunidadeEuropeia. As instâncias nacionais limitam-se afazer eco da solução que lhes tiver sido dada peloTribunal Judicial da Comunidade Europeia, apli-cando-a ao caso concreto e assegurando dessemodo a necessária uniformidade na aplicação daordem jurídica comunitária.»

Descendo, pois, ao caso sub judicibus cabe,desde logo, realçar que é incontroverso que aquestão sobre que incidiu a transcrita pronúnciado Tribunal Judicial da Comunidade Europeiareveste toda a pertinência para o thema deciden-dum dos autos, sendo que, como se exarou noitem 13 do acórdão comunitário, «resulta dosautos que a relação sociedade-mãe-sociedadefilial entre as sociedades Epson Europe e Epson

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174 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

Portugal se enquadra no âmbito de aplicação dadirectiva, dado que se encontram preenchidostodos os requisitos para esse efeito».

Depois, é patente que interpretação que o tri-bunal a quo fez da disposição legal comunitáriaem causa se compagina inteiramente com a ope-rada por aquele orgão jurisdicional comunitário,sendo, efectivamente, sua consequência lógicaque, «dado que o Estado Português, após aqueladirectiva, apenas procedeu à alteração do artigo69.º do CIRC, mantendo a redacção do artigo182.º do Código do Imposto Municipal de Sisa edo Imposto sobre as Sucessões e Doações, deveeste preceito considerar-se derrogado aquandoda distribuição de lucros pelas sociedades afilia-das portuguesas à sociedade-mãe, sendo esta deoutro Estado-Membro» e havendo-lhe sido re-tido na fonte IRC respeitante ao exercício de 1992à taxa liberatória de 15%.

Demonstrada assim pela instância a ilegali-dade da liquidação impugnada, reparo algum há,pois, a fazer à decretada procedência desta im-pugnação judicial, com anulação daquela e con-sequente ordem de emissão do correspondentetítulo com vista à restituição à impugnante daquantia indevidamente cobrada a título de im-posto sobre as doações.

Termos em que se acorda negar provimentoao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Sem custas — artigo 2.º da Tabela.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Mendes Pimentel (Relator) — Assunção Bar-bosa — Brandão de Pinho

No mesmo sentido v. acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 31 deOutubro de 2000, recurso n.º 24 120.

(F. P. V.)

Menos-valias potenciais ou latentes — Diminuição do capitalsocial — Rendimento — Acréscimo — Teoria do incrementopatrimonial

I — Só as menos-valias realizadas, e não também as menos-valias potenciais oulatentes, constituem custos ou perdas de exercício para efeitos de imposto sobre o rendi-mento das pessoas colectivas [artigos 23.º, n.º 1, alínea i), e 24.º, n.º 1, alínea b), doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas].

II — Só há menos-valias realizadas quando houver perdas sofridas mediante trans-missão onerosa (artigo 42.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas). Uma diminuição do capital social com redução proporcional do valordas quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonialnegativa, pelo que não é custo ou perda.

III — O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas adoptou a teoria dorendimento-acréscimo, pois alargou a base de incidência a todo o aumento do poderaquisitivo, incluindo nela as mais-valias.

IV — Adoptou-se uma noção extensiva de rendimento de acordo com a teoria doincremento patrimonial, ressalvando-se as mais e menos-valias que se manifestem porsimples revelação contabilística.

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175 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

V — A redução do capital social, como menos-valia potencial ou latente, só serárealizada quando houver alienação da participação social, com a correspondentecontraprestação.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 24 565(Secção do Contencioso Tributário)

ACORDAM no Supremo Tribunal Adminis-trativo:

I — Relatório

Com fundamento em vício de violação de lei(errada qualificação da diminuição do valor no-minal e real da quota que detinha na sociedadeCAMO — Carroçarias Modernas L.da), a contri-buinte Auto-Sueco, L.da, com sede na Via doMarechal Carmona, 1637 (Edifício Volvo), nacidade do Porto, deduziu impugnação judicialcontra o acto de liquidação de imposto sobre orendimento das pessoas colectivas do ano de1989, no montante de 117 606 970$00, prati-cado pela Direcção-Geral das Contribuições eImpostos.

Por sentença de fls. 178 a 180, o M.mo Juiz doTribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto jul-gou a impugnação improcedente, por ter enten-dido que a diminuição do valor de uma quotaconstitui uma menos-valia potencial ou latente enão uma variação patrimonial negativa.

Não se conformando com esta sentença, delarecorreu a contribuinte para este Supremo Tri-bunal Administrativo, tendo apresentado as se-guintes conclusões das suas alegações:

1 — A sentença recorrida considerou que aredução do valor nominal da quota que a recor-rente detinha no capital da CAMO não signifi-cou que o património da sociedade da recorrenteficasse diminuído, visto tratar-se de uma perdasó avaliável quando se verificasse uma alienaçãoda quota.

2 — Enquadrou a situação sub judice no con-ceito de menos-valia potencial ou latente.

3 — Para tanto, a sentença recorrida invoca odisposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea c), 23.º,n.º 1, alínea i), e 42.º, n.º 2, do Código do Impostosobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

4 — Salvo o devido respeito, a sentença emcrise não contém fundamentação que sustente atese perfilhada, porquanto o citado artigo 24.º doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas, referenciando as menos-valiaspotenciais ou latentes, não tem aplicação à situa-ção concreta em análise.

5 — Na verdade, não se está perante umaperda potencial decorrente de uma flutuação devalores correntes.

6 — De igual modo, não se está perante qual-quer transmissão de elementos do activo imobi-lizado tradutores do aparecimento de uma perdaenquadrável no artigo 23.º, n.º 1, do mesmoCódigo.

7 — Não sendo, consequentemente, invocávelo conceito de mais-valia emergente do artigo 42.ºdo citado Código.

8 — Com efeito, com a redução do capitaldaquela sociedade, que foi consignada em escri-tura pública, onde ficou expresso que tal redu-ção implicava uma redução proporcional do va-lor das quotas dos sócios, cabendo à ora recor-rente uma redução do valor nominal da sua quotade 282 800 000$00, originou uma diminuição efec-tiva da participação que a recorrente detinha nocapital da CAMO, que se traduziu na diminuiçãocerta, real e efectiva do valor nominal da quota.

9 — Tratou-se, pois, de uma variação patri-monial negativa, que se reflectiu no valor con-tabilístico da quota correspondente ao valor no-minal como fracção componente do capital so-cial, o qual foi, necessariamente, menor no fimdo período fiscal em que verificou do que no seuinício.

10 — Tem, pois, obviamente de ser abatida adiferença ao valor contabilístico, correspondendoa uma diminuição do valor dos capitais própriosreportada a esse exercício, e como tal conside-rado como um elemento negativo da formação dolucro tributável.

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176 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

11 — O procedimento adoptado pela recor-rente, ao considerar a redução do capital comouma variação patrimonial negativa, está de acordocom o plano da estrutura geral da ordem tributá-ria nacional e da conjugação do consignado nosartigos 3.º, n.º 2, 17.º e 24.º do Código do Impostosobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.

12 — A sentença recorrida fez, pois, umaerrónea qualificação da realidade de diminuiçãodo valor nominal e real da quota que a recorrentedetinha no capital da CAMO, violando as dis-posições citadas no número precedente.

A Fazenda Pública contra-alegou, susten-tando a sentença recorrida.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, oMinistério Público emitiu douto parecer nos ter-mos do qual se deve negar provimento ao recurso.

Corridos os vistos, cumpre decidir a questãode saber se a decisão recorrida deve ser confir-mada ou reformada, sendo certo que a 1.ª instân-cia fixou a seguinte matéria de facto:

a) A impugnante é uma sociedade comercialcuja actividade principal é a venda deveículos automóveis, pela qual vemsendo colectada em contribuição indus-trial e imposto sobre o rendimento daspessoas colectivas, possuindo contabili-dade organizada;

b) No ano de 1990 apresentou a declaraçãomodelo do imposto sobre o rendimentodas pessoas colectivas respeitante ao exer-cício de 1989, na qual para apuramentodo lucro tributável considerou como va-riação patrimonial negativa a importânciade 282 800 000$00;

c) A impugnante era titular de uma quotasocial de 350 000 000$00 da sociedadeCAMO, tendo esta sofrido sucessivosprejuízos, o que levou a que se promo-vesse as diligências necessárias com redu-ção do capital social de 404 000 000$00;

d) Na respectiva escritura ficou consignadoque tal redução implicava redução pro-porcional do valor nominal das quotas,cabendo à impugnante uma redução daquota nominal de 282 800 000$00;

e) A administração fiscal procedeu à correc-ção técnica da declaração modelo 22, não

aceitando a redução do valor nominal daquota da impugnante na CAMO, comoqualificação patrimonial negativa e, por-tanto, custo de exercício de 1989.

II — Fundamentos

O problema de direito que vem posto é o desaber se uma redução do capital social propor-cional ao valor nominal das quotas é de qualificarcomo menos-valia potencial ou latente [artigo24.º, n.º 1, alínea b), do Código do Imposto sobreo Rendimento das Pessoas Colectivas], ou comomenos-valia realizada [artigos 23.º, n.º 1, alínea i),e 42.º do Código do Imposto sobre o Rendi-mento das Pessoas Colectivas].

O M.mo Juiz a quo entendeu que se estavaperante uma menos-valia potencial ou latente,enquanto a recorrente entende que se está emface de uma menos-valia que é uma variaçãopatrimonial negativa, a considerar como custoou perda do exercício de 1989.

Vejamos as regras jurídicas aplicáveis.Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código do

Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Co-lectivas, o lucro tributável das pessoas colecti-vas é constituído pela soma algébrica do resultadolíquido do exercício e das variações patrimoniaispositivas e negativas verificadas no mesmo pe-ríodo e não reflectidas naquele resultado. Os ar-tigos 20.º e 21.º tratam dos proveitos ou ganhose das variações patrimoniais positivas. Não nosinteressam estes preceitos. Porém, já interessamos artigos 23.º, n.º 1, alínea i), e 24.º, n.º 1, alí-nea b), do Código do Imposto sobre o Rendi-mento das Pessoas Colectivas, que tratam, res-pectivamente, dos custos ou perdas e das varia-ções patrimoniais negativas. Diz o primeiro queconsideram-se custos ou perdas os que compro-vadamente forem indispensáveis para a realiza-ção dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostoou para a manutenção da fonte produtora, no-meadamente ... as menos-valias realizadas. Dizo segundo que para a formação dos custos ouperdas (ou para a formação do lucro tributável)concorrem ainda as variações patrimoniais nega-tivas não reflectidas no resultado líquido do exer-cício, excepto ... as menos-valias potenciais oulatentes, ainda que expressas na contabilidade.

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177 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

Para se saber o que é uma menos-valia poten-cial ou latente, temos de tomar em conta o con-ceito de menos-valia realizada, pois o que nãofor menos-valia realizada é menos-valia poten-cial ou latente. Ora, nos termos do artigo 42.º,n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimentodas Pessoas Colectivas, consideram-se menos--valias realizadas as perdas sofridas relativa-mente a elementos do activo imobilizado me-diante transmissão onerosa, qualquer que seja otítulo por que se opere. De acordo com o n.º 2,alínea f), para haver transmissão tem de haveruma contraprestação.

Vejamos, agora, a razão de ser deste regimedas mais e menos-valias.

No domínio do antigo Código do Imposto deMais-Valias, os ganhos provenientes dos aumen-tos de capital estavam sujeitos a imposto de mais--valias. Como se dizia no preâmbulo desse Có-digo, justificava-se esta tributação em face doreconhecimento de «impossibilidade de atingirde forma directa as mais valias realizadas atravésde transmissão de ... acções», levando a aprovei-tar a ocasião de enriquecimento proporcionadapelos aumentos de capital «para atingir de formaindirecta as mais-valias que os sócios em tal al-tura, ou noutra, realizem». De acordo com o ar-tigo 25.º do Código da Contribuição Industrial,eram excluídas do âmbito dos custos ou perdasimputáveis ao exercício da actividade comercialou industrial as menos-valias de realização dosbens do activo imobilizado ou de bens adquiri-dos como reserva ou para fruição.

A reforma fiscal dos anos 80 alterou comple-tamente este quadro, pois optou-se por um con-ceito de rendimento mais abrangente. Na cons-trução do conceito de rendimento tributável con-trapõe-se a concepção da fonte, que leva a tribu-tar o fluxo regular de rendimentos ligados àscategorias tradicionais da distribuição funcional(rendimento-produto), à concepção do acrés-cimo patrimonial, que alarga a base de incidênciaa todo o aumento do poder aquisitivo, incluindonelas as mais-valias e, de um modo geral, as re-ceitas irregulares e ganhos fortuitos (rendimento--acréscimo). A principal entre estas duas con-cepções reside precisamente no tratamento fis-cal das mais-valias, que, não sendo ganhosdecorrentes da participação na actividade pro-dutiva, são incluídas na incidência do imposto

sobre o rendimento das pessoas colectivas.O conceito de lucro tributável acolhidos no Có-digo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas tem em conta a evolução que setem registado nas legislações fiscais, no sentidoda adopção de uma noção extensiva de rendi-mento, de acordo com a teoria do incrementopatrimonial. Esta, dados os suportes contabilís-ticos e administrativos de que as pessoas colec-tivas dispõem, não é seguida em todas as suasimplicações. Assim, no que respeita às mais emenos-valias, limitou-se a sua inclusão no lucrotributável às que tiverem sido realizadas, não seabrangendo, como acontece em alguns países, asmais-valias que se manifestem por simplesrelevação contabilística.

Foi esta a razão pela qual o artigo 19.º, n.º 2,da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro (lei de auto-rização), veio prever, em sede de imposto sobreo rendimento das pessoas colectivas, que o lucrotributável será o resultante de operações de qual-quer natureza efectuadas pelas pessoas e entida-des sujeitas a imposto sobre o rendimento daspessoas colectivas, assim como de variações dorespectivo património, incluindo as mais-valiase as menos-valias realizadas.

Deste modo, fica claro que as menos-valiasque se não realizaram, ainda que tenham sidolevadas à contabilidade, não são variaçõespatrimoniais negativas, sendo fiscalmente irrele-vantes enquanto se não realizarem. Ora, en-quanto essas menos-valias se não realizarem, nãopassam de menos-valias potenciais ou latentes,na terminologia do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), doCódigo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas, ainda que expressas na contabi-lidade. Esta regra jurídica afasta as menos-valiaspotenciais ou latentes, uma vez que só há lugar àsua consideração como variações patrimoniaisnegativas no momento da respectiva realização,nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do Có-digo do Imposto sobre o Rendimento das Pes-soas Colectivas. E compreende-se que assim seja,pois só no momento da sua realização é que sesabe o valor correcto da menos-valia. Como bemescreveu o tribunal de 1.ª instância, só o valorque resultar da alienação da quota, com a dimi-nuição do seu valor nominal, é que pode permitirencontrar a variação patrimonial negativa, por-quanto a quota mantém-se no activo imobilizado

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178 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

da recorrente nos mesmos termos em que estavaantes da redução do capital, e o seu valor de persi não influenciou o valor patrimonial da socie-dade. O preclaro julgador de 1.ª instância fez adistinção clara entre capital social e patrimóniosocial, concluindo que a diminuição nominal daquota não significa que o património da socie-dade ficou, sem mais, diminuído, pois esta va-riação negativa só é avaliável quando a recorrentedispuser da sua quota, colocando-a à venda.

Aliás, esta foi a conclusão dos Ex.mos Peritosque, a fls. 125, escreveram no seu relatório:

«O valor patrimonial da participação da im-pugnante na CAMO, L.da, não foi afectado,negativa ou positivamente, entre 1 de Janeiroe 31 de Dezembro de 1989, com a redução de282 800 000$00 na sua quota sobre a partici-pada.»

Em conclusão: estando nós em face de umamenos-valia potencial ou latente, ainda que ex-pressa na contabilidade, e não em face de umamenos-valia realizada, não houve variaçãopatrimonial negativa que deva ser tratada comocusto ou perda.

III — Decisão

Nestes termos, acordam os juízes deste Su-premo Tribunal Administrativo em negar provi-mento ao recurso e em confirmar a sentençarecorrida.

Custas pela recorrente, com 50% de procura-doria.

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Almeida Lopes (Relator) — Alfredo Madu-reira — Ernani Figueiredo.

Não foi encontrada qualquer referência doutrinal ou jurisprudencial sobre a questão em apreço.

(F. P. V.)

Emolumentos do registo comercial — Tabela de emolumentosdo registo comercial — Direito comunitário — Jurisprudênciacomunitária

I — A liquidação de emolumentos do registo comercial, relativa à inscrição noregisto comercial de um acto de aumento de capital de uma sociedade anónima, efec-tuada com base na aplicação das taxas indicada no n.º 3 do artigo 1.º da Tabela deEmolumentos do Registo Comercial, em função do valor do acto, constitui uma imposi-ção sem carácter remuneratório para efeitos dos artigos 10.º e 12.º, n.º 1, alínea e), daDirectiva n.º 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho.

II — Como tal, não estando a possibilidade de liquidação de tais emolumentosprevista neste artigo 12.º, ela é ilegal, por violação daquele artigo 10.º

III — A jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia tem carác-ter vinculativo, para os tribunais nacionais, em matéria de direito comunitário.

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVOAcórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 25 128(Pleno da Secção do Contencioso Tributário)

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179 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

ACORDAM na Secção do Contencioso Tri-butário do Supremo Tribunal Adminis-trativo:

1. Optimus — Telecomunicações, S. A., im-pugnou judicialmente a liquidação de emolumen-tos de registo comercial efectuada pela Conserva-tória do Registo Comercial do Porto.

O Tribunal Tributário de 1.ª Instância doPorto, baseando-se em jurisprudência do Tribu-nal de Justiça da Comunidade Europeia, julgouprocedente a impugnação.

Inconformada, a Ex.ma Representante da Fa-zenda Pública interpôs o presente recurso paraeste Supremo Tribunal Administrativo, apresen-tando alegações com as seguintes conclusões:

a) Não é o facto de os conservadores e notá-rios serem funcionários públicos e de osemolumentos serem em parte entreguesao Estado que permite, só por si, inferirque os mesmo são um imposto;

b) Os emolumentos notariais e registrais sãodevidos pela utilização obrigatória de benssemipúblicos;

c) Os emolumentos notariais e registrais sãoa quantia paga ao Estado por essa contra-prestação;

d) Os emolumentos notariais são receitas tri-butárias, qualificáveis como taxas;

e) A considerada apreciação e decisão do Tri-bunal de Justiça da Comunidade Europeiano sentido de que os emolumentos notariaise registrais constituem impostos na acep-ção da Directiva n.º 69/335/CEE não vin-cula o juiz nacional autor do reenvio;

f) E não obsta à qualificação dos emolumen-tos registrais e notariais como taxas;

g) Os artigos 1.º, n.º 3, 8.º, n.º 1, e 14.º daTabela de Emolumentos do Registo Co-mercial, com a redacção que lhes foi dadapela Portaria n.º 883/89, de 13 de Outu-bro, não enfermam do vício de contrarie-dade ao direito comunitário;

h) A douta sentença recorrida violou os ar-tigos 1.º, n.º 3, 8.º, n.º 1, e 14.º da Tabela deEmolumentos do Registo Comercial, coma redacção que lhes foi dada pela Portarian.º 883/89, de 13 de Outubro;

Termina pedindo que seja dado provimentoao presente recurso, revogando-se a douta sen-tença recorrida.

A impugnante apresentou contra-alegaçõesem que concluiu da seguinte forma:

1 — O Tribunal de Justiça da ComunidadeEuropeia já se pronunciou sobre a natureza dosemolumentos em causa na presente lide no sen-tido de que os mesmos constituem uma imposi-ção na acepção da Directiva n.º 69/335/CEE, doConselho, de 17 de Julho, na redacção que lhe foidada pela Directiva n.º 85/303/CEE, do Conse-lho, de 10 de Outubro, e são, portanto, contrá-rios ao direito comunitário;

2 — A pronúncia do Tribunal de Justiça daComunidade Europeia é vinculativa para os tri-bunais nacionais sempre que esteja em causa umaquestão materialmente idêntica, assim como su-cede nos presentes autos;

3 — Não existem motivos para uma nova con-sulta do Tribunal de Justiça da Comunidade Euro-peia, visto que não há, nem foram aduzidos,novos factos ou argumentos que possam modifi-car aquela pronúncia;

4 — O artigo 1.º, n.º 3, da Tabela de Emo-lumentos do Registo Comercial é contrário aodireito comunitário, violando o artigo 10.º daDirectiva n.º 69/335/CEE;

5 — Tal como foi interpretado pelo Tribunalde Justiça da Comunidade Europeia, deve enten-der-se que não podem legitimar-se, ao abrigo doartigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Directiva n.º 69/335/CEE, direitos desprovidos de toda a ligaçãocom o custo do serviço particular ou cujo mon-tante seja calculado não em função do custo daoperação de que seja contrapartida, mas em fun-ção dos custos globais de funcionamento e deinvestimento do serviço encarregado da dita ope-ração;

6 — É apodíctico que o artigo 1.º, n.º 3, daTabela de Emolumentos do Registo Comercialcria uma receita pública manifestamente despro-porcionada com os custos e a natureza do ser-viço prestado em troca, criando simultaneamenteum imposto que não obedece à estrutura do im-posto sobre as entradas de capital consentidopela Directiva n.º 69/335/CEE;

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180 BMJ 500 (2000)Direito Fiscal

7 — Em todo o caso, o artigo 1.º, n.º 3, daTabela de Emolumentos do Registo Comercial(com a redacção que lhe foi dada pela Portarian.º 996/98, de 25 de Novembro) enferma do víciode inconstitucionalidade, ofendendo o n.º 2 doartigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º daConstituição;

8 — Tal é o que resulta do facto de, por inter-médio do artigo 1.º, n.º 3, da Tabela, se estabele-cerem receitas que, muito embora apresentemuma conexão com um serviço público individua-lizável, estão manifestamente desligadas, quantoao seu montante, da actividade desenvolvida pelaAdministração;

9 — A desproporção entre o tributo e o ser-viço é tal que se pode dizer que aquele se desli-gou completamente deste último, tornando-se,em boa verdade, uma receita abstracta — um im-posto —, sendo certo que a mesma foi estabele-cida pelo Governo sem estar habilitado por com-petente autorização legislativa.

A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiudouto parecer no sentido do não provimento dorecurso por, em suma, a decisão do Tribunal deJustiça da Comunidade Europeia, embora ter sidoproferida noutro processo, ser aplicação genera-lizada.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida deu-se como assentea seguinte matéria de facto:

a) Em 14 de Julho de 1999, por ocasião dainscrição no registo comercial de um au-mento do capital social titulado por escri-tura outorgada no 1.º Cartório Notarial doPorto, em 7 de Julho de 1999, foi debitadaà impugnante, correspondente a «acrés-cimo de emolumento sobre actos de valordeterminado», a quantia de 14 996 500$00;

b) Tal liquidação foi efectuada com base naaplicação dos artigos 1.º, n.º 3, e 14.º,n.º 3, da Tabela de Emolumentos do Re-gisto Comercial, com a redacção da Por-taria n.º 996/98, de 25 de Novembro, eartigo 52.º da Lei n.º 127-B/97, de 20 deDezembro.

3. A única questão que foi apreciada na deci-são recorrida foi a da compatibilidade das referi-das normas da Tabela de Emolumentos do Registo

Comercial com a Directiva n.º 69/335/CEE, de17 de Julho.

O Tribunal de Justiça da Comunidade Euro-peia, no acórdão de 29 de Setembro de 1999,proferido no processo C-65/98, pronunciou-senos seguintes termos, relativamente aos emolu-mentos do notariado:

1 — A Directiva n.º 69/335/CEE, do Conse-lho, de 17 de Julho, relativa aos impostos indi-rectos que incidem sobre as reuniões de capitais,na redacção que lhe foi dada pela Directivan.º 85/303/CEE, do Conselho, de 10 de Junho,deve ser interpretada no sentido de que os emo-lumentos cobrados pela celebração de uma escri-tura pública de uma operação abrangida peladirectiva, no quadro de um sistema que se carac-teriza pelo facto de os notários serem funcioná-rios públicos e de os emolumentos serem, emparte, entregues ao Estado para financiamentodas missões deste, constituem uma imposiçãona acepção desta directiva.

2 — Os emolumentos devidos pela celebraçãode uma escritura pública de aumento do capitalsocial e de alteração da denominação social e dasede de uma sociedade de capitais são, quandoconstituem uma imposição na acepção da Directivan.º 69/335/CEE, na redacção que lhe foi dada pelaDirectiva n.º 85/303, em princípio, proibidos porforça do artigo 10.º, alínea c), da mesma directiva.

3 — Não reveste carácter remuneratório paraefeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e),da Directiva n.º 69/335, na redacção que lhe foidada pela Directiva n.º 85/303, uma imposiçãocobrada pela celebração de uma escritura públicade aumento do capital social e de alteração dadenominação social e da sede de uma sociedadede capitais, como é o caso dos emolumentos emcausa no processo principal, cujo montante au-menta directamente e sem limites na proporçãodo capital social subscrito.

4 — O artigo 10.º da Directiva n.º 69/335/CEE,na redacção que lhe foi dada pela Directiva n.º 85/303/CEE, cria direitos que os particulares podeminvocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

Embora este acórdão tenha sido proferido re-lativamente à Tabela de Emolumentos do Nota-riado, resulta dele claramente:

— Que não reveste carácter remuneratório,para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 1,

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181 Direito FiscalBMJ 500 (2000)

alínea e), da Directiva n.º 69/335/CEE, do Con-selho, na redacção que lhe foi dada pela Directivan.º 85/303/CEE, uma imposição cujo montanteaumenta directamente e sem limites na propor-ção do capital social subscrito;

— Que os emolumentos que são cobradospor funcionários públicos e são, em parte, entre-gues ao Estado para financiamento das missõesdeste constituem uma imposição na acepção destadirectiva;

— Que, nos termos do artigo 10.º, alínea c),da directiva, além do imposto sobre as entradasde capital, são proibidas as imposições devidaspelo registo ou por qualquer outra formalidadeprévia ao exercício de uma actividade a que umasociedade esteja sujeita em consequência da suaforma jurídica (ponto 24 daquele acórdão).

No caso dos autos está-se perante a cobrançade emolumentos relativos à inscrição no registocomercial de um acto de aumento de capital euma sociedade anónima.

O aumento do activo de uma sociedade decapitais é um acto sujeito ao imposto sobre asentradas de capital, previsto na alínea c) do n.º 1do artigo 4.º daquela directiva, pelo que é proi-bida, em relação a ele, a cobrança de imposiçõesque não tenham carácter remuneratório [artigo12.º, n.º 1, alínea e), da mesma directiva].

Os emolumentos do registo comercial sãocobrados com base na tabela anexa à Portarian.º 883/89, de 13 de Outubro, nos termos daqual, tratando-se de actos de valor determinado,aqueles são calculados com base na aplicação dastaxas indicadas no n.º 3 do seu artigo 1.º, por cada1000$00 ou fracção, sem qualquer limite máximo.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo6.º do Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro,os emolumentos cobrados pelos actos previstosno Código do Registo Comercial constituem re-ceita do Cofre dos Conservadores, Notários eFuncionários de Justiça, inserido na Administra-ção Estadual.

Assim, à face do decidido naquele acórdão doTribunal de Justiça da Comunidade Europeia, aliquidação impugnada tem de considerar-se ile-gal, por incompatibilidade com o estabelecidonos artigos 4.º, n.º 1, alínea c), 10.º, alínea a), e12.º da referida Directiva n.º 69/335/CEE.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça daComunidade Europeia tem carácter vinculativopara os tribunais nacionais, em matéria de direitocomunitário, como tem vindo a ser pacificamenteaceite e é corolário da obrigatoriedade de reenvioimposta pelo artigo 234.º do Tratado de Roma(artigo 117.º na redacção inicial).

Assim, embora noutro processo deste Su-premo Tribunal Administrativo em acórdão pro-ferido antes de ter sido proferido o do Tribunalde Justiça da Comunidade Europeia que constados autos (1), se tivesse sido decidido o reenvioprejudicial relativamente a esta questão da legali-dade dos emolumentos do registo comercial, pa-ralelamente com relativo aos emolumentosnotariais, a decisão do Tribunal de Justiça daComunidade Europeia relativa a estes é transpo-nível para os emolumentos do registo comercial,por se verificarem todos os requisitos aponta-dos naquele aresto para concluir pela incompati-bilidade daqueles com o direito comunitário.

Por isso, o acto impugnado tem de ser anu-lado, por enfermar de vício de violação de lei.

Decidindo-se a anulação com este funda-mento fica prejudicado o conhecimento das res-tantes questões suscitadas no recurso.

Termos em que se acorda em negar provi-mento ao recurso, confirmando o decidido na sen-tença recorrida.

Sem custas, por a recorrente estar isenta (ar-tigo 2.º da tabela de custas).

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Jorge Manuel Lopes de Sousa (Relator) —Ernani Figueiredo — Almeida Lopes .

No aresto acolhe-se jurisprudência pacífica na Secção. Nova, salvo erro, é a afirmação que constada terceira proposição do sumário.

(A. M. S.)

(1) Acórdão de 26 de Maio de 1999, proferido no recurso n.º 23 719.

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182 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

Contrato de trabalho nulo — Menor de 14 anos — Validadepara efeitos de seguro

I — O contrato de trabalho declarado nulo, por o trabalhador ser menor de 14anos, produz efeitos, como se fosse válido, em relação ao tempo durante o qual esteve emexecução, nomeadamente nos domínios das relações entre o empregador e o trabalhadore entre o empregador e o segurador.

II — O pessoal seguro é o que estiver ao serviço do segurado, na unidade produtivaidentificada no contrato, em conformidade com as folhas de férias a enviar ao segurador,sendo irrelevante, para efeitos de seguro, a falta de qualquer ressalva ou reserva sobre avalidade de contratos de trabalho.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 3 de Outubro de 2000Processo n.º 41/2000

ACORDAM na Secção Social do SupremoTribunal de Justiça:

I

1. José Manuel Nunes Abreu, com os sinaisdos autos, propôs a presente acção especial emer-gente de acidente de trabalho contra Albano deJesus Silva Aguiar, L.da, e Sociedade Portuguesade Seguros, S. A., também nos autos devida-mente identificados, pedindo que os recorrentessejam condenados a pagar ao autor:

— As indemnizações decorrentes do períodode ITA, no valor de 99 293$10;

— A pensão anual e vitalícia, decorrente daIPP de 0,30, a partir de 29 de Outubro de 1992,no montante de 114 869$58, acrescida de umduodécimo a título de subsídio de Natal, no mon-tante de 9572$46;

— E nos juros legais;— Alegando, em síntese, que foi vítima de

um acidente de trabalho, em 19 de Julho de 1992,ao serviço da primeira ré, cuja responsabilidadepor acidentes de trabalho se encontrava trans-ferida para a segunda ré.

2. Contestou apenas esta, invocando a inva-lidade do contrato de trabalho do autor, por me-noridade do mesmo, bem como a descaracte-rização do acidente como de trabalho.

3. Proferido despacho saneador, com elabo-ração da especificação e do questionário, pros-seguiu o processo para julgamento, realizado o

qual, foi proferida a douta sentença de fls. 110 eseguintes, da qual recorreu a ré seguradora, vindoo Tribunal da Relação de Lisboa a anular o julga-mento e a sentença para fixação e alargamento damatéria de facto.

4. Realizado novo julgamento, foi proferida asentença de fls. 165 e seguintes que condenou asrecorrentes, na proporção de 57,7% a segura-dora e 42,3% a entidade patronal, a pagarem aoautor:

a) A quantia de 100 362$00, a título de in-demnização relativa ao período de inca-pacidade temporária absoluta;

b) Em duodécimos, a pensão anual e vitalí-cia actualizada de 144 240$00, sem pre-juízo de futuras actualizações, acrescidade um duodécimo no mês de Dezembro,com juros moratórios, à taxa legal, sobreas pensões já vencidas, desde a citaçãoaté integral pagamento.

De novo recorreu a ré seguradora, mas a Rela-ção de Lisboa, por douto acórdão de fls. 197 eseguintes, negou-lhe provimento.

II

1. É deste aresto que vem a presente revista,na qual a ré seguradora formula as seguintes con-clusões:

1.ª — O autor, quer à data da sua admissão aoserviço da co-ré Albano de Jesus Silva Aguiar,

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183 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

L.da, quer à data do acidente, tinha apenas 14anos de idade.

2.ª — A idade mínima legal para a prestaçãode trabalho por conta de outrem ao tempo, querda admissão, quer do acidente, mesmo com auto-rização dos pais, eram os 15 anos de idade, nostermos do artigo 122.º do regime jurídico apro-vado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de No-vembro de 1969, na redacção que lhe foi dadapelo Decreto-Lei n.º 396/91, de 16 de Outubro.

3.ª — Só nos casos excepcionais previstos non.º 2 do artigo 122.º do regime jurídico aprovadopelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novem-bro de 1969, que no caso dos autos a co-ré nãoprovou, é possível a admissão de menores de 14anos.

4.ª — O n.º 3 do artigo 123.º daquele regimelegal aplica-se aos casos em que o contrato detrabalho do trabalhador com menos de 16 anosde idade foi celebrado directamente com o me-nor, sem intervenção dos seus representanteslegais, e acrescenta a exigência da autorizaçãoescrita dos pais às exigências do artigo 122.º

5.ª — O contrato de trabalho celebrado entreo autor e a co-ré patronal com violação do dis-posto nos artigos 122.º e 123.º do regime jurí-dico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de24 de Novembro de 1969, que são normas denatureza imperativa, é nulo, nos termos do ar-tigo 294.º do Código Civil, conforme foi decididopelo M.mo Juiz da 1.ª instância, sem que dessadecisão tivesse sido interposto recurso.

6.ª — Ao regressar a esta questão e ao decidirem sentido contrário, o douto acórdão da relaçãocometeu ofensa de caso julgado.

7.ª — Da existência de um qualquer contratode trabalho, válido ou nulo, não decorre que otrabalhador vítima de acidente de trabalho fiqueautomaticamente ao abrigo de qualquer contratode seguro de acidentes de trabalho.

8.ª — Os únicos efeitos relacionados com osacidentes de trabalho que dos contratos de traba-lho decorrem são, por um lado, o direito dos tra-balhadores vítimas de acidente de verem repa-radas as suas consequências e, por outro, a obri-gação das entidades patronais de arcarem comtal reparação, se não tiverem transferida essaresponsabilidade para uma seguradora atravésdum contrato de seguro que os inclua no seuâmbito.

9.ª — A circunstância de se entender que ocontrato de seguro é um contrato em favor deterceiro não implica que o autor tenha de consi-derar-se abrangido pelo contrato de seguro, poisnos termos do artigo 449.º do Código Civil sãooponíveis ao terceiro, por parte do promitente,todos os meios de defesa derivados do contrato.

10.ª — Os contratos de seguro são, nos ter-mos dos artigos 426.º e 427.º do Código Comer-cial, negócios jurídicos formais que se regem pelasestipulações da apólice.

11.ª — Os contratos de seguro de acidente detrabalho em geral e o contrato de seguro dos au-tos em particular não contêm qualquer cláusuladonde possa resultar que abrangem os acidentesde trabalho de que sejam vítimas menores comcontratos de trabalho inválidos, designadamenteos admitidos e mantidos ao serviço sem terem aidade mínima legal de admissão, como era o casodo autor.

12.ª — Não é a cláusula 5.ª, n.os 4 e 7, dascondições gerais nem a cláusula 01 das condiçõesespeciais da apólice uniforme de acidentes detrabalho que colocam o autor dentro do âmbitodo contrato, pois, nos termos do n.º 1 do artigo236.º do Código Civil, a declaração negocial valecom o sentido que um declaratário normal colo-cado na posição real do declaratário possa dedu-zir do comportamento do declarante, salvo seeste não puder razoavelmente contar com ele e asegurada da apelante não pode razoavelmenteter interpretado aquela cláusula no sentido deque ao celebrar o contrato de seguro ficava libertada responsabilidade pelos acidentes sofridos porqualquer dos seus trabalhadores, ainda que ad-mitidos com afrontamento de disposições legaisde natureza imperativa.

13.ª — Essa cláusula é, aliás, da autoria doInstituto de Seguros de Portugal, emitida aoabrigo dos seus estatutos, e do Decreto-Lein.º 375/ 91, de 9 de Outubro, não sendo conce-bível que lhe possa ter querido atribuir-lhe essesentido.

14.ª — A co-ré Albano de Jesus Silva Aguiar,L.da, não tem, assim, transferida para a apelante aresponsabilidade pelo acidente de trabalho quevitimou o autor e que para ela advém do dispos-to no artigo 15.º do regime jurídico aprovado peloDecreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de1969.

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184 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

15.ª — É ela, por isso, que tem de responderpela totalidade da pensão.

16.ª — Tendo decidido responsabilizar a So-ciedade Portuguesa de Seguros pelo acidente dosautos, cometeu o douto acórdão da Relação, alémde ofensa de caso julgado, violação das disposi-ções legais citadas nas anteriores conclusões.

2. Contra-alegou o autor sustentando:

— A validade do contrato de trabalho pordecorrência do disposto no n.º 3 do artigo 123.ºda lei do contrato de trabalho e no artigo 127.º,n.º 1, alínea c), do Código Civil; e

— Mesmo que assim não fosse, o contrato,durante o tempo em que foi executado, produziuefeitos válidos, nos termos do artigo 15.º, n.º 1,da lei do contrato de trabalho;

— Assim, o contrato de seguro abrange aquelecontrato, pelo que é a seguradora responsável,devendo ser mantido o acórdão recorrido.

3. Neste Supremo, o Ex.mo Procurador-GeralAdjunto emitiu o douto parecer de fls. 262 eseguintes pronunciando-se no sentido de ser ne-gada a revista.

Notificado às partes, nada disseram.

III

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar edecidir.

Vem fixada pelas instâncias a seguinte matériade facto:

1.º — No dia 2 de Julho de 1992, o autorcomeçou a trabalhar sob as ordens e direcção daré Albano de Jesus Silva Aguiar, L.da, numa obrade construção no Livramento.

2.º — A ré Albano de Jesus Silva Aguiar, L.da,tinha a sua responsabilidade por acidentes detrabalho transferida para a ré Sociedade Portu-guesa de Seguros, S. A., por contrato de segurotitulado pela apólice n.º 170 196.

3.º — Em 19 de Julho de 1992, o autor foiatingido por um pedaço de bloco de cimento ati-rado por um outro trabalhador.

4.º — Na folha de remunerações referentes aomês de Julho de 1992 remetida pela ré Albano deJesus Silva Aguiar, L.da, à ré seguradora consta

a importância de 14 840$00 auferida pelo autornum período de 17 dias de trabalho.

5.º — O contrato de seguro referido em 2abrangia o pessoal que estivesse ao serviço dasegurada na «unidade produtiva» identificada nomesmo, conforme folhas de salário enviadas àseguradora.

6.º — O autor nasceu no dia 31 de Outubro de1977.

7.º — O autor foi admitido ao serviço da réAlbano de Jesus Silva Aguiar, L.da, para exerceras funções de aprendiz de construção civil.

8.º — O autor encontrava-se a respingar umaparede na obra referida em 1, tarefa ordenadapela ré Albano de Jesus Silva Aguiar, L.da, quandofoi atingido como se refere em 3.º

9.º — O autor tinha autorização dos paispara trabalhar para a ré Albano de Jesus SilvaAguiar, L.da

10.º — Ao autor foi atribuído um coeficientede IPP de 30%.

11.º — A alta médica teve lugar no dia 28 deOutubro de 1992, estando o autor com ITA atéessa data.

Estes os factos. Vejamos agora.

O direito

1. Como resulta das conclusões das alegaçõesatrás transcritas, que, como é sabido, delimitamo objecto do recurso, a tese da ré/recorrente as-senta da menoridade do autor.

Ele nascera em 31 de Outubro de 1977 e, as-sim, tinha 14 anos, à data do início da actividade,como também à data do acidente.

Por isso, sustenta a recorrente, o contrato detrabalho celebrado entre o autor e a co-ré patro-nal, com violação do disposto nos artigos 122.º e123.º da lei do contrato de trabalho, que são nor-mas de natureza imperativa, é nulo, nos termosdo artigo 294.º do Código Civil, conforme foidecidido pelo M.mo Juiz da 1.ª instância, semque dessa decisão tivesse sido interposto re-curso — v. conclusão 5.ª

2. E daqui parte a recorrente para assacar aoacórdão recorrido a violação de caso julgado, namedida em que, reapreciando o problema da nu-lidade do contrato, já decidida e não recorrida, nasentença da 1.ª instância, acaba por decidir-sepela sua validade.

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185 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

O problema não é líquido.Na verdade, a sentença da 1.ª instância não

toma posição clara e inequívoca, por entender talquestão irrelevante, escrevendo-se a este pro-pósito:

— «Quanto à questão da invalidade do con-trato de trabalho em resultado da menoridade doautor a mesma não tem relevância para o casoconcreto, na medida em que, e por força do dis-posto no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 49 408, ainvalidade do contrato de trabalho só produzefeitos para o futuro, ficando salvaguardados osefeitos produzidos até à declaração de nulidade.»

Aliás, o acórdão recorrido acaba por assi-mar-se a este passo da sentença, depois de ter,algo confusamente, admitido a validade do con-trato de trabalho.

Assim, não terá havido ofensa de caso jul-gado, o que também não teria consequências im-portantes para a solução do objecto do recurso.

3. Entremos, pois, na apreciação da questãonuclear: validade ou nulidade do contrato de tra-balho e sua repercussão no contrato de seguro ena responsabilização da ré seguradora.

Antes de mais convirá acentuar que não estájá em discussão a caracterização de um verda-deiro acidente de trabalho. Estão, na verdade,verificados todos os elementos constitutivos doconceito: tempo e local de trabalho e nexo causalentre as lesões e suas consequências e o exercícioda actividade laboral. Além de que esse problemanão é trazido ao presente recurso.

Crê-se também que, apesar das ambiguidadesdo acórdão recorrido, não sofre discussão a ques-tão da nulidade do contrato de trabalho. O si-nistrado tinha, quer à data da admissão, quer àdata do acidente, apenas 14 anos de idade e, as-sim, face aos preceitos dos artigos 122.º e 123.ºda lei do contrato de trabalho (na redacção ante-rior à Lei n.º 58/99, de 30 de Junho, então emvigor), parece não haver dúvidas sobre a nuli-dade do contrato de trabalho.

4. Mas isso não significa logo que o vícioinquine o contrato de seguro existente entre a répatronal e a ré seguradora, desprotegendo o me-nor sinistrado.

É que o regime da nulidade do contrato detrabalho apresenta especialidades em relação aoregime geral das nulidades da lei civil, constantedos artigos 285.º e seguintes do Código Civil.

O fundamental desse regime especial está con-tido no artigo 15.º da lei do contrato de trabalho,designadamente no seu n.º 1, assim redigido:

«1 — O contrato de trabalho declarado nuloou anulado produz efeitos como se fosse válidoem relação ao tempo durante o qual esteve emexecução ou, se durante a acção continuar a serexecutado, até à data do trânsito em julgado dadecisão judicial.»

Ora, o problema consiste em saber se estaficção de validade opera apenas nas relações en-tre as partes contratantes da relação laboral ou seextravasa delas, designadamente na direcção docontrato de seguro.

A uma primeira análise a resposta pareceriasimples e negativa.

É a tese da recorrente que, não pondo emcausa a validade do contrato de seguro, o quebem se compreende, sustenta, porém, que nãoabrange o menor sinistrado.

Mas logo se surpreende a dificuldade em fun-damentar essa solução, mostrando-se de grandefragilidade à argumentação aduzida.

Na verdade, começando por dizer que «só sepode considerar validamente abrangido por umcontrato de seguro de acidentes de trabalho sedos termos da apólice se dever concluir que omesmo está incluído no seu âmbito pessoal»,acrescenta que «da apólice junta aos autos nãopode concluir-se — muito pelo contrário — queo autor se deva considerar por ele abrangido».

Passa, depois, a referir-se às únicas cláusulasda apólice — cláusulas 5.ª, n.º 4, e 7.ª das condi-ções gerais da apólice uniforme — que se refe-rem ao trabalho de menores de 18 anos, bemcomo à cláusula 01 das condições especiais, sus-tentando, com apelo à teoria da impressão dodestinatário, contida no artigo 236.º, n.º 1, doCódigo Civil que «a segurada da apelante nãopode razoavelmente ter interpretado aquela clá-usula [aliás da lavra dos poderes públicos] nosentido de que o contrato de seguro a libertava daresponsabilidade pelos acidentes de trabalho queviessem a sofrer todos as pessoas que resolvesseempregar ao seu serviço, ainda que com afronta-

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186 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

mento de proibições estabelecidas na lei, desig-nadamente os acidentes sofridos por menorescuja admissão a lei proíbisse para salvaguarda doseu desenvolvimento físico mental e moral, comoé o caso previsto no artigo 123.º do regime jurí-dico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de24 de Novembro de 1969».

A isto se resume a argumentação da recor-rente, revelando-se patente a sua debilidade.

Desde logo, porque a teoria da impressão dodestinatário tem como padrão um declaratárionormal, colocado na concreta posição do decla-ratário real, e é manifesto que uma tal interpreta-ção das cláusulas referidas é, segundo a experiênciada vida, aquela que qualquer segurado normalfaz e espera do contrato de seguro: a libertaçãoda sua responsabilidade pelos acidentes de tra-balho sofridos por todos os trabalhadores ao seuserviço.

Mais ainda dos trabalhadores menores, cujainexperiência, imaturidade e irreflexão são, consa-bidamente, factores de potenciação de maior risco.

E ocorre aqui dizer que em certas condições ecircunstâncias, previstas nos citados artigos 122.ºe 123.º, o contrato de trabalho celebrado commenores é válido, e nesses casos nenhumas dúvi-das se colocam sobre a validade e eficácia docontrato de seguro.

Mas vale a pena transcrever as cláusulas emquestão. Assim:

«Cláusula 5.ª — O segurado obriga-se: [...]4 — Quando se trata de seguro de prémio

variável, a enviar mensalmente [...] devem sermencionados todas as remunerações previstasna lei como parte integrante da retribuição, paraefeito de cálculo, na reparação por acidente detrabalho, e devem ainda ser indicados os meno-res de 18 anos, os aprendizes e os tirocinantes,bem como as profissões que exercem.

Cláusula 7.ª — No caso de o salário ou orde-nado declarado ser inferior ao mínimo legal ou aoefectivamente pago, ou não havendo declaraçõesde qualidade de menores de 18 anos ou de apren-diz ou tirocinante e respectivos salários de equi-paração, o segurado responderá pela parteexcedente das indemnizações e pensões e pro-porcionalmente pelas despesas [...]»

Estas são — como a própria recorrente reco-nhece e afirma (fls. 220) — as únicas cláusulas

que se referem ao trabalho de menores de 18anos e o facto de se não estabelecer qualquer«ressalva ou reserva negocial de qualquer natu-reza» é, efectivamente, significativo.

Demais que a cláusula 01 das condições espe-ciais — fls. 13 — sob a epígrafe «Seguros deprémio variável», estabelece:

«O pessoal seguro é o que estiver ao serviçodo segurado na unidade produtiva identificadano contrato conforme folhas de férias a enviar àseguradora nos termos do n.º 4 da cláusula 5.ªdas condições gerais da apólice.»

A falta de qualquer «ressalva ou reserva» so-bre a validade dos contratos de trabalho, de me-nores ou outros, só pode ter o sentido de serconsiderada irrelevante para efeitos de seguro.

E será essa, seguramente, a interpretação e oentendimento de qualquer segurado normal.

O que até se compreende e justifica na filoso-fia e na lógica da correspectividade entre o riscoe o prémio.

Ponto é que as declarações prestadas permi-tam o cálculo do prémio, em termos de permiti-rem e garantirem essa correspectividade.

De resto, esse é, legitimamente, o «negócio»das seguradoras, nele se integrando, naturalmente,as situações como a dos autos.

5. Por outro lado, repetindo para enfatizar, oregime do artigo 15.º, n.º 1, da lei do contrato detrabalho tem suficiente amplitude e densidadepara permitir a mesma conclusão.

O contrato declarado nulo ou anulado produzefeitos «como se fosse válido», o que autoriza aprojecção dessa validade em todas as direcções enão apenas no círculo das relações empregador--trabalhador.

Aliás, tratando-se de seguro obrigatório, arelação contrato de trabalho-contrato de seguronão é acessória e circunstancial, mas necessária,profunda e essencial.

Daí que também por esta via de argumentaçãose devesse considerar o menor sinistrado abran-gido pelo contrato de seguro.

Com as consequências e nos termos decididosna douta sentença da 1.ª instância, confirmadapelo acórdão recorrido, para os quais se remetena conformidade do que se deixou explanado.

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187 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

IV

Termos em que se acorda na Secção Social doSupremo Tribunal de Justiça em negar a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Outubro de 2000.

José Mesquita (Relator) — Almeida De-veza — Azambuja Fonseca.

Não foi encontrada qualquer decisão recente do Supremo Tribunal de Justiça sobre as concretasmatérias inseridas do sumário.

No entanto, sobre algumas das questões suscitadas, parece útil confrontar o acórdão daqueleTribunal de 6 de Março de 1996, publicado na Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Su-premo Tribunal de Justiça, ano IV, tomo I, 1996, pág. 269.

(M. G. D.)

Pensão complementar de reforma — Regulamentação colectivade trabalho contra legem — Direito à contratação colectiva —Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores — Reservade competência da Assembleia da República — Inconstitu-cionalidade orgânica

I — A alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezem-bro, determina não poderem os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalhoestabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições deprevidência.

II — Contra o que nessa norma se prevê, a cláusula 85.ª do acordo de empresacelebrado entre a Rodoviária do Algarve e o Sindicato dos Transportes Rodoviários doDistrito de Faro, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 38, de 15 de Outubrode 1991, veio estabelecer o direito a um complemento de pensão de reforma por parte dostrabalhadores reformados que tenham sido contratados antes da entrada em vigor doacordo.

III — A norma legal referida em I foi emitida pelo Governo, no uso de competêncialegislativa própria, em violação da reserva da competência legislativa da Assembleia daRepública decorrente do que dispunham os artigos 167.º, alínea c), 58.º, n.os 3 e 4, e 17.ºda Constituição, na sua versão originária.

IV — Com efeito, o direito à contratação colectiva, então sistematicamente inte-grado nos direitos económicos, sociais e culturais, era um direito fundamental dos traba-lhadores, qualificação que a revisão constitucional de 1982 expressamente viria a con-firmar, e como tal estava sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias e,consequentemente, inserido na dita reserva legislativa.

V — A inconstitucionalidade orgânica de que a norma enferma importa a recusa deaplicação dela e, portanto, a insubsistência da proibição que a mesma contém, bemcomo o afastamento da nulidade da cláusula 85.ª do acordo de empresa a que se aludeem II.

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188 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

VI — A atribuição de um complemento de pensão de reforma não colide com aexistência de um sistema unificado de segurança social, como previsto no artigo 63.º daConstituição.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 31 de Outubro de 2000Revista n.º 2018/2000 — 4.ª Secção

ACORDAM na Secção Social do SupremoTribunal de Justiça:

I — Relatório

João da Conceição Santos Ruivo, interpôscontra Eva — Transportes, S. A., a presenteacção declarativa com processo sumário, pe-dindo o pagamento da quantia de 351 487$00, atítulo de complementos de subsídios de reforma,que se venceram desde 31 de Janeiro de 1997, atéa data da propositura da acção, bem como os quese vencerem posteriormente, com as respectivasactualizações, até à data da morte do autor, eainda os juros de mora vencidos, e vincendos, àtaxa legal sobre o capital vencido, a calculardesde a citação até integral pagamento.

Alega que foi admitido, em 1 de Agosto de1977, ao serviço da Rodoviária Nacional paraprestar serviço de motorista de pesados de pas-sageiros, tendo por força do Decreto-Lei n.º 12/90, de 6 de Janeiro, e posteriormente com a cria-ção Rodoviária do Algarve, S. A., passado a sertrabalhador da Rodoviária Nacional Investimen-tos e Participações, S. A., e depois da Rodoviá-ria do Algarve, com os direitos, regalias e obriga-ções que tinha ao serviço da Rodoviária Nacional.

A partir de 1992 passou a ser trabalhador daré, mantendo os direitos, regalias e obrigaçõesque detinha ao serviço das anteriores empresas.

Em 30 de Dezembro de 1996 o autor passouà reforma por invalidez, auferindo o vencimentomensal de 86 778$00, mais 7092$00, a título dediuturnidades, pelo que, e nos termos da cláu-sula 85.ª do acordo de empresa aplicável, ficou aré obrigada a pagar um complemento à pensão dereforma atribuída pelo Centro Nacional de Pen-sões, de modo que o total a receber pelo traba-lhador (pensão de reforma mais complemento daempresa) fique compreendido entre 60% e 80%da remuneração mensal para a categoria profis-

sional, estando igualmente obrigada a actualizaro referido complemento, de acordo comas actua-lizações que vierem a ser feitas pelo Centro Na-cional de Pensões, recusando contudo a fazê-lo,invocando o preceituado na alínea e) do n.º 1 doartigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 deDezembro.

Citada veio a ré contestar, confessando queefectivamente deixou de pagar ao autor o com-plemento de pensão, pois, e em síntese, os dis-positivos da contratação colectiva que o deter-minavam são nulos e de nenhum efeito, porpatente violação de norma legal imperativa, istoé, do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea e), doDecreto-Lei n.º 519-C/79, de 29 de Dezembro, ededuzir o incidente do valor da causa, pedindo adecorrente modificação da forma processual.

O autor respondeu afirmando que não há im-perativo legal, válido e eficaz, que obste à com-plementação privada do subsídio de reforma paraos trabalhadores que nele tenham acordado, jáque a norma constante da alínea e) do n.º 1 doartigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 deDezembro, é materialmente inconstitucional, porviolar, conjuntamente, o disposto nos artigos 56.º,n.º 3 e 4, 17.º e 18.º, n.º 2, da Constituição daRepública Portuguesa.

Decidido o incidente do valor da acção (quepassou para 4 742 273$00), e alterada consequen-temente a forma processual, foi proferido sanea-dor-sentença, que considerou vigente a limitaçãodecorrente do artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do De-creto-Lei n.º 519-C1/79 e não devidas as presta-ções pedidas.

Inconformado, veio o autor apelar, tendo sidoproferido acórdão que confirmou a decisãorecorrida, pois a norma em questão [artigo 6.º,n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79]não enferma de inconstitucionalidade, materialou orgânica.

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189 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

Novamente inconformado, vem o autor re-correr de revista, tendo nas suas alegações apre-sentado as seguintes conclusões:

1 — O artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 12/90, de6 de Janeiro, transfere para a Rodoviária Nacio-nal Investimentos e Participações, S. A., os di-reitos e obrigações que os trabalhadores e pensio-nistas da Rodoviária Nacional, E. P., detinhamàquela data.

2 — Os trabalhadores da Rodoviária Nacio-nal passaram a beneficiar do complemento dereforma por invalidez ou velhice, desde que orequeressem, a partir de 1 de Janeiro de 1978 —cláusula 71.ª do acordo colectivo de trabalho ver-tical publicado no Boletim do Trabalho e Em-prego, n.º 42, de 15 de Novembro de 1979.

3 — O recorrente foi admitido ao serviço daRodoviária Nacional em Agosto de 1977.

4 — E passou, sucessivamente, a ser traba-lhador na Rodoviária Nacional Investimentos eParticipações, S. A., Rodoviária do Algarve, L.da,e, desde 1992, da recorrida, tendo estado sempreao serviço, desde Agosto de 1977 até à sua pas-sagem à reforma, em 30 de Dezembro de 1996,pelo que

5 — O direito do recorrente ao complementoda reforma por invalidez é anterior à entrada emvigor do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 deDezembro.

6 — Este diploma só se aplica aos processosde negociação colectiva que tiveram início após asua aplicação (artigo 45.º).

7 — O estipulado na alínea e) do n.º 1 doartigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 deDezembro, não se aplica ao caso sub judice.

8 — Tem, assim, plena aplicação a cláusula85.ª, n.os 2, 3 e 4, do acordo de empresa aplicávelentre recorrente e recorrida.

9 — A M.ma Juíza do tribunal de 1.ª instânciaao julgar nulo e de nenhum efeito o estipuladonos n.os 3 e 4 da cláusula 85.ª do acordo de em-presa aplicável, julgou contra o direito, tendoincorrido na mesma incorrecção o Tribunal daRelação, pois

10 — A norma legal constante da alínea e) don.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79,de 29 de Dezembro, não se aplica ao caso ver-tente, por a sua entrada em vigor ser posteriorao direito do recorrente ao complemento de re-forma por invalidez, isto por um lado. Por outro,

11 — A referida norma legal é também dedesaplicar por sofrer de vício de inconstitu-cionalidade material e orgânica por violação daConstituição. Pois,

12 — Nos termos do disposto no artigo 204.ºda Constituição da República Portuguesa, «nosfeitos submetidos a julgamento não podem ostribunais aplicar as normas que infrinjam o dis-posto na Constituição ou nos princípios nelaconsagrados.

13 — Ao decidir pela aplicação da norma su-pra referida, a M.ma Juíza do tribunal de 1.ª ins-tância infringiu o disposto na Constituição, noseu artigo 204.º Pois

14 — A norma que a M.ma Juíza do tribunalrecorrido aplicou — artigos 6.º e 11.º, n.º 1, alí-nea e), do supracitado Decreto-Lei — sofre dedupla inconstitucionalidade — material e orgâ-nica.

15 — Inconstitucionalidade material por vio-lação do disposto nos artigos 156.º, n.os 3 e 4, e18.º, n.º 2, do artigo 17.º, todos da Constituição,pelo que M.ma Juíza, ao aplicar aquela norma doacima várias vezes citado decreto-lei, violou odisposto nestes artigos da Constituição da Re-pública Portuguesa.

16 — Padece ainda a norma em apreço deinconstitucionalidade orgânica por violação dodisposto nos artigos 167.º, alínea c), 58.º, n.os 3 e4, e 17.º da Constituição, na sua versão originá-ria, pelo que a M.ma Juíza ao aplicar a norma doartigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519--C1/79, de 29 de Dezembro, violou o dispostonos artigos da Constituição da República Portu-guesa citados neste artigo.

17 — A norma que vimos falando e que aM.ma Juíza do tribunal de 1.ª instância aplicou érepete-se, duplamente inconstitucional, pelo quedeveria ter sido desaplicada e aplicado o norma-tivo constante dos n.os 3 e 4 da cláusula 85.ª doacordo de empresa aplicável, em obediência, tam-bém, aos princípios da conformação de toda a leicom a Constituição e do favor laboratoris; aonão fazê-lo, infringiu também a M.ma Juíza dotribunal de 1.ª instância estes princípios.

18 — Ao confirmar, inteiramente, embora comfundamentos não totalmente coincidentes, adouta sentença do tribunal de 1.ª instância, oTribunal da Relação de Évora praticou as mes-mas infracções e infringiu o disposto no artigo

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190 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

45.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 deDezembro, bem como o disposto no artigo 56.º,n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, ex vi do artigo 17.º, todosda versão actual da Constituição, e o dispostonos artigos 167.º, alínea c), 58.º, n.os 3 e 4, e 17.º,também da Constituição, na sua versão origi-nária.

Deve assim a decisão da 1.ª instância e o doutoacórdão ora recorrido serem revogados com fun-damento na inaplicabilidade da norma por viola-ção de lei ou por aplicação de norma incons-titucional, devendo ser dado provimento à pre-sente revista e assim:

a) A sentença da 1.ª instância e o acórdãorecorrido substituído por outro que de-crete válido e eficaz o constante das nor-mas dos n.os 3 e 4 da cláusula 85.ª doacordo de empresa em análise e desapliquea norma constante da alínea e) do n.º 1 doartigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79,de 29 de Dezembro, artigos 56.º, n.os 3 e4, 17.º e 18.º da Constituição da Repú-blica Portuguesa, alínea c) do artigo 167.º,conjugado com o artigo 58.º, n.º 3, e artigo17.º, também da Constituição da Repú-blica Portuguesa (versão originária). E,

b) Com as legais consequências, condenan-do-se a recorrida a pagar ao recorrente oscomplementos de reforma, desde 31 deJaneiro de 1997 até à data da morte destee respectivas actualizações, bem comojuros, a calcular sobre o capital em dívida,à taxa legal, desde 31 de Janeiro de 1997até integral pagamento, e ainda em custas,procuradoria e demais encargos legais.

A ré contra-alegou, exaustivamente, defen-dendo a improcedência do recurso.

A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pro-nunciou-se no sentido de ser concedida a revista.A ré, notificada do parecer, reafirmou a suaposição.

II — Enquadramento fáctico

No acórdão da Relação foram fixados os se-guintes factos:

a) Em 1 de Agosto de 1977 o autor foi admi-tido ao serviço da Rodoviária Nacional,

E. P., para lhe prestar serviço de moto-rista de pesados de passageiros;

b) No desempenho das suas funções o autorocupava-se da condução de veículos au-tomóveis pesados de passageiros, verifi-car os níveis de óleo, águas, combustível,etc.;

c) A Rodoviária Nacional, E. P., passoua sociedade anónima de capitais exclu-sivamente públicos, designando-se porRNIP — Rodoviária Nacional Investimen-tos e Participações, S. A., passando o au-tor a ser seu trabalhador;

d) Posteriormente foi criada a Rodoviária doAlgarve, S. A., passando o autor exercerpara ela a sua actividade profissional demotorista;

e) A Rodoviária Nacional Investimentose Participações, S. A., transmitiu para aCentro Nacional de Pensões o estabeleci-mento onde o autor trabalhava;

f) A partir de Março de 1992 o autor pas-sou a trabalhar para a ré com todos osdireitos e obrigações que tinha quer aoserviço da Rodoviária Nacional, quer daRodoviária Nacional Investimentos e Par-ticipações, S. A., quer da Rodoviária doAlgarve;

g) O estabelecimento onde o autor sempreprestou serviço, a estação da Rodoviáriade Olhão, foi transmitida para a ré;

h) E a partir de Março de 1992 o autor pas-sou a desempenhar as suas funções su-jeito às ordens, direcção e fiscalizaçãoda ré;

i) Enquanto trabalhador da ré o autor erasócio do Sindicato dos Transportes Ro-doviários do Distrito de Faro;

j) Em 30 de Dezembro de 1996, o autorpassou à situação de reforma por inva-lidez;

m) Auferiu como último ordenado a quan-tia mensal de 86 778$00, acrescida de7092$00 de diuturnidades.

III — Enquadramento jurídico

Considerando que, nos termos do artigo 684.º,n.º 3, do Código de Processo Civil, o âmbito dorecurso é delimitado pelas alegações do recor-

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191 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

rente e atendendo que ao Supremo Tribunal deJustiça cabe, enquanto tribunal de revista, apli-car o direito aos factos, é com base na factualidadedescrita que importa conhecer da questão a re-solver nos presentes autos e que se prende emsaber se assiste ao autor o direito ao comple-mento da pensão de reforma peticionado.

No acórdão sob recurso foi negado tal direitoao autor. Afirmou-se, então, que a alínea e) don.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79proíbia, em termos absolutos, a atribuição de talbenefício, por força duma cláusula de instru-mento de regulamentação colectiva, não pade-cendo a referida norma de inconstitucionalidadematerial ou orgânica, sendo que a nova redacçãodada à mesma norma pelo Decreto-Lei n.º 209/92 só permite a consagração de esquemas com-plementares de reforma, desde que sejam obser-vados os requisitos ali impostos.

Pugna agora o recorrente pelo afastamento dalimitação constante da alínea e) do n.º 1 do ar-tigo 6.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, não só porque o direito ao complemento de reforma é ante-rior à sua vigência, pois fora atribuído por con-venção colectiva em vigor antes da sua publicação— acordo colectivo de trabalho vertical de 1979entre a Rodoviária Nacional e os sindicatos re-presentativos dos trabalhadores ao seu serviço,Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 42, de 15 deNovembro de 1979, cláusula 71.ª — como tam-bém por a mesma norma enfermar de incons-titucionalidade material e orgânica, estando assimvedada a sua aplicação pelos tribunais.

Relativamente ao primeiro aspecto, e tendopresente que o autor configurou a sua pretensãoem termos de aplicabilidade da cláusula 85.ª doacordo de empresa entre a Rodoviária do Algarvee o Sindicato dos Transportes Rodoviários doDistrito de Faro, Boletim do Trabalho e Empre-go, n.º 38, de 15 de Outubro de 1991, com asalterações salariais e outras publicadas Boletimdo Trabalho e Emprego, n.º 36, de 29 de Setem-bro de 1992, sendo desta forma apreciado o seupedido nas instâncias, sempre se dirá que oDecreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro,revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 164--A/76, de 28 de Fevereiro, com as alterações doDecreto-Lei n.º 887/76, de 29 de Dezembro, queno seu artigo 4.º, n.º 1, alínea e), impedia a con-cessão de benefícios complementares de reforma

por convenção colectiva, com a salvaguarda dosanteriormente fixados, considerando, claro está,a data da sua entrada em vigor.

Assim, como facilmente se depreende, e talcomo foi apresentada às instâncias e pelas mes-mas considerado, repete-se, importa averiguarda validade da mencionada cláusula 85.ª face àproibição da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do De-creto-Lei n.º 519-C1/79.

Na realidade, na cláusula 85.ª do acordo deempresa de 1991, no seu n.º 2, prevê-se que aostrabalhadores reformados a empresa pagará umcomplemento à pensão de reforma, de modo queo total a receber pelo trabalhador (pensão de re-forma mais complemento da empresa) fique com-preendido entre 60% e 80% da remuneraçãomensal para a sua categoria profissional, com asactualizações nos mesmos termos em que vie-rem a ser feitas pelo Centro Nacional de Pensõese segundo o mesmo valor percentual (n.º 5). Re-fira-se que o direito ao complemento de reformaapenas será assegurado aos trabalhadores con-tratados antes da entrada em vigor do mesmoacordo de empresa (cláusula 91.ª).

Por sua vez, a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º doDecreto-Lei n.º 519-C1/79, na sua redacção ori-ginal, determina que os instrumentos de regula-mentação colectiva não podem «estabelecer eregular benefícios complementares dos assegu-rados pelas instituições da previdência», salva-guardando-se contudo a possibilidade da sub-sistência dos benefícios concedidos anteriormenteem convenção colectiva, que continuarão a serreconhecidos no mesmo âmbito pelas conven-ções subsequentes, mas apenas em termos decontrato individual de trabalho.

Importa ter presente que, independente-mente do juízo de constitucionalidade que se iráfazer, a alteração levada a cabo pelo Decreto-Lein.º 209/92, de 2 de Outubro, e que mantém aproibição do estabelecimento de benefícios com-plementares dos assegurados pelo sistema desegurança social, salvo se forem determinados aoabrigo e nos termos da legislação relativa aosregimes profissionais complementares de segu-rança social ou equivalente, bem como aquelesem que a responsabilidade pela atribuição tenhasido transferida para instituições seguradoras, éposterior à vigência da convenção colectiva emcausa nos presentes autos, continuando-se a pre-

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192 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

ver a subsistência dos benefícios anteriormentefixados por convenção colectiva, ainda que emtermos de contrato individual de trabalho.

Sobre a conformidade desta norma com aConstituição, já muito se escreveu, de que aliás édada notícia nos presentes autos, esgrimindo-seinúmeros argumentos a favor ou contra a suainconstitucionalidade material ou orgânica (ouambas), sendo certo que o entendimento em talsentido, qualquer que seja o caso, terá o mesmoefeito, pois a inconstitucionalidade, com forçaobrigatória geral, em qualquer das formas pre-vistas, importa, necessariamente, a sua exclusãooriginária do ordenamento jurídico, como se nuncativesse existido, e como tal afastada da aprecia-ção concreta de qualquer litígio.

Não constando que tenha já sido declarada ainconstitucionalidade, com força obrigatória ge-ral, há que proceder a uma apreciação, no casoconcreto, da desconformidade da referida normacom o texto constitucional e consequente recusade aplicação.

No seguimento do que tem vindo a ser consi-derado pelo Supremo Tribunal de Justiça, ve-jam-se os acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça de 13 de Julho de 1999, revista n.º 88/99,de 20 de Janeiro de 2000, revista n.º 234/99, de20 de Junho de 2000, revista n.º 181/98, e de 28de Junho de 2000, revista n.º 102/98, todos da4.ª Secção, que seguem de perto os acórdãos doTribunal Constitucional n.º 517/98, de 15 de Ju-lho de 1998, Diário da República, II Série, n.º 260,de 10 de Novembro de 1998, e n.º 634/98, de 4 deNovembro de 1998, Diário da República, II Sé-rie, n.º 51, de 2 de Março de 1999, perfilha-se atese que a norma sob análise enferma de incons-titucionalidade orgânica.

Com efeito, o Decreto-Lei n.º 519-C1/79 foiemitido pelo Governo ao abrigo do artigo 201.º,n.º 1, alínea a), da Constituição, e portanto nouso de competência legislativa própria, e semque tenha havido qualquer autorização legislativada Assembleia da República.

Vigorava então a versão originária da Consti-tuição que consagrava o direito à contrataçãocolectiva no âmbito do artigo 58.º, n.os 3 e 4,sistematicamente integrado nos designados di-reitos económicos, sociais e culturais — parte I,título III, capítulo II.

Tal direito não podia, e apesar dá sua inserçãosistemática, deixar de ser considerado como umdireito fundamental dos trabalhadores, e assimsujeito ao regime dos direitos, liberdades e garan-tias — artigo 17.º da Constituição da RepúblicaPortuguesa — e consequentemente inserido nareserva de competência legislativa da Assembleiada República — artigo 167.º, alínea c), da Consti-tuição da República Portuguesa (versão de 1976).

E tanto assim é que no âmbito da revisão cons-titucional operada pela Lei n.º 1/82, de 30 deSetembro, o direito à contratação colectiva veio aser incluído no âmbito dos direitos, liberdades egarantias dos trabalhadores, consagrados no tí-tulo II da parte I, pelo que se pode concluir queo referido direito foi sempre configurado na Cons-tituição como um direito fundamental, estando asua disciplina jurídica na reserva da competênciada Assembleia da República.

Tendo o Governo usado de competência quenão lhe tinha sido atribuída para emitir o dis-posto na alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do De-creto-Lei n.º 519-C/79, conclui-se que esta normapadece de inconstitucionalidade orgânica, porviolação das disposições conjugadas dos artigos167.º, alínea c), 58.º, n.os 3 e 4, e 17.º da Consti-tuição da República Portuguesa, na sua versãooriginária, e que importa a recusa da sua aplica-ção, determinando não só a não subsistência daproibição da mesma constante, como também oafastamento da nulidade da cláusula 85.ª da con-venção colectiva, cláusula esta que constitui ofundamento do direito do autor.

Refira-se que, afastada a proibição legal e acei-tando como boa a acepção de que a atribuição deum complemento de pensão de reforma nãocolide com a existência de um sistema unificadode segurança social, tal como vem determinadono artigo 63.º da Constituição da República Por-tuguesa, veja-se o acórdão do Supremo Tribunalde Justiça de 18 de Março de 1997, revistan.º 41/61, 4.ª Secção, até por que tal não significaque a todos os pensionistas devam ser concedi-das as mesmas prestações, podemos concluir quenão vai contra o texto constitucional a concessãode benefícios complementares de reforma.

Aliás, é em conformidade com a Consti-tuição, e também com a lei da segurança social— Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto —, que oDecreto-Lei n.º 225/89, de 6 de Julho, vem regu-

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193 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

lar a concessão de benefícios complementares dereforma, estabelecendo o quadro jurídico, masprincipalmente financeiro, em que os mesmosdevem ser constituídos, após a sua entrada emvigor.

E se é certo que se prevê a harmonização dosesquemas já constituídos, com as normas entãoestipuladas, também não deixa de ser verdadeque nem foi estabelecido prazo nem existe san-ção para o não cumprimento das imposições le-gais, e muito menos, por tal, se isenta de responsa-bilidade quem se obrigou a satisfazer determina-das prestações.

Aliás, nada obsta que se venham a constituiresquemas de complementarização de reformasque não obedeçam aos ditames estipulados e queimportem necessariamente o cumprimento, pelodevedor, nos termos a que se vinculou.

Pode-se assim dizer que a entrada em vigor doregime do Decreto-Lei n.º 225/89, de 6 de Julho,não restringiu o âmbito da autonomia contratualcolectiva, deixando em aberto a criação, ou a ma-nutenção, de benefícios complementares — veja--se no sentido explanado Francisco Liberal Fer-nandes, «O direito às prestações complementa-res de segurança social no âmbito dos regimes

não profissionais», Questões Laborais, ano III,1996, n.º 8, pág. 137 —, pelo que também, enesta vertente, não fica afectada a validade dacláusula da convenção colectiva, em causa nospresentes autos.

IV — Decisão

Pelo exposto, e decidindo na procedência dorecurso do autor, revoga-se o acórdão recorrido,condenando-se a ré a pagar os complementos dereforma, vitalícios, desde 31 de Janeiro de 1997,nos termos da cláusula 85.ª do acordo de em-presa aplicável, e respectivas actualizações, a li-quidar em execução de sentença, e respectivosjuros de mora, à taxa. legal, desde a citação atéintegral pagamento, quanto aos vencidos até en-tão e a partir do vencimento, no tocante aos de-mais.

Custas pela ré.

Lisboa, 31 de Outubro de 2000.

Sousa Lamas (Relator) — Dinis Nunes —Azambuja da Fonseca

As questões essenciais de que o acórdão conhece recolhem suficiente suporte e enquadramentoda jurisprudência e doutrina para que o mesmo remete.

Relativamente a outras questões relacionadas com o regime do direito à pensão complementar dereforma, podem ver-se, na base de dados do ITIJ/MJ do Supremo Tribunal de Justiça: o acórdão de12 de Abril de 1989, processo n.º 2070 (manutenção do direito apesar de o vínculo laboral já nãosubsistir no momento da reforma), e os acórdãos de 10 de Novembro de 1993, processo n.º 3786, e de12 de Janeiro de 1994, processo n.º 3776 (direito a prestações suplementares, como os subsídios deférias e de Natal), e acórdão de 23 de Maio de 1986, processo n.º 1323 (nascimento e prescrição dodireito).

(A. R.)

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194 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

Trabalho a bordo — Despedimento colectivo — Lei aplicável —Indemnização

I — Estando em vigor à data dos despedimentos dos trabalhadores a bordo a lei docontrato colectivo de trabalho (Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), é esse oregime aplicável ao despedimento colectivo, não obstante o regime do contrato de tra-balho a bordo estar excluído da lei do contrato de trabalho (Decreto-Lei n.º 49 408, de24 de Novembro de 1969).

II — É que o Decreto-Lei n.º 74/73, de 1 de Março, que disciplinava o contrato detrabalho a bordo, remetia para o regime do Decreto-Lei n.º 44 506, de 10 de Agosto de1962, que dispunha sobre o despedimento colectivo em geral, e daí que a remissão que on.º 1 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 74/73 faz para o Decreto-Lei n.º 44 506 tenha deentender-se no sentido de se referir igualmente a cada um dos novos regimes de despe-dimento colectivo que sucessivos diplomas introduziram.

III — A não se entender assim, criar-se-ia um vazio legislativo que iria deixardesprotegidos os trabalhadores marítimos, quando o legislador lhes quis dispensar,nessa matéria, um tratamento semelhante ao da generalidade dos trabalhadores.

IV — Aos contratos de trabalho a bordo não é aplicável o regime constante da leido contrato colectivo de trabalho sobre a cessação dos contratos de trabalho por extinçãodos postos de trabalho, pois esta causa de cessação não está contemplada no artigo 79.ºdo Decreto-Lei n.º 74/73, que enuncia as causas de cessação do contrato de trabalho abordo.

V — Em matéria de indemnização por despedimento, o regime mais favorável esta-belecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho só é aplicável se estetiver sido celebrado após a entrada em vigor da lei do contrato colectivo de trabalho.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 31 de Outubro de 2000Processo n.º 1919/2000

ACORDAM na Secção Social do SupremoTribunal de Justiça:

I

José Carlos Tomás Marques, José Paulo deOliveira e Manuel Santinho da Costa Henriques,todos com os sinais dos autos, intentaram acção,com processo ordinário emergente de contratode trabalho, contra Soponata — Sociedade Por-tuguesa de Navios-Tanques, S. A., também nosautos identificada, pedindo que a ré seja conde-nada a pagar:

1) Ao autor José Carlos a quantia de21 573 710$00;

2) Ao autor José Paulo a quantia de22 744 990$00;

3) Ao autor Manuel Santinho a quantia de19 742 024$00;

ou, se assim não se entender, pagar ao primeiroautor a quantia de 4 304 762$00, ao segundoautor a quantia de 4 500 433$00 e ao terceiroautor a quantia de 4 090 548$00.

Alegam, em resumo, que os contratos de tra-balho que vinculavam os autores à ré cessarampor extinção dos seus postos de trabalho, nostermos do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89,de 27 de Fevereiro, tendo a ré pago aos autores aindemnização estabelecida naquele diploma; osautores têm direito a receber a indemnizaçãoprevista para aquela situação na cláusula 52.º docontrato colectivo de trabalho aplicável — con-trato colectivo de trabalho celebrado entre o Sin-dicato dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas

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195 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

da Marinha Mercante, do qual os autores sãoassociados, e a Associação Portuguesa dos Ar-madores da Marinha Mercante, IRC esse que foipublicado no Boletim do Trabalho e Emprego,de 8 de Janeiro de 1989; à data da cessação doscontratos estava em vigor aquele contrato colec-tivo de trabalho, cuja cláusula 52.ª lhes conferiao direito a uma indemnização calculada na basede quatro meses de retribuição por cada ano com-pleto de serviço e ainda um acréscimo de ummês da retribuição por cada ano que ultrapasseos 35 anos de idade; por outro lado, de acordocom a cláusula 24.ª, a retribuição a considerarpara efeitos do cômputo das indemnizações in-clui o subsídio de gases; no cálculo das indemni-zações, a ré baseou-se nas retribuições que estavaa pagar aos autores, de acordo com o contratocolectivo de trabalho, mas os autores tinhamdireito à retribuição paga aos trabalhadores abran-gidos pelo acordo colectivo de trabalho publi-cado no Boletim do Trabalho e Emprego de 27de Julho de 1992. Para a hipótese de se entenderque não eram aplicáveis as cláusulas do contratocolectivo de trabalho de 1989, seriam, nesse caso,aplicáveis as do acordo colectivo de trabalho ce-lebrado entre a ré e a FESMAR — acordo colec-tivo de trabalho de 1992 —, que prevê na cláusula42.ª uma indemnização de um mês e meio de retri-buição por cada ano ou fracção de antiguidade.

A ré contestou pedindo a improcedência dospedidos.

Alegou, em resumo, que os autores deram oseu acordo à cessação dos seus contratos de tra-balho, sendo aplicável aos trabalhadores maríti-mos a protecção prevista para os despedimentoscolectivos no actual Decreto-Lei n.º 64-A/89; ocontrato colectivo de trabalho de 1989 caducou,pois que, findo o 1.º biénio da sua vigência, extin-guiu-se a única associação outorgante, sem quelhe sucedesse outra; a extinção da pessoa colec-tiva que constitui a parte outorgante, deixandosem representação colectiva o bloco da empresa,envolve a caducidade da convenção colectiva; nãoé aplicável aos autores o acordo colectivo de tra-balho de 1992, uma vez que o sindicato em quese encontram filiados o não subscreveu; os auto-res não subscreveram a declaração de maiorfavorabilidade global do acordo colectivo de tra-balho, pelo que a ré não o aplicou aos autores;a extensão do âmbito dos IRC está subordinada

à forma prevista no Decreto-Lei n.º 519-C1/79,de 29 de Dezembro, só podendo ser efectuadapor acordo de adesão ou por portaria de exten-são; esta só veio a ser publicada no Boletim doTrabalho e Emprego de 8 de Setembro de 1993,determinando-se no seu artigo 2.º que a produ-ção de efeitos da tabela salarial seja retroactiva a1 de Abril de 1993, data anterior à cessação doscontratos dos autores; por isso, a ré determinoua rectificação dos cálculos das indemnizações,tendo pago aos autores as respectivas diferen-ças; quanto aos demais aspectos, a portaria deextensão produz efeitos nos termos legais, cincodias após a sua publicação, não sendo aplicávelaos autores o critério de indemnização por des-pedimento colectivo — um mês e meio por anode antiguidade.

Foi elaborado o saneador e organizados aespecificação e o questionário, com reclamaçãoatendida. Foi junto um parecer de ilustre mestrede direito laboral. Procedeu-se a julgamento pro-feriu-se sentença que absolveu a ré dos pedidos.

Os autores, inconformados, apelaram para oTribunal da Relação de Lisboa. Com as suas con-tra-alegações a ré juntou outro parecer de outroilustre jurista laboral.

A Relação julgou improcedente a apelação,confirmando a sentença recorrida.

II

Irresignados, os autores recorreram de revistapara este Supremo, tendo concluído as suas ale-gações da forma seguinte:

1) O contrato de trabalho a bordo não é disci-plinado no regime geral do contrato de trabalho(lei do contrato de trabalho), antes estando, nostermos do artigo 8.º da lei do contrato de traba-lho, submetido a legislação especial constituída,nomeadamente, pelo Decreto-Lei n.º 74/73, de1 de Março, que aprova o regime jurídico docontrato individual do pessoal da marinha docomércio, e pelos instrumentos de regulamenta-ção colectiva de trabalho do sector;

2) No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 74/73 olegislador é bem claro em acentuar que o regimeem causa é especial, atentas as especificidades

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196 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

do trabalho a bordo, razão pela qual é seguidauma técnica precisa de codificação, na qual sãoadoptadas algumas das soluções então em vigorna lei geral, quer através da incorporação de con-teúdos normativos da lei do contrato de traba-lho, quer através de recurso à remissão expressapara o Decreto-Lei n.º 44 506, de 10 de Agostode 1962, aplicável, quando se trate de um despe-dimento colectivo, no quadro do artigo 97.º da-quele regime jurídico. Outras formas de cessaçãoda relação laboral são enunciadas de forma taxativano artigo 79.º, sendo ilegal a criação de quaisqueroutras;

3) Tendo em conta a conclusão 1.ª, é de con-cluir que nunca foram aplicáveis aos autores asdisposições da lei do contrato de trabalho relati-vas à cessação do contrato de trabalho, contidasno seu artigo 98.º e seguintes;

4) Tais disposições da lei do contrato detrabalho passaram a ser reguladas pelo Decreto--Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, decorrendo dodisposto no artigo 33.º que o regime consignadoneste diploma legal não se aplica ao trabalho abordo;

5) Também não se aplica ao contrato de tra-balho a bordo o regime jurídico da cessação docontrato individual de trabalho aprovado peloDecreto-Lei n.º 64-A/89, conforme resulta do dis-posto no seu artigo 1.º;

6) Dado que o legislador do referido decreto--lei foi tão cuidadoso e claro em prescrever oâmbito de aplicação respectivo, pelas mesmasrazões, seguramente que teria previsto de formainequívoca a sua aplicação ao contrato de traba-lho a bordo, caso tivesse sido essa a sua intenção;

7) Não o tendo feito, e à semelhança dos legis-ladores anteriores da lei geral, tal facto necessa-riamente significa que todos eles, na esteira dolegislador do Decreto-Lei n.º 74/73 reconhece-ram que o trabalho a bordo, atenta a sua espe-cialidade, sempre deverá ficar sujeito a uma tutelaprópria, nos precisos termos fixados inicial-mente pelo mesmo diploma. Daí advindo a ina-plicabilidade aos autores da figura da extinçãodos postos de trabalho por motivos relativos àempresa, prevista nos artigos 26.º e seguintes doDecreto-Lei n.º 64-A/89;

8) Em conformidade com as conclusões ante-riores deverá ter-se como ilícito o despedimentodos autores e que o acórdão recorrido violou a

artigo 8.º da lei do contrato de trabalho, os arti-gos 79.º e 97.º do Decreto-Lei n.º 74/73 e o ar-tigo 1.º do regime aprovado pelo Decreto-Lein.º 64-A/89;

9) A tese da presumida vontade dos nego-ciantes do contrato colectivo de trabalho de 1989,nos termos defendidos pelo acórdão recorrido,não tem suporte quer no articulado do mesmocontrato colectivo de trabalho, quer nestes au-tos, pelo que haverá que concluir pela sua im-procedência;

10) No entendimento dos autores, os nego-ciadores do contrato colectivo de trabalho, no-meadamente no n.º 1 da sua cláusula 50.ª, namesma se limitaram a dar um conteúdo actuali-zado à prescrição do n.º 1 do artigo 97.º do re-gime anexo ao Decreto-Lei n.º 74/73, dado que oregime do Decreto-Lei n.º 44 506 se encontrava,à data da celebração do mesmo contrato colec-tivo de trabalho, substituído pelo Decreto-Lein.º 372-A/75, com a redacção do Decreto-Lein.º 84/76, de 28 de Janeiro;

11) A tese do acórdão recorrido implicariaque os negociadores do contrato colectivo de tra-balho de 1989 nele haviam introduzido uma novaforma de cessação do contrato de trabalho, rela-tivamente às formas previstas pelo regime doDecreto-Lei n.º 74/73, daí decorrendo para ostrabalhadores, dado que, nesse caso, deixaria delhes ser aplicável o regime mais favorável consig-nado da cláusula 52.ª do contrato colectivo detrabalho;

12) Por tal cláusula, na tese do acórdão, con-trariar outras normas legais de hierarquia supe-rior, absolutamente imperativas, o Decreto-Lein.º 74/73, nomeadamente os artigos 79.º e 97.º,tal vício implicaria, face ao disposto nas alí-neas b) e c) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lein.º 519-C1/79, a nulidade da mesma cláusula;

13) Os autores não aceitaram a cessação doscontratos de trabalho por extinção dos postos detrabalho, dado que não impendia sobre eles qual-quer ónus de impugnar a comunicação que lhesfoi feita pela ré;

14) As decisões das entidades patronais emmatéria de cessação do contrato de trabalho nãoestão sujeitas ao regime estabelecido pelo artigo681.º do Código de Processo Civil, para aceita-ção das decisões jurídicas e consequentementeperda do direito de recorrer, pelo que os autores

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197 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

não estão impedidos de questionar a ilicitude dacessação dos seus contratos de trabalho;

15) Também o recebimento pelos autores dosmontantes pecuniários calculados pela ré comocompensação pela cessação dos contratos de tra-balho não vale como aceitação do despedimentoe de que as compensações eram devidas;

16) Os recibos assinados pelos autores sãouma «chapa» redigida unilateralmente pela ré, enão são mais do que isso, recibos de quitação dasimportâncias que deles constam, não possuindovalidade alguma para efeitos de extinção da obri-gação de indemnizar, nos termos da já referidacláusula 52.ª, nada impedindo a assinatura dosrecibos de os autores virem posteriormente areclamar créditos que entendem não estarem sa-tisfeitos com a compensação;

17) Devendo, pois, proceder o pedido dedu-zido pelos autores no sentido de lhes ser paga aindemnização pelo seu despedimento ilícito ousem justa causa, previsto na citada cláusula 52.ªdo contrato colectivo de trabalho de 1989, o qualse encontra em vigor.

Terminam com o pedido de que a revista sejaconcedida com o consequente reconhecimentoaos autores das indemnizações reclamadas.

Contra-alegou a ré concluindo:

1) O Decreto-Lei n.º 74/73 e, bem assim, ocontrato colectivo de trabalho de 1989 não pre-viam a figura da cessação dos contratos de traba-lho por extinção de postos de trabalho;

2) Essa foi a forma pela qual ocorreu a cessa-ção dos contratos de trabalho dos autores;

3) Daquele decreto-lei e do contrato colectivode trabalho resulta a aplicação ao caso dos autosdo regime dos despedimentos colectivos e extin-ção de postos de trabalho, constante da actual leidos despedimentos;

4) O disposto no artigo 97.º do Decreto-Lein.º 74/73, ao remeter para o Decreto-Lei n.º 44 506,reportava-se a quaisquer diplomas que pudes-sem vir a regular o despedimento colectivo;

5) O próprio contrato colectivo de trabalhoprevia na sua cláusula 50.ª que seria aplicável oregime do Decreto-Lei n.º 372-A/75 ou outro queo viesse substituir;

6) O que veio a suceder com a publicação doDecreto-Lei n.º 64-A/89, no qual foi criada a nova

figura da cessação de contratos de trabalho porextinção de postos de trabalho;

7) O facto de a referida cláusula 50.ª não sereferir expressamente ao caso da extinção de pos-tos de trabalho em nada releva, pois que dos seustermos conclui-se que tal situação estaria igual-mente abrangida pela remissão aí efectuada.

8) O regime geral de cessação dos contratosde trabalho por extinção dos postos de trabalhoé directamente aplicável aos contratos de traba-lho celebrados pelos autores;

9) Caso assim não se entenda, existe uma la-cuna quanto ao regime a aplicar à cessação decontratos de trabalho por extinção de postos detrabalho quer no Decreto-Lei n.º 74/73 quer nocontrato colectivo de trabalho de 1989;

10) Tal lacuna deve ser integrada através daanalogia;

11) O que leva à aplicação do regime contidono Decreto-Lei n.º 64-A/89 para a cessação docontrato de trabalho por extinção de postos detrabalho;

12) A ré pagou aos autores a compensação deum mês por cada ano de antiguidade ou fracçãoem cumprimento do artigo 31.º do Decreto-Lein.º 64-A/89;

13) Os autores aceitaram a cessação dos res-pectivos contratos de trabalho ao receberem ascompensações que lhes foram pagas pela ré, nostermos do n.º 3 do artigo 23.º do mesmo diploma;

14) Em tais compensações pagas aos autoresdevem considerar-se incluídas todas e quaisquerquantias às quais os autores pudessem ter di-reito em virtude da cessação dos respectivos con-tratos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo8.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89;

15) Os autores encontravam-se impedidos devir reclamar da ré quaisquer direitos que pudes-sem ter em virtude da cessação dos respectivoscontratos de trabalho.

Finaliza defendendo que o acórdão deve sermantido, negando-se a revista.

III

A) Neste Supremo o Ex.mo Magistrado doMinistério Público emitiu parecer, notificado àspartes, que nada responderam, no sentido de arevista ser negada.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

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198 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

B) A matéria de facto que vem dada comoprovada é a seguinte:

1) Os autores trabalharam como oficiais ma-quinistas da marinha mercante ao serviço da ré, esob a sua autoridade e direcção, desde, respecti-vamente, 1 de Abril de 1973, de 1 de Abril de1973 e 21 de Dezembro de 1973;

2) Em Maio de 1993, a ré comunicou aos au-tores a intenção de extinguir os seus postos detrabalho, nos termos do artigo 28.º do Decreto--Lei n.º 64-A/89;

3) Intenção essa que a ré veio a concretizar,pagando aos autores a indemnização estabelecidanaquele diploma para o despedimento sem justacausa, correspondente a um mês de remuneraçãopor cada ano de antiguidade, nos valores de,respectivamente, 4 991 140$00, 5 218 010$00 e4 736 760$00;

4) A ré fez igual comunicação (relativa àextinção dos postos de trabalho dos autores) aoMinistério do Trabalho e à comissão de traba-lhadores;

5) Foi celebrado um contrato colectivo de tra-balho entre o Sindicato dos Oficiais e Engenhei-ros Maquinistas da Marinha Mercante, do qualas autores eram associados, e a APAMM —Associação Portuguesa dos Armadores da Mari-nha Mercante, publicado no Boletim do Traba-lho e Emprego, n.º 1, de 8 de Janeiro de 1989;

6) A Associação Portuguesa dos Armadoresda Marinha Mercante foi extinta por deliberaçãodos associados, publicada no Boletim do Traba-lho e Emprego, n.º 2, de 30 de Janeiro de 1991;

7) Em face da extinção da Associação Portu-guesa dos Armadores da Marinha Mercante, a rée outras empresas decidiram dar início a um pro-cesso de negociação de um acordo colectivo detrabalho, tendo enviado a todos os sindicatos dosector, em 27 de Março de 1991, uma propostado acordo colectivo de trabalho, cujas negocia-ções directas se iniciaram em 12 de Abril de 1991;

8) O sindicato em que os autores são filiados(o Sindicato dos Oficiais e Engenheiros Maqui-nistas da Marinha Mercante) e outros dois (oFSM e o SMMP) não compareceram para nego-ciação;

9) Aqueles três sindicatos, uma vez recebidaa proposta das empresas, requereram de ime-diato a passagem do processo à fase de concilia-

ção no Ministério do Emprego, no decurso daqual mantiveram a sua indisponibilidade para com-parecer nas negociações directas, que entretantose haviam iniciado com os demais sindicatos;

10) Aquelas negociações concluíram-se coma celebração do acordo colectivo de trabalhopublicado no Boletim do Trabalho e Emprego,n.º 27, de 22 de Julho de 1992;

11) Esse acordo colectivo de trabalho não foisubscrito por aqueles três sindicatos — Sindi-cato dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas daMarinha Mercante, SMMP e FSM;

12) Foi em conformidade com o referido nospontos de facto anteriores — 7 a 11 — que a réaplicou o acordo colectivo de trabalho em causaapenas aos trabalhadores filiados nos sindicatossubscritores;

13) Tendo informado aqueles três outros sin-dicatos que lhes aplicaria igualmente o referidoacordo colectivo de trabalho desde que subs-crevessem individualmente uma declaração demaior favorabilidade global do respectivo regime;

14) Como os autores decidiram não subscre-ver a referida declaração, a ré não lhes aplicou oacordo colectivo de trabalho;

15) Por isso mesmo, a ré determinou a rectifi-cação dos cálculos de indemnização, tendo já pagoaos autores as diferenças que resultaram do factode serem afectados com base numa remuneraçãomais elevada;

16) Das 67 cláusulas do acordo colectivo detrabalho, apenas 15 são iguais às do contratocolectivo de trabalho

17) O Sindicato dos Oficiais e EngenheirosMaquinistas da Marinha Mercante considera queos trabalhadores ficaram prejudicados, nomea-damente, nas seguintes regalias:

a) Recrutamento (cláusula 3.ª);b) Transferência (cláusula 6.ª);c) Cessação do direito de reclamação (cláu-

sula 7.ª);d) Garantias dos inscritos marítimos;e) Horário de trabalho (cláusula 14.ª);f) Vencimento e diuturnidades (cláusula

26.ª);g) Subsídios de Natal e de férias (cláusulas

31.ª e 32.ª);h) Remuneração da hora suplementar (cláu-

sula 33.ª);

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199 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

i) Deslocações (cláusula 36.ª);j) Descanso semanal e feriados (cláusula 38.ª);l) Período de descanso em terra (cláusula 39.ª);

m) Faltas justificadas (cláusula 45.ª);n) Indemnizações por cessação do contrato

(cláusulas 47.ª a 53.ª);o) Regulamento das regalias sociais (cláu-

sula 56.ª);p) Postos de trabalho gravosos (cláusula 60.ª);q) Tabelas salariais (anexo II);

18) Quanto à remuneração, conclui o Sindi-cato dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas daMarinha Mercante que os tripulantes ficaramglobalmente prejudicados com o sistema remune-ratório do acordo colectivo de trabalho;

19) Apesar de os autores terem recebido acomunicação referida em 2), nenhum deles se pro-nunciou sobre a intenção da empresa de proce-der à extinção dos postos de trabalho;

20) A comissão de trabalhadores também senão pronunciou;

21) Os autores compareceram, em 30 de Ju-nho de 1993, na sede da ré para receberem aindemnização;

22) Nunca tendo levantado ao longo do pro-cesso de extinção qualquer objecção à cessaçãodo contrato individual de trabalho;

23) A única objecção levantada pelos autores,já depois da cessação dos contratos individuaisde trabalho, dizia respeito apenas a pequenasdiferenças salariais relativas a férias, subsídio deférias e descanso acumulado, que a ré pagou;

24) A ré não aplicou o previsto no contratocolectivo de trabalho, no que respeita a indemni-zações por despedimento;

25) Dado que todos os outros trabalhadores,à excepção dos autores, cessaram os seus contra-tos de trabalho por mútuo acordo;

26) Nessa rescisão por mútuo acordo, os re-feridos trabalhadores acertaram o pagamento daindemnização com base num critério que tevecomo limite máximo de um mês e meio de remu-neração por cada ano ou fracção de antiguidade.

III

C) No caso concreto estamos perante a exis-tência de contratos de trabalho «especiais» — oscontratos de «trabalho a bordo».

O regime de tal tipo de contrato de trabalhoestá excluído do regime estabelecido na lei docontrato de trabalho para os contratos em geral,pois o artigo 8.º desse diploma, certamente pelaespecificidade desse trabalho, é expresso em afir-mar que ele fica sujeito a legislação especial.

O regime desses contratos é o estabelecido noDecreto-Lei n.º 74/73, de 1 de Março, cujo artigo97.º dispõe:

«1 — Os marítimos abrangidos por despe-dimento colectivo resultante de reorganização oufusão de empresas armadoras ou venda ou abatede embarcações ficam, na parte aplicável, ao abrigodo regime do Decreto-Lei n.º 44 506, de 10 deAgosto.

2 — O marítimo poderá optar pelo subsídioresultante da aplicação do diploma referido nonúmero anterior ou pela indemnização por des-pedimento sem justa causa.»

Mas, o Decreto-Lei n.º 44 506 foi revogadopelo Decreto-Lei n.º 783/74, de 31 de Dezem-bro, pois este último diploma veio regular osdespedimentos colectivos em geral e estabelecerpara todos eles um mesmo regime, apenas ex-cluindo desse regime os contratos de trabalhorural ou os celebrados no âmbito de actividadesclassificadas como sazonais (n.º 2 do artigo 1.º).

E no preâmbulo daquele Decreto-Lei n.º 783/74, e como sua justificação, referia-se «e impor-tando submeter o processo de cessação colectivados contratos de trabalho, fundada no encerra-mento total ou parcial da empresa e em razõesestruturais tecnológicas ou conjunturais [...] anormas que garantam aos trabalhadores um efec-tivo controlo dos casos de redução de postos detrabalho [...] bem como a reestruturação dos seusserviços e a modernização dos seus métodos degestão». Face a esta justificação poder-se-ia dizerque se contemplava a extinção de postos de tra-balho, tal como vem regulamentada no regimeestabelecido pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de27 de Fevereiro (que se passará a designar por leido contrato colectivo de trabalho).

No entanto, aquele Decreto-Lei n.º 783/74 foiexpressamente revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro, que, entre outros, alterou ocapítulo V do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16de Abril, e respeitante ao despedimento colec-tivo. Assim, desde a entrada em vigor do falado

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200 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

Decreto-Lei n.º 84/76, o Decreto-Lei n.º 783/74deixou de ser aplicável à generalidade dos despe-dimentos colectivos.

Temos, pois, que quando cessaram os contra-tos de trabalho dos autores (em 1993) já nãoestava em vigor aquele Decreto-Lei n.º 783/74.O regime geral então em vigor era o da lei docontrato colectivo de trabalho, que revogou oDecreto-Lei n.º 372-A/75 e os diversos diplo-mas que introduziram alterações a esse diploma(artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89). Mas, oartigo 1.º da lei do contrato colectivo de traba-lho era expresso em o seu regime se aplicar sóaos contratos não excluídos pelo Decreto-Lein.º 49 408, de 24 de Novembro de 19969 — leido contrato de trabalho. E os contratos de traba-lho a bordo estão excluídos pela lei do contratode trabalho.

E assim temos, a um primeiro contacto, queos despedimentos colectivos dos trabalhadoresde bordo não estariam submetidos ao regime dalei do contrato colectivo de trabalho.

Mas, como acima se disse, o artigo 97.º doDecreto-Lei n.º 74/73, que trata do despedimentocolectivo dos trabalhadores a bordo, remete, noseu n.º 1, uma parte aplicável para o regime doDecreto-Lei n.º 44 506, o qual estabeleceu, du-rante a sua vigência, o regime jurídico do despe-dimento colectivo em geral, veio a sofrer as subs-tituições acima referidas. Face a esse diploma eao Decreto-Lei n.º 74/73, haverá que entenderque a remissão que se faz no n.º 1 do artigo 97.ºdo Decreto-Lei n.º 74/73 será para o regime doDecreto-Lei n.º 44 506 e para cada um dos novosregimes do despedimento colectivo constantesdaqueles diplomas que, sucessiva-mente, altera-ram o regime do despedimento colectivo.

A não se entender assim, criar-se-ia um vaziolegislativo, que iria deixar desprotegidos os tra-balhadores marítimos, quando o próprio legisla-dor os quis tratar de forma semelhante à genera-lidade dos outros trabalhadores.

Termos, pois, que ao despedimento colectivodos trabalhadores a bordo se deve aplicar o re-gime estabelecido na lei do contrato colectivo detrabalho.

Mas a conclusão a que se chegou não esgotanem resolve a questão que é posta: montante daindemnização devida aos autores.

Entendeu-se nos autos — acórdão recorrido eposição da ré — que se está perante uma cessa-ção dos contratos de trabalho por extinção depostos de trabalho. Esta matéria está reguladana lei do contrato colectivo de trabalho — arti-gos 26.º a 33.º

Mas, melhor nos parece que aos trabalhado-res a bordo não é de aplicar esse regime de cessa-ção dos contratos de trabalho.

Na verdade, haverá que não esquecer que a leido contrato colectivo de trabalho se não refere aesse tipo de contratos — artigo 1.º —, deixandoa regulamentação do regime deles para legislaçãoespecial, face ao disposto no artigo 8.º da lei docontrato de trabalho.

E esse regime é o do Decreto-Lei n.º 74/73.E aí se dispõe as causas da cessação do contratode trabalho — artigo 79.º: por acordo; por cadu-cidade; por rescisão por qualquer das partes,ocorrendo justa causa. Aí não figura a cessaçãodos contratos por extinção dos postos de tra-balho. E sendo esse regime estabelecido em di-ploma que não abrange os contratos de trabalhoa bordo, e estando as causas de cessação doscontratos devidamente especificadas na legisla-ção especial, delas não fazendo parte aquele tipode cessação dos contratos, dever-se-á entenderque àqueles trabalhadores se não aplica aquelacausa de cessação, diferente da do despedimentocolectivo, como resulta do artigo 26.º da lei docontrato colectivo de trabalho.

Assim, e face ao exposto, haverá que encarara cessação dos contratos pelo prisma do despe-dimento colectivo, o qual será ilícito por nãoobedecer aos requisitos e formalidades para eleestabelecidas — cfr. artigo 27.º a 30.º da lei docontrato colectivo de trabalho.

E, então, surge a questão que é posta nos au-tos: determinação da indemnização aos autores.

Nos termos da lei do contrato colectivo detrabalho essa indemnização corresponde a ummês de retribuição por cada ano ou fracção deantiguidade — artigos 23.º, n.º 1, e 13.º, n.º 3, dalei do contrato colectivo de trabalho.

Pretendem os autores que a indemnização deveser calculada com base no contrato colectivo detrabalho de 1989, que estabelece uma indemni-zação correspondente à retribuição de quatro me-ses por cada ano, ou fracção, de antiguidade.

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201 Direito do TrabalhoBMJ 500 (2000)

Independentemente de se considerar e averi-guar da vigência desse contrato colectivo de tra-balho de 1989 na data da cessação dos contratosde trabalho dos autores, haverá que ter em consi-deração urna questão prévia a tal.

É que esse contrato colectivo de trabalho éanterior ao Decreto-Lei n.º 64-A/89.

E o regime estabelecido na lei do contratocolectivo de trabalho estabelece a forma de cál-culo da indemnização, pela forma acima referida:um mês de retribuição por cada ano, ou fracção,de antiguidade.

E esse regime, salvo disposição legal em con-trário, é imperativo, não podendo ser afastadopor instrumento de regulamentação colectiva detrabalho ou por contrato individual de trabalho,como expressamente o refere o n.º 1 do artigo 2.ºda lei do contrato colectivo de trabalho.

E acrescenta o n.º 2 do mesmo dispositivo arevogação, fazendo-o de modo bem explícito, detodas as disposições dos instrumentos de regu-lamentação colectiva de trabalho então em vigore que contrariassem o disposto naquele diploma.

Ora, como aquele contrato colectivo de traba-lho de 1989 foi publicado em 8 de Janeiro de1989 e a lei do contrato colectivo de trabalho em27 de Fevereiro de 1989, para entrar em vigor em30 de Março de 1989, aquela cláusula que esta-belece a referida forma de cálculo da indemniza-ção contraria o disposto na lei do contrato colec-tivo de trabalho, na medida em que confere aostrabalhadores o direito a uma indemnização su-perior à que receberiam pela forma de cálculo dalei do contrato colectivo de trabalho.

É certo que esse contrato colectivo de traba-lho de 1989 favorece os trabalhadores, estabele-cendo aquele regime mais favorável, mas talpossibilidade é impedida pela lei do contratocolectivo de trabalho e só pode verificar-se a exis-tência de um regime mais favorável por via deIRC celebrado posteriormente à entrada em vi-gor da lei do contrato colectivo de trabalho.

Não há, assim, lugar à aplicação do regimedaquele contrato colectivo de trabalho no querespeita ao cálculo da indemnização.

Sucede que em 27 de Julho de 1992 foi publi-cado um acordo colectivo de trabalho em que a réé «parte» e que estabelece uma forma de cálculo

da indemnização mais favorável que a da lei docontrato colectivo de trabalho — um mês e meiode retribuição por cada ano, ou fracção, de anti-guidade.

Sendo ele posterior à lei do contrato colectivode trabalho, nada obstaria à sua aplicação.

No entanto, haverá que ter em conta que «asconvenções colectivas de trabalho obrigam asentidades patronais que as subscrevem e as ins-critas nas associações patronais signatárias, bemcomo os trabalhadores ao seu serviço, que sejammembros quer das associações sindicais cele-brantes, quer das associações sindicais represen-tadas pelas associações sindicais celebrantes» —artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de29 de Dezembro. É o chamado «âmbito pessoal»dos instrumentos de regulamentação colectiva.

Resulta da matéria de facto que os autoresnão estão filiados em qualquer das organizaçõessindicais subscritoras daquele acordo colectivode trabalho, pelo que ele, e designadamente oregime de cálculo das indemnizações por despe-dimento, se não aplica aos autores.

Por outro lado não se mostra que a portaria deextensão referente ao acordo colectivo de traba-lho estenda o seu regime ao cálculo das indemni-zações, mas tão-só quanto ao aspecto retributivo.

Assim sendo, e não se aplicando o contratocolectivo de trabalho de 1989, por se ter de con-siderar revogado pela lei do contrato colectivo detrabalho no que toca à cláusula que estabelece aforma de cálculo da indemnização; nem se apli-cando o acordo colectivo de trabalho, por ele nãoser aplicável no «âmbito pessoal» aos autores, enem existir portaria de extensão nesse sentido,temos que o cálculo da indemnização tem de serfeito com base em um mês de retribuição porcada ano, ou fracção, de antiguidade, por aplica-ção da lei do contrato colectivo de trabalho, talcomo ele foi feito pela ré.

Improcedem, assim, as conclusões da revista.

IV

Face ao exposto acordam na Secção Social doSupremo Tribunal de Justiça em negar a revista,confirmando-se, embora com fundamentação di-ferente, o acórdão recorrido.

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202 BMJ 500 (2000)Direito do Trabalho

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 31 de Outubro de 2000.

Vítor Devesa (Relator) — Sousa Lamas —Dinis Nunes.

Não localizámos jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre as questões enunciadas.

(M. A. P.)

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203 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

Recursos penais — Recurso em matéria de facto — Com-petência do Tribunal da Relação em matéria de recursos penais

I — O Código de Processo Penal, na sequência da revisão decorrente da Lei n.º 59/98, de 5 de Agosto, consagrou um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, mesmoem recursos interpostos de julgamentos realizados pelo tribunal colectivo.

II — Interposto recurso que tenha por objecto o reexame da matéria de facto, juntasas transcrições das gravações da audiência, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 412.º doCódigo de Processo Penal, incumbe ao Tribunal da Relação reapreciar a prova produ-zida na audiência, socorrendo-se para o efeito dos suportes técnicos em que a mesmatenha sido gravada e da respectiva transcrição, dando desta forma um conteúdo efectivoàquele duplo grau de jurisdição.

III — Nesse julgamento o tribunal da relação apreciará toda a matéria de facto,independentemente de no caso se verificar ou não algum dos vícios referidos no n.º 2 doartigo 410.º do Código de Processo Penal, esgotando os poderes de cognição dos tribu-nais sobre tal matéria.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 1783/2000

ACORDAM na Secção Criminal do SupremoTribunal de Justiça:

1. Julgado e condenado em 1.ª instância a7 anos de prisão pela prática de um crime detráfico de estupefacientes, recorreu para o Tribu-nal da Relação de Lisboa da respectiva decisão oarguido Marco António Capucho Safara Cida-des, melhor identificado nos autos, recurso esse aque foi negado provimento por acórdão de 12 deAbril de 2000 (fls. 921 a 941 v.º).

Continuando inconformado com a justiçafeita, recorreu de novo o arguido, agora para esteSupremo Tribunal de Justiça, motivando paraconcluir (longamente, diga-se) deste modo:

— «No acórdão recorrido, o tribunal a quoexpressa uma interpretação das alterações intro-duzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, aosrecursos em processo penal, visando o reexameda matéria de facto, não perfilhada pelo ora recor-rente, nem pela doutrina já desenvolvida sobreesta matéria que se conhece.

— Na sua decisão, o Tribunal recorrido afirmaestar-lhe vedada a reapreciação da matéria defacto, em sede de recurso, nos processos da com-petência de tribunal colectivo, por referência aossuportes técnicos, quando a prova tenha sido gra-

vada em 1.ª instância, chegando a concluir que ‘adocumentação a que se refere o artigo 363.º doCódigo de Processo Penal não é um registo deprova para efeito de recurso, mas tão-só um meiode controlo da prova, em ordem a prevenir acorrespondência entre a que é produzida e a queresulta do julgamento e a auxiliar o tribunal queefectua o julgamento a rememorar a produção daprova, nomeadamente em casos de julgamentocomplexo e demorado’.

— Com o devido respeito pela tese desen-volvida no acórdão recorrido, entende-se que amesma não tem fundamento nas reais alteraçõeslegislativas operadas pela Lei n.º 59/98, de 25 deAgosto, ao processo penal.

— A actual possibilidade de reclamação doreexame da matéria de facto ao Tribunal da Rela-ção, das decisões finais proferidas pelos tribu-nais colectivos, quando a prova produzida emaudiência tenha sido gravada, decorre das altera-ções operadas por aquele diploma nos artigos400.º, 412.º, 427.º, 431.º e 432.º do Código deProcesso Penal.

— Não dispondo o tribunal dos meios este-notípicos ou estenográficos adequados a assegu-rar a reprodução das declarações prestadas emaudiência para o registo da audiência, a lacuna doartigo 363.º do Código de Processo Penal refe-

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204 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

rente a essa eventualidade terá de ser preen-chida — como o tem sido na nossa prática fo-rense —, nos termos do artigo 4.º do Código deProcesso Penal, com recurso às normas do pro-cesso civil sobre esta matéria, designadamente ànorma do artigo 690.º-A do Código de ProcessoCivil.

— As alterações determinantes da ampliaçãodos poderes de cognição do Tribunal da Relaçãoquanto à decisão da matéria de facto evidenciamque o registo da prova quando requerido é obri-gatório, uma vez que o mesmo é condição daapreciação do recurso da decisão final sobre ma-téria de facto nos termos dos artigos 412.º, n.os 3e 4, e 431.º, alínea b), do Código de ProcessoPenal e 690.º-A, n.º 2, do Código de ProcessoCivil, este último aplicável subsidiariamente nostermos do artigo 4.º do Código de ProcessoPenal.

— No entanto, o acórdão recorrido nega o realalcance das notáveis alterações legislativas pro-duzidas nessas normas e o entendimento da dou-trina já produzida sobre esta matéria (cfr. obracitada na motivação, do Prof. Germano Marquesda Silva).

— Pelo exposto, em face da ampliação dospoderes de cognição do Tribunal da Relaçãoquanto à decisão da matéria de facto, em virtudedas alterações operadas pela Lei n.º 59/98, de 25de Agosto, o tribunal a quo não podia ter igno-rado as conclusões da motivação apresentadapelo recorrente reclamando o reexame e a modifi-cação da matéria fáctica, em referência aos supor-tes técnicos do registo da prova transcrito pelamesma.

— Ao rejeitar a impugnação da decisão profe-rida sobre matéria de facto, considerando des-providas de relevância as conclusões que remetempara o conteúdo da gravação efectuada ao abrigodo disposto no artigo 363.º do Código de Pro-cesso Penal, o tribunal a quo não interpretoucorrectamente e violou os artigos 400.º, n.º 1,alíneas c) e f), 412.º, n.os 3 e 4, 427.º e 431.º doCódigo de Processo Penal.

— Acresce que, ao rejeitar a apreciação damatéria fáctica impugnada no recurso apresen-tado pelo ora recorrente, nos termos introduzi-dos pelas alterações legislativas operadas pelaLei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o Tribunal daRelação violou esse diploma legislativo.

Nos termos do artigo 203.º da Constituiçãoda República Portuguesa, os tribunais são inde-pendentes e apenas estão sujeitos à lei e a deci-são recorrida violou claramente a lei processualpenal, ao contrariar a ampliação dos poderes decognição das relações sobre a matéria de facto,visada e expressa pelo legislador nas alteraçõesoperadas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, aoprocesso penal.

— Consequentemente, a decisão ora recor-rida violou também a lei fundamental, concre-tamente o seu artigo 203.º o qual sujeita os tribu-nais ao princípio da legalidade, uma vez que ainterpretação correcta desta norma impunha-lhe aapreciação ampliada da matéria de facto julgadaem 1.ª instância, com recurso à transcrição daprova registada em audiência, efectuada pelorecorrente, para a impugnação daquela decisão.

— Sendo a lei processual penal (cfr. artigo363.º do Código de Processo Penal) omissaquanto ao modo e ao ónus de registar e transcre-ver a prova produzida em audiência, o tribunalde 1.ª instância aplicou supletivamente — emconformidade com o artigo 4.º do Código de Pro-cesso Penal — as regras do processo civil con-cernentes a esta matéria, concretamente o De-creto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que in-troduziu alterações ao Código de Processo Civil,consagrando o seu artigo 690.º-A, relativas àpossibilidade de documentação ou registo dasaudiências finais e das provas nelas produzidas.

— Esta fita destinada às partes — em confor-midade com a redacção do artigo 690.º-A, n.º 2,do Código de Processo Civil — deveria ser pelasmesmas transcrita, em caso de interposição derecurso impugnando a decisão sobre a matéria defacto, sob pena de rejeição da peça interpostapelo recorrente.

— Entende-se que essa obrigação de transcri-ção das gravações pelos recorrentes — sob penade rejeição do seu recurso da matéria de facto —colide com o exercício do direito de defesa de umarguido, afectando o seu direito de interposiçãode recurso (com assento no artigo 32.º, n.º 1, daConstituição da República Portuguesa) por nãoser compatível com os curtos prazos concedidosaos recorrentes para a interposição de recurso doacórdão final.

— Tanto mais que nas alterações ao Códigode Processo Penal não houve o cuidado elemen-

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205 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

tar de alargar o prazo de recurso no caso de nomesmo se impugnarem decisões sobre matériade facto com apoio em transcrições, ao contráriodo que aconteceu no processo civil (cfr. artigo698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil).

— Pelo exposto, a aplicação ao processo pe-nal da norma do Código de Processo Civil queimpõe a transcrição das gravações produzidasem audiência, pelos recorrentes, sob pena de re-jeição dos recursos interpostos para reexame damatéria de facto [cfr. artigo 690.º-A, n.º 1, alí-nea b), do Código de Processo Civil], sem o alar-gamento do prazo de interposição dos recursos,é inconstitucional.

— Ao coarctar dessa forma a garantia de de-fesa do direito de interposição de recurso, a apli-cação dessa norma aos recursos em processo penalviola claramente a garantia do processo criminal,com assento no artigo 32.º, n.º 1, da Constituiçãoda República Portuguesa. Pelo exposto, não re-conhecendo essa ameaça e essa inconstituciona-lidade arguida pela recorrente, a decisão proferidapelo tribunal a quo violou o artigo

— Caso VV. Ex.as decidam não reenviar ospresentes autos ao Tribunal da Relação de Lis-boa para apreciação da motivação de recurso apre-sentada pelo recorrente naquele Tribunal, à luzda transcrição da prova produzida e registada emaudiência, deverão considerar, nesta sede e talcomo foi defendido no voto de vencido de umdos juízes que integrou o tribunal colectivo queem 1.ª instância condenou o recorrente, bemcomo pelo Ministério Público (em 1.ª instânciana resposta ao recurso do recorrente e no tribu-nal a quo, em sede de alegações orais), que oTribunal ora recorrido não podia ter julgadoprocedentes as razões que levaram o tribunal de1.ª instância a subsumir a conduta do recorrenteno crime do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93,de 22 de Janeiro, mas sim no crime do artigo 25.ºdo mesmo diploma penal.

— Tal como considerou o magistrado que in-tegrou o colectivo que condenou o ora recorrentee que votou vencido, bem como o MinistérioPúblico na 1.ª instância e também junto do tribu-nal a quo, a matéria fáctica considerada assentequanto ao recorrente exigia a subsunção da suaconduta — considerada provada — no crime detráfico de estupefacientes de menor gravidade,

previsto e punido pelo artigo 25.º do Decreto--Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

— Da prova considerada assente pelo tribu-nal a quo resulta que o recorrente era toxicodepen-dente e que foi exactamente essa doença que oaproximou da arguida Júlia da casa n.º 10 do Bairroda Arroja, onde esta e a sua filha já traficavamprodutos estupefacientes, pelo menos, desde De-zembro de 1997.

— Assente ficou igualmente que o arguidoMarco, a certo passo, passou a frequentar dia-riamente a casa da arguida Júlia, a qual lhe cedia oproduto estupefaciente do qual o arguido recor-rente dependia.

— Em face desta factualidade o Ex.mo Magis-trado signatário do voto de vencido do acórdãode 1.ª instância considerou que «inserir um toxi-cómano num negócio já montado de tráfico deestupefacientes, onde aliás era cliente, mantendoa sua atitude de consumo, a sua incapacidade dedeterminação face às condutas ilícitas, já de sidiminuída, e segundo a experiência comum, agra-va-se».

— Ou seja, a toxicodependência do recor-rente, os seus reflexos na capacidade deste ava-liar a ilicitude dos seus actos ou dos actos queobservava, bem como de se determinar de acordocom a avaliação feita, diminuem consideravel-mente a ilicitude do seu comportamento e a suaculpa.

— Porém, a valoração dessa realidade não foiefectuada pelo tribunal recorrido, não tendo esteprocedido à qualificação jurídica dos actos dorecorrente num crime de tráfico de estupefacien-tes no tipo privilegiado fixado pelo artigo 25.º doDecreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas simno crime do artigo 21.º desse diploma, tendoviolado estes dois normativos.

— A interpretação correcta destas duas dis-posições impunha o enquadramento jurídico--penal dos factos praticados pelo recorrente —num quadro de considerável diminuição dailicitude e da culpa no crime de tráfico de menorgravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º doDecreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

— Acresce que se impunha ao tribunal a quo,em caso de condenação do arguido Marco Cida-des pela prática do crime previsto e punido peloartigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 deJaneiro, em virtude do comportamento alta-

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206 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

mente positivo do recorrente — caracterizadopela colaboração policial e pelo ingresso numprojecto de recuperação da toxicodependên-cia — a seguir aos factos, a suspensão da exe-cução da sua pena, nos termos do artigo 50.º doCódigo Penal.

— Não tendo valorado esse aspecto da con-duta do arguido Marco, também para esse efeito,o tribunal a quo violou igualmente este normativo.

— Subsidiariamente à supra-referida subsun-ção jurídica, o tribunal a quo devia ter atenuadoespecialmente a pena do recorrente, nos termosdo artigo 72.º do Código Penal, pela valoração datoxicodependência do mesmo e pelo louvávelprojecto de recuperação da toxicodependênciaao qual aderiu o arguido Marco logo após a suadetenção e que o mesmo prossegue actualmentecom enorme sucesso.

— Por outro lado, tendo resultado provadoque o arguido Marco iniciou uma relação amo-rosa com a arguida Júlia Silva, que passou aceder-lhe a droga da qual o mesmo dependia, im-punha-se concluir, na ponderação da pena a apli-car ao ora recorrente, que este se encontrava eagia sob o ascendente da arguida Júlia. Tal factoimpunha também a atenuação especial da suapena nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea a), doCódigo Penal.

— A cooperação do recorrente com as autori-dades policiais após a sua detenção — cfr. autode busca por si autorizado — também devia tersido ponderada de forma à atenuação especial dasua pena.

— Mais, tendo em vista a toxicodependênciado arguido Marco e a globalidade dos factos cons-tantes do acórdão de 1.ª instância, também seimpunha considerar no acórdão recorrido quetodo o comportamento do recorrente foi deter-minado por forte solicitação — cfr. artigo 72.º,n.º 2, alínea b), do Código Penal: sendo este toxi-cómano e estando a viver com uma pessoa quelhe cedia produto estupefaciente, impõe-se con-siderar que este se encontrava num quadro deforte solicitação.

— Todas estas circunstâncias anteriores, con-temporâneas e posteriores aos factos imputadosao recorrente tinham de ser valorados pelo tribu-nal a quo no momento da determinação da suapena, fazendo-o beneficiar de uma atenuação es-

pecial na sua sanção. Não o tendo feito, o tribu-nal a quo violou o artigo 72.º do Código de Pro-cesso Penal.

— Os critérios de escolha e determinação damedida da pena impostos pelas normas dos ar-tigos 70.º e 71.º do Código Penal também nãoforam devidamente ponderados pelo tribunalrecorrido.

— Também neste passo, a toxicodependênciado arguido Marco e a sua estreita conexão com asolicitação e a subjugação à arguida Júlia, às quaisestava sujeito, deviam ter sido ponderadas pelotribunal a quo.

— Quanto às circunstâncias atenuantes, o tri-bunal de 1.ª instância e também o tribunal a quoao confirmar a sua decisão referem apenas a pon-deração da primariedade e das condições sócio--económicas dos arguidos.

— Ora, o acórdão da 1.ª instância revela abun-dantes factores que depunham a favor do ar-guido Marco e que tinham de ser ponderados nadefinição da sua pena:

— A sua colaboração imediata e dinâmica comas autoridades policiais na presente investiga-ção, logo após a sua detenção;

— O seu ingresso num projecto de recupera-ção da toxicodependência no seio prisional;

— O seu empenho nesse projecto, o qual pros-segue com total êxito até hoje, afirmando oacórdão de 1.ª instância que o arguido Marcoestá actualmente saudável;

— O apoio familiar, profissional e emocionalcom que conta actualmente e que serão deter-minantes na sua futura reintegração social.

— Com efeito, ainda que o arguido Marcotivesse praticado algum acto subsumível aocrime pelo qual este foi condenado, o grau da suaculpa, as exigências de prevenção e todas as cir-cunstâncias que a seu favor depõem, por tudo oque se expôs, impunham ao tribunal a quo a apli-cação ao recorrente da pena mínima aplicável aoilícito criminal em questão.

— Mais, o comportamento positivo do re-corrente posteriormente aos factos tomaram-nomerecedor da suspensão da execução da sua pena,nos termos do artigo 50.º do Código Penal.

— Por tudo o exposto, a manutenção da con-denação do recorrente na sanção criminal que lhefoi aplicada pelo tribunal de 1.ª instância é vio-ladora dos preceitos normativos dos artigos 40.º,

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207 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

n.os 1 e 2, do artigo 71.º e 50.º, todos do CódigoPenal.»

Respondeu o Ministério Público junto do tri-bunal a quo, tendo concluído:

— «O sistema de recursos actualmente exis-tente no nosso direito processual penal (insti-tuído após a reforma operada pela Lei n.º 59/98,de 25 de Agosto) admite o duplo grau de jurisdi-ção em matéria de facto mesmo dos julgamentosrealizados pelo tribunal colectivo.

— Tal decorre do disposto nas disposiçõesconjugadas dos artigos 363.º, 400.º, 412.º, 427.º,428.º, 431.º e 432.º do Código de Processo Penal.

— Assim, o acórdão do Tribunal da Relaçãoagora sob recurso não podia deixar de conhecerda impugnação especificada do recorrente quantoà matéria de facto, socorrendo-se, para isso, dastranscrições juntas pelo mesmo, no cumpri-mento dos n.os 3 e 4 do artigo 412.º do Código deProcesso Penal.

— Por isso, deve tal acórdão ser substituídopor outro que conheça integralmente das ques-tões postas pelo recorrente quanto à matéria defacto.»

Já neste Supremo Tribunal de Justiça o Mi-nistério Público limitou-se a promover a desig-nação de data para audiência oral, por nada se lheoferecer que obste ao conhecimento do méritodo recurso.

Corridos que foram os vistos legais e reali-zada a pertinente audiência, cumpre decidir.

E decidindo ...

2. A situação configurada nos presentes au-tos é a seguinte:

— O arguido Marco Cidades, condenado em1.ª instância a 7 anos de prisão pela prática deum crime de tráfico de estupefacientes, recorreude tal decisão, de facto e de direito, para o Tribu-nal da Relação competente;

— Este Tribunal, porém, por acórdão de 12de Abril de 2000, recusou-se a conhecer da ver-tente fáctica impugnada pelo recorrente com basenas transcrições das gravações da prova produ-zida em audiência, por ter entendido, ainda quecom um voto de vencido, que o Tribunal da Re-

lação só pode «modificar a decisão do tribu-nal da 1.ª instância sobre a matéria de factoapenas quando ocorram os vícios do artigo 410.º,n.º 2, do Código de Processo Penal e, cumulati-vamente, ou estejam no processo todos os ele-mentos de prova ou esta tenha sido documentadaou tenha havido renovação de prova»;

— Assim, o Tribunal da Relação de Lisboainterpretou o artigo 431.º do Código de ProcessoPenal «no sentido de que aos condicionalismosalternativamente indicados nas suas alíneas a),b) e c) acresce o do n.º 2 do artigo 410.º, estreita-mente ligado à matéria de facto»;

— Daí que para aquele Tribunal da Relaçãosejam «irrelevantes e despiciendas no caso emapreço (julgamento pelo tribunal colectivo) asconclusões do recorrente que remetem para oconteúdo da gravação efectivada ao abrigo do dis-posto no artigo 363.º do Código de Processo Penale transcrita nos termos do artigo 412.º, n.º 4, domesmo diploma legal por impugnação da decisãoproferida sobre tal matéria de facto»;

— Em razão de tal entendimento, e quanto amatéria de facto, o Tribunal da Relação limitou--se a conhecer oficiosamente da possibilidade daexistência dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo410.º do Código de Processo Penal, isto porforça da jurisprudência contida no acórdão defixação de 19 de Outubro de 1995 (Diário daRepública, I Série-A, de 28 de Dezembro de 1995).

Desenhada, assim, ainda que esquematica-mente, a situação dos autos, há que ajuizar dabondade das posições assumidas perante ela, querpelo tribunal a quo, quer pelo recorrente.

O que está em causa é, pois, saber como estãoarquitectados hoje na lei os recursos sobre ma-téria de facto, sua latitude e poderes dos tribu-nais superiores para deles conhecer.

No que toca aos recursos interpostos de deci-sões proferidas pelos tribunais colectivos, e noque concerne aos respectivos poderes de cog-nição, têm-se perfilhado três vias de solução:

— Uma que consiste em transpor para ostribunais da relação o esquema estabelecido pelaversão originária do Código de Processo Penalpara o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja,aquela que apenas permite o conhecimento dosvícios dos n.os 2 e 3 do artigo 410.º, desde que osmesmos resultem do texto da decisão recorrida,

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208 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

por si só ou em conjugação com as regras daexperiência;

— Uma outra que, mais ampliativa, permiteo conhecimento de tais vícios também com re-curso à documentação da prova produzida emaudiência;

— Uma terceira que admite o recurso em ma-téria de facto de forma irrestrita, desde que, ob-viamente, os autos ofereçam documentação dasdeclarações orais prestadas em audiência de jul-gamento.

À consideração desta última opção, a merecersufrágio, além de afastar as duas primeiras alter-nativas, resolve a questão equacionada no pre-sente recurso, que é a de saber se os tribunais darelação, hoje (isto é, segundo o regime prescritopelo Código de Processo Penal após a redacçãointroduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto),podem ou não reapreciar a prova produzida naaudiência de julgamento da 1.ª instância com basena sua gravação e ou transcrição, independente-mente dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo410.º do apontado Código.

Na perspectiva do acórdão recorrido não pode,pelas razões que antes se arrolaram.

Segundo o ponto de vista do Sr. Juiz Desem-bargador que votou vencido, tal já é possível,«independentemente de, no caso, se verificaralgum dos vícios referidos no n.º 2 do artigo410.º», devendo o tribunal servir-se «dos supor-tes técnicos em que essa prova tenha sido gra-vada e bem assim da transcrição das provas que,no entender do recorrente, imponham decisãodiversa da recorrida, nos pontos de facto que eleconsidera incorrectamente julgados».

E é essa também a linha de rumo seguida peloMinistério Público junto do tribunal a quo, paraquem, «estando registada a matéria de facto jul-gada e tendo o recorrente dado cumprimento aodisposto no artigo 412.º, n.os 3 e 4, do Código deProcesso Penal (com junção das respectivas trans-crições) não pode o Tribunal da Relação deixarde conhecer da totalidade do recurso relativo àimpugnação da decisão sobre esta matéria».

Há que ver, pois, de que lado estará a razão.Anteriormente à reforma do processo penal

operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e nocaso de decisões proferidas a final pelos tribu-nais colectivos de 1.ª instância, essa reapreciação

escapava ao conhecimento dos tribunais da rela-ção, uma vez que, como é sabido, de tais deci-sões só se podia recorrer directamente para oSupremo Tribunal de Justiça.

Por sua vez o Supremo, nos termos do entãoartigo 433.º do Código de Processo Penal, em-bora só conhecendo de matéria de direito, nãodeixava de ir até à matéria de facto, no quadrodos seus poderes de cognição (revista alargada),despistando vícios manifestos da decisão em talmatéria, apresentando-se assim como uma vál-vula de segurança do sistema.

Neste quadro, entendia-se que a gravação daprova produzida oralmente em audiência, efec-tuada nos termos do artigo 363.º do Código deProcesso Penal, constituía um instrumento parauso exclusivo do próprio tribunal recorrido enunca no tribunal de recurso.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 59/98, osistema alterou-se, importando, pois, indagar seo legislador se limitou a transpor para as rela-ções o sistema antes arquitectado pelo Su-premo Tribunal de Justiça, ou se inovou nessamatéria.

E diremos desde já que inovou, na medida emque, como se proclamava na exposição de moti-vos que justificou as alterações à lei, teve o legis-lador em vista assegurar um efectivo duplo graude jurisdição em matéria de facto.

Com efeito, são claros os propósitos legis-lativos no sentido de que, a partir daí, os interes-sados passaram a dispor da possibilidade deverem reapreciados por uma instância de recursoos factos materiais alicerçantes da decisão.

Na verdade, e quanto à sua competência paraconhecerem dos recursos interpostos de deci-sões proferidas pelos tribunais colectivos, o Su-premo Tribunal de Justiça viu-a reduzida aoconhecimento de matérias exclusivamente de di-reito [artigo 432.º, alínea d), do Código de Pro-cesso Penal], enquanto as relações, por seuturno, viram enriquecidos os seus poderes deajuizamento do mérito de tais decisões — bene-ficiando do estatuto de regime/regra nesse capí-tulo —, quer se discuta neles matéria de facto,quer se desencadeie a apreciação de questões dedireito.

Como tal, a partir dessa reforma, pretenden-do-se o simples reexame de matéria de facto, orecurso a interpor passou a ter que ser dirigido

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209 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

aos tribunais da relação (cfr. artigos 427.º e 428.º,n.º 1, do Código de Processo Penal).

Então aí, e como vem sendo jurisprudênciados nossos tribunais superiores, a Relação rea-preciará toda a matéria de facto, independente-mente de, no caso, se verificar ou não algum dosvícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do am-plamente citado Código de Processo Penal (cfr.,v. g., os acórdãos do Supremo Tribunal de Jus-tiça de 12 de Abril de 2000, recurso n.º 91/2000,3.ª Secção, e do Tribunal Constitucional de 21 deDezembro de 1999, recurso n.º 677/99, Diárioda República, II Série, n.º 49, de 28 de Fevereirode 2000).

Em resultado disso, pois, a documentação daprova produzida em audiência passou a servirtambém para que o tribunal de recurso (nestecaso a Relação) pudesse, através dela, sindicaressa matéria.

Vale a pena, a propósito, transcrever a con-clusão a que chegou este último aresto:

«Daqui decorre que, nos recursos interpostosdos acórdãos finais do tribunal colectivo ver-sando matéria de facto, a Relação — contraria-mente ao que antes fazia o Supremo Tribunal deJustiça — vai, ela própria, reapreciar a provaproduzida na audiência de julgamento da 1.ª ins-tância. Serve-se, para tanto, dos suportes técni-cos em que essa prova tenha sido gravada e, bemassim, da transcrição das provas que, no enten-der do recorrente, imponham ‘decisão diversa darecorrida’, nos ‘pontos de facto’ que ele ‘consi-dera incorrectamente julgados’.

O legislador, porém — contrariamente ao quefez para o processo civil, em cujo artigo 690.º-A,n.º 2, prescreveu que é ao recorrente que incumbe,«sob pena de rejeição do recurso, proceder à trans-crição, mediante escrito dactilografado, das pas-sagens da gravação em que se funda» —, nãoesclareceu a quem cabe o ónus de proceder àtranscrição dos depoimentos gravados: se aopróprio recorrente se aos serviços judiciais.»

A partir daqui, podemos, pois concluir, que,pretendendo os interessados solicitar o reexameda matéria de facto fixada em 1.ª instância pordecisão final de tribunal colectivo, terão que ofazer directamente para a Relação e nunca persaltum para o Supremo, uma vez que este sójulga de direito.

Isso mesmo ficou decidido — e muito bem —pelo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiçade 12 de Abril de 2000, atrás citado, onde seescreveu:

«Tendo o recorrente ao seu dispor o Tribunalda Relação para discutir a decisão de facto dotribunal colectivo e tendo aquele tribunal man-tido tal decisão, vedado lhe está vir pedir a esteSupremo Tribunal uma reapreciação da decisãode facto tomada pelo Tribunal da Relação e,muito menos, directamente do acórdão sobreos factos do tribunal colectivo de 1.ª instância.A competência das relações quanto ao conheci-mento de facto esgota os poderes de cogniçãodos tribunais sobre tal matéria, não podendo pre-tender-se colmatar o eventual mau uso do poderde fazer actuar aquela competência, reeditando--se no Supremo Tribunal de Justiça pretensõespertinentes à decisão de facto que lhe são estra-nhas, pois se hão-de haver como precludidas to-das as razões quanto à decisão de facto invocadasperante a Relação, bem como as que o podiamter sido.»

Este é que cuidamos o caminho certo.É que, a não ser assim, e não cabendo agora na

competência do Supremo reapreciar matéria defacto, cairíamos na situação de, seguindo a tesedo Tribunal da Relação aqui sujeita a recurso,negarmos aos interessados um grau de jurisdiçãoem matéria de facto, que assim se via despido dapossibilidade de ver reexaminado por um tribunalsuperior a factualidade fixada, suporte da decisãofinal, contra o que constitui pedra-de-toque, nestamatéria, da nova orientação legislativa.

3. De harmonia com o exposto, acordam naSecção Criminal do Supremo Tribunal de Justiçaem, na procedência do recurso, revogar a decisãodo Tribunal da Relação de Lisboa na parte res-pectiva, que deverá ser substituída por outra emque reexamine, a partir de suportes técnicos for-necidos pelo recorrente, a matéria de facto delesconstantes.

Sem custas por não serem devidas.Honorários ao Sr. Defensor oficioso: 18 000$00.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

Leal Henriques (Relator) — Gomes Lean-dro — Virgílio Oliveira — Leonardo Dias.

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210 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

DECISÃO IMPUGNADA:

Sentença da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 8346/99.

I — O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a sua competência em matéria derecursos penais, na sequência da revisão do Código de Processo Penal, decorrente da Lei n.º 59/98, de5 de Agosto, para além das decisões citadas no texto do acórdão, nos seus acórdãos de 26 de Janeirode 2000, Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo I, a págs. 193 e segs.; no acórdão de 2 deFevereiro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo I, a págs. 195 e segs.; no acórdão de22 de Setembro de 1999, Colectânea de Jurisprudência, ano VII, tomo III, a págs. 154 e segs.; noacórdão de 13 de Outubro de 1999, Colectânea de Jurisprudência, ano VII, tomo III, a págs. 171 esegs., entre outros.

II — Sobre a constitucionalidade do anterior regime de recursos penais em matéria de facto,aquele Tribunal pronunciou-se inúmeras vezes tal, como resulta das decisões daquele Tribunal e doTribunal Constitucional citadas no acórdão de 10 de Julho de 1996, em que se ponderou a compati-bilidade daquele regime de recursos com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Colectâneade Jurisprudência, ano IV, tomo II, a págs. 229 e seguintes.

III — Na doutrina sobre o novo regime de recursos cfr. Simas Santos, «Recursos em processopenal», O Processo Penal em Revisão, Universidade Autónoma de Lisboa, págs. 73 e segs., JoséDamião e Cunha, «A estrutura dos recursos na proposta de revisão do Código de Processo Penal ...»,Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8.º, Abril-Junho de 1998, pág. 251, e José MourazLopes, «Breves considerações ...», Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo II, págs. 5 e se-guintes.

(A. L. D.)

Homicídio tentado — Documentação da prova — Indeferi-mento — Trânsito em julgado — In dubio pro reo — Fundamen-tação da sentença — Exame das provas e convicção — Medidada pena — Atenuação especial — Grau agravativo e atenua-tivo — Suspensão da pena e execução da pena

I — A declaração do arguido de que não prescinde da documentação da prova na2.ª sessão de julgamento é extemporânea e o seu indeferimento transita em julgado eformou caso julgado formal.

II — Ninguém pode ser condenado quando existe um laivo de dúvida, ainda quemínimo, sobre a veracidade de um facto em que se alicerça uma imputação delituosa —in dubio pro reo.

III — O exame crítico das provas não constituiu nem umas escalpelizações nemuma reprodução das provas ou depoimentos produzidos em audiências, bastando nadecisão ser indicado os aspectos essenciais e o modo como se formou o juízo da suaveracidade.

IV — Os graus agravativo e atenuativo com relevância destacável, mas quando oúltimo não diminua de forma acentuada a ilicitude do facto, e a culpa do agente de

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forma a justificar a aplicação da atenuação especial da pena, previsto no artigo 50.º doCódigo Penal, afiguram-se ajustadas à concreta medida da pena.

V — A ausência de antecedentes crimes, a idade, a condição familiar, social eprofissional e o tempo decorrido entre a prática do crime e o julgamento são suficientespara concluir que a simples censura de facto e a ameaça da prisão subordinada aobrigações não põe em causa a socialização do arguido em liberdade nem a confiançada comunidade na validade da norma violada.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 2003/2000 — 5.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Por acórdão da 9.ª Vara Criminal de Lisboade 31 de Março de 2000, o arguido MarcelinoMartins Varela, casado, pedreiro, nascido em4 de Setembro de 1961, foi condenado pela prá-tica, em autoria material, de um crime de homicí-dio simples, na forma tentada, previsto e punidopelos artigos 131.º, 22.º e 73.º do Código Penal(na versão de 1995), na pena de seis anos deprisão.

Na procedência parcial do pedido de indem-nização civil formulado pelo assistente GregórioRamos Monteiro, casado, pedreiro, nascido em12 de Janeiro de 1958, o arguido foi condenadoa pagar ao assistente a quantia de 1 740 000$00(sendo 540 000$00 por danos patrimoniais e1 200 000$00 por danos não patrimoniais), acres-cida dos juros legais, desde a data da notificaçãodo pedido, até integral pagamento (artigo 805.º,n.º 3, do Código Civil).

II

Inconformado, o arguido interpôs o presenterecurso, em cuja motivação extraiu as seguintesconclusões:

«IV — Conclusões:

1 — A invocada desnecessidade de documen-tação da prova e seus fundamentos pelo tribunala quo colidem com o exercício do direito de de-fesa de um arguido, afectando o seu direito deinterposição de recurso num duplo grau de ju-

risdição; tal direito tem assento no artigo 32.º,n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

2 — A discricionariedade do tribunal na deci-são da documentação da produção da provacoarcta a garantia de defesa do direito de interpo-sição de recurso versando matéria de facto emtoda a sua extensão e viola claramente as garan-tias do processo criminal (do artigo 363.º), comassento no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição daRepública Portuguesa.

3 — As alterações operadas no processo pe-nal pelo diploma de alteração do Código de Pro-cesso Penal nesta matéria visaram consagrar umduplo grau de jurisdição e de recurso em matériade facto, que há-de socorrer-se de documentaçãode prova.

4 — Ora, tais alterações exigem que se façauma interpretação conforme com a nossa lei fun-damental e, concretamente, garantindo dos prin-cípios do processo criminal, no qual se plasma odireito de interposição de recurso, com a máximaplenitude.

5 — Assim sendo, o tribunal a quo incorreuem inconstitucionalidade, por violação destesprincípios de direito e do artigo 32.º, n.º 1, daConstituição da República Portuguesa.

6 — O elemento reputado determinante pelotribunal a quo para a formação da sua convicçãoforam as declarações do assistente e a própriapeça do acusatório.

7 — Pelo que o princípio do contraditório e obrocardo latino in dubio pro reo foram esmaga-dos e preteridos.

8 — O douto acórdão recorrido não respeitaas exigências do disposto no artigo 374.º, n.º 2,do Código de Processo Penal, nomeadamenteporque não tece um exame crítico das provas

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nem expressa de forma clara e inequívoca o pro-cesso racional que conduziu à expressão da con-vicção pela tese do assistente.

9 — Com efeito, impõem a Constituição e alei (artigos 32.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, da Constitui-ção da República Portuguesa e artigos 97.º, n.º 2,e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) queo tribunal fundamente de facto e direito as deci-sões, informando que provas serviram para for-mar a convicção e procedendo ao exame críticodas mesmas.

10 — Por tal facto, e ainda porque nada refereacerca do depoimento da(s) testemunha(s) da de-fesa, sendo portanto o acórdão omisso nessa ma-téria, deverá o mesmo ser considerado nulo,conforme dispõem artigos 118.º e 122.º do Có-digo de Processo Penal.

11 — A pena de seis anos de prisão aplicadaao arguido revela uma dosimetria injusta, desade-quada desajustada com as necessidades de pre-venção e os fins das penas.

12 — A pena aplicada ao arguido vai muitopara além do limite mínimo aceitável para o casosingular em apreço.

13 — O tribunal a quo revelou falta de pon-deração das circunstâncias referidas nos artigos71.º e 72.º do Código Penal, não consideradasatenuantes, tendo violado esse normativo legal.

14 — Sem conceder se dirá que a pena concre-tamente aplicada é excessiva e desproporcio-nada, tendo em conta a ausência de antecedentescriminais, a inserção social do arguido, com cincofilhos de tenra idade a seu cargo, o tempo decor-rido (seis anos) sobre os factos da acusação etoda a postura por que se tem pautado a sua vida(afora este episódio singular).

15 — Pelo exposto, não tendo o tribunal a quoponderado a atribuição da medida da pena e nãotendo sido a mesma rigorosamente reduzida aum terço, além de que não foram consideradastodas as alegadas condições pessoais do recor-rente, máxime a sua culpa, para quem anterior-mente havia sido vítima de inusitadas e fortesagressões por parte do assistente, foram viola-dos os artigos 71.º e 72.º do Código Penal.

Pelo supra-exposto, deve o presente recursoser julgado procedente e:

a) Em consequência, ser declarada a incons-titucionalidade da decisão do tribunal

a quo quanto à documentação da provaperante o tribunal colectivo;

b) Ser reparado o douto acórdão, pois en-ferma de nulidade;

c) Ser o recorrente condenado a uma penainferior à atribuída no acórdão recorrido,beneficiando o arguido de uma atenuaçãoespecial da pena nos termos do artigo 72.º,n.os 1 e 2, alínea d), do Código Penal eque, de acordo com o alegado quanto aocarácter e personalidade do arguido,possa o mesmo beneficiar da suspensãoda execução da sua pena, que poderá iraté ao seu limite máximo, nos termos doartigo 50.º do Código Penal;

d) Requer-se assim o prosseguimento dosulteriores termos do processo até final,considerando-se interposto o recurso parao Supremo Tribunal de Justiça.»

Na sua douta resposta, o Ex.mo Representantedo Ministério Público argumentou e concluiu queo recurso não merece provimento, devendo con-firmar-se na íntegra o acórdão recorrido.

Nas suas alegações escritas, o recorrente rei-tera, na prática, os argumentos e as conclusõesdo recurso.

Nas suas doutas alegações escritas, a Ex.ma Pro-curadora-Geral Adjunta aceita como razoáveluma pena de três anos de prisão, suspensa nasua execução pelo período de cinco anos, sob acondição do pagamento da indemnização fixada,no prazo de dois anos.

Colhidos os vistos e realizada a conferência,cumpre decidir.

O tribunal colectivo deu como provados osseguintes factos (que se reproduzem integral-mente):

1 — O arguido Marcelino Varela e o assis-tente Gregório Monteiro eram vizinhos e ami-gos. Moravam havia muito tempo na Rua Prin-cipal, 2, Quinta da Laje, Amadora, morando oprimeiro na porta n.º 25 e o segundo na portan.º 26. Acompanhavam frequentemente um como outro.

2 — No dia 16 de Maio de 1994, foram beberumas cervejas a um café nas proximidades dacasa. Quando regressavam a casa, apareceu Ar-

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linda da Paz Delgado — com quem o arguidomantém um relacionamento há muitos anos e dequem tem um filho, que nascera havia poucotempo.

3 — A Arlinda pretendia que o arguido fossepara casa dela e começaram ambos a discutir.

4 — O Gregório Monteiro interveio nessaaltercação, o que levou a que o arguido passassea discutir com ele, dizendo-lhe que não tinha nadaa ver com isso.

5 — Na sequência dessa discussão o arguidodeu um murro no assistente, envolvendo-se, emseguida, ambos em luta com agressões mútuas.

6 — Dessas agressões resultaram para o ar-guido as seguintes lesões: ferida corto-contusacom cerca de 2 cm na região mamária direita;ferida corto-contusa de forma arredondada comcerca de 2 cm na região deltoideia direita; esco-riação na face dorsal do hemitórax esquerdo; con-tusão da pirâmide nasal.

Estas lesões foram causa de 10 dias de doençacom 3 de incapacidade para o trabalho.

7 — Tendo saído vencedor da luta, o GregórioMonteiro foi para casa.

8 — O arguido dirigiu-se também à sua casa epegou num revólver de calibre 22 (equivalente a5,6 mm) Long Rifle, marca Rohm, modelo RG230 — arma transformada, inicialmente desti-nada a utilizar munições de «granalha», poste-riormente adaptada ao uso de munição comprojéctil.

9 — Munido desse revólver, o arguido saiu desua casa e chegou-se junto à porta do GregórioMonteiro dizendo em voz alta: «Se tu és ho-mem, vem para a rua que te vou dar um tiro ematar como um cão.»

10 — O Gregório Monteiro não acreditou naspalavras do arguido e abriu a porta de sua casapara sair.

11 — Mal o Gregório Monteiro assomou àporta, o arguido, empunhando o revólver, dispa-rou quatro tiros na direcção do Gregório, atingi-do-o com dois deles, que lhe penetraram no tóraxe na mão esquerda.

12 — O arguido abandonou em seguida o lo-cal, na companhia da Arlinda e do filho de am-bos, no seu automóvel.

13 — Em consequência dos disparos oGregório Monteiro sofreu traumatismo torácicocom lesão de estruturas intratorácicas, hemotórax

e hemomediastino; traumatismo da mão es-querda com lesão do tendão extensor próprio doquinto dedo e fractura da segunda falange.

14 — O Gregório Monteiro foi, após ter per-dido os sentidos, transportado para o Hospitalde São Francisco Xavier, onde foi submetido aintervenção cirúrgica de urgência: toracotomia ex-ploradora, com laqueação de vasos mediastínicos,drenagem de pequeno derrame pericárdico e dehemotórax à esquerda; posteriormente após rea-lização de TAC, revelou existir hemotórax bila-teral, contusão pulmonar na metade inferior dohemitórax esquerdo e pequeno hemomedias-tino.

15 — No pós-operatório permaneceu conec-tado a prótese ventilatória por nove dias, tendo--se verificado como intercorrências pericardite epneumotórax à direita (tendo sido colocadas dre-nagens torácicas).

16 — Das lesões descritas resultaram 30 diasde doença, com impossibilidade para o trabalho.

17 — Como sequelas permanentes resulta-ram cicatrizes de carácter não deformante; a pre-sença de um corpo estranho (o projéctil de umdos disparos), a nível parietal póstero-inferiordo hemitórax esquerdo, e anquilose da articula-ção interfalangica distal do quinto dedo da mãoesquerda.

18 — Ao actuar conforme descrito o arguidofê-lo com intenção de causar a morte ao GregórioMonteiro, o que não ocorreu por motivos estra-nhos à vontade do arguido.

19 — O arguido actuou voluntária e conscien-temente, sabendo que a respectiva conduta é proi-bida por lei.

20 — O arguido não tinha licença de uso eporte de arma. O revólver que utilizou não es-tava registado ou manifestado.

21 — O arguido Marcelino Varela trabalhacomo pedreiro, ganhando 10 000$00 por dia. Vivecom o cônjuge e continua a manter um relaciona-mento com a Arlinda Delgado. Tem cinco filhosa seu cargo.

22 — Não lhe são conhecidos antecedentescriminais.

23 — O Gregório Monteiro é pedreiro. Es-teve impossibilitado de trabalhar, em consequên-cia dos ferimentos sofridos, durante seis mesestendo deixado de auferir 540 000$00.

24 — Vive com a mulher e um filho pequeno.

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25 — Devido aos ferimentos sofridos o ar-guido sofreu fortes dores.

26 — Em consequência das sequelas descri-tas supra no n.º 17, não pode efectuar algunstrabalhos mais exigentes fisicamente, inerentes àsua profissão de pedreiro.

Factos não provados:

Dos constantes da acusação (não contandocom as expressões conclusivas constantes dosn.os 21 e 22) não se provou que o Gregório Mon-teiro, ao intervir na discussão entre o arguido e aArlinda, tivesse tentado acalmar os ânimos.

Dos constantes do pedido cível não se pro-vou que o Gregório Monteiro ganhe apenas90 000$00 mensais.

A convicção do tribunal baseou-se na análisee conjugação dos seguintes meios de prova:

— Declarações do assistente e demandantecível Gregório Monteiro, que descreveu as circuns-tâncias que antecederam os disparos e as conse-quências que dos mesmos para ele resultaram;

— Depoimento da testemunha Arlinda Del-gado, que descreveu o seu relacionamento como arguido e confirmou que o ocorrido entre omesmo e o assistente se iniciou após o seu apa-recimento junto de ambos;

— Depoimento das testemunhas BartolomeuAndrade (sogro do assistente), Sérgio Martins(vizinho do assistente e do arguido) e Maria daLuz Andrade (cunhada do assistente), que ouvi-ram os tiros e acorreram ao local onde o assis-tente estava caído, após os mesmos;

— Declarações do arguido que, assumindoa autoria dos disparos, forneceu explicaçõespouco verosímeis acerca das circunstâncias queos antecederam;

— Auto de apreensão de fls. 9;— Auto de exame de fls. 16;— Relatório clínico do Hospital de São Fran-

cisco Xavier de fls. 22 e 23;— Relatório médico-legal da vítima de fls. 111

a 116;— Informação clínica de fls. 97 a 104;— Relatório de exame ao revólver de fls. 41

e 42;— Fotografias do assistente juntas em au-

diência;— Certificado do registo criminal do arguido.

III

Nas conclusões da motivação do recurso orecorrente suscita as seguintes questões:

A) A não documentação da prova produzidaem audiência colide com o exercício do direito dedefesa do arguido, afectando o seu direito deinterposição de recurso num duplo grau de juris-dição em matéria de facto;

B) Para a formação da convicção do tribunalforam determinantes as declarações do assis-tente e a própria peça acusatória, pelo que oprincípio do contraditório e o brocardo latino indubio pro reo foram esmagados e preteridos;

C) O acórdão recorrido é nulo, nos termos doartigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal,porque:

1) Não informa que provas serviram paraformar a sua convicção;

2) Não procede ao exame crítico das mes-mas;

3) Nada refere acerca do depoimento da tes-temunha de defesa (artigos 118.º e 122.ºdo Código de Processo Penal);

D) A pena aplicada (seis anos de prisão) re-vela uma dosimetria injusta, desadequada desa-justada com as necessidades de prevenção e osfins das penas;

E) Houve falta de ponderação das circunstân-cias referidas nos artigos 71.º e 72.º do CódigoPenal, não consideradas atenuantes, tendo sidoviolado esse normativo legal.

IV

I — Na audiência de julgamento (sessão de9 de Março de 2000 — fls. 294), a ilustre man-datária do arguido, invocando o disposto no ar-tigo 363.º do Código de Processo Penal, a com-plexidade da audiência e a essencialidade para aboa decisão da causa, requereu a documentaçãoda prova produzida em julgamento.

Ouvidos o Ministério Público e o assistente,que se opuseram, o Sr. Juiz-Presidente, depoisde lembrar que se tratava da 2.ª sessão da audiên-cia e depois de extensa e proficiente fundamen-tação, indeferiu o pedido formulado, tendo pordespropositada «a gravação da prova, nesta faseda audiência».

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O arguido não reagiu, na devida oportuni-dade, contra esta decisão de indeferimento, im-pugnando-a através do competente recurso.

Por isso, não pode agora suscitar de novo aquestão, pois o despacho de indeferimento tran-sitou em julgado e formou, no processo, casojulgado formal (artigo 672.º do Código de Pro-cesso Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Pro-cesso Penal).

II — Quanto à segunda questão esquema-tizada, não se compreende, salvo o devido res-peito, a referência «à própria peça acusatória»apresentada pelo recorrente: naturalmente queao tribunal, em obediência ao princípio da vin-culação temática, se impunha que tivesse na de-vida conta os factos narrados na acusação.

Não se compreende também a alegação de es-magamento ou de preterição do princípio do con-traditório, uma vez que o arguido esteve presenteem todo o decurso da audiência, devidamente re-presentado e assistido pela sua ilustre mandatária.

A paráfrase latina in dubio pro reo não éactualmente um simples brocardo, adágio ouaforismo mas um princípio básico do direito pro-cessual probatório: existindo um laivo de dú-vida, por mínimo que seja, sobre a veracidade deum facto em que se alicerça uma imputaçãodelituosa, ninguém pode ser condenado com basenesse facto.

Quando existir uma réstia de dúvida, não podehaver punição: isto é, a punição somente podeverificar-se quando o julgador adquirir, formar aconvicção, com base nas provas produzidas, dacerteza da imputação feita ao acusado.

Se essa convicção de certeza não corresponderà realidade, não se afrontará, ipso facto, o princí-pio in dubio pro reo, mas poderá incorrer-se em,sempre, lamentável erro judiciário.

No caso sub judice, nunca foi posto em causao cometimento do crime pelo arguido e o futuroenquadramento jurídico-penal dos factos nocrime de homicídio simples, na forma tentada: nacontestação (e quanto à matéria criminal), o ar-guido limitou-se a oferecer o merecimento dosautos; não audiência prestou declarações em que,«assumindo a autoria dos disparos, forneceu ex-plicações pouco verosímeis acerca das circuns-tâncias que os antecederam» (excerto do textosobre a formação da convicção do tribunal).

Acresce que se mostra manifestamente infun-dada a conclusão do recorrente de que, para alémda própria peça acusatória (apreciação acabadade fazer, com resposta negativa), as declaraçõesdo assistente foram «o elemento reputado deter-minante pelo tribunal a quo para a formação dasua convicção» (sobre a matéria de facto tida porprovada).

É óbvio que as declarações do ofendido— assistente e demandante civil — foram ob-jecto de análise específica mas em conjugaçãocom os restantes meios de prova discriminadosno mencionado trecho do acórdão recorrido (eque supra integralmente se reproduziu) mas nadarevela que o tribunal incumbido do julgamentodo pleito o tivesse reputado «como elementodeterminante» para formar a sua convicção so-bre a factualidade havida como provada.

Mesmo, porém, que tal houvera acontecido,isso não era passível de censura, neste recurso,uma vez que se integrava no domínio da livreapreciação da prova pelo tribunal (artigo 127.ºdo Código de Processo Penal).

III — O recorrente considera violado o artigo374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, umavez que, segundo ele, o acórdão recorrido nãotece um exame crítico das provas, nem expressa,de forma clara e inequívoca, o processo racionalque conduziu à expressão da convicção pela tesedo assistente.

Todavia, o recorrente não indica a consequênciadesta «omissão» do acórdão recorrido, a qual, aexistir, consubstanciaria a nulidade prevista noartigo 379.º, alínea a), do mesmo diploma e nãoqualquer outro.

De todo o modo, o tribunal a quo não se cin-giu apenas à tese do assistente (que, neste pro-cesso, não tem tese ...) mas ao objecto do processo(à tese da acusação ...), compaginando, em aná-lise desenvolvida quantum satis, todas as provascarreadas para os autos e discutidas na audiênciade julgamento, em busca estrénua da descobertada verdade material.

Com efeito, no acórdão recorrido, o tribunala quo enumerou as provas que teve ao seu dis-por; indicou os aspectos essenciais do seu con-teúdo e, por consequência e logicamente, o modocomo se formou o juízo da sua veracidade.

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Em termos de exigência legal (artigo 374.º,n.º 2, do Código de Processo Penal), nada mais seimpunha relatar ou pormenorizar, uma vez que oexame crítico das provas não constitui uma escal-pelização das provas produzidas e muito menosuma reprodução, como que magnetofónica, dosdepoimentos prestados na audiência.

Na audiência de julgamento, foi ouvida umatestemunha indicada pela defesa, André DuarteAntunes Ferreira, identificada nos autos, queprestou o juramento legal e «aos costumes disseter sido patrão do arguido».

Efectivamente, quando o tribunal explicitouos meios de prova em que baseou a sua convic-ção sobre a factualidade provada, não faz refe-rência ao depoimento desta testemunha.

É natural que não se faça referência ao ditodepoimento, porque o mesmo nada terá acres-centado de relevante ao thema probandi, tantomais que se deu como provado que «o arguidoMarcelino Varela trabalha (na actualidade) comopedreiro, ganhando 10 000$00 por dia», e a tes-temunha André Ferreira foi antigo patrão doar-guido.

Assim, a omissão de referência expressa aodepoimento daquela testemunha não envolvequalquer nulidade e designadamente a previstano artigo 379.º, alínea a), do Código de ProcessoPenal (aliás, não invocada pelo recorrente) nem aviolação do artigo 118.º (onde se consagra o prin-cípio da legalidade) nem do artigo 122.º (citadospelo recorrente), ambos do mesmo Código deProcesso Penal, onde se enumeram os «efeitosda declaração de nulidade».

Em suma: não merece qualquer censura o juízoque levou o tribunal colectivo a alicerçar a suaconvicção de que ao arguido Marcelino Vareladevia ser imputada a autoria do crime por que foicondenado e não ocorre qualquer nulidade pro-cessual.

IV — Quanto à medida concreta da pena, otribunal a quo concluiu que a matéria de factoprovada integra a prática pelo arguido, em auto-ria material, de um crime de homicídio simples,na forma tentada, previsto e punido pelo artigos131.º, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal de 1995,com uma moldura penal abstracta de 19 mesese 16 dias de prisão (limite mínimo) até 10 anos e4 meses de prisão (limite máximo) e, ao estabele-

cer a pena de 6 anos de prisão, teve em conside-ração que:

A aplicação de uma pena tem como finalidadea tutela dos bens jurídicos e, na medida do pos-sível, a reinserção do agente na comunidade (ar-tigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).

O grau da ilicitude dos factos é considerável,face ao modo como o arguido os executou, dispa-rando sucessivamente quatro tiros, com um re-vólver de calibre 5,6 mm, a pouca distância davítima; e face ao grau elevado de perigo para avida da mesma que daí resultou.

O dolo revestiu a sua modalidade mais in-tensa, por ser dolo directo.

Foi o arguido quem iniciou a luta que ante-cedeu a actuação sob punição, ao desferir ummurro no assistente. Relevaram, como atenuan-tes, a condição familiar do arguido e a inexistênciade antecedentes criminais (mostrando-se esta ac-tuação singular, no seu percurso de vida), o quediminui as exigências preventivas especiais.

As exigências preventivas gerais permanecem(salientou-se), no entanto, elevadas, face à in-quietação e insegurança que este tipo de actua-ção, com armas de fogo e elevado grau de violência,gera na comunidade e à consequente expectativana manutenção da validade das normas jurídicasque protegem a vida humana.

V) Concorda-se, no essencial, com o quadroagravativo e atenuativo sopesado no acórdão re-corrido, embora se possa e deva, como sustentao recorrente, equacionar outro circunstanciona-lismo com valor atenuante assaz acentuado.

O arguido tinha, à data dos factos, 32 anos deidade, sendo natural de Cabo Verde (tal como oofendido), e delinquente primário.

As agressões mútuas foram iniciadas, é certo,pelo arguido, que deu um murro no ora assis-tente, mas na sequência de uma discussão moti-vada pelo facto de o ofendido ter intervindo naalteração havida entre o arguido e uma tal Arlindada Paz Delgado, com quem o Marcelino Varelamantém um relacionamento, há muitos anos, ede quem tem um filho, que nascera, havia poucotempo, e que pretendia que o arguido fosse paracasa com ela.

O ofendido Gregório Monteiro não atentouno ditado que recomenda que «entre marido e

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mulher (in casu, companheira e mãe de filho) nãometas a colher».

Dessa discussão («não tens nada que ver comisso», dizia o arguido ao seu vizinho e amigoGregório Monteiro) surgiram as agressões refe-ridas em que o arguido ficou bastante molestado(ferida corto-contusa com cerca de 2 cm naregião mamária direita; ferida corto-contusa deforma arredondada com cerca de 2 cm na regiãodeltoideia direita; escoriação na face dorsal dohemitórax esquerdo; contusão da pirâmide nasal,tendo estas lesões provocado 10 dias de doença,com 3 de incapacidade para o trabalho) e natural-mente diminuído perante a vizinhança e perantea sua companheira ... que posteriormente o acom-panhou no desforço ou desafronta que se se-guiu, depois de o Gregório Monteiro, saído ven-cedor da luta, ter ido para sua casa.

Neste contexto, o Gregório Monteiro, pessoado mesmo nível cultural e da mesma cultura doarguido, em presença das invectivas do MarcelinoVarela, teve uma atitude altamente temerária, aoabrir a porta de sua casa para sair, pois de ante-mão sabia que as coisas não podiam ficar assim,fosse quando fosse e acontecesse o que acon-tecesse: depois de uma «guerra» perdida, semhonra e sem glória, era fatal como o destino que oarguido não ficasse quieto ou conformado...

Determinada a motivação da contenda iniciale caracterizada a situação sócio-cultural dosintervenientes, de onde resulta que o arguido co-meteu o crime, por que foi condenado, para sedesafrontar, em acto quase imediato, após umaagressão grave de que foi vítima e num estadovisível de excitação, impõe-se averiguar se o ar-guido deve beneficiar de uma atenuação especialda pena, nos termos do artigo 72.º, n.º 1 e n.º 2,alínea d), do Código Penal, em conjugação com ainvocada (e provada) ausência de antecedentescriminais; a inserção social do arguido com cincofilhos a seu cargo (o que se provou), de tenraidade (o que se pode aceitar, atenta a idade doarguido); o tempo decorrido (seis anos) sobre aprática dos factos e toda a postura por que tempautado a sua vida (afora este episódio singular).

Em casos como o dos autos, é efectivamentepossível uma dupla atenuação especial: uma porforça da previsão punitiva (artigo 23.º, n.º 2, doCódigo Penal) e outra em consequência do cir-cunstancialismo favorável apurado (cfr. Maia

Gonçalves, Código Penal Anotado, 9.ª ed.,pág. 361, em análise ao artigo 72.º, n.º 3, do Có-digo Penal de 1995).

No caso sub judice, o quadro atenuativo veri-ficado foi tido em consideração (como se repro-duziu) no acórdão recorrido, ainda que com umavaloração, quiçá, algo restritiva.

Apenas não se referiu, ex professo, o tempodecorrido (seis anos), desde a prática do crime,que de significativo ou relevante se pode qualifi-car, mantendo o arguido boa conduta [artigo72.º, n.º 2, alínea d), do Código Penal], se seatender que o arguido permanece em liberdadedesde a prática dos factos e o acórdão recorridoteve a actuação delituosa do arguido, como sin-gular , no seu percurso de vida.

No entanto, in casu, não se mostra justificadaa socorrência à atenuação especial prevista noartigo 72.º do Código Penal, uma vez que as ate-nuantes verificadas não diminuem por formaacentuada a ilicitude do facto, a culpa do agenteou a necessidade da pena (n.º 1 do mencionadoartigo).

Aconselham, porém, uma redução acentuadano doseamento da pena de prisão aplicada.

Atendendo a todo o quadro agravativo eatenuativo verificado (e cuja relevância se desta-cou), afigura-se ajustada uma pena situável nostrês anos de prisão.

Na verdade e como se salienta nas doutasalegações escritas da Ex.ma Procuradora-GeralAdjunta o grau de ilicitude que, no quadro docrime de homicídio tentado, se apresenta comode gravidade média, considerando as lesões e se-quelas destas; a intensidade do dolo, que é di-recto; as condições pessoais de vida, de que sedestacam a idade do recorrente — 32 anos à datada prática dos factos —, ter família constituída eestar integrado profissionalmente e a ausência deantecedentes criminais, permitem concluir que«uma pena de três anos de prisão não porá emcausa o limite que a culpa constitui e responderáàs exigências de defesa do ordenamento jurídico,tal como elas se perfilam no caso concreto».

V

Reduzida a pena aos três anos de prisão, orecorrente pede que, «de acordo com o alegado

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218 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

quanto ao carácter e personalidade do arguido,possa o mesmo beneficiar da suspensão da (sua)execução da sua pena, que poderá ir até ao seulimite máximo, nos termos do artigo 50.º do Có-digo Penal».

A Ex.ma Representante do Ministério Pú-blico neste Supremo Tribunal, depois de exaus-tiva exposição sobre as finalidades da punição,concorda com a imposição de uma pena de subs-tituição, a qual radica exclusivamente em exigên-cias de prevenção.

Com efeito, sempre que a pena não privativada liberdade realize de forma adequada e sufi-ciente as finalidades da punição, é por esta que otribunal deverá optar, esteja a pena não privativaprevista, em alternativa, no tipo, seja enquantopena de substituição (cfr. artigos 45.º, 48.º, 50.º,58.º e 71.º, todos do Código Penal).

Indispensável é que, nos termos do artigo 50.º,n.º 1, do Código Penal, se possa concluir da exis-tência de um juízo de prognose favorável à ma-nutenção do arguido em liberdade, bem como dasexigências mínimas de defesa do ordenamentojurídico.

No caso sub judice, atendendo às circunstân-cias anteriormente discriminadas e, máxime, à au-sência de antecedentes criminais do arguido, àsua idade actual — 38 anos — e à sua condiçãofamiliar, social e profissional, é legítimo concluirde que a simples censura do facto e a ameaça daprisão realizam de forma adequada e suficienteas finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1, ci-tado), isto é, é possível formar um juízo deprognose favorável à socialização do arguido emliberdade.

Por outro lado, e como salienta a Ex.ma Pro-curadora-Geral Adjunta (cfr. fls. 360), dado operíodo de tempo já decorrido desde a prática docrime, uma pena não privativa da liberdade nãoporá em causa a confiança da comunidade na va-lidade da norma violada.

Acrescenta a digna magistrada que as finalida-des da punição serão realizadas se for impostaao arguido a pena de substituição a que alude oartigo 50.º do Código Penal, desde que subordi-nada à obrigação de pagar a indemnização ao as-sistente, dentro do prazo de dois anos, em pres-tações semestrais mínimas de 500 000$00, esendo o período de suspensão fixado em cincoanos.

Esta solução é bastante razoável e consentâneacom a realização das finalidades da punição emostra-se adequada às condições sócio-econó-micas do recorrente, carecendo apenas de umpequeno ajustamento aos rendimentos e encar-gos familiares do arguido: a indemnização aoassistente foi fixada, por danos patrimoniaise não patrimoniais, no montante global de1 740 000$00; o arguido Marcelino Varela traba-lha como pedreiro, ganhando 10 000$00 por dia.Vive com a mulher e tem cinco filhos a seu cargo.

Nesta conformidade, a pena de três anos deprisão, que ora se tem por ajustada, será suspensana sua execução, como requerido e promovido,pelo período de cinco anos (artigo 50.º, n.os 1 e5, do Código Penal).

Ao abrigo do disposto no mencionado artigo50.º, n.º 2, conjugado com o artigo 51.º, n.º 1,alínea a), e n.º 2, ambos do Código Penal, a sus-pensão da execução da pena ora imposta ficasubordinada ao pagamento pelo arguido da in-demnização devida ao assistente e relativa aosdanos patrimoniais e não patrimoniais suporta-dos pelo assistente e fixada no acórdão recor-rido.

O pagamento da indemnização arbitrada serápaga no prazo de dois anos e meio, em presta-ções trimestrais mínimas de 180 000$00, sendo,no último trimestre, liquidada a importância res-tante, acrescida dos juros que forem legalmentedevidos, e devendo o recorrente documentar nosautos os pagamentos efectuados, no prazo má-ximo de 10 dias.

VI

Em face do exposto, os juízes deste SupremoTribunal de Justiça, concedendo provimento par-cial ao recurso, decidem:

a) Reduzir para três anos de prisão a penaem que o arguido foi condenado;

b) Suspender a execução da pena ora apli-cada pelo período de cinco anos;

c) Subordinar a suspensão da execução dapena de prisão ao pagamento, nos termosditos, da indemnização devida ao assis-tente e fixada no acórdão em apreço; e

d) Confirmar, no demais, o acórdão recor-rido.

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219 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

Pelo decaimento parcial, o recorrente pagará5 UCs de taxa de justiça, com o mínimo de pro-curadoria.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Dinis Alves (Relator) — Guimarães Dias —Costa Pereira.

DECISÃO IMPUGNADA:

Acórdão da 1.ª Secção de 31 de Março de 2000 da 9.ª Vara Criminal, processo n.º 77/99.

I — A jurisprudência não é unânime quanto ao decidido. No mesmo sentido o acórdão doSupremo Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 1997, processo n.º 55/97, 3.ª Secção. No sentidocontrário, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1989, Boletim do Ministérioda Justiça, n.º 388, pág. 364, e de 7 de Novembro de 1990, Colectânea de Jurisprudência, ano XV,pág. 15.

II — Sobre este princípio, entre muitos, mas recentes, os acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça de 7 de Fevereiro de 2000, processo n.º 2748/2000, de 15 de Junho de 2000, processo n.º 92/2000, e de 19 de Outubro de 2000, processo n.º 2728/2000, todos da 5.ª Secção.

III — É muito vasta a jurisprudência sobre o exame crítico e indicação das fontes; ver os acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 1995, processo n.º 48 056; de 6 de Julho de 1995,processo n.º 47 520; de 25 de Junho de 1997, processo n.º 135/97; de 24 de Setembro de 1997,processo n.º 486/97; e de 11 de Outubro de 2000, processo n.º 2437/2000, 3.ª Secção; sobre a livreapreciação de provas, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 1998, processon.º 1209/97; de 24 de Junho de 1999, processo n.º 457/99, e de 29 de Março de 2000, processo n.º 57/2000, 3.ª Secção, anotações ao artigo 127.º no Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos eLeal Henriques, vol. 1.º, 2.ª ed., págs. 682 e segs., e Código de Processo Penal Anotado e Comentado,12.ª ed., 2001, págs. 338 e segs., de Maia Gonçalves.

IV — A jurisprudência sobre a atenuação especial entre outros acórdãos do Supremo Tribunalde Justiça de 24 de Março de 1999, processo n.º 176/99, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,ano VII, pág. 247, e de 11 de Outubro de 2000, processo n.º 2437/2000, 3.ª Secção, ver também asanotações ao artigo 72.º Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 14.ª ed., 2001, págs. 243e segs., de Maia Gonçalves.

V — É muito vasta a jurisprudência, ver entre muitos os acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça de 11 de Outubro de 1995, processo n.º 48 124; de 4 de Fevereiro de 1998, processo n.º 1012/98; de 1 de Abril de 1998, processo n.º 16/98; 19 de Janeiro de 1999, Boletim do Ministério da Justiça,n.º 483, pág. 73; de 12 de Janeiro de 2000, processo n.º 829/99, Acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça, ano VIII, pág. 163, de 10 de Maio de 2000, processo n.º 383/2000, de 24 de Janeiro de 2000,processo n.º 3826/2000, 3.ª Secção, de 25 de Janeiro de 2001, processo n.º 3557/2000, 5.ª Secção; eanotação ao artigo 50.º, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 14.ª ed., 2001, MaiaGonçalves, págs. 190 e seguintes.

(M. G. L. M.)

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220 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

Recurso penal — Vícios de sentença — Tribunal competente

I — O Tribunal da Relação é o competente para conhecer do recurso de acórdão dotribunal colectivo em que o recorrente invoca algum dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, doCódigo de Processo Penal.

II — A invocação expressa dos apontados vícios da matéria de facto, se bem quealgumas vezes possa implicar alguma intromissão nos domínios do conhecimento dedireito, leva sempre ancorado a pretensão de reavaliação do matéria de facto, que aRelação tem, em princípio, condições de conhecer e colmatar, se for caso disso, sendoclaros os benefícios em sede de economia e celeridade processuais que em casos tais seconseguem se o recurso para ali for logo encaminhado.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 18 de Outubro 2000Processo n.º 2193/2000

ACORDAM na Secção Criminal do SupremoTribunal de Justiça:

1. Na 1.ª Vara Criminal de Lisboa foi subme-tido a julgamento o arguido António José JustinoManteigas, identificado nos autos, pela prática,em acumulação real, de um crime de associaçãocriminosa para tráfico de estupefacientes, pre-visto e punido pelo artigo 28.º, n.º 2, do Decreto--Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime,sob a forma continuada, de tráfico agravado dosmesmos produtos, previsto e punido pelos arti-gos 21.º, n.º 1, e 24.º, alíneas b) e c), de igualdiploma, vindo a ser absolvido do primeiro econdenado pelo segundo na pena de sete anos deprisão.

Inconformado com tal decisão, dela interpôso arguido recurso para a Relação de Lisboa, quemotivou para assim concluir:

— «Não ficou provado que o recorrente ven-desse por conta própria produto estupefaciente.

— O tribunal chegou a esta conclusão pormeio de uma simples conjectura: no douto acórdãoomite-se o suporte probatório que serviu de baseà formação da sua convicção quanto a este factoe não refere ‘as regras da experiência, lógica ourazão’ em função das quais pelas provas produ-zidas (declaração do arguido, depoimento de tes-temunha e audição de escutas telefónicas) sejulgou provado que o recorrente vendia produtoestupefaciente por conta própria.

— Em nenhum dos artigos da acusação háreferências concretas à aquisição e venda de he-roína e cocaína pelo recorrente, nem o doutoacórdão fornece elementos de que tenha existidoessa compra e venda, nomeadamente identifi-cando fornecedores ou compradores de heroína ecocaína.

— Não ficou demonstrada a natureza dos pro-dutos alegadamente vendidos pelo recorrente,designadamente que se tratasse de heroína oucocaína.

— No único episódio em que o douto acórdãorelata uma situação concreta em que há envol-vimento do arguido com alegado produto estu-pefaciente, o douto acórdão não é peremptórioquanto à natureza do produto estupefaciente dis-simulado no pneu, diz tratar-se de ‘heroína oucocaína’.

— No entender do ora recorrente poderia serqualquer produto, diamantes, haxixe, ou ...

— Também no seu entender não existe su-porte probatório que permita ao tribunal formara convicção de que o dinheiro entregue pelo orarecorrente à arguida Guilhermina Bernardo fosseproveniente da venda de produto estupefa-ciente.

— Resulta do douto acórdão que o recorrentee aquela arguida tinham uma relação laboral e queessa entrega de dinheiro pode ter sido feita noâmbito dessa relação, tratando-se de receitas daslojas de que a arguida era proprietária.

— Não ficou provado que no pneu que teriasido alegadamente transportado para Portugal

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221 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

tivesse dissimulado no seu interior heroína oucocaína.

— Nestes termos, não está tipificado o crimede tráfico de estupefacientes previsto e punidono artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 deJaneiro.

— Mesmo que se considerem assentes os fac-tos que preenchem o tipo de crime, o que pormera hipótese académica se admite, a pena deprisão aplicada ao ora recorrente é excessivamenteelevada.

— Sobretudo porque compromete qualquerfunção ressocializadora da pena (necessidadesde prevenção especial).

— Pois o arguido tem 43 anos e a pena deprisão de sete anos a que foi condenado só serácumprida a partir de 2002, o que significa que oora recorrente sairá do estabelecimento prisionalem 2009, data em que terá 52 anos.

— Dificilmente o ora recorrente será inte-grado no meio social e profissional dos nossosdias, que é hostil aos ex-condenados e às pessoascom idade superior a 50 anos.

— Acresce ainda que o ora recorrente temtrês filhos menores que necessitam da presençapaterna para o seu normal desenvolvimento.

— Nestes termos, e no modesto entendi-mento do ora recorrente, não deveria a pena deprisão aplicável ultrapassar o mínimo legal.

— Violaram-se as seguintes disposições:

— Artigo 374.º, n.º 2, do Código de ProcessoPenal;

— Artigos 71.º e 72.º do Código Penal;— Artigos 21.º e 24.º do Decreto-Lei n.º 15/

93, de 22 de Janeiro.»

Respondeu o Ministério Público na 1.ª ins-tância alegando a correcção do julgado pornão violador de qualquer disposição legal e na2.ª instância suscitou a questão prévia da incom-petência do respectivo tribunal, pelo facto de orecurso se circunscrever exclusivamente à maté-ria de direito, já que, não tendo sido efectuada agravação da prova, «está posta de lado a possibi-lidade de o tribunal superior sindicar a matériadada como provada e não provada, a qual, porisso, se tem que dar como assente, ressalvada apossibilidade legal de o tribunal superior conhe-cer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º doCódigo de Processo Penal».

Face à questão assim suscitada o Tribunal daRelação de Lisboa, por acórdão de 11 de Maioúltimo, julgou «procedente o incidente de in-competência material», decidindo «ordenar aremessa dos autos, após trânsito, ao SupremoTribunal de Justiça, por ser o competente».

Aqui, emitiu o Ministério Público parecer,em que, dito sinteticamente, refere:

— «O recorrente não aceita a matéria de factoapurada pelo tribunal a quo, o que significa que orecurso não visa exclusivamente o reexame damatéria de direito.

— Admitindo, contudo, que versa apenas essamatéria, não é, mesmo assim, o Supremo o com-petente para conhecer do recurso.

— Analisando as normas dos artigos 427.º e428.º, pode retirar-se delas duas ideias: a primeiraé a circunstância de o Supremo Tribunal ao co-nhecer do direito não retirar às relações igual po-der. Só que estas, além do direito, conhecemtambém da matéria de facto (n.º 1 do artigo 428.º).A segunda é a de que, por norma, o recurso dadecisão proferida pelo tribunal de 1.ª instânciase interpõe para a Relação. Só não é assim noscasos em que há recurso directo para o Supremo.A única excepção é a da alínea a) do artigo 432.º(acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri).

— Em suma: o regime-regra é o recurso para oTribunal da Relação, quer se discuta a matéria dedireito ou de facto, admitindo-se, no entanto,que as partes possam recorrer directamente parao Supremo das decisões finais proferidas pelotribunal colectivo se se tratar exclusivamente dereexame da matéria de direito.»

Pugna, assim, pela competência do Tribunalda Relação no caso concreto.

Embora tendo requerido a produção de alega-ções escritas, o recorrente não alegou.

Cumprido que foi o preceituado no n.º 2 doartigo 417.º do Código Processo Penal (dado oteor do parecer do Ministério Público), e colhi-dos que foram os vistos legais, há que ponderar edecidir.

2. Uma vez mais vem equacionada a questãoda competência do Supremo Tribunal de Justiçapara o conhecimento de recursos interpostos dedecisões finais proferidas pelos tribunais colec-

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222 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

tivos, após a revisão operada pela Lei n.º 59/98,de 25 de Agosto.

O Supremo tem assumido unanimemente, emvariadíssimos arestos, a interpretação de que oacrescentamento feito pelo legislador daquela leià alínea d) do artigo 432.º do Código de ProcessoPenal («visando exclusivamente matéria de di-reito») teve e tem como objectivo a intenção derestringir a competência do tribunal supremo amatérias que não toquem nem tenham nada a vercom a factualidade recolhida na instância de jul-gamento.

E para citar apenas uma decisão nesse sentido(que no fundo repete e reafirma o que muitosmais têm dito sobre o assunto), trazemos à colaçãoo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de12 de Abril de 2000, processo n.º 182/2000,3.ª Secção, onde se decidiu:

— «Quanto ao objecto e fundamentos, os re-cursos interpostos dos acórdãos finais proferi-dos pelo tribunal colectivo após a entrada emvigor da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, sofremuma restrição que não é imposta aos interpostosdos acórdãos finais do tribunal do júri: para queo Supremo Tribunal de Justiça seja competentepara conhecer dos primeiros, têm eles de visarexclusivamente o reexame da matéria de direito[artigo 432.º, alíneas c) e d), do Código de Pro-cesso Penal, na redacção introduzida pela refe-rida Lei n.º 59/98].

— O recurso para o Supremo Tribunal deJustiça de acórdão final proferido pelo tribunalcolectivo, não podendo visar a decisão sobre amatéria de facto, pode ter como objecto qualquerquestão de direito, com fundamento em violaçãode lei, quer substantiva quer processual.»

Quanto a esta parte do problema, pois nãoparece haver dúvida alguma.

Já se não encontra igual unanimidade, porém,quando se intenta perscrutar a intenção do legis-lador ao consignar no artigo 434.º do citado Có-digo de Processo Penal, relativamente aos poderesde cognição do Supremo Tribunal de Justiça, queeles se restringem à matéria exclusivamente dedireito «sem prejuízo do disposto no artigo 410.º,n.os 2 e 3».

O Supremo tem balanceado entre uma posi-ção que consideramos mais permissiva — na qualaceita a possibilidade de ele próprio se poder

debruçar sobre os vícios do n.º 2 do artigo 410.ºcitado desde que não seja posta em causa a ma-téria de facto apurada (cfr., por todos, o acórdãode 24 de Novembro de 1999, processo n.º 812/99) — e uma outra de sentido oposto — estamuito mais confortável e sedimentada —, quesubscreve o entendimento de que a apreciaçãodos vícios apontados envolve sempre um reexamemaior ou menor de matéria de facto e isso estáabsolutamente vedado ao Supremo Tribunal deJustiça.

Isto na consideração de que não colhe o argu-mento de que «os vícios elencados no n.º 2 doartigo 410.º do Código de Processo Penal inte-gram facetas de direito (ou são susceptíveis de asintegrarem), pois que é a própria lei que recorta adicotomia matéria de facto/matéria de direito, querno corpo do n.º 2 daquele normativo, quer nosubsequente artigo 434.º» (Acórdãos do Su-premo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de1999, processo n.º 659/99).

Entende, assim, maioritariamente, o SupremoTribunal de Justiça que, bulindo sempre (muitoou pouco) com matéria factual a apreciação dosvícios apontados, não lhe cabe invadir uma área,seja a que título for, que o legislador quis mani-festamente arredar do âmbito dos seus poderesde cognição.

Ora, com base em tais entendimentos — queprocuram acompanhar o mais perto possível aletra e o espírito das leis aplicáveis e das altera-ções entretanto introduzidas —, não parecemrestar dúvidas de que, no caso concreto, falece aoSupremo competência para ajuizar sobre o mé-rito do recurso interposto.

É que, como bem acentua o Ministério Pú-blico nesta instância, o recorrente invade nitida-mente a área da factualidade tida como assentepelo tribunal de julgamento quando ataca a partedo acórdão condenatório em que se diz que oarguido e sua mulher «procediam à aquisição evenda por conta própria de produtos estupefa-cientes, nomeadamente heroína e cocaína», afir-mação que, em seu entender, não é apoiada peloque se apurou, «como facilmente se depreendeda análise da prova em que o tribunal baseou asua convicção».

Ora isto, só por si, manifesta a intenção dorecorrente de pôr em causa a convicção que otribunal firmou sobre a prova que perante ele se

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223 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

produziu aquando do julgamento, o que está paraalém da matéria exclusivamente de direito.

Por aqui, pois, o recurso não poderia ser jul-gado por este Supremo Tribunal de Justiça.

Mas o Ministério Público suscita ainda umaoutra questão: é a que consiste em saber se, pre-tendendo-se o reexame de pura matéria de direito,o recurso será obrigatoriamente interposto persaltum para o Supremo ou caberá antes aos in-teressados decidir qual dos tribunais superiores(Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) lhesinteressa que tomem conhecimento do mesmo.

O Ministério Público subscreve sem reservaso direito de opção em situações como a figurada,porque, como ficou transcrito, o legislador, apósa revisão da Lei n.º 59/98, passou a consagrar queo regime-regra em matéria de recursos de deci-sões finais tiradas pelos tribunais colectivos é odo recurso directo para o Tribunal da Relação,sem prejuízo de, em matéria exclusivamente dedireito, se poder escolher entre a Relação e oSupremo.

Sobre esta perspectiva específica o SupremoTribunal de Justiça ainda se não pronunciou,havendo apenas a registar o voto de vencido subs-crito pelo relator do presente recurso no acórdãode 7 de Junho de 2000, processo n.º 161/2000,em que se defendeu a tese do direito de opção emrecursos de decisões finais prolatadas pelos tri-bunais colectivos mesmo que circunscritas aoreexame de matéria apenas de direito.

É o que, de resto, o mesmo relator assina na2.ª edição do Código de Processo Penal Ano-tado, vol. II, em anotação ao artigo 432.º quandosublinha:

«A possibilidade de recurso directo para oSupremo Tribunal de Justiça de acórdãos finaisproferidos pelo tribunal colectivo, visando ex-clusivamente o reexame de matéria de direito [alí-nea d)], não impede a Relação de conhecer dosrecursos de acórdãos finais proferidos pelo tri-bunal colectivo, restritos ao reexame de matériade direito (no dizer do artigo 411.º, n.º 4).

Alguns acórdãos das relações, agora em apre-ciação no Supremo Tribunal de Justiça, decidi-ram, no entanto, que o conhecimento dos recursosde acórdãos finais do tribunal colectivo restritosà matéria de direito cabia exclusivamente ao Su-premo Tribunal de Justiça.

Discordamos frontalmente dessa posição.

A nova disciplina dos recursos, explicada naexposição de motivos, considera como única ex-cepção à regra geral de recurso da 1.ª instânciapara a Relação, o recurso da decisão final do tri-bunal de júri, caso em que a lei impõe o recursoper saltum para o Supremo Tribunal de Justiça.

O recurso de acórdãos finais proferidos pelotribunal colectivo, visando exclusivamente o ree-xame de matéria de direito, pode ser interposto,conforme a escolha dos recorrentes, para a Rela-ção ou para o Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, fez o legislador processual penal umaaproximação ao regime vigente no processo civil(artigo 725.º do Código de Processo Civil), emque também é admitida a possibilidade (a serusada optativamente pelo sujeito processual in-teressado) de recursos per saltum para o Su-premo Tribunal de Justiça em matéria exclusiva-mente de direito.

E não se diga que, desse modo, se deixou aossujeitos processuais interessados uma possibili-dade arbitrária de opção.

É que [...] os recursos de acórdãos finais pro-feridos pelo tribunal colectivo, visando exclusi-vamente o reexame de matéria de direito, nãopodem fundar-se nos vícios do artigo 410.º, n.º 2,enquanto os mesmos recursos, restritos à maté-ria de direito, se dirigidos às relações, podem teraqueles vícios como fundamento, pois que aí semantém o conhecimento do tribunal superior em‘revista alargada’.»

Acresce ainda que a opção pelo recurso res-trito à matéria de direito para a Relação permi-tirá, em muitos casos, a efectivação de terceirograu de recurso para o Supremo Tribunal de Jus-tiça (cfr. artigo 400.º).

Finalmente não se diga que a alínea d) desteartigo 432.º é expressa a retirar competência àsrelações ‘para conhecer dos recursos das deci-sões finais do tribunal colectivo, restritos à ma-téria de direito’, porquanto, de acordo com odisposto no n.º 7 do artigo 414.º, ‘havendo vá-rios recursos da mesma decisão, dos quais algunsversem sobre matéria de facto e outros exclusi-vamente sobre matéria de direito, são todos jul-gados conjuntamente’; neste caso pelas referidasrelações.»

Outras mais ideias de apoio a esta tese pode-rão ser encontradas.

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224 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

Desde logo no texto do n.º 4 do artigo 411.º doCódigo de Processo Penal (alegações escritas nosrecursos restritos à matéria de direito), disposi-ção que, dantes, constava da tramitação especí-fica dos recursos para o Supremo Tribunal deJustiça e que agora passou para a tramitação uni-tária, comum às relações e ao Supremo, o quesignifica que o legislador, ao fazer essa transmu-tação, estava a prever, como previu, a possibili-dade de as relações conhecerem exclusivamentede matéria de direito, por opção do recorrente.

Finalmente será de acrescentar mais o se-guinte: como é sabido, o recurso per saltum é umexpediente impugnatório que, consoante a suaexpressão verbal, significa a ultrapassagem dotribunal normalmente competente para apre-ciação do feito.

Ora, na versão originária do Código de Pro-cesso Penal, o legislador falava em recurso directopara o Supremo Tribunal de Justiça sempre queestava em causa a impugnação de decisões finaisproferidas pelo tribunal colectivo ou pelo tribu-nal do júri, enquanto, após a revisão trazida pelaLei n.º 59/98, de 25 de Agosto, já se coloca, aolado desse recurso directo para o Supremo (agoraapenas das decisões finais do júri), o recurso persaltum para o mesmo tribunal sempre que sepretenda por em causa as decisões finais tiradaspelos tribunais colectivos (cfr., a esse propósito,a respectiva exposição de motivos).

Assim sendo, será forçoso concluir que, co-nhecendo o legislador a exacta noção do que é orecurso per saltum, só poderia querer afirmar,com a dualidade de sistemas, que também passa-ria a competir aos tribunais da relação o conheci-mento dos recursos restritos a matéria de direitorespeitantes às decisões da responsabilidade dostribunais colectivos.

Conclusão que, de resto, e até pela termino-logia usada (recurso per saltum), faz aproximar oexpediente do sistema consagrado no processocivil.

Sintetizando, pois, o direito de opção quantoao órgão judiciário competente para o conheci-mento dos recursos interpostos de decisões fi-nais tiradas pelos tribunais colectivos, que cremosatribuído pelo novo legislador processual penal,assenta, entre outras, nas seguintes razões:

a) Consagração do recurso para a Relaçãocomo regime-regra, apenas se impondo o

recurso per saltum para o Supremo Tri-bunal de Justiça quando se impugnamdecisões extraídas pelo tribunal do júri(cfr. exposição de motivos referente à Lein.º 59/98, de 25 de Agosto);

b) Reconhecimento do princípio de que oactual legislador é favorável quanto à atri-buição às relações de poderes de cogniçãode matéria de direito (vejam-se os precei-tos dos artigos 414.º, nº 7, e 428.º, n.º 1);

c) Intuito de aproximação de tal regime como que está concebido para o processo ci-vil, significativo da ideia de harmonizaçãode sistemas que se completam;

d) Abertura para um caminho processual quenão só propicia a possibilidade de dis-cussão, sem limites, dos vícios referidosno n.º 2 do artigo 410.º do Código de Pro-cesso Penal, como pode viabilizar um efec-tivo segundo grau de recurso,

e) Transferência para a tramitação unitária(comum às relações e ao Supremo) da dis-posição, anteriormente exclusiva desteúltimo, que previa a possibilidade de ale-gações escritas nos recursos restritos àmatéria de direito (cfr. anterior artigo 434.º,n.º 1, e actual artigo 411.º, n.º 4, ambos doCódigo de Processo Penal);

f) Consagração do recurso per saltum comoexpediente impugnatório que, como opróprio nome indica, pretende passar porcima do tribunal normalmente compe-tente, o que insinua que o tribunal ultra-passado (no caso o tribunal da relação)tem também essa competência.

Crendo ser esta, pois, a correcta interpreta-ção do sistema concebido pelo legislador da Lein.º 59/98, de 25 de Agosto, concluiríamos, as-sim, como concluímos, que, por esta vertente,também o recurso poderia e deveria ser julgadopelo tribunal da relação escolhido pelo sujeitoprocessual interessado.

3. De harmonia com o exposto, acordam osjuízes que compõem a Secção Criminal do Su-premo Tribunal de Justiça em ordenar a remessado processo ao Tribunal da Relação de Lisboapara aí ser julgado o recurso interposto pelo ar-guido António José Justino Manteigas.

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225 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

Informe da remessa o recorrente.Sem custas, por não serem devidas.

Lisboa, 18 de Outubro de 2000.

Leal Henriques (Relator) — Gomes Leandro(voto a decisão, por virtude de o recurso visartambém reexame da matéria de facto que preclude

a questão de saber se ao recorrente cabe opçãosobre o tribunal da Relação ou do Supremo Tri-bunal de Justiça a quem requerer reexame emrecurso, da matéria de direito, exclusivamente) —Leonardo Dias (com declaração idêntica à doEx.mo Sr. Conselheiro Gomes Leandro) — Vir-gílio Oliveira (com declaração idêntica à doEx.mo Sr. Conselheiro Gomes Leandro).

DECISÕES IMPUGNADAS

I — Sentença da 1.ª Secção da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, processo n.º 504/97.

II — Acórdão da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 3193/2000.

1.º — No mesmo sentido cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado no dia 11 de Janeirode 2001, no processo n.º 3294/00, 5.ª Secção, processo n.º 3294/00, in site do Supremo Tribunal deJustiça na Internet, Boletim, n.º 47, que corresponde, segundo cremos, a uma posição quase uniformedo nosso alto Tribunal.

2.º — Sendo esta a decisão que mereceu a aprovação do colectivo de magistrados judiciais, quevotou a decisão (cfr. votos de vencido), não deixa de aflorar em toda a fundamentação do acórdãorecorrido uma outra ideia, qual seja de um consagrado direito de opção quanto ao órgão judiciáriocompetente para o conhecimento dos recursos interpostos de decisões finais tirados pelos tribunaiscolectivos, quando o recurso verse, apenas e só, matéria de direito.

A posição do nosso mais alto Tribunal parece, ao tempo em que escrevo esta nota, não serpacífica, no que concerne nos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça. Assim em acórdãode 10 de Janeiro de 2001, tirado no processo n.º 2742/2000, 3.ª Secção, cfr. última Colectânea deJurisprudência a que tivemos acesso, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribu-nal de Justiça, ano VIII, tomo III, ano 2000, em que se escreve, a fls. 227 e segs., o seguinte, que, ecitamos:

«Seria inconstitucional uma norma do Código de Processo Penal que fosse inter-pretado no sentido de que é possível aos interessados, em processo penal escolher pararecurso o Tribunal da Relação ou o Supremo Tribunal de Justiça sempre que se queiraimpugnar somente a matéria de direito do decisão do tribunal colectivo, como vempropugnado no douto parecer do Ministério Público.

Para além de o direito processual penal estar estreitamente ligado à concepção ju-rídico-política do Estado, como diz Figueiredo Dias (ob. cit., pág. 56), considerando atéHenkel (ob. cit., pág. 58) que tal direito ‘é verdadeiro direito constitucional aplicado’.Uma faculdade como atrás se pretende existir teria de estar no texto legal de forma ex-pressa e devidamente regulamentada e não nas entrelinhas.

Isso seria, salvo o devido respeito, uma interpretação conceitualista que não aten-dia aos verdadeiros interesses a proteger com aquela espécie de direito, interesses essesque são sempre a verdadeira razão da existência de qualquer norma jurídica positiva.

‘E, consequentemente, julgamos o Tribunal da Relação de Évora incompetente paraa decisão do recurso e competente este Supremo Tribunal de Justiça.’»

Na mesma revista, ano e tomo, a págs. 191 e seguintes, podemos ler o acórdão aí transcrito, emsentido inverso ao anterior, no segmento, que ora analisamos, e de que extraímos dois segmentos.O primeiro enuncia a questão a ser resolvida. O segundo expõe a solução/resolução da questão.

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226 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

A — «A questão única que se discute é a de saber se a organização e distribuição de competênciaspara conhecer de recursos criminais interpostos de acórdãos de tribunais de 1.ª instância, entre asrelações e este Supremo tribunal de Justiça, obedece a um regime obrigatório (fechado) ou se deixaalguma margem optativa aos interessados.

Dizendo de outro modo, partindo da hipótese de que o objecto do recurso diz apenas respeito amatéria de direito, pode o recorrente optar entre a Relação e o Supremo Tribunal.»

B — «Do que vem de dizer-se extrai-se a conclusão de que este Supremo Tribunal de Justiça nãodetém competência para conhecer do recurso, pertencendo ao tribunal da Relação, ao qual o recor-rente se dirigiu, numa espécie de praeemptio.

E tratando-se de decisões divergentes proferidas entre tribunais de grau hierárquico diferente, adecisão deste Supremo Tribunal no domínio da incompetência em razão da hierarquia (incompetênciaabsoluta) torna-se prevalecente.

Não é caso de conflito — cfr. artigos 33.º a 36.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei deOrganização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), para o qual aliás os preceitos do Código deProcesso Penal — artigo 11.º e 34.º a 36.º — não estabeleceriam qualquer remédio de superação.

Termos em que, julgando da suscitada questão prévia da competência, acordam os juízes daSecção Criminal, em conferência, declarar este Supremo Tribunal incompetente para conhecer dorecurso e ordenar a devolução dos autos — artigos 32.º, n.º 1, e 3.º do Código de Processo Penal —para o Tribunal da Relação de Coimbra.»

Nota da redacção. — No mesmo sentido os acórdãos proferidos no recurso n.º 2436, de 25 deOutubro, subscrito pelos Conselheiros Leal Henriques, Armando Leandro e Leonardo Dias, e norecurso n.º 8, de Pereira Madeira, Simas Santos, Costa Pereira e Abranches Martins.

(P. B.)

Dedução de incompetência territorial — Abertura da audiênciade julgamento

A abertura de uma audiência de julgamento, que é utilizada exclusivamente paradecretar o seu adiamento, não constitui «abertura» da audiência para os efeitos doartigo 32.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, pois só é possível falar-se em«abertura de audiência» quando corresponde a uma abertura verdadeiramente «subs-tancial», isto é, proporcionadora de diligências que tenham a ver com o julgamento dofeito ou feitos e não a uma abertura «formal», onde se processam actos que não condu-zam à apreciação de quaisquer eventos criminais.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 25 de Outubro de 2000Processo n.º 2273/2000

ACORDAM na Secção Criminal do SupremoTribunal de Justiça:

1. Ao 1.º Juízo Criminal da Comarca de Faroforam distribuídos uns autos de processo comum,a que coube o n.º 316/98.4TBFAR, envolvendo o

arguido David Elisário Monteiro Viegas, nelesidentificado, acusado pelo Ministério Público daprática de um crime de emissão de cheque semprovisão, previsto e punido pelas disposiçõescombinadas dos artigos 11.º, n.º 1, alínea a), doDecreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro. e313.º do Código Penal de 1982.

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227 Direito Processual PenalBMJ 500 (2000)

Designado o dia 17 de Novembro de 1998para a audiência de julgamento, veio a mesma aser adiada sine die por falta de comparência doarguido.

Junta entretanto ao processo informação ban-cária sobre o local onde o cheque foi inicialmenteentregue para pagamento (sede do Banco Espí-rito Santo em Lisboa), o Tribunal de Faro decla-rou-se incompetente para julgar o arguido, atri-buindo essa competência ao tribunal congénerede Lisboa, para onde foram remetidos, indo ca-lhar à 3.ª Secção do 1.º Juízo.

Aqui, e mediante promoção do MinistérioPúblico, a Sr.ª Juíza respectiva considerou que adeclaração de incompetência territorial deduzidapelo Tribunal de Faro foi extemporânea [terá des-respeitado o estatuído no artigo 32.º, n.º 2, alí-nea b), do Código de Processo Penal, que, esta-belece como limite temporal para essa dedução oinício da audiência de julgamento], pelo que sedeclarou também incompetente para conhecer dofeito, remetendo os autos ao Tribunal da Relaçãode Lisboa, para os fins do disposto no artigo 35.ºdaquele Código.

Neste Tribunal, e após as diligências habi-tuais, o Sr. Juiz Relator, fundado no disposto noartigo 11.º, n.º 3, alínea c), do Código de ProcessoPenal (questão suscitada entre tribunais de 1.ª ins-tância de diferentes distritos judiciais), remeteuos autos a este Supremo Tribunal de Justiça, tidocomo competente para conhecer do conflito.

Aberta vista ao Ministério Público, opinoueste que se julgasse o conflito no sentido da atri-buição da competência para o conhecimento dofeito imputado ao arguido ao Tribunal de Lisboa,por ter sido aí o local onde o cheque em causa foiinicialmente entregue para pagamento, conside-rando tempestiva a dedução do incidente de in-competência pelo Tribunal de Faro, uma vez quenão chegou a iniciar-se a audiência de julgamentoa que se reporta o artigo 32.º, n.º 2, alínea b), doCódigo de Processo Penal, já que, em seu juízo,«o adiamento de uma audiência, realizado embo-ra em ‘audiência’, é unia pré-audiência, um ‘actofrustrado’».

Colhidos os vistos legais, há que apreciar edecidir.

2. A questão levantada no presente conflitoestá perfeitamente circunscrita e, como refere oMinistério Público no seu parecer, «consiste emsaber se a dedução da incompetência é tempestiva,uma vez que apenas efectuada depois de reali-zada uma audiência de julgamento que se resu-miu ao seu adiamento».

Tudo consiste, pois, em saber se uma audiên-cia que é utilizada exclusivamente para decretaro seu adiamento constitui ou não «abertura» daaudiência para os fins do artigo 32.º, n.º 2, alí-nea b), do Código de Processo Penal.

Estamos em crer que não.Na verdade, a audiência assume-se como uma

etapa no itinerário processual que visa a realiza-ção de actos vários cujo escopo é permitir aotribunal ajuizar da prática ou não de condutaspor alguém e que a legislação penal tipificou comocrimes.

Sendo assim, só se pode falar verdadeira-mente de audiência quando houver lugar ao de-senvolvimento de diligências com esse sentido efinalidade e não também quando o tribunal selimita a proceder a uma abertura meramente «for-mal» do acto, sem que nele realize qualquer acti-vidade que se integre no ajuizamento do feitocujo julgamento lhe é pedido.

Ou seja: só é possível falar-se em «aberturada audiência» quando corresponda a uma aber-tura verdadeiramente «substancial», isto é, pro-porcionadora de diligências que tenham a ver como julgamento do feito ou feitos e não a uma aber-tura «formal», onde se processem actos que nãoconduzam à apreciação de qualquer evento cri-minoso.

E foi o que aconteceu no caso presente.O tribunal limitou-se a entrar na sala de au-

diências para constatar que o arguido se não en-contrava presente e para, nos termos da lei, serecusar a proceder ao seu julgamento, nada maisfazendo que tivesse relação com actos própriosdessa mesma audiência.

Daí que seja de considerar tempestiva a dedu-ção do incidente de incompetência por banda do1.º Juízo Criminal da Comarca de Faro.

3. De harmonia com o exposto, acordam osjuízes da Secção Criminal do Supremo Tribunalde Justiça em considerar competente para co-nhecer do feito reportado nos autos o 1.º Juízo

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228 BMJ 500 (2000)Direito Processual Penal

Criminal, 3.ª Secção, da Comarca de Lisboa, paraonde os autos serão remetidos, com comunica-ção ao Tribunal de Faro.

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Leal Henriques (Relator) — Gomes Lean-dro — Leonardo Dias.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Decisões do 1.º Juízo Criminal da Comarca de Faro e do 1.º Juízo Criminal, 3.ª Secção, daComarca de Lisboa.

II — Acórdão da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 5114/2000.

A matéria do aresto foi tratada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Dezembrode 1997; Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo III,pág. 254.

(A. C. A. S.)

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229 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

Acidente de trabalho — Higiene e segurança no trabalho —Presunção da culpa — Nexo de causalidade — Responsabilidadeda entidade seguradora

I — O artigo n.º 54.º do Decreto-Lei n.º 360/71, de 20 de Agosto, estabelece umapresunção de culpa da entidade patronal em relação ao acidente resultante dainobservância das regras legais e regulamentares relativas à higiene e segurança notrabalho, mas não permite já presumir a existência de um nexo causal entre a violaçãodessas regras e o acidente.

II — Não podendo dar-se como provado esse nexo de causalidade, a responsabili-dade da entidade seguradora é meramente subsidiária, nos termos das disposiçõesconjugadas dos n.os 2 da base XVII e 4 da base XLIII.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 11 de Outubro de 2000Processo n.º 1808/2000

ACORDAM na Secção Social do SupremoTribunal de Justiça:

I

1. Albino Fernando Cardoso Salas, com ossinais dos autos, intentou a presente acção comprocesso especial emergente de acidente de tra-balho contra Sociedade Portuguesa de Seguros,S. A., alegando ter sido vítima de um acidente detrabalho ao serviço de Martoti — Mármores eGranitos de Todos os Tipos, S. A., segurada daré, de que lhe resultou uma IPP e reclamando porisso a respectiva pensão anual e vitalícia.

2. Contestou a ré, alegando que o acidenteresultou da violação das regras de segurança notrabalho, com explosivos, sendo a responsabili-dade da entidade patronal em via principal e sósubsidiariamente da seguradora.

3. Em face disso, o M.mo Juiz, ao abrigo doartigo 130.º do Código de Processo do Trabalho,ordenou a intervenção da entidade patronalMartoti — Mármores e Granitos de Todos osTipos, Importação-Exportação, S. A.

Esta contestou, alegando terem sido cumpri-das todas as regras de segurança, tendo os traba-lhados realizados pelo autor sido feitos segundoas ordens, instruções e orientações dadas peloencarregado geral, João Prates, o qual está devi-

damente habilitado com a competente cédula parao desempenho de tais tarefas, sendo o próprioautor um homem experiente em trabalhos dessetipo.

Assim, concluiu, a responsabilidade pelo aci-dente é da seguradora para a qual transferiu aresponsabilidade infortunística.

4. Proferido despacho saneador e organizadaa especificação e o questionário, prosseguiu oprocesso para julgamento realizado, no qual foiproferida a muito douta sentença de fls. 113 eseguintes, que absolveu a ré Martoti e condenoua ré seguradora a pagar ao autor Albino Salas:

— A pensão anual e vitalícia de 201 280$08,com início em 1 de Setembro de 1996, em duodé-cimos mensais, acrescida de uma prestação su-plementar pagável no mês de Dezembro de valorigual ao do duodécimo da pensão anual a quenesse mês tiver direito e no montante actual de16 774$00;

— A quantia de 4500$00, referente ao reem-bolso das despesas, com deslocações ao tribunal;

— Os juros de mora, à taxa legal, pelas presta-ções em atraso.

5. Desta sentença interpôs a ré seguradorarecurso de apelação, a que o Tribunal da Relaçãode Évora, por douto acórdão de fls. 147 e seguin-tes, concedeu provimento, condenando a ré pa-tronal como responsável principal pelas con-

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230 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

sequências do acidente, ficando a ré seguradoraresponsável subsidiária pelos direitos que foramreconhecidos ao sinistrado.

II

1. É deste aresto que vem a presente revista,interposta pela ré patronal, que, a final das suasdoutas alegações, formula as seguintes conclu-sões:

1.ª — O douto acórdão de que se recorre nãoteve em consideração a matéria de facto dadacomo provada;

2.ª — Dessa matéria de facto provada nãoresultou que o acidente dos autos se deveu outeve como causa a inobservância de preceitoslegais e regulamentares;

3.ª — Não se mostram conhecidas, da matériade facto provada, a causa ou causas do acidente;

4.ª — Como tal, não se pode inferir da falta dehabilitação do autor a conclusão de que a ocor-rência do evento se deveu a esse facto;

5.ª — O autor tinha experiência na manipula-ção de explosivos, sendo certo que quem os trans-portou, utilizou e introduziu no furo, tendoiniciado os trabalho, foi o encarregado geral, JoãoPrates, devidamente habilitado;

6.ª — Foi este João Prates quem unicamentemanuseou os explosivos, tendo o autor apenasultimado tais trabalhos, coadjuvando aquele;

7.ª — O autor executou de forma incorrecta,do ponto de vista técnico, os trabalhos em causa;

8.ª — Não se demonstrou ou provou que oatacador utilizado fosse susceptível de produzirfaíscas ou cargas eléctricas e que o mesmo ostenha de facto produzido;

9.ª — Foi o encarregado geral, única e exclusi-vamente, quem manuseou e manipulou os explo-sivos;

10.ª — O artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 162/90 não estabelece que o habilitado não pode serauxiliado ou coadjuvado por trabalhadores nãotitulares de cédula;

11.ª — Não foi ou ficou provado que o aci-dente relatado nos autos não ocorreria se o pró-prio encarregado (habilitado) tivesse ele próprioultimado os trabalhos;

12.ª — Para que a ora recorrente fosse consi-derada culpada no acidente, era necessário que o

mesmo fosse devido, ou seja, tivesse como causaa inobservância de preceitos legais e regula-mentares, o que não se provou nos autos, comodecorre do disposto no artigo 54.º do Decreton.º 360/71;

13.ª — Assim sendo, não se poderá aferir,dizer ou concluir que o acidente dos autos sedeveu ou teve como causa qualquer violação dasnormas de segurança e ou de preceitos legais eregulamentares.

14.ª — Deve, assim, o douto acórdão recor-rido ser revogado, mantendo-se a decisão profe-rida pelo Tribunal do Trabalho de Évora.

2. Contra-alegou, como legal sucessora da réSociedade Portuguesa de Seguros, S. A., em re-sultado da pensão desta com Portugal Previ-dente — Companhia de Seguros, S. A., a Com-panhia de Seguros Allianz Portugal, S. A. (do-cumento de fls. 171 e segs.), sustentando:

— O não conhecimento do recurso, em razãode estar apenas em discussão a fixação dos fac-tos materiais da causa, o que não pode ser ob-jecto de recurso de revista, nos termos do arti-gos 722.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; ou

— A não se entender assim, pede que o re-curso seja julgado improcedente, com remissãopara as alegações produzidas no recurso deapelação.

3. O Ex.mo Magistrado do Ministério Públicojunto do Tribunal da Relação interpôs recursosubordinado, doutamente alegado a fls. 164 eseguintes, terminando por concluir:

1.ª — O douto acórdão recorrido fez correctaavaliação da matéria de facto dada como provadae dela retirou as adequadas ilações legais;

2.ª — A decisão é de manter, negando-se pro-vimento ao recurso interposto pela entidade pa-tronal;

3.ª — Caso assim se não entenda e se defina apretensão da recorrente Martoti, deverá, então,ser a seguradora — Sociedade Portuguesa deSeguros — condenada a título principal e nãoapenas subsidiário — [bases XVII, n.º 1, XLIII eXVI, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 2127, de 3 deAgosto de 1965].

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231 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

III

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar edecidir.

Vem fixada pelas instâncias a seguinte matériade facto:

1.ª — Em 30 de Janeiro de 1996, o autortrabalhava como encarregado de pedreira, porconta, direcção e fiscalização de Martoti, S. A.,em execução do contrato que com ela havia cele-brado, auferindo mensalmente a retribuição mé-dia de 194 898$60.

2.ª — Pelas 16.30 horas, o autor, juntamentecom o trabalhador Henrique Cotovio, estava atapar um furo, que haviam aberto na rocha, car-regado com pólvora, servindo-se para o efeitodum atacador de ferro com ponta de bronze,tendo-se incendiado a pólvora e provocando umaexplosão.

3.ª — Pouco tempo antes de expulsão tinhaestado na pedreira o encarregado geral da enti-dade patronal, João Maria da Silva Prates, tra-zendo os cartuchos de pólvora que havia prepa-rado para serem utilizados nos rebentamentos,que introduziu no furo, iniciando os trabalhodeste. Seguidamente, antes dos trabalhos no furoestarem concluídos e do furo estar tapado, esteencarregado geral deslocou-se para outra pe-dreira, não se encontrando presente no momentodo acidente.

4.ª — O encarregado João Prates estava habi-litado com a cédula de operador, não o estando oautor nem o seu colega Cotovio, embora o autortivesse experiência na manipulação de explo-sivos.

5.ª — A ré Martoti sempre deu instruções nosentido da na realização de trabalhos com manu-seamento de explosivos ser obrigatória a inter-venção do encarregado João Prates.

6.ª — Em consequencia das pedras projec-tadas pelo rebentamento, o autor ficou politrau-matizado, resultando-lhe das sequelas do acidentea IPP com 16,465%, sendo a alta de 31 deAgosto de 1996.

7.ª — Em deslocações ao tribunal o autor gas-tou 4500$00.

8.ª — A entidade patronal tinha a responsa-bilidade emergente de acidentes de trabalho trans-ferida para a ré Sociedade Portuguesa de Seguros,pela apólice n.º 189 125.

Estes os factos.Vejamos agora o direito.

1. Está apenas em discussão a questão daviolação pela entidade patronal das regras de se-gurança, com as consequencias previstas no n.º 4da base XLIII da Lei n.º 2127: responsabilidadesubsidiária da seguradora, cabendo à entidade pa-tronal a responsabilidade em via principal.

Como vimos, as decisões das instâncias, aliásmuito doutas, adoptaram soluções diferentes.

A sentença da 1.ª instância, considerando nãoestar provado que a explosão prematura ocorreuem consequência da violação de normas de segu-rança, absolveu a ré Martoti e, em consequência,condenou a ré seguradora.

Por seu turno, o acórdão da Relação entendeuque houve culpa da entidade patronal, por viola-ção das regras de segurança, e, em consequência,condenou-a como responsável principal, sendoa seguradora apenas responsável subsidiaria-mente.

Escreveu-se nesse aresto:Estabelecendo o referido artigo 54.º do regula-

mento da lei dos acidentes de trabalho uma pre-sunção de culpa na ocorrência dum acidente detrabalho, quando a entidade patronal viola regrasde segurança susceptíveis de aumentar o risco dasua verificação, como é o presente caso, compe-tia à entidade patronal demonstrar que essa vio-lação das regras de segurança foi absolutamenteindiferente ao acidente conforme determina o n.º2 do artigo 350.º do Código Civil. Como não fezesta prova, termos que atribuir o acidente doautor a culpa do empregador.»

2. É aqui que o muito douto acórdão claudica.

Na verdade, a questão que aqui se coloca é ade saber:

— Se a presunção de culpa estabelecida noartigo 54.º do Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 deAgosto, verificada a inobservância dos preceitoslegais ou regulamentares sobre a segurança notrabalho inclui e abrange o nexo de causalidadeentre essa inobservância e o acidente; ou

— Se estabelece uma presunção de culpa, nosentido da imputação de facto ao agente, semnela estar compreendido o nexo de causalidadeentre a inobservância e o acidente.

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232 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

O problema foi analisado no acórdão destaSecção Social de 13 de Outubro de 1999, na revi-são n.º 116/99, onde se dá conta da flutuaçãojurisprudencial sobre o ponto, nele se escrevendo:

«Citam-se como mais representativos:— O acórdão de 10 de Julho de 1996 do Su-

premo Tribunal de Justiça, em Colectânea deJurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribu-nal de Justiça, ano IV, tomo II, pág. 288, no sen-tido de que ao autor compete provar o nexo decausalidade entre a não observância das normasde segurança e o acidente; e

— O acórdão, também deste Supremo Tribu-nal de Justiça, de 23 de Abril de 1997, Colectâ-nea de Jurisprudência — Acórdãos do SupremoTribunal de Justiça, ano V, tomo II, pág. 270, nosentido de que o nexo de causalidade não é maisdo que a imputação do facto ao lesante, o quetraduz a sua culpa.»

Outros arestos deste Supremo sustentaramesta posição — cfr. os de 26 de Novembro de1980, de 17 de Julho de 1987 e de 9 de Janeiro de1991, respectivamente no Boletim do Ministériode Justiça, n.º 301, pág. 319, e em AcórdãosDoutrinais, n.º 312, pág. 1624, e n.º 331, pág. 376.

O Supremo Tribunal Administrativo, tantono domínio da Lei n.º 1942 — artigo 27.º —,como no da Lei n.º 2127, exigia a verificação donexo de causalidade — cfr. os acórdãos do Su-premo Tribunal Administrativo de 17 de Dezem-bro de 1957, de 12 de Fevereiro de 1963, de 6 deOutubro de 1964 e de 27 de Maio de 1975,respectivamente Colectânea de Jurisprudência,ano X, pág. 445, e Acórdãos Doutrinais, n.º 17,pág. 699, n.º 36, pág. 1524, e n.º 166, pág. 1314.

Na doutrina salienta-se a posição de CruzCarvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Pro-fissionais, pág. 213, onde escreve:

— «Para que se considere ter o acidente resul-tado de culpa da entidade patronal, não basta terhavido uma inobservância (mesmo culposa), masé necessário o nexo de causalidade entre talinobservância e o acidente.»

E, na verdade, esta parece ser a posição maiscorrecta.

Com efeito, esse é o princípio geral no campoda responsabilidade civil. Como é o da exigênciade culpa — artigo 483.º do Código Civil.

Recordando os pressupostos da responsabi-lidade civil, na formulação corrente na doutrina— ut P. de Lima e A. Varela, Código Civil Ano-tado, vol. I, pág. 471 —, eles são: a) o facto; b) aílicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) odano; e) um nexo de causalidade entre o facto e odano.

Todos estes requisitos, como elementos quesão do direito à indemnização, são constitutivosdesse direito, devem ser provados pelo lesado —artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

As excepções a este princípio — e muitassão — devem ser clara e explicitamente formula-das nos preceitos legais que as contemplam.

Ora, o artigo 54.º do Decreto n.º 360/71, nodesenvolvimento do n.º 2 da base XVII da Lein.º 2127, apenas contempla a presunção deculpa nos seguintes termos:

— «Para efeito do disposto no n.º 2 da baseXVII, considera-se ter resultado de culpa da en-tidade patronal ou do seu representante o aci-dente devido à inobservância dos preceitos legaise regulamentares, assim como de directivas dasentidades competentes, que se refiram à higienee segurança do trabalho.»

Nada no preceito aponta no sentido de a pre-sunção nele consagrada abranger o nexo de cau-salidade.

Bem ao contrário, a expressão nele contida‘acidente devido à inobservância’ é incompatívelcom esse entendimento.

Seria muito estranho que o legislador, se qui-sesse afirmar a presunção em termos tão abran-gentes, deixasse ficar a palavra ‘devido’, cujosentido aponta claramente para a exigência donexo de causalidade, deixando-o de fora da pre-sunção.»

Não vemos razões para alterar esta jurispru-dência.

3. Retomando o caso dos autos, não há dúvi-das sobre a verificação de inobservância das re-gras de segurança estabelecidas no RegulamentoGeral de Segurança e Higiene no Trabalho nasMinas e Pedreiras, constante do Decreto-Lein.º 162/90, de 22 de Maio.

Na verdade:— O autor e o seu colega, que estavam, desa-

companhados do encarregado geral, a tapar um

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233 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

furo que haviam aberto na rocha, carregado compólvora, não eram possuidores da cédula de ope-rador de explosivos, em violação do artigo 85.º,n.º 3, daquele Regulamento; e

— Serviam-se para o efeito de um atacador deferro com ponta de bronze, em desrespeito doartigo 96.º, n.º 4, do mesmo Regulamento, emque se dispõe que «o atacador deve ser de ma-deira ou de outros materiais que não produzamfaísca ou cargas eléctricas quando em contactocom as paredes do furo»;

— Além de que o encarregado geral, JoãoPrates, habilitado com a cédula de operador,tendo estado presente no início dos trabalhos etendo introduzido os cartuchos de pólvora nofuro, deslocou-se para outra pedreira antes de ostrabalhos no furo estarem concluídos e o furoestar tapado, não se encontrando presente nomomento do acidente, em violação do artigo 99.ºdo mesmo Regulamento, em que se estabeleceque «o operador deve ser a última pessoa a aban-donar o local onde irá ocorrer a explosão» e que,antes de o fazer, deve certificar-se de que nãohaverá perigo para terceiros e que todos os tra-balhadores encontram em situação protegida».

Houve, pois, inobservância das normas legaisde segurança.

4. Mas, como atrás se concluiu, não basta averificação de tal inobservância, sendo necessá-ria mais a prova de que o acidente ocorreu emvirtude de tal violação, ou seja, a prova do nexode causalidade entre a violação das normas e oacidente.

E essa prova não foi feita.Foi, aliás, escassa a factualidade alegada nos

articulados com interesse para esta questão.Por isso, ao questionário foi levado apenas o

quesito 4.º — «Devido à faísca provocada pelocontacto do ferro do atacador com a rocha naparede interior do furo, a pólvora incendiou-se eprovocou uma violenta explosão?» — que mere-ceu resposta de «Não provado».

Com algum interesse vem ainda provado que:

— O autor tinha experiência na manipulaçãode explosivos — resposta ao quesito 5.º; e

— A ré Martoti sempre deu instruções nosentido de na realização das tarefas com ma-nuseamento de explosivos ser obrigatória a in-tervenção do encarregado geral, João Prates —resposta ao quesito 13.º

Nada mais se provou com relevancia para averificação do nexo de causalidade, desconhe-cendo-se as causas do acidente, como correcta-mente se salienta na sentença da 1.ª instância.

Ora, como resulta do atrás decidido, nãobasta dizer-se — como se diz no douto acórdãorecorrido — que a «violação das regras de segu-rança no trabalho não foi indiferente à ocorrênciado acidente, dada a presunção de culpa advindado artigo 54.º do Decreto n.º 360/71», antes sendonecessário que o acidente tenha resultado dessaviolação.

Esta a interpretação que demos ao preceitodo artigo 54.º do Decreto n.º 360/71.

E uma tal prova competia à ré seguradora, namedida em que a subsidiariedade da sua respon-sabilidade tem como pressuposto a culpa daentidade patronal ou do seu representante —bases XVII, n.º 2, e XLIII, n.º 4, da Lei n.º 2127.

Termos em que será ela, seguradora, a respon-sável em via principal.

IV

Na conformidade do que fica exposto, seacorda na Secção Social do Supremo Tribunal deJustiça em conceder a revista, revogando o doutoacórdão recorrido, para subsistir a sentença da1.ª instância, tendo em conta que à ré SociedadePortuguesa de Seguros, S. A., sucedeu a Compa-nhia de Seguros Allianz Portugal, S. A., con-forme se demonstra pelo documento de fls. 171.

Custas por esta recorrida.

Lisboa, 11 de Outubro de 2000.

José Mesquita (Relator) — Almeida De-veza — Azambuja Fonseca.

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234 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

I — No mesmo sentido, além da jurisprudência citada no texto, o acórdão do Supremo Tribunalde Justiça de 29 de Setembro de 1999, processo n.º 168/99 (4.ª Secção).

II — Cfr., no regime actual, os artigos 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 7.º doDecreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

(C. C.)

Nulidade do acórdão da Relação — Arguição — Acidente detrabalho — Culpa da entidade patronal — Ónus da prova

I — Em processo laboral, a arguição de nulidade do acórdão da Relação deveefectuar-se no requerimento de interposição do recurso (artigo 72.º, n.º 1, do Código deProcesso do Trabalho de 1981).

II — Quando os fundamentos invocados no acórdão sejam inidóneos para conduzirà decisão tomada, verifica-se um erro de julgamento e não a nulidade de decisão.

III — De harmonia com o disposto no n.º 2 da base XVII da Lei n.º 2127, de 3 deAgosto de 1965, se o acidente de trabalho tiver resultado de culpa da entidade patronalou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas.

IV — A culpa da entidade patronal ou do seu representante na produção do aci-dente de trabalho abrange não só a culpa grave mas também a simples culpa ou negli-gência.

V — Para que se verifique a culpa da entidade patronal na produção do acidentede trabalho, não basta a violação por parte daquela de normas legais e regulamentaressobre higiene e segurança no trabalho, sendo também necessária a prova de que oacidente ocorreu em virtude dessa violação, isto é, a prova do nexo de causalidade entrea violação daquelas normas e o acidente.

VI — Cabe à entidade seguradora o ónus da prova da inobservância por parte daentidade patronal das normas legais e regulamentares sobre segurança no trabalho, pora subsidiariedade da sua responsabilidade ter como pressuposto a culpa da entidadepatronal ou do representante desta na produção do acidente.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 25 de Outubro de 2000Processo n.º 1921/2000

ACORDAM na Secção Social do SupremoTribunal de Justiça:

Maria de Lurdes Duarte Silva e sua filha me-nor, Diana Celeste da Silva Correia, esta repre-sentada pela primeira e ambas patrocinadas peloMinistério Público, intentaram no Tribunal doTrabalho de Gondomar acção especial emergentede acidente de trabalho contra Mapfre SegurosGenerales, S. A.

Alegaram, em síntese, ser a autora Maria deLurdes viúva e a autora Diana Celeste filha deJaime da Conceição Correia, vítima mortal deacidente de trabalho no dia 1 de Abril de 1997,quando trabalhava sob a autoridade, direcção efiscalização de Vendap — Sociedade Portuguesade Aluguer e Venda de Equipamentos, L.da, e exer-cendo as funções inerentes à sua categoria pro-fissional, que eram à data do acidente de condutorde máquinas e aparelhos de elevação e trans-porte de 1.ª, estando a responsabilidade infor-

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235 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

tunística transferida para a ré, mediante com-petente contrato de seguro de acidentes de tra-balho.

Após articularem os factos atinentes à viabi-lidade das suas pretensões, finalizaram pela pro-cedência da acção, com as seguintes consequên-cias: ser a ré seguradora condenada a pagar-lhes:

I — Uma pensão anual e vitalícia para a viúvade 556 191$00, em duodécimos e no seu domicí-lio, até perfazer 65 anos, a pensão anual e vitalí-cia no montante de 741 589$00, após os 65 anos,acrescida de uma prestação de valor igual aomontante do duodécimo de tal pensão, a pagarem Dezembro de cada ano;

II — Uma pensão anual e temporária para afilha no montante de 370 794$00, até perfazer18, 21 e 24 anos nos termos da base XIX, n.º 1,alínea d), acrescida de uma prestação de valorigual ao montante do duodécimo e de tal pensão,a pagar em Dezembro de cada ano;

III — Despesas de transporte no montantede 6000$00;

IV — Juros legais (artigo 138.º Código de Pro-cesso do Trabalho).

Na contestação a ré defendeu que o acidentedos autos ocorreu por falta das mais elementaresregras de segurança no trabalho, razão pela qual asua responsabilidade será apenas subsidiária, nostermos do n.º 4 da base XLIII, conjugada com odisposto na base XVI e artigo 54.º do Decreto--Lei n.º 360/71, tendo ainda requerida a inter-venção principal da Vendap — Sociedade Portu-guesa de Aluguer e Venda de Equipamentos, L.da

Admitido o incidente, veio a Vendap, L.da,contestar, declinando a sua responsabilidade,imputando-a à sociedade CME — Construção eManutenção Electromecânica, S. A., por ter sidoesta a responsável única pelo trânsito da gruapelo caminho onde ela capotou e por isso reque-reu a intervenção desta sociedade. Mais aduziuque, se, houve desrespeito pelas mais elementa-res regras de segurança no trabalho, a ela nãopode ser atribuída, por se ter limitado a alugaruma máquina para ser utilizada pelo dono daobra ou pelo empreiteiro, ainda que com con-dutor.

O incidente foi admitido tendo o M.mo Juizordenado a citação da CME — Construção eManutenção Electromecânica, S. A.

Contestou a chamada sustentando a improce-dência da acção.

Prosseguindo os autos seus regulares termoscom a prolação do saneador e elaboração da espe-cificação e do questionário, tendo aquela ficadoirrecorrido e estes irreclamados, após audiênciade discussão e julgamento e das respostas aosquesitos, proferida foi sentença, que decidiu:

1.º — Condenar a ré Vendap — SociedadePortuguesa de Aluguer e Venda de Equipamen-tos, L.da, a pagar à viúva — a autora Maria deLurdes Duarte Silva — uma pensão anual e vita-lícia agravada, de 30% para 50%, a partir de 2 deAbril de 1997, no montante de 926 984$00, até àidade de 65 anos e uma pensão anual, agravadade 40% para 60%, no valor de 1 112 380$00, apartir desta idade;

2.º — Condenar a ré Vendap a pagar à filha— a autora Diana Celeste da Silva Correia —uma pensão anual temporária, agravada de 20%para 40%, a partir de 2 de Abril de 1997, nomontante de 741 589$00, até perfazer a idade de18, 21 ou 24 anos;

3.º — Condenar a ré Vendap a reembolsar a réseguradora no valor de todas as pensões provi-sórias e juros destas desde a data em que forampagas às autoras;

4.º — Condenar a ré Vendap a pagar às auto-ras a quantia de 6000$00 gasta em transportes,acrescida dos juros à taxa legal, desde as datas emque esta quantia e as pensões deveriam ter sidopostas à disposição das autoras — tendo-se aquiem consideração os montantes de pensões pro-visórias pagas pela seguradora para efeitos decálculo destes juros — até efectivo pagamentoàs pensionistas;

5.º — Condenar a ré Vendap a reembolsar oCentro Regional de Segurança Social do Norte nomontante de 29 130$00;

6.º — Absolver a ré CME — Construção eManutenção Electromecânica, S. A., do pedido;

7.º — Condenar a ré Mapfre Seguros Gene-rales, S. A., a título subsidiário:

a) A pagar uma pensão anual e vitalícia àviúva do sinistrado, desde 2 de Abril de1997, no montante de 556 191$00, atéperfazer 65 anos de idade, e uma pensãoanual e vitalícia de 741 589$00, após os65 anos de idade;

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236 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

b) Uma pensão anual e temporária, desde2 de Abril de 1997, à filha do sinistrado,no montante de 370 794$00, até perfazer18, 21 e 24 anos;

c) As despesas de transporte no montantede 6000$00;

d) A reembolsar o Centro Regional de Se-gurança Social do Norte no montante de29 130$00.

Com esta sentença não se conformou aVendap, que dela interpôs recurso para a Rela-ção do Porto, tendo este venerando Tribunal,por acórdão de 20 de Dezembro de 1999, julgadoprocedente a apelação.

Consequentemente, revogou a sentença naparte em que condenou a ré Vendap. Condenou aré seguradora nos termos do pedido formuladona petição inicial, isto é, a pagar uma pensãoanual e vitalícia de 556 191$00 à autora viúva dosinistrado e uma pensão anual e temporária àfilha autora menor de 370 794$00, emduodécimos, com início em 2 de Abril de 1997,acrescendo, em Dezembro de cada ano, um duo-décimo a título de subsídio de Natal, bem como6000$00 das despesas de transporte, 29 130$00de reembolso ao Centro Regional de SegurançaSocial do Norte e juros de mora respectivos,absolvendo do pedido as rés intervenientes.

Irresignada, recorreu a Mapfre — Companhiade Seguros, S. A., interpondo a presente revista,tendo o Ministério Público, em representaçãodos autores, interposta revista subordinada, re-cursos que foram recebidos.

Na sua douta alegação formula a recorrente asseguintes conclusões:

1.ª — A douta sentença proferida em 1.ª ins-tância valorou correctamente toda a matéria defacto provada e fez uma correcta aplicação dodireito à mesma.

2.ª — A decisão final deve ponderar toda aprova produzida nos autos quer seja documentalquer seja testemunhal, o que o douto acórdãonão fez.

3.ª — Do relatório do IDICT, cujo conteúdose dá aqui por integralmente reproduzido paratodos os devidos e legais efeitos, resulta queaquela entidade considerou ter existido desres-

peito pelas normas de segurança quer da enti-dade empregadora do infeliz sinistrado quer porparte do dono da obra.

4.ª — Constatou o IDICT que o local dosautos era um caminho com cerca de 70 anos,caminho de terra batida, no qual se constatou a«existência de largos períodos acumulação (em-poçamento) de água».

5.ª — Do mesmo relatório resulta que daanálise feita ao suporte das terras foi constatadoo «visível apodrecimento das lajes, provavel-mente causado pela antiguidade e infiltração daságuas», e que

6.ª — «Na zona do acidente a largura do cami-nho era de 3 m e 70 cm (berma a berma) [...] quea berma norte desse caminho é limitada por arbo-rização».

7.ª — O IDICT concluiu que o acidente dosautos deveu-se a falta de adequadas medidas deprevenção, no que respeita a acesso ao local detrabalho; organização do trabalho; inconformação;planificação de segurança.

8.ª — Concluiu o IDICT que a entidade em-pregadora do infeliz sinistrado infrigiu as seguin-tes disposições legais: Decreto n.º 41 821, de 11de Agosto de 1958, nomeadamente artigo 157.º,em conjugação com o disposto no artigo 18.º, doDecreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho; Decreto--Lei n.º 155/97 (o qual transpõe para a ordemjurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, refe-rente às prescrições mínimas de segurança esaúde no trabalho a aplicar nos estaleiros tem-porários ou móveis) nomeadamente o artigo 8.º,n.º 1, alínea b), e n.º 2; a Portaria n.º 101/96, de 3 deMarço, nomeadamente atento o disposto no ar-tigo 19.º, n.º 2, ex vi o artigo 14.º do Decreto--Lei n.º 155/95, de 1 de Julho; o Decreto-Lein.º 441/91, de 14 de Janeiro, nomeadamente oconsagrado no artigo 8.º, n.os 1 e 2, alíneas b) e d),e artigo 9.º, n.º 1, alínea a); os direitos e deveresgerais previstos na LCIT aprovada pelo De-creto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de1969, normativos que aqui se dão por integral-mente reproduzidos para todos os devidos elegais efeitos.

9.ª — Do relatório do IDICT foi ainda com-provada a existência de responsabilidade crimi-nal por violação dos artigos 277.º, n.º 1, alínea a),272.º, n.º 1, alínea f), e 285.º, todos do CódigoPenal aplicável.

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237 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

10.ª — Foi levantado auto de notícia contra aré Vendap.

11.ª — O legislador apesar de obrigar as enti-dades empregadoras a transferir o risco decor-rente de acidentes de trabalho para as seguradoras,entendeu que as mesmas seriam responsáveisdirectamente pela indemnização a atribuir aoslesados quando ocorra a violação de regras desegurança, higiene e saúde no trabalho.

12.ª — Responsabilidade consagrada nabase XLIII, n.º 4, em conjugação com a base XVI,da Lei n.º 2127 e o artigo 54.º do Decreto- -Lein.º 360/71.

13.ª — O douto acórdão em crise analisa porseu turno uma questão não suscitada pelas par-tes, ou seja, a questão controvertida dos autosnão era a qualificação do evento como acidentede trabalho, porquanto todas as partes, nomea-damente a ora recorrente, aceitaram o acidentecomo de trabalho bem como o nexo causal damorte com o evento.

14.ª — Mas sim a comprovação ou não daviolação das normas de segurança por parte daentidade patronal do falecido Jaime Correia, aora ré Vendap, L.da

15.ª — A posição assumida pela ora recor-rente e vertida no seu articulado foi no sentidode afirmar que a sua segurada Vendap, entidadeempregadora do infeliz trabalhador devia respon-der em primeira linha pela indemnização a atri-buir aos herdeiros do infeliz sinistrado, atenta aexistência de culpa daquela por aplicação do dis-posto no artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 360/71,respondendo a ora recorrente apenas subsidia-riamente.

16.ª — Da audiência de discussão e julga-mento resultou demonstrado que «não havia umplano de segurança e saúde elaborado previamentepelo dono da obra, e que foi no local que o sinis-trado condutor da grua e o encarregado decidiramcomo deveriam operar, sem conhecimento doscondicionalismos geológicos do terreno».

17.ª — A testemunha Álvaro Ramos Araújo,director da Vendap, refere no seu depoimentoque «o terreno era enganador; a olho nu o terrenooferecia garantias e após o acidente verificou-seque cerca de 1 m abaixo da superfície do caminhoexistia areia».

18.ª — Da prova produzida em sede de au-diência de discussão e julgamento e em face da

matéria de facto dada como provada, o M.mo Juizdo Tribunal de 1.ª Instância veio a proferir sen-tença na qual, com todo o rigor e isenção (e diga--se com alguma coragem), condenou a entidadeempregadora do infeliz sinistrado, atenta aprova de culpa daquela nos termos do artigo 54.ºdo Decreto-Lei n.º 360/71.

19.ª — Porquanto ficou provado que, «quandoa referida grua se encontrava parada num cami-nho de terra, captou no sentido da berma sul docaminho, arrastando o referido Jaime nesse mo-vimento.

20.ª — Que «a grua móvel conduzida pelosinistrado pesa cerca de 43 t e tinha capacidadede elevação de 70 t e de comprimento 10,90 m».

21.ª — Que «o caminho a percorrer pela gruamanobradora até à torre a construir era de terrabatida, sendo o caminho público há mais de 70anos».

22.ª — Que «o caminho no local do acidenteapresentava uma cota superior a 3,10 m em rela-ção ao terreno de cultivo».

23.ª — Que «em algumas zonas do caminho,nomeadamente no local do acidente, havia em-poçamento de águas durante largos períodos detempo».

24.ª — Que, «atendendo às características docaminho, da grua, da existência de árvores quecircundam o local, a grua deslocava-se em mar-cha atrás».

25.ª — Que «o sinistrado orientava a sua con-dução pelos espelhos retrovisores e por sinali-zação gestual efectuada pelo encarregado AntónioSilva Parente e dois trabalhadores, que acompa-nhavam a operação».

26.ª — Que «a existência de ramos das árvo-res circundantes motivou que alguns trabalhado-res tivessem que subir para cima do braço dagrua para se efectuar o seu corte, para que a gruapudesse progredir».

27.ª — Que «e no momento em que a gruamóvel se encontra parada para se proceder aocorte de um desses ramos, com um trabalhador aefectuar essa tarefa em cima do braço da grua,que o terreno por baixo da grua aluiu, a que sejuntou a derrocada de um muro que servia desuporte e sustentação do caminho à cota referidaem R)».

28.ª — Que «o muro em laje sem qualquermaterial de ligação e já apodrecido, cedeu, tendo

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238 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

a grua e o seu condutor caído como se refereem D)».

29.º — Que, «apesar das insistências para quefosse mostrada a planificação da própria exe-cução da obra, designadamente quanto à tarefa aser desempenhada pelo sinistrado, tal nunca acon-teceu».

30.ª — Que «os próprios trabalhadores, in-cluindo o sinistrado, não receberam informação

31.ª — Ou esclarecimentos quanto à naturezados terrenos.»

32.ª — E realização da própria tarefa.33.ª — Que «foi no local que os trabalhadores

e encarregado decidiram o modus operandi a se-guir, «sem total conhecimento dos condiciona-lismos geológicos do terreno».

34.ª — Indicada a matéria de facto provada eindicada a lei aplicável, resta fazer a correspon-dência da lei aos factos para obter a decisão final.

35.ª — E foi o que o M.mo Juiz do Tribunal de1.ª Instância fez e fê-lo de forma correcta, pon-derada e com rigor.

36.ª — De facto resultou dos autos que naobra para a qual se deslocava a grua não existiaqualquer plano de segurança do dono da obra —a REN — Rede Eléctrica do Norte.

37.ª — Contudo, tal facto não exonera à réVendap, entidade empregadora do infeliz JaimeCorreia, de se ter assegurado do cumprimentodas regras de segurança, nomeadamente, comomuito bem refere a douta sentença de 1.ª instân-cia, o disposto no «Decreto n.º 41 821 e nosDecretos-Leis n.os 441/91, de 14 de Novembro, e155/95, de 1 de Julho, e na Portaria n.º 101/96, de3 de Abril. Imperativos legais aplicáveis à con-duta da ré Vendap.

38.ª — O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 441/91,de 14 de Novembro, o qual se dá aqui por inte-gralmente reproduzido para todos os devidos elegais efeitos, menciona quais as obrigações ge-rais do empregador.

39.ª — O artigo 9.º do mencionado decreto--lei refere a informação e consulta dos trabalha-dores que deve ser fornecida pela entidade em-pregadora.

40.ª — Ora, dos autos resulta demonstradoque não existia planificação da execução da obra,«designadamente quanto à tarefa a ser desempe-nhada pelo sinistrado», «os próprios trabalha-dores, incluindo o sinistrado, não receberam

informação», «ou esclarecimento quanto à natu-reza dos terrenos», e «realização da própria ta-refa» e «foi no próprio local que os trabalhadorese encarregado decidiram o modus operandi a se-guir», «sem total conhecimento dos condiciona-lismos geológicos do terreno».

41.ª — Em face desta factualidade entendeu odouto tribunal de 1.ª instância, e muito bem, queocorreu culpa da entidade patronal do ora sinis-trado na ocorrência do acidente dos autos, apli-cando-se o disposto nas bases XXVII, n.º 2, eXLIII, n.º 4, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de1965.

42.ª — Culpa agravada em face de todo o cir-cunstancialismo vertido na própria sentença.

43.ª — O recurso intentado pela ré Vendap,L.da, da sentença proferida em 1.ª instância nãotem qualquer fundamento, porquanto o infelizsinistrado era de facto trabalhador daquela, por-quanto

44.ª — Resultou da matéria de facto provadaque o falecido Jaime Correia fora admitido aoserviço da ré Vendap em 12 de Março de 1990para trabalhar sob a autoridade, direcção e fisca-lização desta, exercendo funções inerentes à suacategoria profissional, que eram à data do eventoas de condutor de máquinas e aparelhos de eleva-ção e transporte de 1.ª, e que

45.ª — Em 1 de Abril de 1997, pelas 10.30 ho-ras, o falecido Jaime conduzia uma grua automó-vel marca Grove AT880, pertencente à ré Vendape nessa altura alugada à ré CME.

46.ª — Da matéria de facto provada resultainequívoco que o infeliz Jaime era de facto traba-lhador subordinado da ré Vendap, pois foi estaquem o contratou para prestar serviço sob a suaautoridade e direcção e era esta quem lhe pagavaa remuneração.

47.ª — Quanto a esta questão o douto acórdãoacaba por confirmar que de facto a entidade pa-tronal do sinistrado é a ré Vendap.

48.ª — No que concerne às normas de segu-rança no trabalho, a ré Vendap, não invoca umúnico facto (provado) que demonstre que nãoocorreu qualquer violação das mesmas da suaparte.

49.ª — E é aqui que infelizmente o doutoacórdão da Relação incorre em erro, porquantonunca foi alegado que o evento dos autos deveu--se a «culpa» do próprio sinistrado.

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239 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

50.ª — Ao contrário do que afirma o doutoacórdão, o acidente não resultou por qualqueracto ou omissão do trabalhador sinistrado nemtal facto foi sequer carreado para os autos nemalegado pelas partes!

51.ª — Nenhuma das partes processuais dospresentes autos alegou a descaracterização doacidente em causa como trabalho por existênciade culpa grave ou indesculpável da vítima nem apresente lide foi configurada com base em talfactualidade.

52.ª — É ainda de ponderar o facto de que oveículo conduzido pelo infeliz sinistrado não eraum veículo automóvel normal, mas uma grua au-tomóvel, com pesava cerca de 43 t com capaci-dade de elevação de 70 t e com um comprimentode 10,90 m.

53.ª — Veículo que teve de atravessar um ter-reno com mais de 70 anos, ladeado por árvoresque dificultavam o seu percurso, sendo que nolocal havia empoçamento de águas durante lar-gos períodos.

54.ª — O próprio acórdão acaba por afirmarque, «atendendo às características do caminho,da grua, da existência de árvores que circundam olocal, a grua deslocava-se em marcha atrás».

55.ª — E qual a razão? Por que não circulavanormalmente?

56.ª — Porque atenta a falta de informação eesclarecimentos prestados ao manobrador dagrua, o infeliz Jaime Correia, foi, em face doscircunstancialismos concretos da altura, que estee os restantes trabalhadores decidiram o modusoperandi a seguir por forma a chegar ao local daobra.

57.ª — Não é possível, em face da matéria defacto provada e vertida na douta sentença profe-rida pelo tribunal de 1.ª instância, que o doutoacórdão venha concluir que «da factualidade pro-vada não resultou quaisquer indícios de infrac-ção às regras de segurança».

58.ª — Quanto ao argumento invocado pelodouto acórdão da Relação sobre a procedência daconclusão e) do recurso intentado pela ré Vendap,cumpre referir o seguinte: o mesmo não tem qual-quer fundamento, revelando um total desconhe-cimento de todo o processo dos autos bem comoda própria fundamentação da douta sentençaproferida em 1.ª instância.

59.ª — À conclusão vertida na alínea e) dasconclusões do recurso de apelação intentado pelaré Vendap, a ora recorrente apenas contrapõe oque afirmou em sede de contra-alegação, ou seja:«Não existe qualquer suposição, nem ausênciade base factual, no que presidiu a decisão dodouto tribunal a quo, porquanto, bem sabe a ré,ora apelante, que a sua defesa foi sempre no sen-tido de alegar não saber, não ter a direcção efec-tiva dos trabalhos. Pelo que, efectivamente nãopreveniu o acidente, não informou o sinistrado,não se preocupou em sequer saber como seriaefectuado o trabalho.»

60.ª — A manter a decisão proferida pelodouto acórdão da Relação do Porto, é de negar omérito da douta sentença de 1.ª instância, a qualzelou pela aplicação do consagrado nas basesXXVII, n.º 2, e XLIII, n.º 4, da Lei n.º 2127, de 3de Agosto de 1965, e no artigo 54.º do Decreto--Lei n.º 360/71.

61.ª — Violou o douto acórdão da Relação asseguintes disposições: o Decreto n.º 41 821, de11 de Agosto de 1958, nomeadamente artigo157.º, em conjugação com o disposto no artigo18.º do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho; oDecreto-Lei n.º 155/97 (o qual transpõe para aordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE,referente às prescrições mínimas de segurança esaúde no trabalho a aplicar nos estaleiros tem-porários ou móveis), nomeadamente o artigo 8.º,n.º 1, alínea b), e n.º 2; a Portaria n.º 101/96, de 3de Março, nomeadamente atento o disposto noartigo 19.º, n.º 2, ex vi do artigo 14.º do Decreto--Lei n.º 155/95, de 1 de Julho; o Decreto-Lein.º 441/91, de 14 de Janeiro, nomeadamente oconsagrado nos artigos 8.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas b)e d), e no artigo 9.º, n.º 1, alínea a); os direitos edeveres gerais previstos na LCIT aprovada peloDecreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de1969.

62.ª — Violou ainda o disposto nas basesXXVII, n.º 2, e XLIII, n.º 4, da Lei n.º 2127, de3 de Agosto de 1965, e no artigo 54.º do Decreto--Lei n.º 360/71.

63.ª — Violou ainda o disposto nos artigos659.º e 668.º, n.º 1, alíneas c) e d), ambos doCódigo de Processo Civil.

Com base nestas conclusões requerem a revo-gação do acórdão, confirmando-se a decisão pro-ferida em 1.ª instância.

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240 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

O Ministério Público veio então desistir dointerposto recurso subordinado, desistência quefoi declarada válida.

Não houve qualquer contra-alegação e aEx.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremoentendeu não dever pronunciar-se dado os auto-res serem patrocinados pelo Ministério Público,em obediência ao princípio da igualdade de ar-mas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Vejamos, em primeiro lugar, os factos dadoscomo assentes no acórdão recorrido e que são osseguintes:

1 — As autoras são, respectivamente, viúva efilha do trabalhador sinistrado, Jaime da Concei-ção Correia, falecido em 1 de Abril de 1997.

2 — O falecido fora admitido ao serviço da réVendap em 12 de Março de 1990, para trabalharsob a autoridade, direcção e fiscalização desta,exercendo as funções inerentes à sua categoriaprofissional, que eram, à data do evento, a decondutor de máquinas e aparelhos de elevação etransporte de 1.ª

3 — Em 1 de Abril de 1997, pelas 10.30 horas,o falecido Jaime conduzia uma grua automóvel,marca Grove AT880, pertencente à ré Vendap, enessa altura alugada à ré CME, na área da fregue-sia de Medas, Gondomar, para o local da cons-trução de uma torre metálica, em Broalhos, destemesmo concelho.

4 — Quando a referida grua se encontravaparada num caminho de terra, capotou no sen-tido da berma sul do caminho, arrastando o refe-rido Jaime nesse movimento.

5 — Vindo este a sofrer lesões traumáticastorácicas, descritas no relatório da autópsia afls. 82-101, as quais, como consequência directae imediata, lhe determinaram a morte.

6 — O sinistrado auferia 107 650$00 x 14meses, acrescidos de 53 355$00 x 12 meses deoutras retribuições.

7 — A ré Vendap tinha a sua responsabili-dade transferida para a ré Mapfre através da apó-lice de seguro n.º 1509470100-424, pelos mon-tantes referidos.

8 — Na tentativa de conciliação, a ré segura-dora aceitou a existência de seguro pelos valores

mencionados, do acidente como de trabalho, bemcomo o nexo de causalidade entre o acidente e amorte do sinistrado.

9 — A viúva gastou em transportes, nasdeslocações ao tribunal, a quantia de 6000$00.

10 — A Diana Celeste nasceu em 16 de Ou-tubro de 1985.

11 — O Centro Regional de Segurança So-cial do Norte pagou à autora viúva a quantia de29 130$00, a título de subsídio de funeral davítima.

12 — A tarefa desempenhada pelo sinistradoestava integrada na construção de uma torre me-tálica, em Medas, Gondomar.

13 — A referida tarefa consistia no trans-porte para o local da construção da torre de ele-mentos pré-fabricados para erguer a referida torre.

14 — A grua automóvel destinava-se a levan-tar vários módulos da torre, que teria, a final,cerca de 50 m de altura.

15 — A grua automóvel conduzida pelo si-nistrado pesa cerca de 43 t e tinha capacidade deelevação de 70 t e de comprimento 10,90 m.

16 — O caminho a percorrer pela grua mano-bradora até à torre a construir era de terra batida,sendo caminho público há mais de 70 anos.

17 — O caminho, no local do acidente, apre-senta, a sul, uma cota superior a 3,10 m em rela-ção ao terreno de cultivo.

18 — Em algumas zonas do caminho, nomea-damente no local do acidente, havia empoçamentode águas durante largos períodos de tempo.

19 — Atendendo às características do cami-nho, da grua, da existência de árvores que circun-davam o local, a grua deslocava-se em marchaatrás.

20 — O sinistrado orientava a sua conduçãopelos espelhos retrovisores e por sinalizaçãogestual efectuada pelo encarregado AntónioSilva Parente e dois trabalhadores, que acompa-nhavam a operação.

21 — A existência de ramos de árvores circun-dantes motivou que alguns trabalhadores tives-sem que subir para cima do braço da grua, para seefectuar o seu corte, a fim de que a grua pudesseprogredir.

22 — É no momento em que a grua se encon-tra parada, para se proceder ao corte de um des-ses ramos, com um trabalhador a efectuar essatarefa em cima do braço da grua, que o terreno

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por baixo da grua aluiu, a que se juntou a derro-cada de um muro que servia de suporte e susten-tação do caminho, à cota superior a 3,10 m.

23 — O muro em laje, sem qualquer materialde ligação, e já apodrecido, cedeu, tendo a grua eo seu condutor caído como se refere em 4.

24 — O acidente foi averiguado pelo IDICT,cujo relatório consta de fls. 38 a 58.

25 — Além do sinistrado, faleceu outro tra-balhador, e outro ficou gravemente ferido, emconsequência do acidente.

26 — A dona da obra era a REN — RedeEléctrica do Norte, pertencente ao grupo EDP equem a adjudicou foram as empresas CME,S. A., também, a Cobra, S. A., e a Intradel, S. A.

27 — Apesar das insistências para que fossemontada a planificação da própria execução daobra, designadamente quanto à tarefa a ser desem-penhada pelo sinistrado, tal nunca aconteceu.

28 — Os próprios trabalhadores, incluindo osinistrado, não receberam informação ou esclare-cimento quanto à natureza do terreno.

29 — E realização da própria tarefa.30 — Foi no próprio local que os trabalhado-

res e encarregado decidiram o modus operandi aseguir, sem total conhecimento dos condiciona-lismos geológicos do terreno.

31 — Quem orientou o trânsito da grua foi opessoal da CME.

32 — A grua foi alugada à CME para apoioem montagem de portes, em Crestuma.

33 — A Vendap alugou à CME a grua queaquela considerou adaptada às características dotrabalho que lhe foram comunicadas telefonica-mente.

34 — Era o sinistrado que tinha o conheci-mento do modo de operar a grua.

Estes os factos apurados que, por não seremobjecto do presente recurso nem enfermarem dequalquer vício, se têm por definitivamente fixa-dos.

Apreciemos então a revista, tendo em consi-deração que o âmbito do recurso se determinaface às conclusões da alegação do recorrente, sóabrangendo, por isso, as questões aí contidas,salvo se as mesmas fossem de conhecimento ofi-cioso.

Na conclusão 63.ª imputa a recorrente aoacórdão recorrido a violação do artigo 668.º,

n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil,ou seja, argui a nulidade do acórdão.

Com efeito, nos termos deste preceito legal,aplicável à 2.ª instância, por força do artigo 716.º,n.º 1, do mesmo Código, o acórdão será nuloquando os fundamentos estejam em oposiçãocom a decisão ou quando deixa de pronunciar-sesobre questões que devesse apreciar ou conheçade questões de que não podia tomar conheci-mento.

Ora, há muito que é jurisprudência deste Tri-bunal que no processo laboral as nulidades de-vem obrigatoriamente ser arguidas no requeri-mento de interposição do recurso, mesmo que setrate de recurso de revista, ou seja, o artigo 72.º,n.º 1, do Código de Processo do Trabalho temaplicação aos acórdãos proferido pela Relação.

(V., neste sentido, entre outros, os acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Feve-reiro de 1993, de 28 de Junho de 1994, de 19 deOutubro de 1994, de 18 de Janeiro de 1995, de8 de Março de 1995, de 25 de Outubro de 1995,de 17 de Janeiro de 1996, de 6 de Março de 1996e de 18 de Novembro de 1997, Acórdãos Dou-trinais, n.º 378, pág. 709, Colectânea de Juris-prudência — Acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça, ano II, tomo II, pág. 284, Boletim doMinistério da Justiça, n.º 440, pág. 242, Boletimdo Ministério da Justiça, n.º 443, pág. 257, Bole-tim do Ministério da Justiça, n.º 445, pág. 370,revistas n.os 4177, 4332, Colectânea de Juris-prudência — Acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça, ano IV, tomo I, pág. 266 e 268, e ano V,tomo III, pág. 293, respectivamente.)

Considerando que as invocadas nulidades nãoforam arguidas no requerimento da interposiçãodo recurso mas apenas na posterior alegação quea recorrente apresentou, por extemporaneidade,das mesmas não se pode tomar conhecimento.

Contudo, sempre se dirá que o acórdão recor-rido não enfermaria de qualquer nulidade.

A nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alí-nea c), pressupõe que os fundamentos invoca-dos na decisão deveriam conduzir logicamente aresultado oposto ao que nela ficou expresso. Ora,nada no aresto indicia que a fundamentação ali-nhada seguia num sentido e que depois a decisãoapontou para caminho oposto.

Quando os fundamentos sejam inidóneos paraconduzir à decisão, estamos perante um erro de

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242 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

julgamento e não em presença de nulidade da-quela.

Refere ainda a recorrente que o acórdão emcrise analisa uma questão não suscitada pelaspartes, a da qualificação do evento como acidentede trabalho, já que todas elas aceitaram que setratava de acidente de trabalho, dizendo tambémque nunca foi alegado que o evento se deveu aculpa do próprio sinistrado.

É evidente que o acórdão não cometeu qual-quer nulidade, ou seja, a de se pronunciar sobrequestões de que não podia tomar conhecimento.

Na verdade, o juiz não pode conhecer de ques-tão que as partes não tenham suscitado, salvo sea lei lhe consentir ou até impuser o conheci-mento oficioso e assim o acórdão da Relação se-ria nulo se tivesse conhecido de questão que ne-nhuma das partes submetera à apreciação dotribunal.

Todavia, se se conhece de questão indispen-sável à solução do litígio, ainda que não levan-tada pelas partes, não há nulidade.

Ora, o acórdão limitou-se a tecer considera-ções sobre a qualificação do acidente como detrabalho, aliás de acordo com o decidido na1.ª instância, como pressuposto da aplicação dasregras atinentes à averiguação dos seus respon-sáveis, tendo feito referência a eventuais incum-primentos por parte do condutor-manobrador,sem que disso tirasse consequências com vista àdescaracterização do acidente.

Postas estas considerações e expendidas ape-nas para um melhor convencimento da recor-rente, prossigamos.

Estamos, sem dúvida, na presunção de umacidente de trabalho, sendo ainda certo que osinistrado era trabalhador da Vendap.

A questão fulcral da acção consiste em saber aque título deverá responder a ré seguradora —principal ou subsidiário.

Condenada no acórdão em crise, a ré segura-dora insiste que deve apenas ser responsabili-zada a título subsidiário, defendendo a bondadedo julgado em 1.ª instância, que a condenou atítulo subsidiário.

Com efeito, dispõe o n.º 2 da base XVII da Lein.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, que, se o aci-dente tiver resultado de culpa da entidade patro-nal ou do seu representante, as pensões e indem-nizações serão agravadas segundo o prudente

arbítrio de juízo, até aos limites previstos nonúmero anterior.

Segundo o n.º 4 da base XLIII da mesma lei,nos casos previstos nos n.os 1 e 2 da base XVII,a instituição seguradora será apenas subsidiaria-mente responsável pelas prestações normais pre-vistas nesta lei.

Nos termos do artigo 54.º do Decreto-Lein.º 360/71, de 21 de Agosto, que regulamenta aLei n.º 2127, para efeito do disposto no n.º 2 dabase XVII, considera-se ter resultado de culpada entidade patronal ou do seu representante oacidente devido à inobservância de preceitos le-gais e regulamentares, assim como de directivasdas entidades competentes que se refiram à hi-giene e segurança de trabalho.

Tenha-se ainda em atenção que a culpa a quealude o n.º 2 da base XVII da Lei n.º 2127 abrangenão só a culpa grave mas também a mera culpaou negligência.

Na douta sentença da 1.ª instância concluiu--se que não havia plano de segurança e saúde, oque não desonera a entidade patronal de obser-var as regras de segurança impostas pelo Decreton.º 41 821 e pelos Decretos-Leis n.os 441/91, de14 de Novembro, e 155/95, de 1 de Julho, epela Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril. Ali se lêque «os artigos 8.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 441/91 impõem ao empregador a obrigação de asse-gurar aos trabalhadores as condições de segu-rança, higiene e saúde em todos os aspectosrelacionados com o trabalho, bem como a informá--los sobre os riscos para a segurança e saúde,bem como as medidas de protecção e de preven-ção e a forma como se aplicam. A ré Vendap nãoprovou que cumpriu estes deveres. Aliás, nemsequer o alegou.»

Mais se lê: «tendo em conta os factos apura-dos sobre esta matéria e acima referidos, nomea-damente o peso da grua: cerca de 43 t; a naturezado caminho: piso em terra empoçada de águasdurante largos períodos de tempo; desnível su-perior a 3,10 m, que era sustentado por um murode suporte em laje e sem qualquer material deligação e já apodrecido; falta de informação ouesclarecimento quanto à natureza dos terrenos erealização da própria tarefa; foi no local que ostrabalhadores e encarregado decidiram o modusoperandi a seguir, sem total conhecimento doscondicionalismos geológicos do terreno; a grua

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seguia de marcha atrás; necessidade de algunstrabalhadores subirem para cima do braço da gruapara cortarem os ramos das árvores e esta pu-desse prosseguir, temos de concluir que a réVendap actuou com culpa negligente. Violou re-gras elementares de prudência ao não informar oseu trabalhador dos cuidados que este deveriaadoptar e ao não providenciar pela mate-rialização das condições mínimas de segurançapara que a grua pudesse deslocar-se até ao localonde iria ser exigido o porte de forma segura.Violou o disposto nos artigos 8.º e 9.º do De-creto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, 8.º,n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 deJulho, e 157.º do Decreto n.º 41 821, de 11 deAgosto de 1958. Tanto basta para se apurar quehouve culpa da entidade patronal na ocorrênciado acidente.»

Por seu turno, o acórdão recorrido entendeuque «da factualidade provada não resultam quais-quer indícios de infracção às regras de segurançapor parte da entidade patronal, e do seu nexo decasualidade na produção do acidente, que fun-damente a atribuição à mesma de culpa peloocorrido».

Vejamos:Reza o artigo 157.º do Decreto n.º 41 821, de

11 de Agosto de 1958, que aprovou o Regula-mento da Segurança no Trabalho na ConstruçãoCivil, que os meios de acesso aos locais de traba-lho devem garantir toda a segurança.

Prescreve o artigo 8.º, n.os 1 e 2, alíneas b) ed), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novem-bro, que o empregador é obrigado a asseguraraos trabalhadores condições de segurança, hi-giene e saúde em todos os aspectos relaciona-dos com o trabalho. Deve integrar no conjuntodas actividades da empresa, estabelecimento ouserviço e a todos os níveis actividades a avalia-ção dos riscos para a segurança e saúde dostrabalhadores, com a adopção de convenientesmedidas de prevenção, planificar a prevençãona empresa, estabelecimento ou serviço numsistema coerente que tenha em conta a compo-nente técnica, a organização do trabalho, as re-lações sociais e os factores materiais inerentesdo trabalho.

Segundo o artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do mesmodiploma, os trabalhadores, assim com os seus

representantes na empresa, estabelecimento ouserviço, devem dispor de informação actualizadasobre os riscos para a segurança e saúde, bemcomo as medidas de protecção e de prevenção, ea forma como se aplicam, relativos quer ao postode trabalho ou função, quer, em geral, à empresa,estabelecimento ou serviço.

Estabelece o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lein.º 155/95, de 1 de Julho, que cabe aos empre-gadores garantir a observância das obrigaçõesgerais previstas no artigo 8.º do Decreto-Lein.º 441/91.

A Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, veio esta-belecer a regulamentação das prescrições míni-mas de segurança e saúde no trabalho.

Temos, pois, de averiguar se existiu inob-servância de preceitos legais e regulamentares, as-sim como de directivas das entidades compe-tentes, que se refiram à higiene e segurança do tra-balho e se, no caso afirmativo, elas foram directa enecessariamente causas do acidente. Não basta ainobservância das regras de segurança, sendoainda necessária a existência de um nexo causalentre essa inobservância e o sinistro. É o que re-sulta da própria letra da lei quando expressamenterefere «o acidente devido à inobservância».

Neste sentido decidiram, entre outros, os acór-dãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 deMaio de 1999, na revista n.º 369/98, de 11 deOutubro de 2000, na revista n.º 1808/2000, e de17 de Outubro de 2000, na revista n.º 1674/2000,todos da 4.ª Secção.

Naquele acórdão de 11 de Outubro de 2000,onde a questão foi analisada pormenorizada-mente, sustenta-se acertadamente que todos osrequisitos da responsabilidade civil, como ele-mentos que são do direito à indemnização, sãoconstitutivos desse direito e devem ser prova-dos pelo lesado — artigo 342.º, n.º 1, do CódigoCivil, devendo as excepções a este princípio serclara e explicitamente formuladas nos preceitoslegais que as contemplam. Mais se concluiu nodouto aresto que não basta a verificação de ino-bservância de normas legais de segurança, sendotambém necessária a prova de que o acidenteocorreu em virtude de tal violação, ou seja, aprova do nexo de causalidade entre a violaçãodas normas e o acidente.

Na doutrina veja-se Cruz de Carvalho, Aci-dentes de Trabalho e Doenças Profissionais,

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244 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

pág. 213, onde escreve: «Para que se considereter o acidente resultado de culpa da entidade pa-tronal, não basta ter havido uma inobservância(mesmo culposa) de preceitos legais sobre hi-giene e segurança, mais é necessário que se veri-fique nexo de causalidade entre tal inobservânciae o acidente.»

Atendendo agora à matéria de facto apurada,verificamos que:

O falecido Jaime Correia conduzia a grua trans-portando para o local de construção de uma torremetálica elementos pré-fabricados para erguer amesma;

Quando a referida grua se encontrava paradanum caminho de terra, capotou no sentido daberma sul do caminho, arrastando o referido Jaimenesse movimento;

A existência de ramos das árvores circundantesmotivou que alguns trabalhadores tivessem quesubir para cima do braço da grua para se efectuaro seu corte, para que a grua pudesse progredir;

É no momento em que a grua móvel se encon-trava parada para se proceder ao corte de umdesses ramos, com um trabalhador a efectuar essatarefa em cima do braço da grua, que o terrenopor baixo da grua aluiu, a que se juntou a derro-cada de um muro que servia de suporte e susten-tação do caminho a uma cota superior a 3,10 m.

Esta factualidade corresponde ao que especi-ficado foi nas alíneas C), N), D), V) e W).

Mais ficou especificado:

O caminho a percorrer pela grua manobradoraaté à torre a construir era de terra batida, sendocaminho público há mais de 70 anos [alínea Q)];

O caminho, no local do acidente, apresenta asul uma cota superior a 3,10 m em relação aoterreno de cultivo [alínea R)];

Em algumas zonas do caminho, nomeadamenteno local do acidente, havia empoçamento de águasdurante largos períodos de tempo [alínea S)];

Atendendo às características do caminho, dagrua, da existência de árvores que circundavam olocal, a grua deslocava-se de marcha atrás [alí-nea T)];

O sinistrado orientava a sua condução pelosespelhos retrovisores e por sinalização gestualefectuada pelo encarregado António Silva Pa-rente e dois trabalhadores, que acompanhavam aoperação [alínea U)];

O muro em laje, sem qualquer material de liga-ção e já apodrecido, cedeu, tendo a grua e o seucondutor caído como se refere em D) [alínea X)].

Através das respostas aos quesitos, provou--se ainda:

Apesar das insistências para que fosse mos-trada a planificação da própria execução da obra,designadamente quanto à tarefa a ser desempe-nhada pelo sinistrado, tal nunca aconteceu (que-sito 1.º);

Os próprios trabalhadores, incluindo o sinis-trado, não receberam informação (quesito 2.º);

Ou esclarecimento quanto à natureza dosterrenos (quesito 3.º);

E realização da própria tarefa (quesito 4.º);Foi no próprio local que os trabalhadores e

encarregado decidiram o modus operandi a se-guir (quesito 5.º);

Sem total conhecimento dos condicionalismosgeológicos do terreno (quesito 6.º).

Não se provou que:

Tendo em conta o peso da grua e a naturezageológica do terreno o caminho utilizado não erao apropriado para a passagem da grua (respostanegativa ao quesito 7.º);

A conduta correcta seria ter verificado os ter-renos e caso fosse possível apresentar outra si-tuação alternativa para a passagem de material epessoas (resposta negativa ao quesito 8.º);

Os trabalhos prévios de desobstrução do ca-minho a percorrer pela grua teriam evitado que,no momento do acidente, esta tivesse parado paraefectuar essa operação (resposta negativa ao que-sito 9.º);

No local onde a grua parou o terreno era sus-ceptível de aluir pela simples vibração do motor(resposta negativa ao quesito 10.º);

Após a descrição da matéria de facto a que seprocedeu, cuja repetição nos pareceu pertinentee relativa à génese do acidente, repare-se que foiformulado um quesito com vista à averiguaçãodo nexo de causalidade, o quesito n.º 11, queabarca toda a matéria de facto que acabamosde reproduzir constante da especificação e dasrespostas aos quesitos no qual se perguntava:«O acidente ocorreu por causa do referido nasalíneas Q), R), S), T), U), V), W) e X) e quesi-tos 1.º a 10.º ?»

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245 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

A resposta dada a este quesito 11.º foi a de«Não provado» (despacho de fls. 246).

Isto significa que não se fez prova de que ainobservância dos preceitos legais por parte daentidade empregadora no concernente à segu-rança, ainda que tivesse ocorrido, o que o acórdãoimpugnado afasta, tivesse sido causal do acidenteque vitimou o Jaime Correia.

E tal prova, como se diz no citado acórdão de11 de Outubro de 2000, competia à ré segura-dora, na medida em que a subsidiariedade da suaresponsabilidade tem como pressuposto a culpada entidade patronal ou do seu representante.

Pelo exposto, é a ré seguradora responsávelem via principal, pelo que se acorda em negara revista, confirmando-se o douto acórdão re-corrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Outubro de 2000.

Diniz Nunes (Relator) — Manuel Pereira —Mário Torres.

I — Constitui jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça. Para além dos acórdãoscitados no texto, ver ainda os acórdãos de 22 de Setembro de 1993 e de 28 de Outubro de 1997,publicados em Acórdãos Doutrinais, n.º 384, pág. 1322, e neste Boletim, n.º 470, pág. 483.

II — Não localizámos jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o ponto específico.

III e IV — Integra jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça. Ver os acórdãos de10 de Julho de 1996 e de 17 de Dezembro de 1997, publicados em Colectânea de Jurisprudência —Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IV, tomo II, pág. 288, e neste Boletim, n.º 472, pág. 338.

V e VI — Traduz jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, como resulta dosacórdãos citados no texto.

(M. A. P.)

Contrato de seguro — Folha de férias — Acidente de trabalho —Responsabilidade do segurado — Nulidade do contrato deseguro

I — A não inclusão de um trabalhador na folha de férias, por parte da entidadepatronal, no caso do seguro de prémio variável, acarreta a não cobertura do sinistrosofrido pelo trabalhador por parte da entidade seguradora, e não a nulidade do con-trato de seguro.

II — As declarações inexactas ou reticentes, a que se refere o artigo 429.º do Có-digo Comercial, respeitam a factos ou circunstâncias que eram conhecidos do segurado,e que poderiam levar a entidade seguradora, se deles se encontrasse informada, a nãocontratar ou a contratar em condições diferentes, sendo irrelevante, para que opere anulidade do contrato, nos termos dessa disposição, que o segurado tenha agido de má fé.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 31 de Outubro de 2000Processo n.º 98/2000

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246 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

ACORDAM na Secção Social do SupremoTribunal de Justiça:

I

1. Sofia Solano, por si e em representação dosseus filhos menores, Maria Celeste Tulanda eJoão Filipe Tulanda, propôs a presente acçãoespecial emergente de acidente de trabalho con-tra Companhia de Seguros Mundial-Confiança eHorácio Barros Fernandes, reclamando dos réus:a) a pensão anual e temporária de 282 141$60,até perfazer 65 anos, e uma pensão anual e vita-lícia de 376 188$00, a partir daquela idade, paraa viúva; b) a quantia de 175 881$70, relativa àsdespesas de funeral e transladação do cadáver;c) pensão anual e vitalícia de 376 188$00, paraos descendentes menores João Filipe Tulanda eMaria Celeste Tulanda. Fundamenta a sua pre-tensão na ocorrência de um acidente de trabalhomortal que vitimou o seu marido e pai dos me-nores, quando o mesmo trabalhava para o réu,sendo que, pese embora tenha transferido a suaresponsabilidade infortunística para a ré, não fezconstar das folhas de férias a esta enviada o nomedo sinistrado no mês em que ocorreu o acidente,de que resultou os réus declinarem a sua res-ponsabilização, imputando-a mutuamente.

2. Contestaram os réus nos seguintes termos:

2.1 — A ré seguradora, como questão preju-dicial, a validade do contrato de seguro a apreciarem acção judicial interposta pela contestante, parao efeito, excepcionando a legitimidade da autorae impugnando, nomeadamente, o montante desalário indicado, como o auferido.

2.2 — O réu Horácio, entidade patronal, pug-nando pela validade do contrato de seguro, e suaconsequente desresponsabilização, deduz o inci-dente de falsidade relativamente às cópias dasfolhas de férias juntas, e chama à autoria JoséAgostinho, o agente comercial responsável pelamovimentação dos seus seguros.

3. Citado o chamado, veio o mesmo contes-tar, concluindo pela improcedência do chama-mento.

4. Após as respostas (às contestações e inci-dentes), foi proferido despacho saneador, que

julgou improcedente a excepção de ilegitimidadeda autora, negou o seguimento ao incidente defalsidade, sendo também organizados especifi-cação e questionário.

5. Realizado o julgamento, foi proferida asentença de fls. 263 e seguintes, que condenou oréu Horácio a satisfazer uma pensão anual tem-porária aos menores, e do mais absolvendo osréus.

6. Interposto recurso de apelação, veio a Re-lação de Lisboa anular o julgamento e a sentençarecorrida.

7. Realizado novo julgamento, veio a ser pro-ferida a sentença de fls. 316 e seguintes, que con-dena a ré Companhia de Seguros Mundial-Con-fiança a pagar aos descendentes a pensão anualtemporária de 295 917$00, com juros de mora, eabsolve do mais os réus, porquanto está-se pe-rante um acidente de trabalho indemnizável, as-sistindo apenas aos filhos o direito à pensãodecorrente, sendo a responsabilidade pelo seupagamento da seguradora, na medida em que aomissão do nome do sinistrado das folhas deférias não pode ser reportada a propósito frau-dulento da entidade patronal, que importe a nu-lidade do contrato de seguro e como tal a isençãoda responsabilidade da referida seguradora.

8. Interposto recurso de apelação, a Relação,por acórdão de fls. 353 e seguintes, manteve adecisão recorrida, porquanto os factos provadosnão facultam a conclusão de que a entidade pa-tronal tenha faltado conscientemente à verdade eque a sua conduta, traduzida na não inclusão donome do sinistrado nas folhas de férias, integreuma actuação de má fé e grosseiramente fraudu-lenta, com finalidade de iludir cláusula contratual,por forma a importar a nulidade do contrato deseguro e isenção da responsabilidade da segu-radora.

II

A) É deste aresto que vem a presente revistainterposta pela ré seguradora, que, nas suas ale-gações, formula as seguintes conclusões:

1 — O risco e o prémio são dois elementoschave do contrato de seguro, sendo o prémio acontraprestação do risco, como decorre do artigo

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247 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

426.º do Código Comercial, e o seu pagamento aobrigação fundamental do segurado (M. C. Lopes,Scientia Iuridica, tomo 34.º, pág. 186).

2 — Segundo Guerra da Mota (O Contrato deSeguro Terrestre, vol. 1.º, pág. 428), «essencialem cada fase da relação de seguro é a precisaindicação e delimitação do risco que incumbe aosegurado fornecer».

3 — Dispõe o n.º 4 da cláusula 5.ª da apóliceuniforme do seguro de acidentes de trabalho queé obrigação do segurado, nos casos de seguro deprémio variável, enviar mensalmente à segura-dora, até ao dia 15 de cada mês, as folhas desalários ou ordenados pagos no mês anterior atodo o seu pessoal.

4 — Essa obrigação imposta ao segurado non.º 4 da cláusula 5.ª tem a função primordial de,informando a seguradora do risco, servir de baseao cálculo do prémio a cobrar, segundo as regrasdefinidas nas cláusulas 19.ª e 20.ª

5 — A omissão de tal dever apenas dá lugar àresolução do contrato, nos termos do n.º 2 dacláusula 26.ª da apólice uniforme, quando nãoaltera, no essencial, os pressupostos do contratode seguro.

6 — Porém, se as inexactidões ou omissõesforem de tal modo relevantes que atinjam os pró-prios pressupostos do contrato, nomeadamentea intensidade do risco, o contrato é nulo, nostermos da cláusula 25.ª e do artigo 429.º do Có-digo Comercial.

7 — A determinação da culpa e a respectivagraduação constituem matéria de direito quandoessa forma de imputação subjectiva se funda-menta na violação ou inobservância de deveresjurídicos prescritos na lei ou regulamento, sujei-tas, por isso, à censura do tribunal de revista(cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 161,pág. 229, n.º 163, pág. 178, n.º 164, pág. 202,n.º 173, pág. 237, n.º 187, pág. 116, e n.º 197,pág. 310, e A. Varela, Revista de Legislação e deJurisprudência, ano 101.º, pág. 215, e ano 102.º,pág. 52) — Abílio Neto, Código de ProcessoCivil Anotado, 1997, pág. 825, nota 15.

8 — Do conjunto da matéria de facto provadaresulta que o segurado e co-réu Horácio omitiu,reiteradamente, o dever que lhe era imposto pelon.º 4 da cláusula 5.ª da apólice, não enviando àrecorrente as folhas de férias atempadamente eomitindo nelas, quando as remeteu, os nomes de,

pelo menos, quatro dos seus trabalhadores, en-tre os quais o sinistrado, João Filipe Tulanda.

9 — Tal omissão foi intencional, dolosa e frau-dulenta, com a finalidade de induzir em erro aseguradora, influindo na intensidade do riscoinfortunístico e no valor do prémio do seguro.

10 — Pelo que o contrato de seguro é nulo,nos termos do artigo 429.º do Código Comerciale da cláusula 25.ª da apólice uniforme, estandoexcluída a responsabilidade da recorrente pelasconsequências do acidente dos autos.

11 — O aliás douto acórdão violou o dis-posto nas normas referidas na anterior conclu-são, pelo que deverá ser concedida a revista e arecorrente absolvida.

B) Contra-alegaram os autores, sustentando aconfirmação do julgado.

C) No mesmo sentido se pronunciou oEx.mo Procurador-Geral Adjunto, no seu doutoparecer, de fls. 419 e seguintes.

III

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar edecidir.

Assim, registam-se os factos provados.

1. Matéria de facto:

a) João Filipe Tulanda trabalhava, comomarteleiro, sob a orientação e fiscalizaçãodo réu Horácio Fernandes;

b) No dia 23 de Fevereiro de 1991, pelas11.15 horas, quando o mesmo trabalhavanuma obra, a cargo da sua entidade patro-nal, sita na Avenida de Berna, em Lisboa,e utilizava um martelo pneumático, foiatingido na cabeça por um bloco de argilacompactada;

c) Na sequência de tal facto, o João FilipeTulanda sofreu as lesões que constam dorelatório da autópsia junto aos autos afls. 52 e seguintes, que, directa e necessa-riamente, lhe causaram a morte;

d) O cadáver de João Filipe Tulanda foitranslado para o Kinshasa, República doZaire;

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248 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

e) O réu Horácio Fernandes celebrou com aré Mundial-Confiança um contrato de se-guro titulado pela apólice n.º 2184832 doramo «Acidentes de trabalho» até ao li-mite de 10 500 000$00;

f) A autora contraiu matrimónio com JoãoFilipe Tulanda no dia 5 de Março de 1989;

g) Com o funeral e transladação do cadáverpara Kinshasa foram gastos 175 881$70;

h) Na participação que o réu Horácio reme-teu à ré Mundial-Confiança declarouser o salário de João Filipe Tulanda de57 460$00;

i) Foi o chamado José B. Agostinho, quetranscreveu os nomes constantes defls. 30;

j) Dada a confiança que o chamado soubegranjear junto do réu Horácio, era ele que,por seu punho, preenchia as folhas deférias de acordo com os dados fornecidospelo réu, conferindo-as este e assinan-do-as, a final;

m) A ré Mundial-Confiança despendeu como sinistrado em causa a importância de18 931$50;

n) As despesas com o funeral e transladaçãodo cadáver para Kinshasa foram suporta-das por subscrição efectuada entre os tra-balhadores colegas de João Filipe Tulanda;

o) Nas folhas de férias de período de Janeiroe Fevereiro de 1991 não foi incluído onome de João Filipe Tulanda;

p) O réu Horácio Fernandes também não in-dicou nas folhas de férias que remeteupara cálculo do prémio o nome FernandoCo (sinistrado em 1 de Novembro de 1991e em 3 de Dezembro de 1991), JorgeMendes Ponte (sinistrado em 9 de De-zembro de 1991) e Carlos Manuel Sa-raiva Baptista (sinistrado em 30 de De-zembro de 1991);

q) Em 23 de Fevereiro de 1991 o salário deJoão Filipe era de 57 460$00;

r) O réu Horácio subscreveu a folha de fé-rias de Fevereiro (entenda-se) de 1991;

s) João Filipe Tulanda foi admitido ao ser-viço do réu Horácio cerca de um mês an-tes do acidente;

v) O chamado motivou o réu Horácio a cele-brar o contrato de seguro em causa com a

ré Mundial-Confiança e posteriormenteapreciava os riscos em causa e prestavaassistência;

x) Foi por intermédio do chamado que o réuHorácio celebrou diversos contratos deseguros de vida e habitação;

z) O chamado colaborava no escritório ondea sua filha exercia as funções de media-dora;

aa) No contrato de seguro em causa figuroucomo mediadora Ana Agostinho.

Estes os factos que vêm fixados pelas instân-cias, em termos que ao Supremo, como tribunalde revista, cumpre acatar.

2. Veja-se agora o direito.A questão objecto do presente recurso pren-

de-se como saber se a seguradora deve ou não serresponsabilizada pelas consequências do aci-dente de trabalho, já reconhecido como tal nospresentes autos.

Com efeito, a agora recorrente, seguradora,pretende eximir-se à satisfação das prestaçõesem dívida aos beneficiários, invocando a nuli-dade do contrato de seguro pelo qual o segu-rado, entidade patronal da vítima, efectuou atransferência da sua responsabilidade infortu-nística e que decorrerá da omissão intencional,dolosa e fraudulenta, por parte do mesmo segu-rado, do nome do sinistrado nas folhas de férias,a remeter mensalmente, no âmbito das obriga-ções impostas com a adopção da modalidade deseguro de prémio variável.

No acórdão, sob recurso, foi expressamenteafirmado que a não observância da obrigação deincluir o número de trabalhadores na folha deférias a remeter à seguradora não fere, necessa-riamente, o contrato de seguro de invalidade (nu-lidade ou anulabilidade), importando apenas asua insubsistência em termos de resolução (nãoautomática), e ainda que a nulidade do contratose coloca em relação ao contrato inicialmente fir-mado, e não às vicissitudes que venha a passar ocumprimento desse mesmo contrato, pelo que, eem princípio, a responsabilização deve ser atri-buída à seguradora. Considerando-se, também,que a omissão constatada não foi intencional,dolosa e fraudulenta (com vista a induzir em erroa seguradora e causar-lhe prejuízos), conclui-se

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249 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

ser a seguradora, agora recorrente, responsávelpelas consequências (já definidas) do acidente.

Vejamos.A razão de ser da protecção específica dos

acidentes de trabalho não reside meramente nocontrato de trabalho, mas decorre essencial-mente da colocação da força de trabalho no mer-cado, geradora de uma situação de dependênciaeconómica (e também jurídica) que determina anecessidade da lei tutelar a segurança do traba-lhador, garantindo-lhe uma reparação na verifi-cação de um acidente de trabalho.

Daí que a entidade patronal se encontre, emprincípio, obrigada a indemnizar o trabalhador,impondo-se-lhe igualmente a obrigação de trans-ferir tal obrigação para uma companhia segura-dora (com excepção das entidades a quem sejareconhecida capacidade económica para supor-tar o encargo dessa reparação) — base XLIII daLei n.º 2127 e artigo 68.º do Decreto n.º 360/71.

O contrato de seguro celebrado em cumpri-mento desta norma é um contrato de direito pri-vado, de entre as espécies dos seguros de respon-sabilidade civil, que segue um modelo uniforme,cujas cláusulas constam, no caso sob análise, daapólice uniforme do seguro de acidentes de tra-balho constante da Portaria n.º 633/71, de 19 deNovembro, alterada pela norma n.º 96/83, Diá-rio da República, III Série, de 19 de Dezembrode 1983, e a que se continua a aplicar as normasconstantes do Código Comercial.

O contrato de seguro de acidentes de trabalhotem vindo a ser entendido quer em termosjurisprudenciais como doutrinários como umcontrato a favor de terceiro até com vista à reso-lução da problemática decorrente da omissão nasfolhas de férias enviadas pelo tomador à segura-dora, que, por inaplicabilidade do disposto noartigo 449.º do Código Civil, permite: retirar aconclusão pela inoponibilidade ao sinistrado dasexcepções que, decorram do incumprimento daobrigação do tomador quanto à inclusão na folhade férias, pese embora possam admitir, com talfundamento, ainda que com limites, a nulidadeou anulabilidade do contrato por efeito do artigo429.º do Código Comecial.

Com a ressalva de que, ao encarar-se o con-trato de seguro por acidentes de trabalho no seumodelo paradigmático (não esquecendo que otomador do seguro é o próprio segurado, sendo o

objecto do contrato a sua responsabilidade pelosdanos emergentes do contrato de trabalho), nãoparece ter cabimento enquadrá-lo como tendopor objecto a concessão de um benefício a umterceiro, pois celebrado no cumprimento da obri-gação de seguro imposta por lei (e dentro doslimites por ela contemplados) não determina umbenefício imediato para a vítima mas apenas me-diato, não adquirindo o sinistrado, com a suacelebração, qualquer direito), sempre se dirá quea efectivação do seguro depende essencialmentedas declarações a prestar pelo tomador do seguro.

Com efeito, no contrato de seguro é funda-mental a confiança nas declarações das partes,para que a seguradora possa ter a noção exactado risco que assumirá com a celebração do con-trato.

Compreende-se que, para obviar as tentati-vas de fraude, a lei sancione com a invalidade(nulidade, como entende a maioria dos autores,anulabilidade diz Moitinho de Almeida, O Con-trato de Seguro no Direito Português e Compa-rado, Lisboa, 1971) os contratos em que tenhamhavido declarações inexactas, incompletas ouprestadas com reticências ou omissões, por partedo tomador do seguro e que influam sobre a exis-tência ou condições do contrato — cfr. artigo429.º do Código Comercial e cláusula 25.ª daapólice uniforme.

Se os preceitos legais referidos nos permitemlegitimamente concluir que a relevância das de-clarações para efeitos da validade do acordoopera apenas no momento da celebração do ne-gócio, importa saber da aplicabilidade de talregime sempre que se verifique qualquer modifi-cação que altere o risco, isto é, sempre que esti-verem em causa circunstâncias ou elementosrelevantes para a determinação do conteúdo con-creto do contrato, considerando a sua perma-nente actualização.

Com vista ao entendimento a perfilhar, im-porta reter que no seguro de modalidade de pré-mio variável a entidade patronal segura a res-ponsabilidade pelos danos sofridos por um nú-mero variável de pessoas (sendo forçoso que talvariação importará necessariamente uma varia-ção da massa salarial, com a necessária reper-cussão no montante dos prémios a cobrar), peloque o objecto do seguro depende da declaraçãoperiódica do tomador, que para não celebrar di-

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250 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

versos contratos consoante as flutuações do pes-soal que emprega, firma um único contrato comconteúdo variável, tendo igual natureza a respec-tiva obrigação do seguro.

Assim, é através das folhas de salários (otomador do seguro está obrigado a incluir o tra-balhador nas folhas de férias a enviar à segura-dora até ao dia 15 do mês seguinte ao início dasrespectivas funções — cfr. cláusula 5.ª da apó-lice) que o contrato se vai actualizando, ocor-rendo a correspondente actualização do prémio,pelo que e consequentemente a responsabili-dade a assumir pela seguradora estará necessa-riamente dependente da identificação do pessoal.

Nestes termos, impõe-se o entendimento deque, não se encontrando determinado trabalha-dor incluído nas folhas de férias enviadas à segu-radora, verifica-se uma situação de não coberturae não omissão de declaração relevante para efei-tos de nulidade do contrato, pois que o compor-tamento omissivo por parte do tomador doseguro nada influenciou os riscos de verificaçãodo sinistro assumidos pela seguradora relativa-mente aos demais trabalhadores. Até porque en-tendimento contrário permitiria que, no caso deprodução de acidente com um trabalhador regu-lar- mente inscrito, a seguradora pudesse invocara nulidade do contrato em virtude de o tomadordo seguro ter ao seu serviço um ou mais trabalha-dores que nunca tinham sido mencionados nasfolhas de férias.

Tal, aliás, tem sido a solução perfilhada pelamais recente jurisprudência do Supremo Tribu-nal de Justiça, que considerou que a omissão dosinistrado nas folhas de férias, não tendo a «enti-dade patronal alegado o que quer que fosse nosentido de justificar a omissão, leva à exclusão daresponsabilidade da seguradora, com a óbviaconsequência de ter de ser a entidade patronal asuportar o pagamento do que ficou apurado serdevido ao trabalhador» — vejam-se os acórdãosde 14 de Abril de 1999, revista n.º 368/98, de 14de Abril de 1999, revista n.º 67/99, e de 9 deDezembro de 1999, revista n.º 165/99, todosda 4.ª Secção.

Assentamos também que as declarações ine-xactas ou reticentes a que se referem o artigo429.º do Código Comercial e cláusula 25.ª da apó-lice dizem respeito a factos ou circunstâncias,que sejam conhecidos do segurado ou de quem

fez o seguro e que, a terem sido conhecidas dosegurador, o levariam a não contratar ou a con-tratar de forma diferente, sendo, aliás, irrele-vante a intenção do segurado de boa ou má fé(cfr. Cunha Gonçalves, Comentário ao CódigoComercial, vol. II, pág. 541) e consequentementese verifiquem no momento da celebração do con-trato.

Como sanção pelo comportamento omissivoda entidade patronal reportado às obrigaçõesprevistas na cláusula 5.ª da apólice, principal-mente o seu n.º 4, e independentemente das con-siderações supra-referidas, poderá a seguradoracobrar um prémio agravado ou revogar o con-trato — cláusula 20.ª e 26.ª

Podia perturbar, de alguma forma, o raciocí-nio explanado, o facto de a omissão do tomadorter sido dolosa, com intuito fraudulento, isto é,com a finalidade de iludir as cláusulas contratuais,eximindo-se, por forma intencional, e nomeada-mente, ao pagamento do prémio acordado e de-vido, o que obviamente teria que resultar damatéria de facto apurada.

Analisemos então os factos.Provou-se, na parte que agora nos interessa,

que o réu Horácio celebrou com a recorrente umcontrato de seguro do ramo «Acidentes de tra-balho» não tendo nas folhas de férias de Janeiroe Fevereiro de 1991 incluído o nome do sinis-trado, que trabalhava para o mesmo réu há cercade um mês, quando ocorreu o acidente, em 23 deFevereiro de 1991. Também se apurou que foi oréu Horácio quem subscreveu a referida folha deférias do mês de Fevereiro, sendo certo que, ape-sar de ser o chamado (José Agostinho) quempreenchia as folhas de férias, tal era feito com osdados fornecidos pelo réu, que as conferia e assi-nava a final.

Apurou-se, igualmente, que o réu Horácio nãoindicou nas folhas de férias que remeteu à segu-radora o nome de outros três trabalhadores emdatas posteriores à do acidente dos autos.

Pretende a recorrida que a actuação do réuHorácio, em conjunto considerada, permite con-cluir pela intenção fraudulenta do mesmo, con-trariamente ao que entenderam as instâncias.Sendo certo que sobre a recorrente impendia oónus da prova da referida intenção de enganar(artigo 342.º do Código Civil), podemos dizerque os factos apurados não permitem retirar tal

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251 Direito Processual do TrabalhoBMJ 500 (2000)

ilação, pois nada, para além do facto concreto daomissão, resultou provado em tal sentido. Paratanto, não bastam as omissões relativas a outrostrabalhadores, não só por temporalmente diver-sas, como também por desconhecimento docircunstancialismo fáctico em que as mesmas severificaram. Por outro lado, não será de todoirrelevante a circunstância de a folha de férias emcausa ter sido entregue (e aceite) na seguradora11 meses depois do acidente ter ocorrido (e domesmo ter sido dado conhecimento àquela —cfr. fls. 5), contendo ainda a omissão do nomedo sinistrado, de todo o modo o réu Horácio nãologrou provar o cumprimento da indicação donome do sinistrado nas folhas de férias, peseembora a veemência e os meios a que recorreupara tentar demonstrar a bondade da sua actua-ção.

Afastada a pretendida nulidade, por nãoverificada a intenção fraudulenta do tomador doseguro na omissão do nome do sinistrado nasfolhas de férias, constatamos que a entidade pa-tronal não logrou provar nenhum facto no sen-tido de justificar a referida omissão.

Assim sendo, e conforme já mencionámos,constituindo a inclusão do nome do trabalhadorna folha de férias, a delimitação do âmbito pes-soal do contrato de seguro vigente entre os réus,com a correspondente definição do seu con-teúdo, surge-nos como inevitável a exclusão daresponsabilidade da seguradora relativamente aosinistrado, até porque a tanto levam as regras daboa fé, que não devem ser preteridas perante aobrigatoriedade de um seguro a que subjazempreocupações sociais, ainda assim salvaguarda-das, em termos de risco, pela própria entidadepatronal responsável ou, no caso da sua nãosolvabilidade, pelo Fundo de Garantia e Actua-lização de Pensões.

Conclui-se, deste modo, que deverá ser a enti-dade patronal a suportar o pagamento do queficou apurado ser devido aos beneficiários nospresentes autos.

Nem se diga que a absolvição da entidade pa-tronal na 1.ª instância está coberta pelo caso jul-gado, por dela não terem os autores interpostorecurso para a Relação.

A objecção não tem razão de ser.

Por um lado, o problema central e nuclear é ode saber a quem — empregador ou seguradora —cabe a responsabilidade pela reparação das con-sequências do acidente, mas as responsabilida-des encontram-se intimamente relacionadas einterpenetradas, por forma que uma dessas enti-dades é a responsável principal.

Por outro lado, o recurso interposto pela se-guradora tem precisamente por objecto a exclu-são (por via principal) da sua responsabilidadecom a consequente e necessária responsabilizaçãoda empregadora, o que logo significa que a ques-tão da responsabilidade do empregadora foi tam-bém posta no recurso, impedindo a formação docaso julgado.

De resto, e finalmente, a responsabilidade daseguradora assenta e tem como necessário pres-suposto a responsabilidade da entidade empre-gadora, já que o contrato de seguro visa precisa-mente a transferência dessa responsabilidade daentidade patronal para a seguradora.

Dir-se-á que a entidade patronal tem uma res-ponsabilidade originária e a seguradora uma res-ponsabilidade derivada do contrato de seguro.

Assim sendo, a responsabilidade da segura-dora, porque dependente, não pode ser objectode apreciação autónoma, divorciada da respon-sabilidade da entidade patronal.

Daí que a absolvição desta proferida pelasinstâncias não fique coberta pelo caso julgado.

IV

Na conformidade do que fica exposto, seacorda na Secção Social do. Supremo Tribunal deJustiça em conceder a revista e consequentementeabsolver a ré do pedido, condenando-se o réuHorácio Barros Fernandes a pagar aos autores,João Filipe Tulanda e Maria Celeste Tulanda,representados por Sofia Solana, a pensão anualtemporária de 295 917$00, com início em 24 deFevereiro de 1991, bem como os juros de morasobre as prestações em atraso.

Custas pelo réu Horácio Fernandes.

Lisboa, 31 de Outubro de 2000.

José António Mesquita (Relator) — VítorDeveza — Sousa Lamas.

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252 BMJ 500 (2000)Direito Processual do Trabalho

I — No domínio da vigência da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, a jurisprudência não temsido uniforme quanto à matéria da primeira proposição. Num primeiro momento, na linha do agoradecidido, considerou-se que a não inclusão do sinistrado nas folhas de férias implicava a isenção deresponsabilidade da seguradora (acórdão do tribunal pleno de 7 de Julho de 1966, Acórdãos Doutrinaisn.º 62, pág. 284), firmando-se mais tarde o entendimento de que a omissão não poderia ser opostacomo meio de defesa, relevando apenas nas relações imediatas entre a seguradora e o segurado (aseguradora teria assim de assumir o ressarcimento dos danos desde que não pudesse invocar anulidade do contrato; os acórdãos da Relação do Porto de 29 de Novembro de 1993 e da Relaçãode Lisboa de 6 de Fevereiro de 1995, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 431, pág. 549, e n.º 444,pág. 699).

Além da jurisprudência citada no aresto, decidiu em idêntico sentido o acórdão da Relação deLisboa de 22 de Janeiro de 1997, Colectânea de Jurisprudência, 1997, tomo I, pág. 181.

Ainda com interesse, sobre o mesmo tema, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 deDezembro de 1984, no processo n.º 71 839, e de 14 de Abril de 1999, no processo n.º 67/99 (4.ª).

II — O novo regime jurídico dos acidentes de trabalho consta da Lei n.º 100/97, de 13 deSetembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril. A norma correspondentementeaplicável é a do artigo 37.º dessa lei, que, no seu n.º 4, remete para o diploma regulamentar asprovidências destinadas a evitar fraudes, insuficiências ou omissões nas declarações quanto aopessoal.

III — No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 1989, no processon.º 2225, entendeu-se que a omissão de um trabalhador nas folhas de férias não determina a nulidadedo contrato de seguro, conferindo apenas à entidade seguradora a faculdade de resolver o contrato.

(C. C.)

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253 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

Falência — Graduação de créditos — Créditos emergentes decontrato de trabalho — Salários em atraso — Indemnizações

I — O artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, abrange os créditosprovenientes de remunerações dos trabalhadores e, também, os provenientes de indem-nizações devidas pela cessação do contrato de trabalho.

II — Não se alcança qualquer razão que justifique que o legislador, ao privilegiaros créditos dos trabalhadores sobre outros créditos, o tenha feito, restritivamente, ape-nas em relação ao salário propriamente dito, excluindo outros créditos. E isto, precisa-mente, mediante uma disposição legal, a do citado artigo 12.º, em que se referegenericamente a «créditos emergentes de contrato individual de trabalho» e não ape-nas, especificamente, a salários em sentido restrito.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 2058/2000 — 7.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

Joaquim Teixeira Pinto e José Manuel Pi-menta da Silva, Virgínia Madre Deus MarquesLameiras, Rosa Maria Pinto Alves, RicardoMaurício Freitas Magalhães, Orlanda do CéuSilva Sampaio, Maria do Sameiro NogueiraNovais, Maria do Sameiro Baptista Ribeiro,Maria de Lurdes Freitas Faria, Maria LauraAraújo Ferreira, Maria Irene de Jesus Cação,Maria de Fátima Nogueira Dias Pires, Maria deFátima da Mota Ribeiro, Maria Emília CostaTeixeira, Maria Cristina Ferreira Fonseca, Mariada Conceição Freitas Faria, Maria Arminda Oli-veira Ribeiro, Maria Amélia Moreira Soares,Leonilda Maria Baptista Ribeiro, José MárioGonçalves Alves, João Teixeira de Andrade, JoãoCarlos Soares Castro, Isabel Maria Silva Leite,Helena Paula Carvalho Araújo, Florinda Men-des Ribeiro, Florinda Mendes, Fernando AfonsoCarvalho, Eugénia Maria Marinho Soares, DulceFerreira Freitas Baptista, Deolinda Santos Sousa,David Fernandes, Cristina Maria Lopes Leite,Cidália Cristina Nogueira Pires Sousa, CláudiaSílvia Soares Faria, Celeste Afonso Carvalho,Carminda Castro Magalhães, Carlos AlbertoFernandes Alves Carneiro, Antonio José CastroLeite, Albino Durães Silva, Abel Alberto RebeloMonteiro e Mafalda Sofia Castro Rodriguesreclamaram créditos por apenso à falência de Ca-rioca — Indústria Têxtil, L.da

O crédito dos primeiros encontra-se garan-tido por hipoteca.

Os restantes créditos são provenientes de sa-lários em atraso e indemnizações.

Por sentença de 5 de Maio de 1999, rectificadapor despacho de 5 de Junho seguinte, do 1.º Juízodo Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, foramreconhecidos todos estes créditos; quanto aosreclamados pelos trabalhadores (Virgínia e se-guintes, acima identificados), decidiu-se que oprivilégio imobiliário geral de que gozam garantenão só os salários em sentido restrito mas tam-bém as indemnizações; e, por consequência, es-tes créditos de trabalhadores, incluindo as quan-tias respeitantes a indemnizações, foram gradua-dos para serem pagos à frente do crédito dosprimeiros reclamantes (Teixeira Pinto e Pimentada Silva) pelo que respeita ao produto da vendados bens imóveis descritos sob os n.os 25 e 26 doauto de apreensão de bens.

Em apelação dos credores Teixeira Pinto ePimenta da Silva, o Tribunal da Relação doPorto, por acórdão de 3 de Fevereiro de 2000,confirmou a sentença.

Ainda inconformados, os ditos credores pe-dem revista.

Na respectiva alegação, dizendo que no acór-dão recorrido se violou o disposto nos artigos733.º, 737.º, n.º 1, alínea d), 747.º, 749.º, 750.º e751.º, todos do Código Civil, e 1.º, 3.º, 6.º e 12.ºda Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, os recorrentes

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254 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

pretendem a alteração do acórdão recorrido nosentido de os créditos dos trabalhadores que go-zam de privilégio imobiliário geral serem apenasos provenientes de remunerações, retribuiçõesou salários, em sentido restrito (com exclusão,pois, de indemnizações); ou, ao menos, caso as-sim se não entenda, que os créditos por indemni-zações garantidos por aquele privilégio sejamapenas os respeitantes a indemnizações devidaspela rescisão unilateral com justa causa do con-trato de trabalho, feita pelos trabalhadores (e nãooutras, como serão as devidas por despedimentosem justa causa feito pela falida).

Os recorridos não alegaram.

São duas as questões que os recorrentes sub-metem ao julgamento deste Tribunal, a saber:

Primeira: o conceito normativo contido noartigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho,abrange só os créditos provenientes de remune-rações; ou estes e os provenientes de indemni-zações?

Segunda: no caso de abrangerem os créditosprovenientes de indemnizações, a lei abrange atodas ou só as correspondentes à rescisão unila-teral com justa causa do contrato de trabalho,pelo trabalhador, nos termos dos artigos 3.º e 6.ºda Lei n.º 17/86, referida?

Ora, quanto a esta segunda questão, aliás apre-sentada a título subsidiário, o recurso não merececonhecimento.

É que a função dos recursos é a de impugnaçãodas decisões de que se recorre, e não a de se obterdecisão acerca de uma questão nova, que nãotenha sido anteriormente colocada para ser deci-dida pelo tribunal a quo — artigo 676.º, n.º 1, doCódigo de Processo Civil.

Acontece que esta segunda questão não foicolocada para ser decidida pela Relação, no jul-gamento da apelação.

Por isto, neste segmento (e sem prejuizo doque adiante se dirá), o recurso não merece conhe-cimento.

Pelo que respeita à primeira questão o recursomerece conhecimento

Vejamos se merece provimento.

A matéria de facto adquirida pelo acórdão re-corrido (aliás integrada pela melhor descrita na

sentença) não vem posta em crise, pelo que, aoabrigo do disposto nos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º,ambos do Código de Processo Civil, remete-se,nesta parte, para aquele acórdão.

A questão que se coloca nesta revista respeitaà interpretação do disposto no artigo 12.º, n.º 1,da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, no sentido dedilucidar se o privilégio creditório imobiliáriogeral, ali atribuído, só garante os créditos porsalários em atraso; ou também outros créditosdos trabalhadores por conta de outrem sobre oseu empregador, emergentes igualmente de con-trato individual de trabalho.

A Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, tem a epígrafe«Salários em atraso», a qual faz parte do textolegal.

No seu artigo 1.º, sob a epígrafe «Objecto»,dispõe-se no seu n.º 1:

«A presente lei rege os efeitos jurídicos espe-ciais produzidos pelo não pagamento pontual deretribuição devida aos trabalhadores por contade outrem.»

Finalmente, dispõe-se no artigo 12.º, n.º 1,sob a epigrafe «Privilégios creditórios»:

«Os créditos emergentes de contrato indivi-dual de trabalho regulados pela presente lei go-zam dos seguintes privilégios:

a) Privilégio mobiliário geral;b) Privilégio imobiliário geral.»

Ora, cotejando as duas expressões legais, a de«retribuição devida aos trabalhadores por contade outrem», do artigo 1.º, e a de «créditos emer-gentes de contrato individual de trabalho», doartigo 12.º, de maneira a obter-se a necessáriaharmonização, tem que se concluir que a retri-buição devida aos trabalhadores a que se refere oartigo 1.º tem um sentido amplo, de sorte a abran-ger todo e qualquer crédito do trabalhador porconta de outrem relacionado com o contrato in-dividual de trabalho. Assim, as duas normas têmsentido coincidente, harmónico.

Ou, pelo menos, o legislador, neste artigo 12.ºda Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, pretendeu alar-gar o âmbito de aplicação da lei a todos os crédi-tos emergentes do contrato individual de trabalho,nomeadamente os derivados da cessação do con-

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255 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

trato, em matéria de garantia por privilégioscreditórios.

Compreende-se que assim seja e deva ser: oscréditos emergentes do contrato individual detrabalho, seja por salários, seja por cessação docontrato de trabalho (por despedimento sem justacausa ou por rescisão pelo trabalhador com justacausa), estão relacionados com o sustento do tra-balhador e da sua familia (nomeadamente notempo que se segue a uma cessação do vínculolaboral). O legislador foi especialmente sensívela este interesse e entendeu dar-lhe preferênciasobre os interesses de outros credores que setiveram por merecedores de tutela menos eficaz.

Não se alcança qualquer razão que justifiqueque o legislador, ao privilegiar os créditos dostrabalhadores (aos quais não tenha sido atem-padamente pago o que lhes seja devido emcontrapartida do seu trabalho) sobre outros cré-ditos, o tenha feito, restritivamente, apenas emrelação ao salário em sentido propriamente dito,excluindo outros créditos. E isto, precisamente,mediante uma disposição legal, a do artigo 12.º,em que se refere genericamente a «créditos emer-gentes de contrato individual de trabalho» e nãoapenas, especificamente, a salários em sentidorestrito.

Aliás, no artigo 12.º, n.º 1, tem que se consi-derar compreendida pelo menos a indemnizaçãopor antiguidade devida ao trabalhador que res-cinda o contrato com justa causa, nos termos eao abrigo dos artigos 3.º, n.º 1, e 6.º, alínea a), daLei n.º 17/86, de 14 de Junho; ora, não se alcançarazão plausível que justifique o estabelecimentoda diferença entre esta indemnização por anti-guidade e a de igual natureza devida em caso dedespedimento sem justa causa.

Recentemente, o legislador veio revelar serneste sentido a sua vontade.

No Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho,que instituiu o «Fundo de Garantia Salarial», le-gislou-se, no respectivo artigo 6.º, n.os 2 a 5, emtermos coincidentes com os n.os 1 a 4 do artigo12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Agosto.

Ora, no artigo 3.º, n.º 2, deste Decreto-Lein.º 219/99, de 15 de Junho, sob a epígrafe «Cré-ditos abrangidos», dispõe-se:

«Os créditos [...] são os que respeitam a:

a) Retribuição, incluindo subsídios de fériase de Natal;

b) Indemnização ou compensação devida porcessação do contrato de trabalho.»

Por uma razão de harmonia do sistema deve-rão interpretar-se as disposições da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, com o mesmo alcance.

Neste mesmo sentido já se pronunciou esteTribunal por acórdãos de 3 de Março de 1998(Nascimento Costa), Boletim, n.º 475, págs. 552a 555, e de 10 de Fevereiro de 2000 (Sousa Inês)tirado na revista n.º 1199/99. E já na espéciejulgada por acórdão de 2 de Dezembro de 1993(Mário Araújo Ribeiro) os créditos que estavamem causa eram salários e indemnização por des-pedimento (Colectânea de Jurisprudência, 1993,tomo III, pág. 150 e segs.). O mesmo entendi-mento foi seguido na Relação de Évora, poracórdão de 4 de Junho de 1998 (Tavares de Paiva),Colectânea de Jurisprudência, 1998, tomo III,págs. 268 e seguintes.

Conclui-se, assim, que no acordão recorridose interpretou correctamente a lei e que os credo-res Virgínia e seguintes têm os seus créditos, to-dos eles, garantidos por privilégio creditórioimobiliário geral, pelo que bem foram graduadospara serem pagos à frente dos recorrentes. Destasorte, no acórdão recorrido não foi desrespei-tado o disposto nas normas invocadas pelosrecorrentes.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunalde Justiça em negar a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês(Relator) — Ilídio Gaspar Nascimento Costa —Dionísio Alves Correia

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256 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, processo n.º 79/94-H.

II — Acórdão da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1209/99.

Constitui jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, conforme se alcança dosarestos citados no acórdão sumariado, para cuja consulta se remete.

(A. A. P. C.)

Execução ordinária — Embargos de executado

I — Não se verifica a formação de caso julgado sobre a tempestividade dos embar-gos de executado com o despacho liminar que os recebeu, pois pretende-se apenas que,através de um julgamento prévio ou preliminar, se apure a existência de um mínimo deviabilidade da pretensão do embargante, não se considerando precludidas as questõesque podiam ter sido motivo de indeferimento liminar.

II — Tendo os embargos a configuração de uma acção declarativa, não há razãopara que se aguarde o prazo da citação de todos os executados para conhecer da opo-sição de cada um deles, até porque a oposição de um não aproveita aos restantes.O decurso do prazo para a apresentação dos embargos, porque peremptório, extingue odireito de praticar o acto. O actual n.º 3 do artigo 816.º do Código de Processo Civil temnatureza interpretativa.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 10 de Outubro de 2000Processo n.º 1874/2000 — 1.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I — Da tramitação processual

Banco de Investimento Imobiliário, S. A., ins-taurou execução ordinária para pagamento dequantia certa contra Projectinor — Empreendi-mentos Imobiliários, L.da, e Sofoz — Engenhariae Construções, S. A.

Embargou a segunda executada, tendo sidoproferida decisão que indeferiu o pedido de recti-ficação da petição dos embargos, a que se preten-dia aditar mais um artigo, que os julgou atempadose o tribunal territorialmente incompetente para aexecução e competente o Tribunal Judicial daComarca do Porto.

Agravou o exequente, com êxito parcial, poisfoi julgado competente para prosseguir com oprocesso o Tribunal Cível de Lisboa.

II — Do recurso

1. Das conclusões

Inconformado recorreu, novamente, o exe-quente-embargado, concluindo, deste modo, assuas alegações:

a) O requerimento de fls. 28 e 29, no sen-tido da rectificação da contestação dosembargos, é absolutamente oportuno elegal, quer porque os erros materiais deescrita são rectificáveis a todo o tempo,quer porque ainda que assim não se en-tendesse, sempre tal rectificação teria sido

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257 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

solicitada dentro do prazo da contesta-ção;

b) A questão da oportunidade dos embar-gos ou não é do conhecimento oficioso —artigo 817.º, n.º 1, alínea a), do Código deProcesso Civil, não constituindo a admis-são liminar dos embargos caso julgado re-lativamente à mesma;

c) Os embargos da Sofoz são extemporâneos,pois, tendo sido citada em 8 de Novembrode 1996, apenas os apresentou em 17 deJaneiro de 1997, pretendendo aproveitaro prazo da co-executada Projectinor, queapenas foi citada em 22 de Janeiro de 1997;

d) O sistema aponta para que o regime doartigo 486.º, n.º 2, não se estenda ao prazode dedução de embargos na execução,sendo o actual n.º 3 do artigo 816.º doCódigo de Processo Civil norma interpre-tativa;

f) Foram violados os preceitos citados.

A executada-embargante contra alegou, pug-nando pela manutenção da decisão proferida, ale-gando que se formou caso julgado sobre a tem-pestividade dos embargos com o despacho liminarque os recebeu.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Dos factos fixados no acórdão recorrido(sic):

«Na contestação materializada nos autos ejunta pela embargada tempestivamente nãoconsta qualquer artigo 53.º, tendo tal peça pro-cessual sido mesmo cerrada (cfr. fls. 26 dos au-tos), após a redacção do artigo 52.º

[...] admitir-se o aditamento ora requerido [...]seria permitir à embargada uma segunda oportu-nidade para contestar, direito este que, uma vezexercido, se encontra definitivamente precludido.

[...] A embargante foi citada no dia 8 de No-vembro de 1996.

A executada Projectinor a 22 de Janeiro de1997.

Os presentes embargos deram entrada em juízono dia 17 de Janeiro de 1977.

[...] muito tempo depois de decorrido o prazode 10 dias [...] mas antes de terminado o prazoque a executada [...] dispunha para embargar.

[...] Nos presentes embargos de executado,deduzidos por Sofoz [...] veio, a ora embargantearguir a incompetência territorial deste tribunalpara conhecer do pedido executivo.

[...] uma dívida com garantia hipotecária so-bre um prédio sito [...] no Porto.»

3. Das questões a decidir

São três as questões a resolver:

— Caso julgado;— Tempestividade dos embargos;— Rectificação da petição de embargos.

4. Do caso julgado

A executada-embargante alega que se formoucaso julgado sobre a tempestividade dos embar-gos com o despacho liminar que os recebeu.

Mas não tem razão.Com este despacho, que não constitui qual-

quer excepção ao regime geral do deferimento ouindeferimento da petição inicial — artigo 234.º-Ado Código de Processo Civil —, não se conside-ram arrumadas as questões que podiam ser mo-tivo de indeferimento liminar, devendo ser conhe-cidas no momento próprio, visto serem do co-nhecimento oficioso — artigo 817.º do Códigode Processo Civil —, de modo a verificar-se aconformidade real dos fundamentos dos embar-gos com os indicados na lei.

Pretende-se apenas que, através de um julga-mento prévio ou preliminar, se apure a existên-cia de um mínimo de viabilidade da pretensão doembargante, não se considerando precludidas asquestões que podiam ter sido motivo de inde-ferimento liminar — cfr. n.º 5 do artigo 234.º doCódigo de Processo Civil.

5. Da tempestividade dos embargos

A embargante foi citada em 8 de Novembrode 1996 e apresentou a sua petição de embargosem 17 de Janeiro de 1997.

Quer justificar tê-lo feito muito para além doprazo de 10 dias que lhe foi concedido paraembargar com a invocação do n.º 2 do artigo 486.ºdo Código de Processo Civil, na versão anteriordeste diploma, ainda aplicável por força do ar-tigo 16.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 deDezembro.

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258 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

Dispunha o referido n.º 2 que, «quando ter-mine em dias diferentes o prazo para a defesapor parte dos vários réus, a contestação de todosou de cada um deles pode ser oferecida até aotermo do prazo que começou a correr em últimolugar; mas se o autor desistir da instância ou dopedido relativamente a algum dos réus ainda nãocitado, podem os outros oferecer as suas con-testações como se ele houvesse sido citado nodia em que foi apresentado o pedido de desis-tência».

Socorrendo-se deste dispositivo, e porque aco-executada Projectinor apenas foi citada em22 de Janeiro de 1997, pretende que se considereque os embargos foram apresentados tempes-tivamente, mas as instâncias assim não o enten-deram.

Vejamos.

O artigo 486.º dispõe sobre o prazo para acontestação, procurando conceder aos réus apossibilidade de apresentarem uma defesa con-junta, sem que isso interfira no normal anda-mento do processo, que só poderia prosseguircom a apresentação da última contestação ou como decurso do prazo em que poderia ser apresen-tada.

Como ensinava o Prof. Anselmo de Castro,Acção Executiva Singular, Comum e Especial,3.ª ed., pág. 315, embora os embargos de exe-cutado sejam um meio de oposição à execução,consistem numa oposição-acção e não numa opo-sição-contestação.

E o Prof. Lebre de Freitas, A Acção Executiva,2.ª ed., pág. 165, faz notar que, sendo váriosexecutados, pôs-se, na vigência do Código ante-rior à revisão, o problema de saber se tem aplica-ção o artigo 486.º, n.º 2, concluindo pela suainaplicabilidade. À primeira vista, acrescenta, dir--se-ia que seria aplicável, dada a remissão gené-rica do antigo artigo 801.º (actual artigo 466.º,n.º 1) para as disposições reguladoras do pro-cesso de declaração. Mas os embargos de exe-cutado não constituem uma contestação e a normado artigo 486.º, n.º 2, é excepcional em face danorma geral do artigo 145.º, n.º 3 (extinção dafaculdade de praticar o acto no termo do prazoperemptório), aparecendo ligada ao estabeleci-mento do efeito cominatório decorrente da falta

de contestação, que a omissão de embargar nãotem. Ora, a aplicação do artigo 486.º, n.º 2, aoprazo para embargar implicaria que os actos exe-cutivos, máxime a penhora, tivessem de aguardaro termo do prazo para embargar do executadocitado em último lugar, em detrimento do exe-quente e em contradição com o carácter indivi-dualizado das providências executivas.

Esta posição foi consagrada, entre outros, nosacórdãos deste Supremo Tribunal de 9 de Outu-bro de 1997, processo n.º 449/97, 2.ª Secção, de10 de Dezembro de 1997, processo n.º 821/97,2.ª Secção, de 23 de Abril de 1998, processon.º 336/98, 1.ª Secção, de 20 de Janeiro de 1999,processo n.º 1224/98, 1.ª Secção, e de 15 de Ju-nho de 1999, processo n.º 519/99, da 1.ª Secção.Defenderam a posição contrária os Profs. J. A.dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II,pág. 47, e o Conselheiro Dr. Lopes Cardoso,Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., pág. 295.

Tendo os embargos a configuração de umaacção declarativa, não há razão para que se aguardeo prazo da citação de todos os executados paraconhecer da oposição de cada um deles, até porque a oposição de um não aproveita aos res-tantes.

Com o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 deDezembro, o n.º 3 do artigo 816.º passou a ter aseguinte redacção:

«Não é aplicável à dedução de embargos odisposto no n.º 2 do artigo 486.º»

Este preceito tem natureza interpretativa, pois,como salienta Roubier citado pelo Prof. BaptistaMachado, Sobre a Aplicação no Tempo do NovoCódigo Civil, pág. 286, é da natureza interpreta-tiva a lei que, sobre um ponto em que a regra dedireito é incerta ou controvertida, vem consagraruma solução que a jurisprudência, por si só, po-deria ter adoptado. A retroacção justifica-se pornão envolver uma violação de quaisquer expecta-tivas seguras e legítimas dos interessados.

Que assim é resulta também do artigo 26.º doDecreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro,que, sendo embora uma disposição transitória,trouxe uma achega definitiva à não aplicabilidadedo n.º 2 do artigo 486.º

Com efeito, no seu n.º 3 dispôs que nas exe-cuções que, à data da entrada em vigor do di-

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ploma, se encontrem pendentes, sem que se ha-jam ordenado ou iniciado as diligências necessá-rias para a realização do pagamento, são aplicá-veis as disposições da lei nova; e a tramitaçãodos embargos integra-se no processo de exe-cução, constando do mesmo livro III, título III.

O decurso do prazo para a apresentação dosembargos, porque peremptório, extinguiu o di-reito de praticar o acto — n.º 3 do artigo 145.º doCódigo de Processo Civil.

Fica prejudicada a apreciação de outras ques-tões.

6. Da decisão

Acorda-se em se conceder provimento ao re-curso, revogando-se a decisão recorrida e julgan-do-se extemporâneos os embargos deduzidos.

Custas pela requerente.

Lisboa, 10 de Outubro de 2000.

Aragão Seia (Relator) — Lopes Pinto — Ri-beiro Coelho.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 15.º Juízo Cível de Lisboa, processo n.º 490-A/96.

II — Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6748/99.

Além da jurisprudência e doutrina citadas no texto, merecem referência os acórdãos do SupremoTribunal de Justiça de:

— 30 de Junho de 1998, processo n.º 737/98;— 27 de Maio de 1999, processo n.º 447/99;— 9 de Dezembro de 1999, processo n.º 865/99;— 4 de Maio de 2000, processo n.º 306/2000;

in http://www.dgsi.pt.jstj.(V. M.)

Acção executiva — Embargos de executado — Sucessão, mortiscausa, na titularidade da orbigação

I — No caso de sucessão mortis causa na titularidade da obrigação exequenda,entre o momento da formação do título e o da propositura da acção executiva, assumema posição de executados os sucessores da pessoa que figura no título como devedor,sendo irrelevante que a herança se mantenha indivisa — cfr. o artigo 56.º, n.º 1, doCódigo de Processo Civil.

II — Com efeito, o facto de a herança ser responsável pelo passivo deixado pelo decujos nada tem a ver com a legitimidade passiva na acção executiva, relevando apenaspara os efeitos de determinar os bens que podem ser penhorados quando a execução émovida contra os herdeiros — cfr. o artigo 827.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 10 de Outubro de 2000Processo n.º 2515/2000

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260 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por apenso à execução para pagamento dequantia certa movida pela Caixa de Crédito Agrí-cola Mútuo de Vale de Cambra, C. R. L., contra,designadamente, José Luís Godinho Gomes,como sucessor de Jerónimo Ferreira Gomes, veioele deduzir embargos de executado.

Em síntese, alegou que, tendo a letra sido subs-crita pelo, entretanto falecido, Jerónimo e nãotendo sido partilhada a herança deste, só tal he-rança e não ele, como herdeiro, podia ser parte naexecução.

Após contestação, os embargos improcederamno saneador.

Inconformado, o embargante recorreu, massem êxito, pois a Relação do Porto, por acórdãode 9 de Março de 2000, fazendo uso, nomeada-mente, do disposto no n.º 5 do artigo 713.º doCódigo de Processo Civil, confirmou o senten-ciado.

2. Ainda irresignado, o embargante recorreupara este Supremo Tribunal, tendo culminado asua alegação com estas conclusões:

I — Ao não apreciar a matéria de facto cons-tante dos artigos 2.º a 4.º da petição de embargos,que não foi objecto de impugnação, a decisão da1.ª instância «ficou ferida de nulidade» e o acórdãorecorrido «negou provimento à arguição dessanulidade, porque fez uma errada interpretaçãodos artigos 5.º e 6.º, alínea a), do Código de Pro-cesso Civil e do artigo 2068.º do Código Civil».

II — «A mesma decisão sob recurso, ao nãodar como assente tal matéria», violou o dispostono n.º 4 do artigo 668.º, na alínea d) do n.º 1 doartigo 712.º do Código de Processo Civil e noartigo 715.º do Código de Processo Civil, «namedida em que os autos forneciam todos os ele-mentos para a sua apreciação».

III — «Resulta, assim, dos factos assentes e adar como assentes que o título dado à execuçãofoi subscrito por Jerónimo Ferreira Gomes, comofiador, que este faleceu antes de instaurada a exe-cução, que deixou como únicos herdeiros o agra-vante, sua irmã Anabela e sua mãe Belmira, es-tando indiviso o seu acervo hereditário.»

IV — «Não estando ainda efectuada a parti-lha, é a herança indivisa, como património autó-

nomo, que responde pelo pagamento da obriga-ção de dívida do falecido consubstanciada no tí-tulo dado à execução, sendo esta — a herança —a sucessora das obrigações do falecido e não osseus herdeiros, designadamente o agravante.»

V — «Tendo a acção executiva sido propostacontra o herdeiro (os herdeiros) do falecido fia-dor, este deve ser declarado parte ilegítima, poisquem tem legitimidade para a execução é a he-rança, por força do estatuído nos artigos 6.º,n.º 1, alínea a), 56.º, n.º 1, do Código de ProcessoCivil e 2068.º do Código Civil.»

VI — «A decisão recorrida, ao assim não con-siderar, fez uma errada interpretação da lei deprocesso, designadamente do estatuído nos arti-gos 5.º, 6.º, 56.º, n.º 1, 712.º, n.º 1, alínea a), e715.º, todos do Código de Processo Civil».

3. Em contra-alegações, a exequente bateu-sepela confirmação do julgado.

4. A Relação do Porto, por acórdão de 1 deJunho de 2000, sustentou não se verificar a nuli-dade do acórdão de 9 de Março de 2000, arguidano n.º 4 das conclusões da alegação do recor-rente, sob o pretexto de que «a matéria factualconstante dos artigos 2.º a 4.º da petição inicial,na parte que interessa, foi tida em conta».

Foram colhidos os vistos.

5. Os factos assentes e relevantes são estes:

a) O instrumento de «contrato de emprés-timo garantido por fiança» dado à exe-cução foi subscrito por Jerónimo FerreiraGomes, como fiador;

b) Jerónimo Ferreira Gomes faleceu em 3 deJulho de 1997, antes de instaurada a exe-cução;

c) José Luís Godinho Gomes, juntamentecom as também executadas Anabela eBelmira, constituem todos os herdeirosde Jerónimo Ferreira Gomes;

d) Até à data não foi feita qualquer partilhados bens deixados pelo falecido Jerónimo(de quem a Belmira era mulher, sendo seusfilhos Anabela e José Luís), nem corretermos qualquer inventário para o efeito,nem o embargante recebeu qualquer bemdo autor da herança.

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6. O recorrente aceita expressamente que osúnicos herdeiros de Jerónimo Ferreira Gomes são,além dele próprio, as também executadas Belmirae Anabela.

Todavia, sustenta que «quem tem legitimi-dade para a execução é a herança», pois, «nãoestando ainda efectuada a partilha», é a «herançaindivisa» «a sucessora nas obrigações do fale-cido e não os seus herdeiros, designadamente oagravante».

Sem razão, no entanto.

7. O n.º 1 do artigo 55.º do Código de Pro-cesso Civil (são deste diploma todos os precei-tos citados sem menção de proveniência) enunciaa regra geral da legitimidade para a acção exe-cutiva — diferente da que rege para a acção de-clarativa (artigo 26.º) —, conferindo-a a quemfigura no título como credor (legitimidade activa)ou como devedor da obrigação exequenda (legiti-midade passiva).

Essa regra geral, no entanto, carece de ser adap-tada, desde logo, nos casos de sucessão, intervivos ou mortis causa (artigo 56.º, n.º 1), em quese atribui legitimidade para intervir na execuçãocomo parte principal (exequente ou executado) apessoa que não consta do título.

Assim, tendo havido, nomeadamente, suces-são mortis causa na titularidade da obrigaçãoexequenda «entre o momento da formação dotítulo e o da propositura da acção executiva»(situação que, no nosso caso, importa conside-rar), devem assumir, liminarmente, a posição departe, como executados, os sucessores da pes-soa que figura no título como devedor.

Dito por outras palavras, «a legitimidade queé concedida» ao sujeito que conste do título exe-cutivo como devedor é igualmente «reconhecidaaos seus sucessores».

De realçar, entretanto, que, quando a suces-são na titularidade da obrigação exequenda setiver verificado antes da instauração da acção exe-cutiva, o exequente — por imperativo do artigo56.º, n.º 1, segunda parte — deverá deduzir, logono próprio requerimento inicial, os respecti-vos factos constitutivos da sucessão (cfr. Lebrede Freitas, Código de Processo Civil Anotado,vol. 1.º, págs. 111-113, e A Acção Executiva,2.ª ed., pág. 102; Anselmo de Castro, Acção Exe-

cutiva Singular, Comum e Especial, pág. 75; eMiguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Sin-gular, págs. 135-136).

8. Em face dos princípios jurídicos esquema-ticamente enunciados, é incontroversa a legitimi-dade passiva do recorrente, na medida em que,como herdeiro de Jerónimo Ferreira Gomes, su-cedeu na posição jurídica deste, sendo irrelevante,pois, a inexistência de partilha da herança.

O facto de a herança ser a responsável pelopassivo deixado pelo falecido Jerónimo é ques-tão que nada tem a ver com a legitimidade pas-siva na acção executiva.

Ela prende-se, apenas, com os bens que po-dem ser penhorados.

É que, «na execução movida contra o her-deiro, só podem penhorar-se os bens que ele te-nha recebido do autor da herança» (artigo 827.º,n.º 1).

9. Acentue-se, a terminar, que, ao invés dopreconizado pelo recorrente, o acórdão impug-nado não padece de qualquer nulidade.

Trata-se, aliás, de censura não conveniente-mente concretizada.

De todo o modo, se se pretendeu aludir aovício de omissão de pronúncia [artigo 668.º,n.º 1, alínea d), primeira parte], como parece de-duzir-se da conclusão expressa em 2-II, é pa-tente a ausência de tal vício.

É que o acórdão recorrido pronunciou-se so-bre as questões que devia apreciar e sobre todaselas.

Quando muito, poderia entender-se que, natese do recorrente, não teria sido apreciada todaa argumentação que desenvolveu. Mas, nem poreste prisma, o acórdão será passível de qualquercrítica.

10. Pelo exposto, nega-se provimento aoagravo e condena-se o recorrente nas custas.

Lisboa, 10 de Outubro de 2000.

Silva Paixão (Relator) — Armando Lou-renço — Silva Graça.

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262 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do Tribunal de Vale de Cambra, processo n.º 32-A/98.

I — Acórdão da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 235/2000.

Não foi encontrada qualquer decisão recente do Supremo Tribunal de Justiça sobre as matériasconstantes do sumário.

No entanto, sobre a primeira proposição, poderá ter algum interesse confrontar o acórdão de28 de Junho de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Boletim, n.º 438, pág. 409, e sobrea segunda proposição afigura-se interessante consultar o acórdão do mesmo Tribunal de 9 de Feve-reiro de 1993, publicado no Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça, ano I, tomo I, 1993, pág. 145.

(M. G. D.)

Recuperação de empresa — Despacho de prosseguimento daacção — Deliberação da assembleia de credores — Homo-logação — Poderes do juiz

I — O despacho em que o juiz, nos termos do artigo 25.º do Código dos ProcessosEspeciais de Recuperação da Empresa e de Falência, ordena o prosseguimento do pro-cesso, não o vincula em termos de, ulteriormente, ter que homologar qualquer medida derecuperação aprovada pela assembleia de credores.

II — Para efeitos de homologação da medida de recuperação aprovada pelaassembleia de credores o juiz deve verificar, além dos pressupostos formais de funciona-mento da assembleia e da medida de recuperação escolhida, se a recuperanda possuiviabilidade económica, pressusposto essencial da recuperação.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 94/2000 — 7.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

No processo especial de recuperação de em-presa de M. Bronze — Sociedade de Constru-ções, S. A., que corre termos pelo 5.º Juízo Cíveldo Tribunal da Comarca do Porto, iniciado porrequerimento em que se pedia a respectiva falên-cia, apresentado pela sociedade José Pimentel.Nunes & Filhos, L.da, após longas e demoradasdiligências e prática de actos judiciais, a quecorrespondeu um quase caótico processamento

dos autos, foi, e na parte que nos interessa, emcontinuação da assembleia de credores devida-mente convocada para 31 de Maio de 1996, re-querido pelo gestor judicial, com oposição darecuperanda, «que a verba recebida pela empresano montante de 75 000 000$00 seja destinada aopresente processo de recuperação de empresa edepositada à ordem do M.mo Juiz do processo»,bem como «a notificação da Câmara Municipalde Vila Nova de Gaia para informar ao tribunal sejá desbloqueou a verba de cerca de 15 000 000$00retidos por essa Câmara ao abrigo do disposto

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263 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

no artigo 141.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 235/86,de 18 de Agosto, respeitante a um contrato deempreitada (construção da via 13 — 1.ª fase/Ruadas Lajes/Estrada Nacional n.º 1) em 7 de De-zembro de 1989, no âmbito de um concurso pú-blico publicado no Diário da República, III Série,de 27 de Abril de 1989» (fls. 1404).

Pronunciando-se sobre tal requerimento, oM.mo Juiz determinou que «seja a Câmara Muni-cipal de Vila Nova de Gaia notificada para infor-mar nos autos de todas as movimentações dedinheiros referidos pelo Sr. Gestor Judicial; sejaa empresa requerida notificada para, no prazo detrês dias, informar o Sr. Gestor Judicial atravésdos autos de todo e qualquer pagamento que hajasido feito à empresa requerida e do destino elocalização dada aos valores recebidos; seja aempresa requerida notificada para nas mesmascondições informar do paradeiro das quantiasconcretas referidas pelo Sr. Gestor Judicial(15 000 000$00 e 7 500 000$00); que igual infor-mação seja prestada no prazo de três dias após orecebimento de qualquer pagamento recebidoposteriormente a essa data; autorizar que a mo-vimentação desse capital seja feita mediante contabancária da requerida e apenas desta; que estedespacho seja notificado à empresa na pessoa doseu mandatário e, pessoalmente, na pessoa dosseus administradores Srs. Joaquim Rui NunesMagalhães e Alberto José Ferreira Pacheco»(fls. 1405 e 1407).

Desta decisão interpôs recurso a recuperanda,recurso recebido como agravo, com subidadiferida e efeito devolutivo (fls. 1409 e 1410).

Mais tarde, ainda em continuação da assem-bleia de credores, em 17 de Junho de 1996, foiaprovada, com ligeiras alterações propostas pelarequerida, a medida de recuperação de gestãocontrolada da sociedade M. Bronze — Socie-dade de Construções, S. A., proposta peloSr. Gestor Judicial e constante de fls. 1299 a1337 (cfr. acta de fls. 1446 a 1453).

Pronunciando-se acerca da medida aprovada,veio o M.mo Juiz a decidir «não homologar a de-liberação da assembleia de credores do dia 17 deJunho de 1996 que aprovou a medida de re-cuperação proposta pelo Sr. Gestor Judicial»(fls. 1468 v.º a 1471 v.º).

Da mencionada decisão interpôs recurso arequerida M. Bronze, recurso que foi admitido

como agravo, com subida imediata nos própriosautos, e com efeito suspensivo (fls. 1478 e 1479).

Na altura devida a recorrente apresentou ale-gações de recurso tão-só quanto ao interpostodo despacho que recusou a homologação da me-dida de gestão controlada aprovada em assem-bleia de credores (fls. 1498 a 1501), omitindo-asno respeitante ao recurso interposto do despa-cho de fls. 1405 a 1407.

Depois de grande confusão processual (eramvários os recursos interpostos e diversos os re-correntes), a Relação do Porto, sem se pronun-ciar quanto ao agravo não alegado, conheceu dorecurso do despacho que não homologou a me-dida de recuperação, negando-lhe provimento econfirmando a decisão recorrida (fls. 1756 a 1762).

Desse acórdão recorreu novamente a recupe-randa M. Bronze, agora para este Tribunal, re-curso recebido como agravo, com efeito suspen-sivo.

Apresentou, neste recurso, alegações (fls. 1774a 1785), pugnando pela revogação do acórdãorecorrido, mantendo-se silenciosa quanto aorecurso interposto do despacho de fls. 1405 a1407, proferido pelo M.mo Juiz de 1.ª Instância.

Não foram deduzidas contra-alegações.Verificados os pressupostos legais de actua-

ção do tribunal, corridos os vistos, cumpre de-cidir.

Desde logo há que tomar posição acerca dorecurso interposto pela requerida do despachode fls. 1405 a 1407.

Relativamente a este recurso a recorrente (dadaa aplicação do anterior regime do Código de Pro-cesso Civil — artigo 746.º, n.º 1) deveria ter apre-sentado alegações, em derradeira análise quandoo agravo devesse subir.

E não o fez.Ora, nos termos do artigo 690.º, n.º 3, do Có-

digo de Processo Civil, na falta de alegação orecurso é logo julgado deserto. Deserção esta queé oficiosamente declarada pelo julgador.

Acontece, porém, que até agora nenhuma en-tidade — nem na 1.ª nem na 2.ª instância —julgou o recurso deserto.

Ocorre, assim, uma omissão que importa re-parar, ao abrigo do preceituado nos artigos 202.º,

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última parte, e 660.º, n.º 2, in fine, do diplomaprocessual.

Em consequência, atento o exposto, suprindoas omissões (nulidades verificadas), haverá quejulgar este recurso deserto por falta de alegações.

Quanto ao outro agravo interposto e sendo,em princípio, pelas conclusões das alegações quese determina o objecto do recurso (artigos 684.º,n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de ProcessoCivil), interessa referir, embora em síntese, o teordas conclusões formuladas pela agravante.

1 — A recorrente foi considerada economica-mente viável aquando do despacho exarado peloM.mo Juiz nos termos do artigo 25.º do Códigodos Processos Especiais de Recuperação daEmpresa e de Falência, despacho esse transitadoem julgado.

2 — A providência de gestão controlada apro-vada em termos de modo e conteúdo da delibera-ção dos credores contém todos os elementoslegais que permitem a respectiva homologação, oplano apresentado reclama dois anos para a co-brança de todos os elevados créditos da recupe-randa a fim de com eles se sanear o passivo daempresa, nele se não propondo a venda de qual-quer outro activo e determinando-se a escolha denovos titulares do órgão de gestão e fixação deum regime próprio de administração, pelo que oacórdão recorrido, ao não homologar essa provi-dência, ofende o disposto no artigo 56.º do Có-digo dos Processos Especiais de Recuperação daEmpresa e de Falência.

3 — O acórdão recorrido parte da convicçãode que a recorrente não possui viabilidade eco-nómica (que é um conceito de direito e, como tal,há-de resultar dos factos dados por assentes),embora possa ser financeiramente recuperada,com fundamento em que a empresa não possuitrabalhadores nem obras em carteira, encontran-do-se em situação de inactividade, considerandoerradamente que a viabilidade financeira foi vo-tada para a recorrente vender os alvarás, apenasporque o gestor judicial alude a uma hipotéticavenda dos alvarás após a gestão controlada (talvenda não consta do plano), o que não é possíveljuridicamente fazer.

4 — A gestão controlada votada tem por ob-jectivo, nos dois anos fixados, apenas a recupe-ração de créditos e não a venda de qualquer direito,

pelo que, finda esta, que consequentemente étemporária, a empresa será gerida nos termos econdições entendidos pelos donos do capitalsocial, sendo certo que, não tendo trabalhadoresnem encomendas em carteira, não está impedidade contratar pessoal e concorrer a obras para oque possui alvarás que não seriam sustentáveisse a empresa não tivesse viabilidade económica(Decreto-Lei n.º 100/88, de 23 de Março).

5 — Partir do princípio de que a empresa nãoé viável porque durante o período da gestão con-trolada, que é temporária, esta se vai dedicar ex-clusivamente à recuperação da totalidade dos seuscréditos, a fim de se recuperar financeiramente,constitui uma análise de motivação e leitura doselementos contabilísticos e outros que excedema função de homologação prevista no artigo 56.ºdo Código dos Processos Especiais de Recupe-ração da Empresa e de Falência.

6 — Por isso, não pondo o tribunal recorridoem causa a possibilidade de recuperação finan-ceira da empresa e não pondo o plano de gestãocontrolada em causa a possibilidade de, após arecuperação, ser devolvida com activos e comoorganização aos detentores do capital social, nãoexistem quaisquer factos que permitam concluirpela possibilidade de reprovação da providênciavotada, o que constituiria, além do mais, viola-ção do disposto no artigo 208.º da Constituição.

Importa, para conhecimento do recurso, to-mar em consideração a seguinte matéria factual,que está assente:

a) Foi proferido nos autos pelo M.mo Juizdespacho a ordenar o prosseguimento do pro-cesso, nos termos do artigo 25.º, n.º 3, do Códigodos Processos Especiais de Recuperação daEmpresa e de Falência.

b) Foi proposta na assembleia de credorespelo Sr. Gestor Judicial, conforme relatório defls. 1299 a 1337, a medida de recuperação degestão controlada, a realizar mediante o cumpri-mento das seguintes medidas: 1 — execução doregime de cobranças (judicial e extrajudicial) nosentido de realização de meios financeiros da em-presa; 2 — prazo de vigência da gestão contro-lada — dois anos, podendo ser prorrogada pormais um ano, nos termos do artigo 103.º do Có-digo dos Processos Especiais de Recuperação da

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265 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

Empresa e de Falência; 3 — nova administração,incumbida de executar o plano, constituída pelosadministradores cessantes e por individualida-des a designar na assembleia de credores, nostermos do artigo 104.º do referido Código; 4 —fiscalização do cumprimento do plano a cargo deuma comissão representativa da assembleia decredores, com as funções específicas consigna-das nos artigos 105.º e 106.º, constituída por JoséPimentel Nunes, segurança social e ConstruçõesSintagma, L.da; 5 — plano de pagamento — aliquidação do passivo da empresa efectuar-se-ásegundo o esquema atrás apresentado, que con-templa as seguintes medidas de pagamento:5.1 — isenção de juros vincendos abrangendotodos os créditos; 5.2 — reformulação do pas-sivo de forma a rentabilizar os meios libertos nascomponentes de anulação dos juros vencidos,sendo estes no caso da segurança social segundouma taxa determinada pelo total do perdão dosrestantes credores e redução de 65% dos crédi-tos dos credores comuns; 5.3 — carência de umano face à exiguidade dos meios libertos no anode 1996; 5.4 — liquidação dos créditos reformu-lados em cinco anos em prestações mensais àsegurança social e semestrais aos restantes, cominício em 30 de Dezembro de 1996; 5.5 — retomadas contribuições mensais à segurança social apartir da data do trânsito em julgado da sentençahomologatória da deliberação da assembleia decredores; 5.6 — esquema percentual anual dasamortizações do passivo: 1997 — 20%, 1998 —30%, 1999 — 20%, 2000 — 20% e 2001 — 10%.

c) Tal proposta sofreu, na assembleia de cre-dores, as seguintes alterações propugnadas pelarequerida: no ponto 5.4, onde se refere 30 deDezembro de 1997 deve constar 31 de Julho de1997; no ponto 5.5 a data que deve passar aconstar é a «data da assembleia definitiva queaprova a medida de recuperação»; deve ser acres-centado um novo ponto com a numeração de 5.7e o seguinte conteúdo: «deverá ser constituídagarantia idónea pelo valor global da dívida decontribuições e juros de mora, nos termos doartigo 5.º do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17 deOutubro, no prazo de 30 dias a contar da data dotrânsito em julgado da sentença homologatóriada assembleia definitiva de credores».

d) Esta proposta, já modificada, obteve o votofavorável de 75,70% dos credores da requerida.

A primeira questão que se nos coloca é a dadeterminação dos efeitos decorrentes do trânsitoem julgado do despacho em que o M.mo Juiz, nostermos dos artigos 24.º e 25.º do Código dos Pro-cessos Especiais de Recuperação da Empresa ede Falência, ordenou o prosseguimento do pro-cesso de recuperação da empresa H. Bronze, aquirecorrente.

Sobretudo importa saber se, como sustenta arecorrente, depois de proferir aquele despachotem o juiz que se conformar com a medida derecuperação aprovada, mais tarde, pela assem-bleia de credores (concordata, acordo de credo-res, reestruturação financeira ou gestão contro-lada — artigo 4.º do citado Código).

Antes de mais, não pode negar-se a evidênciade que o despacho exarado pelo M.mo Juiz da1.ª Instância, que ordenou o prosseguimento doprocesso de recuperação da empresa, transitouem julgado, uma vez que não foi objecto de qual-quer impugnação.

Tal despacho, no entanto, conforme se infereda respectiva inserção sistemática, é proferidono que podemos designar como o fim da faseintrodutória do processo de recuperação, logoapós a oposição deduzida (ou não) ao requeri-mento inciial (cfr. artigos 15.º e 24.º).

Tendo que ser exarado no prazo de sete diassubsequente ao de 21 dias destinado a que o juizexamine as provas produzidas e realize as dili-gências necessárias à averiguação dos pressupos-tos invocados (artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1).

Ora, no despacho a proferir — e como sededuz da última parte do n.º 1 do artigo 25.º — ojuiz deve decidir sobre o prosseguimento da ac-ção, podendo arquivar o processo se não houverprova dos pressupostos legalmente exigidos ouordenar o seu prosseguimento depois de reco-nhecida a situação de insolvência (n.º 2 do ar-tigo 25.º).

O despacho destina-se, desta forma, depoisda análise das provas produzidas e do conteúdodas diligências realizadas, a uma verificaçãoliminar (prévia) dos pressupostos invocados norequerimento inicial e ao reconhecimento do es-tado de insolvência (agora também, face à redac-ção advinda do Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 deOutubro, de situação económica dificil) tão-sóem ordem a decidir se o processo deve prosse-guir ou há-de ser arquivado.

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266 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

E nada mais do que isto. Ou seja, não se pro-jecta para o futuro, a não ser na medida em que oprosseguimento do processo de recuperação ésua imediata consequência.

Daí que, não obstante o prosseguimento doprocesso de recuperação — tendente, sem dú-vida, à aprovação de qualquer medida recupera-dora —, «se a assembleia de credores não deliberarnos oito meses subsequentes caducam os efeitosdo despacho que o ordenou, devendo ser decre-tada a falência» (artigo 53.º, n.º 1).

Como também se na assembleia de credoresnão for aprovada qualquer medida de recupera-ção com o voto favorável de, pelo menos, 75%dos credores com direito de voto, não haveráhomologação judicial e a falência será declarada(artigos 54.º, n.º 1, e 56.º, n.os 1 e 4).

Donde se infere que o despacho que, pressu-pondo a verificação do estado de insolvência daempresa, ordena o prosseguimento dos autos comvista à sua recuperação, não impõe necessaria-mente (melhor dizendo, não impõe minima-mente) a aplicação de uma medida de recupera-ção, podendo, nos termos legais, e apesar de talanterior despacho, ser decretada a falência darecuperanda.

E se isto é assim relativamente aos inter-venientes, como partes ou interessados no pro-cesso, também o será para o juiz, que, sem em-bargo do despacho que proferiu, não ficou vin-culado — e nos casos atrás mencionados nempode deixar de a contradizer — à sua préviaopção pelo prosseguimento do processo.

Com efeito, e além do mais, já nesta segundafase do processo de recuperação, incumbe ao juizhomologar a deliberação da assembleia de credo-res sobre o meio de recuperação aprovado, po-dendo ou não homologá-la consoante entenda teremsido observadas as normas legais aplicáveis.

Não estando já, nesta decisão homologatória,vinculado ao despacho em que apenas se assegu-rou de que a empresa estava insolvente ou emsituação económica difícil.

Concluindo, o despacho em que o juiz, nostermos do artigo 25.º do Código dos ProcessosEspeciais de Recuperação da Empresa e de Falên-cia, ordena o prosseguimento do processo, nãoo vincula em termos de, ulteriormente, ter quehomologar qualquer medida de recuperaçãoaprovada pela assembleia de credores.

Cuidaremos de seguida — outra questão sus-citada pela agravante — do problema de saberse, aprovada pela assembleia de credores umadada medida de recuperação, poderá o juiz re-cusar a sua homologação, sustentando que, ape-sar da deliberação obtida, a empresa é economica-mente inviável.

O artigo 56.º, n.º 2, do Código dos ProcessosEspeciais de Recuperação da Empresa e de Falên-cia determina que «a homologação depende ape-nas da observância das normas legais aplicáveis».

Sendo que a solução a atingir se prende direc-tamente com a interpretação desse preceito, coma fixação do sentido que consideramos resultarda sua redacção, designadamente no que concerneà observância das normas legais aplicáveis.

Duas orientações se têm perfilado na inter-pretação da referida norma: a do acórdão recor-rido, segundo o qual «para que a medida de gestãocontrolada, aprovada na assembleia de credores,possa ser homologada se torna necessário, cumu-lativamente, que a mesma saneie financeira-mente a empresa e a torne viável economica-mente»; a que foi seguida, por exemplo, peloacórdão da Relação do Porto de 4 de Junho de1998 (1), para o qual a actividade do julgador, nahomologação da deliberação da assembleia de cre-dores, deve cingir-se apenas à verificação e àconstatação das normas legais aplicáveis, nãopodendo, nem devendo, envolver-se em juízosde valor acerca da bondade ou oportunidade dasolução proposta.

Parece indubitável que o n.º 2 daquele artigo56.º, quando refere a observância das normaslegais aplicáveis, pretende contemplar quer asnormas legais que disciplinam o funcionamentoda assembleia quer as que regulamentam a me-dida de recuperação concretamente aprovada.

Cremos, no entanto, que a apreciação a fazerpelo juiz da observância das normas legais nãopode ater-se à simples verificação formal dosprocedimentos adoptados (não é isso que se con-clui da expressão normas jurídicas aplicáveis).

(1) Processo n.º 168/98, da 3.ª Secção; no mesmo sentido,na sequência da tese sugerida por Luís Carvalho Fernandes eJoão Labareda, Código dos Processos Especiais de Recupe-ração da Empresa e de Falência Anotado, Lisboa, 1994,pag. 162, o acórdão da Relação de Coimbra de 19 de Novem-bro de 1996, Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo V,pág. 11.

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267 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

Nem é esse o sentido preconizado pelo Có-digo citado em cujo diploma preambular (2) sepode ler «que a intervenção dos poderes públi-cos para aplicação das providências de recupera-ção económica de empresas insolventes, queenvolvem sempre sacrifícios mais ou menos pe-sados para muitas das empresas credoras, só temjustificação plena, ao nível da própria economianacional globalmente considerada, quando e en-quanto o comerciante ou a sociedade devedora sepossam considerar realmente como unidades eco-nómicas viáveis».

É certo que o mesmo diploma afirma, «emtermos categóricos, a prioridade do regime derecuperação sobre o processo de falência con-ducente à extinção definitiva da empresa deve-dora».

Mas não à revelia de qualquer apreciação dasregras conformadoras da aplicação da medida derecuperação aprovada.

Aliás, de tal entendimento é elucidativo opreâmbulo do Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 deOutubro (que alterou o Código dos ProcessosEspeciais de Recuperação da Empresa e de Fa-lência), quando pretende reinvestir «o juiz nasua genuína função de decisor, de garante da lega-lidade do processo, na base do entendimento deque a recuperação da empresa se deve processar,no plano do mérito, através dos que, para oefeito, estão naturalmente vocacionados»; equando afirma que «o juiz funciona, eminente-mente, como instância de fiscalização e de re-curso, repondo a legalidade geradora de novosconsensos».

Nessa perspectiva a gestão controlada, meiode recuperação que assenta num plano de actua-ção global, concertado entre os credores e exe-cutado por intermédio de nova administração,com um regime próprio de fiscalização (artigo97.º), tem necessariamente como pressupostoessencial — possível de fiscalizar como normalegal aplicável — a viabilidade económica da em-presa (cfr. artigo 5.º).

É que, sendo embora o processo de recupera-ção da empresa um processo particularmentecoordenado pelos credores (e o gestor judicial), aele estão subjacentes interesses públicos de na-

tureza económica, inserida toda esta temática noâmbito das incumbências do Estado relativamenteà organização económica (cfr. artigo 81.º da Cons-tituição).

Daí que sempre deva estar presente, na apre-ciação da medida de recuperação aprovada, o in-teresse público da existência ou não da viabilidadeeconómica da empresa recuperanda, em ordem aassegurar a protecção não só dos credores mastambém das demais empresas ou pessoas que,no caso de recuperação, irão certamente relacio-nar-se com aquela, tudo necessariamente subor-dinado ao superior interesse da organização globalda economia.

Deste modo parece-nos poder concluir quepara efeitos de homologação da medida de re-cuperação aprovada pela assembleia de credoreso juiz deve verificar, além dos pressupostos for-mais de funcionamento da assembleia e da me-dida de recuperação escolhida, se a recuperandapossui viabilidade económica, pressuposto es-sencial da recuperação.

Analisaremos, portanto, agora, a questão daviabilidade económica da recorrente — que oacórdão recorrido entendeu não ocorrer — umavez que se nos afigura tratar-se de situaçãosindicável por este Tribunal por constituir umaconclusão tecnico-jurídica a extrair dos factos quese têm por verificados (3).

Sendo certo que, neste particular aspecto, senos afigura assistir razão à recorrente.

Parte, desde logo, a nosso ver, o acórdão re-corrido de uma premissa não verificada: a de queo relatório do gestor judicial tem como assenteque a empresa é inviável do ponto de vista eco-nómico, já que aquele relatório é, no mínimo,absolutamente incoerente.

Nele se afirma, de facto, que «dada a situaçãode inactividade em que se encontra a empresa,agravada pela impossibilidade prática de a curtoprazo alterar esse estado, a recuperação econó-mica está longe do horizonte deste relatório»;porém, logo a seguir, se refere que «dado perfi-

(2) Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril.

(3) Em sentido contrário, isto é, considerando que nãocabe nos poderes do Supremo censurar o juízo da instânciaacerca da inviabilidade económica da empresa decidiu oacórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Abril de1996, no processo n.º 558/83, da 2.ª Secção.

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lar-se a alienação da sociedade para uma compa-nhia estrangeira, dependendo o negócio do sa-neamento da M. Bronze, entende-se apresentaraos credores as possibilidades de viabilização»(fls. 1324).

Ficamos sem saber o que pensar. E ficamos,principalmente, sem saber (não sendo o gestorjudicial um qualquer leigo na matéria — claro quea recorrente até sustenta que o é), a que propó-sito é que se entendia não ser economicamenteviável a empresa, apresentou aos credores umaproposta em que sugeria a aprovação da medidarecuperadora de gestão controlada (ainda por cimacom a execução e o cumprimento do plano a con-tinuarem para além do período de duração dessamedida — propõe que a vigência da gestão con-trolada seja, no máximo, de três anos, ou seja, até1999, sugerindo que o passivo venha a ser liqui-dado até 2001).

Além disso, aquele relatório assenta claramentenum equívoco: prevê a alienação da sociedade auma empresa estrangeira (o que, naturalmente,pressupõe a continuação da sua actividade, jáque, não obstante a alienação, a sociedade será amesma), dando, por outro lado, a entender queessa alienação se traduz apenas na transacçãodos alvarás (concedidos pela Administração einsusceptíveis de transacção — artigo 3.º doDecreto-Lei n.º 100/88, de 23 de Março).

E foi essencialmente neste equivoco, situaçãonão verificável, que, em nosso entender, noacórdão recorrido se fundamentou a decisão to-mada.

Claro que outros elementos constantes do re-latório do gestor judicial conduziram à soluçãoadoptada pelo aresto em crise: a situação de inac-tividade da empresa, agravada pela impossibili-dade prática de, a curto prazo, alterar esse estado(sem trabalhadores, sem equipamento, sem en-comendas em carteira, numa área económica al-tamente concorrencial como a construção civil).

Não são, todavia, esses elementos suficientespara caracterizar a situação de inviabilidade eco-nómica da empresa, pelo menos à partida.

Na verdade, e como bem argumenta a agra-vante, a empresa não está impedida de contratarpessoal e concorrer a obras, para o que possui osnecessários alvarás, não estando, muito menos,impedida de subempreitar, com lucro, as obras aque concorrer e lhe forem adjudicadas.

Cremos, dado o exposto, não estarem real-mente demonstrados factos que justifiquem con-siderar a recorrente como empresa economica-mente inviável.

Situação essa, aliás, que, para obviar à homo-logação da medida de recuperação aprovada pelaassembleia de credores, teria, sem qualquer dú-vida, de ser inequívoca e objectivamente consta-tada, dado não podermos olvidar que a posiçãodos credores é claramente determinante neste tipode processo e que a lei considera prioritária, emdetrimento da falência, a recuperação da empresa.

Procede, pois, a pretensão, neste âmbito, vei-culada pela recorrente.

Termos em que se decide:

a) Julgar deserto, por falta de alegações, orecurso interposto pela recorrente do des-pacho proferido pelo M.mo Juiz da 1.ª Ins-tância, de fls. 1405 a 1407;

b) Conceder provimento ao recurso de agra-vo interposto do acórdão recorrido pelarecorrente M. Bronze — Sociedade deConstruções, S. A.;

c) Revogar o mencionado acórdão, determi-nando que, após a baixa do processo à1.ª instância, seja proferido despacho quehomologue a medida de gestão controladaaprovada na assembleia de credores de 17de Junho de 1996;

d) Condenar a recorrente nas custas do re-curso julgado deserto;

e) Não tributar o recurso provido por nãohaver lugar a pagamento de custas.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Fernando Araújo Barros (Relator) — SousaDinis — Miranda Gusmão (voto a decisão combase no entendimento seguido pelo acórdão daRelação do Porto de 4 de Junho de 1998 para oqual a actividade do julgador, na homologação dedeliberação da assembleia de credores, deve cin-gir-se apenas à verificação e à constatação dasnormas legais aplicáveis, não podendo, nem de-vendo, envolver-se nos juízos de valor acerca dabondade ou oportunidade da solução proposta).

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269 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Despacho da 3.ª Secção do 5.º Juízo Cível da Comarca do Porto, processo n.º 8684/94.

II — Acórdão da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1409/98.

O entendimento veiculado pelo acórdão, designadamente no tocante à segunda proposição su-mariada, escapa ao entendimento dominante, como, aliás, decorre do voto nele exarado, como tambémdos subsídios jurisprudenciais e de doutrina citados no seu texto, cuja consulta, para efeitos deconfronto, se aconselha.

(A. A. P. C.)

Acção de inabilitação — Prodigalidade (jogo) — Artigo 152.º doCódigo Civil

I — Protegendo indirectamente os interesses dos cônjuges e dos herdeiros legiti-mários, a inabilitação visa em primeiro lugar acautelar os interesses do pródigo contraa sua incapacidade.

II — A prodigalidade abrange aqueles que praticam habitualmente actos dedelapidação patrimonial, actos de dissipação, de despesas desproporcionadas aos ren-dimentos.

III — Para que, nos termos do artigo 152.º do Código Civil, a inabilitação sejadeclarada, é necessário que a prodigalidade, além de prejudicial, seja actual (que severifique no momento em que se pretende inabilitar) e permanente (no sentido de que nãobastam um ou alguns actos, sendo necessário que assuma um carácter duradouro).

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 17 de Outubro de 2000Revista n.º 2039/2000

ACORDAM, em conferência, no SupremoTribunal de Justiça:

I — Helena Maria Lima Taboza Dias PeralRibeiro intentou acção de inabilitação por prodi-galidade contra Maria Helena Lima Taboza Dias.

Alegou que a requerida, sua mãe, se tem mos-trado incapaz de reger convenientemente o seupatrimónio, pela sua habitual prodigalidade.

Contestando, a ré sustentou que os seus gas-tos são úteis e proporcionados.

O processo prosseguiu termos, tendo tidolugar audiência de discussão e julgamento, sendoproferida sentença que ordenou a interdição de-finitiva da arguida.

Apelou a ré.O Tribunal da Relação revogou a decisão.Inconformada, recorre a autora para este Tri-

bunal.

Formula as seguintes conclusões:

— Para que seja decretada a medida aqui emcausa, com fundamento em prodigalidade, torna--se necessário o preenchimento de determinadosrequisitos que se extraem da norma do artigo 152.ºdo Código Civil — despesas desproporcionadaspor contraposição aos rendimentos auferidos;adstritas a um fim não nobre; que colocam emrisco, ou atingem, o capital do pródigo; injus-tificadas e improdutivas; despesas habituais e

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270 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

não resultantes de um acto isolado, a fim de seaferir da existência ou inexistência da prodigali-dade.

Depois, e tendo em vista o caso concreto,teremos de descortinar se, da matéria dada comoprovada, se pode extrair a conclusão de que aarguida se enquadra no conceito de pródiga;

— Tal matéria dever-se-á extrair e concluir daarticulação de factos que permitam ao Tribunaldecretar a medida, mercê da previsão do artigo152.º do Código Civil e da qualificação jurídicaque, desses factos, se faça, com a consequenteaplicação e fixação a estes do regime jurídico ade-quado. No caso provou-se que a requerida gas-tou verbas altamente desproporcionadas emrelação ao seu rendimento, atingindo e prejudi-cando o seu capital/património de forma injus-tificada e improdutiva, sendo tais gastos cons-tantes e habituais, tendo sido, de toda a forma,alegado e provado a incapacidade da requeridapara reger convenientemente o seu património,prova e requisito essencial para a decretação damedida;

— Os factos provados na acção caracterizama prodigalidade da requerida, tendo de conduzir àdecretação da medida, atenta uma correcta quali-ficação jurídica daqueles que teria, assim, de le-var à aplicação da norma do artigo 152.º, dessaforma correctamente interpretada e aplicada;

— O acórdão objecto de recurso fez erradainterpretação e aplicação da norma do artigo 152.ºdo Código Civil e uma errada qualificação esubsunção aos factos, conduzindo à inadequaçãodo regime jurídico encontrado e aplicado, tendosido violado o sentido daquela norma (assim cor-rectamente interpretada e aplicada). Os factosprovados são notoriamente subsumíveis na pre-visão do artigo 152.º do Código Civil, preenchendotodos os requisitos daquela norma;

— Estão preenchidos todos os requisitos epressupostos que permitem ao Tribunal decre-tar a medida, nos termos e no seguimento dodecretado em 1.ª instância, atenta a correcta in-terpretação dessa norma e do conceito de direitoque comporta;

— Mas, sem conceder, ainda que se entendana esteira da argumentação do acórdão recorridoque «os factos dados por assentes não justificamo decretamento de tal medida», pois vêm desa-companhados «de outros factos que pudessem

indiciar que a requerida estava a delapidar os seusbens em casinos» dado que «nem se esclarece aque tipos de jogos de azar a requerida se dedica»,não estando «estabelecido o nexo de ligação en-tre as idas ao casino ou o simples dedicar-se aosjogos de azar e a dissipação ruinosa dos bens darequerida», o que, sublinhe-se mais uma vez, nãose aceita por tudo o que deixamos supra-exposto,sempre esse Tribunal teria de considerar e orde-nar a aplicação ao caso do disposto no artigo729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, proce-dendo-se à necessária ampliação da decisão defacto por forma a possibilitar ou a constituir basesuficiente para a decisão de direito, ordenando-sea remessa ao Tribunal recorrido para esse efeito.

Contra-alegando, a recorrida defendeu a ma-nutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II — Vem dado como provado:

Helena Maria Lima Taboza Dias Peral Ri-beiro é filha de Maria Helena Lima Taboza Dias;

Desde há mais de 20 anos que a arguida sededica habitualmente aos jogos de azar;

Desde 1989 que a arguida, para além do valoraproximado de 180 000$00 das suas pensões,dispôs de 11 500 000$00;

A arguida vendeu e ou empenhou todos osobjectos de valor que lhe pertenciam;

A filha da arguida retirou de uma contadesta da Caixa Geral de Depósitos a quantia de7 000 000$00.

A autora intentou contra a ré, sua mãe, acçãode inabilitação por prodigalidade.

A acção foi julgada procedente na 1.ª instân-cia, sentença essa revogada pelo Tribunal da Re-lação, que decidiu pela improcedência.

Recorre por isso a autora.A questão a decidir consiste em saber se exis-

tem elementos de facto bastantes para ser decla-rada a inabilitação.

O artigo 152.º do Código Civil estipula, noque aqui interessa, que podem ser inabilitadosaqueles que, pela sua habitual prodigalidade, semostrem incapazes de reger convenientemente oseu património.

As inabilitações são uma fonte de incapaci-dade introduzida no actual Código Civil. Corres-

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271 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

pondem «grosso modo» às antigas interdiçõesparciais, embora seja diferente o seu regime.

Protegendo indirectamente os interesses doscônjuges e dos herdeiros legitimários, a inabilita-ção visa em primeiro lugar acautelar os interes-ses do próprio pródigo contra a sua própriaincapacidade — Prof. Pires de Lima e AntunesVarela, Código Civil Anotado, I, pág. 99.

Nas Ordenações Filipinas pródigo era quem«desordenadamente gastar» ou «destroi a suafazenda».

O conceito não evoluiu muito desde então.A prodigalidade abrange aqueles que praticamhabitualmente actos de delapidação patrimonial,actos de dissipação, de despesas desproporcio-nadas aos rendimentos.

Haverá sempre que ter em conta o equilíbrioentre despesas e rendimento.

Não existirá, em princípio, prodigalidade seos rendimentos comportarem as despesas.

É necessário que «as despesas ultrapassemo rendimento e ponham em risco o capital» —Prof. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil,3.ª ed., pág. 236, notas 1 e 2.

Há assim uma ideia de relatividade no conceito,já que as despesas não são desproporcionadasou ruinosas em si mesmas, mas sim em confrontocom os meios patrimoniais de que se dispõe.

Para que a inabilitação seja declarada, além daprejudicialidade imposta pelo referido artigo152.º, é ainda necessário que ocorram as caracte-rísticas de actualidade e permanência.

Actual, porque deve existir no momento emque se pretende inabilitar a pessoa e não no pas-sado ou futuro.

Permanente, já que não basta um ou algunsactos, tornando-se necessário que assuma umcarácter duradouro.

Vejamos então se a factualidade trazida atéeste Tribunal preenche o conceito e os requisitos.

Vem dado como provado que desde há maisde 20 anos que a ora recorrida se dedica habitual-mente aos jogos de azar.

O Prof. Carvalho Fernandes, Teoria Geral doDireito Civil, 2.ª ed., vol. I, pág. 287, escreve queexemplo clássico do pródigo é o do indivíduoviciado no jogo.

Pensamos que o vício do jogo, só por si, não ébastante para declarar a prodigalidade. Terá sem-pre que se analisar a situação concreta.

Teoricamente o jogador poderá equilibrar asdespesas com os rendimentos que, eventual-mente, tenha. Acresce que, sendo vários os jogosde azar, nem todos implicam dispêndios muitovultosos.

Mas não foi só isso que se apurou.Está também provado que a recorrida vendeu

e ou empenhou todos os objectos de valor quelhe pertenciam.

E ainda que desde 1989 a recorrida, para alémdo valor aproximado de 180 000$00 das suaspensões mensais, dispôs de 11 500 000$00.

Não há nos autos qualquer justificação paraos gastos efectuados, que, ultrapassando os ren-dimentos, atingem fortemente o capital.

Face a esta contínua delapidação dos bens,justifica-se a convicção formada na 1.ª instânciade que a arguida acabará por destruir todo oacervo patrimonial.

A recorrida sustentou que nos últimos anostem tido uma vida pacata, administrando e ze-lando pelo seu património.

A verdade porém é que o quesito (7.º) ondetal se perguntava teve resposta de não provado.

É certo, como se refere no acordão recorrido,que a inabilitação é socialmente desprestigiante,mas também não se pode esquecer que o que sequer com a medida é, como já está dito, acautelaros interesses do próprio pródigo.

Não se pretende com a inabilitação impedirque a ora recorrida viva com a dignidade que lhepermitem os seus rendimentos, ou seja, no caso,a pensão mensal que recebe.

O que se pretende sim é evitar que a mesma,desfazendo-se de todo o património, designada-mente dos bens duradouros (v. cautelas de pe-nhor constantes do processo), caia numa situa-ção de penúria a que não está, felizmente, habi-tuada.

Justifica-se assim a revogação do acordão re-corrido e a manutenção do decidido na 1.ª ins-tância.

Pelo exposto, concede-se a revista.Custas pela recorrida, tendo-se em conta o

benefício concedido.

Lisboa, 17 de Outubro de 2000.

Pinto Monteiro (Relator) — Lemos Triun-fante — Torres Paulo.

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DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras, processo n.º 744/97.

II — Acórdão da 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 5370/99.

Sobre as inabilitações, v. também Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código CivilPortuguês — Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1992, págs. 342-344.

O conceito de prodigalidade encontra subsídios ainda actuais em Manuel A. Domingues deAndrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 4.ª reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra,1974, págs. 98-99.

Pode ver-se ainda, acautelando diferenças normativas, Teresa Echevarría de Rada, «Reflexionesen torno al alcance de la declaración de prodigalidad en el ámbito personal y patrimonial», Boletin deInformación, ano LII, Março de 1998, n.º 1817, págs. 561 e segs., e Juan Miguel Ossorio Serrano,La Prodigalidad, Editorial Montecorvo, 1987, págs. 47-69.

(A. E. R.)

Falência — Despacho de arquivamento — Recursos — Leiprocessual aplicável — Legitimidade para recorrer

I — À matéria de recursos interpostos do despacho do juiz que, nos termos do artigo25.º, n.º 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência,manda arquivar o processo por falta de prova dos pressupostos legalmente exigidos,aplicam-se, conforme o artigo 229.º, n.º 2, do mesmo Código, «as disposições da leiprocessual».

II — O credor reclamante de créditos na falência não tem legitimidade para recor-rer da decisão que, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Código dos Processos Especiais deRecuperação da Empresa e de Falência, mandou arquivar o processo, por falta de pres-supostos legais.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 17 de Outubro de 2000Processo n.º 2340/2000 — 6.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

O BPI, Banco Português de Investimento,requereu a declaração de falência da sociedadeCarmo & Braz, S. A. Esta opôs-se.

Entre os credores reclamantes conta-se Stra-pex-Embalagem, L.da, reclamando um crédito de60 602$00.

Por despacho do Ex.mo Juiz, proferido nostermos dos artigos 8.º e 25.º, n.os 1 e 2, do Código

dos Processos Especiais de Recuperação daEmpresa e de Falência, aprovado pelo Decreto--Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, com a redacçãodo Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro, foijulgado improcedente o pedido e ordenado o ar-quivamento dos autos, por falta de preenchimentodos pressupostos legais do dito artigo 8.º

De tal despacho interpôs recurso a credorareclamante Strapex-Embalagem, L.da, recurso ad-mitido, na 1.ª instância, como de agravo, parasubir imediatamente, nos autos e com efeito sus-pensivo.

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Subidos os autos à Relação de Évora, foi peloEx.mo Relator proferido despacho não admitindoo recurso, por ilegitimidade da credora recor-rente, despacho depois confirmado por acórdãoproferido em conferência.

Fundamentos do decidido foram dois: a) ocredor reclamante, não tendo requerido a falêncianem uma medida de recuperação, não ficou ven-cido na decisão; b) ele não é prejudicado peladecisão, visto o processo de falência não assegu-rar necessariamente a cobrança do crédito de re-clamante.

De tal acórdão foi pela mesma agravante in-terposto para este Supremo Tribunal novo re-curso de agravo.

Alegando, concluiu a agravante:

1) A declaração de falência depende da viabi-lidade ou inviabilidade económica da empresarequerida e não da existência ou não de garantias:artigo 1.º, n.º 2, do Código dos Processos Espe-ciais de Recuperação da Empresa e de Falência.

2) Ao indeferir liminarmente o pedido, oSr. Juiz fez errada interpretação do disposto non.º 2 do artigo 1.º e do n.º 2 do artigo 25.º doCódigo dos Processos Especiais de Recuperaçãoda Empresa e de Falência.

3) Tendo a empresa requerida apresentadooposição, deveria o Ex.mo Juiz a quo, pelo me-nos, ter determinado a realização de diligênciasprobatórias e mandado prosseguir a acção, nostermos do artigo 25.º do dito diploma legal.

4) Pelo que o despacho de indeferimento deveser revogado e substituído por outro que mandeprosseguir a acção.

Contra-alegou o Ministério Público junto doTribunal da Relação de Évora, no sentido do nãoprovimento, e aditando que, até pelo valor docrédito reclamado (questão aliás não trazida), nãopoderia ser admitido o recurso.

Colhidos os vistos.

Alega o recorrente violação do disposto nosartigos 1.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, do Código dosProcessos Especiais de Recuperação da Em-presa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lein.º 132/93, de 23 de Abril, com a redacção doDecreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro. Nãonos cabendo pronúncia sobre o valor, nos ter-

mos do artigo 678.º do Código de Processo Civil,por não ser questão posta, caberá dizer, breve-mente, que à recorrente não assiste razão nasquestões que põe. É óbvio que a declaração defalência depende da inviabilidade económica daempresa ou da sua irrrecuperabilidade financeira(artigo 2.º, n.º 1, do Código dos Processos Espe-ciais de Recuperação da Empresa e de Falência),e não de o processo de falência dar aos credoresgarantias de pagamento (ou pagamento integral)dos seus créditos.

Só que não se trata disso.Trata-se de que à matéria dos recursos (como

este é) interpostos do despacho do juiz que, nostermos do artigo 25.º, n.º 2, do Código dos Pro-cessos Especiais de Recuperação da Empresa ede Falência, manda arquivar o processo por faltade prova dos pressupostos legalmente exigidosse aplicam, conforme artigo 229.º, n.º 2, do mesmoCódigo dos Processos Especiais de Recuperaçãoda Empresa e de Falência, «as disposições da leiprocessual». Ora, aplicando estas, temos que:

a) Por um lado, só pode recorrer quem, sen-do parte principal na causa, tiver ficadovencido (artigo 680.º, n.º 1, do Código deProcesso Civil), e o credor reclamante nãoé parte principal na causa nem ficou nelavencido, dado que nunca pediu a declara-ção de falência, tendo-se limitado a recla-mar um crédito;

b) Por outro lado, podem ainda recorrer aspessoas que, não sendo partes na causa,ou sendo apenas partes acessórias, sejamdirecta e efectivamente prejudicadas peladecisão (artigo 68.º, n.º 2, do Código deProcesso Civil), entendendo-se como talquem sofra prejuízo directo, real e jurí-dico com a decisão, e o credor reclamantetambém não está nessa situação, por-quanto a declaração de falência não lheassegura a cobrança, ou a cobrança inte-gral, do seu crédito.

Assim, o credor reclamante de créditos na fa-lência não tem legitimidade para recorrer da deci-são que, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, doCódigo dos Processos Especiais de Recuperaçãoda Empresa e de Falência, mandou arquivar oprocesso, por falta de pressupostos legais.

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Por outro lado, o facto de a empresa requeridater apresentado oposição em nada releva paraesta questão: não é isso que dá ao credor legitimi-dade para recorrer.

Não havendo prova dos requisitos legais, oprocesso é arquivado, tenha ou não havido opo-sição (artigo 25.º, n.º 2) — o que significa que eleé arquivado mesmo que não tenha havido opo-sição.

A existência de oposição só tem relevância sea acção dever prosseguir — artigos 122.º e 123.ºdo Código dos Processos Especiais de Recupe-

ração da Empresa e de Falência, o que não é onosso caso.

Pelo exposto, não houve por parte do tribunalrecorrido a pretendida violação da lei, negando-sepor isso provimento ao agravo e confirmando-sea decisão recorrida (inadmissão do recurso).

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 17 de Outubro de 2000.

Reis Figueira (Relator) — Torres Paulo —Aragão Seia.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, processo n.º 240/99.

II — Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1227/99.

Desconhece-se jurisprudência que tenha versado sobre esta concreta questão de direito.

(B. N.)

Acto fora do prazo — Condições — Multa — Não exigência derequerimento

A prática de acto fora do prazo, nos termos permitidos pelo artigo 145.º, n.º 5, doCódigo de Processo Civil, não exige requerimento, bastando o pagamento da multa,imediatamente ou após a notificação a que se refere o n.º 6 da mesma disposição.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 24 de Outubro de 2000Agravo n.º 2240/2000 — 1.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Tendo, por sentença de 4 de Julho de 1998,do Tribunal de Círculo de Abrantes, sido julgadaparcialmente procedente, por provada, a acçãodeclarativa de condenação sob a forma de pro-cesso ordinário (originariamente sumário) que

Alfredo Fernandes intentou contra Z Car, L.da, econtra Automóveis Citroën, S. A., apelaram osréus, tendo o autor interposto recurso subordi-nado.

Por despacho do Ex.mo Desembargador Re-lator da Relação de Évora de 8 de Julho de 1999— cfr. fls. 447 a 449 —, foi entendido, quantoaos recursos principal da Z Car, L.da, e subordi-nado do autor, serem os próprios, interpostos

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em tempo e recebidos com o efeito devido, nadaparecendo obstar ao respectivo conhecimento.

Já, porém, relativamente ao recurso de apela-ção interposto por Automóveis Citroën, S.A.,entendeu-se serem as respectivas alegações ex-temporâneas, o que corresponde à falta de alega-ção do recurso, motivo por que se julgou o mesmofindo, por deserção, com expressa invocação dosartigos 291.º, n.º 2, 690.º, n.º 3, e 700.º, n.º 1,alínea e), do Código de Processo Civil, diploma aque pertencerão os normativos que se indiquemsem menção da origem.

Fundamentando a decisão, lê-se, no referidodespacho, em síntese, o seguinte: a) consta dosautos que o apelante Automóveis Citroën, S. A.,foi notificado do despacho que admitiu o recursoatravés de carta registada expedida em 2 de Ou-tubro de 1998 (fls. 299), pelo que, em face dodisposto pelo artigo 254.º, n.º 2, se presume no-tificado em 6 de Outubro; b) o prazo para alega-ções, no recurso de apelação, é de 30 dias,contados da notificação do despacho de recebi-mento do recurso (artigo 698.º, n.º 2); c) as ale-gações do apelante foram remetidas por telecó-pia no dia 9 de Novembro de 1998, tendo, nessadata, dado entrada na secretaria do tribunal a quo(fls. 323); d) logo, as alegações foram apresenta-das no segundo dia útil após o termo do prazo,não tendo, no entanto, o apelante requerido, deimediato, pagamento da multa a que alude o n.º 5do artigo 145.º, «pelo que não pode considerar--se validamente praticado o acto»; e) uma vezque «apenas no caso de ter sido requerido o pa-gamento da multa e esta não se mostrar efectiva-mente paga é que tem lugar a notificação oficiosada secretaria, nos termos do n.º 6 do artigo 145.º»,a secretaria do tribunal a quo procedeu incorrec-tamente «ao emitir as guias referidas na 1.ª cota defls. 397».

Em apoio ao entendimento perfilhado, cha-mou-se ainda à colação o acórdão do SupremoTribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1992,publicado no Boletim do Ministério da Justiça,n.º 414, pág. 421, segundo o qual a secretaria sópoderá mandar notificar o atrasado para pagar amulta, sob a cominação do n.º 6 do artigo 145.ºdo Código de Processo Civil, se tiver sido reque-rido o pagamento imediato da multa e esta não semostrar paga.

Inconformado, Automóveis Citroën, S. A.,reclamou para a conferência (cfr. fls. 451 e se-guintes), tendo, em síntese, alegado o seguinte:a) a reclamante pagou a multa devida pela en-trega das alegações no segundo dia após o termodo prazo, nesse mesmo dia 9 de Novembro de1998, tendo para o efeito utilizado a transferên-cia bancária para a conta à ordem do escrivão dedireito uma vez que na caixa automática o paga-mento só seria possível no dia seguinte, o ter-ceiro dia de multa, o que oneraria substancial-mente a apelante; b) à cautela, embora indevida-mente, pagou ainda uma importância (56 500$00)achada da diferença entre a quantia já paga(34 000$00) e a que teria de pagar segundo anotificação respectiva (90 500$00); c) mesmoque se entenda que não houve pagamento ime-diato da multa devida, houve necessariamenteum requerimento verbal para pagamento ime-diato do devido; d) em qualquer caso, impõe-seconcluir não serem extemporâneas as alegaçõesoferecidas no dia 9 de Novembro de 1998.

Apreciando a reclamação, o Tribunal da Rela-ção de Évora, por acórdão de 16 de Março de2000, entendeu dever acolher os fundamentosdo despacho reclamado, uma vez que, «tendosido apresentadas as alegações de recurso no se-gundo dia útil após o termo do prazo, sem que,simultaneamente, tivesse sido requerido o paga-mento imediato da multa, nos termos do n.º 5 doartigo 145.º do Código de Processo Civil, não hálugar à notificação prevista no n.º 6, pelo quenão pode o acto considerar-se validamente prati-cado». Ter-mos em que a reclamação foi julgadaimprocedente — cfr. fls. 483 e 484.

Não se conformando com a decisão, agravouAutomóveis Citroën, S. A., oferecendo, ao ale-gar, as seguintes conclusões:

1 — A notificação pela secretaria para paga-mento de multa nos termos do n.º 6 do artigo145.º do Código de Processo Civil tem lugar ofi-ciosamente quando a prática do acto ocorrer den-tro dos três primeiros dias subsequentes ao termodo prazo sem pagamento imediato da multa equer o interessado tenha requerido o pagamentoimediato da multa, quer não.

2 — O acórdão da conferência recorrido é nulopor falta absoluta de pronúncia sobre a questão,articulada pela recorrente na sua reclamação, de

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ter requerido verbalmente o pagamento da multae simultaneamente a apresentação das alegações,tendo transferido os valores necessários a tal fim[artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Pro-cesso Civil, ex vi artigos 716.º, 749.º e 752.º domesmo Código].

3 — Nulidade que é subsidiária à questão dainterpretação das normas dos n.os 4 e 5 do artigo145.º do Código de Processo Civil.

4 — O Tribunal da Relação de Évora, ao deci-dir de outro modo, fez uma errada interpretaçãodas normas que se extraem dos n.os 5 e 6 do artigo145.º do Código de Processo Civil e, bem assim,violou o disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d),do Código de Processo Civil, ex vi artigos 716.º,749.º e 752.º do mesmo Código.

Contra-alegando, o recorrido Alfredo Fer-nandes pugna pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II

1. Os factos relevantes já constam do antece-dente relatório, para que ora se remete.

1.1 — A questão que se coloca pode, basica-mente, ser assim apresentada:

a) As alegações da apelação interposta porAutomóveis Citroën, S. A., foram apre-sentadas no segundo dia posterior aotermo do prazo legal;

b) A secretaria notificou a recorrente parapagar a multa prevista no n.º 6 do artigo145.º;

c) Todavia, o Sr. Desembargador Relatorjulgou deserto o recurso, considerandoque, ao juntar as alegações, o recorrentenão requereu simultaneamente (por es-crito, uma vez que, se a multa foi paga,embora em condições especiais — cfr.fls. 475 —, é evidente que foi pedida apassagem de guias) o pagamento ime-diato da multa devida, decisão confir-mada em conferência.

1.2 — Analisando o n.º 5 do artigo 145.º, ime-diatamente se constata que tal preceito não exigeo referido requerimento. Daí que a jurisprudên-cia deste Supremo Tribunal de Justiça — que

adiante enunciaremos com pormenor — seja pra-ticamente unânime no sentido de que o mesmonão é exigível, bastando o pagamento da multa —imediatamente ou após a notificação a que serefere o n.º 6.

Disposição esta que ficaria praticamente des-provida de conteúdo útil se a tese ora perfilhadapela Relação de Évora obtivesse acolhimento.

Acresce que o tribunal a quo, em apoio doentendimento que perfilhou, invoca o acórdãodeste Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Fe-vereiro de 1992, Boletim do Ministério da Jus-tiça, n.º 414, pág. 421.

Mas nem tal aresto conforta adequadamentea tese do acórdão recorrido. É que a respectivafundamentação não se encontra conveniente-mente reproduzida no sumário.

Com efeito, tal fundamentação, que consta deescassas 14 linhas, meia dúzia das quais se limi-tam a reproduzir os n.os 5 e 6 do artigo 145.º,versa sobre um caso em que o recorrente optoupor invocar o «justo impedimento» em vez depagar a multa. Ora, como é fácil constatar, o pontoIII do sumário não encontra correspondência nafundamentação do acórdão.

Por sua vez, o recorrido invoca um acórdãodo Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maiode 1980. Esquece, porém, a circunstância — que,no caso, não é despicienda — de que o n.º 5tinha então uma redacção diferente da actual eque ainda não tinha sido introduzido o n.º 6. Istoalém de versar sobre uma questão muito especí-fica, que nada tem que ver com a dos autos.

Também se serve do acórdão de 26 de Janeirode 1994, publicado na Colectânea de Jurispru-dência — Acórdãos do Supremo Tribunal deJustiça, ano II, tomo I, pág. 69, o qual, todavia,nada tem que ver com o caso dos autos mas ape-nas com o prazo para pagamento da multa (1).

Por outro lado, as duas citações doutrinaisconstantes da peça de contra-alegações do re-corrido — a fls. 504 — também nada referemquanto à necessidade de um requerimento (es-crito) simultâneo à apresentação das alegações.

(1) No mesmo sentido do entendimento perfilhado peloacórdão recorrido, poderá citar-se um acórdão da Relação deCoimbra de 20 de Janeiro de 1998, cujo sumário consta doBoletim do Ministério da Justiça, n.º 473, pág. 573, mas cujotexto integral se desconhece.

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1.3 — Vejamos então alguns exemplos reti-rados na jurisprudência mais recente deste Su-premo Tribunal de Justiça que apontam decidida-mente no sentido contrário à tese perfilhada pelotribunal a quo. Assim:

No acórdão de 21 de Outubro de 1999, agravon.º 670/99, 2.ª Secção, pode ler-se o seguinte:

«Da letra da lei verifica-se que o artigo 145.º,n.º 5 [...] não impõe que seja requerido o paga-mento da multa, pelo que a interpretação que fazapelo à necessidade de tal requerimento não en-contra aí apoio.»

Retira-se, por outro lado, do acórdão de 11 deFevereiro de 1999, agravo n.º 849/98, 2.ª Secção,que, não sendo efectuado o pagamento da multapelo atraso de um dia no seu oferecimento aquandoda apresentação das alegações, «isso não consti-tui obstáculo ao recebimento das alegações, nemao posterior processamento do recurso de apela-ção, desde que a multa devida, agora acrescida dasanção comínada no n.º 6 do artigo 145.º [...] sejapaga após a liquidação a efectuar pela secretariae a posterior notificação ao mandatário do recor-rente para proceder ao pagamento respectivo».

Incisivamente, lê-se no sumário do acórdãode 10 de Dezembro de 1998, revista n.º 951/98,2.ª Secção, o seguinte:

«Na interposição de recurso, após o termo doprazo, mas dentro dos três primeiros dias úteissubsequentes, não está a admissão do acto con-dicionada ao requerimento, simultâneo, do paga-mento imediato da multa estabelecida no n.º 5 doartigo 145.º do Código de Processo Civil.»

No mesmo sentido, podem indicar-se, a títuloexemplificativo, os seguintes acórdãos deste Su-premo Tribunal de Justiça: de 28 de Novembrode 1984, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 341,pág. 363; de 17 de Junho de 1998, agravo n.º 435/98, 2.ª Secção (2); de 22 de Abril de 1998, pro-cesso n.º 419/98, 3.ª Secção.

Também na doutrina, se encontram subsídiosno sentido da tese largamente dominante na juris-prudência deste Supremo Tribunal de Justiça —contrária à sustentada no acórdão recorrido.

Assim, Abrantes Geraldes, depois de referirque se abrandou a rigidez com a possibilidade deo pagamento da multa agravada ser feito depoisde a secretaria detectar a prática do acto fora doprazo (artigo 145.º, n.º 6), escreve que «prati-cado o acto sem pagamento imediato da multacorrespondente, a secretaria procede oficiosa-mente à notificação da parte para, dentro do pra-zo de 10 dias estipulado no artigo 153.º, pagar amulta agravada correspondente ao dobro da mul-ta mais elevada prevista no n.º 5 do artigo 145.º,mas com o limite máximo de 10 UCs» (3).

Por seu lado, Cardona Ferreira salienta que«a notificação oficiosa deve ser feita desde quea multa não tenha sido paga espontaneamente,quer o interessado tenha chegado a pedir guias,quer não — atendendo ao claro significado don.º 6» (4).

2. A título subsidiário, a recorrente levanta aquestão da nulidade por omissão de pronúncia,uma vez que a Relação de Évora não se pronun-ciou sobre a alegação de que requereu verbal-mente o pagamento da multa, em simultâneo coma apresentação das alegações, tendo transferidoos valores necessários para tal, o que foi, aliás,confirmado pelo Sr. Escrivão a fls. 475.

É manifesto que lhe assiste razão.Não se trata de questão que tivesse ficado

prejudicada pelo sentido da decisão do acórdãorecorrido — e que nessa medida não tivesse deser conhecida (artigo 660.º, n.º 2).

Também não se trata de um mero argumentoformal ou de uma questão irrelevante, uma vezque a prática forense consiste justamente, nestescasos, no uso do requerimento verbal, o que,aliás, resulta claramente do ponto II do sumáriodo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de

(2) No termos do qual «interposto o recurso num dos trêsdias seguintes ao decurso do prazo, sem que o recorrente pa-gue de imediato a multa prescrita no n.º 5 do artigo 145.º doCódigo de Processo Civil, ou peça o seu pagamento, não sesegue a imediata perda do direito de recorrer, pois a secretariajudicial não fica, em tal caso, dispensada de cumprir o dispos-to no n.º 6 do artigo 145.º, citado».

(3) Cfr. Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I(2.ª edição revista e ampliada), págs. 85 e 86.

(4) Cfr. «Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho (Reformaintercalar do processo civil)» — Notas Práticas, pág. 12.

(5) Cujos dois primeiros pontos se transcrevem, para umacabal compreensão do que se diz no texto:

«I — Satisfaz as exigências legais o recorrente que, dentrodas horas regulamentares do primeiro dia útil seguinte ao do

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28 de Novembro de 1984, Boletim do Ministérioda Justiça, n.º 341, pág. 363 (5).

É, por isso, nulo o acórdão recorrido, poromissão de pronúncia — artigo 668.º, n.º 1, alí-nea d), primeira parte.

Resulta do exposto que não se lobrigam ra-zões que apoiem minimamente a decisão recor-rida, que considerou deserto o recurso interpostopor Automóveis Citroën, S. A. Não há, por ou-tro lado, quaisquer motivos para afastar a posi-

ção habitualmente seguida neste Supremo Tri-bunal de Justiça, bem se justificando que a Rela-ção se dê ao cuidado de apreciar a questão defundo.

Termos em que, dando-se provimento aoagravo, se anula o acórdão recorrido, revogando--se também o despacho de Sr. DesembargadorRelator de 8 de Julho de 1999 (fls. 447 a 449), naparte em que julgou findo, por deserção, o re-curso da apelante Automóveis Citroën, S.A.,julgando-se tempestivamente apresentadas asalegações da ora agravante naquele recurso deapelação. Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 24 de Outubro de 2000.

Garcia Marques (Relator) — Ferreira Ra-mos — Pinto Monteiro.

termo do prazo legalmente fixado para pagamento do impostode justiça respeitante à interposição do recurso e depósitodas quantias em dívida, se apresenta na Relação a pedir asguias para pagamento do que devia acrescido da multa res-pectiva.

II — Não obsta à conclusão antecedente o facto de o recor-rente se ter dirigido em requerimento ao juiz relator do acórdãorecorrido, em vez de ter solicitado verbalmente ao escrivão dedireito o pagamento imediato do devido.»

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, processo n.º 375/99.

II — Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 341/99.

O texto do acórdão contém uma referência completa de jurisprudência sobre a questão decidida.

(H. G.)

Acção de despejo — Pedido reconvencional

Absolvida a ré do pedido, em acção destinada a obter o despejo de um prédiourbano, fica prejudicada a reconvenção fundada em despesas feitas com a reparação dolocado.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 26 de Outubro de 2000Processo n.º 2409/2000

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal Cível da Comarca do Porto,Adriano Sousa Machado e Rafael de Sousa Ma-chado intentaram acção de despejo contra Maria

Margarida Marques da Cunha Vaz, pedindo aresolução do contrato de arrendamento da casan.º 5 do prédio sito na Rua do Campo Alegre,com a entrada pelo n.º 78, freguesia de Massa-relos, Porto, bem como a condenação da deman-dada, actual arrendatária, na entrega do localarrendado, com o fundamento na realização de

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obras, sem consentimento do senhorio, que alte-raram substancialmente a estrutura externa doimóvel e a disposição interna das suas divisões.

2. A ré contestou e, em reconvenção, pede acondenação dos autores no pagamento da quan-tia de 2 000 000$00, acrescida de juros de mora àtaxa legal desde 1 de Setembro de 1993, pelasobras urgentes feitas no prédio arrendado.

3. Proferido foi despacho a admitir o pedidoreconvencional nos seguintes termos: «Admitoo pedido reconvencional, atento o disposto naalínea b) do n.º 2 do artigo 274.º do Código deProcesso Civil.»

4. Procedeu-se a audiência de julgamento,tendo sido proferida sentença a absolver a ré dospedidos e a condenar os autores a pagar à ré ovalor das obras feitas no locado, a liquidar emexecução de sentença.

5. Os autores apelaram. A Relação do Porto,por acórdão de 13 de Março de 2000, concedeuparcial provimento ao recurso, revogou a sen-tença na parte em que condenou os autores nopedido reconvencional cujo conhecimento semostra prejudicado, e confirmou, no mais, a de-cisão recorrida.

6. A ré Maria Margarida pede revista, formu-lando conclusões no sentido de saber se o pedidoreconvencional não está dependente do formu-lado pelo autor.

7. Os autores/recorridos apresentaram con-tra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

Questões a apreciar no presente recurso.

A apreciação e a decisão do presente recurso,delimitado pelas conclusões das alegações, pas-sam pela análise da questão de saber se o pedidoreconvencional formulado pela recorrente/ré nãoestá dependente do formulado pelo autor.

Abordemos tais questões.

III

Se o pedido reconvencional formulado pelarecorrente/ré não está dependente do formuladopelo autor.

1. a) A Relação do Porto decidiu que julgadoimprocedente o pedido principal formulado pe-los autores deverá o Tribunal abster-se de co-nhecer o pedido reconvencional deduzido pelaré, porquanto,

— Por um lado, é incontestável que, na acçãode despejo, a admissibilidade da reconvenção de-pende da verificação dos requisitos enunciadosno n.º 2 do artigo 274.º;

— Por outro, tanto o artigo 298.º, n.º 2, comoo artigo 274.º, n.º 6, do Código de Processo Civil(o último na versão da reforma de 1995 vieremconsagrar o ensinamento de A. dos Reis; susten-tava haver casos excepcionais em que a extinçãoda acção proposta pelo autor arrastava consigo ada acção movida pelo réu, como sejam: os casosem que o pedido reconvencional, em vez de serautónomo perante o pedido do autor, está, pelocontrário, na dependência dele. É o que sucede[...] no caso da segunda parte do n.º 2 do ar-tigo 279.º

b) A ré/recorrente sustenta que o pedido re-convencional deve ser apreciado (e manter-se adecisão da 1.ª instância na parte circunscrita aopedido reconvencional), porquanto, por um lado,o pedido da recorrente retira a sua razão de ser,logo em primeira linha, do artigo 1036.º, n.os 1 e2, do Código Civil, de que o artigo 56.º, n.º 3, doRegime do Arrendamento Urbano é mera decor-rência.

— Por outro, as mais óbvias razões sub-jacentes ao princípio da economia processual con-sagrado no artigo 136.º do Código de ProcessoCivil apontam igualmente no sentido da imediataprocedência do já provado pedido reconvencional,pelo menos nos termos em que for ele decididopela sentença revogada nessa parte.

c) Os autores/recorridos sustentam dever sermantido o acórdão recorrido, porquanto, por umlado, é manifesto que o pedido reconvencionalformulado pela ré/recorrente está dependente dopedido formulado pelos autores, nos termos do

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280 BMJ 500 (2000)Direito Processual Civil

n.º 6 do artigo 274.º do Código de Processo Civil:a reconvenção com base num direito relativo abenfeitorias vise o ressarcimento do autor dosmelhoramentos, no caso de ter de vir a restituir acoisa — cfr. alínea b) n.º 2 do citado artigo 274.º

— Por outro lado, não podia o inquilino ale-gar retenção ou pedir pelas benfeitorias qualquerindemnização, atendendo ao que reza a cláusula4.ª do contrato junto aos autos: «Ao inquilinonão é permitido fazer obras ou benfeitorias, anão ser as de conservação, sem autorização dosenhorio, por escrito e devidamente reconheci-do, ficando estipulado que as que fizer ficampertencendo ao prédio, não podendo o inquilinoalegar retenção ou pedir por elas qualquer in-demnização.»

— Que dizer?

2. A ré deduziu reconvenção na presenteacção de despejo, formulando o pedido nestestermos: «julgar-se não provada e improcedente aacção, mas provada e procedente a reconvençãocom a consequente absolvição da ré do pedido daacção e a condenação dos autores no da recon-venção, ou seja, a reembolsarem aquele recon-vinte, com a falada quantia 2 000 000$00, pelacitada proveniência».

— Este pedido reconvencional foi admitidoatento o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo274.º do Código de Processo Civil, conformeoportuno despacho transitado em julgado, des-pacho que impõe a questão de saber se a impro-cedência da acção obsta à apreciação do mesmotendo em vista os termos do segmento final don.º 6 do artigo 274.º do Código de Processo Civil.

— Por outras palavras, o pedido reconven-cional será dependente do formulado pelos au-tores?

Vejamos ...

3. A distinção de pedido reconvencional au-tónomo e de pedido dependente foi feita porA. dos Reis a propósito da segunda parte doartigo 301.º do Código de Processo Civil de 1939,ao sustentar que «havia casos excepcionais emque a extinção da acção proposta pelo autor ar-rastava consigo a da acção movida pelo réu. Sãoos casos em que o pedido reconvencional, emvez de ser autónomo perante o pedido do autor,está pelo contrário na dependência dele. Apon-

tou como exemplo o pedido reconvencional debenfeitorias ou despesas relativas à coisa cujaentrega é pedido pelo autor — permitida, então,pela segunda parte do n.º 2 do artigo 279.º doCódigo de 1939, a que corresponde hoje a se-gunda parte da alínea b) do n.º 2 do artigo 274.ºApós a indicação do apontado exemplo concluiuque «se o autor desistir do seu pedido, não fazsentido que o réu mantenha a sua pretensão àindemnização por benfeitorias ou despesas» —cfr. Comentário ..., vol. 3.º, pág. 480.

4. O entendimento de A. dos Reis à segundaparte do artigo 301.º do Código de 1939 veio aser consagrado na reforma de 1961: o artigo 296.ºcorresponde ao artigo 301.º, mas ao n.º 2 deu-seuma redacção mais clara e perfeita: ficou explici-tamente indicada a hipótese em que, por excep-ção, a desistência do pedido prejudica a recon-venção.

Rodrigues Bastos, apreciando a redacção dadaao n.º 2 do artigo 296.º, escreveu.

«A fórmula actual é mais precisa, mas mesmoassim contém o seu de indeterminação.

Percorrendo os casos no artigo 274.º, vê-seque só é claramente compreendido na exclusão aque se refere o artigo 296.º o da segunda parte daalínea b) do n.º 2. Nos outros casos, a dependên-cia só pode ser apreciada em face do caso con-creto» — cfr. Notas ao Código Processo Civil,vol. II, 1965, pág. 88.

No mesmo sentido Lopes Cardoso, que ano-tou:

«O pedido reconvencional depende do pedidodo autor, no caso da segunda parte da alínea b)do n.º 2 do artigo 274.º, por exemplo» —cfr. Código Processo Civil Anotado, 1962,pág. 204.

Concretizando os ensinamentos dos proces-sualistas firmou-se jurisprudência no sentido dever-se no n.º 2 do artigo 296.º a aplicação de umprincípio que informa a admissão da reconven-ção — princípio, aliás, subjacente à segundaparte da alínea b) do n.º 2 do artigo 274.º, se-gundo o qual a reconvenção é admissível quandoo réu se propõe «tornar efectivo o direito a ben-feitorias ou despesas à coisa cuja entrega lhe é

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281 Direito Processual CivilBMJ 500 (2000)

pedida» — cfr. acórdão deste Supremo Tribunalde 4 de Março de 1986 — Boletim do Ministérioda Justiça, n.º 355, pág. 316.

— O Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de De-zembro, consagrou as causas de exclusão da apre-ciação do pedido reconvencional, precisamente adependência entre este e o pedido do autor non.º 6 do artigo 274.º que prescreve que «a impro-cedência da acção e a absolvição do réu da instân-cia não obstam à apreciação do pedido recon-vencional regulamente deduzido, salvo quandoeste seja dependente do formulado pelo autor».

— Entre as causas de exclusão da apreciaçãodo pedido reconvencional está — em consonân-cia com o ensinamento dos processualistas e ju-risprudência citados — o caso das benfeitoriasfeitas na coisa cuja entrega se pede na acção: opedido reconvencional só é então objecto de apre-ciação se o pedido do autor foi julgado proce-dente — e ainda cfr. Lebre de Freitas, Código deProcesso Civil Anotado, vol. I, pág. 256, e Intro-dução ao Processo Civil de 1996, pág. 174.

Daqui concluir-se, como se conclui, que opedido reconvencional está dependente do pe-dido formulado pelos autores.

IVConclusão

Do exposto, poderá extrair-se que:

«Absolvido a ré do pedido, em acção desti-nada a obter o despejo de um prédio urbano, ficaprejudicada a reconvenção fundada em despesasfeitas com a reparação do locado.»

Face a tal conclusão, poderá precisar-se que oacórdão recorrido não merece censura.

Termos em que se nega a revista.Custas pelo recorrente.

Lisboa, 26 de Outubro de 2000.

Miranda Gusmão (Relator) — Sousa Inês —Nascimento Costa.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença da 2.ª Secção do 3.º Juízo Cível do Porto, processo n.º 259/95.

II — Acórdão da 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 29/2000.

Mostra-se, como se refere no texto, «em consonância com o ensinamento dos processualistas ejurisprudência citados».

(V. M.)

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282 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

Direito ao bom nome — Conflito de direitos — Responsabilidadecivil

I — O direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito de nãoser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante impu-tação feita por outrem, bem como no direito de defender-se dessa ofensa e a obter acompetente reparação.

II — A ofensa do crédito ou bom nome prevista no artigo 484.º do Código Civil nãoé mais do que um caso especial de facto antijurídico definido no preceito antecedente,pelo que se deve considerar subordinada ao princípio geral do artigo 483.º do mesmoCódigo, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativa-mente à culpabilidade.

III — Quando o direito ao bom nome entra em conflito com o direito de liberdade deimprensa, há que resolvê-lo, coordenando-os um com o outro de forma a distribuir pro-porcionalmente os custos desse conflito, sem atingir o conteúdo de cada um deles.

IV — Se um determinado órgão de comunicação social divulga uma notícia, rela-tiva a factos que se encontram a ser investigados pela Polícia Judiciária, na qual refereque o autor de certa conduta passível de ser acto criminoso é um elemento ligado a umaempresa que expressamente identifica, tal notícia, com a indicação de que são verdadei-ros e credíveis os factos indicados, é susceptível de lesar o bom nome e reputação damencionada empresa e, consequentemente, é susceptível de acarretar responsabilidadecivil para o seu autor e órgão de comunicação social.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 17 de Outubro de 2000Revista n.º 372/2000 — 6.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal de Círculo de Oeiras, Partex —Companhia de Serviços, S. A., intentou a pre-sente acção ordinária contra a ré SIC — Socie-dade Independente de Comunicação, S. A., visandoo pagamento de indemnização de 30 000 000$00,ao abrigo do artigo 484.º do Código Civil, pordanos morais causados pela ofensa ao seu bomnome e reputação, decorrente da notícia publicadano dia 11 de Dezembro de 1995, pelas 20 horas,no programa noticioso de TV, denominado Jor-nal da Noite, repetida em vários programas noti-ciosos, difundidos pela mesma estação nosimediatos dias 12 e 13 de Dezembro, segundo aqual fora descoberto quem colocou ou mandoucolocar o microfone no gabinete do Ex.mo Pro-curador-Geral da República e que, de acordo comas investigações da Polícia Judiciária, apontavapara um elemento ligado à Partex.

Para tanto, alega resumidamente o seguinte:

A notícia foi difundida em diversos serviçosnoticiosos daquela estação de televisão e larga-mente repetida por outros meios de comunica-ção social.

A SIC apresentou-se perante os telespecta-dores como tendo empreendido uma investiga-ção séria e rigorosa, através da qual lograradesvendar o mistério do caso do microfone da«Procuradoria-Geral da República».

Fê-lo, alardeando a veracidade dos factos apu-rados e confirmados, ou seja, sem quaisquer re-servas, imputando à Partex a prática de um crime.

A forma como foi dada a notícia criou nosdemais órgãos de comunicação social e no pú-blico a ideia de que a Partex havia sido a entidadeque encomendou a colocação do dito microfonepara acompanhar os processos atinentes aoFundo Social Europeu.

Até ser desmentida pelas instâncias oficiais, anotícia veiculada pela SIC criou na opinião pú-

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283 Direito Civil — Parte GeralBMJ 500 (2000)

blica em geral, pelo menos durante dois meses, aconvicção de que a autora estaria envolvida numaprática criminosa.

Tal facto afectou grave e irremediavelmente oseu bom nome e a sua imagem comercial.

A ré contestou, sustentando:

Os factos anunciados pela SIC, nos seus ser-viços noticiosos, foram fruto de uma investiga-ção jornalística séria e assentou, entre outras, emfontes da própria Polícia Judiciária.

Os factos eram verdadeiros e credíveis.A SIC nunca afirmou que as investigações

estavam concluídas.A SIC não afirmou que foi um elemento ligado

à Partex, mas sim que terá sido um elementoligado à Partex e não dizia se esse elemento es-tava, à data da emissão, ligado à empresa.

A SIC nunca acusou a Partex de ser responsá-vel pela colocação do microfone no gabinete doProcurador-Geral da República.

O impacto negativo que a notícia veiculadapela SIC teve na imprensa escrita, a ter existido,é da responsabilidade desses meios de comuni-cação social.

Das notícias dadas pela SIC não foram pos-tos em causa o bom nome e a reputação da Partex,nem por causa delas deixou de concluir qualquernegócio.

Após o despacho saneador, a selecção dosfactos assentes e a organização da base instrutória,o processo prosseguiu seus termos e, realizado ojulgamento, foi proferida sentença, que julgou aacção improcedente.

Apelou a autora, mas a Relação de Lisboa,através do seu acordão de 27 de Janeiro de 2000(fls. 420), por mera remissão, negou provimentoao recurso e confirmou a sentença recorrida.

Novamente inconformada, a autora pede re-vista, repetindo o teor das suas anteriores alega-ções produzidas perante a Relação, onde conclui:

1 — A conduta noticiosa da SIC consistiu,nomeadamente, na imputação directa e indirecta,à Partex, de falsidades aptas a prejudicar o cré-dito, a reputação e o bom nome da recorrente,como efectivamente prejudicaram.

2 — Um entendimento do regime do artigo484.º do Código Civil, que representasse baseara apreciação da ilicitude da conduta lesiva dobom nome alheio numa simples aparência formaldas palavras usadas, descurando o seu sentidoreal e a compreensão que delas foi geralmentefeita na percepção comum, determina a incons-titucionalidade daquele preceito legal, por vir-tude de inutilizar, num ror de situações, o direitoao bom nome e reputação, com violação do queresulta directamente dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º,n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

3 — A conduta noticiosa da SIC, a respeitoda Partex e do «caso do microfone» foi clara-mente ilícita e culposa, com reiterada violação dedeveres legais e deontológicos que assistem àactividade informativa dos órgãos de comunica-ção social e seus profissionais jornalistas, numEstado de direito democrático, com realce paraa violação dos deveres de objectividade, rigor eisenção.

4 — A qualificação mínima que convém à con-duta ilícita da SIC , ao lançar, manter e persistirna afirmação de falsidades, sem fundamento idó-neo, contra a Partex, é a de que agiu com dolo,pelo menos no sentido de que representou comoconsequência possível da sua conduta a lesão dobom nome e reputação da Partex, conformando--se com essa lesão, apesar dos desmentidos e daclara falta de fundamento suficiente, e obsta-culizando mesmo o simples exercício correcto,atempado e paritário do direito de resposta daPartex.

5 — A conduta ilícita e culposa da SIC ofen-deu o direito ao bom nome e reputação da Partex,provocando, com essa conduta e como seuefeito, danos significativos na esfera jurídicadesta, que não podem deixar de ser indemnizados,em aplicação do disposto nos artigos 483.º e 484.ºdo Código Civil.

6 — Provado que se mostra o facto voluntáriodo agente, a ilicitude, a culpa, a imputação dofacto ao agente, o dano e o nexo da causalidadeentre o facto e o dano, a sentença só poderia con-duzir a uma conclusão: condenação da ré recorrida.

7 — Tendo a sentença e o acordão concluídopela absolvição, existe contradição entre os fun-damentos e a decisão, o que determina nulidade,nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c), doCódigo de Processo Civil.

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284 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

8 — Verifica-se também violação de lei subs-tantiva, por desrespeito de todos os menciona-dos preceitos legais .

9 — Porque todos os vícios da sentença da1.ª instância supra-enunciados (a sua contradi-ção implícita), não foi sequer apreciada pela Re-lação, verifica-se ainda a nulidade prevista noartigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Pro-cesso Civil — ausência de pronúncia sobre ques-tões que devia apreciar.

10 — O acordão recorrido deve ser revogadoe a ré condenada no pedido.

A ré contra-alegou em defesa do julgado.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Dão-se como reproduzidos todos os factosdescritos na extensa matéria de facto da sentençada 1.ª instância, a que aderiu o acordão recorrido,e para os quais se remete, ao abrigo dos artigos713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil.

Mas, por se mostrarem com especial inte-resse para a decisão do recurso, salientam-se,dentre eles, os seguintes factos provados:

1 — No dia 11 de Dezembro de 1995, pelas20 horas, no seu programa noticioso denomi-nado Jornal da Noite, a SIC abriu o serviço,dando a notícia de que:

«A Polícia Judiciária já descobriu quem é quecolocou o microfone no Gabinete do Procura-dor-Geral da República.

As investigações ainda não estão concluídas,mas tudo aponta para a Partex.»

2 — Difundiu, de seguida, através de um jor-nalista (pivôt) ao seu serviço, o desenvolvimentoda notícia nos seguintes termos:

«A Polícia Judiciária já descobriu quem colo-cou ou mandou colocar o microfone no gabinetedo Procurador-Geral da República.

Fontes policiais confirmaram hoje, à SIC, queo aparelho foi colocado por um técnico de infor-mática e foi ele quem revelou de quem tinha par-tido a ordem.

Essa ordem foi-lhe dada por um elemento li-gado à Partex, uma empresa que estava precisa-mente a ser investigada por Cunha Rodrigues,por suspeita de irregularidades com o FundoSocial Europeu.»

3 — Seguidamente transmitiu uma reporta-gem acompanhada por comentário em «voz off»,em que informava o público:

«O microfone foi colocado debaixo da soalhodo gabinete de Cunha Rodrigues. Quem colocoufoi um técnico de informática que trabalhava noedifício da Procuradoria, bom conhecedor doscantos da casa e dos sistemas de segurança.

Já foi interrogado e confessou tudo; disse quefoi a troco de dinheiro e que foi um indivíduoligado a Partex que encomendou o serviço.

A Partex é uma empresa de consultadoria einformação profissional.

Movimentou milhões de contos do FundoSocial Europeu, até que surgiram graves suspei-tas de desvios de verbas e a empresa passou a serinvestigada pelo Ministério Público, ou seja, porCunha Rodrigues.

As investigações ainda não estão concluídas;a Polícia tenta agora saber se os suspeitos agirampor iniciativa própria ou a mando de mais alguém.

As autoridades querem também saber que usoera feito das escutas, nomeadamente se CunhaRodrigues estava a ser escutado por causa doprocesso Partex.»

4 — Tendo o jornalista (pivôt) da SIC reto-mado a palavra, logo após a transmissão da refe-rida reportagem, informou o público que a notíciadada se tratava de «uma notícia investigada pelaSIC e confirmada por fontes judiciais».

5 — A ré transmitiu a ideia de que os factosque relatara eram verdadeiros e credíveis, por-quanto haviam sido fruto de uma investigaçãoprofunda e séria e ainda porque os mesmos fac-tos haviam sido confirmados por fontes judiciais.

6 — A SIC transmitiu depois uma entrevistaao Sr. Ministro da Justiça, na qual o mesmo eraperguntado se já sabia quem tinha colocado omicrofone no gabinete do Sr. Procurador-Geralda República, tendo este afirmado que não sabia,nem fazia ideia de quem eram os suspeitos, ad-mitindo, porém, a possibilidade de a Polícia Ju-diciária ou o Ministério Público o saberem.

7 — A notícia foi encerrada nos seguintestermos:

«Aguarda-se para breve a confirmação oficialdesta informação apurada, hoje, junto de fontesjudiciais.»

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285 Direito Civil — Parte GeralBMJ 500 (2000)

8 — Nessa mesma emissão do dia 11 de De-zembro de 1995, num outro programa de notí-cias da SIC, denominado Último Jornal, que foitransmitido à 1 hora do dia 12 de Dezembro, amesma insistiu na difusão da referida notícia, afir-mando:

«O mistério do microfone no gabinete do Pro-curador-Geral da República poderá estar solu-cionado.

A Policia Judiciária já descobriu e interrogouo técnico de informática que colocou o aparelho.

Fontes judiciais confirmaram hoje à SIC queesse mesmo técnico revelou o nome de quem deua ordem.

Terá sido um elemento ligado à Partex, umaempresa que estava a ser investigada pela Pro-curadoria devido a irregularidades com o FundoSocial Europeu».

9 — De seguida , foi retransmitida a reporta-gem que já havia sido difundida pelo Jornal daNoite.

10 — Esta notícia foi imediatamente repro-duzida e difundida pelos demais órgãos de co-municação social, incluindo rádios, televisões eimprensa escrita.

11 — Assim, generalizou-se a ideia de quetinha havido efectivamente escutas ao Procura-dor-Geral da República, que essas escutas ha-viam sido promovidas pela Partex e que o objec-tivo destas escutas era conhecer as decisões to-madas a propósito do alegado envolvimento daPartex nas fraudes do Fundo Social Europeu.

12 — Tentando obstar a isso, no dia 12 deDezembro de 1995, a firma Partex elaborou edivulgou pelos órgãos de comunicação social ocomunicado que constitui documento de fls. 119,cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde des-mente a sua ligação com o caso da colocação domicrofone no gabinete do Sr. Procurador-Geralda República.

13 — Nesse mesmo dia 12 de Dezembro de1995, a Directoria-Geral da Polícia Judiciária di-vulgou o seguinte comunicado:

«Face a notícias veiculadas por alguns órgãosda comunicação social e relativas à investigaçãoque decorre sobre o microfone localizado no ga-binete de S. Ex.ª o Conselheiro Procurador-Geralda República, cabe à Polícia Judiciária manifes-

tar a sua estranheza por tais notícias especula-tivas, que são, aliás, susceptíveis de causar pre-juízos à investigação em curso.

Encontrando-se ainda o inquérito em curso e,como tal, o seu conteúdo a coberto do segredo dejustiça, não pode nem deve a Polícia Judiciáriatecer comentários sobre o mesmo.»

14 — A SIC tomou conhecimento dessecomunicado feito pela Polícia Judiciária e fezalusão ao mesmo no Jornal da Noite de 12 deDezembro de 1995.

15 — Nessa mesma ocasião, a SIC repetiu asafirmações feitas no dia 11 anterior, afirmando:

«Conforme ontem revelamos, em primeiramão, foi um técnico de informática que colocou omicrofone na sala do Procurador-Geral da Repú-blica.

Esse técnico confessou à Judiciária que forapago por um elemento ligado à Partex.

A Partex é uma empresa de consultadoria eformação profissional, que estava a ser inves-tigada pelo Ministério Público, por alegados des-vios de verbas do Fundo Social Europeu.

As autoridades tentam agora saber se há maispessoas envolvidas no caso e que utilização erafeita das escutas.»

16 — No mesmo programa, logo depois deuma breve transmissão de alguns excertos da con-ferência de imprensa dada pela Partex, o jorna-lista (pivôt), ao serviço da SIC, fez a introduçãode uma reportagem sobre o tema, afirmando oseguinte:

«Primeiro vamos recordar alguns elementos:a Partex, uma grande empresa de consultadoria,teve, no final dos anos 80, um departamento pró-prio para formação profissional. Foi este sectoro principal responsável pelo grande crescimentoda empresa, mas foi também neste sector quesurgiu o maior caso de alegadas fraudes com di-nheiro do Fundo Social Europeu. Esta inves-tigação ainda está a decorrer nas instâncias judi-ciais, mas há ligações suspeitas em todo o casoPartex» ...

17 — Nessa mesma emissão do dia 12 deDezembro de 1995, no programa de notíciasdenominado Último Jornal, que foi transmitido

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286 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

à 1 hora do dia 13 de Dezembro, a SIC divulgou,mais uma vez:

«O técnico de informática que ligou o micro-fone confessou que foi pago por uma figuraligada à Partex. A empresa estava a ser investigadapor alegados desvios de verbas do Fundo SocialEuropeu.»

18 — E no dia seguinte, 13 de Dezembro de1995, a SIC transmitiu uma reportagem no seuprograma Primeiro Jornal, colocado no ar pelas13 horas, em que o jornalista Ricardo Costa, aoserviço da SIC, a propósito de uma tentativa deentrevista ao Sr. Procurador-Geral da República,disse:

«Cunha Rodrigues não quer falar no assunto.Nós perguntamos-lhe se ele já suspeitava, se

algum dia tinha suspeitado que a colocação domicrofone no seu gabinete poderia, de algumamaneira, ter a ver com alguns dos casos do Fun-do Social Europeu.

Ele não quis responder, dizendo que não, quenão falava no assunto.

Limitou-se a dizer que a investigação destescasos do Fundo Social Europeu deve estar prontaem breve.

São casos que já têm cinco, seis, sete anos, eeu (jornalista Ricardo Costa) recordo que estecaso (ao qual está ligado, aparentemente e se-gundo a Polícia Judiciária, o microfone que foicolocado no gabinete do Procurador-Geral daRepública) está ligado ao caso em que a Partex éarguida e acusada.

A Partex é uma empresa de consultadoria eformação profissional, que estava ligada à Fun-dação Gulbenkian (agora já não está) e que foiacusada pela Procuradoria-Geral da Repúblicade mau uso de dinheiros do Fundo Social Euro-peu.»

19 — Pelas 17 horas do mesmo dia 13 deDezembro de 1995, no programa da SIC Notí-cias foi difundida a seguinte informação:

«Cunha Rodrigues não quer comentar as re-velações recentes, no caso do microfone encon-trado no seu gabinete.

O Procurador-Geral da República não fala,enquanto o caso estiver em segredo de justiça, enão comenta o facto do principal suspeito ser

um técnico de informática da Procuradoria, queterá sido pago por um elemento ligado à Partex.

O director da Polícia Judiciária confirma a exis-tência de um suspeito, mas garante que as inves-tigações ainda estão longe do fim.»

20 — Em seguida, em conformidade com anotícia previamente avançada pelo pivôt, foi trans-mitida uma pequena entrevista ao Procurador--Geral da República, em que o mesmo não fezquaisquer declarações acerca do caso, afirmandoque estava obrigado ao segredo de justiça.

21 — Foi também difundida uma entrevistafeita ao director-geral da Polícia Judiciária, emque este, embora tenha confirmado a existênciade um suspeito, não disse quem o mesmo era, nemquais as suas funções e muito menos se agira asoldo da Partex ou de alguém ligado à empresa.

22 — A SIC insistiu na divulgação da notícia,voltando a difundi-la nos mesmos termos no Jor-nal da Noite de 13 de Dezembro de 1995.

23 — As notícias sobre o caso, ligando a Partex,o microfone do Procurador-Geral da Repúblicae os escândalos do Fundo Social Europeu, conti-nuaram a ser publicadas nos órgãos de comuni-cação social num ritmo quase diário durante todoo mês de Dezembro de 1995.

24 — Em 27 de Dezembro de 1995, a Partexenviou à SIC uma carta através da qual pretendiaexercer o seu direito de resposta, face às notíciasavançadas pela SIC nos dias 11, 12 e 13 daquelemês.

25 — A SIC recusou-se a conceder o direitode resposta, invocando as seguintes razões, cons-tantes da carta de fls. 186:

«Os serviços noticiosos da SIC não contêmqualquer falsidade e dão as informações sobre ocaso de forma correcta e verídica;

— A própria Partex deu uma conferência deimprensa, amplamente divulgada pela SIC, noJornal da Noite de 12 de Dezembro de 1995;

— Nesse Jornal e durante cerca de três minu-tos, a SIC transmitiu a parte fundamental da re-ferida conferência de imprensa, na qual a Partexrefere de modo inequívoco a sua posição, o que,de certa forma, constitui já a efectivação de umaresposta.»

26 — Com efeito, apenas viria a fazê-lo em29 de Março de 1996, após o Tribunal Judicial

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287 Direito Civil — Parte GeralBMJ 500 (2000)

de Oeiras a obrigar a isso, por decisão judicial de14 de Março de 1996.

27 — Só então a SIC transmitiu a leitura daresposta, no Último Jornal, no dia 29 de Marçode 1996, mas fê-lo de forma de tal modo acele-rada que a maioria dos telespectadores não com-preendeu o seu conteúdo.

28 — Antes e após a leitura da resposta daPartex, o pivôt ao serviço da SIC salientou que setratava de resposta da Partex e não de rectifica-ção de quaisquer factos noticiados.

29 — Deste modo a SIC reiterava que tudoquanto havia noticiado acerca da Partex era ver-dadeiro.

30 — Mesmo que o público tivesse com-preendido o conteúdo daquele direito de res-posta, já anteriormente havia sido declarado pelaPolícia Judiciária que a Partex nada tinha a vercom a colocação do microfone na Procuradoria--Geral da República.

31 — Com efeito, o fim do clima de acusaçãoà Partex ocorreu no dia 8 de Fevereiro de 1996,data em que a Partex obteve a colaboração ex-pressa da Polícia Judiciária, no sentido de anun-ciar a sua inocência, quanto ao caso do microfone.

32 — No Jornal da Noite de 8 de Fevereiro de1996, a notícia foi dada pela SIC, nos seguintestermos:

«A Polícia Judiciária autorizou a Partex a de-clarar publicamente o seu não envolvimento nocaso do microfone encontrado no gabinete doProcurador-Geral da República.

As notícias sobre o alegado envolvimento daempresa têm já dois meses.

Depois de sucessivas abordagens feitas pelaadministração da empresa, a Procuradoria-Geralda República instruiu a Judiciária no sentido deprestar todos os esclarecimentos possíveis so-bre o caso.

A instrução do processo está a ser ultimada,esperando-se que até ao fim do mês sejam divul-gadas as conclusões.»

33 — De seguida, a SIC emitiu uma reporta-gem, em que se dizia:

«O microfone foi colocado debaixo do soalhodo gabinete de Cunha Rodrigues. Foi encontradohá quase dois anos.

Há dois meses, um técnico de informática con-fessou tudo.

Disse que agiu a troco de dinheiro e que foium homem ligado à Partex que lhe encomendou oserviço.

Hoje, a Polícia Judiciária não desmente essefacto, mas conclui que este homem não agiu amando da Partex.

A Judiciária autorizou a administração daempresa a afirmar publicamente o seu não envol-vimento.»

34 — Ao difundir a notícia do modo referido,continuando a salientar que o técnico informáticoconfessou que havia sido pago por um homemligado à Partex, a SIC manteve ligado o nome daPartex ao caso do microfone.

35 — Resultou das investigações efectuadaspela Polícia Judiciária que a Partex não teve qual-quer ligação com a colocação do microfone nogabinete do Procurador-Geral da República.

36 — O facto de ter sido divulgado o nome deuma empresa, como a Partex, contribuiu para ogrande impacto nacional da notícia.

37 — Havia sido a própria Partex quem des-poletara os processos relativos ao Fundo SocialEuropeu, ao ter apresentado queixa crime, em1991, contra incertos, sobre desvios de verbasdo Fundo Social Europeu, e ao constituir-se as-sistente nesse processo.

38 — Em Dezembro de 1995, os processosatinentes ao Fundo Social Europeu estavamainda em segredo de justiça.

39 — A SIC apresentou-se perante os teles-pectadores como tendo empreendido uma inves-tigação séria e rigorosa.

40 — A SIC invocou que as notícias haviamsido confirmadas por fontes policiais e judiciais,quando por diversas vezes a Polícia Judiciáriaqualificou as notícias como sendo especulativas.

41 — A SIC invocou a veracidade de factosalegadamente apurados e confirmados.

42 — Mas o único facto decisivamente con-firmado foi o que respeitou ao microfone encon-trado no gabinete do Sr. Procurador-Geral daRepública.

43 — A SIC, na investigação dos factos noti-ciados, não ouviu a versão da Partex, antes decolocar no ar, pela primeira vez, tais notícias.

44 — A SIC ouviu a versão da Partex e divul-gou a conferência de imprensa do seu presidentedo conselho de administração, mas só a trans-

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288 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

mitiu no Jornal da Noite de 12 de Dezembro de1995.

45 — A SIC, no dia 12 de Dezembro de 1995,também convidou para uma entrevista em di-recto, nos seus estúdios, o Dr. José Alfaia, ex--administrador da Partex, pessoa com conheci-dos atritos, relativamente à administração.

46 — A SIC não podia desconhecer essesatritos.

47 — Os factos relatados pela SIC nos dias11, 12 e 13 de Dezembro de 1995 tiveram grandedivulgação em todo o país, porquanto foram vei-culadas pela SIC, em programas de grande au-diência, e foram amplamente difundidos pelasrádios e imprensa escrita, nacional e regional.

48 — Durante cerca de dois meses (desde 11de Dezembro a 8 de Fevereiro de 1996) gerou-seum clima de suspeição e desconfiança relativa-mente à Partex.

49 — Notícias sobre a Partex têm sempreinfluência na sua actividade de consultadoria, aqual depende da confiança que as empresas neladepositem, sendo certo que as notícias aludidaschegaram ao meio empresarial em que a Partexencontra a maioria dos seus potenciais clientes.

50 — As notícias da SIC tiveram repercussãonegativa no bom nome e imagem da Partex e dequem nela trabalha.

51 — As notícias transmitidas pela SIC afec-taram a imagem comercial da Partex.

52 — Também nos dias que se seguiram àsditas notícias, no decurso de reuniões havidascom representantes das firmas Resiquímica,MSF e do Instituto Português de Qualidade eAcção de Formação, destinada a empresas daAssociação Portuguesa de Profissionais de Con-sultadoria, foi posta em causa a honestidade daPartex.

53 — No decurso de uma entrevista de diag-nóstico, em que a Partex pediu informações con-fidenciais, a empresa entrevistada manifestoudesconfiança, alegando: «quem instala microfo-nes para escuta pode também utilizar informa-ção confidencial de empresas para outros fins».

54 — As notícias criaram nos demais órgãosde comunicação social e no público a ideia de quehavia sido a Partex a entidade que encomendara acolocação do microfone no gabinete do Procura-dor-Geral da República, para poder escutar eacompanhar as conversas do Procurador-Geral

da República, atinentes aos processos relativosao Fundo Social Europeu.

55 — Os factos anunciados pela SIC, nosseus serviços noticiosos, foram fruto de uma in-vestigação jornalística, que assentou, entre ou-tras, em fontes da própria Polícia Judiciária.

56 — E, segundo essas fontes da Polícia Judi-ciária, o técnico de informática da Procuradoria--Geral que colocou o telefone confessou que teriasido pago por «um elemento ligado à Partex».

57 — Os factos noticiados decorreram de in-vestigações da Polícia judiciária sobre fraudes comfinanciamentos de acções de formação com oFundo Social Europeu, que envolviam a própriaPartex.

58 — Todas as suspeitas levantadas pela SIC,a respeito da Partex, foram completamente afas-tadas em 27 de Fevereiro de 1996, com o termodas investigações efectuadas pela Polícia Judi-ciária.

A sentença da 1.ª instância, a cuja fundamen-tação se limitou a aderir o acórdão recorrido, con-firmando o julgado absolutório, teve por inve-rificados os pressupostos da responsabilidadecivil, louvando-se, resumidamente, na seguinteargumentação:

«O facto afirmado, que se traduz em que omicrofone encontrado no gabinete do Procura-dor-Geral da República foi ali colocado por al-guém ligado à Partex, não é, por si mesmo, ilícito,já que não se imputa qualquer facto capaz deprejudicar o crédito e o bom nome da Partex»;

— «Tratar-se de alguém ligado à Partex é vago,não caracteriza os contornos dessa ligação»;

— «A notícia veiculada pela SIC não atribui àPartex ou a alguém subordinado à sua adminis-tração e por ordem desta uma conduta contradi-tória e oposta àquela que o sentimento da gene-ralidade das pessoas exige do homem mediana-mente leal e honrado»;

— «Não parece que tenha havido animusinjuriandi ou que a SIC, tendo conhecimento deque a notícia era falsa, mesmo assim, em lutapelas audiências, a tivesse emitido»;

— «A ré não agiu com culpa, por não sedescortinar como poderia ter agido de outromodo, segundo os elementos de que dispunha,tal como ficaram apurados»;

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289 Direito Civil — Parte GeralBMJ 500 (2000)

— «O jornalista tem o direito de noticiar fac-tos verdadeiros e de relevo social, desde que ofaça de forma moderada e adequada».

— «Devem reputar-se como verdadeiros osfactos que o jornalista apurou através de fontesde informação idóneas, em termos de ficar seria-mente convencido de que eram verdadeiros».

— «A SIC, baseando-se em fontes idóneas daPolícia Judiciária, divulgou a notícia, por estarconvencida de que os factos nela relatados eramverdadeiros.»

Daí que a ré tivesse sido absolvida do pedido.Ao aderir integralmente à fundamentação, de

facto e de direito, que consta da sentença da1.ª instância e ao confirmar a improcedência daacção, o acórdão impugnado rejeitou a nulidade,já invocada pela recorrente, na 2.ª instância, decontradição entre os fundamentos e a decisão,julgando implicitamente que tal arguição era injus-tificada e bastando, para tanto, remeter para osfundamentos da decisão recorrida, ao abrigo doartigo 713.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

Por isso, não ocorre a nulidade, agora invo-cada, de omissão de pronúncia sobre questão deque o acordão da Relação devesse conhecer.

Consequentemente, só resta apreciar se houveerro de julgamento e, se perante toda a matériafactual provada, é licito concluir pela verificaçãodos pressupostos da responsabilidade civil, comas legais consequências.

Apreciando:Qualquer pessoa goza dos direitos fundamen-

tais à integridade moral e ao bom nome e repu-tação — artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, daConstituição da República.

O direito ao bom nome e reputação consisteessencialmente no direito de não ser ofendido oulesado na sua honra, dignidade ou consideraçãosocial, mediante imputação feita por outrem, bemcomo no direito a defender-se dessa ofensa e aobter a competente reparação.

Neste sentido, pode dizer-se que este direitoconstitui um limite para outros direitos, designa-damente a liberdade de informação e de imprensa.

Numa perspectiva de tutela juscivilística,escreve Capelo de Sousa (O Direito Geral daPersonalidade, 1995, págs. 303-304):

«A honra abrange desde logo a projecção dovalor da dignidade humana, que é inata, ofertada

pela natureza igualmente para todos os seres hu-manos, insusceptível de ser perdida por qual-quer homem em qualquer circunstância ...

Em sentido amplo, inclui também o bom nomee reputação, enquanto sínteses do apreço socialpelas qualidades determinantes da unicidade decada indivíduo no plano moral, intelectual, se-xual, familiar, profissional ou político.»

Versando sobre a tutela geral da personali-dade, dispõe o artigo 70.º, n.º 1, do Código Civilque a lei protege os indivíduos contra qualquerofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua persona-lidade física ou moral.

À responsabilidade civil por ofensas à perso-nalidade física ou moral (artigo 70.º, n.º 2, pri-meira parte) são aplicáveis, em termos gerais, osartigos 483.º e seguintes do Código Civil.

Dispõe o citado artigo 483.º:

«1 — Aquele que, com dolo ou mera culpa,violar ilicitamente o direito de outrem ou qual-quer disposição legal destinada a proteger inte-resses alheios fica obrigado a indemnizar o lesadopelos danos resultantes da violação.

2 — Só existe obrigação de indemnizar inde-pendentemente de culpa nos casos especifica-dos na lei.»

Para além das duas disposições básicas daresponsabilidade civil, constantes do n.º 1 do ci-tado artigo 483.º ( violação dos direitos de ou-trem e violação de uma disposição legal destinadaa proteger interesses alheios), a nossa lei recebeuuma série de previsões particulares que concreti-zam ou completam aquelas.

É precisamente o caso dos artigos 484.º, 485.ºe 486.º do Código Civil.

Aqui e agora, só importa considerar o artigo484.º

Nele se preceitua:

«Quem afirmar ou difundir um facto capaz deprejudicar o crédito ou bom nome de qualquerpessoa, singular ou colectiva, responde pelosdanos causados.»

A ofensa do crédito ou bom nome previstaneste artigo 484.º não é mais do que um casoespecial de facto antijurídico definido no pre-ceito precedente, pelo que se deve considerarsubordinada ao principio geral do artigo 483.º,

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290 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

não só quanto aos requisitos fundamentais dailicitude, mas também relativamente à culpabili-dade (acórdão do Supremo Tribunal de Justiçade 14 de Maio de 1976, Boletim do Ministério daJustiça, n.º 257, pág. 131).

Pires de Lima e Antunes Varela (Código CivilAnotado, vol. I, 4.ª ed., págs. 485-486), em co-mentário ao referido artigo 484.º, escrevem:

«Além das duas grandes directrizes de ordemgeral fixadas no artigo 483.º, sobre o conceito deilicitude, como pressuposto da responsabilidadecivil, o Código trata, de modo especial, algunscasos de factos antijurídicos.

O primeiro é o da afirmação ou divulgação defactos capazes de prejudicarem o crédito ou bomnome de qualquer pessoa [...]

Pouco importa que o facto afirmado ou divul-gado corresponda ou não à verdade, contantoque seja susceptível, dadas as circunstâncias docaso, de diminuir a confiança na capacidade e navontade da pessoa para cumprir as suas obriga-ções (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestí-gio de que a pessoa goze ou o bom conceito emque seja tida (prejuízo do bom nome) no meiosocial em que vive ou exerce a sua actividade.

A afirmação ou divulgação do facto pode, noentanto, não ser ilícita, se corresponder ao exer-cício de um direito ou faculdade ou ao cumpri-mento de um dever, como se for feita em depoi-mento de parte ou de testemunha, num inquéritooficial, etc.).»

Também Almeida Costa (Direito das Obri-gações, 5.ª ed., pág. 453), depois de considerarque um dos casos especiais de ilicitude, previs-tos no Código Civil, é o da ofensa do crédito oudo bom nome, ensina:

«Como se infere da lei, tem de haver a impu-tação de um facto, não bastando alusões vagas egerais. Parece indiferente, todavia, que o factoafirmado ou difundido seja verdadeiro ou não.Apenas interessa que, dadas as circunstânciasconcretas, se mostre susceptível de afectar o cré-dito ou a reputação da pessoa visada — pessoasingular ou colectiva, devendo considerar-se in-cluída nesta última categoria as sociedades».

Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações,vol. II, págs. 348-350), depois de entender que a

ofensa do crédito ou do bom nome está sujeito àsregras gerais dos delitos, conclui pela responsa-bilidade de quem «com dolo ou mera culpa» vio-lar o direito ao bom nome e reputação de outrem.

E acrescenta:

«É indubitável que a divulgação de um factoverdadeiro pode, em certo contexto, atentar con-tra o bom nome e a reputação de uma pessoa.Por outro lado, a divulgação de um facto falso eatentório pode não constituir um delito — porcarência, por exemplo, de elemento voluntário.Por isso, a solução deve resultar do funciona-mento global das regras da imputação delitual.»

Na jurisprudência, também este Supremo Tri-bunal (acórdão do Supremo Tribunal de Justiçade 3 de Outubro de 1995, Boletim do Ministérioda Justiça, n.º 450, pág. 424; acórdão do Su-premo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de1997, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo II,pág. 102; acórdão do Supremo Tribunal de Justi-ça de 3 de Março de 1999, Boletim do Minis-tério da Justiça, n.º 484, pág. 339) tem trilhadoesta linha de rumo, ao decidir que:

— O direito de livre expressão não é abso-luto, devendo respeitar o direito à honra e aobom nome;

— A afirmação ou divulgação de facto verda-deiro, se injustificada, é passível de sanção;

— O dever de indemnizar não está depen-dente de intencionalidade ofensiva;

— Havendo mera culpa (para além dos de-mais pressupostos da responsabilidade civil),existe dever de indemnizar;

— Tratar-se de dolo ou mera culpa apenasreleva para a graduação da indemnização.

Como observa Antunes Varela (Das Obriga-ções em Geral, vol. 1.º, 7.ª ed., pág. 559, nota derodapé), «para haver culpa, no caso de afirmaçãoou divulgação de factos susceptíveis de prejudi-car o crédito ou o bom nome de alguém, basta,em princípio, que o agente queira afirmar ou di-fundir o facto, pouco importando que ele sou-besse ou não que, em consequencia disso, o lesadoperderia um negócio vantajoso ou uma colocaçãorendosa ou veria desfeito o seu noivado. Desdeque o agente conheça ou devesse conhecer a

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291 Direito Civil — Parte GeralBMJ 500 (2000)

ilicitude ou o carácter danoso do facto, é justoque sobre ele recaia o encargo de reparar os da-nos efectivamente causados por esse facto.»

Para apreciação do acordão recorrido, impor-tará ainda ponderar algumas normas da Lei deImprensa, do Código Deontológico do Jornalistae do Estatuto do Jornalista, que são aplicáveis àSIC, na sua qualidade de órgão de informação,como canal de televisão nacional, e aos respecti-vos profissionais jornalistas.

À data dos factos, regia, como lei de im-prensa, o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fe-vereiro, que foi sucessivamente alterado peloDecreto-Lei n.º 181/76, de 9 de Março, Decreto--Lei n.º 377/88, de 24 de Outubro, Lei n.º 15/95,de 25 de Maio, e Lei n.º 8/96, de 14 de Março.

Nos termos do artigo 4.º da referida Lei deImprensa, os limites à liberdade de imprensa de-correrão unicamente dos preceitos da mesma leie daqueles que a lei geral e a lei militar impõem,em ordem a salvaguardar a integridade moral doscidadãos, a garantir a objectividade e a verdadeda informação a defender o interesse público e aordem democrática.

A mencionada lei estabelecia, no seu artigo10.º, n.º 3, que o exercício actividade de jornalistaprofissional será regulado por um estatuto e porum código deontológico.

Um tal Código Deontológico do Jornalista foiefectivamente aprovado em 4 de Maio de 1993(cfr. Lei de Imprensa e Estatuto de Jornalista,Livraria Almedina, Coimbra, 199, págs. 40-41) edele consta nomeadamente o seguinte:

— O jornalista deve relatar os factos com exac-tidão e interpretá-los com honestidade;

— Os factos devem ser comprovados, ou-vindo as partes com interesses atendíveis;

— O jornalista deve combater o sensaciona-lismo e considerar a acusação sem provas comograve falta profissional;

— O jornalista deve promover a rectificaçãodas informações que se revelem inexactas oufalsas;

— O jornalista deve usar como critério funda-mental a identificação das fontes;

— O jornalista deve salvaguardar a presunçãode inocência dos arguidos, até ao trânsito em jul-gado da sentença.

Por outro lado, estava em vigor o Estatuto doJornalista, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 62/79,de 20 de Setembro, em cujo artigo 11.º, n.º 1, sefixavam os seguintes deveres:

a) Respeitar escrupulosamente o rigor e aobjectividade da informação;

b) Respeitar a ética profissional e não abu-sar da boa fé dos leitores, encobrindo oudeturpando a informação;

c) Respeitar os limites ao exercício da liber-dade de imprensa, nos termos da Consti-tuição e da lei.

Actualmente, vigoram o novo Estatuto doJornalista e a nova Lei de Imprensa, aprovados,respectivamente, pela Lei n.º 1/99 e pela Lein.º 2/99, ambas de 13 de Janeiro, mantendo-se omesmo Código Deontológico.

Nos termos do artigo 14.º do novo Estatutodo Jornalista, são seus deveres fundamentais:

— Exercer a actividade com respeito pelaética profissional, informando com rigor e isen-ção;

— Abster-se de formular acusações sem pro-vas;

— Respeitar a presunção de inocência.

Por força do artigo 3.º da nova Lei de Im-prensa, a liberdade de imprensa tem como úni-cos limites os que decorrem da Constituição e dalei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectivi-dade da informação, a garantir os direitos ao bomnome, à reserva da intimidade da vida privada, àimagem e à palavra dos cidadãos e a defender ointeresse público e a ordem democrática.

De tudo isto resulta claro que a liberdade deimprensa e o direito de informação (no caso con-creto aplicados à informação de um canal de tele-visão nacional) comportam limites legais, entreos quais relevam a garantia quer da objectivi-dade, do rigor e da verdade do que é informado aopúblico, quer justamente também a salvaguardado direito ao bom nome e reputação, tuteladopelos artigos 26.º, n.º 1, da Constituição e 484.ºdo Código Civil.

O direito de informar não é um direito abso-luto que possa conduzir à total impunidade dojornalista.

A informação prestada deve ser rigorosa everdadeira, para não se defraudar o direito do

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292 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

público a ser informado e não se impedir a plenaformação da opinião pública, característica deuma sociedade democrática.

O jornalista deve colher as informações emfontes idóneas e estar convicto da verdade dainformação que veicula e divulga.

Deve haver adequação ao meio, dando-se anotícia com contenção, para não afectar, além donecessário, a reputação dos visados.

Havendo conflito entre direitos fundamentaisconstitucionalmente consagrados, a sua har-monização concreta depende de critérios metó-dicos, abstractos, tal como o princípio da con-cordância prática ou ideia do melhor equilíbriopossível entre os direitos colidentes.

Quando o direito ao bom nome e reputaçãoentra em conflito com o direito de liberdade deimprensa, há que resolvê-lo, coordenando-os umcom o outro, de forma a distribuir proporcional-mente os custos desse conflito, sem atingir oconteúdo essencial de cada um deles.

A lei indica as limitações ao direito de liber-dade de imprensa, de forma a que não venha serafectado o conteúdo essencial do direito ao bomnome e reputação.

São pressupostos da responsabilidade civil:o facto voluntário do agente; a ilicitude, a impu-tação do facto ao agente; o dano; o nexo de causa-lidade entre o facto e o dano.

E, desde já, se pode adiantar que todos estesrequisitos se encontram preenchidos.

Efectivamente, tal como consta da matériaprovada:

— Em 11 de Dezembro de 1995, no jornalprincipal das 20 horas (Jornal da Noite) a SICnoticiou que a Polícia Judiciária «já descobriuquem colocou o microfone no gabinete do Pro-curador-Geral da República» e que «tudo apontapara a Partex», repetiu que a Polícia Judiciária«revelou de quem tinha partido a ordem»; «foium técnico de informática quem colocou o mi-crofone»; «agiu a troco de dinheiro» e «foi umindivíduo ligado à Partex que encomendou o ser-viço»;

— Em 12 de Dezembro de 1995, «repetiu asafirmações feitas» na véspera, dizendo nomea-damente que o «técnico confessou à Judiciáriaque fora pago por um elemento ligado à Partex»,

acusações que foram repetidas no Último Jor-nal, cerca da uma hora da madrugada: «O técnicode informática que ligou o microfone confessouque foi pago por uma figura ligada à Partex»;

— Em 13 de Dezembro de 1995, no programaNotícias, cerca da das 17 horas, «a SIC insistiuna divulgação da notícia, voltando a difundi-lanos mesmos termos no Jornal da Noite».

— E ainda em 8 de Fevereiro de 1996, aodivulgar o desmentido definitivo autorizado pelaPolícia Judiciária, a SIC entendeu dar a notícia,«continuando a salientar que o técnico de infor-mática confessou que havia sido pago por umhomem ligado à Partex, assim mantendo ligado onome da Partex ao caso do microfone».

Sucessivamente, naqueles dias 11, 12 e 13 deDezembro de 1995, imediatamente após a trans-missão das mencionadas noticias, a SIC referiu--se sempre à Partex, de forma sugestiva:

— Como «uma empresa que estava, precisa-mente, a ser investigada por Cunha Rodrigues,por suspeita de irregularidades com o FundoSocial Europeu»;

— Como «uma empresa de consultadoria eformação profissional que movimentou milhõesde contos do Fundo Social Europeu, até que sur-giram graves suspeitas de desvio de verbas e aempresa passou a ser investigada pelo Ministé-rio Público, ou seja, por Cunha Rodrigues»;

— Como «uma empresa que estava a serinvestigada pela Procuradoria devido a irregula-ridades com o Fundo Social Europeu», acrescen-tando que «esta investigação ainda está a decorrernas instâncias judiciais, mas há ligações suspei-tas em todo o caso Partex»;

— Como «uma empresa de consultadoria eformação que estava ligada à Fundação Gul-benkian (agora já não está ) e que foi acusada pelaProcuradoria-Geral da República de mau uso dedinheiros do Fundo Social Europeu»;

— Em 13 de Dezembro de 1995, na reporta-gem que então foi emitida, a SIC afirmou mesmoque «o microfone que foi colocado no gabinetedo Procurador-Geral da República está ligado aocaso em que a Partex é arguida e acusada».

A SIC, anunciando que já tinha sido desco-berto o autor da colocação do microfone, nãorevelou a sua identidade, mas, em contrapartida,

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293 Direito Civil — Parte GeralBMJ 500 (2000)

não omitiu o nome da Partex, o que contribuiupara o grande impacto nacional da notícia.

Face a este circunstancialismo, é lícito con-cluir que as notícias da SIC não se ficaram pormeras afirmações vagas e gerais.

Tratou-se antes da imputação de factos con-cretos, lesivos do bom nome e reputação daPartex, embora agindo a Partex indirectamente,ou seja, por interposta pessoa.

Desde as primeiras notícias, a SIC transmitiua ideia de que os factos que relatara eram verda-deiros e credíveis, o que levou vários órgãos decomunicação social a difundirem tais notícias,com a indicação de que a sua fonte era a pró-pria SIC.

Essas notícias, transmitidas pela SIC, criaramnos demais órgãos de comunicação social e nopúblico em geral a ideia de que havia sido a Partexa entidade que encomendara a colocação do mi-crofone no gabinete do Sr. Procurador-Geral daRepública, para poder escutar e acompanhar asconversas deste, atinentes aos processos relati-vos ao Fundo Social Europeu.

As notícias da SIC tiveram repercussão nega-tiva no bom nome e imagem comercial da Partexe de quem nela trabalha.

E, durante cerca de dois meses, gerou-se umclima de suspeição e desconfiança, relativamenteà Partex.

Em todo este processo noticioso, a SIC agiuculposamente, podendo e devendo ter agido deoutro modo, face aos elementos que ficaram apu-rados.

A informação deve pautar-se por regras éti-cas e deontológicas rigorosas, adequadas a umanatural convivência cívica.

Ora, a SIC não usou de rigor, de objectivi-dade, nem de respeito pela presunção de inocên-cia da Partex e de salvaguarda do seu bom nomee reputação.

Não procurou fontes idóneas, aptas a criaruma séria convicção de que os factos eram verda-deiros, no tocante à sua ligação com a Partex.

Na verdade, o único facto decisivamente con-firmado foi o que respeitou ao microfone encon-trado no gabinete do Sr. Procurador-Geral daRepública.

E, logo no dia imediato ao das primeiras notí-cias (em 12 de Dezembro de 1995), a Directoria--Geral da Policia Judiciária divulgou um comuni-

cado em que qualificava de «especulativas» asnotícias da SIC sobre as investigações que decor-riam sobre o caso do microfone localizado nogabinete do Sr. Procurador-Geral da República,manifestando a sua «estranheza« por tais notí-cias.

Apesar deste comunicado, a SIC não suspen-deu a divulgação do teor da notícia que haviatransmitido e antes continuou a difundi-la nosmesmos termos, em vez de a rectificar, comodevia.

Mas a Directoria-Geral da Polícia Judiciária éa única fonte idónea daquela Polícia para prestarinformaçoes sobre as investigações de processosali em curso.

As demais fontes da Polícia Judiciária em quea SIC se baseou não são idóneas, devendo anteshaver-se por não autorizadas ou «clandestinas»,tanto mais que se tratava de um processo emfase de segredo de justiça.

Que idoneidade e confiança pode merecer qual-quer outra fonte «clandestina» da Judiciária parainformar a SIC que «o técnico de informática quecolocou o telefone confessou que teria sido pagopor um elemento ligado à Partex»?

Que convicção de verdade poderia ter a SIC,perante aquele comunicado da Directoria-Geralda Polícia Judiciária e as entrevistas do Sr. Mi-nistro da Justiça, do Sr. Procurador-Geral daRepública e do próprio Sr. Director-Geral daPolicia Judiciária que não confirmavam a ligaçãoda Partex ao caso do microfone?

Acresce que a SIC, na investigação dos factosnoticiados, não ouviu a versão da Partex, antesde colocar no ar, pela primeira vez, tais notícias.

Por isso, a Partex viu-se na necessidade dedesmentir publicamente tal notícia no dia 12 deDezembro de 1995, sem que isso de nada lhetenha valido.

E solicitou o direito de resposta, no dia 27 domesmo mês, que a SIC recusou e só veio a trans-mitir, após ser obrigada por decisão do Tribunalde Oeiras, fazendo-o em 29 de Março de 1996,no horário tardio do Último Jornal e, de tal formaacelerada, que a maioria dos telespectadores nãocompreendeu o seu conteúdo.

Entretanto, a Partex já havia sido autorizadapela Polícia Judiciária, em 8 de Fevereiro de 1996,a anunciar publicamente a sua inocência, quantoao caso do microfone, e todas as suspeitas levan-

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294 BMJ 500 (2000)Direito Civil — Parte Geral

tadas pela SIC, a respeito da Partex, ficaram com-pletamente afastadas em 27 de Fevereiro de 1996,com o termo das investigações efectuadas pelaJudiciária.

Daí que a conduta noticiosa da SIC, quanto àPartex, seja claramente ilícita e geradora de res-ponsabilidade civil.

O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil limita aressarcibilidade dos danos não patrimoniais àque-les que, pela sua gravidade, mereçam a tutela dodireito.

Tal deverá medir-se por padrões objectivos,face às circunstâncias de cada caso.

Nos termos do artigo 496.º, n.º 3, do mesmodiploma, o montante da indemnização por danosnão patrimoniais será fixado equitativamente,tendo em atenção as circunstâncias referidas noartigo 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade doresponsável, a situação económica do lesante edo lesado e as demais circunstâncias do caso.

Assim, considerando o intenso grau da culpa(quase raiando o dolo), a enorme publicidade dos

factos e todas as demais circunstâncias ocorren-tes, fixa-se em 10 000 000$00 o montante a pa-gar pela SIC à Partex, como indemnização pelosdanos não patrimoniais por esta sofridos, porofensa ao seu bom nome.

Termos em que, concedendo parcialmente arevista, revogam o acordão recorrido e, julgandoparcialmente procedente a acção, condenam a réSIC — Sociedade Independente de Comunica-ção, S. A., a pagar à autora Partex — CompanhiaPortuguesa de Serviços, S. A., a indemnização de10 000 000$00.

Custas por autora e ré, na proporção do ven-cido, quer na revista, quer nas instâncias.

Lisboa, 17 de Outubro de 2000.

Azevedo Ramos (Relator) — Fernandes Ma-galhães — Tomé de Carvalho.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras, processo n.º 701/97.

II — Acórdão da 6.ª Secção Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 7916/99.

Tanto a doutrina como a jurisprudência se têm pronunciado abundantemente sobre esta matéria.Será, por isso, difícil resumir o que de essencial se tem dito em compêndios, pareceres ou decisõesacerca de problema sempre tão actual.

De qualquer modo, aconselha-se a leitura das anotações aos artigos 180.º e seguintes do CódigoPenal, em Maia Gonçalves, Leal-Henriques e Simas Santos, do Comentário Conimbricense do CódigoPenal (Coimbra Editora), dirigido por Jorge Figueiredo Dias.

Na jurisprudência, abundantíssima, como se disse, destacamos, pela maior conexão com estamatéria, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1997, processo n.º 516/97,de que se respigam as seguintes afirmações: «o direito à informação (tanto de informar como de serinformado) não é hierarquicamente superior ao direito à honra: ambos são direitos fundamentais daspessoas, reconhecidos e garantidos, a idêntico título, na Constituição da República (v. artigos 1.º, 2.º,25.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, 37.º e 38.º), pelo que a solução do eventual conflito entre os dois só podeencontrar-se pela via do compromisso, segundo o princípio da proporcionalidade, e não através decritérios que, atendendo, nomeadamente, à maior ou menor gravidade do dano, reconheçamaprioristicamente a prevalência de um qualquer deles sobre o outro». Sustenta-se ainda neste acórdãoque para a fixação da indemnização se deve atender ao dolo do arguido e sua situação económica e dasociedade proprietária do órgão de comunicação social, do assistente e, logicamente, à gravidade dasofensas e dos danos causados.

(A. P. A. H.)

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295 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

Acção de condenação — Contrato de locação financeira —Regime jurídico aplicável às rendas vencidas e não pagas pelalocatária e respectivos juros — Artigo 310.º, alínea b), do CódigoCivil ou o regime do artigo 309.º do mesmo diploma legal

I — Num contrato de locação financeira — e ao contrário do que se passa noconcernente aos juros vencidos e não pagos —, às rendas vencidas e não pagas pelolocatário, pedidas em acção cível de condenação, é aplicável o regime de prescrição de20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil e não o de 5 anos da alínea b) do ar-tigo 310.º do mesmo diploma legal, já que tais rendas não assumem a natureza de verda-deiras rendas locatícías.

II — Na verdade, não são verdadeiras prestações periódicas dependentes do factortempo, mas antes e apenas o cumprimento fraccionado no tempo da mesma obrigação,em cujo objecto este não influi.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 4 de Outubro de 2000Revista n.º 170/2000

ACORDAM na 2.ª Secção Cível do SupremoTribunal de Justiça:

I — Relatório

Locapor — Companhia Portuguesa de Loca-ção Financeira Mobililiária, S. A. (Locapor), in-tentou no 10.º Juízo Cível da comarca de Lisboaa presente acção com processo ordinário contra:

1 — Maria Armanda Machado;2 — Maria Madalena Bragança Garcia Alves; e3 — António José Teixeira Alves;

todos identificados nos autos, pedindo a sua con-denação no pagamento solidário de:

a) 1 719 576$00, referentes a rendas vencidase não pagas;

b) 1 805 555$00, a título de juros de morasobre as rendas vencidas;

c) 343 915$00, referentes à prestação adicio-nal descrita no artigo 14.º da petição inicial;

d) 180 556$00, a título de juros de morasobre a quantia anterior;

e) Os juros vincendos sobre todos os mon-tantes em dívida referidos nas alíneas an-teriores, até integral pagamento, calcula-dos à taxa de 20% conforme previsto noartigo 9.º, n.º 6, das condições gerais docontrato de locação.

Como causa de pedir invocou a resolução docontrato de locação financeira n.º 4389/01 cele-brado em 7 de Maio de 1990 entre a SociedadePortuguesa de Leasing, S. A., e a sociedade JoãoTeixeira Chaves & Filhos, L.da, tendo como ob-jecto a aquisição de determinado equipamentoinformático, resolução essa fundada na falta depagamento, por esta sociedade, de rendas devi-das, no montante de 1 719 576$00, para garantiado qual os rés se constituíram fiadores.

As rés Maria Armanda e Maria Madalena con-testaram, sustentando que as rendas estavamprescritas, nos termos do artigo 310.º do CódigoCivil, pelo que os juros peticionados tambémnão eram exigíveis, bem como os 343 915$00 deindemnização e os 20% das rendas vincendas.

A Locapor ripostou, alegando que não se ve-rificava a aludida prescrição, dado que a normaaplicável era o artigo 309.º e não o invocado ar-tigo 310.º do Código Civil vigente.

No despacho saneador, o M.mo Juiz julgouimprocedente a excepção de prescrição e a acçãoparcialmente procedente, condenando solidaria-mente os rés a pagarem à autora:

a) A quantia de 1 719 576$00, referentes arendas vencidas não pagas;

b) A quantia de 1 805 555$00 de juros sobreaquele montante e vincendos desde apropositura, à taxa de 20%, até integralpagamento;

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296Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

c) 8400$00 a título de indemnização con-tratual e juros à taxa de 20%, desde a datada resolução (26 de Maio de 1993) atéintegral pagamento.

As rés não se conformaram com esta decisãoe apelaram dela para o Tribunal da Relação deLisboa, que, por acórdão de 28 de Outubro de1999, julgou o recurso parcialmente procedente,revogando a sentença, salvo na parte em que ascondenou «na indemnização peticionada aoabrigo do convencionado no artigo 16.º, n.º 3,alínea c), das condições gerais do contrato,portanto, no pagamento de 8400$00 (20% de42 0000$00) até integral pagamento e calculadosnos termos do n.º 6 das referidas condiçõesgerais.

A Locapor, por sua vez, irresignada com oassim decidido, recorreu de revista para este Su-premo Tribunal.

Nas suas alegações, sustenta que a exigênciadas rendas vencidas e não pagas é uma conse-quência da resolução do contrato e não do seunão pagamento atempado. Por este motivo, nãolhes é aplicável o prazo prescricional de 5 anosprevisto no artigo 310.º do Código Civil, comoerradamente decidiu o acórdão impugnado, masantes o prazo geral de 20 anos estabelecido noartigo 309.º do memo diploma.

As apeladas contra-alegaram, batendo-se pelaconfirmação do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar edecidir.

II — Fundamentos

A — Os factos:

A matéria de facto fixada pela Relação é aseguinte:

«1 — A autora é uma sociedade cujo objectoé a celebração de contratos de locação financeira.

2 — Por contrato celebrado em 15 de Julho de1989 a autora foi nomeada pela Caixa Geral deDepósitos para adquirir os direitos e assumir asobrigações emergentes dos contratos celebradospela Sociedade Portuguesa de Leasing, S. A.

3 — Em 7 de Maio de 1990 aquela sociedade(Sociedade Portuguesa de Leasing, S. A.) cele-

brou com João Teixeira Chaves & Filhos, L.da,o contrato de locação financeira n.º 4389/01, emconsequência do qual a primeira veio a adquirirum computador M 380 XPS Olivetti, com termi-nal WS 685, uma impressora DM 282, e umalimentador, equipamento que foi facultado àsegunda.

4 — Nos termos desse contrato aquela últimasociedade ficou obrigada ao pagamento das ren-das trimestrais, no valor de 292 151$00, a queacrescia IVA, sendo o montante das rendas al-terável em função da taxa básica de desconto doBanco de Portugal ou da taxa de referência fixadapor esse Banco para a emissão de obrigações ouda taxa indicativa da Associação Portuguesa deBancos para as operações activas, conforme asociedade locadora viesse a escolher.

5 — Assim, a renda n.º 6, de 22 de Agostode 1991, vencida nesta data, seria de 345 296$00,a renda n.º 7, de 22 de Novembro de 1991, ven-cida nesta data, seria de 345 296$00, a rendan.º 8, vencida em 22 de Fevereiro de 1929, era de345 296$00, a renda n.º 9 era de 341 844$00 e arenda n.º 10, vencida em 22 de Agosto de 1992,era de 341 844$00, rendas estas que a sociedadelocatária não entregou à Sociedade Portuguesa deLeasing, S. A., a título de pagamento.

6 — As rés declararam constituir-se fiadorase principais de toda as importâncias resultantesdo contrato de locação financeira.

7 — Por carta de 26 de Julho de 1993, enviadaa João Teixeira Chaves & Filhos, L.da, a Socie-dade Portuguesa de Leasing, S. A., declarouresolvido o contrato.

8 — Aquela sociedade locatária devolveu oequipamento locado.

9 — Foi acordado um valor residual de42 000$00.»

B — O direito:

Como é sabido, são as conclusões da alegaçãoque delimitam o âmbito do recurso — cfr. artigos684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de ProcessoCivil.

Em face delas, a única questão posta para re-solver é a de saber se às rendas vencidas e nãopagas pela locatária, exigidas pela apelante, e aosjuros vencidos é aplicável o regime da prescriçãoprevisto no artigo 310.º, alínea b), do Código

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297 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

Civil, ou o regime definido no artigo 309.º domesmo diploma.

O tribunal a quo decidiu-se pela primeira al-ternativa, por considerar que «o pedido dessasrendas não emerge necessariamente do direito deresolução, embora seja o seu fundamento, comose efectivamente tivesse aplicação, em relação aesse pedido, o disposto nos artigos 434.º, n.º 1,433.º e 289.º do Código Civil vigente; mas sim,por força do convencionado no contrato de loca-ção financeira, quanto ao quantitativo e modo depagamento (tempo e lugar), logo, ao abrigo dodisposto nos artigos 406.º, n.º 1, 804.º, 805.º e808.º daquele Código, pelo que nenhum motivoplausível justifica a não aplicação do artigo 310.ºao pedido de rendas vencidas e devidas pelo lo-catário, quando estas emergem do contrato delocação financeira».

Opinião diversa é, como ficou relatado, a sus-tentada pela apelante.

Para esta, «o direito às rendas vencidas e nãopagas é também uma das obrigações do locatáriooperada que seja a resolução do contrato de loca-ção», pelo que «não se aplica o prazo prescricionalprevisto no artigo 310.º e sim o prazo geral esta-belecido no artigo 309.º».

Quid juris?

Nos termos da alínea b) do citado artigo 310.º,prescrevem no prazo de cinco anos as rendas ealugueres devidos pelo locatário, ainda que pa-gos por uma só vez.

A razão essencial desta prescrição de curtoprazo é evitar que o credor deixe acumular exces-sivamente os seus créditos, para proteger o de-vedor contra a acumulação da sua dívida, que dedívida de mensalidades ou de anuidades, pagascom os seus rendimentos se transformaria emdívida de capital susceptível de o arruinar se opagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpeao cabo de um número demasiado de anos.

Pelo que respeita a este prazo, já Manuel deAndrade ensinava: «a lei funda-se no intuito deevitar que o credor deixe acumular os seus crédi-tos a ponto de ser mais tarde ao devedor exces-sivamente oneroso pagar» — Teoria Geral daRelação Jurídica, vol. II, 3.ª reimpresão, 1972,pág. 452.

Esta prescrição dizia, por sua vez, Vaz Serra,«destina-se a evitar a ruína do devedor, pela

acumulação das pensões, rendas, alugueres, ju-ros ou outras prestações periódicas» — «Pres-crição e caducidade», Boletim do Ministério daJustiça, n.º 107, pág. 285.

Posto isto, para determinar se a norma aplicá-vel ao caso é o artigo 310.º ou o artigo 309.º,importa, sobretudo, dilucidar se as rendas emdívida reclamadas pela apelante são verdadeirasrendas locatícias ou se têm a natureza destas.

O facto de a resolução do contrato em apreço,derivada da falta de pagamento das rendasvencidas em 22 de Agosto de 1991, 22 de No-vembro de 1991, 22 de Fevereiro de 1992, 22 deMaio de 1992 e 22 de Agosto de 1992, e nãopagas, conferir à locadora o direito a recebê-las ea ver perdidas a seu favor as rendas vencidas e jápagas, bem como a imediata restituição do equi-pamento locado, é, quanto a nós, irrelevante paraaferir se as primeiras já prescreveram ou não.

É que o prazo da prescrição, nos termos doartigo 306.º, n.º 1, do Código Civil vigente, co-meça a correr quando o direito puder ser exer-cido. E, no caso, isso verificou-se a partir daquelasdatas, por a locatária não ter pago o que devia, enão da data da resolução do contrato.

Ora, não obstante a falta de pagamento darenda poder dar origem à resolução do contrato,seja por força do artigo 16.º das condições geraisdo contrato celebrado, seja por virtude do esta-tuído no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 171/79, de6 de Junho, aplicável ao caso, isso não implica,todavia, que o prazo da prescrição não come-çasse logo a correr a contar das referidas datas,como a lei determina, pois tal resolução não inte-gra nenhuma das causas de suspensão ou de in-terrupção da prescrição previstas no artigos 318.ºe 323.º do Código Civil vigente.

E muito menos tem o condão de transformarum prazo curto no prazo ordinário da prescriçãoprevisto no artigo 309.º deste diploma.

Por isso, ao contrário do que a apelante pa-rece sustentar, a resolução do contrato, por nãoterem sido pagas as rendas acima mencionadas,que, aliás, ninguém contesta, só lhe permitiráexigir estas se, entretanto, não tiver prescrito odireito a elas.

Daí ser preciso averiguar se as rendas já ti-nham prescrito quando a acção foi proposta, porterem decorrido mais de cinco anos sobre asdatas dos respectivos vencimentos.

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298Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

Tudo depende de saber, como já se salientou,se as mesmas são verdadeiras rendas locatícias,para o que se impõe começar por proceder àclassificação do contrato de locação financeira.

O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 171/79 defi-ne-o como «o contrato pelo qual uma das partesse obriga, contra retribuição, a conceder à outra ogozo temporário de uma coisa, adquirida ouconstruída por indicação desta e que a mesmapode comprar, total ou parcialmente, num prazoconvencionado, mediante o pagamento de umpreço determinado ou determinável, nos termosdo próprio contrato».

Várias têm sido as posições doutrináriasadoptadas sobre a natureza jurídica do contratoassim definido, indo desde as que o consideramum contrato de compra e venda em que o locatá-rio é fiel depositário do bem até às que vêem neleum contrato de crédito, de aluguer, de compra evenda a prestações ou um contrato sui generis.

Não vemos necessidade de analisar aqui, paraa decisão do recurso, cada uma dessas posições.Diremos apenas que se nos afigura mais con-forme ao regime legal fixado no aludido diploma,hoje revogado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 265/97,de 2 de Outubro, que o manteve e aperfeiçounalguns pontos, a defendida por Diogo LeiteCampos.

Este autor considera-o um contrato nominadomisto de contrato de compra e venda e de loca-ção, escrevendo:

«No contexto da locação financeira, esquecero contrato de locação será esquecer o primeirotermo do nome (locação); afastar o contrato decompra do bem será olvidar o segundo (finan-ceira).

A geração e o funcionamento de cada das rela-ções está de tal modo unida à outra que cadapretensão de uma das partes está dependente deum cumprimento em relação à outra.

Conexionado-se de tal maneira os dois con-tratos, que cada estádio de realização de um estávinculado a um estádio de realização do outro.

Assim, existe um vínculo do utente à relaçãoentre o o locador e o vendedor do bem — vínculoque se traduz na escolha prévia do bem; estaescolha vem determinar a compra e venda poste-rior; compra e venda dirigida à subsequente

cedência do gozo do bem, relação intervinda sóentre o locador e o locatário; mas como o bem foiescolhido pelo locatário (e não oferecido pelolocador), e o locador o comprou só para o dar emlocação, o locatário terá de se dirigir ao vendedordo bem (que é parte só no contrato de comprae venda com o locador) para o responsabilizarpelos defeitos da coisa.

O bem, é certo, é dado em locação ao utente;mas é-o por ter sido comprado para ele, no seuinteresse (em atenção às suas necessidades deinvestimento), e não oferecido em locação pelolocador. Sendo assim, é justo que o locatário res-ponda pelo perecimento de (seu) bem.

O financiamento consubstancia-se na compraprévia do bem; a retribuição é obtida através dopagamento subsequente das rendas integradasno contrato de locação. O contrato de compra evenda inicial — celebrado com vista à locaçãoposterior e moldado pelas necesidades do loca-tário — e o contrato de locação subequente— radicado, nomeadamente, quanto ao montantedas rendas, no contrato de compra e venda —estão intimamamente ligados, dependendo umdo outro e influenciando mutuamente os regimesjurídicos, em termos de uma composição harmó-nica de interesses à primeira vista inconciliáveis.

O nexo entre os contratos actua numa ligaçãogenética (numa dependência a nível dos seus nas-cimentos), numa ligação condicional (uma depen-dência de existência até à sua extinção) e numaligação funcional (dependência na fase de exe-cução)» — «Ensaio de análise tipológica do con-trato de locação financeira», Boletim da Facul-dade de Direito de Coimbra, vol. LXIII, 1987,págs 74 e 75.

A renda estipulada no contrato de locação fi-nanceira, cujo pagamento constitui a principalobrigação do locatário — artigo 24.º, alínea a),do Decreto-Lei n.º 171/79 —, não correspondeao valor locativo do bem, não representa umacontrapartida da sua utilização. É mais onerosa.

Na verdade, segundo o artigo 10.º, n.os 1 e 3,ela «deve permitir, dentro do período da sua vi-gência, a amortização do bem locado e cobrir osencargos e a margem de lucro da locadora, porforma a facultar ao primeiro, findo o prazo docontrato, a aquisição deste bem pelo seu valorresidual».

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299 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

Além disso, o seu quantitativo encontra-sepreviamente fixado sem dependência da duraçãodo contrato.

No caso concreto, resulta dos pontos 5, 9, 10e 11 das condições particulares do contrato, queo preço do equipamento locado, no valor globalde 2 457 000$00, incluindo o IVA, devia ser pagoem 10 prestações trimestrais, cada uma do mon-tante de 292 151$00.

Isto mostra que a obrigação de o satisfazer,por parte da locatária, era uma só, a efectuar em10 parcelas, escalonadas no tempo, constituindouma obrigação dividida, fraccionada ou repar-tida, definida pela doutrina como sendo aquelacujo cumprimento se protela no tempo, atravésde sucessivas prestações instantâneas, mas emque o objecto da prestação está previamente fi-xado, sem dependência da duração da relação con-tratual.

Esta obrigação não se confunde com as cha-madas «obrigações periódicas, reiteradas ou su-cessivas», ou seja, aquelas que se renovam emprestações singulares sucessivas, por via de re-gra ao fim de períodos consecutivos, regularesou irregulares, de que é exemplo a obrigação doinquilino de pagar a renda no contrato de locaçãotípico — cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geraldas Obrigações, pág. 161, Antunes Varela, DasObrigações em Geral, 7.ª ed., págs. 94 a 96,Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7.ª ed.,págs. 612 a 614, e Galvão Telles, Direito dasObrigações, 4.ª ed., pág. 31.

Face ao acabado de expor, as quantias exigidasnesta accão pela recorrente não são verdadeirasprestações periódicas, dependentes do factortempo. São, antes e apenas, o cumprimento frac-cionado no tempo da mesma obrigação, em cujoobjecto este não influi.

Não têm por isso a natureza de rendas loca-tícias.

Neste sentido, decidiu este Supremo Tribu-nal no acórdão de 21 de Maio de 1998, Boletimdo Ministério da Justiça, n.º 477, págs. 489-504.

Do mesmo modo escreve Diogo Leite Cam-pos, seguido por este aresto:

«Na locação as rendas são prestações perió-dicas, correspondentes a períodos sucessivos,dependentes da duração do contrato, em termos

de, desaparecido o bem, desaparecer a obrigação;pelo contrário, na locação financeira há uma obri-gação única do devedor, correspondente, ‘grossomodo’, ao custo do bem, com prestações frac-cionadas no tempo», acrescentado mais à frenteque «à prestação única do ‘locador’ — entregado (do ‘uso’) da coisa — corresponde uma dí-vida única do locatário, correspondente ao valorda coisa, acrescida de juros, lucro e outros encar-gos. Esta dívida existe desde a celebração do con-trato, embora o seu reembolso seja fraccionado.A perda da coisa não extingue a obrigação dodevedor. Trata-se, pois, de uma obrigação fraccio-nada, quanto ao cumprimento, mas ‘unitária’ emsi mesma, na medida em que o objecto da presta-ção se encontra pré-fixado, sem depen-dência daduração da relação contratual» — págs. 62 e 64.

Chegados aqui, estamos em condições de afir-mar que às rendas da locação financeira não éaplicável o disposto no artigo 310.º, alínea b), doCódigo Civil, contrariamente ao que a Relaçãodecidiu.

A assinalada razão de ser que lhe está sub-jacente não opera em relação a elas, uma vez queo decurso do tempo não faz acumular a respec-tiva dívida, com risco de ruína do devedor se opagamento lhe pudesse ser exigido de um golpepassados muitos anos, como nas rendas e alu-gueres locatícios.

Assim sendo, o prazo da sua prescrição nãoé o de 5 anos aí fixado, como erradamente seentendeu no acórdão recorrido, mas o prazo or-dinário de 20 anos estabelecido no artigo 309.ºdo Código Civil vigente, como decidiu a 1.ª ins-tância.

O acórdão não pode deste modo subsistir,neste particular, tendo a apelante razão, emborapor motivos diversos dos por ela invocados.

A referida decisão, porém, não merece reparona parte em que revogou a sentença da 1.ª instân-cia quanto à condenação das apeladas no paga-mento de juros vencidos pedidos pela apelante.

É que, em relação a estes, funciona a regra daalínea d) do citado artigo 310.º

Quanto ao mais — condenação das apeladas apagarem à apelante a quantia de 8400$00, acres-cida de juros desde 26 de Maio de 1993 até inte-gral pagamento, calculados nos termos do artigo9.º, n.º 6, das referidas condições gerais — há que

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300Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

acatar o decidido no acórdão com trânsito emjulgado, por falta de impugnação daquelas.

III — Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos,concede-se revista, em parte.

Em consequência:

a) Condenam-se as recorridas a pagarem àrecorrente a quantia de 1 719 526$00, re-ferente às rendas vencidas e não pagas,revogando nesta parte o acórdão;

b) Absolvem-se as primeiras do pedido depagamento da quantia de 1 805 555$00,de juros vencidos sobre aquele montante,por terem prescrito, confirmando nestaparte o mesmo acórdão, mantendo-se estequanto ao mais não impugnado.

Custas pela recorrente e pelas recorridas, naproporção do vencido.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Barata Figueira (Relator) — Noronha Nasci-mento — Ferreira de Almeida.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença da 1.ª Secção do 10.º Juízo Cível de Lisboa, processo n.º 124 759/97.

II — Acórdão da 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 4506/99.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 96B559 número convencio-nal JST 00032099, data do acórdão: 10 de Abril de 1997, base de dados do Ministério da Justiça.

Acórdão da Procuradoria-Geral da República proferido no processo n.º 41/94, data do acórdão14 de Julho de 1994, publicado em 19 de Outubro de 1994, Diário da República de 19 de Outubrode 1994.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo n.º 1106/98, data do acórdão:20 de Janeiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência, 1999, tomo I, pág. 41.

(A. S.)

Acidente de viação — Responsabilidade civil — Seguro obriga-tório — Lesões materiais — Reparação — Perda da vida e perdade alimentos — Danos morais — Graduação da culpa — Equidade

I — O direito à reparação pela perda de vida é adquirida originariamente pelaspessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil.

II — Os descendentes da vítima têm direito a indemnização por danos morais eperda de alimentos em consequencia da morte do pai, não se incluindo tais danos noconceito de «lesões materiais» do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 deDezembro.

III — É correcta a graduação de culpas por acidente de viação na proporção de75% para o condutor e de 25% para a vítima, encontrada por critérios de equidade,quando o acidente se deu não por imperícia do condutor mas tão-só por falta de atenção,embora a vítima haja permitido que aquele conduzisse o seu veículo sabendo que eradescartado.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 2213/2000

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301 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal Judicial de Viseu, Nuno Ale-xandre de Sá Figueiredo e Luís Alberto de SáFigueiredo, menores e representados por sua mãe,Madalena Correia de Figueiredo, intentaramacção sumária contra Companhia de Seguros Fi-delidade, S. A., pedindo a condenação desta apagar-lhes a quantia de 7 500 000$00, acrescidade juros legais desde a citação, como indemniza-ção pelos danos sofridos com a morte do seu pai,José Manuel Mendes Figueiredo, vítima de umacidente de viação causado por José FernandoMendonça Rodrigues, condutor do veículo auto-móvel, onde ele se fazia transportar e com se-guro na ré.

2. A ré chamou à autoria o condutor JoséFemando Mendonça Rodrigues, por este nãoestar legalmente habilitado a conduzir veículosautomóveis.

Citado, o chamado nada disse.

3. Contestou a ré para impugnar alguns dosfactos vertidos na petição e alegar a exclusão doseguro relativamente aos danos sofridos pela ví-tima, uma vez que, sendo este casado com a donado veículo, era ele um bem comum.

Responderam os autores no sentido da im-procedência da excepção.

No saneador decidiu-se ser a ré parte legí-tima para todo o pedido, interpondo esta recursode agravo e com subida diferida.

Reclamou também a ré da especificação e ques-tionário e do despacho que indeferiu a reclama-ção veio ela arguir a respectiva nulidade e porfalta de fundamentação, arguição que foi desa-tendida.

Deste despacho agravou a ré.

4. Realizou-se a audiência de julgamento,tendo sido proferida sentença a condenar a ré apagar aos autores a quantia de 7 500 000$00,acrescida de juros legais desde a citação.

5. A ré apelou. A Relação de Coimbra, poracordão de fls. 170 e seguintes, negou provi-mento aos agravos, julgando parcialmente pro-

cedente a apelação, por entender haver culpabili-dade da vítima ao ceder o veículo a pessoa nãohabilitada a conduzir, condenando a ré a pagaraos autores e de harmonia com a proporção defi-nida a quantia global de 5 625 000$00, acrescidade juros legais desde a citação.

6. A ré pediu revista. Este Supremo Tribu-nal, por acórdão de fls. 203 e seguintes, determi-nou a devolução dos autos à Relação de Coimbrapara ampliação da matéria de facto nos termosdo artigo 729.º, n.º 3, do Código de ProcessoCivil, não conhecendo do recurso.

7. A Relação de Coimbra, por acórdão de 14de Março de 2000, deu por reproduzidos, naíntegra, tanto os fundamentos de direito, como adecisão proferida no acórdão de fls. 170 e se-guintes, inclusive, no segmento atinente à repar-tição do encargo das custas.

8. A ré pede revista, formulando as seguintesconclusões:

1 — O falecido José Figueiredo é não só donodo veículo RN-23-81, uma vez que este foi ad-quirido pela sua mulher na constância do matri-mónio, que vigorava no regime da comunhão geralde bens, como seu legítimo detentor, uma vezque nele era transportado.

2 — No âmbito do seguro obrigatório de res-ponsabilidade civil, o contrato garante a res-ponsabilidade civil dos legítimos detentores econdutores do veículo pelos danos patrimoniaisdecorrentes de lesões provocadas a terceiros, maso legislador excluiu dessa garantia os danos sofri-dos por essas pessoas.

3 — A expressão «lesões materiais», cons-tante da alínea a) do n.º 2 do artigo 7.º do De-creto-Lei n.º 522/85, contrapõe-se a «lesõescorporais», lesões corporais estas que se verifi-caram nas pessoas aí referidas, pelo que não,tendo os autores, ora recorridos, sido vítimas delesões corporais no acidente dos autos, não têmos mesmos direito a indemnização por danosmorais e perda de alimentos em consequência damorte de terceiro.

4 — Subsidiariamente, a culpa da vítima naprodução do acidente e dos danos é manifesta-mente grave, pelo que, a entender-se que a in-

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302Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

demnização não deve ser excluída, deverá amesma, pelo menos, ser reduzida a metade.

9. Os recorridos apresentaram contra-alega-ções.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

Elementos a tomar em conta:

1 — Os autores são filhos de José ManuelMendes Figueiredo, falecido em 29 de Março de1992.

2 — Este era casado com a mãe dos autores,segundo o regime de comunhão geral.

3 — Na qualidade de proprietária, esta cele-brou com a ré contrato de seguro em relação aoveículo RN-23-8 1.

4 — No dia 29 de Março de 1992, pelas3 horas, o RN era conduzido por José FernandoMendonça Rodrigues na EN n.º 2, sentido Viseu--Tondela, com autorização dos pais dos autores.

5 — Ao lado do condutor seguia o José Ma-nuel.

6 — Em sentido contrário circulava o camiãode matrícula 6619SA, propriedade de RoussatFréres e conduzido por Patrick Friend.

7 — O RN colidiu com o camião com vio-lência.

8 — Devido ao acidente, o José Manuel so-freu as lesões descritas no artigo 5.º da petiçãoinicial (fractura dos arcos costais do fígado e aonível do púbis) que foram causa necessária dasua morte.

9 — O RN seguia na metade direita da faixa derodagem, atento o seu sentido de marcha.

10 — Ao descrever uma curva para a direita,o condutor, devido a falta de atenção, invadiua outra faixa de rodagem por onde circulava ocamião, nele indo embater.

11 — O José Manuel idolatrava os filhos,vivendo para o seu futuro, e os filhos idolatra-vam-no.

12 — Sofreram eles um golpe profundo, umador intensa e um desgosto enorme, que perdu-rará ao longo dos anos.

13 — O José Manuel tinha 38 anos, era pes-soa que vivia intensamente a vida e vivia para obem-estar do seu agregado familiar.

14 — À data da propositura da acção, o Nunoestudava na Escola Secundária Emídio Navarro,onde frequentava o 11.º ano, e actualmente en-contra-se a estudar na Academia Militar e o Luísfrequentava o 6.º ano na Escola C+S de Abraveses,ambos com bom aproveitamento.

15 — O José Manuel era técnico de contas,auferindo dos seus rendimentos uma média glo-bal de 330 000$00/mês.

16 — Esta importância ia subindo todos osanos.

17 — O José Manuel gastava consigo e entre-gava ao seu agregado familiar quantia não concre-tamente apurada.

18 — Os autores beneficiariam da ajuda dopai até concluírem um curso e se integrarem nomercado do trabalho.

19 — No momento do acidente, o JoséFernando Mendonça Rodrigues não estava legal-mente habilitado a conduzir veículos automó-veis.

20 — O RN-23-81 foi adquirido na constân-cia do matrimónio dos pais dos autores.

21 — O falecido tinha conhecimento que oJosé Fernando não tinha habilitação legal paraconduzir.

III

Questões a apreciar no presente recurso:

— A apreciação e a decisão do presente re-curso, delimitada pelas conclusões das alegações,passa pela análise de duas questões: a primeira,se os autores não têm direito a indemnização pordanos morais e perda de alimentos em conse-quência da morte do pai; a segunda, se a indemni-zação deverá ser reduzida a metade;

— A segunda questão ficará prejudicada nasua apreciação caso a primeira sofra respostaafirmativa.

Abordemos tais questões.

IV

Se os autores não têm direito a indemnizaçãopor danos morais e perda de alimentos emconsequência da morte do pai.

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303 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

1. Posição da Relação e da ré/recorrente:

a) A Relação de Coimbra sustenta que aindemnização reclamada pelos autores(750 000$00 para cada um, relativos aosdanos não patrimoniais sofridos pelosautores em virtude do falecimento do seupai, 2 000 000$00 como compensação daperda do direito à vida e 4 000 000$00por danos patrimoniais), não está ex-cluída da garantia do seguro, já que estaexclusão se reporta, apenas, aos danossofridos pelo pai dos autores e não àque-les que a sua morte causou a outras pes-soas;

b) A recorrente/ré, a Companhia de SegurosFidelidade, S. A., sustenta que, por umlado, não têm os autores, ora recorridos,direito à indemnização pela perda do di-reito à vida de seu pai, uma vez que este éum direito do falecido — não garantidopelo contrato de seguro — transmissívelaos sucessores.

Por outro lado, os autores não têm, face aocontrato de seguro, direito a ser indemnizadospela seguradora quer pelos danos morais por sisofridos com a morte do pai quer pela perda dealimentos, na medida em que apenas estão co-bertos pelas garantias do contrato de seguro osdanos decorrentes das lesões corporais sofridaspelas pessoas elencadas na alinea a) do n.º 2 doartigo 7.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 deDezembro, na redacção vigente à data do aci-dente.

Que dizer?

2. O seguro de responsabilidade por danos dacirculação automóvel visou sempre dois interes-ses: o dos segurados (o seguro é contratado porquem quer tutelar o seu património contra even-tualmente pesadas obrigações de indemnizar) e oda vítima (os seus direitos ficam assim forte-mente garantidos contra a possível insolvênciado devedor).

A partir do momento em que o seguro facul-tativo se transformou em seguro obrigatório tor-nou-se claro que o interesse de protecção dasvítimas passou para o primeiro plano como ointeresse de maior valor cuja defesa se impunhaassegurar.

Dado o fim fundamental do seguro ser o degarantir ao lesado, nos limites quantitativos es-tabelecidos pela lei e para os danos previstos, aobtenção da indemnização em todas as hipóte-ses em que alguém possa ser chamado a indemni-zar, o nosso legislador, para além de aperfeiçoaro sistema do seguro obrigatório com a publica-ção do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezem-bro, com a abrangência de mais categorias debeneficiários (lesados), determinou, por exclu-são de partes, quem são os lesados.

Não são lesados os grupos de pessoas enu-merados no artigo 7.º do DecretoLei n.º 522/85,destacando-se não só «todos aqueles cuja res-ponsabilidade é, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º,garantida, nomeadamente em consequência dacompropriedade do veículo seguro», mas tam-bém «o cônjuge, ascendentes e descendentes [...]quanto aos danos decorrentes de ‘lesões mate-riais’ causados pelo veículo segurado».

3. O que se acaba de expor, em conjugaçãocom a matéria fáctica fixada, permite-nos preci-sar que, por um lado, os autores não se encon-tram no segundo grupo de «não lesados» namedida em que os seus pedidos indemnizatóriosnão têm por base danos decorrentes de «lesõesmateriais» causados pelo veículo segurado, masantes resultantes quer nos desgostos e angústiasprovocados neles pela morte do pai quer naperda de alimentos.

Por outro lado, os autores são consideradoslesados pelo dano não patrimonial decorrente daperda do direito à vida do seu pai, a vítima JoséManuel Mendes Figueiredo, na medida em quenão se aceita a orientação de que o direito à repa-ração pela perda de vida nasce no património davítima e transmite-se por via sucessória (Leitede Campos, A Indemnização do Dano de Morte,1980, pág. 54; Galvão Telles, Direito das Suces-sões, 1971, pág. 86; Vaz Serra, Revista de Legis-lação e de Jurisprudência, ano 107.º, pág. 44, e oacórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Marçode 1997, Colectânea de Jurisprudência — Acór-dãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V,tomo I, pág. 163) antes se adere à orientação quedefende que esse direito é adquirido originaria-mente pelas pessoas indicadas no n.º 2 do artigo496.º do Código Civil (Antunes Varela, Revistade Legislação e de Jurisprudência, ano 123.º,

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304Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

pág. 189, e Das Obrigações em Geral, vol. I,9.ª ed., pág. 633; P. Lima e A. Varela, CódigoCivil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500.

Não se aceita a primeira orientação por asrazões adiantadas por Leite de Campos (que falanum direito de indemnização pela morte sujeitoà condição suspensiva da verificação da morte)não encontrarem apoio em qualquer instrumentojurídico existente, nomeadamente no artigo 564.º,n.º 2.

Adere-se à segunda orientação por pondero-sos serem os argumentos utilizados, nomeada-mente os seguintes:

— «Os trabalhos preparatórios do Códigorevelam, em termos inequívocos, que o artigo496.º, na sua redacção definitiva, tem a intençãode afastar a natureza hereditária do direito à re-paração pela perda da vítima da lesão»;

— «Não se diz no n.º 2 do artigo 496.º apenasque as pessoas aí designadas têm direito a in-demnização (a uma indemnização) ao lado da-quele que, por via hereditária, possa caber aosherdeiros em geral, como se faz nos n.os 2.º e 3.ºdo artigo 495.º;

— «Se a perda de vida da vítima da lesãodesse lugar a um direito de reparação integradono seu património e transmissível por via suces-sória, passaria a haver então dois direitos de in-demnização: um, integrado na herança, atribuídoaos sucessiveis designados nos artigos 2132.º eseguintes; outro, de que seriam titulares, por di-reito próprio, apenas as pessoas destacadas non.º 2 do artigo 496.º, tese esta jamais sustentada,por absurda, em qualquer aresto» — cfr. Re-vista de Legislação e de Jurisprudência, ano 123.º,págs. 189 e segs., e Das Obrigações em Geral,vol. I, 9.ª ed., págs. 633 e seguintes.

Decisiva na nossa adesão está o valor dos tra-balhos preparatórios, elemento de relevo na fixa-ção da vontade real do legislador;

— Conclui-se, assim, que os autores têm di-reito a indemnização por danos morais e perdade alimentos em consequência da morte do pai.

V

Se a indemnização deverá ser reduzida ametade.

1. A Relação de Coimbra reduziu em apenasum quarto o montante indemnizatório globalatribuído, ficando a indemnização reduzida para5 625 000$00 com o fundamento de que a pro-porção de culpa do próprio falecido, ao ceder acondução da viatura ao José Fernando (ignoran-do-se, de resto, em que circunstâncias concretasisso aconteceu), não assume relevo de maior.

2. A recorrente/ré sustenta que a culpa davítima, na produção do acidente e dos danos, émanifestamente grave, pelo que, a entender-seque a indemnização não deve ser excluída, deve-rão, pelo menos, presumir-se iguais as culpasdos responsáveis — artigos 570.º e 497.º, n.º 2,do Código Civil.

Que dizer?

3. Na graduação de culpas dos intervenientesno acidente (graduação necessária, tendo emvista os regimes estabelecidos nas normas ínsitasno artigo 497.º do Código Civil) não há na leiqualquer regra fixa e objectiva por onde possaaferir-se a medida de cada uma das culpas e dassuas consequências danosas.

O juiz terá de preencher tal lacuna, lacunaesta não preenchida através de norma geral e abs-tracta, mas de uma directriz que, com base nocircunstancialismo, venha a reflectir a justeza damesma. Não é de aceitar o critério de se verificarquais dos factos expostos são, legal e abstracta-mente, mais graves, já que o mesmo podedissociar-se do caso concreto e pode levar adistorções que não encontrariam concordânciano são sentimento do homem médio.

Se assim será em termos legais e abstractos, omesmo não se passa quando se atenda aocondicionalismo concreto.

Daqui que se opte pelo critério do pendentearbítrio do julgador: este, caso a caso, deverá darsolução que seria adoptada por pessoas de sãocritério, ou seja, o julgador deverá pautar-se porcritérios de equidade, tal como um árbitro ao quallhe fosse conferido o poder de julgar ex aequo etbono.

4. E, aplicando esse critério ao caso sub judice,chega-se a resultado idêntico ao chegado noacórdão recorrido: é menos censurável a condutada vítima da que a do condutor. É que a conduta

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305 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

da vítima só é censurável por ter permitido (emcircunstâncias que se desconhecem) que condu-zisse o seu veículo um indivíduo (seu conhecido)descartado, sendo certo que o acidente se deunão por imperícia do condutor (necessariamenteligada à falta de carta) mas tão-só por falta deatenção — cfr. facto referido no n.º 10 do § II dopresente acórdão.

Daqui que se considere correcta a graduaçãode culpas feitas pela Relação (culpa do condutorem 75% e culpa da vítima em 25%), de sorte quea indemnização deverá ser mantida.

VI

Conclusão

Do exposto, poderá extrair-se que:

1) O direito à reparação pela perda de vida éadquirido originariamente pelas pessoas indica-das no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil;

2) Os descendentes das pessoas indicadas noartigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/85, de 31

de Dezembro (na sua primeira redacção), só nãosão lesados por danos decorrentes de lesões ma-teriais causadas pelo veículo seguro;

3) Na graduação de culpas o julgador deverápautar-se por critérios de equidade, tal como umárbitro ao qual lhe fosse conferido o poder dejulgar ex aequo et bono.

Face a tais conclusões, em conjugação com amatéria fáctica fixada, poderá precisar-se que:

1) Os autores têm direito a indemnização pordanos morais e perda de alimentos em consequên-cia da morte do pai;

2) A indemnização fixada na 2.ª instância nãomerece censura por correcta ter sido a proporçãode culpas fixada.

Termos em que se nega a revista.Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Miranda Gusmão (Relator) — Sousa Inês —Nascimento Costa.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do Tribunal Judicial de Viseu.

II — Acórdão da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 148/99.

I — A indemnização por danos não patrimoniais com base nesta norma foi tratada nos acórdãosdo Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 1999, de 15 de Abril de 1997 e de 9 de Maio de1996, publicados neste Boletim, n.º 485, pág. 386, n.º 466, pág. 450, e n.º 457, pág. 275, respectiva-mente.

II — É o mesmo o regime do artigo 21.º, n.º 2, alínea b), segundo o qual cabe ao Fundo de GarantiaAutomóvel garantir a satisfação das indemnizações por «lesões materiais», quando o responsável,sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz.

Aquando da ocorrência dos factos (1992), face à redacção do n.º 1 do artigo 7.º do mesmodiploma, a exclusão da garantia do seguro quanto ao condutor e titular da apólice era mais ampla, poisfalava de «quaisquer danos» quando agora é restrita às «lesões corporais». Já quanto ao n.º 2, aexclusão não sofreu alterações, limitando-se às «lesões materiais».

Se a exclusão se verifica quando há seguro (o regime do artigo 7.º pressupõe a existência docontrato de seguro válido e eficaz ), por maioria de razão não deve haver responsabilidade quando oFundo de Garantia Automóvel foi chamado a intervir porque aquele contrato inexiste ou é ineficaz.

Com algum interesse (interpretação restritiva da responsabilidade da seguradora) poderão con-sultar-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1997 e de 15 de Outubro de1996, publicados neste Boletim, n.º 465, pág. 537, e n.º 460, pág. 719, respectivamente.

Sobre a noção geral de dano não patrimonial e o direito à indemnização por privação de alimentospor perda de salários por morte de quem os vinha prestando: acórdãos do Supremo Tribunal de

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306Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

Justiça de 25 de Novembro de 1998, de 11 de Novembro de 1997 e de 3 de Maio de 2000, publicados,respectivamente, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 481, pág. 470, e n.º 471, pág. 369, e naColectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo II, pág. 49.

III — A gravidade dos danos não patrimoniais, ressarcíveis, em que ainda se incluem, i. a., osdesgostos, as contrariedades e a angústias, as preocupações e incómodos, segundo os mestres civilistas,não deve medir-se por padrões subjectivos, cabendo ao tribunal dizer, caso a caso, se o dano, dada asua gravidade, merece ou não tutela jurídica.

Esta indemnização, como adverte o Prof. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 9.ª ed.,vol. I, pág. 630), reveste dupla natureza: reparatória e de reprovação ou castigo.

O recurso à equidade, que assenta em razões de conveniência e de oportunidade, não equivale aarbítrio, representando antes a justiça do caso concreto, independente dos critérios normativosfixados na lei, flexível, humana, devendo o julgador movimentar-se com base em regras de prudência,do bom-senso prático, da justa medida das coisas e da ponderação da realidade da vida.

Pela via do recurso à equidade para a quantificação da indemnização, poderão consultar-se osseguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 1 de Fevereiro de 2000, de 23 de Abril de 1998e de 10 de Fevereiro de 1998, publicados na Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, tomo III, pág. 50,ano VI-1998, tomo II, pág. 51, e ano VI-1998, tomo I, pág. 67, respectivamente, e os de 11 deNovembro de 1997, de 11 de Março de 1997, de 9 de Maio de 1996, de 5 de Março de 1996 e de 6 deOutubro de 1994, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 471, pág. 369, n.º 465, pág. 550,n.º 457, pág. 325, n.º 455, pág. 439, e n.º 440, pág. 418, também respectivamente.

Os sumários dos de 19 de Novembro de 1998 e de 17 de Novembro de 1998 (2) — revistasn.º 866/98, 2.ª Secção, n.º 342/98, 1.ª Secção, e n.º 883/98, 1.ª Secção, poderão consultar-se no sítio:www.cidadevirtual.pt/stj/bol15civel.

Já o acórdão de 2 de Novembro de 1995, processo n.º 046783 (www.dgsi.pt/jstj) decidiu,relativamente aos danos não patrimoniais, apenas serem passíveis de tutela os sofridos pelo próprioofendido.

Doutrina:

— Vaz Serra, «Reparação de danos não patrimoniais», Boletim do Ministério daJustiça, n.º 83, e Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113.º, pág. 326, (ano-tação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1980 publicadono Boletim, n.º 293, pág. 327);

— Diogo Leite de Campos, «A vida, a morte e a sua indemnização», Boletim doMinistério da Justiça, n.º 365, pág. 5;

— Henrich Ewald Hörster, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 257;— Jorge Sinde Filipe, «Dano corporal: um roteiro do direito português», Revista

de Direito e Economia, ano XV, Coimbra, 1989;— Franzoni, Colpa e responsabilià del delitore, Pádova, 1988;— André Tunc, La responsabilité civile, 2.ª ed., Paris, 1989;— Eduardo Díaz-Otero Herrero e Enrique Olivas Cabanillas, «La concepción de

los derechos subjectivos fundamentales como garantias institucionales», Revista de laFacultad de Derecho de la Universidad Complutense, n.º 77, Madrid, 1991;

— Pierre Bon, «La protección constitucional de los derechos fundamentales: as-pectos de derecho comparado europeo», Revista de Derecho, Universidad Católica dela Santísima Concepción, vol. II, n.º 1, e vol. III, n.º 3, 1994, Concepción;

— Beltrán de Heredia y Onis, Incumplimiento de las Obligaciones, Madrid, 1990.

(H. P. T.)

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307 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

Acidente de viação — Responsabilidade civil — Inexistênciade seguro — Fundo de Garantia Automóvel — Sub-rogação —Abusiva circulação de veículo

I — Nos casos de danos provenientes de acidente de viação em que o responsávelnão beneficia de seguro automóvel eficaz e válido, responde o Fundo de Garantia Auto-móvel, que poderá demandar a pessoa sujeita à obrigação de segurar, fazendo funcionara sub-rogação legal.

II — A obrigação de segurar apenas existe quando o veículo circula ou entrou emcirculação porque só então o risco é adequado à eventual produção de danos a tercei-ros.

III — Recai sobre o dono da garagem em que se encontrava recolhido um ciclomotorde outrem que, por seu livre alvedrio o põe a circular, sabendo que não estava seguro, aresponsabilidade por acidente de viação de que veio a falecer e não sobre o proprietáriodo veículo.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 2137/2000

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

O Fundo de Garantia Automóvel propôs ac-ção com processo sumário contra os réus HilárioAugusto Caldas e herdeiros de António ManuelGonçalves Pereira (herdeiros que são viúva Ma-ria de Fátima Rodrigues e os filhos Pedro Rai-mundo Pereira e Hugo Rafael Paço Silva PassosFerreira, este último chamado aos autos), pe-dindo a condenação destes a pagar-lhe, solidaria-mente, a quantia de 5 569 687$00 e juros de moravencidos no montante de 1 336 725$00 e vin-cendos à taxa legal e ainda as despesas com acobrança a liquidar em ampliação do pedido ouexecução de sentença.

Após contestação dos réus e na sequência danormal tramitação processual, foi proferida sen-tença que julgou totalmente procedente o pedidoe, nessa conformidade, foram condenados soli-dariamente todos os réus a pagar a autora a quan-tia de 5 537 613$00 e juros de mora vencidos evincendos à taxa legal e ainda a quantia a liquidarem execução de sentença relativa a despesas paracobrança.

Inconformnado com a decisão, apelou apenaso réu Hilário Augusto Caldas, sem qualquer su-cesso, porém.

De novo inconformado, recorre de revista,agora, para este Supremo Tribunal o mesmo réu,concluindo as suas alegações da forma seguinte:

1.ª — O recorrente (que é proprietário dociclomotor 1-MLG-04-49) provou que o seuveículo foi utilizado abusivamente pelo verda-deiro culpado na eclosão do acidente de viação(o falecido António Manuel Gonçalves Pereira),já que este — contra ordem expressa daquele —usou o veículo, conduziu-o à socapa e sem nin-guém saber;

2.ª — Daí que o recorrente não possa ser res-ponsabilizado nem por facto ilícito nem pelo risco;

3.ª — É certo que o ciclomotor não estavasegurado; mas porque o recorrente o tinha reco-lhido em garagem enquanto não fizesse o seguro(que veio a celebrar mais tarde) não pode serresponsabilizado nos termos do Decreto-Lein.º 522/85, porque o veículo entrou em circula-ção contra sua vontade expressa;

4.ª — Isso mesmo se infere dos artigos 1.º,n.º 1, 30.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, daquele Decreto--Lei n.º 522/85;

5.ª — O acórdão recorrido, decidindo ao con-trário, violou aquelas normas, assim como os ar-tigos 483.º, 503.º, n.º 1, do Código Civil e ainda on.º 2 das condições gerais da apólice uniforme deseguro de responsabilidade civil automóvel.

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308Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

Pede, em consonância, que — concedida a re-vista — seja absolvido do pedido.

Contra-alegou o Fundo de Garantia Automó-vel defendendo a bondade da decisão.

Considera-se provada a matéria de facto cons-tante do acórdão recorrido nos termos do artigo713.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

1.º — A questão nuclear — e praticamenteúnica — à volta da qual gira a presente revistaé a seguinte: é ou não de responsabilizar peranteo Fundo de Garantia Automóvel (nos termos doDecreto-Lei n.º 522/85) o proprietário de umveículo sem qualquer seguro que não entrouainda em circulação e que foi posto a circularabusivamente (contra vontade do proprietário),vindo a causar um acidente gravemente danoso,danos estes ressarcidos ao lesado por aqueleFundo?

A resposta das instâncias foi positiva; anossa será negativa.

Os factos que importa considerar para o casoe que vêm provados são, em suma, os que seseguem:

a) O réu Hilário comprou o ciclomotor emprincípios de Setembro de 1990;

b) Porque não tinha garagem própria para oguardar pediu a António Manuel Pereiraque lho guardasse;

c) Aquele réu instou expressamente o seu«depositário» António M. Pereira a nãoutilizar o ciclomotor, no que este concor-dou;

d) Só em Julho de 1991 foi feito o registo depropriedade do ciclomotor em nome doréu Hilário;

e) Entretanto em 24 de Setembro de 1990,aquele António Manuel Pereira, contraas instruções dadas e aceites por si, utili-zou o ciclomotor, indo buscar ao fim dodia a lesada Maria Júlia Passos (com quemviveria e de quem teve um filho, o cha-mado Hugo Rafael), provocando um graveacidente de que resultou a sua própriamorte e lesões graves naquela Maria Júlia;

f) O acidente ocorreu por culpa exclusivado António Manuel Pereira;

g) A seguradora respectiva (Império) pagouà lesada Maria Júlia a respectiva indem-

nização, que, a seguir, em via de regresso,exigiu ao Fundo de Garantia Automóvel;

h) O Fundo pede agora ao réu Hilário a quan-tia que pagou, porque — sendo este pro-prietário do ciclomotor — o não haviasegurado como a lei impunha.

2.º — O Fundo de Garantia Automóvel foiinstituido para assegurar o ressarcimento pordanos sofridos por alguém na sequência de umacidente de viação quando se não sabe quem foi ocausador do acidente e das lesões ou quando,sabendo-se, o responsável não tenha seguro au-tomóvel válido ou eficaz ou não tenha suficiên-cia de meios para pagar (artigo 21.º do Decreto--Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, com as alte-rações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 122-A/86, de 30 de Maio).

O Fundo desempenha assim fins sociais dereparação de danos advenientes da sinistralidadeautomóvel quando não há ou não funcionam osmeios adequados do seguro obrigatório.

Uma vez pagas, pelo Fundo, as indemniza-ções referidas, pode aquele reaver dos responsá-veis o(s) montante(s) despendido(s). Daí que oartigo 25.º estabeleça a sub-rogação pelo Fundodos direitos do lesado (artigos 589.º e seguintesdo Código Civil).

Temos, por conseguinte, que — nos casos dedanos provenientes de acidentes de viação — ouse conhece ou se desconhece o responsável poraqueles.

Se se desconhece, o Fundo indemniza semque funcione a sub-rogação prevista porque ela éimpossível de ser accionada.

Se se conhece, ou esse responsável beneficiade seguro automóvel eficaz e válido ou não bene-ficia.

No primeiro caso responde a seguradora; nosegundo caso responde o Fundo, que, de se-guida, poderá demandar o responsável, fazendofuncionar, destarte, a sub-rogação legal.

Este é, pois, o sistema legal a que haverá queadicionar ainda algumas hipóteses periféricas[cfr. artigo 21.º, n.º 2, alíneas a), in fine (falênciada seguradora), e b), in fine].

3.º — A sub-rogação de Fundo exerce-se sobreas pessoas que, estando sujeitas à obrigação desegurar, não efectuaram esse seguro obrigatório.

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309 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

E quem está sujeito à obrigação de segurar?Precisamente aqueles que, nos termos dos ar-

tigos 1.º e 2.º, põem o veículo a motor a circular e,dessa forma, criam o risco proveniente da cir-culação que legitima a obrigatoriedade do seguro.

Quem beneficia do risco é, desde logo, quemtem a direcção efectiva e o interesse na utilizaçãodo veículo: proprietário, comprador-não pro-prietário na venda com reserva de propriedade,usufrutuário e locatário financeiro (artigo 2.º,n.º 1).

Mas, para além destes, a obrigação de segurarrecai ainda sobre todos os que exercem qualqueractividade conexionada com o comércio e indús-tria automóvel desde que ela implique, e sempreque ela implique, a circulação do veículo auto-móvel (artigo 2.º, n.º 3).

O que das normas referidas emerge é que aobrigatoriedade de seguro se justapõe à circula-ção do veículo segurado. O que se compreende:se o seguro visa resguardar e salvaguardar tercei-ros que podem ser afectados pelo risco de umamáquina perigosa, então a sua obrigatoriedade sóse compreende quando esse risco é efectiva menteproduzido, ou seja, quando a máquina circula.

Segurar obrigatoriamente nos termos do De-creto-Lei n.º 522/85 um automóvel de colecção,sediado num museu, e que nunca vai circular, nãofaz sentido; tal automóvel, parado em exposi-ção, jamais acarretará consigo o risco que advémda sua própria circulação.

Vale isto por dizer que a obrigação de segurarapenas existe quando o veículo circula ou entrouem circulação porque só então o risco que daquiadvém é adequado à eventual produção de danospara terceiros.

Seguro obrigatório, circulação do veículo se-gurado e risco conexionado à circulação formamo tríptico que subjaz à filosofia jurídica daquelediploma. Isso mesmo está demasiado patente nosseus dispositivos legais: repare-se que o artigo1.º, n.º 1, pressupõe o seguro «para que os veí-culos possam circular» e não desde que os veí-culos sejam destinados à circulação (consoantese defende nas decisões das instâncias) e repare--se ainda que o artigo 2.º, n.º 3, condiciona tam-bém a obrigatoriedade do seguro à utilização/cir-culação daqueles.

O seguro obrigatório existe, por conseguinte,quando há e para que haja circulação do veículo

com o consequente risco, e não quando podehaver no futuro (mais ou menos próximo) umaeventual circulação sem risco ainda presente.

No fundo, a opção legislativa expressa na-quele diploma é a mesma que se expressava jánaquele outro que o precedeu (cfr. artigo 1.º, n.º 1,do Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro).

4.º — No caso que nos ocupa, a culpa docondutor do ciclomotor (António Manuel Pe-reira) é inquestionável como inquestionável é odireito sub-rogatório que o Fundo exerceu sobreos seus herdeiros.

Diversa é, porém, a posição do réu-recor-rente.

Este era o proprietário do ciclomotor e — por-que ainda o não havia segurado — recolheu-onuma garagem de outrem, colocando-o fora decirculação.

Enquanto o ciclomotor continuasse à margemde circulação viária, o réu Hilário (seu proprietá-rio) continuava também à margem da obrigaçãode contratar o seguro porque o risco que estecobre, e por virtude do qual se impôs a obriga-toriedade do contrato, inexiste pura e simples-mente.

Se o dono da garagem, por seu livre alvedrio, esabendo ainda por cima que o ciclomotor nãoestava segurado, o põe a circular, conduzindo-oe criando, ele próprio, um risco não coberto enão inserido sequer na esfera de previsibilidadedo proprietário, o corolário lógico a extrair é ode que a única responsabilidade cabe ao dono dagaragem e não ao proprietário.

O proprietário — aqui, o réu Hilário — nuncapos o ciclomotor a circular, nunca accionou comisso o risco da máquina, nunca constituiu pois aobrigação de segurar, logo, não pode ficar sujeitoaos efeitos de uma sub-rogação legal que pressu-põe o dever que sobre ele não chegou a impender.

O condutor falecido (António Manuel Pe-reira) será — através dos seus herdeiros — oúnico obrigado sobre quem a sub-rogaçao podeser exercida. Conduzia o ciclomotor sob a suadirecção efectiva, no seu interesse e com vio-lação das normas de direito estradal, com o que— tudo somado — provocou o acidente emcausa.

Procedem, em conformidade, as conclusõesdas alegações do recorrente.

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310Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

Termos em que se concede a revista, revogan-do-se o acórdão recorrido em relação ao réuHilário Augusto Caldas, que assim se absolve dopedido.

Custas pela autora-recorrida.

Lisboa, 4 de Outubro de 2000.

Noronha Nascimento (Relator) — Ferreira deAlmeida — Moura Cruz.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do Tribunal Judicial de Melgaço, processo n.º 1/97.

II — Acórdão da 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 985/99.

1.1 — O princípio do seguro obrigatório está consagrado no artigo 131.º do Código da Estrada,aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio (revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3de Janeiro), tendo remetido para legislação especial a regulamentação do seu regime e a concretizaçãoda responsabilidade civil. Sobre o âmbito do seguro aquele normativo fala em «veículos a motor e seusreboques que transitem na via pública» enquanto o Decreto-Lei n.º 522/85, de 32 de Dezembro, jáutiliza a expressão «veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques».

A obrigação legal do seguro no ramo da responsabilidade civil automóvel no direito nacionalconsagrada neste último diploma é resultante da transposição da Directiva n.º 72/166/CEE, de 24 deAbril de 1972 (alterada pela Directiva n.º 72/430/CEE, de 19 de Dezembro de 1972), e da 2.ª Directivan.º 84/5/CEE, de 30 de Dezembro de 1983, ambas do Conselho, publicadas no Jornal Oficial doConselho das Comunidades Europeias n.º L 103/1, de 2 de Abril de 1972, e n.º L 8/17, de 11 deJaneiro de 1984, respectivamente.

Ainda como fonte de direito comunitário referencia-se a 3.ª Directiva (n.º 90/232/CEE), domesmo órgão, de 14 de Maio de 1990, publicada no Jornal Oficial, n.º L 129/33, de 19 de Maio de1990, a qual visou cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, comexcepção do condutor, resultantes da circulação de um veículo e que foi transposta para o direitointerno pelo Decreto-Lei n.º 14/96, de 6 de Março, com reformulação do artigo 504.º do Código Civil(cfr. Direito dos Seguros, publicação do Gabinete de Direito Europeu, 1991, n.º 5).

1.2 — A finalidade da instituição do seguro obrigatório automóvel e o âmbito e condições daresponsabilizaçâo do Fundo de Garantia Automóvel foram tratados, entre outros, nos acórdãos doSupremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1999, de 24 de Fevereiro de 1999 e de 9 de Julhode 1998, publicados neste Boletim, n.º 491, pág. 221, n.º 484, pág. 368, e n.º 479, pág. 592, respecti-vamente.

Para situação de desconhecimento do veículo causador do acidente e do seu condutor pronun-ciou-se o acórdão do mesmo Tribunal de 26 de Setembro de 2000, publicado na Coletânea deJurisprudência, ano VIII, tomo III, pág. 45.

Sobre outros casos de exclusão de responsabilidade da garantia do seguro: acórdãos do SupremoTribunal de Justiça de 23 de Setembro de 1997, de 11 de Março de 1997, de 9 de Outubro de 1996 ede 4 de Julho de 1990, publicados no Boletim, n.º 469, pág. 537, n.º 465, pág. 537, e n.º 460, pág. 717,e Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo IV, pág. 239, respectivamente.

Acerca da questão do prazo de prescrição do direito de reembolso, a jurisprudência tem estadodividida, podendo consultar-se, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 deJaneiro de 1997, de 6 de Maio de 1999 e de 25 de Fevereiro de 1993, publicados neste Boletim,n.º 463, pág. 587, n.º 487, pág. 277, e n.º 424, pág. 649, respectivamente, o primeiro decidindo-se pelode 20 anos e os dois últimos pelo de 3 anos.

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311 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

2 — Doutrina:

— Lopes do Rego, «Regime das acções de responsabilidade civil por acidentes deviação abrangidos pelo seguro obrigatório», Revista do Ministério Público, n.º 29, pág. 61;

— Adriano Garção Soares, José Maia dos Santos e Maria José Rangel de Mes-quita, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 1997;

— Maria Clara Lopes, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel,Centro de Estudos Judiciários, 1987;

— França Pitão, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel e Le-gislação Complementar, Almedina, 1999;

— F. Guerra da Mota, O Contrato de Seguro Terrestre, vol. I;— A. Pinheiro Torres, Ensaio sobre o Contrato de Seguro;— Leite de Campos, Seguro de Responsabilidade Civil em Acidentes de Viação —

Da Natureza Jurídica, Coimbra, 1971; «A indemnização do dano da morte», Boletim daFaculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ano 50.º, pág. 247;

— Jorge F. Sinde Monteiro, Estudos sobre Responsabilidade Civil, Coimbra, 1983;Reparação dos Danos em Acidente de Trânsito, Coimbra, 1974; «Dano corporal: umroteiro do direito português», Revista de Direito e Economia, ano XV, Coimbra, 1989;

— J. José de Sousa Dinis, «Dano corporal em acidentes de viação — cálculo daindemnização — situações de agravamento», Colectânea de Jurisprudência, ano V-1997,tomo II, pág. 11;

— Denis Tallon, «Damages, exception clauses and penalties», The American Journalof Comparative Law, vol. XL, 3, Berkeley, 1992;

— Fernando Gómez Pérez, «El derecho de accidentes y el análisis económico:presupuestos e implicaciones básicas», Revista de la Faculdad de Derecho de la Univer-sidad Complutense, 81, Madrid, 1993;

— Mariano Medina Crespo, «Las indemnizaciones por daños causados en accidentede circulación: proyetado Artículo 1 de la Ley del Automóvil», Boletín de Información,año XLVII, n.º 1666, Madrid, 1993.

(H. P. T.)

Acidente de viação — Centro Nacional de Pensões — Sub--rogação — Subsídio por morte — Pensão de sobrevivência

I — Por força do artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, as instituições desegurança social e mais concretamente o Centro Nacional de Pensões ficam sub-rogadasnas importâncias pagas aos lesados, seja a título de subsídio por morte, seja de pensõesde sobrevivência.

II — Para o efeito, de harmonia com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, as instituições de segurança social podem deduzir pedido dereembolso de montantes que tenham pago em consequência de acto de terceiro quetenha determinado a morte do beneficiário nas acções cíveis em que seja formuladopedido de indemnização de perdas e danos por esse facto.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 10 de Outubro de 2000Processo n.º 2132/2000 — 1.ª Secção

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312Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal da Comarca de Marco deCanaveses, a 7 de Julho de 1994, Emília PereiraLopes, Joaquim Ferreira, Maria Fernanda daSilva Ferreira, Agostinho Ferreira e GuilherminaMaria Lopes Ferreira intentaram acção com pro-cesso sumário contra o Gabinete Português daCarta Verde, pedindo a sua condenação no paga-mento da quantia de 11 650 000$00, acrescida dejuros de mora desde a citação até efectivo paga-mento.

Quantia essa correspondente aos danos patri-moniais e não patrimoniais sofridos em conse-quência de acidente de viação ocorrido no dia 20de Dezembro de 1992 entre o velocípede semmotor 1-MNC-17-57, conduzido por José Fer-reira (marido e pai dos autores), e o veículo auto-móvel de matrícula francesa 8955TD71, condu-zido pelo seu proprietário, único culpado na pro-dução do acidente.

O Centro Nacional de Pensões veio deduzirpedido de reembolso da quantia de 1 267 390$00,sendo 267 000$00 a título de subsídio por mortee o restante de pensões de sobrevivência.

2. Por sentença de 9 de Outubro de 1997 foiacção julgada parcialmente procedente e o réucondenado a pagar:

— Aos autores, as quantias de 7 700 000$00e de 1 150 000$00, a título de danos não patrimo-niais e patrimoniais, respectivamente, acresci-das de juros à taxa legal;

— Ao Centro Nacional de Pensões, a quantiade 1 267 390$00 (fls. 161).

3. Inconformados, réu e autores (estes, subor-dinadamente) apelaram para o Tribunal da Rela-ção do Porto, que negou provimento ao recursosubordinado e, concedendo parcial provimentoao recurso principal:

— Absolveu o réu do pedido contra ele dedu-zido pelo Centro Nacional de Pensões; e

— Condenou-o a pagar aos autores a indem-nização global de 7 765 000$00, acrescida dejuros de mora à taxa legal (acórdão de 16 de No-vembro de 1999).

4. Desta decisão recorreu de revista o CentroNacional de Pensões, concluindo ao alegar:

«1.ª — O ora apelante (sic), ao requerer oreembolso das prestações pagas, fê-lo ao abrigoe nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14de Agosto, e dos artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lein.º 59/89, de 22 de Fevereiro.

2.ª — O artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14 deAgosto, é inequívoco e irrestritivo ao estatuirque as instituições de segurança social (em casode responsabilidade de terceiros) ficam sub--rogadas no direito do lesado até ao limite dovalor das prestações que lhe cabe conceder.

3.ª — Por efeito de tal sub-rogação legal, ha-vendo um terceiro responsável pelo evento«morte», as instituições de segurança social ad-quirem os poderes que competiam ao seu bene-ficiário, na qualidade de lesado/credor de indem-nização nos termos da responsabilidade civil.

4.ª — Não constitui, assim, encargo normaldo Centro Nacional de Pensões a satisfação dasprestações mortis causa quando haja um res-ponsável pela prática do acto gerador de respon-sabilidade civil e que seja causa das mesmasprestações, pelo que tais prestações pecuniáriascompensatórias serão da responsabilidade dequem tenha praticado o acto em causa (artigos495.º, n.º 1, 562.º e 564.º do Código Civil).

5.ª — Sendo certo que o pagamento de taisprestações é independente de quem tem obriga-ção de o suportar, que tanto poderá ser a enti-dade quem (sic) ónus legal de o satisfazer ou oterceiro que por isso fique responsabilizado.

6.ª — Donde, face a tal regime jurídico, nãosendo cumuláveis as prestações de segurançasocial com a indemnização a pagar por terceirocivilmente responsável por serem coincidentesas finalidades prosseguidas num e noutro caso,deverá ser reconhecido ao Centro Nacional dePensões o direito ao reembolso das prestaçõesde segurança social pagas, nos termos da sub--rogação legal prevista no artigo 16.º da Lein.º 28/84, de 14 de Agosto, e no regime cons-tante dos artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.

7.ª — O acórdão, ao absolver o réu Fundo deGarantia Automóvel do pedido formulado pelorecorrente, violou o disposto nos artigos da Lein.º 28/84, de 14 de Agosto, o Decreto-Lei n.º 59/

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313 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

89, de 22 de Fevereiro, e o artigo 4.º do Decreto--Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro».

O recorrido pugnou pela confirmação do acór-dão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II

Em causa no presente recurso está tão-só aquestão (estritamente jurídica) de saber se o Cen-tro Nacional de Pensões tem direito a ser «reem-bolsado» da importância que já pagou a título desubsídio por morte e de pensões de sobrevivên-cia, no total de 1 267 390$00 (1).

1. Entendeu a 1.ª instância que «o CentroNacional de Pensões encontra-se sub-rogado nodireito de indemnização dos lesados pelo faleci-mento do sinistrado, na medida das pensões con-cedidas [...] nos termos do disposto no artigo16.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto» (fls. 161).

Desde entendimento divergiu o acórdão re-corrido, argumentando, em síntese:

«Se o subsídio por morte não pode ser dedu-zido do cômputo indemnizatório para entregar aum terceiro que já o pagou e reclama do lesante,é porque ele não entrou nesse cômputo, não cons-titui a contrapartida de qualquer dano indem-nizável pelas regras da responsabilidade civil,únicas a que o lesante está sujeito. Daí que opagamento desse subsídio não sub-rogou o re-clamante em qualquer crédito exigível ao lesante,inexistindo, consequentemente, o direito ao re-embolso» (fls. 216).

Prosseguindo, o acórdão afirma que «o mesmose dirá mutatis mutandis relativamente às pen-sões de sobrevivência, após o que remata com aseguinte conclusão:

«O Centro Nacional de Pensões não podepedir ao causador do acidente de viação (ou aquem o represente) o reembolso das importân-cias por si pagas aos familiares da vítima, a títulode subsídio por morte e de pensões de sobre-vivencia, por se tratarem de retribuições contribu-

tivas próprias, não coincidentes com qualquerobrigação do lesante, quantificadas por regras es-tranhas às que regem a responsabilidade civil, esem nexo de causalidade adequada com o factodanoso» (fls. 218 v.º).

2. Com respeito, não se perfilha este entendi-mento.

2.1 — No caso de concorrência pelo mesmofacto do direito a prestações pecuniárias dosregimes de segurança social com o de indemniza-ção a suportar por terceiros, as instituições desegurança social ficam sub-rogadas nos direitosdos lesados até ao limite do valor das prestaçõesque lhes cabe conceder (artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto).

Dispõe, por seu turno, o artigo 1.º do Decre-to-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, que as insti-tuições de segurança social podem deduzir pedidode reembolso de montantes que tenham pago emconsequência de acto de terceiro que tenha deter-minado a morte do beneficiário, nas acções cíveisem que seja formulado pedido de indemnizaçãode perdas e danos por esse facto.

2.2 — Com significativa uniformidade, o Su-premo Tribunal de Justiça tem vindo a interpre-tar os normativos em apreço no sentido de queas instituições de segurança social ficam sub-rogadas, ao abrigo do disposto no citado artigo16.º, nas importâncias pagas aos lesados, seja atítulo de subsídio por morte, seja de pensões desobrevivência (entre os mais recentes, podemver-se os acórdãos de 26 de Novembro de 1996,processo n.º 322/96, de 2 de Julho de 1996, pro-cesso n.º 86 184, de 2 de Outubro de 1997, pro-cesso n.º 403/97, de 14 de Abril de 1999, processon.º 195/99, de 21 de Outubro de 1999, processon.º 61/99, de 16 de Dezembro de 1999, processon.º 835/99, de 20 de Janeiro de 2000, processon.º 908/99, e de 22 de Fevereiro de 2000, pro-cesso n.º 4/2000).

Diz-se, esquematicamente:

— O artigo 16.º da Lei n.º 28/84 aplica-se atodas as prestações a cargo a segurança social,não as distinguindo de acordo com os diferentesregimes, pois trata-se de norma geral aplicável aum e outro: na verdade, as normas próprias doregime geral constam dos artigos 18.º e seguintes,

(1) Refira-se que o recurso de revista subordinado in-terposto pelos autores (cfr. fls. 224 e 225) foi julgado deserto(cfr. fls. 234).

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314Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

enquanto as do regime não contributivo alinham--se a partir do artigo 28.º da referida lei;

— Há uma clara intenção da lei no sentido defazer recair em terceiros as obrigações da segu-rança social, aliviando-a, assim, desses encargos,nos casos em que cabe àqueles a obrigação deindemnizar pelos mesmos factos;

— Nestes casos, como se refere no preâm-bulo do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Feve-reiro, que disciplina a intervenção da segurançasocial no reembolso das prestações em proces-sos judiciais, a provisoriedade dos pagamentosefectuados por esta tem a ver com a incertezaquanto ao apuramento das responsabilidades deterceiro e do recebimento da indemnização (su-mário respigado dos citados acórdãos de 21 deOutubro de 1999 e de 20 de Janeiro de 2000).

3. Ponderados os argumentos em confronto,não vislumbramos fundamento válido para aban-donar a orientação que este Supremo Tribunal

tem vindo a sustentar de modo tão constante,que, por isso, aqui se reitera.

Consequentemente, concluímos que ao recor-rente assiste o direito de ser reembolsado da quan-tia paga.

Termos em que, concedendo a revista, se re-voga o acórdão recorrido na parte em que absol-veu o réu Gabinete Português da Carta Verde dopedido contra ele deduzido pelo Centro Nacio-nal de Pensões, condenando-se, em consequência,o referido réu a pagar ao Centro Nacional de Pen-sões a quantia de 1 267 390$00.

Custas a cargo do recorrente neste Tribunal enas instâncias.

Lisboa, 10 de Outubro de 2000.

Ferreira Ramos (Relator) — Pedro Mar-ques — Lemos Triunfante.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do Tribunal Judicial de Penafiel ,processo n.º 183/96.

II — Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 18/98.

O douto acórdão que se anota corresponde a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal deJustiça.

Para além dos acórdãos citados, indicam-se ainda os de 5 de Janeiro de 1995 e de 1 de Junho de1995, Colectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1995, tomos I e II,págs. 163 e 222, respectivamente.

Acerca da sub-rogação é imprescindível a consulta dos Professores Antunes Varela, Obrigações,3.ª ed., vol. II, págs. 297 a 316, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5.ª ed., págs. 683 a 689, eMenezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1990, vol. 2.º, págs. 99 a 106.

(B. N.)

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315 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

Acidente de viação — Acidente de trabalho — Sub-rogação —Direito de regresso — Prescrição — Crime

I — O instituto da prescrição é endereçado fundamentalmente à realização deobjectivos de conveniência ou oportunidade e, tendo subjacente uma ideia de justiça,tem em conta, contudo, a ponderação de uma inércia negligente do titular do direito emo fazer valer.

II — O princípio geral em matéria de contagem do prazo prescricional — o de queo prazo de prescrição só começa a correr no momento em que o direito pode ser exercido(artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil) — tem a sua justificação na própria razão de ser doinstituto, que se funda na inércia injustificada do credor, quando não exerce o seu direito.

III — Independentemente da exacta qualificação doutrinária do direito da segura-dora que pagou a indemnizaçao por acidente de trabalho, que foi também acidente deviação, contra os responsáveis — direito de regresso ou sub-rogação —, o início dacontagem do prazo prescricional só ocorre na data em que aquele que pretende exercero seu direito estiver em condições de saber quanto tem a pagar.

IV — Só com a sentença homologatória da conciliação, proferida pelo tribunal dotrabalho, em que ficaram fixados os direitos do acidentado quanto à indemnização peloacidente de trabalho, estava a seguradora em condições de exercer o seu direito no querespeita ao sinistrado.

V — Para que seja aplicável o alongamento do prazo de prescrição previsto noartigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, o lesado somente tem que provar, na acção cível, queo facto ilícito constitui crime.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 24 de Outubro de 2000Processo n.º 2225/2000

ACORDAM, em conferência, no SupremoTribunal de Justiça:

I — Companhia de Seguros Tranquilidade,S. A., intentou acção com processo sumário con-tra Companhia de Seguros Império, S. A., pe-dindo que a ré seja condenada a pagar a quantiade 10 074 430$00 e juros.

Alegou que tem direito de regresso contra a répor prejuízos decorrentes de acidente de viaçãocausado pelo segurado da ré e que ela autorapagou.

Contestando, a ré invoca a prescrição e, emsede de impugnação, sustenta que o acidente ocor-reu por culpa do segurado da autora.

O processo prosseguiu termos, tendo em sa-neador-sentença sido julgada procedente a ex-cepção de prescrição e absolvida a ré.

Apelou a autora.

O Tribunal da Relação revogou a decisão.Inconformada, recorre a ré.

Formula as seguintes conclusões:

— A autora age como seguradora infortunís-tica, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhedeterminadas quantias, por si pagas e referentesa indemnizações pagas a determinados lesadosque foram vítimas de acidente de viação, que foisimultaneamente acidente de trabalho;

— Logo e de acordo com a lei — base XXXVII,n.º 4, da Lei n.º 2127 —, a autora age sub-rogadano lugar dos lesados;

— Ao demandar a ré, a autora não está a exer-cer nenhum direito de regresso, mas sim a agirsub-rogada no lugar dos primitivos lesados, aquem pagou as indemnizações infortunísticas;

— E que a indemnização infortunística não écumulável com a indemnização civil, quando o

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316Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

respectivo facto gerador é o mesmo para ambasas indemnizações;

— Decorre do exposto que o prazo prescricio-nal é o mesmo, quer para o primitivo lesado,quer para a seguradora infortunística que lhe pa-gou a indemnização;

— E tal prazo prescricional conta-se a partirda data da ocorrência, ou seja, desde a data doacidente;

— E tal prazo é de três anos, uma vez que aautora, por nada ter alegado nesse sentido, nãopode beneficiar do prazo mais longo previsto noartigo 498.º, n.º 3, do Código Civil;

— Os factos alegados pela autora na petiçãoinicial, quanto a forma como ocorreu o acidente,tipificam um crime previsto e punido pelo artigo148.º, n.º 3, do Código Penal, o qual depende dequeixa;

— A autora não alegou, nem provou (e ja nãopode provar, por não ter sido alegado), que foiatempadamente exercido o direito de queixa, peloque não pode beneficiar do prazo prescricionalde cinco anos;

— Logo, o prazo prescricional é de trêsanos — artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil;

— E a acção foi intentada depois de ter decor-rido esse prazo de três anos;

— E não pode a autora invocar a notificaçãojudicial avulsa alegadamente feita em 8 de Maiode 1992 (o que evidencia que a própria autoratem bem a noção de que o prazo é de três anos),porque tal acto não tem a virtualidade de inter-romper o prazo prescricional;

— Mas mesmo que tivesse sido interrom-pido o prazo prescricional em 8 de Maio de 1992,certo é que o mesmo terminou em 8 de Maio de1995, ou seja, muito para além do prazo de trêsanos;

— Logo, pelo decurso do prazo prescricional,devia — como deve — a ré ser absolvida dopedido, por procedência da excepção peremptó-ria de prescrição;

— Não decidindo nos termos expostos, oacordão recorrido violou o disposto na baseXXXVII, n.º 4, da Lei n.º 2127 e ainda nos arti-gos 441.º do Código Comercial e 510.º do Códigode Processo Civil.

A recorrida, em contra-alegações, defende amanutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II — Vem dado como provado:

No dia 12 de Maio de 1989 ocorreu umacidente de viação em que interveio o veículoNB-93-29 e do qual saíram com lesões corporaisAdão Teixeira Ribeiro e Paulo Jorge TeixeiraRibeiro;

Este acidente foi igualmente considerado comoacidente de trabalho, sendo a autora a segura-dora da entidade patronal das vítimas (apólicen.º 390 724);

Para a ré havia sido transferida a responsa-bilidade civil por acidente de viação relativa aoveículo NB (apólice n.º 844 452 236);

O Adão ficou, como consequência do aci-dente, com uma IPP de 75%, decorrente de frac-tura de mandíbula, amputação da coxa esquerdaabaixo do terço superior e cicatriz cirúrgica;

O Paulo Jorge, com IPP de 13%, por feridas eescoriações na face, fractura exposta e luxaçãodo joelho esquerdo;

No processo do tribunal do trabalho relativa-mente ao Adão, o auto de conciliação tem a datade 11 de Julho de 1994, sendo positivo e homo-logado por sentença de 14 de Julho se-guinte,transitada em julgado, aí se fixaram por acordoos direitos deste quanto a indemnização pelo aci-dente de trabalho;

Quanto ao Paulo Jorge, os seus direitos foramfixados por saneador-sentença de 17 de Dezem-bro de 1992, procedendo-se à remissão da pen-são em 10 de Novembro de 1993;

A autora reclama as quantias pagas ao Adão,no montante de 6 767 532$00, abrangendo aspensões até 31 de Outubro de 1996;

E ao Paulo Jorge, no montante de 3 306 898$00,incluindo a remissão paga em 10 de Novembrode 1993;

Em 8 de Maio de 1992 a autora procedeu anotificação judicial avulsa da ré, manifestando aintenção do exercício do seu direito;

A presente acção deu entrada em juízo em6 de Dezembro de 1996 e a ré foi citada em 28 deAbril de 1997.

III — A autora pediu a restituição das quan-tias que pagou a dois sinistrados em acidente deviação, que também foi acidente de trabalho, por,

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317 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

segundo defende, o acidente se dever a culpa docondutor do veículo seguro na ré.

Na 1.ª instância foi considerada procedente aexcepção de prescrição invocada pela ré, mas nãoassim no Tribunal da Relação.

Recorre por isso a ré.A questão a resolver consiste em saber se

operou ou não a prescrição.O instituto da prescrição é endereçado funda-

mentalmente à realização de objectivos de con-veniência ou oportunidade. Tendo subjacenteuma ideia de justiça, tem em conta, contudo, aponderação de uma inércia negligente do titulardo direito em o fazer valer.

Embora a prescrição «vise desde logo satisfa-zer a necessidade social de segurança jurídica ecerteza dos direitos, e, assim, proteger o inte-resse do sujeito passivo, essa protecção é dis-pensada atendendo também ao desinteresse, ainércia negligente do titular do direito em exer-citá-lo» Prof. Mota Pinto — Teoria Geral doDireito Civil, 3.ª ed., pág. 376.

Como se escreveu no acórdão do SupremoTribunal de Justiça de 26 de Maio de 1998, Su-mários, n.º 21, pág. 44, o não exercício do direitotraduz-se «numa omissão que vai agravar a fina-lidade económico-social do direito».

Problema fulcral da prescrição é saber comose conta o prazo prescricional e desde logoquando se inicia o mesmo.

O princípio geral é o de que o prazo de pres-crição só começa a correr no momento em que odireito pode ser exercido (artigo 306.º, n.º 1, doCódigo Civil).

Princípio esse que tem a sua justificação naprópria razão de ser do instituto. Se a prescriçãose funda na enércia justificada do credor, quandonão exerce o seu direito, «só a partir do momentoem que ele está em condições de o exercer fazsentido começar a contar o prazo que, uma vezpreenchido, vai determinar a prescrição» —Prof. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Di-reito Civil, vol. I, 2.ª ed., pág. 549.

Pensamos que é nestes princípios que está abase da solução.

A autora, tendo pago a indemnização devidapelo acidente, tem o direito de regresso contraos responsáveis (n.º 4 da base XXXVII da Lein.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 — hoje n.º 4 doartigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro).

A lei fala em direito de regresso e não de sub--rogação, como anteriormente (artigo 7.º da Lei1942, de 27 de Junho de 1936).

Não é pacífico o entendimento sobre se há umverdadeiro direito de regresso ou se estamos pe-rante a sub-rogação.

Certo é, porém, que, apesar de se estar face ainstitutos diferentes, a lei não os distingue emprincípio para efeitos de contagem do prazo deprescrição.

O que a lei distingue são os casos em que odireito a exercer está dependente de circunstân-cias especiais, como acontece com a prestaçãosem prazo ou sujeita a condição ou termos sus-pensivos, ou quando a obrigação está sujeita acondição protestativa cum potuerit e tambémquando, apesar de a obrigação ser exigível, exis-tem circunstâncias particulares que podem jus-tificar a inércia do credor, atentos os especiaisobstáculos que dificultam o exercício do seu di-reito (artigos 306.º, 307.º, 318.º, 319.º e 320.º doCódigo Civil).

Na sub-rogação assiste-se a uma substituiçãodo credor, na titularidade do direito a uma pres-tação flangível, pelo terceiro que cumpre em lu-gar do devedor ou que faculta a este os meiosnecessários ao cumprimento. Trata-se de um fe-nômeno de transferência de créditos, que a leiregula no capítulo da «transmissão de créditose dívidas», mas cujo fulcro reside no cumpri-mento — Prof. Antunes Varela, Obrigações,3.ª ed., vol. II, págs. 298-299.

A sub-rogação, que pode ser fundada na lei(artigo 592.º do Código Civil), coloca o sub-ro-gado na titularidade do mesmo direito de crédito(embora limitado pelos termos do cumprimento)que pertencia ao credor primitivo.

Por direito de regresso entende-se o direitoque tem o devedor, que cumpre a obrigação, depoder exigir de terceiro a prestação que efectuou.

Quer na sub-rogação, quer no direito de re-gresso, existe um prévio pagamento da obrigaçãoe a possibilidade legal de se operar o seu reem-bolso.

Sendo assim e independentemente da exactaqualificação doutrinária, parece que há a consi-derar para início da contagem do prazo pres-cricional a data em que aquele que pretendeexercer o seu direito estiver em condições de sa-ber quanto tem a pagar.

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318Direito Civil — Direito das Obrigações BMJ 500 (2000)

No caso, como correctamente se decidiu noacordão recorrido, só com a sentença proferidaem 14 de Julho de 1994 é que a seguradora estavaem condições de exercer o seu direito, no querespeita ao sinistrado Adão.

Tendo a acção dado entrada em 6 de Dezem-bro de 1996, está em tempo, não obstante a cita-ção só ter sido efectuada muito posteriormente,já que para tal em nada contribuiu a autora. Nostermos do artigo 323.º, n.os 1 e 2, do Código Civilter-se-á por interrompida a prescrição cinco diasapós ter sido requerida.

Prescrevendo o direito de regresso no prazode três anos, de harmonia com o disposto noartigo 498.º, n.º 2, do Código Civil, tem que seconcluir que quanto ao referido segurado não ope-rou o mecanismo da prescrição.

É este, aliás, o entendimento expresso poreste Tribunal no acórdão do Supremo Tribunalde Justiça de 20 de Outubro de 1998, Colectâneade Jurisprudência, tomo III, pág. 71, a que ade-riu a decisão recorrida, não se vendo qualquerfundamento para mudar tal orientação jurispru-dencial.

No que respeita ao sinistrado Paulo Jorge,coloca-se uma questão suplementar, já que, comotambém correctamente se decidiu, a prescriçãosó não se verificará se vier a provar-se que houvecrime por parte do responsável do acidente,sendo por esse motivo aplicável o n.º 3 do artigo498.º do Código Civil.

Aqui se prevê que, constituindo o facto ilícitocrime e estabelecendo a lei um prazo de prescri-

ção mais longo para este crime, será esse o prazoaplicável.

O que se compreende, uma vez que, se paraefeitos penais se pode discutir a questão duranteum prazo mais longo que o da acção cível, nadajustificaria que não se pudesse aproveitar talprazo para apreciar a responsabilidade civil.

Esse alongamento do prazo tem a sua razãode ser no facto de o ilícito constituir crime decerta gravidade. Não seria razoável que face acrime grave se assistisse a uma redução do prazoquando, do ponto de vista da colectividade, es-tão em causa interesses socialmente relevantes.

O lesado somente tem que provar na acçãocível que o facto ilícito constitui crime — Profs.Pires de Lima e Antunes Varela, Código CivilAnotado, I, pág. 504; acórdão do Supremo Tri-bunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990,Boletim do Ministério da Justiça, n.º 401, pág. 563.

Está por isso correcta a decisão ao relegar oconhecimento da excepção nessa parte parafinal.

Nada há pois a censurar.

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Outubro de 2000.

Pedro Marques (Relator) — Lemos Triun-fante — Torres Paulo.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Despacho saneador-sentença do 2.º Juizo do Tribunal Judicial de Amarante, processon.º 332/96.

II — Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 135/2000.

Sobre a matéria da prescrição vejam-se, entre outros, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil,3.ª ed., pág. 376 e segs.; L. A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª ed., págs. 549e segs.; Pessoa Jorge, Obrigações, 1966, págs. 666 e segs.; Galvão Teles, Obrigações, 3.ª ed., págs. 184e segs.; Joaquim de Sousa Ribeiro, Revista de Direito e Economia, ano 5.º, págs. 393 e segs.; MenesesCordeiro, Obrigações, 1980, págs. 157 e segs.; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I,7.ª ed., págs. 623 e segs., e Revista de Legislação e de Jurisprudência, anos 123.º, págs. 25 e segs., e124.º, págs. 30 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, págs. 334 e segs.

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319 Direito Civil — Direito das ObrigaçõesBMJ 500 (2000)

e 504 e segs. e Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113.º, págs. 151 eseguintes.

No que respeita à temática constante do ponto IV do sumário não foi encontrada jurisprudênciaque concretamente a tratasse.

Relativamente à generalidade da matéria do presente aresto, cfr. os acórdãos do Supremo citadosno texto, designadamente os de 13 de Novembro de 1990, Boletim, n.º 401, pág. 563; de 26 de Maiode 1998, Sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 21, pág. 44, e de 20 de Outubrode 1998, Colectânea de Jurisprudência, tomo III, pág. 71.

Por terem interesse para o tema da prescrição, vejam-se ainda os acórdãos do Supremo de 7 deJaneiro de 1986, de 29 de Abril de 1992 e de 1 de Junho de 1999, respectivamente nos processosn.os 72 891, 81 776 e 305/99 (estes pesquisados em www.dgsi.pt), e de 22 de Fevereiro de 1994, naColectânea de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo I, 1994,págs. 126 e segs., e Boletim, n.º 434, pág. 625, bem como os acórdãos da Relação de Lisboa de 9 deAbril de 1991, no processo n.º 3605/90, e da Relação do Porto de 4 de Dezembro de 1998, noprocesso n.º 22/98.

(A. M. S. S.)

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320Direito Civil — Direito das Coisas BMJ 500 (1999)

Posse — Restituição provisória — Bem do domínio público —Uso privativo

I — Os bens do domínio público podem, desde que não seja afectada a funçãoprosseguida com a sua dominialização, ser objecto de concessão de uso privativo, atra-vés de título jurídico individual, pelo qual o seu destinatário adquire, a título precário,o direito de os ocupar ou utilizar com exclusão ou limitação de terceiros.

II — A concessão do uso privativo dum bem do domínio público não investe obeneficiário no poder de o gozar desde logo, mas apenas o direito de crédito de exigir àAdministração Pública a respectiva entrega.

III — O concessionário do uso privativo dum bem do domínio público não é titulardum direito absoluto, oponível erga omnes, pelo que não detém a respectiva posse, nempode por isso lançar mão de meio de tutela possessória em caso de perturbação daqueleuso por parte de terceiros.

IV — Na situação indicada em III, o titular do uso privativo do bem público apenaspode requerer à entidade pública competente que tome as providências adequadas àrespectiva defesa — por exemplo, intimamos o contraventor a desocupar esse bem ou ademolir obras nele feitas, assegurando a realização do seu destino normal, se necessáriomediante recurso à força pública.

V — Assim, não pode decretar-se a providência cautelar de restituição provisóriade posse requerida pelo concessionário do uso privativo duma zona verde contra umaempresa que nessa área derrubara árvores e construíra uma estrada, desse modo, oimpedindo de usar esse bem do domínio público municipal.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 12 de Outubro de 2000Agravo n.º 385/2000

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

Klaus Peter Keunecke requereu no Tribunalda Comarca de Loulé providência cautelar de res-tituição provisória de posse contra Vale do Lobo(Construção), L.da, de uma zona verde anexa aolote 12 A-12 da zona A, que confronta do nas-cente com o lote A-11, do norte e do poente comzona verde e do sul com Wolfgang Lipps, sito noGarrão, freguesia de Almancil, concelho de Loulé,descrito na Conservatória do Registo Predial deLoulé sob o n.º 6806 e inscrito na respectivamatriz sob o artigo 2849 no qual se encontraimplantado um edifício de habitação compostode dois pisos.

Alega, para tanto, em síntese, que ocupa areferida zona verde mediante autorização da Câ-mara Municipal de Loulé e que a requerida des-truiu o muro de vedação desse lote e da zona

verde contígua, derrubou árvores e construiu umaestrada, assim o privando do uso dela.

Ouvida a requerida e produzida a prova, aprovidência foi indeferida, por despacho de22 de Abril de 1999, com fundamento de que orequerente não tinha a posse da aludida zonaverde.

Não se conformando com esta decisão, o re-querente interpôs recurso de agravo daquele des-pacho para o Tribunal da Relação de Évora, quelhe negou provimento, por acórdão de 25 deNovembro de 1999.

Uma vez mais inconformado, o requerenterecorre para este Supremo Tribunal.

Apresentou alegações, que encerra com o qua-dro de conclusões seguinte:

1.ª — O domínio público é o conjunto deimóveis submetidos por lei ao domínio de umapessoa colectiva de direito público e subtraído

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321 Direito Civil — Direito das CoisasBMJ 500 (1999)

ao comércio jurídico privado em razão da suaprimacial utilidade pública colectiva.

2.ª — O que determina a comerciabilidadeduma coisa é a possibilidade de poder ser fruídapelo seu titular, com exclusão de todas as outraspessoas.

3.ª — A ocupação de parcelas do domíniopúblico para uso privativo só pode ser autori-zada desde que não ponha em causa o fim deutilidade pública a que esteja afecto e que consti-tui o seu fundamento.

4.ª — O uso privativo do bem de domíniopúblico e o uso privativo de zona verde são rea-lidades jurídicas não totalmente coincidentes.

5.ª — A zona verde objecto dos presentesautos não se caracteriza pela sua afectação jurí-dica aos fins do Estado legalmente determina-dos, como deveria.

6.ª — A natureza do aproveitamento que oagravante obtém da zona verde através do usoprivativo é de índole privada.

7.ª — O negócio jurídico realizado entre aautarquia de Loulé e concessionário tem natu-reza jurídico-privada.

8.ª — Não prosseguindo a zona verde a pros-secução de um fim público, não existe da partedo Estado (autarquia local) uma premência emrepor a legalidade, uma vez que não há um fimpúblico prejudicado, mas tão-só o de um parti-cular, o agravante.

9.ª — O uso privativo da zona verde não obe-dece aos requiitos da incomerciabilidade e de bemde domínio público.

10.ª — A zona verde encontra-se dentro docomércio jurídico.

11.ª — E não visa a prossecução dum fimpúblico, mas sim de um fim privado; o de satis-fação das necessidades pessoais de gozo do con-cessionário.

12.ª — Não se subordinando a concessão anenhuma das formas e fins de prossecução deutilidade colectiva (sujeição ao domínio públicodo Estado), é o bem susceptível de posse.

13.ª — O agravante é possuidor da zona verde.14.ª — Em caso de ocupação abusiva ou qual-

quer outra perturbação, o concessionário de umazona verde tem o poder de reagir directamentecontra o ocupante ou perturbador, sem necessi-dade de recorrer às autoridades administrativas.

15.ª — O agravante pode recorrer aos meiospossessórios para defesa do seu direito.

Termina pedindo que, dando provimento aorecurso, deve o acórdão recorrido ser substituídopor outro que julgue procedente a providênciacautelar requerida.

A agravada contra-alegou, defendendo a cor-recção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Deu a Relação como provados os seguintesfactos:

«Em 12 de Agosto de 1992 foi concedida au-torização a Wolfgang Max Karl Heinrich Lippspara utilização temporária da área de zonas ver-des de 850 m2 exterior ao lote 12 — dos quais90 m2 são ocupados pela construção (piscina) e760 m2 se destinam a ajardinamento — pelo pe-ríodo de 20 anos e mediante o pagamento préviode 1 603 000$00 que foram pagos.

E de entre as demais condições impostas, in-clui-se a de na referida área não serem permitidasquaisquer construções fixas, muros ou vedaçõesde alvenaria, derrube/danos em árvores existen-tes ou em outros bens, de ser reconhecido à Câ-mara o direito de proceder, sempre que o entendanecessário, a trabalhos de manutenção de infra-estruturas eventualmente existentes e aos de co-locação de novas infra-estruturas gerais, comcustos a suportar pela Câmara, que deverá repora área nas suas anteriores condições, implicandoo desrespeito da área autorizada, das condiçõesreferidas ou do fim explícito para que era cedidoo terreno a anulação imediata da autorização.

O prédio urbano designado por lote A-12 dazona A — Garrão, descrito na ficha n.º 06806/121296, é uma habitação de rés-do-chão comduas divisões, cozinha, casa de banho, vestíbuloe terraço, com 145 m2 e logradouro de 145 m2,que confina a nascente com o lote A-11, a nortee a poente com zona verde e a sul com WolfgangLipps.

A sua propriedade está inscrita pela ap. 34/121296, a favor de Klaus Peter Keunecke, porcompra a Astrid Barbara Lipps ou Astrid Lipps,casada com Wolfgang Karl Heinrich Lipps.

Em data que não foi possível apurar, mas com-preendida entre Novembro de 1998 e fins de

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322Direito Civil — Direito das Coisas BMJ 500 (1999)

Março de 1999, foi iniciada a construção dumaestrada ocupando tal zona verde, para o que foidestruído o muro de vedação do espaço consti-tuído por esse lote e pela área da zona verde cujautilização privativa fora concedida.

A construção dessa estrada e a destruição dessemuro foram efectuadas (sic) por trabalhadoresda e ao serviço da requerida, utilizando algumasdas máquinas desta.»

Como os autos mostram, o agravante veio pe-dir que lhe fosse restituída a posse plena dumazona verde (constituída no âmbito do regime dosloteamentos urbanos), sita em Garrão, freguesiade Almancil, concelho de Loulé, cujo uso priva-tivo foi autorizado a Wolfgang Max Karl HeinrichLipps, em 12 de Agosto de 1962, pela CâmaraMunicipal de Loulé, pelo período de 20 anos,para ajardinamento de 760 m2 e construção dumapiscina com 90 m2, mediante o pagamento de1 603 000$00, com possibilidade de renovação,findo aquele prazo.

A 1.ª instância indeferiu o pedido, senten-ciando que da concessão do direito de utilizar oimóvel do património municipal sob a forma deuso privativo não resulta para o requerente atransferência de poderes de natureza privada,pelo que o mesmo não era possuidor e, conse-quentemente, não podia utilizar um meio de de-fesa da posse como a restituição provisória pre-vista nos artigos 393.º e seguintes do Código deProcesso Civil.

O tribunal a quo confirmou a sentença, consi-derando, no essencial, que a concessão do usoprivativo da referida zona verde, como bemdominial que é, apenas confere ao seu titular, deacordo com os Profs. Marcello Caetano e Freitasdo Amaral, seguidos pela jurisprudência do Su-premo Tribunal Administrativo, direitos subjec-tivos de gozo de carácter obrigacional, pelo que omesmo não é possuidor dela, nem a tal equipa-rado, seja perante a Administração, seja peranteterceiros, como acontece com o locatário, o como-datário e o depositário a quem a lei excepcional-mente faculta o recurso a meios possessóriospara defesa do seu direito, mesmo contra o loca-dor, o comodante e o depositante.

Desta sorte, não goza da tutela possessória,cabendo à Câmara Municipal de Loulé, a enti-dade que policia aquela zona, o dever de restituir

o esbulhado ao seu direito, sem prejuízo do re-curso à acção de restituição ou manutenção deposse para defesa das obras e edifícios que cons-tituem a propriedade privada, acções estas que,obviamente, devem ser instauradas por aquelaentidade que for titular do domínio.

O agravante sustenta que o uso privativo dumbem do domínio público é uma realidade jurídicadistinta do uso privativo duma zona verde e quenão visando esta a prossecução dum fim públicoe sim a satisfazer as necessidades pessoais degozo do concessionário se encontra dentro docomércio jurídico, e é um bem susceptível deposse, que este pode defender contra o ocupanteou perturbador, sem necessidade de recorrrer àsautoridades administrativas.

Posto isto, quid juris?

É um dado adquirido, por consenso, que azona verde em questão ingressou no patrimóniodo município de Loulé, no âmbito duma opera-ção de loteamento urbano.

Por isso, é indiscutível que ela passou a cons-tituir um bem do domínio público municipal destaautarquia, afecta a fins de utilidade colectiva esusceptível de concessão de uso privativo. É alei que o diz expressamente — cfr. os artigos16.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29de Novembro, na redacção dada pelo artigo 1.º daLei n.º 25/92, de 31 de Agosto.

O próprio agravante o afirma no articulado 3.ºda petição inicial quando refere que a zona verde,«por ser do domínio público, é propriedade daCâmara Municipal de Loulé».

Assente este ponto, não há razão para distin-guir, como faz o agravante, entre o uso priva-tivo de tal zona verde e o uso privativo de qualqueroutro bem do domínio público, na mira de con-cluir pela comerciabilidade daquela e pela possi-bilidade de a mesma ser objecto de posse.

Assim, o verdadeiro e único problema a resol-ver é o de saber se a autorização dada pela Câ-mara Municipal para a sua utilização temporáriaatribui ao beneficiário a posse dela e o direito dedefesa imediata contra os actos acima referencia-dos levados a cabo pela agravada.

Os bens públicos são, em regra, objecto deuso ou de utilização pela autoridade administra-tiva que deles é proprietária e, desde que a fun-ção primária prosseguida pela afectação não seja

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323 Direito Civil — Direito das CoisasBMJ 500 (1999)

perturbada, podem ser objecto de uso por todosos cidadãos, de acordo com o princípio dadominialidade, que é de algum modo também asua razão de ser.

Por outro lado, desde que a funcionalidade dobem se mantenha íntegra e, portanto, a realiza-ção da função prosseguida com a sua domi-nialização, podem ainda ser utilizados por algumaou algumas pessoas, com base num título jurí-dico individual, a chamada «concessão de usoprivativo ou excepcional do domínio público»,mediante a qual o destinatário adquire, a títuloprecário, o direito de os ocupar ou utilizar, comlimitação ou exclusão de terceiros, concessão quese caracateriza mais pela função atributiva doque pela função de colaboração, que pode mesmonão existir, como sucede quando os interessespor ela prosseguidos são de natureza preva-lentemente privada.

Como vem exposto no acórdão recorrido, estedireito tem sido caracterizado por alguns consa-grados administrativistas e por certos arestos doSupremo Tribunal Administrativo como um di-reito subjectivo público de carácter obrigacionalinsusceptível de defesa directa perante terceiros,entendimento este contrariado, no entanto, comoo mesmo acórdão também refere, pelo Prof. AfonsoQueiró.

Remetendo aqui para o que no acórdão a talrespeito se explana, e sem embargo de reconhe-cer o mérito da doutrina deste mestre coimbrão,afigura-se-nos que o entendimento dos primei-ros é aquele que decorre do regime jurídico de-finido nos artigos 20.º a 31.º do Decreto-Lein.º 468/71, de 5 de Dezembro, aplicável ao caso.

Com efeito, embora o artigo 84.º, n.º 2, daConstituição da República exija que a lei, emgeral, defina o regime, as condições e os limitesdo domínio público, certo é, todavia, que tal leiainda não foi editada, pelo que se tem generali-zado a aplicação dos princípios enformadoresdo regime de utilização privativa dos terrenos dodomínio público hídrico estabelecido no citadodecreto-lei à utilização privativa do domínio pú-blico em geral, directamente ou por analogia.

É isso mesmo que o artigo 19.º, n.º 1, do De-creto-Lei n.º 448/91, de 28 de Dezembro, mandafazer em relação à utilização privativa das zonasverdes resultantes de loteamentos urbanos, como

a aqui em causa, quando diz que ela se rege peloque naquele diploma se dispõe em matéria defixação de prazos e de decurso dos mesmos, con-teúdo do direito de uso privativo, realização deobras, transmissão da concessão, incumprimentoda obrigações do concessionário e extinção douso privativo por conveniência do interesse pú-blico.

Ora, o artigo 21.º, relativo ao conteúdo doreferido direito, depois de estatuir, no n.º 1, queas licenças ou concessões de uso privativo, en-quanto se mantiverem, conferem aos seus titula-res o direito de utilização exclusiva, para os finse com os limites consignados no respectivo títuloconstitutivo, das parcelas dominiais a que res-peitam, acrescenta, no n.º 3, que cabe à autori-dade administrativa competente entregar ao titulardo direito de uso privativo o terreno dominial,facultando-lhe o início da utilização.

Daqui resulta que a licença ou concessão dumazona verde como a dos autos investe o particularapenas no poder de exigir à Administração asua entrega e não o poder de a gozar desde logo.O direito de uso privativo, em relação à Admi-nistração, é, portanto, um direito de mera obriga-ção, pois vive da colaboração que esta, comosujeito passivo, queira ou possa prestar ao con-cessionário.

Em caso de recusa, a única protecção jurídicaque a lei faculta ao interessado é, em princípio,conforme os casos, o recurso hierárquico oucontencioso.

E no atinente a terceiros?Neste aspecto, o artigo 31.º, n.os 1 e 2, do

referido diploma diz que, sempre que alguma par-cela dominial se encontre afectada a um uso pri-vativo e este for perturbado por ocupação abusivaou outro meio, pode o titular da respectiva li-cença ou concessão requerer à entidade compe-tente que tome as providências referidas no artigo30.º (intimação do contraventor a desocupá-laou a demolir as obras feitas, assegurando o seudestino normal, designadamente pelo recurso àforça pública) ou outras que se revelem eficazespara garantia dos direitos que lhe pertencem. Estepreceito é, por assim dizer, o complemento do jácitado artigo 21.º A sua leitura deixa claro que otitular do direito de uso privativo dum bem pú-blico não dispõe de meios de defesa directa con-

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324Direito Civil — Direito das Coisas BMJ 500 (1999)

tra terceiros, uma vez que esta só é possivel coma intervenção da Administração. Não se trata,por isso, dum direito absoluto oponível ergaomnes, mas dum direito relativo. Neste sentido,o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,de 28 de Maio de 1997, onde se escreve:

«A titularidade da licença não confere ao par-ticular qualquer direito subjectivo oponível a ter-ceiros, apenas podendo socorrer-se da autoridadedominial para privar [...] qualquer outra pessoada utilização dos bens que lhe é permitida. Emmatéria de licença de uso privativo de bens dodomínio público é impensável, conforme notamEsteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pachecode Amorim (Código do Procedimento Adminis-trativo, pág. 815), que se possam fazer valer pe-rante a Administração dominial uma posse oudireitos de natureza juscivilista constituídos afavor de um particular sobre parcelas de bensdominiais, pois isso seria pôr em causa o pró-prio regime da dominialidade, fundamental, en-tre nós, para a salvaguarda dos interesses ligadosà utilização dos bens públicos da Administra-ção» — Acórdãos Doutrinais, XXXVI, n.º 432,pág. 1422.

Com isto fica demonstrado, assim o pensa-mos, que a pessoa utente privativo duma zonaverde constituída no âmbito dum loteamento ur-bano não detém, em tal qualidade, a posse dela,não podendo por isso em caso de perturbaçãopor terceiros lançar mão dos meios de tutelapossessória, como bem se decidiu no acórdãorecorrido.

Ademais o agravante no articulado 9.º da peti-ção inicial alega que a posse lhe foi transmitidaconjuntamente com a propriedade do prédio ur-bano por ele adquirido ao titular do uso priva-tivo da zona verde.

Ora, o contrato de compra e venda do prédionunca podia ter como efeito a transmissão paraele da posse desta zona, pela simples razão deque esta não foi (nem podia ser) objecto dele.

E a verdade é que, no recurso, o que o agra-vante sustenta não é isso, mas sim que a mesmaderiva do uso privativo conferido pela autoriza-ção camarária concedida ao vendedor — WolfgangLipps.

Este uso, porém, só lhe poderia ter sido trans-mitido com a transmissão válida do respectivotítulo autorizatório. Ora, isto está totalmente forade questão.

De tudo se extrai que o título invocado peloagravante não legitima a aquisição da posse a quese arroga. O que por si bastaria para fazer nau-fragar a providência requerida e condenar o re-curso ao insucesso.

Improcedem, assim, as conclusões das, aliás,doutas alegações do agravante.

Pelo exposto, acordam em negar provimentoao agravo, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Outubro de 2000.

Barata Figueira (Relator) — Abílio Vascon-celos — Duarte Soares.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, processo n.º 26/99.

II — Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 874/99.

I — O estudo dos modos de utilização de bens do domínio público por pessoas privadas foi,entre nós, sobretudo realizado por Freitas do Amaral, A Utilização do Domínio Público pelos Parti-culares, São Paulo, 1965.

II e III — A insusceptibilidade de invocação de posse (e de utilização de meios possessórios) emrelação a bens do domínio público por parte dos concessionários do seu uso privativo tem sidosobretudo fundamentada no facto de eles se encontrarem excluídos do comércio jurídico privado. Ver,por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., 1987, págs. 4-5;

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325 Direito Civil — Direito das CoisasBMJ 500 (1999)

Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 92.º, pág. 222. M. Henrique Mesquita (DireitosReais, Coimbra, 1966, pág. 76) admite, de todo o modo, a utilização de meios possessórios pelosconcessionários do uso privativo de bens do domínio público, desde que eles invoquem a aquisição dedireitos reais sobre os mesmos.

Note-se, ainda, que, mesmo partindo de pressupostos análogos aos vigentes na nossa ordemjurídica, não é impensável a adopção, em termos de política legislativa, de soluções diversas das quenesta matéria entre nós prevalecem.

Assim é que, nomeadamente, o artigo 1145.º do Código Civil italiano, depois de proclamar oprincípio geral de que não é possível a posse de coimas cuja propriedade se não possa adquirir,admite, a título excepcional, relativamente a bens do domínio público, acção de esbulho entre pessoasprivadas e a acção de manutenção, concernente ao exercício de faculdades que possam ser objecto deconcessão.

IV e V — Já Manuel Rodrigues (A Posse, reedição, 1996, n.º 25) sustentava que a defesa dautilização de bens do domínio público se não podia operar com base na respectiva posse e dos meioscorrespondentes, mas sim através de «poderes de polícia».

(L. N. L. S.)

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326Direito Civil — Direito da Família BMJ 500 (1999)

Separação de facto — Cônjuge — Direito a alimentos — Ónusda prova

I — No caso de separação de facto «autêntica» o cônjuge inocente ou menos cul-pado tem direito a alimentos; o cônjuge mais ou único culpado não tem direito a alimen-tos, a não ser que o tribunal, excepcionalmente e por razões de equidade, resolvaatribuí-los; havendo culpas iguais, ambos terão direito a alimentos.

II — Cabe ao réu o ónus da prova da sua incapacidade de satisfazer os alimentospedidos.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 2603/2000 — 7.ª Secção

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Aida Esteves Lopes de Faria instaurou em2 de Janeiro de 1998 acção com processo ordiná-rio contra Manuel Fernandes de Faria.

Alega ser casada com o recorrente, que hámuito emigrou para a Suíça, dela se tendo desin-teressado e não contribuindo para as despesasdo lar legítimo (ele vive com outra mulher naSuíça).

Há uma filha de ambos, já casada.Pediu se condene o recorrente a pagar-lhe

100 000$00/mês a título de alimentos.Contestou o recorrente (fls. 19), pedindo a

absolvição do pedido, admitindo pagar o máximode 22 000$00/mês.

Por sentença de fls. 52 e seguintes foi conde-nado o recorrente a pagar à autora 100 000$00mensais a título de alimentos.

Apelou o recorrente, tendo a Relação doPorto, por acórdão de fls. 85 e seguintes, confir-mado a sentença.

Interpôs o recorrente recurso de revista, tendoconcluído como segue a sua alegação:

1 — A sentença de 1.ª instância, confirmadapelo acórdão da Relação, viola o n.º 1, do artigo2004.º do Código Civil, que dispõe que «os ali-mentos serão proporcionais aos meios daqueleque houver de prestá-los e à necessidade daqueleque houver de recebê-los».

2 — Este artigo pressupõe que seja apurada areal situação e capacidade financeira do recorrente.

3 — O recorrente tem de suportar despesasconsigo próprio para subsistir na Suíça, onde onível de vida é bastante caro, pagar os seus im-postos, os seus descontos de previdência, segurode doença, e só depois de se realizarem essassubtracções obteremos o rendimento líquido.

4 — O ónus da prova recai sobre a autora, oque foi ignorado, uma vez que no mesmo do-cumento n.º 1 em que se prova o rendimentobruto, também se prova a existência de um saldode 561.45 francos suíços líquidos.

5 — Pelo que o montante fixado atendeu auma situação que não corresponde à real, donderesulta que o seu montante é exagerado, e deveráser reduzido para valores adequados à situaçãofinanceira real do recorrente.

6 — Se um documento é considerado rele-vante para provar um facto do questionário, te-rão de ser igualmente considerados relevantestodos os seus elementos que permitam provaroutros factos do questionário.

Deve revogar-se o acórdão e ser alterada adecisão de forma a atender-se na fixação dos ali-mentos aos meios do recorrente.

Pugna a autora pela negação da revista.

II

Matéria de facto fixada no acórdão recorrido:

1 — A autora e o réu contraíram casamentoem 12 de Dezembro de 1978, sem precedênciade convenção antenupcial.

2 — O réu encontra-se a trabalhar na Suíça.

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327 Direito Civil — Direito da FamíliaBMJ 500 (1999)

3 — O réu foi trabalhar para a Suíça em 1982,ficando a autora a viver em Portugal juntamentecom a filha do casal.

4 — Em 10 de Fevereiro de 1996, o réu veio aPortugal e levou a autora e a filha de ambos paraa Suíça.

5 — A partir de 12 de Fevereiro de 1996, aautora, o réu e a filha de ambos passaram a vivernum apartamento em Kriens, Lucerna, Suíça.

6 — Na Suíça o réu mantinha uma relaçãoamorosa com outra mulher, com quem vivia.

7 — Muitas noites o réu não aparecia em casado casal e em Agosto de 1997 o réu abandonou acasa do casal.

8 — A autora continuou a viver com a filha docasal no apartamento em Kriens até fins de Se-tembro de 1997, altura em que passou a viversozinha.

9 — A autora não trabalhava, não falava ale-mão e não tinha amigos na Suíça e, por estar só,deixou a Suíça e veio instalar-se na casa do casal,em Mujães, Viana do Castelo.

10 — A autora, quando foi para a Suíça, tra-balhava numa fábrica de confecções e auferia umsalário mensal da ordem dos 80 000$00. Para irpara a Suíça, a autora despediu-se da fábrica ondetrabalhava.

11 — Quando voltou da Suíça, a autora ten-tou arranjar trabalho numa fábrica, sem êxito.

12 — O réu aufere o salário bruto de 5100.10francos suíços mensais.

13 — Em Portugal o réu circulava com umMercedes e um Alfa Romeo.

14 — A autora e o réu possuem em Portugaluma vivenda que vale cerca de 20 000 000$00.

15 — A autora paga por mês cerca de 7500$00de electricidade, 3000$00 de água, 4000$00 degás e 6500$00 de telefone; despende mensal-mente 45 000$00 em alimentação e 20 000$00em vestuário e calçado.

16 — Em despesas de saúde a autora gasta emmédia a quantia de 20 000$00 por mês.

17 — A autora voltou para Portugal em No-vembro de 1997.

III

Cumpre decidir.Porque então se tratou também de uma acção

de alimentos entre cônjuges separados de facto,

vamos reproduzir aqui considerações insertas emacôrdão deste Tribunal, relatado pelo aqui rela-tor (1).

Assim se enquadrará melhor a questão nosseus parâmetros legais, à luz do Código Civil,reforma de 1977.

«Há que lembrar aqui algumas ideias que pre-sidiram às profundas alterações introduzidas em1977 em sede de direito de família e designada-mente no regime alimentar entre cônjuges.

Seguiremos de perto M. de Nazareth LobatoGuimarães» (2).

«É pouco razoável, pouco legítimo, que, forados casos de evidente responsabilização (queenvolvem, note-se, o funcionamento normal dacélula familiar), se obrigue alguém a trabalhar parasustento de outrem. Muito menos por toda avida» (3).

«Na família, que já não é um pequeno Estado,nem um grande património, é factor extrema-mente relevante a efectiva comunidade» (4).

«Ninguém tem direito a ser mantido, emboracada um dos cônjuges possa accionar o outropara manutenção da comunidade enquanto estaexistir» (5).

Quanto à separação de facto, haverá funda-mentalmente duas situações: ou persiste da partede ambos os cônjuges a intenção de «terminar oafastamento logo que as circunstâncias o permi-tam ou não».

Havendo «separação de facto autêntica»(quando não há dúvidas que pelo menos um doscônjuges não deseja restabelecer a coabitação),só haverá direito a alimentos, não tendo o côn-juge inocente direito a ser «mantido» (6)

A autora citada conclui que em tal hipótese(separação de facto autêntica) o cônjuge inocenteou menos culpado terá direito a alimentos.

(1) Acórdão de 26 de Junho de 1997, recurso n.º 440/97.(2) Reforma do Código Civil, Instituto da Conferência da

Ordem dos Advogados, 1981, págs. 171 e seguintes.(3) Ibidem, pág. 176.(4) Ibidem, pág. 190.(5) Ibidem, pág. 190.(6) Sobre a distinção entre o direito a alimentos e direito

a manutenção do status familiar ver ainda loc. cit. e o acórdãodeste Tribunal de 13 de Novembro de 1990, Boletim do Mi-nistério da Justiça, n.º 401, pág. 591.

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328Direito Civil — Direito da Família BMJ 500 (1999)

O cônjuge mais ou único culpado não terádireito a alimentos.

Pode contudo o tribunal atribuir a esse côn-juge direito a alimentos por razões de equidade —artigo 1675.º, 3.ª Secção, última parte.

Sendo as culpas iguais, nenhum recebe nempresta alimentos, salvo se intervierem as razõesde equidade referidas.

A doutrina exposta foi defendida também porGalvão Telles (7), com ligeiras nuances.

Este autor equipara para o efeito a situaçãodos divorciados à dos separados de facto (sepa-ração autêntica, nos termos que foi definida).

Assim, havendo culpas iguais, ambos terãodireito a alimentos.

Nunca se porá o problema do dever de manu-tenção, que pressupõe uma sociedade ainda viva.

Escreve que o artigo 1675.º tem em vistaseparações «não autênticas».

As «autênticas» devem assimilar-se às situa-ções de divórcio.

Deverá então recorrer-se ao artigo 2016.º doCódigo Civil.

Este Tribunal teve já em conta a doutrina ex-posta (8).

Ora, aplicando a doutrina transcrita ao casodos autos, é evidente que o réu não quer restabe-lecer a convivência conjugal.

Os factos provados apontam-no inequivoca-mente como único culpado da situação.

Conclui-se por isso pela existência, que o réualiás não nega, do direito da autora a alimentos.

Que deverão ser fixados nos termos dos arti-gos 1675.º e 2015.º do Código Civil.

A autora provou que necessita dos alimen-tos — ver supra II.

Quando às possibilidades do réu (artigo 2004.ºdo Código Civil), ficámos a saber o seu rendi-mento ilíquido. Ele articulou o seu rendimentolíquido — artigo 13.º da contestação.

O quesito respectivo (quesito 27.º) não obteveresposta positiva.

A prova reproduzida supra é a que temos deconsiderar neste momento — artigo 729.º, n.º 2,do Código de Processo Civil.

Coloca-se aqui o problema do ónus da prova.Sem dúvida que incumbe à autora o ónus da

prova das suas necessidades.Mas a quem incumbe o ónus da prova das

possibilidades do demandado?No citado acórdão de 26 de Junho de 1997

afirmou-se caber esse ónus também ao autor.Assim se decidiu neste Tribunal em outros acór-dãos (9).

O ponto é porém muito duvidoso, dividindo--se a doutrina estrangeira a esse respeito.

Propendemos hoje para a solução contrária:caberá ao réu demandado o ónus da prova da suaincapacidade económica para suportar o pedido.

É a opinião de Tedeschi (10), que no entantorefere posições divergentes.

André Rouast (11) não hesita nesse ponto,pondo o ónus da prova a cargo do devedor.

Vaz Serra (12) fornece-nos o argumento quenos parece decisivo, ao escrever:

«Quem deve conhecer melhor se o obrigadopode ou não prestar os alimentos é o próprioobrigado, sendo portanto razoável que lhe caibaa ele a prova de que não pode prestá-los, e não aoalimentando a de que pode prestá-los.

É melhor considerar a impossibilidade de pres-tação de alimentos como um facto impeditivo dodireito do autor, porque não pode razoavel-mente obrigar-se este a provar a possibilidade deprestação dos alimentos pelo réu, visto poderser-lhe isso impossível ou muito difícil.»

Este Tribunal decidiu já neste sentido — decaber ao réu o ónus da prova da sua incapacidadede satisfazer os alimentos (13).

A orientação contrária seria de aplicação par-ticularmente chocante neste processo.

A autora teria grandes dificuldades em provaros réditos e encargos do réu na Suíça. Pelo con-trário, essa tarefa seria relativamente fácil parao réu.

(7) Colectânea de Jurisprudência, ano XIII, tomo II,pág. 17.

(8) Acórdão de 26 de Maio de 1995, recurso n.º 81 884.

(9) Acórdãos de 27 de Novembro de 1991, recurson.º 81 161, e de 27 de Março de 1979, recurso n.º 67 747.

(10) Gli Alimenti, pág. 494.(11) Traité Pratique de Droit Civil Français par

M. Planiol et G. Ripert, tomo II, La Famille, n.º 34.(12) «Obrigação de alimentos» — Boletim do Minis-

tério da Justiça, n.º 108, pág. 121.(13) Acórdão de 16 de Fevereiro de 1993, recurso

n.º 83 123. Parece ir no mesmo sentido o acórdão de 4 deDezembro de 1997, recurso n.º 767/97.

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329 Direito Civil — Direito da FamíliaBMJ 500 (1999)

Face ao exposto, impõe-se a improcedênciado recurso.

Nega-se a revista.Custas pelo recorrente.

Lisboa, 26 de Outubro de 2000.

Miranda Gusmão (Relator) — Alves Cor-reia — Quirino Soares.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença do 2.º Juízo de Viana do Castelo, processo n.º 1/98.

II — Acórdão da 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1258/99.

O aresto dá ampla conta de doutrina e jurisprudência sobre os dois pontos. Como nele seescreve, existem, nomeadamente quanto ao segundo ponto, posições divergentes. Aliás, como tam-bém vem expresso, a posição agora tomada quanto ao ónus de prova constitui inversão da que foraperfilhada no acórdâo do mesmo relator de 22 de Junho de 1997, recurso n.º 440/97.

(A. A. O.)

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330Direito Civil — Direito das Sucessões BMJ 500 (2000)

Direito das sucessões — Dívidas da herança — Usufrutário —Obrigação pecuniária

I — O artigo 2072.º do Código Civil só se aplica quando o usufrutário da totali-dade ou de uma quota do património do falecido utiliza dinheiro seu para pagar dívidasde herança da qual não é titular.

II — Quando o ususfrutário paga dívidas nos termos descritos em I, nasce na suaesfera jurídica um direito de crédito sobre os herdeiros, proprietários dos bens e benefi-ciados com a sua desoneração.

III — A mencionada dívida dos herdeiros é uma obrigação pecuniária, de soma ouquantidade, subordinada ao princípio nominalista definido no artigo 550.º do CódigoCivil, e, nessa medida, não actualizável em função da desvalorização da moeda.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇAAcórdão de 3 de Outubro de 2000Revista n.º 1723/00

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

António Nuno Nunes Alves Pereira Joaquim,Miguel Alves Pereira de Serpa Corte-Real e JoãoManuel Alves Pereira Joaquim intentaram, a6 de Abril de 1998, acção declarativa de meraapreciação, na forma de processo ordinário, con-tra Jaime António Morais Figo, pedindo que sedeclare que:

— O passivo da herança de António Alves deMeira é uma dívida de valor;

— A tradução pecuniária da dívida de valor sereporta ao momento da partilha final, ou, se as-sim não se entender,

— A tradução pecuniária da dívida de valor sereporta ao momento da morte da usufrutuária,ou seja, a 1981;

— A expressão económica da dívida de valora transforma em obrigação pecuniária, então sim,sujeita ao princípio nominalista;

— A determinação de tal obrigação seja feitanos termos do critério previsto no artigo 551.ºdo Código Civil, não se excluindo, porém, qual-quer outro que possibilite a obtenção do mesmofim.

Houve contestação e resposta.Em 14 de Dezembro de 1998, foi proferido o

saneador-sentença na qual se declarou que:

a) O passivo da herança partilhada poróbito de António Alves de Meira é o efec-

tivamente pago pela usufrutuária MariaCelestina, independentemente do rela-cionado para efeitos de liquidação do im-posto sucessório;

b) Por tal passivo são responsáveis, em par-tes iguais, autores e réu, como herdeirosdo casal falecido (António Alves de Meirae Maria Celestina Branco Teixeira deMeira);

c) O momento para determinar aquele pas-sivo é aquele em que ele foi satisfeito;

d) Até à extinção do usufruto (óbito deMaria Celestina Branco Teixeira de Meira)não são devidos juros relativamente àmetade do passivo pago por aquela;

e) Aquele passivo apenas é devido pelo re-corrido aquando da partilha dos restantesbens, conforme estipulação feita na escri-tura de 12 de Dezembro de 1940, nãoestando prescrito o direito dos autores.

Inconformados, os autores recorreram de ape-lação e a Relação de Lisboa, por acórdão de 3 deFevereiro de 2000, confirmou a sentença.

Daí o presente recurso de revista, no qual osautores formulam as seguintes conclusões:

A — As instâncias consideraram que o pas-sivo suportado pela usufrutuária, à custa do seupróprio património, não é susceptível de qual-quer actualização, o que fundam na interpreta-ção do artigo 2072.º, n.º 1, do Código Civil, pelo

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331 Direito Civil — Direito das SucessõesBMJ 500 (2000)

que estaria subordinado a um mero princípionominalista.

B — Porém, aplicaram erradamente tal nor-mativo legal, que só tem aplicação quando osencargos da herança são pagos à conta dos bensabrangidos pelo usufruto, o que não é o caso.

C — Com efeito, quando o usufrutuário su-porta os encargos da herança à conta do seu pró-prio património e não com algo que retire dasforças do usufruto, o pagamento desses encar-gos, por força da aplicação analógica dos regimesdos artigos 2109.º, n.º 3, e 2029.º, n.º 3, do Có-digo Civil, segue um regime de actualização, má-xime o do artigo 551.º do Código Civil.

D — Nestes termos, a dívida dos autos deveser tratada como uma verdadeira dívida de valorou, em qualquer caso, uma dívida sujeita ao re-gime de actualização previsto no artigo 551.º doCódigo Civil.

E — De resto, isso é também o que se retirada vontade das partes quando acordaram, na es-critura de 1940, que o passivo seria «arrumado»quando se fizesse a partilha final.

F — Diga-se ainda que, sem conceder, mesmoque se entendesse que o regime aplicável seria odo artigo 2072.º, n.º 1, do Código Civil, aindaassim o que esse artigo imporia seria a impossi-bilidade de o usufrutuário poder exigir juros, masnunca a exigência de que teria de perder o seupróprio capital, que sempre deveria ser conside-rado actualizável nos termos gerais aplicáveis aoscasos análogos, que são aqueles que acima sereferem.

G — Por último, cumpre arguir a inconstitu-cionalidade do entendimento dado ao artigo 2072.ºdo Código Civil, bem como ao artigo 550.º doCódigo Civil, quando interpretados no sentidode que as quantias suportadas pelo usufrutuárioà custa do seu património e no interesse de todosos titulares da herança não estão sujeitas aactualização, antes se encontrando subordinadasa um puro princípio nominalista.

H — Tal entendimento viola o direito à pro-priedade privada consagrado no artigo 62.º daConstituição da República Portuguesa, bem comono artigo 1.º do 1.º Protocolo Adicional da Con-venção Europeia dos Direitos do Homem.

I — Em suma, o passivo da herança em causaé uma dívida de valor a apurar no momento dapartilha final ou, pelo menos, uma dívida pecuniá-

ria actualizada nos termos do artigo 551.º doCódigo Civil, desde que foi suportada e até aomomento em que se realize a partilha, nos de-mais termos que constam do pedido formuladona petição inicial.

Em contra-alegações, o recorrido pugna pelaconfirmação do acórdão da Relação.

Foram colhidos os vistos.

Vejamos, antes de mais, a factualidade que aRelação considerou como assente:

1 — António Alves de Meira e Maria Celes-tina Branco Teixeira de Meira foram casados umcom o outro, sob o regime de comunhão geral debens.

2 — Daquele casamento não houve filhos.3 — Em 1938 morreu António Alves de

Meira, deixando, por testamento, como sua her-deira, Maria Natália Trindade Rosado de Carva-lho, ainda que a herança tivesse ficado oneradacom usufruto vitalício a favor de sua viúva, Ma-ria Celestina Branco Teixeira de Meira.

4 — Em 4 de Agosto de 1967 faleceu a insti-tuída herdeira Maria Natália Trindade Rosadode Carvalho, no estado de casada, sob o regimede separação de bens, com Alberto Lager Ro-sado de Carvalho.

5 — Aqueles não tiveram filhos do seu casa-mento.

6 — Por testamento de 19 de Agosto de 1967,aquela Maria Natália havia instituído seu maridocomo seu universal herdeiro.

7 — Em 16 de Abril de 1968, faleceu AlbertoLager Rosado de Carvalho, deixando testamentoem que atribui alguns legados e instituindo her-deiro do remanescente António Morais Figo.

8 — Em 1981 faleceu Maria Celestina BrancoTeixeira de Meira, que instituíra, por testa-mento, seus herdeiros os autores, ficando o usu-fruto dos seus bens para os pais dos autores,António Maria Joaquim e Maria Eunice Pereira,usufruto aquele vitalício e sucessivo.

9 — Em 12 de Dezembro de 1940, MariaCelestina Branco Teixeira de Meira, na qualidadede meeira e titular do usufruto de seu falecidomarido, e Natália Trindade Rosado de Carvalho,na qualidade de herdeira instituída da nua, pro-priedade da herança de António Alves de Meira,celebraram, por escritura pública, uma partilha

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332Direito Civil — Direito das Sucessões BMJ 500 (2000)

parcial dos bens do casal António Alves de Meirae Maria Celestina Branco Teixeira de Meira,tendo sido estipulado o seguinte: «havendo di-verso passivo da herança, as respectivas contasserão arrumadas quando levarem a efeito a parti-lha dos restantes bens de que a mesma herança secompõe».

10 — Ainda não foram partilhados os últi-mos bens a que se refere tal estipulação.

11 — Na relação de bens apresentada, parafins de liquidação do imposto sucessório, porMaria Celestina Branco Teixeira de Meira, naSecção de Finanças do Concelho de Coruche, poróbito de António Alves de Meira, foi relacionadoo passivo de 1 912 944$25, quantia que foi pagapor Maria Celestina Branco Teixeira de Meira.

12 — Aquele pagamento ocorreu na décadade 40.

13 — A usufrutuária desonerou a herança detodos os encargos que sobre ela impendiam.

14 — António Alves Meira e Maria CelestinaBranco Teixeira casaram a 1 de Fevereiro de 1903,no concelho de Salvaterra de Magos.

15 — António Alves de Meira faleceu a 11 deMaio de 1938.

16 — Maria Natália Trindade Rosado de Car-valho faleceu a 20 de Agosto de 1967.

17 — Maria Celestina Branco Teixeira deMeira faleceu a 31 de Março de 1981.

18 — Alberto Lager Rosado de Carvalho eMaria Natália Trindade casaram um com o outroa 24 de Agosto de 1927.

19 — Alberto Lager Rosado de Carvalho fale-ceu a 16 de Abril de 1968.

20 — O testamento pelo qual aquele AntónioMeira instituiu sua herdeira Maria Natália e usu-frutuária da sua herança sua mulher, MariaCelestina, tem data de 23 de Fevereiro de 1931 efoi aprovado no Cartório Notarial de Lisboa a4 de Março de 1931.

21 — O testamento pelo qual aquela MariaNatália instituiu seu único herdeiro seu marido,Alberto, tem a data de 19 de Agosto de 1967.

22 — O testamento pelo qual este Albertoinstituiu herdeiro universal (do remanescente)Jaime Morais Figo e usufrutuária sua mulher,Maria Natália, tem a data de 25 de Novembro de1966.

23 — O testamento pelo qual aquela MariaCelestina instituiu seu herdeiro universal seu afi-

lhado António Maria Joaquim, é cerrado e foiaprovado a 25 de Outubro de 1968.

24 — O testamento pelo qual aquela MariaCelestina instituiu legatários do usufruto vita-lício de todos os seus bens António Maria Joa-quim e mulher, Maria Eunice Pereira Joaquim, eherdeiros da nua-propriedade de todos os bens«os filhos do casal nascidos e aos que venham anascer em partes iguais», tem data de 12 de De-zembro de 1973 e foi aprovado nessa data.

25 — A escritura de partilhas outorgada porMaria Celestina e Maria Natália tem a data de 12de Dezembro de 1940 e foi celebrada no CartórioNotarial de Lisboa.

26 — No processo para liquidação do im-posto sucessório pelo óbito de António Alvesde Meira, que correu termos na Repartição deFinanças de Coruche, consta, designadamente:«Passivo descrito e documentado verbas a) a q)na importância 1 912 944$25 valor líquido daherança — 967 570$56.»

A questão que se coloca é a de saber se, con-trariamente ao decidido pelas instâncias, o pas-sivo da herança em causa é uma dívida de valor aapurar no momento da partilha ou, pelo menos,uma dívida pecuniária actualizada nos termos doartigo 551.º do Código Civil, desde que foi su-portada e até ao momento em que se realize apartilha.

A proceder a pretensão dos recorrentes, es-tes, na qualidade de herdeiros, têm direito areceber a parte do passivo suportada pela usu-frutuária, devidamente actualizada, em vez doquantitativo nominalmente e efectivamente des-pendido por aquela.

A discussão centra-se fundamentalmente nainterpretação do artigo 2072.º, n.º 1, do CódigoCivil:

«O usufrutuário da totalidade ou de umaquota do património do falecido pode adiantaras somas necessárias, conforme os bens que usu-fruir, para cumprimento dos encargos da he-rança, ficando com o direito de exigir dos herdei-ros, findo o usufruto, a restituição sem juros dasquantias que despendeu.»

O entendimento dos recorrentes, claramenteexpresso nas suas alegações de revista, é o de queeste preceito «não se aplica ao caso dos autos,

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333 Direito Civil — Direito das SucessõesBMJ 500 (2000)

uma vez que a usufrutuária não adiantou somasnecessárias para cumprimento dos encargos daherança conforme os bens que usufruiu, donderesulta que o normativo em causa só tem aplica-ção quando o usufrutuário retira do âmbito dosbens abrangidos pelo usufruto as somas neces-sárias para liquidar tais encargos».

Embora não se tenha encontrado jurisprudên-cia ou opinião doutrinária sobre esta questãoconcreta (1), entendemos que a interpretação dosrecorrentes carece de fundamento.

Parece ser um dado adquirido que a usufru-tuária procedeu à liquidação dos encargos com oproduto da venda de um bem alheio à herança,que exclusivamente lhe pertencia, embora nãoconste explicitamente do elenco dos factos pro-vados.

Os recorrentes servem-se da expressão «con-forme os bens que usufruiu» para extraírem aconclusão acima transcrita, mas esquecem umaoutra, «pode adiantar as somas necessárias», queaponta para a utilização de bens próprios na li-quidação dos encargos. É o que resulta do artigo2072.º, que permite ao usufrutuário, findo o usu-fruto, exigir dos herdeiros «a restituição sem ju-ros das quantias que despendeu».

Vejamos, em primeiro lugar, que a associaçãocom o «adiantar» é evidente; a contrapartida é arestituição, mas só se restitui aquilo que é nosso,não fazendo qualquer sentido restituir bens daherança ou o seu sucedâneo pecuniário ao usu-frutuário (ou seus herdeiros) depois do termo dousufruto.

Ainda menos sentido faz se pensarmos que,durante o usufruto, a nua-propriedade pertenceaos herdeiros, o que significa que, na interpreta-ção dos recorrentes, os encargos seriam pagoscom bens pertencentes aos herdeiros, conferindoa lei ao usufrutuário o direito de exigir o seu cor-respondente monetário após o termo do usu-fruto. Isto é, pagavam duas vezes, primeiro aoscredores da herança através do usufrutuário e,posteriormente, a este (sem juros).

Ou seja, se quem suporta os encargos é a he-rança, através dos bens deixados em usufruto, o

usufrutuário nada gasta do seu bolso e, conse-quentemente, não fica credor de nada nem deninguém. A que propósito ia o legislador conce-der-lhe um direito de crédito sobre os herdeiros?

Daí que o artigo 2072.º só possa ser interpre-tado em sentido oposto ao defendido pelos re-correntes: só se aplica quando o usufrutuárioutiliza dinheiro seu para pagar os encargos deherança alheia, nascendo, então, na sua esferajurídica um direito de crédito sobre os herdeiros,proprietários dos bens e beneficiados com a suadesoneração (2).

Sendo esta a única interpretação possível, es-tando a dos recorrentes necessariamente afas-tada, não existe qualquer lacuna que justifique orecurso à analogia, por forma a obterem a actua-lização monetária através do regime dos artigos2109.º, n.º 3, e 2029.º, n.º 3, ambos do CódigoCivil, prevalecendo o princípio nominalista doartigo 550.º

A analogia justifica-se, isso sim, para esten-der a proibição da exigência de juros à pretensãoda actualização monetária, contrariamente ao pre-tendido, aliás, pelos recorrentes.

Quando a Maria Celestina pagou o passivoda herança, constituiu-se uma obrigação pecuniá-ria de «soma» ou «quantidade», cujo regime legalé o previsto no artigo 550.º do Código Civil, queconsagra o princípio nominalista ou a regra donominalismo monetário (3).

Princípio este que não consente que o credorde uma pura obrigação pecuniária beneficie, nomomento do respectivo vencimento, da desvalo-rização da moeda, ainda que esta se verifique, ouseja, a lei não admite, como regra, a actualizaçãodas prestações pecuniárías por virtude das flu-tuações do valor da moeda (artigo 551.º do Có-digo Civil) (4).

Por último, os recorrentes argúem a incons-titucionalidade do entendimento dado aos arti-gos 2073.º e 550.º, quando interpretados no sen-

(1) O Prof. Pereira Coelho, Direito das Sucessões, 1992,pág. 279, dá como assente que o usufrutuário utiliza dinheiroseu, pagando os encargos directamente ou emprestando di-nheiro ao proprietário.

(2) Cfr. Prof. Galvão Telles, Sucessões, 5.ª ed., pág. 213,onde se escreveu que «por isso, se o usufrutuário adiantar doseu bolso as somas necessárias, tem direito a que o proprietá-rio lhas restitua sem juros, findo o usufruto».

(3) O passivo suportado mais não teve outra intenção efinalidade que não fosse o permitir à usufrutuária poder des-frutar de uma forma maximizada de todos os rendimentos que aherança poderia produzir.

(4) Cfr. acórdão deste Supremo de 10 de Dezembro de 1987,processo n.º 75 228.

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334Direito Civil — Direito das Sucessões BMJ 500 (2000)

tido acabado de referir, que foi, como vimos, odado também pelas instâncias (ou seja, de que asquantias suportadas pelo usufrutuário, à custado seu património e no interesse dos titulares daherança, não estão sujeitas a actualização). Talentendimento viola o direito de propriedade, con-sagrado no artigo 62.º da Constituição da Repú-blica Portuguesa, bem como no artigo 1.º do 1.ºProtocolo Adicional da Convenção Europeia dosDireitos do Homem.

Não fundamentam os recorrentes tal conclu-são. Todavia, sempre se dirá que o reconheci-

mento do valor da dívida é a evidência de que nãoexiste qualquer atentado contra o património oua propriedade individual.

Face a tudo o exposto, improcedem as con-clusões do recurso, negando-se a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 3 de Outubro de 2000.

Silva Graça (Relator) — Armando Lou-renço — Francisco Lourenço.

DECISÕES IMPUGNADAS:

I — Sentença da 1.ª Secção do 10.º Juízo Cível de Lisboa, processo n.º 308/98.

II — Acórdão da 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 6657/99.

I — A possibilidade de o usufrutário «adiantar» dinheiro seu para pagamento de dívidas daherança é qualificada como «ónus» por Oliveira Ascensão (Direito Civil — Sucessões, 5.ª ed., Coimbra,2000, págs. 498-499), que, nesta medida, considera que aquele não pode, em rigor, ter-se por respon-sável por tais dívidas. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. 2.º, 3.ª ed., Coimbra,1993, nota 736, fala, a este respeito, duma «faculdade» do usufrutário. Consultam-se também, sobrea interpretação do artigo 2072.º do Código Civil: Pires de Lima e Antunes Varela, Código CivilAnotado, vol. VI, págs. 124-127; Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, Lisboa, 1999,pág. 305.

II — Pereira Coelho (Direito das Sucessões, pág. 242) entende que o usufrutário que pagadívidas da herança nos termos do artigo 2072.º do Código Civil fica sub-rogado nos direitos dosrespectivos credores; Pires de Lima e Antunes Varela (ob. e loc. cits.) discordam, afirmando que ousufrutário se torna titular dum crédito novo. Capelo de Sousa (ob. cit., nota 740) explica o facto deos herdeiros não terem de pagar juros ao usufrutário que pagou dívidas da herança pela circunstânciade eles terem ficado privados do gozo dos bens àquele facultado; Oliveira Ascensão (ob. e loc. cits.)explica que a lei, ao dispor assim, quer evitar que os herdeiros suportem encargos antes da consolida-ção da propriedade.

III — Sobre o princípio nominalista vejam-se, entre outros: Vaz Serra, «Direito das obrigações»(Boletim do Ministério da Justiça, n.º 100, pág. 116); «Obrigação pecuniária» (Boletim do Ministérioda Justiça, n.º 52, pág. 56); Revista de Legislação e de Jurisprudência (ano 112.º, págs. 15, 113 e 116);Manuel de Andrade, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 77.º, pág. 17; Antunes Varela,Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 100.º, pág. 237; Baptista Machado, «Nominalismo eindexação» (Revista de Direito e de Estudos Sociais, XXIV, pág. 59).

(L. N. L. S.)

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SUMÁRIOS

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337 Supremo Tribunal AdministrativoBMJ 500 (2000)

Expropriação por utilidade pública —Acto tácito de indeferimento seguidode acto expresso — Litispendência —Caducidade — Notificação a advogado

I — Tendo sido interposto recurso contenciosode acto tácito de indeferimento de reversão deprédio expropriado seguido de acto expresso nomesmo sentido, mesmo que venha a ser inter-posto recurso contencioso autónomo deste úl-timo acto, depois de notificado ao recorrente,não se verifica a excepção da litispendência aque aludem os artigos 494.º, alínea i), 497.º e198.º do Código de Processo Civil, aqui aplicá-vel ex vi do artigo 1.º da Lei de Processo nosTribunais Administrativos, uma vez que, profe-rido o acto expresso, fica sem objecto o recursocontencioso do acto tácito, cuja instância é ex-tinta por impossibilidade superveniente da lide,nos termos do disposto nos artigos 287.º, alí-nea e), e 663.º, ambos do Código de ProcessoCivil.

II — O prazo para a interposição do re-curso, nos termos da alínea a) do artigo 28.º daLei de Processo nos Tribunais Administrativos,tem a natureza substantiva, sendo-lhe aplicável,por isso, o regulado no Código Civil para acaducidade (artigos 328.º e 331, n.º 1, do Có-digo Civil), pelo que tal prazo não se suspendenem interrompe senão nos casos em que a lei odetermine e a sua verificação só é impedida pelaprática, dentro do prazo legal, de acto a que a leiatribua efeito suspensivo.

III — Não é aplicável ao recurso contenciosoque venha a ser interposto do acto expresso oregime dos efeitos da absolvição referidos noartigo 289.º do Código de Processo Civil.

IV — É eficaz para o efeito do início do prazode recurso contencioso a notificação feita ao in-teressado, na pessoa do seu advogado consti-tuído, da decisão final do procedimento, no casodesencadeado por pedido de reversão de certoprédio expropriado.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso n.º 44 252

Nuno Salgado (Relator) — Rui Pinheiro —Gouveia e Melo — Cruz Rodrigues — FernandoSamagaio — Simões Redinha — Azevedo Moreira.

Litispendência — Prioridade do seuconhecimento

I — A litispendência é um pressuposto pro-cessual de conhecimento oficioso que obsta aque o tribunal conheça não só do mérito dacausa como ainda dos restantes pressupostosprocessuais.

II — As questões suscitadas com carácterprévio no recurso jurisdicional da decisão quedecretou a litispendência não devem ser conhe-cidas antes da questão da litispendência se severificar que constituem pressupostos proces-suais da causa.

III — Também por isso o conhecimento dasquestões relativas à regularidade da instânciacede perante a prioridade de conhecimento dalitispendência.

IV — A litispendência ocorre no momento dapropositura do recurso contencioso, pelo que é

SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

I

TRIBUNAL PLENO

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338Supremo Tribunal Administrativo BMJ 500 (2000)

irrelevante, para efeito da sua verificação, qual-quer invocação posterior de vícios.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 44 083

Pamplona de Oliveira (Relator) — Cruz Rodri-gues — Fernando Samagaio — Rui Pinheiro —Simões Redinha — Gouveia e Melo — Isabel Jovita.

Processo disciplinar — Recursohierárquico necessário — Nulidadeou anulabilidade — Garantia cons-titucional — Pressupostos proces-suais

I — Pressupostos processuais são as condi-ções de interposição de recurso, isto é, as exi-gências que a lei faz para que o recurso possaser admitido. Estas condições de interposição sãoos requisitos que têm de verificar-se para que otribunal possa conhecer do fundo da causa.

II — A falta de pressuposto processual im-pede o juiz de proferir sentença sobre o méritoda causa mas também de entrar na apreciação ediscussão da matéria que interesse à decisão defundo.

III — O recurso contencioso está condicio-nado, além dos pressupostos gerais (exigidospara todas as demandas judiciais), à verifica-ção dos seguintes pressupostos específicos: 1 —a competência do tribunal; 2 — a recorribilidadedo acto; 3 — a legitimidade das partes; 4 — aoportunidade do recurso.

IV — O recurso hierárquico necessário pre-visto no artigo 75.º, n.º 1, do Estatuto Discipli-nar tem que ser interposto no prazo de 10 dias.

V — A interposição não atempada desterecurso hierárquico necessário acarreta a suarejeição [artigo 173.º, alínea d), do Código doProcedimento Administrativo].

VI — A redacção dada pela revisão constitu-cional de 1989 ao n.º 4 do artigo 268.º da Cons-tituição da República Portuguesa não implica aabertura de um recurso contencioso imediato,sendo admissível que se imponha ao adminis-trado o prévio esgotamento das vias graciosas,estando-se perante um condicionamento e nãouma restrição ao direito de recurso contencioso.

VII — A exigência de prévia interposição derecurso hierárquico necessário não viola agarantia constitucional da accionabilidade dosactos administrativos viciados.

VIII — O fundamento da disciplina, a queestão sujeitos os agentes administrativos, estána necessidade de assegurar a sua integraçãonos serviços e na prestação da colaboração quelhes compete nos termos mais convenientes àrealização dos objectivos desses serviços, me-diante a observância de certos deveres.

IX — As penas disciplinares destinam-se acorrigir o autor do facto punido e a prevenir,procurando evitar que o infractor volte a preva-ricar e servindo de exemplo para os demais,dissuadindo-os da prática de factos que possamser qualificados como infracções disciplinares.

X — A aplicação de uma pena disciplinar,designadamente expulsiva, não viola o direito àprofissão, consagrado no artigo 58.º da Consti-tuição da República Portuguesa.

XI — O acto nulo pode ser administrativo oucontenciosamente impugnado a todo o tempo.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 39 362

Pires Esteves (Relator) — Cruz Rodrigues —Fernando Samagaio — Azevedo Moreira — RuiPinheiro — Gouveia e Melo — Isabel Jovita.

II

1.A SECÇÃO

Comissão de coordenação regional —Recurso contencioso — Legitimi-dade — Nulidade (acto administra-tivo) — Ratificação — Plano directormunicipal — Plano de urbanização —Grandes superfícies comerciais

I — As comissões de coordenação regionalnão têm legitimidade para impugnar contencio-samente actos de órgãos da administração lo-cal, ainda que proferidos sem precedência de

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339 Supremo Tribunal AdministrativoBMJ 500 (2000)

parecer obrigatório ou em desconformidade como seu parecer vinculativo.

II — Sendo os actos nulos insusceptíveis deratificação, reforma ou conversão, a eventualemissão de parecer concordante com o acto fe-rido de nulidade por ter sido proferido sem pre-cedência de parecer vinculativo não conduz àextinção da instância por inutilidade superve-niente da lide.

III — Um plano director municipal, aindaque resultando da transformação de um ante-rior plano geral de urbanização, não tem natu-reza de «plano de urbanização» para efeitos dodisposto no artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e do artigo 3.º do De-creto-Lei n.º 258/92, de 20 de Novembro.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 41 528

Vítor Manuel Gonçalves Gomes (Relator) —Pais Borges — Macedo de Almeida.

Competência dos tribunais adminis-trativos — Contrato de trabalho atermo na Administração Pública —Acção de contrato e responsabili-dade — Acção de reconhecimento dedireito — Cumulação de pedidos

I — Embora a lei mande, em geral, aplicaraos contratos de trabalho a termo com a Admi-nistração Pública o regime dos contratos de tra-balho a termo (artigo 14.º, n.º 3, do Decreto-Lein.º 427/89, de 7 de Dezembro), introduzem-seno seu regime significativas especialidades,designadamente quanto à sua admissibilidade,estipulação do prazo e renovação e conversãoem contrato sem termo, justificadas pela salva-guarda do interesse público, que constituem ver-dadeiras cláusulas exorbitantes e inserem ocontrato numa «ambiência de direito público»,que justificam a classificação da relação deleemergente como relação jurídica de direito ad-ministrativo.

II — Compete aos tribunais administrativose não aos tribunais judiciais conhecer das ac-ções emergentes desses contratos e da violaçãodo regime de regularização das situações de tra-balho precário ou sem vínculo jurídico ade-quado estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 81-A/96, de 21 de Junho, e pelo Decreto-lei n.º 195/97,de 31 de Julho.

III — Não obstante a diversidade de formade processo para cada um dos pedidos isolada-mente, é admissível a cumulação desde que aapreciação conjunta seja indispensável ou con-veniente para a justa composição do litígio, salvose a tramitação abstractamente adequada paracada um dos pedidos cumulados impedir acompatibilização do processado, nos termosdo princípio da adequação formal (artigo 3l.º,n.os 2 e 3, do Código de Processo Civil, na actualredacção).

IV — Permitindo o artigo 70.º, n.º 2, da Leide Processo nos Tribunais Administrativos que,face à complexidade da matéria controvertida, ojuiz determine que passem a seguir-se os termosdas acções sobre contratos e responsabilidade(tramitadas nos termos das acções de declara-ção em processo civil na forma ordinária) temde concluir-se que não existe absoluta incompa-tibilidade entre a forma de processo reguladanos artigos 71.º e seguintes da Lei de Processonos Tribunais Administrativos e o pedido de re-conhecimento de direito.

V — Dependendo, no caso concreto, a apre-ciação de todos os pedidos da averiguação domesmo núcleo factual e condicionando a decisãodo pedido de reconhecimento de direito irreme-diavelmente a decisão dos pedidos pecuniários(indemnizatórios ou de reintegração contratual),nada obsta, no estrito domínio da forma proces-sual, à cumulação daquele pedido com estes, emacção tramitada nos termos do artigo 72.º daLei de Processo nos Tribunais Administrativos.

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 46 244

Vítor Gomes (Relator) — Pais Borges — NunoSalgado.

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340Supremo Tribunal Administrativo BMJ 500 (2000)

Despacho do relator — Reclamaçãopara a conferência — Constituciona-lidade

I — A reclamação para a conferência do des-pacho do relator, nos termos do n.º 2 do artigo9.º da Lei de Processo nos Tribunais Adminis-trativos, tem por função substituir a opinião sin-gular do relator pela decisão colectiva do tri-bunal e não alarga o âmbito de conhecimento aoutras questões que o despacho não apreciou.

II — O tribunal só tem de formular juízos deinconstitucionalidade de norma cuja aplicaçãoao caso concreto deva recusar.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 44 652

Santos Botelho (Relator) — Gonçalves Lou-reiro — Alves Barata.

Empreitada de obras públicas —Rescisão do contrato — Autarquialocal — Falta de apresentação doplano de trabalhos (artigo 140.º doDecreto-Lei n.º 235/86, de 18 deAgosto) — Nulidade da sentença —Matéria de facto — Princípio da livreapreciação das provas — Provapericial

I — O artigo 668.º do Código de ProcessoCivil não se aplica ao julgamento da matéria defacto, antes tendo a ver com as causas de nuli-dade das sentenças.

II — A inexactidão ou a insuficiência dos fun-damentos da decisão integra um erro de julga-mento e não qualquer das causas de nulidadeacolhidas no artigo 668.º do Código de Pro-cesso Civil.

III — A prova pericial deve ser apreciadalivremente pelo tribunal, nos termos do n.º 1 doartigo 655.º do Código de Processo Civil.

IV — Não tendo o recorrente no acto de ou-torga da consignação apresentado qualquer re-serva ou reclamação relativamente à execução

da empreitada de acordo com o projecto posto aconcurso, nem nunca tendo apresentado o planode trabalho a que estava obrigado, na ausênciado qual lhe era possível iniciar a obra de acordocom o mesmo, mostrava-se preenchida a previ-são da norma do artigo 140.º, n.º 3, do Decreto--Lei n.º 235/86, determinante da rescisão do con-trato de empreitada pela ora gravada.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 44 343

Macedo Almeida (Relator) — Nuno Salgado —Vítor Gomes.

Execução de acórdão (fixação deindemnização) — Pressupostos —Caso julgado

I — Com o instituto do caso julgado preten-de-se evitar que, em novo processo, o tribunalpossa validamente estatuir, de modo diverso,sobre o direito, situação ou posição jurídica con-creta definida por uma anterior decisão, comdesconhecimento dos bens jurídicos por ela re-conhecidos e tutelados.

II — No processo conducente à fixação daindemnização, nos termos da parte final do n.º 1do artigo 7.º e do artigo 10.º do Decreto-Lein.º 256-A/77, de 17 de Junho, não existe a fasejudicial, a que se reporta a primeira parte don.º 1, do citado artigo 7.º, uma vez que o inte-ressado aceitou a invocação da Administração,quanto à existência de causa legítima de inexe-cução.

III — Vê-se assim, que um dos pressuspostosdo pedido de fixação de indemnização a que sealude em II tem a ver com a inexistência de umasituação de concordância entre o interessado e aAdministração acerca da ocorrência de causalegítima de inexecução.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 29850-B

Santos Botelho (Relator) — Gonçalves Lou-reiro — Alves Barata.

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341 Supremo Tribunal AdministrativoBMJ 500 (2000)

Execução de julgado — Pedido deautorização de reversão — Efeitos docaso julgado da decisão anulatória nomodo de execução e na verificação decausa legítima de inexecução —Natureza do prazo previsto no artigo6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho

I — O prazo de 60 dias previsto no artigo 6.º,n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77 é de naturezaprocedimental, pelo que a sua contagem obe-dece ao disposto no artigo 72.º do Código doProcedimento Administrativo.

II — É logicamente impossível emitir-se umapronúncia sobre a inexistência de causa legítimade inexecução de uma decisão anulatória semantes se representar minimamente qual será afisionomia da execução devida.

III — A sintonia do requerente e da Adminis-tração acerca do tipo de solução administrativaimposto pelo julgado anulatório, tipo esse que orequerente diz ser realizável e a Administraçãoafirma ser inconveniente ou impossível, não vin-cula a decisão a proferir no processo executivo,já que, nos termos dos artigos 664.º do Códigode Processo Civil e 8.º e 9.º do Decreto-Lein.º 256-A/77, ao tribunal incumbe determinar seo título executivo permite o modo de execuçãopedido e avaliar os obstáculos que porventurase lhe oponham.

IV — Se o acto administrativo indeferiu umpedido de autorização da reversão de um bemexpropriado por este não ter sido ainda adjudi-cado à entidade expropriante, a decisão judicialtransitada que anulou esse acto — por conside-rar que a falta da adjudicação não era um pres-suposto da reversão — produziu efeitos de casojulgado anulatório restritos a essa matéria.

V — Sendo assim, essa decisão anulatóriadecidiu quanto à efectiva titularidade de um di-reito à reversão, pelo que a execução do julgadopassa pela emissão de um novo acto que, na vezdo anulado, reaprecie o pedido de autorizaçãoda reversão sem reincidir no vício determinanteda anulação anterior.

VI — A emissão desse novo acto não é im-possível nem causa grave prejuízo para o inte-

resse público, pelo que não há causa legítima deinexecução do referido julgado.

Acordão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 32 775-A

Madeira dos Santos (Relator) — FernandoSamagaio — Abel Atanásio.

Faltas por doença — Licença semvencimento de longa duração

I — De acordo com o preceituado no n.º 5 doartigo 43.º do Decreto-Lei n.º 497/88, de 30 deDezembro, o funcionário que, findo o prazo de18 meses na situação de faltas por doença e de-clarado apto pela junta médica, não prestou maisde 30 dias de serviço consecutivos, antes de vol-tar a adoecer, fica na situação de licença semvencimento de longa duração.

II — Assim sendo, as faltas dadas posterior-mente não podem ser justificadas ao abrigo doregime geral constante dos artigos 27.º e segs.do citado diploma.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 41 190

Abel Atanásio (Relator) — Maria AngelinaDomingues — Fernando Samagaio.

Liquidação de sociedade — Funçãoadministrativa e função jurisdicio-nal — Constitucionalidade do De-creto-Lei n.º 30 689, de 27 de Agostode 1940 — Fundamentação

I — A garantia da liberdade de associaçãodo artigo 46.º, n.º 2, da Constituição da Repú-blica Portuguesa (redacção da 1.ª revisão —1982) não abarca na sua protecção as socieda-des comerciais, antes respeita à tutela básicadas liberdades e direitos cívicos, paralela à dosdireitos de reunião e manifestação que são regu-lados no mesmo capítulo.

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342Supremo Tribunal Administrativo BMJ 500 (2000)

II — A inconstitucionalidade do procedi-mento de liquidação instituído pelo Decreto-Lein.º 30 689, de 27 de Agosto de 1940, por os actosaí contemplados terem nítido cariz jurisdicional,não arrasta a da norma que permite ao Governodeterminar a liquidação de certa empresa queexerça irregular ou clandestinamente a activi-dade bancária, nos termos do artigo 60.º, n.º 4,daquele diploma, pois nesse primeiro momentoo Estado está, ainda, a exercer os seus poderestutelares de polícia de uma actividade muito sen-sível, a bem do interesse da confiança pública naactividade bancária e no sistema financeiro, enão a substituir-se aos tribunais numa activi-dade de composição de litígios.

III — Está suficientemente fundamentado oacto, praticado em forma de portaria, pelo qualo Governo impõe a liquidação coactiva de de-terminada empresa, referindo expressamente,além das normas habilitantes do Decreto-Lein.º 30 689, que a mesma exercera actividadesbancárias para as quais não fora autorizada eremetendo ainda para os factos averiguados ecomprovados em processo de transgressão ins-taurado pelo Banco de Portugal, cuja acusaçãoe decisão final lhe tinha sido notificada.

IV — Não pode, porém, no âmbito do re-curso contencioso deste acto, discutir-se a regu-laridade formal da acusação e relatório finaldesse processo de transgressão se a visada recor-reu da respectiva decisão (aplicação de multa) eesse recurso foi rejeitado pelo Supremo Tribu-nal Administrativo.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 21 486

Simões de Oliveira (Relator) — Fernando Sama-gaio — Pamplona de Oliveira.

Plano de Urbanização da Ericeira —Anteplano de urbanização — Faltade publicação — Ineficácia jurídica

O anteplano de urbanização da Ericeira, ho-mologado em 3 de Dezembro de 1952, conver-tido em Plano de Urbanização da Ericeira nostermos do artigo 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei

n.º 560/71, de 17 de Dezembro, incluindo a suaparte regulamentar, não tendo sido publicadono jornal oficial (Diário do Governo), carecia deeficácia jurídica externa por falta de publicação,ou, quando menos, a poder considerar-se «di-reito anterior vigente», sempre teria caducadoem 25 de Abril de 1976, por contrariar o princí-pio da publicidade obrigatória por publicação,no jornal oficial, dos regulamentos jurídicos doGoverno com eficácia externa, ínsito no artigo122.º, n.os 1, 2 e 4, da Constituição da RepúblicaPortuguesa, texto de 1976.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 44 815

Pais Borges (Relator) — Macedo de Almeida —Alves Barata.

Professores do ensino secundário —Progressão na carreira — Boni-ficação por aquisição de mestrado —Mestrado e licenciatura

I — Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lein.º 46/86, de 14 de Outubro, e demais preceitoslegais aplicáveis, o grau de mestre é superior àlicenciatura e ao bacharelato, pelo que não fazsentido que o titular daquele goze de uma posi-ção estatutária mais pobre do que o licenciado.

II — Por isso, o artigo 54.º do estatuto apro-vado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/80, de 28 deAbril, ao determinar que o professor que obte-nha o grau de mestre beneficia de uma bonificaçãode quatro anos de serviço para efeitos de pro-gressão na carreira, não pode estar a excluir odiplomado com curso de Teologia do seminárioque comprovadamente realizou o mestrado emLiteratura e Cultura Portuguesas na Universi-dade Nova de Lisboa.

III — Além disso, esse curso, apesar de nãoconstituir uma licenciatura, foi equiparado a elapara diversos efeitos, incluindo o exercício pro-fissional, pelo Despacho n.º 52/79 do Secretáriode Estado do Ensino Superior, pelo que tambémpor esta via o professor em causa tem direito a

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343 Supremo Tribunal AdministrativoBMJ 500 (2000)

que o seu grau de mestre seja atendido paraefeitos de atribuição do benefício mencionadoem II.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Recurso n.º 37 998

Simões de Oliveira (Relator) — Isabel Jovita —Pamplona de Oliveira.

Selecção da matéria de facto —Matéria conclusiva ou valorativa —Aperfeiçoamento dos articulados —Alterações ao Código de ProcessoCivil — Aplicação da lei no tempo

I — Ao fixar a base instrutória, o juiz procedeà selecção da matéria de facto relevante para adecisão da causa, que deva considerar-se con-trovertida (artigo 511.º, n.º 1, do Código de Pro-cesso Civil). Essa selecção só pode incidir sobrefactos materiais que sejam revelações de umadeterminada conclusão jurídica, dela devendoser afastados juízos de valor, induções, conclu-sões ou raciocínios.

II — A norma do artigo 508.º do Código deProcesso Civil, com a redacção introduzida peloDecreto-Lei n.º 329-A/95, de 21 de Dezembro,que prevê, designadamente, a formulação de con-vite às partes para aperfeiçoamento dos arti-culados e suprimento das insuficiências ou impre-cisões da matéria de facto alegada, só se aplicaaos processos iniciados após 1 de Janeiro de1997, conforme o preceituado no artigo 16.º docitado Decreto-Lei n.º 329-A/95.

III — A data da sentença só é relevante paraefeitos de aplicação do novo regime de recursosintroduzido pelo citado diploma reformador aosrecursos interpostos de decisões proferidas apósaquela data, nos termos do artigo 25.º do citadoDecreto-Lei n.º 329-A/95.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 42 427

Pais Borges (Relator) — Macedo de Almeida —Vaz Rebordão.

Reforma de acórdão (artigo 669.º,n.º 2, do Código de Processo Civil)

I — A faculdade de pedir a reforma doacórdão nos termos do n.º 2 do artigo 669.º doCódigo de Processo Civil é excepcional, poisderroga os princípios da estabilidade das deci-sões judiciais e do esgotamento do poder juris-dicional do juiz depois de proferida a decisão.

II — Só será portanto admissível peranteerros palmares, visíveis a olho nu, que se teriamevidenciado ao autor da decisão, não fora a in-terposição de circunstância anómala ou a me-nor ponderação que concorreu para o desacerto.

III — Não tem essas características a nãoconsideração pelo Supremo Tribunal Adminis-trativo, em recurso jurisdicional de acção de in-demnização contra determinada câmara, defactos que o próprio recorrente não utilizou nasua alegação, em excesso ou em contradição coma versão que a sentença deu como provada e omesmo não impugnou.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 41 201

Simões de Oliveira (Relator) — Isabel Jovita —Pamplona de Oliveira.

Responsabilidade civil do Estado —Cuidados médicos — Culpa — nexode causalidade

I — Agem com negligência os serviços decerto hospital distrital que mantêm numa dassuas salas de parto equipamento e material ava-riado e não funcional e que, por isso, dificultousubstancialmente a realização de manobra deentubação endrotraqueal de recém-nascido.

II — A causalidade entre o facto e o dano nodomínio da responsabilidade civil supõe não sóque se esteja na presença de uma conduta queseja conditio sine qua non do dano invocado,mas ainda que a mesma seja ainda, juridica-mente, adequada para o produzir.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 43 527

Macedo Almeida (Relator) — Vítor Gomes —Gonçalves Loureiro.

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344Supremo Tribunal Administrativo BMJ 500 (2000)

III

2.A SECÇÃO

Conceito de prédio para efeitos decontribuição autárquica — Caravanatipo residencial

I — Para efeitos de incidência de tributaçãoem contribuição autárquica, integra o conceitode prédio um móvel designado caravana tiporesidencial assente no solo com carácter de per-manência.

II — Uma caravana tipo residencial insta-lada em alvéolo de parque de campismo desdeJaneiro de 1984 até ao final do ano de 1991 é deconsiderar assente no solo, com carácter de per-manência durante 1991, por isso que debe serobjecto de tributação em contribuição autárquica.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 25 292

Mendes Pimentel (Relator) — Almeida Lo-pes — Lopes de Sousa.

Contra-ordenações aduaneiras —Processo — Competência do Minis-tério Público para tornar presente aojuiz o recurso da decisão da autoridadeadministrativa que aplica coima

I — O regime de processamento das contra--ordenações aduaneiras do Regime Jurídico dasInfracções Fiscais Aduaneiras, inclusiva a normadeste que prescreve a aplicação subsidiária dasdisposições do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 deOutubro, não foi revogado, quer pelo artigo 11.ºdo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, queaprovou o Código de Processo Tributário, querpelo Decreto-Lei n.º 301-A/99, de 5 de Agosto.

II — Assim, quem tem competência para apre-sentar ao juiz o recurso da decisão da autori-dade administrativa que aplica coima é o Minis-tério Público.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 25 234

Ernâni Figueiredo (Relator) — Benjamim Ro-drigues.

Indeferimento liminar — Artigo476.º do Código de Processo Civil —Apresentação de nova petição

A faculdade de apresentação de nova petição,na sequência de um despacho de indeferimentoliminar, prevista no artigo 476.º do Código deProcesso Civil, pode ser utilizada novamente nocaso de um segundo indeferimento liminar, pormotivos diferentes do primeiro, desde que a novapetição vise sanar os vícios processuais que fo-ram apontados no despacho de indeferimentoliminar e o autor se mantenha no âmbito da re-lação material convertida.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Processo n.º 24 839

Lopes de Sousa (Relator) — Ernâni Figuei-redo — Almeida Lopes.

Imposto sucessório — Aplicação dalei no tempo em matéria de taxa

I — A quantia, em moeda portuguesa, atri-buída pelo Estado Português e na mesma quan-tidade à herdeira de quem, no decurso do pro-cesso de descolonização, havia depositado es-cudos moçambicanos no Consulado de Portu-gal no Maputo constitui um bem da herança.

II — Tal quantia é passível de impostosucessório, o qual deve ser liquidado, não pelastaxas vigentes à data de óbito do autor da suces-são, mas sim por aquelas que vigoravam nadata em que ingressou no património da her-deira, pois que só então se pode falar de umenriquecimento real e efectivo.

III — A transmissão referida no artigo 45.ºdo Código da Sisa e do Imposto sobre as Suces-sões e Doações é a fiscal, nem sempre coinci-dente com a civil, e o que lhe dá relevo é o«significado material da transferência de facto,o aspecto económico da transmissão, o enrique-cimento real e afectivo do beneficiário, tradu-

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345 Supremo Tribunal AdministrativoBMJ 500 (2000)

zido pela fruição ou bens, ou pelo proveito eco-nómico obtido com a sua alienação, através doexercício do direito de disposição».

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 25 411

Fonseca Limão (Relator) — ????????????? —??????????????

Impugnação judicial — MinistérioPúblico — Arguição de vícios novos

I — O artigo 140.º do Código de ProcessoTributário permite ao Ministério Público, no vistofinal que antecede a sentença no processo deimpugnação judicial, arguir vícios novos, nãosuscitados pelo impugnante.

II — Esta interpretação do artigo 140.º doCódigo de Processo Tributário é a única consen-tânea com as atribuições constitucional e esta-tutariamente conferidas ao Ministério Público eque permite conciliar o referido artigo com o143.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código.

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 25 516

Baeta de Queiroz (Relator) — Mendes Pimen-tel — Fonseca Limão.

Oposição à execução fiscal — Liqui-dação assente em lucro tributáveldefinido por acto revogado — Efeitosdo recurso hierárquico provido

I — O recurso hierárquico de acto de fixaçãodo lucro tributável em IRC, nos termos do artigo112.º do Código do Imposto sobre o Rendimentodas Pessoas Colectivas, tem efeito suspensivo.

II — Por força desse efeito, não pode a admi-nistração fiscal proceder à liquidação do im-posto tomando como base esse lucro, nem exigircoercivamente o imposto liquidado com amesma base.

III — Revogado o acto de fixação do lucrotributável, por via do respectivo recurso hierár-quico, é nula a liquidação nele assente, não pro-duzindo quaisquer efeitos e não podendo, con-sequentemente, ser exigido o imposto liquidado.

IV — A nulidade pode ser declarada pelotribunal no processo de oposição à correspon-dente execução fiscal, implicando a sua proce-dência.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 25 256

Baeta de Queiroz (Relator) — Mendes Pimen-tel — Fonseca Limão.

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346Relação de Lisboa BMJ 500 (2000)

Abertura de instrução — Consti-tuição de assistente — Inexistênciade caso julgado formal

Não está vedado ao juiz de instrução rejeitara abertura de instrução com o fundamento deque o queixoso carece de legitimidade para serassistente e requerente da instrução apesar de,por despacho anterior, ter o mesmo sido admi-tido a intervir nos autos como assistente, já quetal decisão não formou caso julgado.

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 6412/2000 — 5.ª Secção

José Cano Pulido Garcia (Relator) — ManuelCabral Amaral — Armindo Marques Leitão.

Apoio judiciário — Convite ao aper-feiçoamento do pedido

Requerendo-se apoio judiciário «na moda-lidade de isenção total de custas e preparos»— benefício este sem cobertura legal —, em vezde pedida a dispensa de custas, não deve estasimples incorrecção terminológica ser penali-zada com indeferimento, antes se justificando oconvite a aperfeiçoamento do requerimento, so-bretudo quando é de reconhecer que merece pro-cedimento a referida pretensão de isenção decustas.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 3694/2000 — 3.ª Secção

Armindo dos Santos Monteiro (Relator) — JoãoManuel Villaverde e Silva Cotrim Mendes — Ál-varo Dias dos Santos.

Aquisição de nacionalidade —Efectiva ligação à comunidade por-tuguesa — Aquisição de nacionali-dade por cidadã peruana residentena Suíça

I — A ligação efectiva à comunidade portu-guesa, pressuposto de aquisição da nacionali-dade portuguesa por virtude do casamento,consubstancia-se, grosso modo, num sentimentode pertença àquela comunidade, radicada emPortugal ou no estrangeiro.

II — O referido sentimento é susceptível deser inferido, além do mais, de elementos rela-tivos à língua, à cultura, à família, à amizadepessoal, à profissão, à alimentação e à ligaçãoeconómica ao espaço português.

III — Tem direito a adquirir a cidadania por-tuguesa, por casamento, a cidadã peruana, en-fermeira de profissão, residente na Suíça, ondetrabalha e vive com a família, cujos filhos sãoportugueses, que se exprime em língua portu-guesa, tem amigos portugueses, participa emactividades de associações de portuguesessediadas na Suíça, vem frequentemente a Portu-gal, onde negociou a aquisição de casa de habi-tação e pretende no futuro radicar-se, e realiza,aquando das suas visitas, trabalhos agrícolas eculinários da região de origem do cônjuge.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 4653/2000 — 6.ª Secção

Salvador Pereira Nunes da Costa (Relator) —Urbano Aquiles Lopes Dias —. António FernandoSilva Sousa Grandão.

TRIBUNAIS DE SEGUNDA INSTÂNCIA

I

RELAÇÃO DE LISBOA

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347 Relação de LisboaBMJ 500 (2000)

Assistente — Legitimidade — Her-deiro testamentário

I — O direito de constituição como assistenteem processo penal inclui-se entre aqueles que,mesmo desprovido de conteúdo patrimonial, alei admite como passível de transmissão pormorte.

II — Tal direito está, porém, atribuído ape-nas às pessoas enumeradas na alínea c) do n.º 1do artigo 68.º do Código de Processo Penal, enão a quaisquer outras.

III — Por isso, falecida a ofendida na pen-dência do processo, o respectivo herdeiro testa-mentário não incluído em nenhuma das cate-gorias indicadas naquele segmento normativocarece, em absoluto, de legitimidade para nomesmo se constituir assistente.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 6854/2000 — 3.ª Secção

Armindo dos Santos Monteiro (Relator) — JoãoManuel Villaverde e Silva Cotrim Mendes — JoséVaz dos Santos Carvalho.

Atestado médico

O atestado médico apresentado pelo arguidopara justificar a sua falta à audiência não cons-titui prova plena da doença que invoca e, porisso, o seu valor probatório pode ser abaladopor uma carta da entidade patronal onde se in-forma que ele, nesse mesmo dia, esteve a tra-balhar.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 4337/2000 — 9.ª Secção

Maria Margarida Blasco Telles de Abreu (Rela-tora) — José Marcelino Franco de Sá — PauloGaspar de Almeida.

Coima — Execução — Caso julgadoformal — Prescrição

I — Ofendeu o caso julgado formal operadono processo a decisão judicial que, na fase exe-cutiva da coima aplicada, declarou extinto, porprescrição, o procedimento contra-ordenacional.

II — Uma tal decisão é, assim, semprerecorrível e não pode subsistir porquanto:

1 — Tornada que seja definitiva a decisãoque aplicou uma coima, começa a correr o prazode prescrição desta;

2 — E a partir deste momento está vedada apossibilidade de se declarar a prescrição do pro-cedimento contra-ordenacional.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Recurso n.º 6350/2000 — 3.ª Secção

Armindo dos Santos Monteiro (Relator) — JoãoManuel Villaverde e Silva Cotrim Mendes — JoséVaz dos Santos Carvalho.

Contrato-promessa — Depósito dopreço convencionado

I — A base instrutória só é susceptível deintegrar factos, ocorrências da vida real, isto é,eventos materiais e concretos.

II — O juiz não pode suprir a declaraçãonegocial do promitente-vendedor no âmbito daexecução específica do contrato-promessa semque o promitente-comprador deposite o preçoconvencionado no prazo judicialmente fixadopara o efeito.

III — Mas transitada em julgado a sentençaque substituiu a vontade do promitente-vende-dor na celebração do contrato prometido, irre-leva na acção de reivindicação, para qualquerefeito, a falta de pagamento do referido preço.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 7439/2000 — 6.ª Secção

Salvador Pereira Nunes da Costa (Relator) —Urbano Aquiles Lopes Dias — António FernandoSilva Sousa Grandão.

Depoimento indirecto — Meio deprova — Proibição de valoração —Tráfico de droga — Traficante con-sumidor — Concurso de crimes

I — O tribunal recorrido não se socorreu dequalquer testemunho indirecto, de ouivir dizer,

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348Relação de Lisboa BMJ 500 (2000)

baseado em pessoas não inquiridas, para con-cluir que o arguido vendia estupefacientes, poisteve o rigor e proficiência suficientes para aquelearredar, antes se fundando noutros meios deprova, presenciais, uns, e em conjugação comoutros que, não o sendo, mas devidamenteconcatenados — como o permite o artigo 127.ºdo Código de Processo Penal —, facultam ailacção incriminadora extraída. Não se mostraviolado, portanto, o artigo 129.º, n.º 1, do Có-digo de Processo Penal, visto que se não utiliza-ram nem valoraram, nos termos expostos, teste-munhos de ouvir dizer.

II — Tendo-se provado que o arguido desti-nava a droga detida e por si adquirida parte aseu consumo e outra parte à venda alheia, bemdecidiu o tribunal ao integrar a sua conduta nafigura do tráfico de estupefacientes, posto que demenor gravidade, que não na figura do «trafi-cante consumidor» e muito menos na do mero«consumidor».

III — É que de consumo exclusivo não podefalar-se porque acresce um mais em termos deprevisão legal, preenchido na conduta do agente:a venda a terceiros de heroína. E de traficanteconsumidor não pode também tratar-se com afactualidade provada porque tal figura e vestecriminal, segundo o artigo 26.º, n.º 1, do De-creto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como portodos é aceite, só tem lugar quando o agentepratique qualquer dos actos enumerados noartigo 21.º para adquirir quaisquer das subs-tâncias aí mencionadas para seu exclusivo usopessoal.

IV — Tendo o arguido sido surpreendido porduas vezes na posse de estupefacientes, a pri-meira no dia 6 de Janeiro de 1998 e a segundano dia 24 de Janeiro de 1998, respectivamentecom 2,618 g e 0,991 g de heroína, é de afastar aunicidade de infracções e de puni-lo pela autoriamaterial, não apenas de um, mas de dois crimesde tráfico de menor gravidade, em concursoefectivo.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 5810/2000 — 3.ª Secção

Armindo dos Santos Monteiro (Relator) — JoséVaz dos Santos Carvalho — Mário Armando Cor-reia Miranda Jones.

Escutas telefónicas — Momento delavrar o auto e de o apresentar ao juiz

A exigência da imediata apresentação ao juizdaqueles meios probatórios deve merecer umainterpretação restritiva, conforme ao momentohistórico, devendo ser entendida no sentido deter lugar no mais curto prazo de tempo «no maisrápido tempo possível», como se doutrinou noacórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16de Agosto de 1996, Colectânea de Jurisprudên-cia, ano XXI, tomo IV, pág. 155, em termos de ainobservância não fulminar o atraso de nuli-dade, quando muito justificar procedimento dis-ciplinar ou de aceleração processual e, menosainda, desrespeito aos preceitos citados, consti-tucionais ou não, não se desconhecendo o teordo acórdão do Tribunal Constitucional em sen-tido oposto, de 21 de Maio, n.º 407/97, Bole-tim do Ministério da Justiça, n.º 467, pág. 199.A expressão em causa deve ser interpretada emtermos hábeis de modo a serem consideradas asdificuldades próprias da tarefa e as disponibili-dades em meios humanos e materiais para oefeito — acórdão do Supremo Tribunal de Justi-ça de 29 de Outubro de 1998, Boletim do Minis-tério da Justiça, n.º 482, pág. 292.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 5282/2000 — 3.ª Secção

Armindo dos Santos Monteiro (Relator) — JoãoManuel Villaverde e Silva Cotrim Mendes —Álvaro Dias dos Santos.

Expropriações — Benfeitorias

Em processo de expropriação por utilidadepública incidente sobre terreno agrícola que, po-rém, foi valorizado de acordo com as suaspotencialidades edificativas, não há que incluirna indemnização o valor das benfeitorias ali exis-tentes que nenhum interesse tenham para o refe-rido fim edificativo e tendo em conta que aindemnização que, assim, se achou é muito su-perior à que se obteria considerando o terreno,

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349 Relação de LisboaBMJ 500 (2000)

apenas, na sua aptidão agrícola acrescida dovalor das referidas benfeitorias.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Recurso n.º 7077/2000 — 8.ª Secção

João Moreira Camilo (Relator) — Maria RuthPereira Garcez — Jorge Paixão Pires.

Falsificação de documentos — Cons-tituição da assistente — Legitimidade

No crime de falsificação de documentos, osparticulares carecem de legitimidade para seconstituírem assistentes.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso n.º 6627/2000 — 5.ª Secção

Armindo Marques Leitão (Relator) — MartinhoMartins de Almeida Cruz — Marcos AntónioCabrita Santos Rita.

Fundamentação de despacho —Buscas

I — A omissão da fundamentação dos despa-chos em processo penal não os afecta de nuli-dade, uma vez que a lei não a comina para estahipótese, diferentemente do que sucede com aárea dos demais actos decisórios — sentenças eacórdãos — em que a ausência da respectivafundamentação os contamina de nulidade rela-tiva, como decorre dos artigos 374.º, n.º 2, e379.º do Código de Processo Penal.

II — Para se poder ordenar uma diligênciade busca domiciliária ou em outros lugares re-servados, basta a existência de indícios de quenaqueles lugares existam ou se encontram ocul-tos objectos relacionados com um crime ou quepossam servir de meio de prova, não se exi-gindo para tal que existam indícios suficientes.

III — Entende-se como indícios as suspeitas,indicações, sinais ou quaisquer outros elemen-tos que apontem para a existência dos objectosnaquele lugar.

IV — Nada impede que a busca se efectue porausência da pessoa, com disponibilidade sobre

o lugar em que ela se deve realizar, uma vez que,se ninguém for encontrado, não se cumpre aformalidade de entrega prévia da cópia do des-pacho que a autoriza, passando-se de imediatoà sua realização.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 7069/99 — 9.ª Secção

Maria Margarida Blasco Telles de Abreu (Rela-tora) — Paulo Gaspar de Almeida — José Marce-lino Franco de Sá.

Gravação de prova em tribunal colec-tivo — Requisitos legais para a suareapreciação pelo tribunal da Relação

I — Quando queira impugnar a decisão pro-ferida sobre a matéria de facto, o recorrente deveespecificar, ou seja, enumerar pontualmente, uma um:

— Os pontos de facto que considera incor-rectamente julgados — alínea a) do n.º 3 do ar-tigo 412.º do Código de Processo Penal;

— As provas que impõem uma decisão di-versa da recorrida — alínea b) do mesmo pre-ceito e as provas que devem ser renovadas —alínea c) ainda mesmo preceito;

— Quando as provas hajam sido gravadas,as especificações previstas nas alíneas b) e c) donúmero anterior fazem-se por referência aossuportes técnicos, havendo lugar a transcrição,estatui o n.º 4 do artigo 412.º, n.º 4, do Códigode Processo Penal.

II — Esse ónus de transcrição nada maisrepresenta do que o desenvolvimento do deverdo recorrente de fundamentar em termos con-cludentes o recurso que interpôs, visando o con-vencimento e demonstração de que houve errona valoração das provas, apontando e especifi-cando os pontos de facto que reputa incorrecta-mente fixados, em nada afectando os direitos dedefesa, sendo de inteira conformidade constitu-cional — cfr. acórdão do Tribunal Constitucio-nal n.º 677/99, de 21 de Dezembro de 1999, Diárioda República, II Série, n.º 49, de 28 de Fevereirode 1999.

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350Relação de Lisboa BMJ 500 (2000)

Só o arguido — nunca a secretaria — está emcondições de efectuar a transcrição porque só elepode determinar com precisão a prova que lheinteressa, sublinhou-se no acórdão citado. IdemColectânea de Jurisprudência, 2000, tomo I,pág. 235; em contrário, Colectânea de Jurispru-dência, tomo I, pág. 236.

III — A prova produzida ao longo do julga-mento foi gravada, mas essa documentação daprova perante o tribunal colectivo não permite asua reapreciação pelo tribunal de recurso, porincumprimento, desde logo, daquele ónus jurí-dico. Especificar, na terminologia legal, é indi-car um a um. Abstiveram-se os recorrentes deindicar um a um os factos que reputam incorrec-tamente julgados, alvo de error in judicandum,em vista de remédio jurídico, de correcção deinjustiça, iso porque o expediente do recurso nãopode ser usado em exclusivo como modo demelhor justiça, de «refinamento» decisório. O de-ver de cooperação processual, que no Códigode Processo Penal actual é levado à maior exi-gência na estruturação formal dos recursos demodo a evitar-se recursos inviáveis, inscreven-do-se numa forma de lealdade processual, nãopode pois prescindir daquela especificação.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 2078/2000 — 3.ª Secção

Armindo dos Santos Monteiro (Relator) — JoãoManuel Villaverde e Silva Cotrim Mendes — Ál-varo Dias dos Santos.

Indeferimento — Diligências deprova — Recurso — Subida —Incidente — Tributação

I — Deve ser instruído e julgado com o quevier a ser interposto da decisão que ponhatermo à causa, de acordo com a regra enun-ciada no n.º 3 do artigo 407.º do Código de Pro-cesso Penal, o recurso de um despacho que, jáem sede das fases preliminares do julgamento,indeferiu diversos pedidos de informação bemcomo de produção de prova documental e, con-siderando esses pedidos como incidentes anó-malos, condenou o requerente em custas por cada

um deles, nos termos do artigo 84.º, n.º 2, doCódigo das Custas Judiciais.

II — Por a questão da tributação dos inci-dentes estar directamente conexa e dependenteda decisão que se vier a tomar sobre a matériade fundo objecto do despacho impugnado, aquelatem necessariamente de ser apreciada conjunta-mente com esta, embora aqui o efeito do recursodeva ser suspensivo, tal como sucede nos agra-vos interpostos de despachos que tenham apli-cado multas [artigo 470.º, n.º 2, alínea c), doCódigo de Processo Civil].

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 7511/2000 — 3.ª Secção

Mário Armando Correia Miranda Jones (Rela-tor) — Armindo dos Santos Monteiro — MariaTeresa Féria Gonçalves de Almeida.

Intervenção principal — Apresen-tação de documentos — Custas

I — Em incidente de intervenção principalprovocada pode o requerente juntar documen-tos necessários a instruir o pedido depois dadedução do mesmo pedido, apesar do dispostono artigo 302.º do Código de Processo Civil,sujeitando-se, porém, o requerente às sançõesdo artigo 523.º do mesmo Código.

II — Deduzida oposição a esse pedido deintervenção e admitido esse, deve o autor daoposição, como vencido no incidente, nos ter-mos do artigo 446.º do Código de ProcessoCivil, ser condenado nas custas do mesmo inci-dente.

III — A falta de registo de uma acção realque, nos termos do artigo 3.º do Código do Re-gisto Predial, devia ser registada constitui umanulidade processual, sanável por falta de argui-ção, e não influencia a decisão da causa. Daquiresulta que, após a prolação da sentença final,não é já arguível a mesma nulidade.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 6666/2000 — 8.ª Secção

João Moreira Camilo (Relator) — Maria RuthPereira Garcez — Jorge Paixão Pires.

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351 Relação de LisboaBMJ 500 (2000)

Inutilidade da lide — Custas

Extinta a instância de uma execução por aexecutada ter sido judicialmente declarada fa-lida, as custas da execução devem ficar a cargoda massa falida da executada, nos termos doartigo 447.º do Código de Processo Civil, por ainutilidade da lide resultar imputável à exe-cutada.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 6316/2000 — 8.ª Secção

João Moreira Camilo (Relator) — Maria RuthPereira Garcez — Jorge Paixão Pires.

Lei no tempo — Reclamação de cré-ditos

Constituindo a reclamação de créditos um in-cidente do processo executivo com natureza de-clarativa explicável pela necessidade de expurgaros bens a vender dos direitos e ónus que sobreeles incidam nos termos do artigo 842.º do Có-digo Civil, são-lhe aplicáveis as disposições doCódigo de Processo Civil de 1995 sempre quese preencham os condicionalismos do artigo 26.ºdo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 654/2000 — 2.ª Secção

João Cordeiro Dias (Relator) — Lino AugustoPinto — António Proença Fouto.

Moeda falsa — Contradição insanávelna fundamentação — Insuficiência damatéria de facto — Reenvio

I — Verifica-se o vício de contradição insa-nável da fundamentação e entre esta e a decisão,nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), doCódigo de Processo Penal, se por um lado se dácomo provado que:

a) O arguido adquiriu a máquina fotoco-piadora apreendida e instalou-a, numespaço vedado ao acesso público, no in-terior do seu estabelecimento comercial;

b) Foi nesta máquina que se procedeu à con-trafacção de todas as notas de 2000$00 e5000$00 apreendidas e insertas nos au-tos, bem como as que por todo o paísforam espalhadas, as quais deram ori-gem a mais de 220 inquéritos e totalizammuitos milhões de escudos;

c) Juntamente com a máquina foram tam-bém apreendidas folhas com notas aindapor cortar (85 planos), um saco con-tendo 569 notas (falsas) de 5000$00 e,bem assim, esquissos em folhas brancassobre como afinar a máquina fotocopia-dora em causa para obter as notas.

E por outro lado, contraditoriamente, se dácomo facto não provado que o mesmo arguidose quisesse dedicar ao fabrico de notas, as quaisvenderia a terceiros, sendo que esta não prova ésustentada, na fundamentação, apenas se di-zendo que «nenhuma prova foi efectuada quepermitisse dar o passo de ligação entre a produ-ção das notas e o arguido», quando o que re-sulta daqueles factos provados é exactamente ocontrário.

II — Constando da acusação e da pronúnciaque durante os meses de Janeiro a Março de1998 os arguidos se telefonaram mutuamente eque, para além do mais, só do telefone de umdeles foram feitas 70 chamadas para o outro, aomissão deste facto do elenco dos factos dadoscomo provados ou não provados, nem da res-pectiva fundamentação, configura o vício da in-suficiência da matéria de facto provada para adecisão proferida a que se reporta o artigo 410.º,n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

III — A verificação dos aludidos vícios deter-mina o reenvio do processo para novo julga-mento, relativamente à totalidade do objecto doprocesso.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 6205/2000 — 3.ª Secção

Carlos Augusto Santos de Sousa (Relator) —Adelino da Silva Salvado — Mário Armando Cor-reia Miranda Jones.

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352Relação de Lisboa BMJ 500 (2000)

Nomeação de patrono a sociedadescomerciais

Nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lein.º 387-A/87, de 29 de Dezembro, na redacçãoque lhe foi dada pela Lei n.º 46/96, de 3 de Se-tembro, não é admissível concessão do benefíciode apoio judiciário na modalidade de nomeaçãode patrono às sociedades comerciais.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Recurso n.º 5173/99 — 8.ª Secção

João Moreira Camilo (Relator) — Maria RuthPereira Garcez — Jorge Paixão Pires.

Ofensa corporal — Contradiçãoinsanável — Vícios da sentença —Nulidade — Suprimento — Medidada pena

I — Tendo-se provado que o arguido deuuma estalada no rosto da ofendida e lhe compri-miu o antebraço esquerdo, do que resultou umaequimose com 3 cm, ficou preenchido o elementoobjectivo do crime de ofensas à integridadefísica, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1,do Código Penal.

II — Pelo que a circunstância de ter tambémficado provado que no dia seguinte ainda eravisível no joelho esquerdo da ofendida umaequimose de 3 cm de comprimento por 2 cm delargura, independentemente de se não ter apu-rado o circunstancialismo que a terá determi-nado, não está em contradição com aquelesoutros factos.

III — Ao dar-se como provado na sentença,sem que tais factos constassem nem da acusa-ção nem do pedido cível, que o arguido tinha jáantes, por diversas vezes, agredido fisicamentea ofendida e que é uma pessoa violenta e se des-controla com facilidade, o tribunal a quo extra-vasou o objecto do processo, assim cometendo anulidade a que se reporta o artigo 379.º, n.º 1,alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.

IV — Tal nulidade deve, porém, ser supridapela eliminação daqueles factos da respectivamatéria dada como provada, com aproveita-mento dos demais que ainda continuam a preen-cher a tipicidade do crime de ofensas à integridadefísica imputado ao arguido.

V — Atentas as circunstâncias concretas docaso, e visto o disposto no artigo 70.º do CódigoPenal, é inquestionável que a pena de multa rea-liza de forma adequada e suficiente as finalida-des da punição, assegurando a protecção do bemjurídico violado (integridade física) e garan-tindo a reintegração do agente na sociedade.A pena de prisão, pelo contrário, seria umareacção drástica, não proporcional nem neces-sária à protecção dos bens jurídicos em causa eseguramente prejudicaria a reintegração do ar-guido na sociedade, não sendo pertinente optarpor uma pena privativa de liberdade tão-só parasatisfazer a necessidade de prevenção geralconexa com o ambiente sócio-cultural duma de-terminada região, esquecendo a regra basilarde que, em caso algum, a pena pode ultrapassara medida da culpa.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 6255/2000 — 3.ª Secção

Adelino da Silva Salvado (Relator) — MárioArmando Correia Miranda Jones — Maria TeresaFéria Gonçalves de Almeida.

Procedimento cautelar — Princípioda instrumentalidade — retrans-missão de programa de televisão

I — O princípio da instrumentalidade queenvolve as providências cautelares caracteriza--se pelo facto de constituírem um meio indirectode realização do direito substantivo através dodecretamento judicial de medidas assegurantesda eficácia de determinada acção proposta ou apropor destinada a actuá-lo efectivamente.

II — A apensação do procedimento cautelarao processo da acção concernente pressupõe a

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353 Relação de LisboaBMJ 500 (2000)

necessária conexão substancial entre o primeiroe a segunda.

III — Inexiste fundamento legal de apensação,ao processo da acção de indemnização baseadaem transmissão televisiva de programa violadorde direitos de personalidade, do procedimentocautelar que visa a proibição da sua retrans-missão em vias de ocorrer.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 8540/2000 — 6.ª Secção

Salvador Pereira Nunes da Costa (Relator) —Urbano Aquiles Lopes Dias — António FernandoSilva Sousa Grandão.

Prosseguimento do processo penalpara conhecimento do pedido cível

O disposto nos artigos 71.º e 72.º, n.º 1, alí-nea b), do Código de Processo Penal não per-mite, só por si, que o processo penal, sem estarem causa a existência de qualquer ilícito crimi-nal, possa prosseguir para o conhecimento dopedido cível.

Acórdão de 2 de Outubro de 2000Recurso n.º 5573/2000 — 5.ª Secção

José Cano Pulido Garcia (Relator) — ManuelCabral Amaral — Armindo Marques Leitão.

Recurso — Matéria de direito —Vícios da motivação — Manifestaimprocedência

É de rejeitar o recurso circunscrito à matériade direito se, na respectiva motivação, o recor-rente:

a) Inobservando os cuidados de forma im-postos no artigos 412.º, n.º 3, do Códigode Processo Penal, se limita à enfáticaafirmação de que inexistiu prova dos fac-tos imputados e está inocente;

b) Se limita a questionar, fora do âmbito doartigo 410.º do Código de Processo Pe-nal, a convicção adquirida pelo tribunala quo sobre os factos dados como prova-dos, em contraposição com a que sobreos mesmos factos ele próprio adquiriu,esquecido da regra da livre apreciaçãoda prova ínsita no artigo 127.º do Có-digo de Processo Penal.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 7526/2000 — 3.ª Secção

António Rodrigues Simão (Relator) — CarlosAugusto Santos Sousa — Adelino da Silva Salvado.

Recurso — Motivação — Rejeição —Falta de conclusões

É de rejeitar o recurso cuja motivação nãocontenha conclusões, uma vez que a falta destastem de ser equiparada à falta de motivação.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 7964/2000 — 3.ª Secção

Mário Armando Correia Miranda Jones (Rela-tor) — Armindo dos Santos Monteiro — MariaTeresa Féria Gonçalves de Almeida.

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354 BMJ 500 (2000)Relação do Porto

II

RELAÇÃO DO PORTO

Acção de divisão de coisa comum —Desistência da instância

A desistência da instância na acção de divi-são de coisa comum não é possível após a vendae adjudicação do prédio objecto da acção.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 0031032

Leonel Serôdio (Relator) — Norberto Bran-dão — Oliveira Barros.

Acção de honorários — Tribunalde família — Incompetência material

O tribunal de família é materialmente incom-petente para conhecer da acção de honoráriospor serviços prestados em acção de divórcio.

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 0021171

Armindo Costa (Relator) — Durval Morais —Mário Cruz.

Acção executiva — Herdeiro —Levantamento da penhora

Na execução movida contra o herdeiro, su-cessor habilitado do primitivo executado, nãopodem ser penhorados outros bens, que não osda herança.

Tendo sido ordenada a penhora do vencimentodo executado herdeiro, deve a mesma ser levan-tada e restituídas as quantias entretanto descon-tadas.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso n.º 0020344

Afonso Correia (Relator) — Lemos Jorge —Pelayo Gonçalves.

Acção executiva — Título executivo —Garantia bancária

A carta de garantia bancária e a carta inter-pelativa para pagamento, constituindo documen-tos particulares, servem de título executivo.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 0020907

Emérico Soares (Relator) — Ferreira de Sea-bra — Afonso Correia.

Acidente de viação — Indemnização —Fundo de Garantia Automóvel

Ao satisfazer as indemnizações, o Fundo deGarantia Automóvel fá-lo no respeito pelas nor-mas de responsabilidade civil por factos ilícitosou pelo risco, cumprindo, assim, ao autor ale-

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355 Relação do PortoBMJ 500 (2000)

gar e provar a imputação do acidente ao condu-tor do veículo que lhe deu origem.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 0030982

João Vaz (Relator) — Teles de Meneses — Má-rio Fernandes.

Arrolamento de bens — Inventáriopara partilha de bens do casal

Havendo justo receio de extravio ou dissipa-ção de bens já relacionados no inventário parapartilha dos bens do casal, nada obsta a que, napendência desse inventário, seja requerida pro-vidência cautelar do arrolamento dos bens.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Recurso n.º 0031274

Viriato Bernardo (Relator) — João Bernardo —Pires Condesso.

Audiência de julgamento — Adia-mento — Falta de testemunha

Tendo uma testemunha sido notificada de queum julgamento se faria numa data e que, se senão fizesse, se realizaria em data posterior, fal-tando à primeira audiência e justificando a falta,não é obrigada a fazer a averiguação se o julga-mento se realizou, antes devendo ser, de novo,notificada da segunda data. Faltando à segundaaudiência sem ter ocorrido tal notificação, nãodeve ser condenado, mesmo que não justifiquea falta.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010832

Correia de Paiva (Relator) — Marques Sal-gueiro — Costa Mortágua.

Caça — Amnistia — Perda de ins-trumento do crime

Não deve ser declarada a perda a favor doEstado duma arma de caça apreendida em actovenatório, com infracção das leis da caça, se,amnistiada a infracção, não houver, em con-creto, risco sério de a dita arma vir a ser utili-zada no cometimento de novas infracções.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010663

Baião Papão (Relator) — Correia de Paiva —Marques Salgueiro.

Cheque sem provisão — Elementosda infracção — Acusação manifes-tamente infundada

I — Não pode deduzir-se a existência do pre-juízo patrimonial, elemento do crime de emis-são de cheque sem provisão, da expressão «ocheque foi entregue para pagamento de uma tran-sacção comercial», a qual não passa de um tí-pico conceito, não contendo factos.

II — A falta de indicação na acusação desseelemento factual implica a rejeição da acusaçãopor manifestamente infundada.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010739

Clemente Lima (Relator) — Baião Papão —Correia de Paiva.

Crime de abuso de liberdade de im-prensa — Entrevista

Para efeitos de subsunção de determinadafactualidade ao crime de abuso de liberdade deimprensa, a «entrevista», enquanto género, deveapresentar-se na respectiva publicação formal-mente reconhecível como tal pela generalidadedos leitores, ainda que não necessariamente sobum padrão estrita e absolutamente estereoti-pado de pergunta-resposta, sendo admissível apublicação de uma entrevista sob um pano de

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356 BMJ 500 (2000)Relação do Porto

fundo de narrativa indirecta, em que declara-ções do entrevistado vão sendo inseridas entreaspas ou com outra forma de destaque.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010547

Baião Papão (Relator) — Correia de Paiva —Marques Salgueiro.

Crime de dano — Coisa alheia

I — Com o crime de dano previsto no artigo212.º , n.º 1, do Código Penal pune-se a viola-ção não só do interesse do titular do direito depropriedade sobre a coisa, mas também do inte-resse de quem tem o direito de fruição e gozodessa coisa.

II — Comete o crime de dano quem procedeao derrube de uma árvore plantada pelo inqui-lino no logradouro do prédio que lhe havia sidoarrendado pelos seus proprietários, pais do ar-guido, tendo este agido livre e conscientemente econtra a vontade da inquilina.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 9911033

Matos Manso (Relator) — Manuel Braz —André Silva.

Crime de emissão de cheque semprovisão —Tribunal competente

O artigo 4.º da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto,não é uma norma transitória para os processospendentes por crimes de emissão de cheque semprovisão, mas, antes, uma norma especial queatribui competência nesta matéria ao tribunalsingular.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Recurso n.º 0040721

Manso Rainho (Relator) — Pedro Antunes —Neves Magalhães.

Debate instrutório — Arguido —Notificação pessoal

Sendo o arguido obrigado a estar presenteno debate instrutório, como decorre do dispostonos artigos 300.º e 301.º do Código de ProcessoPenal, a notificação da realização do debateinstrutório deve revestir a natureza duma notifi-cação pessoal.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 0040766

Teixeira Mendes (Relator) — Barros Moreira —Dias Cabral.

Direito da personalidade — Direitoao repouso

I — Ainda que o ruído sonoro seja inferior aolimite de 10 dB, fixado no Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de Junho, pode haver violação ilícitados direitos de personalidade, nos quais se inte-gra o direito ao descanso e ao repouso.

II — A decisão que tutela tais direitos devetraduzir equilíbrio entre o direito dos autores aorepouso e o direito do réu de exercer a sua acti-vidade económica de exploração dum café.

Acórdão de 16 de Outubro de 2000Recurso n.º 0050475

Lázaro Faria (Relator) — Aníbal Jerónimo —António Gonçaves.

Divórcio — Arrolamento — Comu-nhão geral de bens

Sendo a comunhão geral o regime supletivode bens do casal, na providência cautelar dearrolamento, incidente de acção de divórcio,basta ao requerente alegar que os bens a arro-lar são comuns.

Acórdão de 9 de Outubro de 2000Recurso n.º 0050663

Couto Pereira (Relator) — Ferreira de Sousa —Paiva Gonçalves.

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357 Relação do PortoBMJ 500 (2000)

Execução — Falência dos executa-dos — Sustação da execução

No caso de ser executada a falência dos exe-cutados, a execução que se encontre na fase dopagamento, porque ainda não extinta, deve sersustada e apensa ao processo de falência.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso n.º 0020971

Fernanda Soares (Relatora) — Soares de Al-meida — Emérico Soares.

Falência — Privilégios creditórios —Hipoteca legal

A referência a «privilégios creditórios» cons-tante do artigo 152.º do Código dos ProcessosEspeciais de Recuperação da Empresa e de Fa-lência, na sua primitiva redacção (?), abrangeoutras garantias afins, como é o caso da hipo-teca legal.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Recurso n.º 0030712

Sousa Leite (Relator) — Alves Coelho — CamiloCamilo.

Fixação da competência — Processopendente — Sucessão de leis no tempo

I — Para efeito de fixação da competênciareleva, não o momento em que a acusação édeduzida mas aquele em que o processo teve oseu início, ou seja, quando é dado conhecimentodo facto criminoso em juízo e se inicia o inqué-rito.

Deduzida acusação em processo abreviado,por factos ocorridos e participados em 1 de Abrilde 1999, é competente para julgamento o juízocriminal, e não o tribunal de pequena instânciacriminal, pois a preparação e julgamento dascausas a que corresponde aquela forma de pro-cesso só passou a competir a este último tribu-

nal a partir de 1 de Junho de 1999, data de iníciode vigência da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000.Recurso n.º 0040779

Teixeira Mendes (Relator) — Barros Moreira —Dias Cabral.

Jogo de fortuna e azar — Elementosda infracção

Deve considerar-se como «de fortuna e azar»,para os efeitos do disposto nos artigos 1.º e 4.º,n.º 4, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezem-bro, e artigo 108.º, n.º 1, do mesmo diploma, umjogo composto por um cartaz e um saco con-tendo senhas que, adquiridas a um determinadopreço, poderão, ou não, dar prémios pecuniá-rios, sendo portanto o resultado contingente,porque dependente única e exclusivamente dasorte, não existindo qualquer contribuição daperícia do jogador para tal resultado.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010758

Costa Mortágua (Relator) — Matos Manso —Manuel Braz.

Juros moratórios — IRS — Retençãona fonte

Os juros a suportar pelo réu desde a citaçãoaté integral pagamento, com base na mora dopagamento da indemnização devida, constituemuma compensação pelo ganho perdido, e nãoremuneração ou lucro, não estando, em conse-quência, sujeitos a tributação de IRS, não po-dendo, por isso, o devedor proceder à retençãodo imposto na fonte.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 0031226

Camilo Camilo (Relator) — Coelho da Rocha —Saleiro de Abreu.

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358 BMJ 500 (2000)Relação do Porto

Prescrição presuntiva — Alegação dopagamento

Na prescrição presuntiva a lei faz presumir opagamento, ficando o devedor dispensado daprova do mesmo, mas não da respectiva alega-ção, não sendo, por isso, suficiente, para extin-guir a dívida a invocação do decurso do prazo.

Acórdão de 30 de Outubro de 2000Recurso n.º 0051000

Ferreira de Sousa (Relator) — Paiva Gonçalves(vencido) — Marques Peixoto.

Processo penal — Órgão de políciacriminal — Proibição de prova

Os órgãos de polícia criminal não podem serinquiridos sobre o conteúdo de declarações in-formais do arguido que, se tivessem sido reduzi-das a auto, não podiam ser lidas na audiência dejulgamento.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010928

Manuel Braz (Relator) — André Silva — Mar-ques Pereira.

Propriedade horizontal — Participa-ção nas despesas

Todos os condóminos são responsáveis, naproporção da respectiva permilagem, por obrasde conservação e manutenção das partes co-muns do prédio constituído em propriedade ho-rizontal, independentemente da utilidade directaque retirem dessas partes comuns.

Acórdão de 17 de Outubro de 2000Recurso n.º 9921061

Marques Castilho (Relator) — Ferreira Soares —Soares de Almeida.

Recurso subordinado — Prazo paraa alegação

A alegação do recurso subordinado deve seroferecida no prazo de 30 dias contados da noti-ficação do despacho que recebeu o recurso, enão conjuntamente com as contra-alegações dorecurso principal.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Recurso n.º 0031055

Teles de Meneses (Relator) — Mário Fernan-des — Leonel Serôdio.

Registo predial — Registo da acção

Limitando-se a presunção resultante do re-gisto predial ao direito inscrito e à pessoa doseu titular, não abrangendo os elementos de iden-tificação do prédio, nomeadamente a sua área,não há lugar ao registo da acção cujo objectoconsiste no reconhecimento de que determinadafaixa de terreno faz parte dum certo prédio.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 0031360

Gonçalo Silvano (Relator) — Pinto de Al-meida — João Vaz.

Restituição provisória de posse —Caminho público — Transferência dedominialidade

Um caminho público situado no limite de ter-renos a expropriar para construção duma es-trada nacional e integrado na área territorialduma freguesia é transferido do domínio pú-blicoda autarquia local para o Instituto para a Con-servação Rodoviária, não tendo a junta de fre-guesia legitimidade para requerer a restituiçãoprovisória de posse.

Acórdão de 9 de Outubro de 2000Recurso n.º 0050989

António Gonçalves (Relator) — Fonseca Ra-mos — Cunha Barbosa.

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359 Relação do PortoBMJ 500 (2000)

Segurança social — De morte dobeneficiário — Cônjuge de facto —Aplicação retroactiva

O Decreto-Lei n.º 322/90, de 19 de Outubro,e o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 deJaneiro, são aplicáveis retroactivamente, peloque têm direito aos benefícios neles previstos aspessoas, cujos companheiros que com elas vi-viam em união de facto tenham falecido antes dadata das respectivas publicações.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 0020979

Pelayo Gonçalves (Relator) — Rapazote Fer-nandes — Antas de Barros.

Serviço telefónico — Prescriçãopresuntiva

O direito de exigir em seis meses o paga-mento do preço do serviço telefónico prestado,sob pena de prescrição, resultante do Decreto--Lei n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro, apenasdiz respeito à apresentação das facturas e não aoutras formas de exigência de pagamento, desig-nadamente a judicial, relativamente às quais semantém o prazo de prescrição de cinco anos,previsto no artigo 310.º, alínea g), do CódigoCivil, contado do 1.º dia útil seguinte ao últimodia do prazo.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 0031258

Pires Condesso (Relator) — Gonçalo Silvano —Pinto de Almeida.

Sociedade comercial — Cheque

Se no cheque figura uma sociedade como titu-lar da conta, fica preenchida a exigência do n.º 4do artigo 409.º do Código das Sociedades Co-merciais, sendo dispensável, para obrigar a so-ciedade, a repetição da firma social junto àassinatura do respectivo gerente , nomeadamenteatravés de carimbo, bem como a aposição dapalavra «gerente».

Acórdão de 30 de Outubro de 2000Recurso n.º 0050839

Couto Pereira (Relator) — Ferreira de Sousa —Paiva Gonçalves.

Vinho verde — Contrafacção deselo — Assistente

Pode a Comissão de Viticultura da Regiãodos Vinhos Verdes constituir-se assistente no pro-cesso instaurado por infracção consistente nacolocação no mercado de vinho engarrafadocom aposição de selos de origem como vinhoverde que não eram provenientes daquela Co-missão.

Acórdão de 18 de Outubro de 2000Recurso n.º 0010451

Baião Papão (Relator) — Correia de Paiva —Marques Salgueiro.

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360 BMJ 500 (2000)Relação de Coimbra

III

RELAÇÃO DE COIMBRA

Acidente de trabalho — Pedido deexame por junta médica — Reque-rimento não fundamentado

Não estabelecendo expressamente o artigo141.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalhoqual a cominação para a falta de fundamenta-ção ou de apresentação de quesitos do pedido deexame médico formulado nos termos do n.º 1 domesmo dispositivo legal, face ao artigo 1.º, n.º 2,do mesmo diploma, ter-se-á de aplicar ao caso oque determina o artigo 577.º, n.º 1, do Código deProcesso Civil; ou seja: há lugar à rejeição dopedido.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 1479/2000

Serra Leitão (Relator) — Bordalo Lema — Fer-nandes da Silva.

Acidente de viação e de trabalho —Sub-rogação da segurança social

Em caso de acidente simultaneamente de via-ção e de trabalho de que resultou a morte deuma trabalhador, uma vez determinado o ter-ceiro civilmente responsável, cabe à segurançasocial o direito de ser reembolsada do valor dossubsídios ou pensões pagas, ficando sub-rogada

nos direitos do lesado até ao limite do valor dasprestações que tiver concedido.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Processo n.º 1876/2000

Fernandes da Silva (Relator) — BordaloLema — Serra Leitão.

Adiamento do julgamento — Casojulgado formal — Conexão entre asalegações e as conclusões do recurso

I — Não tendo o mandatário do apelante in-terposto os competentes recursos de agravo dosdespachos que indeferiram o pedido de adia-mento do julgamento e a arguição da nulidadeconsistente no não adiamento da audiência, comfundamento na falta de advogado e na violaçãodos princípios do contraditório e da igualdadede armas, tais decisões encontram-se transita-das em julgado, constituindo caso julgado for-mal, o que veda à 2.ª instância a possibilidade deas apreciar em sede de recurso de apelação.

II — As questões colocadas nas conclusõesdo recurso somente podem ser apreciadas e de-cididas se versarem matéria que se encontre tam-bém plasmada nas próprias alegações.

Acórdão de 17 de Outubro de 2000Recurso n.º 1995/2000

Eduardo Antunes (Relator) — Nuno Cameira —Ernesto Calejo.

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361 Relação de CoimbraBMJ 500 (2000)

Âmbito de aplicação do artigo 340.ºdo Código de Processo Penal

A disciplina do artigo 340.º do Código deProcesso Penal sobre a produção dos meios deprova não é limitada aos meios de prova daresponsabilidade criminal, abrangendo tambémos meios de prova relativos ao pedido civil fun-dado na prática do crime e formulado no pro-cesso.

Acórdão de 5 de Outubro de 2000Recurso n.º 1869/00

João Trindade (Relator) — António Marinho —Barreto do Carmo — Renato de Sousa.

Compensação de créditos — Depósitobancário

A instituição bancária, como depositária, sópode compensar um seu crédito sobre o titularde uma conta de depósito, no caso de ter sidoclausulada essa possibilidade, no momento daabertura da conta.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso n.º 2100/2000

Monteiro Casimiro (Relator) — Emídio Rodri-gues — Gabriel Silva.

Crime contra a genuinidade, qua-lidade ou composição de génerosalimentícios, previsto e punido peloartigo 24.º do Decreto-Lei n.º 28/84,de 20 de Janeiro — Responsabilidadeda pessoa colectiva

Releva para efeitos do artigo 3.º, n.º 1, doDecreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, a in-fracção cometida por quem, no âmbito da activi-dade da sociedade, exercia funções de amassadorde pão e era responsável pela laboração na au-sência do legal representante, agindo de acordocom orientações por este definidas.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 2053/2000

Germano Fonseca (Relator) — Maria do Rosá-rio — Rosa Maria.

Crime de condução sem habilitaçãolegal — Aplicação da pena acessóriade proibição de conduzir

É aplicável ao crime de condução sem habi-litação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º,n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Ja-neiro, a pena acessória de proibição de condu-zir prevista no artigo 69.º do Código Penal.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 1676/2000

Serafim Alexandre (Relator) — Germano Fon-seca — Félix Almeida — Renato de Sousa.

Crime de detenção de arma brancaproibida

O elemento «disfarce», tal como «a não justi-ficação de posse», a que se faz alusão no artigo3.º, n.º 1, alínea f), do Decreto-Lei n.º 207-A/75,de 17 de Abril, deve também verificar-se em re-lação às armas brancas.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 1696/00

Serafim Alexandre (Relator) — Félix de Al-meida — Germano Fonseca — Renato de Sousa.

Domínio público — Regime dedesafectação dos caminhos públicos

I — Na dominialidade pública a «posse» e o«domínio» estão consorciados indissoluvel-mente, sendo esta indissolubilidade o corolárioda não prescritibilidade das coisas públicas e dasua exclusão do comércio jurídico.

II — Não pode ocorrer qualquer «desa-fectação tácita» de determinado bem do domíniopúblico (estatal ou municipal) em consequênciada sua «não utilização», tendo a mutação domi-nial, de bem público para privado, de resultarsempre de um acto administrativo expresso.

III — A natureza de bem público de uma es-trada não pode, assim, ser afastada apenas por-

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362 BMJ 500 (2000)Relação de Coimbra

que, com a construção de uma nova, os pro-prietários de determinados terrenos a passarama utilizar.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 512/00

Araújo Ferreira (Relator) — Coelho de Matos —Custódio Costa.

Excessos ou abusos injustificáveis delinguagem cometidos em peças pro-cessuais — Responsabilidade domandatário judicial

É ao advogado que compete, no âmbito doseus poderes-deveres de patrocínio, escolher edecidir qual a matéria que interessa alegar paraa melhor defesa da causa, pelo que, sendo dasua única responsabilidade a redacção de qual-quer escrito com esse fim apresentado, apenas aele será imputável a autoria de quaisquer exces-sos ou abusos injustificáveis de linguagem co-metidos nas peças processuais por si subscritasno exercício desse patrocínio (cfr. artigo 154.º,n.º 1, do Código de Processo Civil).

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 2201/2000

Germano da Fonseca (Relator) — Maria doRosário — Rosa Maria Coelho.

Falência — Prazo de caducidade —Acção de separação / restituição debens

O prazo de caducidade do n.º 2 do artigo205.º do Código dos Processos Especiais de Re-cuperação da Empresa e de Falência é priva-tivo da reclamação de novos créditos e não temaplicação nas acções de separação ou de resti-tuição de bens.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 1641/2000

Emídio Rodrigues (Relator) — Gabriel Silva —Fernando Casimiro.

Impugnação da matéria de facto —Livre convicção do julgador — Fun-damentação das respostas

I — Recai sobre a parte que impugna a deci-são na matéria de facto um duplo ónus:

a) Circunscrever ou delimitar o âmbito dorecurso, indicando claramente qual aparcela ou segmento da decisão profe-rida que considera viciada por erro dejulgamento;

b) Fundamentar, em termos concludentes,as razões por que discorda do decidido,indicando ou concretizando os meiosprobatórios (constantes do auto ou do-cumento incorporado no processo ou deregisto e gravação nele realizada) queimplicavam decisão diversa da tomadapelo tribunal.

II — A garantia do duplo grau de jurisdiçãonão subverte o princípio da livre apreciação daprova pelo juiz e na formação dessa convicçãonão intervêm apenas factores racionalmentedemonstráveis, já que podem entrar também ele-mentos que em caso algum podem ser importa-dos para a gravação vídeo ou áudio.

III — Necessário e imprescindível é que otribunal indique os fundamentos suficientes paraque, através das regras da ciência, da lógica eda experiência, se possa controlar a razoabili-dade da convicção sobre o julgamento do factoprovado ou não provado.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 3425/00

Pires da Rosa (Relator) — Quintela Proença —Serra Baptista.

Nulidade do despacho de pronúncia

É nula, por violação do disposto no artigo309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, adecisão instrutória que pronuncie o arguido me-diante a inclusão de factos essenciais que nãoconstavam do requerimento de instrução.

Acórdão de 4 de Outubro de 2000Recurso n.º 2063/2000

Serafim Alexandre (Relator) — Félix de Al-meida — Germano da Fonseca.

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363 Relação de CoimbraBMJ 500 (2000)

Prova documentada nos autos —Menor grau de exigência de motivaçãodas decisões de facto

Nos casos em que do processo constam todosos elementos ou meios de prova que serviramde base à decisão de facto, designadamente nassituações em que a prova produzida na audiên-cia se encontra documentada, a obrigação demotivação não assume o mesmo grau de exigên-cia, ou seja, um detalhado exame crítico do con-teúdo daqueles, consabido que assegurado estáum efectivo recurso em matéria de facto, atravésdo qual o tribunal superior procede a uma am-pla sindicância da actividade decisória do tribu-nal de 1.ª instância, por via do reexame oureapreciação de todas as provas.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 2596/2000

Oliveira Mendes (Relator) — António Mari-nho — Barreto do Carmo — Renato de Sousa.

Prova testemunhal (apreciação)

A prova testemunhal prova, tal como a provaindiciária de qualquer outra natureza, pode edeve ser objecto de formulação de deduções einduções, as quais partindo da inteligência, hão--de basear-se na correcção de raciocínio, me-diante a utilização das regras de experiência econhecimentos científicos, tudo se englobandona expressão legal regras da experiência.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 1969/2000

Oliveira Mendes (Relator) — João Trindade —António Marinho — Renato Sousa.

Recursos convergentes do assistentee do Ministério Público sobre amedida da pena — Improcedênciaposterior do recurso do MinistérioPúblico — Doutrina do assenton.º 8/99

Havendo recurso do Ministério Público e doassistente, em que ambos manifestam discor-dância sobre a medida da pena e em que existe,portanto, esta convergência de finalidades que épressuposto de legitimidade, a improcedênciaposterior do recurso do Ministério Público, ou asua rejeição, já não poderá afectar o recurso doassistente, cuja legitimidade se encontra assimnisso radicada.

Acórdão de 11 de Outubro de 2000Recurso n.º 954/2000

Santos Cabral (Relator) — Oliveira Mendes —Ferreira Dinis — Renato de Sousa.

Registo predial — Âmbito da pre-sunção — Posse violenta — Perda daposse — Prevalência da usucapiãosobre o registo

I — As certidões da descrição e inscriçãopredial não fazem prova da exacta localização,área e confrontações do imóvel; a única coisaque provam é que o prédio está inscrito na ma-triz com certa área e confrontações, não queaquela e estas sejam as que realmente lhescorrespondem.

II — Da mesma forma, a presunção juristantum que resulta da inscrição actua apenasem relação ao facto inscrito, aos sujeitos e aoobjecto da relação jurídica emergente do re-gisto, mas não no que toca aos seus elementosde identificação.

III — Para efeitos de qualificação da possecomo pacífica ou violenta, a questão da violên-cia coloca-se a propósito do início da posse enão tem directamente a ver com o uso que de-pois se faça da coisa possuída.

IV — Para efeitos de perda da posse, o aban-dono é mais do que a simples inacção ou inércia

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364 BMJ 500 (2000)Relação de Coimbra

do titular, pois pressupõe actos materiais, inten-cionalmente praticados, de rejeição da coisa oudo direito.

V — A usucapião é a base da nossa ordemjurídica imobiliária e prevalece sempre sobre oregisto.

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 1462/2000

Nuno Cameira (Relator) — Ernesto Calejo —Gil Roque.

Salários em atraso — Rescisão docontrato — Abuso de direito

Atento o escopo da lei dos salários em atraso(Lei n.º 1/86, de 14 de Junho) e o facto de, emregra, a retribuição constituir para o trabalha-dor o seu único meio de subsistência, não podemcontrapor-se à decisão deste de rescindir o con-trato nos termos artigo 3.º, n.º 1, da mesma, comojustificativas de abuso de direito, razões de na-tureza empresarial como conhecer o trabalha-dor a difícil situação económico-financeira daempresa, prioridade no pagamento de matérias--primas e electricidade, ou o anúncio, feito umasemana antes, do pagamento, em breve, dos sa-lários em atraso.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 965/2000

Bordalo Lema (Relator) — Fernandes daSilva — Serra Leitão.

Sociedades anónimas — Renúncia dopresidente do conselho de adminis-tração

I — A carta registada dirigida ao conselhofiscal é o meio legalmente previsto para o presi-dente do conselho de administração de uma so-ciedade anónima comunicar a renúncia ao seucargo.

II — É, assim, de considerar nula a delibera-ção tomada pelos sócios, em assembleia geraldaquela sociedade, no sentido de aceitar tal re-

núncia, comunicada no decurso da assembleia ede, logo aí, eleger um novo presidente.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso n.º 2338/2000

Gil Roque (Relator) — Tomás Barateiro —Artur Dias (vencido).

Sociedades comerciais — Incapa-cidade de gozo — Garantia dada aterceiro

I — A sociedade comercial não pode invocara sua incapacidade de gozo e a nulidade do actoque praticou face a terceiro, salvo provando queestes sabiam ou deviam saber que o acto nãorespeitava a qualquer cláusula do pacto social.

II — O terceiro, para beneficiar da garantiadada por uma sociedade com o aval numa letra,tem de demonstrar o interesse da sociedade emprestá-la.

III — O banco que recebe a letra avalizadapor uma sociedade não pode ignorar que a pres-tação da garantia não faz parte do objecto socialdesta.

Acórdão de 17 de Outubro de 2000Recurso n.º 1935/2000

Ferreira de Barros (Relator) — Hélder Roque —Távora Vítor.

Suspensão da prescrição do pro-cedimento contra-ordenacional (ina-plicabilidade da regra do artigo 120.ºdo Código Penal)

Acolhendo o Decreto-Lei n.º 433/82 (artigo27.º-A) apenas um dos casos de suspensão daprescrição previstos no Código Penal [artigo120.º, n.º 1, alínea a)], tem de concluir-se nãopoderem ser aplicáveis ao ilícito contra-orde-nacional os demais casos contemplados nestamesma disposição da lei penal.

Acórdão de 25 de Outubro de 2000Recurso n.º 2366/2000

António Marinho (Relator) —Barreto doCarmo — Ribeiro Martins.

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365 Relação de CoimbraBMJ 500 (2000)

Título executivo — Reconhecimentode dívida por inventário

I — Não é nulo o reconhecimento da dívidaexpressa em documento particular pelo qual uminteressado num inventário se obriga a pagar aoutro certa quantia se ele não licitar.

II — Tal acordo não é contrário à lei.

III — Verificando-se a não licitação, o do-cumento de reconhecimento da dívida constituitítulo executivo.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso n.º 1555/2000

Maria Regina Rosa (Relatora) — Hélder Al-meida — Araújo Ferreira.

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366 BMJ 500 (2000)Relação de Évora

Abertura de janelas — Servidão devistas — Usucapião

I — Tendo os réus aberto uma janela directa-mente sobre o telhado do prédio da autora, semdeixarem entre esse telhado e a janela qualquerintervalo, o facto de esta deitar sobre o telhadodo prédio não obsta à aplicação da proibiçãoprevista no artigo 1360.º, n.º 1, do Código Civil.

II — A posse susceptível de conduzir à cons-tituição de servidão de vistas, por usucapião, éuma posse que incide sobre um bem imóvel,sendo aplicável o prazo de usucapião de imóveis.

III — Tal posse só existe a partir da conclu-são da obra (aquela janela), feita em contraven-ção da lei, sendo de considerar como início doprazo para a usucapião a data do termo da obra.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso cível n.º 975/2000

Artur Mota Miranda (Relator) —José Rodriguesdos Santos — António de Almeida Simões.

Acção cível enxertada em processopenal — Acidente de viação — Veí-culo furtado — Seguro obrigatório

I — No caso de acidente de viação ocorridocom veículo furtado, em sede de garantia da res-ponsabilidade civil por seguro obrigatório, dasduas uma: se o condutor é autor ou cúmplice dofurto, a seguradora garante a responsabilidadee depois exerce contra ele o direito de regresso;se não se prova que o condutor é o autor ou

cúmplice do furto, a situação não está contem-plada nos artigos 8.º, n.º 2, e 19.º, alínea b), doDecreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro e aseguradora não garante a responsabilidade.

II — Tendo o veículo sido furtado e preten-dendo a autora fazer valer o direito à indemni-zação, para fundar a sua pretensão na normado artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 522/85,tinha o ónus de afirmar os factos corresponden-tes à situação ali traçada, sendo certo que a ne-cessidade de alegação dos factos essenciais àpretensão tem total aplicação na acção cível en-xertada.

III — Como a autora não alegou, nem resul-tou provado, que o condutor do veículo furtadofoi o autor ou cúmplice do furto, não tem direitoa ser indemnizada pela seguradora para quema responsabilidade civil havia sido transferida(artigos 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 522/85 e342.º do Código Civil).

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso penal n.º 789/2000

Sérgio Gonçalves Poças (Relator) — OrlandoMartins Afonso — José de Sousa Magalhães —António Ferreira Neto.

Acção cível por acidente de viação —Prescrição — Exercício do direito dequeixa

I — Sendo vários os lesados e estando emcausa diferentes crimes — o de homicídio pornegligência e o de ofensa corporais por negli-

IV

RELAÇÃO DE ÉVORA

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367 Relação de ÉvoraBMJ 500 (2000)

gência —, o lesado por ofensas corporais nãopode prevalecer-se do prazo de prescrição do ho-micídio.

II — Podendo o pedido de indemnização serdeduzido em separado, quando o procedimentocriminal dependa de queixa ou acusação parti-cular, é razoável que a existência do processocrime apenas valha para efeitos do disposto non.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, quandoestiver demonstrado que o lesado exerceu o di-reito de queixa.

III — Tendo a ré excepcionado a prescriçãodo eventual direito indemnizatório da autora,era à autora que cabia, na resposta à contesta-ção (principio da preclusão), alegar e demons-trar que o seu direito à indemnização não podiaser exercido, que a prescrição não correu, este-ve suspensa, durante um determinado periodode tempo (pendência do processo crime/inquéri-to, onde exerceu o direito de queixa).

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso cível n.º 873/2000

Maria Laura Leonardo (Relatora) — Artur MotaMiranda — José Rodrigues dos Santos.

Acção de restituição de posse —Caducidade — Providência cautelar

I — O anterior acto de instauração de proce-dimento cautelar previamente à acção principalnão serve de impedimento à caducidade do di-reito que através da acção de restituição deposse se pretende acautelar.

II — Assim, instaurada uma providênciacautelar de restituição provisória de posse, talprocedimento cautelar não interrompe o prazode caducidade, nem impede a caducidade daacção de restituição, porquanto a lei não atribuiàs providências cautelares o efeito de interrom-per esse prazo.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso cível n.º 1116/2000

Ana Luísa Geraldes (Relatora) — Maria Ale-xandrina Ferreira — Maria João Romba.

Acção para efectivação de respon-sabilidade civil extracontratual —Causa de pedir — Dano — Ineptidãoda petição

I — A causa de pedir na acção de responsa-bilidade civil é constituída pelos pressupostosfácticos desta, um dos quais é o dano.

II — A indemnização em dinheiro fundadaem responsabilidade civil subjectiva extra-contratual mede-se por um critério tendencial-mente matemático correspondente à diferençaentre a situação patrimonial do lesado na datamais recente que puder ser atendida pelo tribu-nal e a que teria nessa data se não fosse a lesão,sendo o valor do dano o valor da diferença entreesses valores.

III — Para o seu apuramento é imprescin-dível que o lesado concretize em factos as duassituações (a real e a hipotética).

IV — O direito a indemnização não é gené-tica ou substancialmente alternativo, nem se re-solve em alternativa; logo, a pretensão indem-nizatória não é processualmente compatível coma formulação de pedidos alternativos.

V — Consistindo o dano cujo ressarcimentoe indemnização é pedido na privação do uso eda fruição de determinado bem por acto do de-mandado civilmente, é necessário que o lesadoalegue e depois demonstre qual ou quais os con-cretos fins e utilidades que visava desse bem eque por via dessa privação se frustaram, bemcomo os reflexos que isso teve no seu património.

VI — O dano da privação do bem e o daprivação dos fundos utilizados na sua aquisiçãosão realidades jurídicas diversas, não podendoa medida da indemnização correspondente aodano da privação do bem ser calculada combase nos rendimentos que os fundos aplicadosna sua aquisição proporcionariam ao lesado.

VII — Não alegando o lesado as concretasutilidades que visava obter do bem e de que ficouprivado por facto imputável ao responsável,falta a alegação de um dos elementos essenciaisdo dano e, consequentemente, da causa de pedir,o que acarreta a ineptidão da petição inicial e,logo, a nulidade total do processo.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso cível n.º 1168/2000

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368 BMJ 500 (2000)Relação de Évora

Fernando da Conceição Bento (Relator) — Ma-ria Alexandra Santos — João Gonçalves Marques.

Acidente de trabalho e de viação —Não acumulação de indemnizações

I — Quando um acidente de viação é simulta-neamente caracterizado como acidente de tra-balho, não se acumulam as indemnizaçõesatribuidas ao lesado, no foro comum e no forolaboral, e que se destinem a reparar os mesmosdanos (base XXXVII, n.os 2 e 3, da Lei n.º 2127,de 3 de Agosto de 1965).

II — Essa não acumulação, porém, não operaquando, havendo cumulação de pedidos pordanos patrimoniais e não patrimoniais, a indem-nização arbitrada no âmbito do processo emer-gente de acidente de viação foi fixada em termosglobais, e no limite permitido pelo artigo 508.º,n.º 1, do Código Civil.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso social n.º 701/2000

Alexandre Ferreira Baptista Coelho (Rela-tor) — Acácio André Proença — António Gonçal-ves da Rocha.

Conflito negativo de competência —Acção ordinária não contestada

Nas acções com processo ordinário não con-testadas, não tendo lugar a intervenção do tri-bunal colectivo nos termos preceituados no artigo646.º, n.os 1, 2, alínea a), e 5, do Código de Pro-cesso Civil, pertence ao juiz de círculo a compe-tência para o julgamento da matéria de facto eprolação da sentença final.

Decisão de 26 de Outubro de 2000Processo n.º 1082/2000

Ana Luísa Geraldes (Relatora).

Conflito negativo de competência —Execução por multa aplicada a interve-niente acidental em processo penal

I — Há que articular o disposto nos artigos94.º e 95.º da Lei de Organização e Funciona-mento dos Tribunais Judiciais com o disposto no

artigo 103.º da mesma lei e, resultando clara-mente da letra deste último preceito que cada umdos tribunais aí previstos executa as suas pró-prias decisões, não há razões para excluir doseu âmbito as execuções para pagamento demultas aplicadas a intervenientes acidentais emprocesso penal.

II — O princípio continua a aplicar-se se,onde havia um tribunal de competência genérica(que decretou a multa), passa a haver juízos decompetência especializada criminal e cível —cada um deles assumirá competência para exe-cutar as decisões já proferidas (antes da suacriação ou instalação) em processos que cai-bam na sua esfera de competência material.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Processo n.º 419/2000

Maria Laura Leonardo (Relatora) — Artur MotaMiranda — José Rodrigues dos Santos.

Crime de propagação de doença con-tagiosa — Vírus HIV

I — O vírus HIV é uma doença contagiosa,sendo certo que, para efeitos do disposto no ar-tigo 283.º do Código Penal, basta que a doençaseja contagiosa, isto é, susceptivel de ser trans-mitida de um indivíduo para outro, não impor-tando se é ou não de declaração obrigatória.

II — O perigo concreto previsto na alínea a)do n.º 1 daquele artigo 283.º, embora possa tam-bém ter em vista a protecção de uma pessoa con-creta, visa proteger esta como representante dasociedade e nela se usa o verbo propagar, talcomo sucede com códigos do direito comparado,que usam verbo com igual sentido (propagar querdizer «aumentar, dilatar, estender, espalhar di-fundir, fazer crescer o número de» e abrange atransmissão pelo próprio atingido pela doença) etratando-se, como se trata, de crime de perigo,não é necessário contágio directo de qualquerpessoa para que os factos sejam subsumíveis àprevisão desta disposição legal.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso penal n.º 989/2000

José de Sousa Magalhães (Relator) — AnaFernandes Grácio — Maria Filomena Lima —António Ferreira Neto.

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369 Relação de ÉvoraBMJ 500 (2000)

Despacho de não pronúncia — Des-crição dos factos

I — Quer o despacho de pronúncia, quer o denão pronúncia, estão sujeitos ao disposto noartigo 283.º, n.os 2, 3 e 4, do Código de ProcessoPenal, ou seja, quer um quer outro desses des-pachos devem conter os factos susceptíveis deindiciarem ou não a prática da infracção denun-ciada, devendo conter, ainda que de forma resu-mida, os factos que possibilitaram chegar àconclusão da suficiência ou insuficiência daprova.

II — A não descrição dos factos acarreta anulidade do despacho, que é de conhecimentooficioso e implica a correcção do mesmo ex vi dodisposto no artigo 380.º, n.º 3, do Código deProcesso Penal, pelo que o tribunal a quo deveproceder à correcção do despacho de não pro-núncia, descrevendo de forma concisa os factosque lhe permitiram concluir pela não pronúncia.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso penal n.º 772/2000

Orlando Martins Afonso (Relator) — José deSousa Magalhães — Ana Fernandes Grácio.

Execução especial por alimentos —Medida de adjudicação

A especificidade da medida de adjudicaçãoprevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 1118.º doCódigo de Processo Civil não afasta a aplicaçãoda doutrina e fundamentos que determinaram aimpenhorabilidade de dois terços dos rendimen-tos do executado prevista no n.º 1, alíneas a) eb), do artigo 824.º do mesmo Código, já que,por um lado, a letra desse segmento da normapermite tal entendimento e, por outro, fazendoapelo à unidade do sistema jurídico, há identi-dade de situações que, por isso, merecem trata-mento jurídico idêntico.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso cível n.º 1173/2000

José Rodrigues dos Santos (Relator) — Antóniode Almeida Simões — Francisco d’Orey Pires.

Justa causa de despedimento —Perda de confiança

I — Constitui justa causa de despedimentoter o trabalhador, prospector bancário que, emserviço externo, visitava clientes da sua enti-dade patronal, recebido dinheiro desses clientespara depósito nas suas contas bancárias, reten-do-o durante alguns dias e em regime de rota-ção, para, assim, obter um autofinanciamentocom vista ao pagamento duma letra que haviaaceite noutra instituição bancária.

II — Com efeito, com o dinheiro dos clientesrecebido em último lugar, o mesmo creditava ascontas dos clientes que já tinham entregue osseus fundos há vários dias e que tinham servidopara esse autofinanciamento, havendo, assim,um retardamento nos depósitos de alguns dias,esquema com que alimentava o seu financiamentopessoal.

III — Assim sendo, apesar de não ter dessesfactos resultado prejuízo material para a enti-dade patronal, nem ter havido reclamações da-queles clientes, ocorreu uma violação clara dosdeveres de lealdade e fidelidade, por força dosquais o trabalhador tem que adoptar uma con-duta séria e honesta perante o empregador, comruptura da confiança do empregador, rupturaque é independente de quaisquer danos mate-riais resultantes da conduta do trabalhador.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso social n.º 1401/2000

António Gonçalves da Rocha (Relator) — Ale-xandre Baptista Coelho — Acácio André Proença.

Pedido de escusa em processo penal

Encontrando-se o arguido e o juiz em situa-ção de litígio entre si, de tal forma que aquele seencontra acusado da prática de um crime dedenúncia caluniosa contra este, na sequênciade queixa apresentada pelo magistrado reque-rente, são suficientes os motivos aptos a gerardesconfianças sobre a isenção do juiz, não tradu-zindo o seu pedido de escusa qualquer confissãode fraqueza ou a impossibilidade de o mesmovencer ou recalcar questões pessoais ou de fa-

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370 BMJ 500 (2000)Relação de Évora

zer justiça contra eventuais interesses próprios,mas antes prevenindo o risco de não reconheci-mento público da sua imparcialidade, pelos mo-tivos que são fundamento do pedido de escusa.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Processo n.º 1394/2000

Orlando Martins Afonso (Relator) — José deSousa Magalhães — Fernando Carvalho Gomes.

Proibição de conduzir veículos moto-rizados — Acusação — Suspensãoda execução

I — Ao considerar-se a aplicação do artigo69.º do Código Penal na sentença condenatóriaquando na acusação não se fez referência a talnorma, não se está a extravasar o objecto doprocesso, em violação do disposto nos artigos358.º e 359.º do Código de Processo Penal ou acercear a possibilidade de defesa do arguido.

II — A omissão daquela disposição legal apli-cável constitui nulidade secundária, o que signi-fica que, não sendo aquela arguida, o processosegue para julgamento sem a sua indicação.

III — A pena acessória prevista no artigo69.º do Código Penal representa uma censuraadicional aos crimes a que é aplicável, devendoseguir a sorte da pena principal e, tendo o arguidosido condenado em pena de prisão suspensa nasua execução, há que concluir pela possibilidadede suspensão da execução da pena acessória.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso penal n.º 436/99

Raul Raposo Borges (Relator) — Sérgio Gon-çalves Poças — Orlando Martins Afonso — Antó-nio Ferreira Neto.

Salários em atraso — Rescisãodo contrato pelo trabalhador comalegação de justa causa — Prova darecepção da carta de rescisão

I — Ocorrendo uma situação de retribuiçõesem atraso, por período superior a 30 dias, otrabalhador pode rescindir o contrato de traba-

lho ao abrigo do artigo 3.º da Lei n.º 17/86, de14 de Junho, ou pode fazê-lo nos termos da leigeral [artigos 34.º e 35.º, n.º 1, alínea a), doregime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89,de 27 de Fevereiro].

II — Neste caso, só poderá haver justa causase a cessação do contrato for imediata.

III — Para provar a declaração de rescisão,basta ao trabalhador demonstrar o envio de umacarta nesse sentido endereçada para a sede daentidade empregadora, sob registo e com avisode recepção, e que não foi devolvida.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso social n.º 768/2000

Alexandre Ferreira Baptista Coelho (Relator) —Acácio André Proença — António Gonçalves daRocha.

Servidão de passagem — Direito detapagem

I — Tendo os réus vedado o prédio servientee nele colocado cancelas — sempre prontaspara poderem ser abertas e fechadas sem difi-culdade — em salvaguarda dos seus interesseslegítimos como proprietários — exploração devacas em pastoreio, a exigir tal vedação — epassando os autores a ter que abrir e fechar taiscancelas para exercerem o seu direito de passa-gem, a incomodidade daí adveniente para estesnão se reveste de relevo juridico, não afectandoo livre direito de passagem, antes se mostrandorazoável tal incomodidade.

II — Aquela colocação de cancelas não cons-titui qualquer alteração da servidão — ao usardo direito de vedar o prédio, os réus exercem ospoderes que a lei já lhes reconhecia, continuandoa poder ser livremente exercido pelos autores oseu direito de passagem pelo prédio serviente.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso cível n.º 729/2000

Artur Mota Miranda (Relator) — José Rodriguesdos Santos — António de Almeida Simões.

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371 Tribunal Central AdministrativoBMJ 500 (2000)

V

TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO

I

SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

Acção para reconhecimento dedireito — Natureza do meio — Nuli-dade de sentença por ausência de fun-damentação e omissão de pronúncia

I — A não abundância é diferente da ausên-cia total de fundamentos de facto e de direitopara efeitos da nulidade prevista no artigo 668.º,n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil,sendo que dela se não pode falar nos casos deinsuficiente, errada ou não convincente funda-mentação.

II — Não se verifica a nulidade por omissãode pronúncia a que se refere a alínea d) do n.º 1do artigo 668.º citado se o tribunal não aprecioucertas questões face à solução dada a outras.

III — A acção a que alude o artigo 69.º, n.º 2,da Lei de Processo nos Tribunais Administra-tivos não é meio contencioso supletivo ou subsi-diário dos restantes, mas sim deles complementar,no sentido de que, exista ou não acto administra-tivo, o recurso não se mostre necessário paraassegurar no caso concreto uma igual ou me-lhor tutela.

Em termos práticos, a acção não será utili-zada se os outros meios garantirem uma igualou melhor tutela.

IV — Como meio complementar que é, a ac-ção não pode ser usada, nem ao sabor do livrealvedrio do interessado, nem como dupla viacontenciosa, isto é, como meio adicional utili-zável após o decaimento na utilização de outro(v. g., recurso).

V — De igual modo, também não pode serutilizada perante um acto estabilizado na ordemjurídica pelo caso resolvido pela queda doprazo de recurso anulatório.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 4313/2000

José Cândido de Pinho (Relator) — José Eduardode Oliveira Gonçalves Lopes — Carlos EvêncioFigueiredo Rodrigues de Almada Araújo.

Acto administrativo — Vício de formapor falta de fundamentação

I — A fundamentação, por referência, porremissão ou per relationem para ser válida temde consistir numa declaração expressa e inequí-voca de concordância com anterior parecer, in-formação ou proposta (artigo 125.º do Códigodo Procedimento Administrativo).

II — Tendo o despacho impugnado limitado--se a homologar o parecer da junta militar derecurso que não refere os motivos porque consi-dera o recorrente «pronto para todo o serviçomilitar», está este inquinado de vício de forma,por falta absoluta de fimdamentação.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Processo n.º 4581/2000

Helena Maria Ferreira Lopes (Relatora) — AnaPaula Soares Leite Martins Portela — AntónioFerreira Xavier Forte.

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372 BMJ 500 (2000)Tribunal Central Administrativo

Acto de processamento de abonos evencimentos

I — O processamento devidamente dis-criminado e oportunamente notificado ao inte-ressado de determinadas quantias devidas atítulo de diferenças de vencimento, subsídios deférias, Natal e férias não gozadas consubstanciaum acto administrativo constitutivo de direitos,que se firma ou consolida na ordem jurídicacomo caso decidido ou resolvido, caso não sejatempestivamente impugnado.

II — Com o processamento e consequentepagamento daqueles retroactivos fica definida asituação jurídica do interessado, mesmo no querespeita a quantitativos não englobados (in-cluindo juros de mora relativos a um eventualatraso no pagamento dos processados montan-tes) e que o interessado entende a eles ter direito.

III — É contra o próprio acto de processa-mento que o interessado se poderá insurgir atra-vés do competente recurso contencioso de anula-ção, por a lesividade de eventuais direitos ouinteresses (com referência aos montantes omi-tidos) se situar em tal acto.

Acórdão de 19 de Outubro de 2000Processo n.º 2915/99

Edmundo António Vasco Moscoso (Relator) —António Bento São Pedro — Maria Isabel de SãoPedro Soeiro.

Aposentação/jubilação — Magistra-dos do Ministério Público — Pensãounificada

I — As pensões de aposentação dos magis-trados jubilados são automaticamente actua-lizadas e na mesma proporção em função doaumento das remunerações dos magistrados decategoria e escalão correspondentes àqueles emque se verificar a jubilação — artigo 3.º, n.º 2,da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro.

II — O referido artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, contém uma regra de actua-lização de pensões de aposentação/jubilação, quedeve ser articulada com as regras sobre os pres-supostos da mesma jubilação (artigo 123.º da

Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro), sobre o cálculo(artigo 124.º, n.º 2, da mesma lei), sendo apli-cável subsidiariamente «o regime estabelecidopara a função pública» (artigo 125.º da Lein.º 47/86, de 15 de Outubro).

III — Assim não pode dizer-se que do artigo3.º, n.º 2, da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, de-corre a plena igualdade, em todos os casos, en-tre as remunerações dos magistrados no activoe as pensões dos magistrados jubilados de cate-goria e escalão idênticos. Tal igualdade só existenos casos em que os magistrados jubiladostenham descontado para a Caixa Geral de Apo-sentações, pelo menos, durante 36 anos (salvoos casos de incapacidade).

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Processo n.º 2692/99

António Bento São Pedro (Relator) — MagdaEspinho Geraldes — José Francisco Fonseca daPaz.

Competência simultânea — Com-petência disciplinar — Prescrição —Controlo jurisdicional sobre a gra-vidade da pena

I — É simultânea a competência disciplinarque é conferida ao presidente da direcção doscentros de saúde [artigo 19.º, n.º 2, alínea g), doDespacho Normativo n.º 97/83, de 22 de Abril],e ao inspector-geral da Saúde [artigo 5.º, alínea h),do Decreto-Lei n.º 291/93, de 24 de Agosto], namedida em que a lei, para a mesma matéria, aconcedeu a órgãos diferentes.

II — Nessa medida, o exercício concretodessa competência por um deles, ao determinara instauração de um processo contra determi-nado funcionário, impede ou preclude o exercí-cio da competência do outro.

III — Da mesma maneira, se, tendo podidoexercê-la, a não exerceu um deles, pode o se-gundo fazê-lo posteriormente. De qualquer ma-neira, o que conta para efeito do prazo prescri-cional, designadamente o de três meses para ainstauração do procedimento disciplinar, é a datado conhecimento dos factos pelo primeiro dos

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373 Tribunal Central AdministrativoBMJ 500 (2000)

órgãos que, tendo embora podido accionar asua competência, o não fez.

IV — Por conseguinte, tal como a Adminis-tração cumpre o seu papel logo que um dos ór-gãos exercita o seu poder, não importa quem otenha feito primeiro, assim também o prazo deprescrição começa a correr desde o momentoem que qualquer deles teve primeiro conheci-mento da infracção, legitimando-o ao exercícioda sua competência disciplinar, e não apenasdesde a ocasião em que o segundo deles a co-nhecer.

V — Embora o tribunal possa apreciar oenquadramento jurídico dos factos, já o controloda gravidade da pena é matéria que escapa aopoder jurisdicional do juiz, que se sabe não po-der sobrepor-se ao da autoridade investida nopoder disciplinar, salvo nos casos de erro mani-festo, grosseiro e palmar e de desvio de poder.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 2116/98

José Cândido de Pinho (Relator) — HelenaMaria Ferreira Lopes — Carlos Evêncio FigueiredoRodrigues de Almada Araújo.

Contrato administrativo — Actoadministrativo destacável e recorrível

I — Os actos administrativos que interpre-tem cláusulas contratuais ou que se pronunciemsobre a respectiva validade não são definitivos eexecutórios, pelo que, na falta de acordo do co--contratante, a Administração só pode obter osefeitos pretendidos através de acção a proporno tribunal competente — artigo 186.º, n.º 1, doCódigo do Procedimento Administrativo.

II — Do exposto decorre que se Adminis-tração quiser impor a aplicação imediata deuma cláusula contratual, independentemente doacordo do co-contratante, e sem prévia decisãojudicial na acção própria, tem que usar o seupoder de praticar actos administrativos.

III — Os actos administrativos praticadosnos termos do ponto anterior são recorríveis,uma vez que se destacam da pura vigência

contratual, encontrando o fundamento da suaimediata executoriedade no privilégio da exe-cução prévia (artigo 149.º, n.º 1, do Código doProcedimento Administrativo) e não na produ-ção de efeitos jurídicos queridos pelas partesinerentes ao «negócio jurídico» (contrato admi-nistrativo) — cfr. artigo 9.º, n.º 3, do Estatutodos Tribunais Administrativos e Fiscais.

IV — Acto administrativo que revoga um actoanterior que colocava um médico na situação delicença sem vencimento e simultaneamente res-cinde o seu contrato administrativo com o fun-damento de que este completou 18 meses de faltaspor doença é um acto administrativo destacáveldo regime contratual, pois encontra a sua ime-diata executoriedade no privilégio da execuçãoprévia e não nos termos do contrato — não é ocontrato administrativo, mas a lei, que confere àAdministração o poder de revogar actos admi-nistrativos.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 2059/98

António Bento São Pedro (Relator) — MagdaEspinho Geraldes — José Franscisco Fonseca daPaz.

Falsos tarefeiros — A omissão dejuros de mora no acto de processa-mento de vencimentos — A funda-mentação do acto tácito — Dever deindemnizar

I — Um acto de processamento de vencimen-tos é considerado acto material de execução, emprincípio inimpugnável, ou acto administrativorecorrível, consoante antes dele haja ou não umaprévia decisão administrativa que defina jurí-dica e autoritariamente a situação remuneratóriado funcionário.

II — Mesmo nos casos em que os actos deprocessamento são impugnáveis, a recorribili-dade deve confinar-se aos aspectos em que elessejam definidores de situações concretas quemerecessem um dever de definição. A pura omis-são ou inércia fora do condicionalismo do actotácito, se não contemplar algo que não tivesse

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374 BMJ 500 (2000)Tribunal Central Administrativo

que ser considerado, não tem por significadonenhuma decisão, nenhum acto administrativo.

III — Assim, se não tiver havido nenhum pe-dido concreto de pagamento de juros de mora, oprocessamento em singelo da remuneração men-sal não significa que a Administração os nãoquis processar por entender não serem devidos.Sobre eles o que se pode dizer simplesmente éque não houve decisão, nem para atribuir, nempara denegar. Nessa circunstância, tornava-seimpossível a impugnação desse processamentona parte em que é omisso quanto aos juros.

IV — Um indeferimento, tácito, por ser meraficção de acto para efeitos contenciosos (artigo109.º do Código do Procedimento Administra-tivo), não está, nem pode estar, sujeito ao deverde fundamentação, o qual apenas se reporta aosactos administrativos expressos.

V — O Estado não está isento do pagamentodos juros moratórios respeitantes aos quantita-tivos que abonou a título de férias não gozadas,subsídio de férias e subsídio de Natal pelo pe-ríodo em que o funcionário permaneceu ao ser-viço da Direcção-Geral das Constribuições eImpostos como falso tarefeiro.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 2913/2000

José Cândido de Pinho (Relator) — José Eduar-do de Oliveira Gonçalves Lopes — Carlos EvêncioFigueiredo Rodrigues de Almada Araújo.

Pedido de suspensão de eficácia jun-tamente com petição de recurso —Tempestividade

I — Face à redacção do n.º 1, alíneas a) e b),do artigo 77.º da Lei de Processo dos TribunaisAdministrativos, o pedido de suspensão de efi-cácia de um acto tem dois momentos para serefectuado: 1 — o interessado pode pedir a sus-pensão de um acto administrativo no momentoem que recorre e, nessa altura, o prazo a obser-var pelo interessado é única e necessariamenteo prazo do respectivo recurso contencioso, rele-vando aqui apenas o prazo de interposição do

recurso, já que é este o meio processual princi-pal de que o requerente lança mão e é em rela-ção a ele (meio principal) que se terá de apreciara tempestividade (o prazo para a suspensão ésimultâneo com o prazo para o recurso, estandocomo que consumido por ele); 2 — o interes-sado pode formular o seu pedido de suspensãode eficácia em momento anterior à interposiçãodo recurso, sujeitando-se aqui à regra do dis-posto no artigo 79.º, n.º 3, da Lei de Processodos Tribunais Administrativos: terá de interporo recurso contencioso — meio processual prin-cipal — no prazo do recurso dos actos anulá-veis, mesmo tratando-se de acto nulo.

II — O artigo 79.º, n.º 3, da Lei de Processodos Tribunais Administrativos, reportando-seapenas ao «caso previsto na alinea b) do n.º 1do artigo 77.º», nada dispõe quanto ao prazo deapresentação em juízo de um pedido de suspen-são de eficácia de um acto, apenas se repor-tando aos efeitos da decisão da suspensão,estabelecendo uma sanção contra a inércia, ounegligência, do requerente de tal pedido, em pro-mover a instauração do respectivo recurso con-tencioso: caducidade da suspensão.

III — O artigo 79.º, n.º 3, da Lei de Processonos Tribunais Administrativos não remete parao artigo 77.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tri-bunais Administrativos, mas apenas para a alí-nea b) do n.º 1 do artigo 77.º, tal norma apenasse refere à caducidade da suspensão de eficácia,nada dispondo sobre prazos de interposição depedido de suspensão de eficácia, tem a sua ratiolegal no carácter provisório desta, devendo en-tender-se a referência ao prazo de interposiçãodo recurso de actos anuláveis — artigo 28.º daLei de Processo nos Tribunais Administrativos —como o prazo normal da caducidade da suspen-são face à extinção do direito acautelado, pois oprazo normal de impugnaçao destes é o do ar-tigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Ad-ministrativos, que se sabe ser um prazo de cadu-cidade: a caducidade da providência cautelardecorre da extinção do direito acautelado — ar-tigo 389.º, n.º 1, alínea e), do Código de Pro-cesso Civil.

IV — Em sede do meio processual acessóriode suspensão de eficácia de um acto, o pressu-posto processual da tempestividade de tal meionão assume autonomia, quer quando o pedido

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375 Tribunal Central AdministrativoBMJ 500 (2000)

de suspensão de eficácia seja interposto conjun-tamente com a petição de recurso contencioso —artigo 77.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processonos Tribunais Administrativos, quer quando de-duzido previamente à interposição do recursocontencioso — artigo 77.º, n.º 1, alínea b), poisno primeiro caso, sendo os pedidos simultâ-neos, o prazo de interposição do recurso (meioprincipal) sobrepõe-se ao da providência (ele éo mesmo), sendo a suspensão sempre tempestiva(porque simultânea) se dirigida a um acto nuloou anulável, cabendo a apreciação do prazoapenas no âmbito da alinea c) do n.º 1 do artigo76.º da Lei de Processo nos Tribunais Adminis-trativos, e, no segundo caso, a suspensão nãopoderá ser julgada extemporânea, pois ela foideduzida previamente à interposição do recurso,o que caducará é o seu efeito, por força do dis-posto no artigo 79.º, n.º 3, da Lei de Processonos Tribunais Administrativos, caso o recursonão seja interposto no prazo aí previsto.

Acórdão de 26 de Outubro de 2000Recurso n.º 4993/2000

Magda Espinho Geraldes (Relatora) — MárioFrederico Gonçalves Pereira — Carlos ManuelMaia Rodrigues.

Reclamação para conferência — In-constitucionalidade do artigo 15.º daLei de Processo nos Tribunais Admi-nistrativos — Poderes do relator —Fiscalização abstracta da constitu-cionalidade

I — Não viola o princípio do contraditório odespacho do relator que, sem prévia audição doMinistério Público, recusa a aplicação do artigo15.º da Lei de Processo nos Tribunais Adminis-trativos com fundamento na sua inconstitucio-nalidade, dado que, não sendo o MinistérioPúblico parte no processo e não se estando pe-rante uma questão que obste ao conhecimentodo objecto do recurso, não são aplicáveis aocaso os artigos 3.º, n.º 3, do Código de Processo

Civil e 54.º, n.º 2, da Lei de Processo nos Tribu-nais Administrativos.

II — Uma vez que esse despacho não decideo objecto do recurso e porque o seu trânsito emjulgado apenas determinaria que o processoviesse a ser julgado em conferência sem a pre-sença do Ministério Público, o relator tem com-petência para o proferir, nos termos dos artigos9.º, n.º 1, alínea a), e 111.º, n.º 1, alínea a), am-bos da Lei de Processo nos Tribunais Adminis-trativos.

III — Não cabendo dentro dos poderes decognição dos tribunais administrativos a sindi-cabilidade da constitucionalidade das normasnão aplicáveis — ou ainda não aplicáveis — aocaso concreto, é nulo, nos termos dos artigos666.º, n.º 3, e 668.º, n.º 1, alínea d), ambos doCódigo de Processo Civil, o despacho do relatorque recusa a aplicação do citado artigo 15.º,visto que o problema da sua aplicabilidade só secolocaria em sede de julgamento efectuado emconferência.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Processo n.º 1986/98

José Francisco Fonseca da Paz (Relator) —António Bento São Pedro — Magda EspinhoGeraldes.

Reversão de vencimento de exercício

I — A reversão de «vencimento de exercí-cio», regulada no Decreto-Lei, n.º 191-E/79, de29 de Março, não tem lugar quando um funcio-nário acumula as suas proprias funções com asde outro lugar do quadro, se o respectivo titularestá ausente temporariamente por motivo dedoença que não implique perda desse venci-mento.

II — A reversão verifica-se em favor do fun-cionário ao qual a título individual tiverem sidocometidas as responsabilidades inerentes àquelelugar (artigo 1.º, n.º 3, do citado diploma).

III — Se, dentro dos condicionalismos doartigo 4.º do diploma mencionado, a Adminis-tração designa dois funcionários para, emacumulação com as respectivas funções, exerce-

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376 BMJ 500 (2000)Tribunal Central Administrativo

rem em períodos iguais e sucessivos, em regimede rotatividade ou alternância, as funções de ou-tro lugar do quadro, não se pode dizer que estasfunções serão desempenhadas em conjunto ouem simultâneo, mas sim que em cada períodocada funcionário as exercerá individualmente emacumulação com as suas próprias. Por essarazão, cada um deles terá direito à reversão do

Acto de liquidação — Falta denotificação — Oposição à execução

Se o contribuinte não for notificado do acto deliquidação e só tomar conhecimento dele quandofor citado para a execução fiscal, ou pode dedu-zir oposição à execução por falta de notificaçãodo acto de liquidação mas atacando apenas afalta de notificação [alínea h) do n.º 1 do artigo286.º do Código de Processo Tributário], oupode deduzir impugnação judicial no prazo de90 dias por ilegalidade da liquidação fundadana caducidade do direito à liquidação.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso n.º 2759/99

Joaquim Casimiro Gonçalves (Relator) — Joséda Ascensão Nunes Lopes — José Gomes Correia.

Artigos 57.º do Código do Impostosobre o Rendimento das PessoasColectivas e 80.º do Código de Pro-cesso Tributário — Vício de funda-mentação

I — O artigo 57.º do Código do Imposto so-bre o Rendimento das Pessoas Colectivas per-mite a correcção do lucro tributável pela admi-nistração fiscal, sempre que existam relaçõesespeciais entre o contribuinte e outra pessoa,

entre ambos se estabeleçam condições diferen-tes das normalmente acordadas entre pessoasindependentes, tais relações especiais sejam acausa adequada das ditas condições, aquelasconduzam a um lucro apurado diverso do quese apuraria na sua ausência.

II — O citado artigo 57.º do Código do Im-posto sobre o Rendimento das Pessoas Colecti-vas, embora confira à administração fiscal umacerta flexibilidade, não lhe confere qualquer po-der discricionário, nem configura uma situaçãode avaliação indirecta do lucro tributável, nãopodendo o mesmo ser fixado com recurso a pre-sunções.

III — A administração fiscal terá de demons-trar não só que se verificam os pressupostosreferidos em 1 mas também o valor do preço deplena concorrência, para o que deve seguir asorientações da OCDE sobre a metodologia ausar.

IV — A complexidade e delicadeza da proble-mática desta matéria e para um maior controloda actuação da administração fiscal, entendeu olegislador que se justificava, neste caso, um de-ver especial de fundamentação — artigo 80.º doCódigo de Processo Tributário (hoje artigo 77.º,n.º 3, da lei geral tributária).

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 1572/98

Fernanda Martins Xavier Nunes (Relatora) —Joaquim Casimiro Gonçalves — Maria CristinaGallego dos Santos.

vencimento de exercício que ao titular do quadrosubstituído caberia.

Acórdão de 12 de Outubro de 2000Recurso n.º 810/98

José Cândido de Pinho (Relator) — JoséEduardo de Olíveira Gonçalves Lopes — CarlosEvêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo.

I I

SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO

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377 Tribunal Central AdministrativoBMJ 500 (2000)

Artigo 64.º do CIVA — Direito aocrédito do imposto — Prazo para oseu pedido de reconhecimento

I — O artigo 64.º do CIVA permite que noscasos de passagem do regime normal de tribu-tação do IVA ao regime especial referido no ar-tigo 60.º, ou inversamente, a Direcção-Geral dasContribuições e Impostos possa tomar as medi-das que julgar necessárias a fim de evitar que oretalhista usufrua de vantagens injustificadas ousofra prejuízos igualmente injustificados.

II — Tendo a recorrente passado do regimede tributação dos pequenos retalhistas para oregime normal, daí lhe resultando crédito do im-posto, tem direito a pedir o reconhecimento des-se crédito dentro do prazo de caducidade idênticoaquele de que beneficia o Estado quanto ao di-reito à liquidação do mesmo imposto.

III — O prazo referido no ofício-circularn.º 69 373, de 4 de Agosto de 1987, para efeitosde reconhecimento do crédito do imposto, é ile-gal, pois fixa um prazo de caducidade do exercí-cio do direito, violando assim uma garantia docontribuinte para cuja matéria é competente aAssembleia da República.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso n.º 1038/98

João António Valente Torrão (Relator) — JoséCarlos de Almeida Lucas Martins — José da As-censão Nunes Lopes.

Embargos de terceiro — Cônjugedo devedor — IVA — Qualidade deterceiro

I — Em dívida de impostos, como no IVA, aresponsabilidade pelo seu pagamento cabe aambos os cônjuges, salvo se casados em regimede separação de bens, podendo na execução fis-cal deduzida apenas contra um dos cônjugespenhorar-se logo bens comuns do casal, nãosendo lícito ao outro cônjuge deduzir embargosde terceiro.

II — Tal dívida, porque derivada do comér-cio ou indústria, presume-se comum a ambos os

cônjuges e não exclusiva do cônjuge executado,por ter sido constituída em proveito comum docasal e se destinar a ocorrer a encargos nor-mais da vida familiar para a qual ambos oscônjuges devem contribuir, não sendo o outrocônjuge terceiro para efeitos da dedução de em-bargos.

Acórdão de 10 de Outubro de 2000Recurso n.º 3212/2000

Eugénio Martinho Sequeira (Relator) — MariaCristina Gallego dos Santos — José Carlos deAlmeida Lucas Martins.

Impugnação judicial — Taxas —Reclamação prévia — Princípio daproporção — Má fé

I — Tendo o impugnante conjuntamente coma petição inicial da sua impugnação deduzidacontra a liquidação de taxas pelo município logojunto um requerimento dirigido ao presidente dacâmara desse município a impugnar as taxasem causa e a requerer que fosse remetida a tri-bunal caso fossem mantidas as mesmas taxase, a final, o presidente se pronunciou, mantendoa liquidação e remetendo os autos a tribunal,ocorre a prévia reclamação, obrigatória paraacesso à via judicial, perante o órgão executivoda autarquia local, a que aludia o artigo 22.º,n.º 2, da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, embora oseu processamento não tenha seguido estrita-mente o figurino previsto na lei.

II — O aumento de uma taxa por ocupaçãode uma parcela do domínio público para odécuplo, sem qualquer justificação para tãoelevado aumento, viola de forma clamorosa oprincípio constitucional da proporcionalidadea que a Administração está sujeita, tornando-ailegal e levando à respectiva anulação.

Acórdão de 31 de Outubro de 2000Recurso n.º 2548/99

Eugénio Martinho Sequeira (Relator) — An-tónio Francisco de Almeida Calhau — José Mariada Fonseca Carvalho.

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378 BMJ 500 (2000)Tribunal Central Administrativo

Interpretação da petição inicial quantoao acto impugnado — Ajudas de custo

I — Característica essencial das ajudas decusto é o facto de representarem uma compen-sação ou reembolso pelas despesas que o traba-lhador foi obrigado a suportar do seu bolso, nasequência de deslocações ou novas instalaçõesao serviço do empregador, inexistindo na suapercepção qualquer correspectividade em rela-ção ao trabalho.

II — O facto de as importâncias atribuídas atítulo de ajudas de custo revestirem carácter deregularidade e continuidade não implica, neces-sariamente, que tenham deixado de constituir umacompensação por despesas suportadas pelo tra-balhador em favor da entidade patronal e quetenham passado a ser um correspectivo da suaprestação de trabalho.

III — Não tendo a administração fiscal de-monstrado a falta de verificação dos pressupos-tos para a atribuição da verba a título de ajudasde custo (como lhe incumbia para poder alterara declaração do contribuinte), não pode preten-der, sem mais, que ela configure um rendimentode trabalho dependente, tributável em IRS.

Acórdão de 24 de Outubro de 2000Recurso n.º 3978/2000

Dulce Manuel da Conceição Neto (Relatora) —José Gomes Correia — Joaquim Casimiro Gon-çalves.

IRC — Encargos de férias — Regimetransitório

I — O contribuinte que, no exercício do anode 1989, tenha suportado encargos de férias,relativos a anos anteriores pode operar a dedu-ção de 25% do montante desses encargos à ma-

téria colectável do IRC em cada um dos exercí-cios dos anos de 1989, 1990, 1991 e 1992 —artigo 12.º do Código do IRC.

II — Não há lugar à dedução nem ao corres-pondente acréscimo à matéria colectável/IRC se,no exercício do ano de 1989, não tiverem sidopagos encargos de férias relativos a anos ante-riores.

Acórdão de 3 de Outubro de 2000Recurso n.º 1389/98

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (Relator) —Eugénio Martinho Sequeira — José Gomes Cor-reia.

Títulos de dívida

I — Os juros contidos em título de dívidapública, pagos antes da data do seu vencimentoou reembolso, em transacção efectuada entre oseu possuidor e o recorrente, são rendimentosde capitais, sujeitos a imposto no acto dessa tran-sacção e à respectiva retenção na fonte por este.

II — Em 1991, tais rendimentos subsumiam--se à norma de incidência do artigo 60.º, alí-nea c), do Código do Imposto sobre o Rendimentodas Pessoas Singulares, como outras formas deremuneração de títulos da dívida pública.

III — A nova redacção dada pelo artigo 6.º,alínea c), e seu n.º 3, do Código do Imposto so-bre o Rendimento das Pessoas Singulares, peloDecreto-Lei n.º 263/92, de 24 de Novembro, éinterpretativa, tendo vindo explicitar ou tornarclaro um sentido já contido naquela, que os cha-mados «juros decorridos» constituíam um ren-dimento de capitais, sujeitos a imposto.

Acórdão de 17 de Outubro de 2000Recurso n.º 1124/98

Eugénio Martinho Sequeira (Relator) — José daAscensão Nunes Lopes — José Carlos de AlmeidaLucas Martins.