Justiça Social e Crescimento No Antropoceno - 15-03-2015 - Ilustríssima - Folha de S.paulo (3)

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Justiça social e crescimento no Antropoceno RODRIGO NUNES 15/03/2015 03h09 RESUMO Visto como irrealista, o ambientalismo costuma ser posto ao lado da emoção, da particularidade e do sensível, em contraste com o racional, o ocidental, o adulto. O realismo econômico, entretanto, mostra-se irrealista ao supor que, contra toda lógica, o planeta pode oferecer energia e absorver dejetos indefinidamente. * Há algum tempo, um meme circulava pela internet com a foto de um vasto território em Alberta, Canadá, inteiramente transfigurado pela extração de petróleo. "Se isto é bom para a economia", dizia, "foda-se a economia". A carga afetiva da imagem certamente sugeria, e parecia mesmo justificar, o sentimento expresso na frase. Mas talvez até aqueles que inicialmente se deixassem impactar enxergariam ali, após alguma reflexão, as limitações que se costuma atribuir ao ambientalismo. Primeiro, o sentimentalismo e a falta de visão de conjunto: os apelos emotivos em que supostas catástrofes são apresentadas fora do contexto dos empregos que geram, dos investimentos que atraem, de seu peso na balança comercial. Segundo, o utopismo ingênuo, que age como se realmente pudéssemos dar-nos ao luxo de frear a economia por causa de uma tribo distante, uma espécie rara ou uma bela paisagem. De bom coração, mas incapaz de apreender a complexidade do mundo, o irrealismo ambientalista seria o exato contrário da realista "ciência" econômica: enquanto esta nos ensina que não há almoço grátis, aquele parece acreditar que energia e dinheiro podem vir do nada, e sonha com um mundo onde os omeletes se façam sem quebrar os ovos. Feministas e antropólogos ensinaram-nos a reconhecer, numa série de oposições que estruturam nosso pensamento, reflexos do modo como operamos a divisão fundamental entre natureza e cultura. Parece inevitável que, ao tomar a defesa de territórios ditos virgens ou populações ditas selvagens, o ambientalismo acabe colocado -junto com mulheres, crianças e não ocidentais- do lado da emoção, da particularidade e do sensível, em contraste com o racional, o universal, o abstrato, o ocidental, o adulto, o masculino. Vista através desta grade, toda preocupação ambiental que vem à tona no debate público já se encontra neutralizada de antemão. Infantilizada e isolada como uma expressão irrefletida, ela pode ser facilmente ignorada; na melhor das hipóteses, é reconhecida como questão legítima porém parcial, a ser incorporada na racionalidade mais ampla e madura dos economistas. No entanto, é esta mesma grande divisão que se complexifica diante das questões político-científicas que o aquecimento global levanta. Peça central neste reembaralhar de cartas é o conceito de Antropoceno: a ideia, atualmente em discussão pela comunidade científica, de que teríamos abandonado a era geológica em que se deu quase toda história da humanidade -o Holoceno- para entrar em um período que se define pelas transformações impostas por nossa espécie ao funcionamento do sistema terrestre. Quando atribuímos à história da cultura o valor de força geológica, é a própria natureza que deixa de ser o pano de fundo estático do progresso humano para ganhar historicidade: o planeta que temos hoje é diverso daquele que nossos ancestrais tiveram, não apenas na sua aparência superficial, mas segundo parâmetros profundos como temperatura e acidez oceânica. Mais que isso, a temporalidade não linear dos processos físicos nos faz entrar numa quadra em que as mudanças naturais têm sido mais velozes que as sociais: enquanto cientistas revisam sistematicamente para cima suas previsões sobre o ritmo do aquecimento global, 23 anos de conferências da ONU sobre o tema ainda estão longe de produzir um acordo efetivo. Somos, em suma, uma espécie natural cuja cultura, tendo modificado a natureza de maneira radical, agora se nos opõe com a resistência bruta e muda de uma natureza que parecemos incapazes de modificar. REALISTA O QUÊ? Não é apenas a fronteira entre natureza e cultura que se confunde, mas também a diferença entre o "realista" e o "irreal". E não apenas porque o consenso esmagador da comunidade científica hoje está do lado de gente que até ontem reduziria a ciência a uma ferramenta de dominação, enquanto supostos racionalistas pendem cada vez mais para apostas com um pé na ficção científica (como a geoengenharia) ou um "pós-modernismo tático" que reduz evidências a questões de opinião. Poderíamos descrever a situação, aliás, como uma inversão de posição entre particular e universal. Ainda que tirem a legitimidade de sua disciplina de uma suposta homologia com os modelos matemáticos da física, a realidade em relação à qual os economistas são realistas -quando o são- não é a Terra como sistema físico, mas algo chamado "a economia". Evidentemente, uma realidade está contida na outra: a economia existe na Terra e depende de seus processos físicos. Aí, justamente, reside o problema. No momento em que a ciência afirma que o planeta é incapaz de suportar o atual ritmo e modelo de desenvolvimento econômico, ser realista em relação à economia sem ser realista em relação a seu suporte físico é exatamente como acreditar que existe almoço de graça; que, contra toda lógica, o planeta pode continuar a oferecer energia e absorver dejetos indefinidamente e cada vez mais rápido. Trata-se, em resumo, de um "realismo" que complementa a certeza de que só se faz omeletes quebrando ovos com a crença mágica numa Galinha dos Ovos de Ouro infinitamente dadivosa. Não é à toa que o economista Nicholas Georgescu-Roegen, autor de "Energia e Mitos Econômicos", tem tido um revival ultimamente. É por isto que aquele meme sobre as areias betuminosas do Canadá é menos ingênuo do que aparenta à primeira vista. Por isso, também, o ônus da prova no debate público, que costuma pesar desproporcionalmente contra qualquer tipo de proposta mais radical, precisa começar a ser distribuído de maneira mais equânime: não é mais tão evidente de que lado, hoje, está o pensamento mágico. Um exemplo deste desequilíbrio pode ser encontrado num artigo de 7 de dezembro de 2014 nesta "Ilustríssima", em que o jornalista Marcelo Leite, comentando o debate em torno do conceito de Antropoceno, opõe a perspectiva de Naomi Klein a visões mais moderadas, com clara desvantagem para a primeira. Movida apenas pelo "pensamento positivo" que funda sua fé numa "reviravolta anticapitalista" como solução para a crise ambiental, Klein seria impedida por sua "viseira" ideológica de entender que "o capitalismo não é um monólito, mas um sistema flexível e cambiante". "Reconhecer a mudança do clima como uma falha de mercado não obriga ninguém a concluir que a falha não possa ser corrigida", o artigo arremata, citando a historiadora da ciência Naomi Oreskes. BOM PARA QUEM Mas serão as coisas tão simples? A expressão "falha de mercado" é altamente carregada, porque sugere que o objetivo do mercado seria a preservação ambiental. Contudo, chamar algo como a crise hídrica paulista de "falha de mercado" é ignorar que ela foi provocada em grande parte pelo sucesso do mercado em render dividendos aos acionistas da Sabesp -em detrimento da qualidade do serviço e do bem-estar da população. O que move os agentes de mercado é essencialmente a busca do lucro, não a promoção do bem comum; talvez não seja preciso uma viseira ideológica, mas apenas uma dose saudável de ceticismo, para duvidar que a segunda se produza espontaneamente a partir da primeira, ou que seja racional apostar todas as fichas nisso. Além disso, como o próprio artigo acaba por reconhecer, o caminho das soluções de mercado é exatamente aquele que tem sido tentado há décadas -com resultados pífios e "falhas" notáveis. Enquanto isso, a janela de oportunidade para evitar aumentos desastrosos de temperatura se fecha cada vez mais rápido. Justiça social e crescimento no Antropoceno - 15/03/2015 - Ilustríssima - Folha de S.Paulo http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2... 1 of 2 3/18/15, 9:20 AM

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  • Justia social e crescimento no AntropocenoRODRIGO NUNES

    15/03/2015 03h09

    RESUMO Visto como irrealista, o ambientalismo costuma ser posto ao lado da emoo, da particularidade e do sensvel, em contrastecom o racional, o ocidental, o adulto. O realismo econmico, entretanto, mostra-se irrealista ao supor que, contra toda lgica, o planetapode oferecer energia e absorver dejetos indefinidamente.

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    H algum tempo, um meme circulava pela internet com a foto de um vasto territrio em Alberta, Canad, inteiramente transfigurado pelaextrao de petrleo. "Se isto bom para a economia", dizia, "foda-se a economia". A carga afetiva da imagem certamente sugeria, eparecia mesmo justificar, o sentimento expresso na frase. Mas talvez at aqueles que inicialmente se deixassem impactar enxergariamali, aps alguma reflexo, as limitaes que se costuma atribuir ao ambientalismo.

    Primeiro, o sentimentalismo e a falta de viso de conjunto: os apelos emotivos em que supostas catstrofes so apresentadas fora docontexto dos empregos que geram, dos investimentos que atraem, de seu peso na balana comercial. Segundo, o utopismo ingnuo,que age como se realmente pudssemos dar-nos ao luxo de frear a economia por causa de uma tribo distante, uma espcie rara ou umabela paisagem. De bom corao, mas incapaz de apreender a complexidade do mundo, o irrealismo ambientalista seria o exato contrrioda realista "cincia" econmica: enquanto esta nos ensina que no h almoo grtis, aquele parece acreditar que energia e dinheiropodem vir do nada, e sonha com um mundo onde os omeletes se faam sem quebrar os ovos.

    Feministas e antroplogos ensinaram-nos a reconhecer, numa srie de oposies que estruturam nosso pensamento, reflexos do modocomo operamos a diviso fundamental entre natureza e cultura. Parece inevitvel que, ao tomar a defesa de territrios ditos virgens oupopulaes ditas selvagens, o ambientalismo acabe colocado -junto com mulheres, crianas e no ocidentais- do lado da emoo, daparticularidade e do sensvel, em contraste com o racional, o universal, o abstrato, o ocidental, o adulto, o masculino.

    Vista atravs desta grade, toda preocupao ambiental que vem tona no debate pblico j se encontra neutralizada de antemo.Infantilizada e isolada como uma expresso irrefletida, ela pode ser facilmente ignorada; na melhor das hipteses, reconhecida comoquesto legtima porm parcial, a ser incorporada na racionalidade mais ampla e madura dos economistas. No entanto, esta mesmagrande diviso que se complexifica diante das questes poltico-cientficas que o aquecimento global levanta. Pea central nestereembaralhar de cartas o conceito de Antropoceno: a ideia, atualmente em discusso pela comunidade cientfica, de que teramosabandonado a era geolgica em que se deu quase toda histria da humanidade -o Holoceno- para entrar em um perodo que se definepelas transformaes impostas por nossa espcie ao funcionamento do sistema terrestre.

    Quando atribumos histria da cultura o valor de fora geolgica, a prpria natureza que deixa de ser o pano de fundo esttico doprogresso humano para ganhar historicidade: o planeta que temos hoje diverso daquele que nossos ancestrais tiveram, no apenas nasua aparncia superficial, mas segundo parmetros profundos como temperatura e acidez ocenica.

    Mais que isso, a temporalidade no linear dos processos fsicos nos faz entrar numa quadra em que as mudanas naturais tm sido maisvelozes que as sociais: enquanto cientistas revisam sistematicamente para cima suas previses sobre o ritmo do aquecimento global, 23anos de conferncias da ONU sobre o tema ainda esto longe de produzir um acordo efetivo. Somos, em suma, uma espcie naturalcuja cultura, tendo modificado a natureza de maneira radical, agora se nos ope com a resistncia bruta e muda de uma natureza queparecemos incapazes de modificar.

    REALISTA O QU?

    No apenas a fronteira entre natureza e cultura que se confunde, mas tambm a diferena entre o "realista" e o "irreal". E no apenasporque o consenso esmagador da comunidade cientfica hoje est do lado de gente que at ontem reduziria a cincia a uma ferramentade dominao, enquanto supostos racionalistas pendem cada vez mais para apostas com um p na fico cientfica (como ageoengenharia) ou um "ps-modernismo ttico" que reduz evidncias a questes de opinio.

    Poderamos descrever a situao, alis, como uma inverso de posio entre particular e universal. Ainda que tirem a legitimidade desua disciplina de uma suposta homologia com os modelos matemticos da fsica, a realidade em relao qual os economistas sorealistas -quando o so- no a Terra como sistema fsico, mas algo chamado "a economia". Evidentemente, uma realidade est contidana outra: a economia existe na Terra e depende de seus processos fsicos. A, justamente, reside o problema.

    No momento em que a cincia afirma que o planeta incapaz de suportar o atual ritmo e modelo de desenvolvimento econmico, serrealista em relao economia sem ser realista em relao a seu suporte fsico exatamente como acreditar que existe almoo degraa; que, contra toda lgica, o planeta pode continuar a oferecer energia e absorver dejetos indefinidamente e cada vez mais rpido.Trata-se, em resumo, de um "realismo" que complementa a certeza de que s se faz omeletes quebrando ovos com a crena mgicanuma Galinha dos Ovos de Ouro infinitamente dadivosa. No toa que o economista Nicholas Georgescu-Roegen, autor de "Energia eMitos Econmicos", tem tido um revival ultimamente.

    por isto que aquele meme sobre as areias betuminosas do Canad menos ingnuo do que aparenta primeira vista. Por isso,tambm, o nus da prova no debate pblico, que costuma pesar desproporcionalmente contra qualquer tipo de proposta mais radical,precisa comear a ser distribudo de maneira mais equnime: no mais to evidente de que lado, hoje, est o pensamento mgico.

    Um exemplo deste desequilbrio pode ser encontrado num artigo de 7 de dezembro de 2014 nesta "Ilustrssima", em que o jornalistaMarcelo Leite, comentando o debate em torno do conceito de Antropoceno, ope a perspectiva de Naomi Klein a vises maismoderadas, com clara desvantagem para a primeira. Movida apenas pelo "pensamento positivo" que funda sua f numa "reviravoltaanticapitalista" como soluo para a crise ambiental, Klein seria impedida por sua "viseira" ideolgica de entender que "o capitalismo no um monlito, mas um sistema flexvel e cambiante". "Reconhecer a mudana do clima como uma falha de mercado no obriganingum a concluir que a falha no possa ser corrigida", o artigo arremata, citando a historiadora da cincia Naomi Oreskes.

    BOM PARA QUEM

    Mas sero as coisas to simples? A expresso "falha de mercado" altamente carregada, porque sugere que o objetivo do mercadoseria a preservao ambiental. Contudo, chamar algo como a crise hdrica paulista de "falha de mercado" ignorar que ela foi provocadaem grande parte pelo sucesso do mercado em render dividendos aos acionistas da Sabesp -em detrimento da qualidade do servio e dobem-estar da populao.

    O que move os agentes de mercado essencialmente a busca do lucro, no a promoo do bem comum; talvez no seja preciso umaviseira ideolgica, mas apenas uma dose saudvel de ceticismo, para duvidar que a segunda se produza espontaneamente a partir daprimeira, ou que seja racional apostar todas as fichas nisso. Alm disso, como o prprio artigo acaba por reconhecer, o caminho dassolues de mercado exatamente aquele que tem sido tentado h dcadas -com resultados pfios e "falhas" notveis. Enquanto isso, ajanela de oportunidade para evitar aumentos desastrosos de temperatura se fecha cada vez mais rpido.

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  • A falcia em dizer que "o bem da economia" coincide com "o bem da sociedade" decorre de que nem economia, nem sociedade so umacoisa s: "a economia" distribui "o bem" de maneira sempre mais ou menos desigual. Quando a desigualdade cruza um certo limiar,sobra a alternativa de "pagar para ver"; foi o caso das recentes eleies na Grcia.

    Quando a alternativa "realista" consistia em aprofundar medidas que geraram desemprego de 65% entre a juventude e um aumento de40% na taxa de suicdios (sem, diga-se de passagem, reanimar a economia do pas), os gregos optaram por serem realistas a respeitode outra realidade: a crise aguda de reproduo social que ameaa a prpria sobrevivncia fsica de uma parcela crescente dapopulao. Nestas condies, exigir aquilo que o mercado diz ser impossvel era a coisa mais razovel a fazer.

    Pode-se objetar que a runa grega uma situao bastante distinta da brasileira, onde, at recentemente pelo menos, o crescimentoeconmico tirava milhes da pobreza. Como ser contra o crescimento neste caso? Com efeito, consolidou-se nos governos do PT,partido que abrigou parcela importante do ambientalismo nascente nos anos 80, um consenso poltico segundo o qual a bandeiraambiental seria elitista e "de direita" -ainda que a direita, dentro ou fora do governo, seja notoriamente desinteressada em empunh-la.Se ser de esquerda distribuir renda, e s pode haver distribuio de renda quando h crescimento econmico, como no concluir queser de esquerda apostar no crescimento econmico?

    O raciocnio parece a prpria definio de uma "esquerda realista", at que lembramos que precisamente a ideia de crescimentoeconmico ilimitado nos moldes atuais que os cientistas dizem ter se tornado irreal -e que, se indicadores como o PIB so divisveis porpas, as mudanas climticas no conhecem fronteiras. Mas seria o caso, ento, de sermos obrigados a escolher: ou justia social ouambiente? nisto que insiste boa parte de nossa esquerda, flertando publicamente com um negacionismo que, no exterior, apenas adireita mais retrgrada tem coragem de abraar.

    Por trs dessa insistncia, contudo, esconde-se outra coisa: a blindagem da premissa segundo a qual s pode haver distribuio derenda quando h crescimento econmico. verdade que esta foi a frmula do bem-sucedido pacto lulista, que aproveitou um momentopropcio da economia global para criar uma situao em que os ricos ficavam mais ricos e os pobres, menos pobres. Agora que aquelemomento parece ter atingido o limite, fica evidente que se esconde a uma opo poltica. Seria possvel produzir mais igualdadecrescendo menos, caso no se tivesse abandonado o projeto de redistribuir a riqueza j existente, representado por antigas bandeirascomo o imposto sobre grandes fortunas e a reforma agrria. Abandonado este projeto, sobrou apenas a distribuio da renda por sercriada -e, portanto, o compromisso com o crescimento econmico ilimitado e o enriquecimento continuado dos mais ricos.

    A lgica do "anticapitalismo" de Naomi Klein poderia ser reconstruda de modo que vssemos a no a expresso de um "pensamentopositivo", mas a enunciao de um princpio: num momento de crise global, o justo que a corda arrebente do lado dos mais fortes. Se impossvel seguir crescendo de modo desenfreado, e se no se quer abandonar o propsito da justia social, necessrio dissociarjustia social e crescimento econmico.

    No se pode apenas dizer "todos precisamos fazer sacrifcios", quando tanto lucros quanto prejuzos, nesta curva histrica que nostrouxe crise ambiental, sempre foram to desigualmente distribudos. Isto significa que os custos da transio para uma economiaps-carbono e da mitigao dos efeitos das mudanas climticas devem pesar proporcionalmente mais sobre quem tem mais condiesde absorv-los e mais se beneficiou desteprocesso. Da resultam ideias como a taxao pesada da indstria petroleira, para a qual j foram pensadas propostas concretas commedidas que no oneram o consumidor.

    Esta opo seguramente mais justa e, sob vrios aspectos, provavelmente mais realista do que oferecer incentivos e criar novosmercados justamente para quem causou a crise, assumindo o risco de que, no futuro, ns teremos de pagar por novas "falhas demercado". Da mesma forma, por mais distantes que estejamos de ter presso e organizao popular na escala necessria, parece maisrealista acreditar que mudanas verdadeiras s acontecero por esta via do que confiar -contra a primeira de lei de Newton- quemercado e sistema poltico saiam por conta prpria de sua inrcia.

    V-se que a questo ambiental no s no elitista por definio, como pode articular uma crtica sistmica e uma viso de justia socialmais profundas que aquelas que a esquerda atualmente oferece. verdade que, se entendemos "ecolgico" como sinnimo de"complexo" e "sistmico", o ambientalismo muitas vezes foi exatamente o contrrio: pensando ambiente e humanidade como externosum ao outro, concentrando-se em efeitos e no em causas, e assim frequentemente elitista, satisfeito com conchavos de gabinete emedidas superficiais de mercado.

    Mas existe hoje a oportunidade -certamente a necessidade- de superar este antigo ambientalismo, cosmtico e quase exclusivamente declasse mdia, na direo de um projeto que constitua uma base social ampla para a qual justia social e justia ambiental sejamindissociveis. Isto possvel? Difcil saber. Mas talvez um dia venhamos a lamentar e reconhecer que era a nica opo realista.

    RODRIGO NUNES, 36, professor do departamento de filosofia da PUC-Rio, autor de "Organisation of the Organisationless" (Mute).

    Endereo da pgina:

    http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/03/1602087-justica-social-e-crescimento-no-antropoceno.shtml

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