Juventude rural: autonomia e construção coletiva no Semiárido

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1364 Janeiro/2014 Juventude rural: autonomia e construção coletiva no Semiárido Ouricuri “Viver com renda e dignidade no campo, sem ter que deixar a própria terra em busca de trabalho”. Esta é a frase que melhor define o grupo de jovens da Lajinha, município de Ouricuri, Sertão do Araripe de Pernambuco. Tudo começou quando em 2008, 47 famílias agricultoras da comunidade começaram a receber assessoria técnica do Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada), através do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC). Além das famílias, foi desenvolvido um processo de mobilização com os jovens, na perspectiva de envolvê-los nas atividades produtivas, a partir do contexto social em que estavam inseridos. O trabalho iniciou com 10 jovens e a ideia era multiplicar o conhecimento na comunidade, com o objetivo de despertar nos adolescentes o desejo de permanecer no meio rural, enxergando as potencialidades do campo e as oportunidades para quem mora na região. Antes da criação do grupo, os jovens se dedicavam aos estudos, mas nos períodos difíceis de seca, não hesitavam em deixar as propriedades para apostar a vida nas grandes cidades, principalmente nas atividades de cortes de cana. Por outro lado, havia jovens que não seguiam o mesmo destino dos rapazes, mas também não estabeleciam uma relação com as atividades agrícolas. A busca dos jovens por uma vida melhor em outros lugares era algo natural, pois o trabalho na comunidade era restrito às lavouras de seus pais, especialmente aos roçados de milho, feijão e criação de pequenos animais. “A gente ficava triste em ter que se afastar da família e do lugar onde vivemos uma vida inteira, por não ter opção de trabalho, mas não havia garantia de um futuro melhor, então era uma experiência, uma tentativa”, explica o líder do grupo, Roberto Viana. Durante a assessoria técnica, os jovens começaram a participar das reuniões mensais da Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Sítio Lajinha, como também da dinâmica de atividades dos/as associados/as. Com o objetivo de incentivar e ampliar as atividades de formação com a juventude, foi feito um

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O boletim retrata uma experiência coletiva desenvolvida por um grupo de jovens. Eles/as contam com apoio das famílias agricultoras que aplicam técnicas sustentáveis em suas propriedades, através de projetos de convivência. A comunidade é bem organizada e a juventude realiza ações com base na agroecologia, enxergando as potencialidades da região, na perspectiva de melhorar a qualidade de vida. A experiência visa diminuir o êxodo rural no Araripe.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1364

Janeiro/2014

Juventude rural: autonomia e construção coletiva no Semiárido

Ouricuri

“Viver com renda e dignidade no campo, sem ter que deixar a própria terra em busca de trabalho”. Esta é a frase que melhor define o grupo de jovens da Lajinha, município de Ouricuri, Sertão do Araripe de Pernambuco. Tudo começou quando em 2008, 47 famílias agricultoras da comunidade começaram a receber assessoria técnica do Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada), através do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC). Além das famílias, foi desenvolvido um processo de mobilização com os jovens, na perspectiva de envolvê-los nas atividades produtivas, a partir do contexto social em que estavam inseridos.

O trabalho iniciou com 10 jovens e a ideia era multiplicar o conhecimento na comunidade, com o objetivo de despertar nos adolescentes o desejo de permanecer no meio rural, enxergando as potencialidades do campo e as oportunidades para quem mora na região. Antes da criação do grupo, os jovens se dedicavam aos estudos, mas nos períodos difíceis de seca, não hesitavam em deixar as propriedades para apostar a vida nas grandes cidades, principalmente nas atividades de cortes de cana. Por outro lado, havia jovens que não seguiam o mesmo destino dos rapazes, mas também não estabeleciam uma relação com as atividades agrícolas.

A busca dos jovens por uma vida melhor em outros lugares era algo natural, pois o trabalho na comunidade era restrito às lavouras de seus pais, especialmente aos roçados de milho, feijão e criação de pequenos animais. “A gente ficava triste em ter que se afastar da família e do lugar onde vivemos uma vida inteira, por não ter opção de trabalho, mas não havia garantia de um futuro melhor, então era uma experiência, uma tentativa”, explica o líder do grupo, Roberto Viana. Durante a assessoria técnica, os jovens começaram a participar das reuniões mensais da Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Sítio Lajinha, como também da dinâmica de atividades dos/as associados/as.

Com o objetivo de incentivar e ampliar as atividades de formação com a juventude, foi feito um

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mapeamento dos jovens da comunidade, no sentido de identificar as pessoas que pudessem construir um plano coletivo de trabalho. Assim, foram realizadas oficinas de convivência com o Semiarido, que contou com a participação de dezenas de jovens. De acordo com o técnico do Chapada, Flávio Paiva, as oficinas revelaram as riquezas e as potencialidades da região semiárida. “Os participantes aprenderam sobre as estratégias de convivência com o Semiárido, que compreendem a conservação dos recursos naturais, agroecologia e criação animal”, explica.

Ao longo dos anos, os jovens desenvolveram atividades produtivas, ao passo em que aprendiam técnicas sustentáveis aplicadas nas propriedades. Através do PDHC, o grupo de jovens começou a participar de intercâmbios e cursos que possibilitaram o conhecimento sobre horticultura, plantio consorciado, caprinovinocultura e avicultura. “Depois que comecei a participar dos movimentos sociais voltados para agricultura familiar, conheci outras formas de trabalho, nas quais me identifiquei, que é a construção de cisternas”, diz Leonardo Gomes, um dos jovens.

Atualmente o grupo conta com 13 jovens interessados em multiplicar o conhecimento adquirido. Na Lajinha, algumas famílias agricultoras foram beneficiadas pelo Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), e os jovens participaram das dinâmicas do Programa na comunidade. De lá pra cá, os jovens realizaram cursos sobre convivência e práticas agroecológicas. Na ocasião, os/as agricultores/as tiveram a oportunidade de desenvolver práticas de compostagem, cobertura morta, biofertilizantes, podas, uso de defensivos naturais, reciclagem, entre outros. “O trabalho com o grupo de jovens permite realizar as atividades dos projetos na comunidade de maneira consistente, pois o sentimento do coletivo é de construção, ou seja, cada contribuição tem sua importância, para que no futuro a experiência se consolide e eles possam colher os frutos da caminhada”,

acredita o técnico do Chapada, Flávio Paiva.

Os cursos e capacitações garantem uma renda complementar para os jovens. Com a finalidade de manter a continuidade das ações e atender as eventuais necessidades do coletivo, os jovens ainda realizam bingos, torneios de futebol e sorteios. No futuro, os jovens da comunidade da Lajinha desejam aperfeiçoar e ampliar a experiência desenvolvida. Por isso, o grupo reforça que é preciso continuar realizando palestras, dias de campo, atividades produtivas, como também não esquecer de trabalhar as temáticas de interesse da juventude nos espaços de formação comunitários. “Com a união da

juventude, estaremos mais articulados para quem sabe trazer até cursos profissionalizantes para comunidade e aumentar as oportunidades para os jovens”, revela Márcia de Souza.