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60 ARTIGO ORIGINAL Adolescência & Saúde Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019 RESUMO Introdução: O sistema estomatognático compreende, além da articulação temporomandibular, um complexo sistema que atua na execução das funções neurovegetativas e manutenção da postura. Os hábitos incorretos no período escolar favorecem a aquisição de deformidades posturais que podem resultar em prejuízos significativos. Objetivo: Verificar a associação entre a ocorrência de disfunções temporomandibulares e o padrão postural de escolares na cidade de Fortaleza/ CE. Metodologia: Estudo transversal, descritivo e quantitativo realizado com 81 alunos selecionados aleatoriamente de duas escolas do ensino fundamental, uma pública e uma particular, da cidade de Fortaleza/CE. Foram coletados dados sociodemográficos, desempenho escolar, saúde, uso de materiais eletrônicos, avaliação antropométrica, presença de disfunções temporomandibulares, hábitos posturais, pesos das mochilas e avaliação postural estática. A análise estatística foi realizada através do Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0. Resultados: Os adolescentes que apresentavam disfunção temporomandibular eram predominantemente do sexo feminino (55,4%; IC95%: 1,15-8,84; p = 0,02), apresentavam risco cardiovascular, de acordo com a classificação Relação Cintura Quadril (15,1%; IC95%: 1,29- 1,82; p = 0,04) e apresentavam posturas inadequadas ao ficarem sentados na cadeira escolar. Em relação a sintomatologia dolorosa na região da coluna, 69,1% dos que possuíam disfunções temporomandibulares relataram já terem sentido dor, sendo esta localizada principalmente na coluna cervical ou torácica (78,9%; IC95%: 1,99-28,27; p = 0,00). Conclusão: Existe uma relação entre a presença hábitos posturais inadequados, alterações posturais e a presença sintomas de suspeição de disfunções temporomandibulares em escolares da cidade de Fortaleza/CE. PALAVRAS-CHAVE Postura; Transtornos da Articulação Temporomandibular; Saúde Pública. ABSTRACT Introduction: Stomatognathic system comprises, besides the temporomandibular joint, a complex system that acts in neurovegetative functions and maintenance of the posture. The incorrect habits in the school period favor an acquisition of postural deformations that can result in significant damages. Objective: Verify an association between an occurrence of temporomandibular disorders and the postural pattern of school children in the city of Fortaleza/CE. Methodos: Cross- sectional, descriptive and quantitative study made with 81 elementary students from two schools, one public and one private, from the city of Fortaleza/CE. The information collected from anthropometric evaluation, presence of temporomandibular disorders, postural habits, backpack weights and static postural evaluation. Statistical analysis was performed through the Hábitos, postura corporal e a suspeição de disfunções temporomandibulares em escolares na cidade de Fortaleza/CE Habits, body posture and the suspicion of temporomandibular disorders of students in the city of Fortaleza/CE Karla Rebecca de Souza Teixeira 1 Thiago Brasileiro de Vasconcelos 2 Gisele Maria Melo Soares Arruda 3 Clarissa Cardoso Ribeiro Ramos 4 Raimunda Hermelinda Maia Macena 5 Profa. Dra. Raimunda Hermelinda Maia Macena - Universidade Federal do Ceará - Centro de Ciências da Saúde/CCS, Faculdade de Medicina/FAMED - Curso de Fisioterapia - Rua: Alexandre Baraúna, 949. Bairro: Rodolfo TeófiloCEP: 60430-110, Fortaleza-CE, Brasil - E-mail: [email protected] Submetido em 23/02/2019 - Aprovado em 03/06/2019 1 Mestranda em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil. 2 Doutorado e Mestrado em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). Fortaleza, CE, Brasil. 3 Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrado Em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, CE, Brasil. 4 Doutorado em Fisioterapia, Exercício Fisico e Saúde; Mestrado em Exercício Físico, Fisioterapia e Saúde, ambos pela Universidad de Murcia (UM). Fisioterapeuta pelo Programa de Promoção da Saúde (PROS) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil. 5 Doutorado em Ciências Médias pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Docente pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil. > > >

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60 ARTIGO ORIGINAL

Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019

RESUMOIntrodução: O sistema estomatognático compreende, além da articulação temporomandibular, um complexo sistema que atua na execução das funções neurovegetativas e manutenção da postura. Os hábitos incorretos no período escolar favorecem a aquisição de deformidades posturais que podem resultar em prejuízos significativos. Objetivo: Verificar a associação entre a ocorrência de disfunções temporomandibulares e o padrão postural de escolares na cidade de Fortaleza/CE. Metodologia: Estudo transversal, descritivo e quantitativo realizado com 81 alunos selecionados aleatoriamente de duas escolas do ensino fundamental, uma pública e uma particular, da cidade de Fortaleza/CE. Foram coletados dados sociodemográficos, desempenho escolar, saúde, uso de materiais eletrônicos, avaliação antropométrica, presença de disfunções temporomandibulares, hábitos posturais, pesos das mochilas e avaliação postural estática. A análise estatística foi realizada através do Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0. Resultados: Os adolescentes que apresentavam disfunção temporomandibular eram predominantemente do sexo feminino (55,4%; IC95%: 1,15-8,84; p = 0,02), apresentavam risco cardiovascular, de acordo com a classificação Relação Cintura Quadril (15,1%; IC95%: 1,29-1,82; p = 0,04) e apresentavam posturas inadequadas ao ficarem sentados na cadeira escolar. Em relação a sintomatologia dolorosa na região da coluna, 69,1% dos que possuíam disfunções temporomandibulares relataram já terem sentido dor, sendo esta localizada principalmente na coluna cervical ou torácica (78,9%; IC95%: 1,99-28,27; p = 0,00). Conclusão: Existe uma relação entre a presença hábitos posturais inadequados, alterações posturais e a presença sintomas de suspeição de disfunções temporomandibulares em escolares da cidade de Fortaleza/CE.

PALAVRAS-CHAVEPostura; Transtornos da Articulação Temporomandibular; Saúde Pública.

ABSTRACTIntroduction: Stomatognathic system comprises, besides the temporomandibular joint, a complex system that acts in neurovegetative functions and maintenance of the posture. The incorrect habits in the school period favor an acquisition of postural deformations that can result in significant damages. Objective: Verify an association between an occurrence of temporomandibular disorders and the postural pattern of school children in the city of Fortaleza/CE. Methodos: Cross-sectional, descriptive and quantitative study made with 81 elementary students from two schools, one public and one private, from the city of Fortaleza/CE. The information collected from anthropometric evaluation, presence of temporomandibular disorders, postural habits, backpack weights and static postural evaluation. Statistical analysis was performed through the

Hábitos, postura corporal e a suspeição de disfunções temporomandibulares em escolares na cidade de Fortaleza/CEHabits, body posture and the suspicion of temporomandibular disorders of students in the city of Fortaleza/CE

Karla Rebecca de Souza Teixeira1

Thiago Brasileiro de Vasconcelos2

Gisele Maria Melo Soares Arruda3

Clarissa Cardoso Ribeiro Ramos4

Raimunda Hermelinda Maia Macena5

Profa. Dra. Raimunda Hermelinda Maia Macena - Universidade Federal do Ceará - Centro de Ciências da Saúde/CCS, Faculdade de Medicina/FAMED - Curso de Fisioterapia - Rua: Alexandre Baraúna, 949. Bairro: Rodolfo TeófiloCEP: 60430-110, Fortaleza-CE, Brasil - E-mail: [email protected] em 23/02/2019 - Aprovado em 03/06/2019

1Mestranda em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil.2Doutorado e Mestrado em Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente pelo Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU). Fortaleza, CE, Brasil.3Doutoranda em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrado Em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Docente pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Fortaleza, CE, Brasil.4Doutorado em Fisioterapia, Exercício Fisico e Saúde; Mestrado em Exercício Físico, Fisioterapia e Saúde, ambos pela Universidad de Murcia (UM). Fisioterapeuta pelo Programa de Promoção da Saúde (PROS) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil.5Doutorado em Ciências Médias pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestrado em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Docente pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza, CE, Brasil.

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61Teixeira et al. HÁBITOS, POSTURA CORPORAL E A SUSPEIÇÃO DE DISFUNÇÕES TEMPOROMANDIBULARES EM ESCOLARES NA

CIDADE DE FORTALEZA/CE

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019Adolescência & Saúde

O aumento significativo na incidência de problemas posturais nessa fase pode ser atribuído também por: má postura durante as aulas, uso incorreto de mochila escolar, utilização de calçados inadequados, elevados níveis de estresse, seden-tarismo, obesidade, dentre outros6. Portanto, o diagnóstico de alterações posturais, assim como a prevenção precoce, além de auxiliar na correção das alterações já instaladas, evita o aparecimento de alterações secundárias a estes desvios posturais ou ao agravamento dos mesmos7.

Além disso, os desvios posturais desorganizam a harmonia corporal e as alterações causadas pela DTM, em especial a dor, podem interferir nas atividades diárias do indivíduo afetado, levando a um efeito negativo na função social e na saú-de emocional, com possíveis reflexos no sistema crânio-cérvico-mandibular8. Nesse contexto, a fisioterapia em ambiente escolar, vem atuando de maneira preventiva através da educação em saúde, com o foco nos hábitos posturais, reper-cutindo positivamente nas práticas de vida diária dos mesmos9. Desta forma, o objetivo desta pes-quisa foi verificar a associação entre a ocorrência de disfunções temporomandibulares e o padrão postural de escolares na cidade de Fortaleza/CE.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e quantitativo, parte de um estudo guarda-chu-va intitulado: Efeitos de uma intervenção em saú-de postural no ambiente escolar: Um estudo entre pré-adolescentes e adolescentes com deficiências

INTRODUÇÃO

A postura é uma atitude do corpo em posição estática ou seu arranjo em situações dinâmicas, sendo considerada uma boa postura, a capacidade dos ligamentos, cápsulas e músculos manterem o corpo ereto, sem desconfortos e com baixo con-sumo energético. Em contrapartida, a má postura aumenta o estresse sobre elementos corporais, e o distribui para estruturas menos capazes de su-portá-lo, provocando alterações posturais e dor1,2.

Segundo Azato3, a presença de disfunções temporomandibulares (DTM) influencia na pos-tura corporal, pois analisando a coluna vertebral de vista lateral, pode se observar que o centro de gravidade descansa na região anterior da coluna cervical e nas articulações temporomandibulares. Portanto, devido ao complexo mecanismo mus-cular envolvendo músculos da cabeça, pescoço e cintura escapular, qualquer alteração em uma dessas estruturas pode levar a um desequilíbrio postural em qualquer uma das cadeias musculares do organismo.

As variações posturais são comumente en-contradas no período do crescimento e desen-volvimento de crianças e adolescentes, sendo decorrentes dos ajustes, adaptações e mudanças corporais e psicossociais que marcam essa fase4. Os hábitos incorretos nesse período favorecem a aquisição de deformidades posturais que podem resultar em prejuízos significativos aos escolares, particularmente às estruturas que compõem a coluna vertebral. As principais alterações posturais evidenciadas nesses escolares são a hipercifose torácica, hiperlordose lombar e a escoliose5.

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>Statistical Package for Social Science (SPSS), version 20.0. Results: Adolescents with temporomandibular dysfunction were predominantly female (55.4%, 95% CI: 1.15-8.84, p = 0.02), presented a cardiovascular risk (15.1%, 95% CI: 1.29-1.82, p = 0.04) and presented inadequate postures when sitting in the school chairs. In relation to the painful symptomatology in the spine region, 69.1% of the patients with temporary and temporary dysfunction were located in the cervical or thoracic spine (78.9%, 95% CI: 1.99-28.27, p = 0, 00). Conclusion: There is an intimate relationship between a position of inappropriate postural habits, postural changes and a presence of symptoms of suspicion of temporomandibular disorders in school children in the city of Fortaleza/CE.

KEY WORDSPosture; Temporomandibular Joint Disorders; Public Health.

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Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019

visuais, auditivas e físicas, aprovado pelo Comi-tê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro Universitário Estácio do Ceará (CAAE nº: 42928515.9.0000.5038).

A amostra foi composta por 81 alunos do ensino fundamental de duas escolas, uma pública e uma particular, na cidade de Fortaleza/CE, se-lecionados aleatoriamente no período de agosto de 2015 a março de 2017. Para se chegar ao ta-manho da amostra foi realizado cálculo amostral, no qual admitiu-se erro de 5%, nível de confiança 95%, considerando-se uma população de 109 indivíduos. Foram incluídos pré-adolescentes e adolescentes na faixa etária entre 10 e 16 anos, que tiveram autorização dos pais para participa-ção no estudo, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que estavam regularmente matriculados e frequentando a escola diariamente. Foram excluídos do levantamento, pré-adolescentes e adolescentes com diagnóstico de algum tipo de deficiência mental e em período gestacional.

A coleta de dados foi realizada através de instrumentos desenvolvidos no pacote de aplicati-vos do Google®, baseado em AJAX, que funciona totalmente on-line, sendo elaborado pelas próprias autoras, e constituído de informações sociode-mográficas, desempenho escolar, saúde, uso de materiais eletrônicos, avaliação antropométrica, presença de disfunções temporomandibulares e hábitos posturais. Além disso foram mensurados os pesos das mochilas e realizada avaliação pos-tural estática.

Para a avaliação antropométrica dos pré-ado-lescentes, foram analisadas as variáveis: peso, altu-ra, índice de massa corporal (IMC), circunferência abdominal (CA), relação cintura-quadril (RCQ) e relação cintura-abdômen (RCA). Na avaliação da altura, os indivíduos foram instruídos a ficarem eretos com as costas contra um estadiômetro ver-tical na parede, com os pés apoiados no chão, sem os calçados10. O peso foi mensurado com a aproximação de 100g, utilizando uma balança calibrada com o indivíduo em pé usando as roupas de educação física. O IMC foi calculado como peso/altura ao quadrado (kg/m2) e classificado em cinco

categorias: baixo peso (IMC < 18,5 kg/m2), peso normal (IMC = 18,5- 24,9 kg/m2), sobrepeso (IMC = 25,0-29,9 kg/m2) e obesos (IMC ≥ 30,0 kg/m2)10.

As circunferências (abdominal e do quadril) foram mensuradas em centímetros utilizando uma fita métrica flexível. A circunferência abdominal foi medida em um nível intermediário entre o último arco costal e a crista ilíaca, adotando a seguinte classificação: homens com circunferência abdominal menor que 94, 94-101, e maior igual que 102 cm serão classificados como de peso normal, sobrepeso e obesidade, respectivamente, enquanto as mulheres são classificadas nas mes-mas categorias de obesidade com base na CA < 80, 80 - 87,9 e ≥ que 88 cm. A circunferência do quadril foi medida no nível de protrusão máxima dos músculos glúteos. A RCQ foi calculada como CA (cm) dividida pela circunferência do quadril (cm) e a RCA foi calculada como a CA (cm) divi-dida pela altura (cm). Homens com RCQ < 0,90, 0,90 - 0,99 e ≥ 1,0 foram classificados como de peso normal, sobrepeso ou obesidade, respecti-vamente, enquanto as mulheres são classificadas nas mesmas categorias com base em RCQ de < 0,80, 0,80 - 0,84 e ≥ 0,8510.

Para a avaliação de disfunções temporo-mandibulares foi usado o Índice Anamnésico de Fonseca, que se trata de um dos instrumentos disponíveis em língua portuguesa para caracterizar a severidade dos sintomas de DTM. Para cada uma das questões são possíveis três respostas (sim, não e às vezes) para as quais são preestabelecidas três pontuações (10, 0 e 5, respectivamente). Com a somatória dos pontos atribuídos obtém-se um índice anamnésico que permite classificar os vo-luntários em categorias de severidade de sintomas: sem DTM (0 a 15 pontos), DTM leve (20 a 45 pontos), DTM moderada (50 a 65) e DTM severa (70 a 100 pontos)11.

Os hábitos posturais foram analisados através da aplicação de um questionário de perguntas objetivas, que incluía questões sobre identifica-ção e conhecimento das posturas corretas nas seguintes situações: postura da coluna, quadris e pés durante a posição sentada; da cabeça, colu-na e pés na posição em pé; maneira de carregar

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equipamentos eletrônicos, houve predominância do smartphone (80,2%) (Tabela 1).

mochilas; de agachar para pegar objetos no chão; de mudar objetos de lugar; e posição ao dormir. Em seguida, foi realizada uma avaliação postural estática (vista anterior, lateral e posterior), cujo protocolo utilizado foi desenvolvido a partir de uma sugestão de pontos de marcação e medidas para avaliação postural, baseada na relevância clínica, base científica, viabilidade metodológica e aplicabilidade12.

A mensuração do peso da mochila (em kg) foi realizada no mesmo dia e hora da avaliação postural, utilizando-se também para o feito, a balança de mesma marca. A avaliação do peso da mochila foi efetuada como percentagem relativa ao peso do aluno, ou seja, peso da mochila a dividir pelo peso do adolescente. Foi considerado o peso da mochila excessivo quando a carga excedia 10% do peso do adolescente13.

Os dados foram digitados no programa Microsoft Office Excel® 2010 for Windows 2010, onde foi adotado o processo de dupla entrada. Com o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences-SPSS® versão 20.0 foram realiza-das as comparações de frequência entre variáveis categóricas por meio do teste qui-quadrado; e as comparações de médias entre os grupos por teste t de Student e Análise de Variância (ANOVA), onde se admitiu como nível de significância p < 0,05. Para comparação de médias de variáveis distribuídas de forma diferente da distribuição normal foi utilizado o teste não paramétrico de Kruskall-Wallis.

RESULTADOS

A amostra era majoritariamente masculina (53,1%), cursava o 7º ano do ensino fundamental (53,1%) e apresentava DTM (69,1%) segundo o Índice Anamnésico de Fonseca. Além disso, apre-sentavam segundo a relação IMC/idade, peso ideal (76,3%), não possuíam risco cardiovascular segun-do RCQ e RCA, 89,6% e 80,5%, respectivamente, e praticavam exercício físico (72,2%). Quanto ao peso da mochila escolar, a maioria apresentava o peso adequado (96,6%). No que se refere ao uso de

Tabela 1. Distribuição da amostra em relação aos dados sociodemográficos, Fortaleza/CE, 2017.

Variáveis N Fa F%

Sexo 81

Feminino 38 46,9

Masculino 43 53,1

Série 81

6º Ano – Fundamental 33 40,7

7º Ano – Fundamental 43 53,1

8º Ano – Fundamental 5 6,20

Classificação DTM 81

DTM 56 69,1

Sem DTM 25 30,9

IMC/idade 76

Alterado 18 23,7

Peso ideal 58 76,3

Peso da mochila 58

Adequado 56 96,6

Inadequado 2 3,4

Classificação RCQ 77

Risco cardiovascular 8 10,4

Sem risco cardiovascular 69 89,6

Classificação RCA 77

Risco cardiovascular 15 19,5

Sem risco cardiovascular 62 80,5

Uso de tablet com frequência 81 26 32,1

Uso de computador com

frequência 81

35 43,2

Uso de smartphone com

frequência 81

65 80,2

Uso de notebook com frequência 81 28 34,6

Dedo usado no touch screen 81

continua

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Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019

Na Tabela 2, apresenta-se a distribuição dos adolescentes em relação a avaliação postu-ral, hábitos posturais e algias. Quanto aos dados encontrados na avaliação postural, a maioria dos escolares apresentaram alterações posturais quanto a posição da cabeça, sendo 51,9% lateralizada e 67,9% anteriorizada ou posteriorizada (vista late-ral); ombros protraídos ou retraídos segundo a vista lateral (70,4%); joelhos genuvalgos ou genuvaros de acordo com a vista anterior (54,3%); e coluna cervical apresentando aumento da lordose ou retificação (67,9%), coluna torácica com hiperci-fose ou retificação (81,5%) e 75,3% apresentando hiperlordose ou retificação da coluna lombar.

As análises de hábitos posturais e algias da amostra demonstram que os estudantes perma-necem de forma inadequada em frente ao com-putador (67,1%), em uma postura incorreta ao ficar sentado, sendo 67,1% com as costas e 56,0% com as nádegas na cadeira. Além disso, 57,3% dos adolescentes responderam pegar objetos no chão sem flexionar os joelhos. Em relação aos sintomas dolorosos, 67,1% relataram já terem sentido dores nas costas, localizada principalmente na coluna cervical ou torácica (66,0%) com intensidade de dor até quatro (58,2%), segundo a Escala Visual Analógica (EVA).

Legenda: N = número de sujeitos; Fa = frequência absoluta; F% = frequência relativa; DTM = disfunção temporomandibular; RCQ = relação cintura-quadril; RCA = relação cintura-altura, IMC/Idade alterado = baixo peso ou sobrepeso; Uso frequente de equipamentos eletrônicos (tablet, computador, smartphone, notebook) = mais de 3 dias por semana.

Tabela 2. Avaliação postural (vista anterior, lateral e posterior), hábitos posturais e algias dos escolares, Fortaleza/CE, 2017.

Indicador 9 11,1

Polegar 72 88,9

Realiza prática esportiva 79 57 72,2

No. de vezes que faz pratica

esportiva (semana) 70

3 ou mais 24 34,3

Até 3 vezes 46 65,7

Variáveis N Fa F%

Avaliação postural

Posição da cabeça (vista anterior) 81

Centralizada 39 48,1

Lateralizada 42 51,9

Posição da cabeça alterada (vista lateral) 81 55 67,9

Posição dos ombros alterada (vista lateral) 81 57 70,4

Posição dos joelhos alterada (vista anterior) 81 44 54,3

Coluna cervical alterada 81 55 67,9

Coluna torácica alterada 81 66 81,5

Coluna lombar alterada 81 61 75,3

Triângulo de Tales alterado 81 50 61,7

Hábitos posturais e algias

Uso de smartphone frequente 81 65 80,2

Postura inadequada ao ficar sentado

Costas 79 53 67,1

Nádegas 75 42 56,0

Pés 78 27 34,6

Postura inadequada ao ficar de pé

Costas 73 28 38,4

Pés 73 24 32,9

Postura inadequada

Ao dormir 76 29 38,2

Ao pegar objeto no chão 75 43 57,3

Usando a mochila escolar 81 31 38,3

Sentado em frente ao computador 76 51 67,1

Já sentiu dores nas costas 79 53 67,1

Localização da dor 53

Cervical ou torácica 35 66,0

Lombar 18 34,0

Intensidade da dor (EVA) 55

4 ou mais 23 41,8

Até 4 32 58,2

continua

continuação da tabela 1

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CIDADE DE FORTALEZA/CE

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019Adolescência & Saúde

Quanto aos sintomas de DTM, 21,4% da amostra relataram que às vezes sentem cansaço e dor muscular quando mastigam, além de observa-rem que possuem o hábito de apertar e/ou ranger os dentes (33,3%). Quanto aos sintomas dolorosos, 51,2% da amostra relataram sentir dores de cabeça frequentes, dor na nuca ou torcicolo (31,0%) e dor no ouvido ou na região da ATM (19,0%). Além disso, 35,7% dos adolescentes se consideraram uma pessoa tensa ou nervosa (Tabela 3).

A Tabela 4 apresenta a distribuição da amos-tra em relação aos fatores pessoais e hábitos pos-turais de acordo com a existência de suspeição de DTM. Os resultados evidenciaram que dos adolescentes que apresentavam DTM em relação aos que não apresentavam, 55,4% eram do sexo feminino (IC95%: 1,15-8,84; p = 0,02), apresenta-vam risco cardiovascular (15,1%) de acordo com a classificação RCQ (IC95%: 1,29-1,82; p = 0,04) e apresentavam posturas inadequadas ao ficar sentado na cadeira escolar, como por exemplo, a postura das costas (80%; IC95%: 1,00-8,13; p = 0,04) e a posição das nádegas na cadeira (65,4%; IC95%: 1,26-9,52; p = 0,01).

A Tabela 5 apresenta a distribuição da amos-tra em relação a avaliação postural, algias e suspei-ção de DTM. Em relação a sintomatologia dolorosa na região da coluna, 69,1% dos que possuíam DTM relataram já terem sentido dor, sendo localiza-da principalmente na coluna cervical ou torácica (78,9%; IC95%: 1,99-28,27; p = 0,00).

Situações em que a dor piora

Em pé 61 18 29,5

Ao computador 59 31 52,6

Andando 62 21 33,9

Deitado 62 14 22,6

Brincando 61 24 39,4

Nas aulas de educação física 61 29 47,5

Transportando a mochila escolar 62 37 59,7

Sentando na cadeira escolar 63 32 50,7

Legenda: N = número de sujeitos; Fa = frequência absoluta; F% = frequência relativa; Posição da cabeça alterada = anteriorizada ou posteriorizada; Posição dos ombros alterada = protraídos ou retraídos; Posição dos joelhos alterada = genuvalgos ou genuvaros; Coluna cervical alterada = lordose ou retificação; Coluna torácica alterada = hipercifose ou retificação; Coluna lombar alterada = hiperlordose ou retificação; Triângulo de Thales alterado = maior à direita ou esquerda; Uso de smartphone frequente = mais de 3 dias por semana.

Legenda: N = número de sujeitos; % = frequência relativa; ATM = articulação temporomandibular.

continuação da tabela 2 continuação da tabela 3

Tabela 3. Distribuição da amostra em relação ao Índice Anamnésico de Fonseca para DTM, Fortaleza/CE, 2017.

VariáveisSempre As vezes

N (%) N (%)

Sente dificuldade para abrir a boca 1 (1,2) 7 (8,3)

Sente dificuldade para movimentar sua

ma ndíbula para os lados 2 (2,4) 3 (3,6)

Tem cansaço e dor muscular quando

mastiga 5 (6,0) 18 (21,4)

Sente dores de cabeça com frequência 7 (51,2) 43 (8,3)

Sente dor na nuca ou torcicolo 5 (31,0) 26 (6,0)

Tem dor de ouvido ou na região da ATM 2 (19,0) 16 (2,4)

continua

Notou se tem ruídos na ATM quando

mastiga ou abre a boca 8 (10,7) 9 (9,5)

Observou se tem algum hábito como

apertar e/ou ranger os dentes 29 (33,3) 28 (34,5)

Sente que seus dentes não se articulam

bem 23 (14,3) 12 (27,4)

Se considera uma pessoa tensa ou

nervosa 30 (35,7) 30 (35,7)

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Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019

Tabela 4. Fatores pessoais e hábitos posturais de acordo com a existência de suspeição de DTM nos escolares em estudo, Fortaleza/CE, 2017.

Fatores pessoais e hábitos posturais N

Classificação DTM

p OR

IC95%

DTM SEM DTM LI LS

Características pessoais

Sexo 81 N % N %

Feminino 31 55,4 7 28,0 0,02 3,19 1,15 8,84

Masculino 25 44,6 18 72,0 1,00 - -

Usa óculos 81

Não 45 80,4 22 88,0 0,40 0,55 0,14 2,20

Sim 11 19,6 3 12,0 1,00 - -

Uso frequente de smartphone 81

Não 12 21,4 4 16,0 0,57 1,43 0,41 4,97

Sim 44 78,6 21 84,0 1,00 - -

Realiza prática esportiva 79

Não 15 27,3 7 29,2 0,86 0,91 0,31 2,63

Sim 40 72,7 17 70,8 1,00 - -

Classificação RCQ 77

Risco cardiovascular 8 15,1 0 0,0 0,04 1,53 1,29 1,82

Sem risco cardiovascular 45 84,9 24 100,0 1,00 - -

Classificação RCA 77

Risco cardiovascular 12 22,6 3 12,5 0,29

Sem risco cardiovascular 41 77,4 21 87,5 1,00 - -

Hábitos posturais

Uso da mochila escolar 81

Adequado 27 48,2 17 68,0 0,09 2,28 0,84 6,14

Inadequado 29 51,8 8 32,0 1,00 - -

Peso da mochila 58

Adequado 40 97,6 16 94,1 0,51 2,50 0,14 42,44

Inadequado 1 2,4 1 5,9 1,00 - -

Postura em frente ao computador 78

Adequado 16 29,1 8 34,8 0,61 0,76 0,27 2,16

Inadequado 39 72,2 15 65,2 1,00 - -

Postura das costas ao ficar sentado 79

Adequado 11 20,0 10 41,7 0,04 2,85 1,00 8,13

Inadequado 44 80,0 14 58,3 1,00 - -

continua

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CIDADE DE FORTALEZA/CE

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019Adolescência & Saúde

continuação da tabela 4

Postura das nádegas ao ficar

sentado 75

Adequado 18 34,6 15 65,2 0,01 3,54 1,26 9,52

Inadequado 34 65,4 8 34,8 1,00 - -

Postura das costas ao ficar em pé 73

Adequado 25 51,0 20 83,3 0,00 0,20 0,06 0,69

Inadequado 24 49,0 4 16,7 1,00 - -

Postura ao pegar objeto no chão 75

Adequado 25 48,1 7 30,4 0,15 2,11 0,74 5,99

Inadequado 27 51,9 16 69,6 1,00 - -

Postura ao dormir 79

Adequado 31 56,4 16 66,7 0,39 0,64 0,23 1,75

Inadequado 24 43,6 8 33,3 1,00 - -

Legenda: N = número de sujeitos; % = frequência relativa; ATM = articulação temporomandibular.

Tabela 5. Distribuição da amostra em relação aos dados da avaliação postural, algias e suspeição de DTM, Fortaleza/CE, 2017.

Fatores pessoais e hábitos posturais N

Classificação DTM

Valor p OR

IC95%

DTM SEM DTM LI LS

Avaliação postural

Coluna cervical 81 N % N %

Alterado 38 67,9 17 68,0 0,99 0,99 0,36 2,72

Normal 18 32,1 8 32,0 1,00 - -

Coluna torácica 81

Alterado 45 80,4 21 84,0 0,69 0,77 0,22 2,73

Normal 11 19,6 4 16,0 1,00 - -

Coluna lombar 81

Alterado 45 80,4 16 64,0 0,11 2,30 0,80 6,57

Normal 11 19,6 9 36,0 1,00 - -

Triângulo de Tales 81

Alterado 31 55,4 19 76,0 0,07 0,39 0,13 1,12

Normal 25 44,6 6 24,0 1,00 - -

Dor e postura

Já sentiu dores nas costas 79

Não 17 30,9 9 37,5 0,56 0,74 0,27 2,03

Sim 38 69,1 15 62,5 1,00 - -

continua

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DISCUSSÃO

Neste estudo, escolares do sexo feminino, com risco cardiovascular, que possuem hábitos posturais inadequados e que referem sintomas dolorosos, principalmente na coluna cervical ou torácica, possuem maior prevalência de suspei-ção de DTM. Os sintomas de DTM na população brasileira são mais frequentes em mulheres14, o que tem sido associado à ação dos hormônios sexuais, principalmente ao estrogênio. Durante a puberdade esse hormônio encontra-se em altas do-sagens, desempenhando um papel na percepção da sensibilidade dolorosa, inclusive nos músculos mastigatórios e na patogênese da DTM, onde o limiar de dor e a tolerância à mesma podem variar de acordo com a fase do ciclo menstrual15.

A DTM é considerada de etiologia multi-fatorial, por isso, diferentes aspectos devem ser investigados com o objetivo de compor o grupo de risco para o seu desenvolvimento15. Em relação a associação entre a presença de sintomas tem-

poromandibulares e a obesidade, assim como a presença de altos níveis de gordura visceral visto pela relação cintura-quadril, Jordani16 afirma que a hipótese para explicar esta associação, tem per-meado à condição inflamatória, onde vários mar-cadores inflamatórios estão elevados na obesidade e na DTM, e alguns são comuns para ambas as condições.

A obesidade tem sido descrita como um im-portante problema de saúde pública da atualidade, devido principalmente ao aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade em idades cada vez mais precoces17. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar-PeNSE18, a prevalência do excesso de peso para o grupo de escolares brasileiros com idades de 13 a 15 anos, em 2015, foi de 25,1% enquanto que no mesmo estudo em 2009, o indi-cador de excesso de peso foi estimado em 23,2%.

Sabe-se que no período da adolescência, além das transformações fisiológicas, o indivíduo sofre importantes mudanças psicossociais, influenciadas por fatores genéticos, étnicos e ainda pelas dife-

Localização da dor 53

Cervical ou torácica 30 78,9 5 33,3 0,00 7,50 1,99 28,27

Lombar 8 21,1 10 66,7 1,00 - -

Dor piora quando em pé 61

Não 29 65,9 14 82,4 0,20 0,41 0,10 1,67

Sim 15 34,1 3 17,6 1,00 - -

Dor piora transportando a mochila 62

Não 18 39,1 7 43,8 0,74 0,82 0,26 2,61

Sim 28 60,9 9 56,3 1,00 - -

Dor piora (sentando na cadeira escolar) 79

Não 35 63,6 19 79,2 0,17 0,46 0,14 1,42

Sim 20 36,4 5 20,8 1,00 - -

Dor piora ao usar equipamento

eletrônico) 62

Não 27 60,0 10 58,8 0,93 1,05 0,33 3,26

Sim 18 40,0 7 41,2 1,00 - -

Legenda: N = número de sujeitos; % = frequência absoluta; DTM = disfunção temporomandibular; IC95% = intervalo de confiança de 95%; OR - Odds Ratio = cálculo da razão de chances; LI = limite inferior e LS = limite superior.

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CIDADE DE FORTALEZA/CE

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019Adolescência & Saúde

rentes condições sociais e ambientais17. Embora nem todos os mecanismos estejam esclarecidos, tem sido sugerido que com o ganho de peso e hipertrofia dos adipócitos, há compressão dos vasos sanguíneos presentes no tecido adiposo branco, impedindo um fornecimento adequado de oxigênio, ocorrendo uma hipóxia local e morte de adipócitos. Além disso, os adipócitos podem liberar uma variedade de mediadores inflamató-rios e desencadear um estado pró-inflamatório sistêmico, o que pode favorecer a instalação de quadros álgicos, como na DTM19.

Do mesmo modo, é na adolescência que se instauram os hábitos posturais que serão muitas ve-zes mantidos na vida adulta, sejam eles adequados ou inadequados. Confirmando os achados deste estudo, Noll et al.20 relatam que os escolares apre-sentam alta prevalência de hábitos inadequados nas posturas relacionadas ao sentar para utilizar o computador, sentar para estudar e pegar objetos do chão, sendo os hábitos posturais adotados nas atividades de vida diária um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de alterações posturais. Além disso, a rotina de transporte da mochila e prolongados períodos sentados, aliados a proporções inadequadas do mobiliário em geral oferecido pelas escolas, são considerados fato-res responsáveis pela aquisição, manutenção ou agravamento de hábitos posturais inapropriados2.

No estudo de Detsch et al.21, 89,9% dos escolares avaliados apresentavam uma maneira inadequada de sentar-se durante o período escolar e 92,6% referiam sentar-se de forma incorreta para assistir televisão. O hábito de sentar sem apoiar as costas no encosto e de forma inadequada, provoca um aumento da pressão no interior dos discos intervertebrais, podendo promover aumento das curvaturas da coluna vertebral, agravando a sin-tomatologia temporomandibular22.

Biasotto-Gonzalez23 que observou que há pre-sença de alterações posturais em universitários que apresentam suspeição de DTM, em especial cabeça anteriorizada ou lateralizada, ombros protraídos, hipercifose torácica e hiperlordose lombar, pois a anteriorização da cabeça acarreta distúrbios de posicionamento e funcionamento da mandíbula.

O que leva a uma crescente tensão na musculatura mastigatória, e consequente DTM, alterações ob-servadas nos escolares do presente estudo.

Foi observado ainda que nossa amostra apre-sentou elevados índices de uso de smartphone, que associado à posturas inadequadas, à presença de desvios posturais, ao uso inadequado da mochila escolar e ao sedentarismo, potencializam sintomas dolorosos, principalmente na região da coluna cervical e torácica. Kee et al.24 afirmam que a fadiga dos músculos cervicais ocasionada pelo uso pro-longado de smartphones, pode desempenhar um papel causal no desenvolvimento e na progressão de DTM miogênica (origem muscular). O estudo evidenciou que quanto mais horas os adolescentes usavam seus smartphones e quanto menor a tela do equipamento eletrônico, mais flexionada ficava a postura da região cervical – postura conhecida como text neck (em português, pescoço de texto).

So et al.25 relatam que 20 minutos de uso de smartphones causam uma diminuição significativa na frequência mediana da atividade eletromio-gráfica nos eretores da coluna cervical e trapézio superior. Eles sugeriram que esses achados indicam fadiga nos músculos cervicais responsáveis pela manutenção de uma postura cervical ereta, o que provavelmente ocasionou uma postura cervical mais flexionada e desequilíbrios entre os músculos cervicais após o uso prolongado do celular.

Além disso, o uso excessivo do equipamento eletrônico pode originar contração excessiva e prolongada de músculos mastigatórios, incluindo os músculos masseter e temporal. A sensibilização central pode estar intimamente relacionada com DTM miogênica, possivelmente por exacerbação da sensibilidade à dor ou dor referencial de mús-culos mastigatórios26.

A presente pesquisa apresenta limita-ções decorrentes do pequeno tamanho amostral e fragilidades próprias do estudo transversal, no entanto, a hipótese inicial para a realização do estudo foi atingida e novas abordagens podem ser realizadas a partir dos achados do presente estudo.

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Adolescência & SaúdeAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 60-71, out/dez 2019

CONCLUSÃO

Existe uma relação entre a presença há-bitos posturais inadequados, alterações posturais e a presença sintomas de suspeição de DTM em escolares. As variações posturais são comumente

encontradas no período do crescimento e desen-volvimento de crianças e adolescentes, e por esse motivo, a fase escolar representa a melhor fase para o aprendizado de hábitos saudáveis, dentre eles os posturais.

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CIDADE DE FORTALEZA/CE

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