Karla.C.Ehrenberg.~.O.Consumo.Simbólico
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O consumo simblico e a vida cotidiana
Karla Caldas Ehrenberg1
Resumo
Este artigo de carter terico busca refletir sobre o consumo simblico de marcas,produtos ou servios, como um dos elementos constituintes da vida cotidiana atual. Com basena identificao dos elementos que compem a vida cotidiana e na crescente importncia dacarga simblica que os produtos e marcas tm adquirido na atual sociedade, pretende-serelacionar essas duas esferas refletindo sobre a presena do consumo simblico no campo dos
elementos essenciais da vida ps-moderna. Para o desenvolvimento da reflexo propostasero abordados autores como Agnes Heller, Michel de Certeau, Stuart Hall, Jean Baudrillard,Andrea Semprini, entre outros.
Palavras-chave:cotidiano. marcas. consumo. carga simblica.
Introduo vida cotidiana
Os estudos sobre o cotidiano despertaram, ao longo dos anos, o interesse de muitospesquisadores e pensadores que buscaram compreender os mbitos e as dinmicas das
relaes sociais que constituem a vida de forma geral. Cada atividade, intenso, relao ou
troca realizada entre as pessoas e entre estas e o meio em que esto constituem a vida humana.
Tanto as atividades individuais dirias (como se alimentar, trocar de roupa, tomar banho)
quanto aquelas que envolvem relaes interpessoais (como os estudos e o trabalho) e ainda as
que apresentam a intenso de mudanas sociais maiores (como o engajamento em causas
sociais ou a participao em manifestaes polticas) compem o prisma do campo social.Para Heller (2000)a vida do homem composta basicamente por duas esferas gerais:
a vida cotidiana e a atividade humano-genrica, considerando que nenhum indivduo capaz
de viver em apenas uma delas. Para a autora, a cotidianidade constituda por diferentes
atividades individuais (fsicas, intelectuais, sociais etc) que se intercalam hierarquicamente
1Jornalista, doutoranda do Programa de Ps Graduao em Comunicao da Universidade Metodista de So
Paulo (Umesp), na linha de pesquisa Processos de Comunicao Institucional e Mercadolgica, e docente no
Centro Universitrio Adventista de So Paulo (Unasp) nos cursos de Comunicao Social habilitaes emJornalismo e Publicidade e Propaganda.
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compondo a esfera do eu. J o campo humano-genrico estruturado por aes que
ampliam esse campo individual e compreendem as relaes sociais, envolvendo aspectos
morais mais complexos. Assim, para Heller, o homem formado por seu eu e por seu lado
genrico. Em seu eu esto as questes pessoais, as necessidades humanas conscientes do
indivduo, enquanto que no lado genrico aparecem todas as atividades genricas (mas que se
mantm com motivaes ou manifestaes individuais), como o trabalho ou os sentimentos.
O indivduo (a individualidade) contm tanto a particularidade quanto ohumano-genrico que funciona consciente e inconsciente no homem. Mas oindivduo um ser singular que se encontra em relao com sua prpriaindividualidade particular e com sua prpria genericidade humana; e nele,tornam-se conscientes ambos os elementos. [...] O homem singular no pura e simplesmente indivduo, no sentido aludido; nas condies da
manipulao social e da alienao, ele vai se fragmentando cada vez maisem seus papis. O desenvolvimento do indivduo antes de mais nada mas de nenhum modo exclusivamente - funo de sua liberdade ftica ou desuas possibilidades de liberdade. (HELLER, 2000, p.37)
Com base no pensamento de Heller, possvel compreender que o homem vive em
duas esferas separadas e ao mesmo tempo complementares e interagentes. Suas motivaes
individuais influenciam diretamente sua vida genrica e esta tambm acaba por influenciar
sua individualidade. Esses dois campos compem a identidade individual das pessoas e
tambm a identidade de um grupo, um povo, uma sociedade. Pereira (2007) considera que os
pequenos atos da vida cotidiana formam a vida social geral e que, assim, cada grupo constri
e mantm suas identidades (individuais no campo do eu e coletivas no campo genrico ou
social).
As formas na vida cotidiana tm a funo de ligar os fatos sociais atravs dasinergia ou das sinestesias produzidas por cada cidado. Assim, osindivduos geram fatos sociais, de acordo com a anomia estabelecida emcada momento sociocultural, e, ao mesmo tempo, reconhecem as alteridadesde outras formas culturais. (PEREIRA, 2007, p.67)
Na mesma linha dos autores expostos, Maffesoli (1985) considera que todos os
elementos que compem a vida humana so elementos constituintes do cotidiano e que estes
ganham mais valor quando atuam no mbito da interao entre pessoas que reconhecem todos
esses elementos. Essa amplitude de aes, sentimentos e relaes, quando reconhecidas pelos
atores participantes do processo, passa a compor a cultura que abrange o ambiente das
identidades.
... o cotidiano no um conceito que se pode, mais ou menos utilizar na rea
intelectual. um estilo no sentido [...] de algo mais abrangente, de ambiente,que a causa e o efeito, em determinado momento, das relaes sociais emseu conjunto [...] De tudo o que foi dito, deve se lembrar que o estilo pode
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ser considerado, stricto sensu, uma encarnao ou ainda a projeo concretade todas as atitudes emocionais, maneiras de pensar e agir, em suma, detodas as relaes com o outro, pelas quais se define uma cultura.(MAFFESOLI, 1985, apud PEREIRA 2007, p.66)
Essas maneiras de agir, pensar e se relacionar determinam as caractersticas dos povos
e assim criam as suas identidades que so detectadas e reconhecidas (o que no
necessariamente significa que sejam respeitadas) por outros povos, como complementa
Pereira:
preciso, sobretudo, pensar a cotidianidade em relao ao imaginrio socialde cada povo: as riquezas estticas traduzidas nos ritmos, nas imagens e na
fala. Isto o que faz com que a vida cotidiana no seja igual para grupossociais, mesmo que estes ocupem o mesmo espao urbano. (PEREIRA,2007, P.67)
Apesar de cada indivduo e cada povo ter as suas identidades e individualidades, (fato
inquestionvel quando se analisa os aspectos culturais de cada grupo social) no mundo
globalizado, ambiente da sociedade ps-moderna, as influncias globais sobre a constituio
dessas identidades aparece de maneira bastante evidente e crescente. O trnsito de
informaes e de pessoas e os modelos integrados de poltica e economia so alguns dos
caminhos que fazem com que a construo das identidades seja realizada por meio de
diferentes referncias. Hall (2005) considera que na sociedade ps-moderna, a construo das
identidades dos povos e das naes, e consequentemente dos indivduos, influenciada por
diferentes atores globais, sendo cada vez mais difcil o isolamento e a pureza dessas
identidades. A medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influncias
externas, difcil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem
enfraquecidas atravs do bombardeamento e da infiltrao cultural. (Hall, 2005, p.74)
O autor acredita que a globalizao e a troca de informaes proporcionaram uma
certa fuso de culturas. evidente que muitos aspectos da vida cotidiana continuam
garantindo a identidade dos indivduos e dos povos (como as lnguas, a alimentao, as
crenas religiosas etc), porm muitos outros so incorporados, oriundos de diferentes lugares
e grupos sociais, gerando uma espcie de fluxo de influncias que aproxima as identidades
fazendo com que em muitos aspectos os indivduos se paream ao redor do globo.
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos,lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mdia epelos sistemas de comunicao globalmente interligados, mais asidentidades se tornam desvinculadas desalojadas - de tempos, lugares,
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histrias e tradies especficos e parecem flutuar livremente. (HALL,2005 p. 75)
Um dos aspectos que minimiza a diferenciao das identidades das pessoas que vivem
em grandes centros urbanos o consumo, seja de produtos, marcas, ideias ou estilos. A
globalizao do comrcio e a sua divulgao, por meio de aes comunicacionais,
despertaram o interesse dos indivduos por questes semelhantes, que muitas vezes esto
relacionadas ao estilo de vida ps-moderno, caracterizado pela velocidade, fragmentao e
pelo prprio consumo.
No interior do discurso do consumismo global, as diferenas e as distinesculturais, que at ento definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espciede lngua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais
todas as tradies especficas e todas as diferentes identidades podem sertraduzidas. Este fenmeno conhecido como homogeneizao cultural.(HALL, 2005, p75-76)
Ainda sobre a reduo das diferenciaes das identidades individuais e sociais, Pereira
(2007) reflete que vrios outros aspectos contriburam para esse cenrio e destaca que a atual
produo de contedos de certa forma pasteurizada, no respeitando de maneira efetiva as
diferenas culturais presentes na vida cotidiana dos indivduos.
O no reconhecimento da complexidade da vida cotidiana, na sociedade ps-moderna, ocorre pelo carter instrumental da informao, do preenchimentodos vazios sociais pela quantidade e pela comercializao de contedos queno respeitam a alteridade, as diferenas culturais e recriam contextoshistricos artificiais. (PEREIRA, 2007, p.69)
Apesar de todo esse evidente trnsito de influncias na constituio das identidades e
na construo do cotidiano, importante destacar que muitos movimentos acontecem no
sentido inverso, numa tentativa de se manterem vivos os aspectos mais locais, mais
individuais de cada povo. As atividades mais simples da vida cotidiana ainda so valorizadas
dentro de seus ambientes essenciais, abrindo caminho para que se retome o destaque que os
aspectos mais elementares devem ter na constituio da vida humana. Hall (2005) destaca que
um exemplo desse tipo de movimento so os grupos nacionalistas que buscam manter as suas
tradies, sejam por meio de crenas religiosas ou roupas, ou por meio da intolerncia com
grupos imigrantes. Outro exemplo que pode ser considerado crescente o de empresas que se
preocupam em fazer pequenas adaptaes em seus produtos para que eles sejam aceitos em
diferentes pases. Essa prtica pretende eliminar qualquer agresso aos hbitos locais e
explorar particularidades para incrementar as vendas.
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Todas as reflexes que envolvem o cotidiano, as identidades e a vida em sociedade
devem ser realizadas com base em pensamentos e estudos globais que considerem todos os
aspectos envolvidos, sejam eles grandes ou pequenos. Pois, como destacou Heller (2000) cada
ao, pensamento, sentimento ou relao constituem a vida humana, seja no campo da
cotidianidade seja no mbito do humano-genrico. A influncia dos atores do processo, do
estilo de vida ps-moderno ou das possibilidades comunicacionais proporcionadas pelos
avanos tecnolgicos, precisam ser levadas em conta quando se pretende entender a
constituio do cotidiano do homem que vive na sociedade atual (veloz, fugs, fragmentada,
de consumo e de espetculo, entre outras denominaes). Contudo, no possvel deixar de
lado o fato de que o homem autor e roteirista de sua prpria vida e por isso muitas vezes
capaz de criar novos caminhos, significados ou utilizaes para contedos previamenteelaborados.
Certeau (1998) analisa que o homem comum cria a sua forma de viver e tem
autonomia e capacidade de criar suas regras dentro do conjunto chamado sociedade. O autor
utiliza o termo artes de fazer para denominar essa prtica em que as regras, normas ou
cdigos vo se alterando e se adaptando s necessidade e anseios do homem, como explica
Duran (2007):
Certeau, ao contrrio, nos mostra que o homem ordinrio inventa ocotidiano com mil maneiras de caa no autorizada, escapandosilenciosamente a essa conformao. Essa inveno do cotidiano se dgraas ao que Certeau chama de artes de fazer, astcias sutis, tticas deresistnciaque vo alterando os objetos e os cdigos, e estabelecendo uma(re)apropriao do espao e do uso ao jeito de cada um. Ele acredita naspossibilidades de a multido annima abrir o prprio caminho no uso dosprodutos impostos pelas polticas culturais, numa liberdade em que cada umprocura viver, do melhor modo possvel, a ordem social e a violncia dascoisas. (Duran, 2007, p.119)
Com as explanaes iniciais e o pensamento de Certeau acima exposto, possvelavanar a reflexo deste artigo para o campo do consumo, buscando entender as
ressignificaes criadas pelos homens ao consumirem produtos, servios e marcas que
compreendem um setor capaz de abrigar os sonhos, os desejos e a diferenciao social, que
tambm fazem parte da composio da vida cotidiana. Pois, como explica Piedras (2007), o
cotidiano no se limita s aes simples da vida diria, ele se expande para o campo do
imaginrio, para o universo particular dos desejos de cada indivduo que acaba por construir
um universo simblico geral que compreende a vida social.
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E chegamos ento ao cotidiano como espao de reinveno subjetiva dealgumas objetivaes, operada geralmente de modo simblico e no-lgico,com base no senso comum e na experincia e, logo, no coletivo social. Ocotidiano como lugar de um imaginrio que vetor de comunho social.
(PIEDRAS, 2007, p.40)
Neste cenrio, a posterior reflexo se dar no intuito de discutir como o consumo
simblico de produtos e marcas passou a fazer parte das relaes sociais, podendo ser
considerado um dos elementos constituintes do cotidiano do homem ps-moderno.
O consumo simblico no cotidiano
O ato de consumir acompanha o homem h muitos sculos. Seja apenas para suprirsuas necessidades mais bsicas, para garantir algum conforto ou para se destacar perante um
grupo, desde muito tempo o homem consome alimentos e objetos. Nas sociedades primitivas
o consumo baseava-se em atender as funes fisiolgicas, como a fome, o frio e a procura por
abrigo. J nas sociedades medievais, o consumo de produtos comea a ter uma nova funo: a
diferenciao social.
Ao contrrio dos camponeses, que continuavam tendo apenas as suas necessidades de
sobrevivncia supridas, a nobreza tinha o poder (e o direito) de consumir produtos queatendessem seus desejos e vaidades, criando um primeiro passo para o caminho da
diferenciao social estabelecida por meio do consumo de produtos e bens. Roupas, joias,
especiarias e at pessoas (escravos) eram comprados com o intuito de ampliar o conforto e o
status (VEBLEN, 1983). Vale destacar que a busca pela diferenciao social no surgiu com o
consumo de produtos, ela sempre existiu, porm por meio de mecanismos diferentes. Em
alguns grupos a fora fsica era fator de diferenciao (como nos Imprios Romano e Grego),
em outras pocas a possibilidade de ter tempo ocioso era considerado privilgio (como narelao entre a nobreza e a burguesia).
Com o surgimento dos burgos, a expanso do comrcio, o fortalecimento da burguesia
e a urbanizao, a possibilidade de consumo foi ampliada para outros grupos, fazendo com
que o tipo e o valor dos produtos (e no apenas sua posse) passassem a ser considerados o
ponto de distino. O fato de ter um vestido, uma carroa ou qualquer outro produto no
garantia a diferenciao social, era a sua procedncia, qualidade e valor que interessavam.
Consumir artigos de luxo passou a ser a forma mais explcita de mostrar sociedade a posio
de destaque que se alcanou. Os produtos sofisticados so extremamente carregados de
simbologias, despertando de maneira mais efetiva os desejos dos consumidores. A regra do
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preo caro tambm nos afeta o gosto de tal maneira ao ponto de fundir inextricavelmente em
nossa apreciao os sinais de preo caro com belos traos do objeto, e subordinar o efeito
resultante ao rtulo de uma apreciao da sua simples beleza. (VEBLEN, 1983, p.61).
Com o passar do tempo a utilizao de produtos como fator de diferenciao social
ficou mais intensa, influenciando as relaes sociais de maneira mais evidente e despertando
o interesse dos produtores, que passaram a perceber a importncia das marcas como garantia
de procedncia e qualidade dos produtos. Segundo Pinho (1996) a primeira marca a ser
utilizada foi Old Smuggler, criada na Esccia, em 1853, para destacar a qualidade de
fabricao de um tipo de usque. O autor explica que aps a Segunda Guerra Mundial iniciou-
se uma nova forma de compreender e utilizar as marcas, considerando-as parte integrante do
sistema de produo e da economia, pois era (e ainda ) por meio delas que o consumidordecidia qual produto comprar.
As marcas, compostas por nomes, desenhos e cores, so os elementos que diferenciam
os produtos de seus concorrentes. por meio delas que os consumidores so capazes de
identificar o que querem comprar e em muitos casos a popularidade da marca to grande
que seu nome passa a substituir o prprio produto (como no caso do Bombrilpalha de ao-,
Gillete- lmina de barbeare Xeroxcpias de documentos). Ter marcas que so facilmente
identificadas pelos consumidores facilita muito a compra de produtos, principalmente em ummercado com tantas possibilidades de escolha como o atual.
Diante de uma hiperescolha desconcertante, o consumidor pode decidir seorientar graas clareza do discurso ou familiaridade de uma marcaconhecida. Neste sentido, pode-se dizer que a multiplicao da oferta tornaainda mais necessria a presena das marcas. (SEMPRINI, 2010, p.39)
Neste contexto, o consumo de produtos comea a ultrapassar a funcionalidade
oferecida por ele. Os indivduos no querem apenas ter um carro, mas sim um carro de
determinado modelo, com vrios opcionais, com uma cor especfica etc, ou um vestido de
renomado estilista, de uma coleo exclusiva e assim por diante. A significao social que os
produtos e as marcas passam a ter atuam no campo dos desejos pessoais e da busca pela
diferenciao social.
O consumo de um produto pode valorizar uma pessoa perante seu grupo, pode alterar
seu nvel social ou ainda colocar em risco sua reputao. A escolha do que consumir passa a
ser de extrema importncia para as relaes sociais dos indivduos e por isso passa a fazer
parte das atividades de seu cotidiano.
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Assim, os indivduos buscam comprar objetos que transmitam o seu estilo de vida, que
deixem claro para seus pares sua posio social e sua forma de enxergar o mundo. Aparelhos
eletrnicos podem indicar que a pessoa moderna, jovem e que est bem informada sobre os
avanos tecnolgicos. O consumo de bebidas sofisticadas, como vinhos e usques caros,
indicam pessoas com gostos refinados e com alto poder aquisitivo. J os artigos esportivos
transmitem uma preocupao com o corpo e com um estilo de vida saudvel.
Porm, apesar de cada tipo de produto possuir sua carga simblica, so as marcas as
responsveis pela diferenciao de status social. Por exemplo, um indivduo que possui
celular e computadores da marca Apple, alm de toda carga simblica que os produtos
eletrnicos trazem, adquire ainda as caractersticas de bom gosto, de inovao, de possuir alto
poder financeiro etc. J os consumidores de artigos das marcas Nike, Puma ou Adidas, porexemplo, ampliam a carga simblica dos artigos esportivos ao unir alto poder financeiro,
preocupao com design, busca de alto rendimento esportivo, simpatia por atletas famosos,
entre outros. O poder da diferenciao de status social proporcionada pelas marcas
comprovado pelo crescente nmero de produtos pirateados encontrados nos grandes centro
urbanos de todo mundo. Mesmo sem ter condies financeiras para adquirir certas marcas, as
pessoas tm esse desejo e, por isso, aceitam consumir cpias mais baratas apenas para
parecerem pertencentes a certos grupos, mesmo que na realidade no o sejam.Numa sociedade capitalista como a que vivemos, quanto mais o poder financeiro
aumenta, mais se faz necessrio demonstr-lo e cada vez mais anseia-se estar numa classe
social superior. A necessidade de ser, sentir-se ou demonstrar que se bem sucedido o que
dirige os desejos consumistas dos indivduos, impulsionando uma busca frentica por ter mais
e mais possibilidades de distino social entre seus pares, que realizada por meio dos
significados simblicos que os produtos tm, como explica Slater (2002): o significado dos
bens, de acordo com essa viso, deriva de sua capacidade de atuar como indicadores de statussocial, smbolos ou emblemas que mostram a participao ou a aspirao de participar de
grupos de status elevado.(SLATER, 2002, p.151)
Analisando o sistema de produo e consumo da atual sociedade, Baudrillard (2008)
encontra na busca pela diferenciao social um fator importante para que se compreenda a
dinmica da sociedade e os interesses dos indivduos no consumo de produtos:
Confrontar o crescimento das necessidades e o aumento da produoequivale a pr em evidncia a varivel da intermediria decisiva, que a
diferenciao. A relao deve estabelecer-se, portanto, entre a diferenciaocrescente dos produtos e a diferenciao crescente da procura social deprestgio. Ora, a primeira limitada, mas no a segunda. No existem limitespara as necessidades do homem enquanto ser social (isto , enquanto
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produto de sentido e enquanto relativo aos outros em valor). A absoroquantitativa de alimento limitada, o sistema digestivo limitado, mas osistema cultural da alimentao revela-se como indefinido. E, sem embargo,representa um sistema relativamente contingente. precisamente a queresidem o valor estratgico e a astcia da publicidade; atingir cada qual emfuno dos outros, nas suas veleidades de prestgio social reificado.(BAUDRILLARD, 2008, p.71- 72)
O autor continua sua anlise de maneira crtica avaliando que a necessidade de
diferenciao social impulsiona o consumo na sociedade atual,
As necessidades e a concorrncia, no interior de um grupo restrito, podemestabilizar-se; no seu seio, a escalada dos significantes de estrutura e domaterial distintivo menos acentuada. o que se pode ver nas sociedadestradicionais ou nos micro-grupos. Mas, numa sociedade como a nossa, de
concentrao industrial e urbana, de maior densidade e promiscuidade, aexigncia de diferenciao cresce ainda mais depressa do que aprodutividade material. Quando todo o universo social se urbaniza e acomunicao se faz total, as necessidades intensificam-se e crescemsegundo uma assmptota vertical no por apetite, mas por concorrncia.(BAUDRILLARD, 2008, p.72)
Nos pequenos atos de compra do dia a dia, os indivduos escolhem seus produtos com
base em motivos muito particulares que transitam entre preo, qualidade e visibilidade social.
E neste ltimo aspecto que encontra-se o consumo simblico que atua no campo da
satisfao de desejos e de um reconhecimento social.
No cotidiano ps-moderno, o consumo simblico de produtos existe tanto quanto o
consumo funcional, e muitas vezes ultrapassa este. Esta dinmica passa a ser a dinmica
social e os estrategistas que atuam no gerenciamento de marcas estudam esse comportamento
dos indivduos e trabalham em um sentido que permite a solidificao desta prtica. Quando
identifica e aceita o discurso vindo da empresa, o consumidor entra em sintonia com a
mensagem transmitida pela marca e passa a desej-la da maneira que esta se posiciona no
mercado. O desejo de consumi-la e de experimentar todas as sensaes prometidas pela marcaatinge o consumidor de maneira direta. Assim, a carga simblica das marcas passa a ser
construda tanto pelos discursos e aes comunicacionais da empresa, quanto pela percepo e
utilizao do consumidor.
Semprini (2010) avalia que os produtos e as marcas precisam estar atentos aos desejos
dos consumidores e importncia que o consumo tem para a vida social. O autor destaca que
em todos os segmentos (eletrnicos, alimentos ou mesmo em programaes culturais) existe a
necessidade de que as empresas detectem os desejos e projetos dos consumidores para quepossam despertar interesse e serem consumidos.
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Em resumo, o universo do consumo, diluindo-se cada vez mais na vidacotidiana dos indivduos, tende a se tornar complexo e diferenciado. E exatamente por esse motivo, pelos indivduos terem cedido um lugar toamplo ao consumo, que eles se sentem no direito de lhe pedir mais, exigiruma melhor tomada de conscincia de sua complexidade e uma interpretaomais sutil e personalizada de seus projetos de vida. (SEMPRINI, 2010, p.51)
O consumo simblico de bens, produtos e marcas uma prtica que impulsiona tanto
as relaes entre os indivduos quanto entre esses e as empresas (economia). Os significados
que as pessoas do para os produtos fazem parte de sua vida cotidiana e no podem ser
deixados de lado quando se analisa o contexto social do consumo e da vida ps-moderna.
Como sinalizou Certeau (1998), os homens so capazes de criar novos significados para
situaes sociais j pr-estabelecidas (situao chamada pelo autor como artes de fazer,apresentada na parte inicial deste artigo) e a carga simblica que os produtos carregam podem
ser includas nesse campo. As funes sociais dos produtos e das marcas passam a ser suas
funes principais e esse deslocamento de significao criado pela apropriao que cada
indivduo faz e que, quando reconhecida por seus pares, passa movimentar as engrenagens
das relaes sociais. Como indicou Heller (2000), as decises, intenses e prticas existentes
no campo do eu passam a influenciar a vida social geral e influenciada por ela, num
movimento interativo e capaz de construir a vida humana. Assim, o consumo da carga
simblica que os produtos, bens, servios e marcas possuem constituem um dos elementos da
vida cotidiana dos indivduos ps-modernos, pois esses no se contentam em adquirir o objeto
por sua funo utilitria, mas sim por tudo o que ele representa socialmente.
Consideraes Finais
A vida humana um campo de estudos bastante amplo, que abrange as simples aes
do dia a dia, passando pelos desejos e anseios individuais das pessoas, atingindo as prticas
que movimentam os cenrios globais. Muitos autores se dedicaram a esse campo social e
desenvolveram estudos sobre cada um desses mbitos, afim de entender os mecnicos que
movem a sociedade.
Dentre muitos aspectos que envolvem a vida humana, o consumo um fator
caracterstico das sociedades modernas e que teve sua presena intensificada na era ps-
moderna. Atualmente, bastante difcil tentar estruturar a vida urbana sem a presena do
consumo de produtos ou servios. Tanto nas pequenas compras do dia a dia at nas transaes
econmicas mais complexas, o ato de consumir est presente no cotidiano dos indivduos.
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Essa busca incessante por tere o consumismo exagerado, foram alvo de inmeras
crticas por parte de pesquisadores e pensadores que veem nessa prtica um caminho para a
degradao social e do meio ambiente. A anlise qualitativa do consumo na sociedade atual
no fez parte deste artigo e por isso as vises positivas ou negativas dos processos de
consumo no foram aqui contempladas.
Durante muitos anos o consumo de produtos serviu para que fosse estabelecida uma
certa diferenciao social. Ter determinados objetos servia para identificar a que classe social
uma pessoa pertencia, prtica que auxiliava na visualizao do status social. Com a
popularizao do comrcio e a ampliao na facilidade de acesso aos produtos, a simples
posse de um produto no garantia mais essa distino entre classes e a carga simblica que
cada um deles trazia passou a ser utilizada como a forma de diferenciao social.Com a aceitao de que o cotidiano formado por aes, pensamentos, intenses e
relaes dos (e entre) indivduos, possvel afirmar que desejo pela carga simblica que os
produtos possuem passou a fazer parte da vida das pessoas. O consumo dos produtos no mais
bastava para satisfazer as necessidades dirias dos indivduos, era preciso ter acesso a todo o
simbolismo que cada um possui, fazendo com que o universo do consumo simblico passasse
a fazer parte da vida cotidiana. O interesse em consumir determinada marca ou tipo de
produto no existe apenas para satisfazer uma necessidade ou desejo pessoal, ele est ligadoao reconhecimento de um grupo e por isso est diretamente associado s relaes sociais entre
os indivduos.
O verbo ter no mais o nico a estar ligado ao ato do consumo. Parecer, ser, sentir,
demonstrar, reconhecer tambm passaram a fazer parte deste contexto e o consumo da
simbologia passou a ser preponderante na sociedade ps-moderna.
A funcionalidade bsica dos produtos passa para um segundo plano e aquilo que ele
representa na vida social o que objetiva sua compra. Um forno de micro-ondas ou umamquina de lavar roupas so adquiridos por representarem rapidez na execuo das tarefas
domsticas, por transmitirem modernidade, praticidade e uma certa liberdade. Uma televiso
no adquirida somente por sua capacidade de transmitir contedos audiovisuais, mas sim
por seu tamanho, design, qualidade de imagem e marca. E este ltimo atributo um dos que
mais carrega a sua carga simblica.
As marcas surgiram no universo de produo de produtos como elemento de
identificao de procedncia, o que funcionava como uma espcie de garantia de qualidade.
Com o passar dos anos elas se tornaram um dos principais elementos de composio dos
produtos, chegando ao ponto de terem profissionais especializados em seu gerenciamento.
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Atualmente, existem muitas empresas que tm em suas marcas o seu maior patrimnio.
Muitas delas valem mais do que os ativos fsicos da empresa, como o caso dos grupos que
atuam no setor de alta tecnologia como Google e Facebook. Essa explorao das marcas
impulsionou o estabelecimento de um universo em que necessrio criar, cada vez mais,
elementos de diferenciao entre eles e isso passou a ser efetivado por sua carga simblica.
Essa simbologia dos produtos e das marcas hoje algo enraizado no universo do
consumo e muitas vezes os indivduos no se do conta de que esto agindo nessa direo.
Em muitos casos as pessoas no compram os produtos pensando em sua carga simblica, isso
acontece de maneira natural, quase inconscientemente e, se questionados, os indivduos
justificaro suas compras pela funcionalidade do objeto no por sua carga simblica. Emoutros momentos esse consumo simblico mais consciente e as pessoas sabem de maneira
clara e objetiva que o consumo do objeto acontece pelo desejo de manifestar sua posio
social ou de garantir sua diferenciao no grupo. Em ambos os cenrios o consumo simblico
se faz presente (consciente ou no) e funciona como impulso para a movimentao das
relaes sociais.
A realizao dos sonhos, do desejo, da busca pela diferenciao social se concretiza na
atual sociedade pela aquisio da simbologia de produtos e marcas. Muitas vezes as pessoascompram um produto acreditando que esto adquirindo beleza, paz, ou que esto ajudando a
preservar o meio ambiente. Em uma sociedade banhada por apelos comunicacionais, e regida
por empresas, perceptvel que esse tipo de situao dever permanecer presente por muito
tempo, at que novos elementos sejam incorporados ao cotidiano dos indivduos e
modifiquem as engrenagens das relaes sociais
Referncias
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Portugal: Edies 79, 2008.
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