Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

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Revista Estudos Amazônicos • vol. XIII, nº 1 (2015), pp. 275-302 Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá José Rondinelle Lima Coelho Resumo: A análise é resultado de pesquisa feita entre os Tembé, grupo Tupi que vive próximo ao rio Guamá, no nordeste do Estado do Pará. No campo, busquei observar momentos específicos como ritos de passagem, atividades de caça e relação dos Tembé com os diversos espaços em que eles estão inseridos. Esse grupo Tupi mantém intensas e complexas relações de sociabilidade com não-humanos, que nas aldeias da região são chamados de Karuwara. Na cosmologia do grupo, estes seres estão ligados, entre outras coisas, à saúde e à atividade de caça. Nesta perspectiva, o texto é uma reflexão acerca da percepção e das formas de interação dos Tembé com os seres Karuwara. Palavras-Chave: Cosmologia, Karuwara, Tembé. Abstract: The analysis I propose is the result of survey of the Tembé, Tupi group, who lives near the Guamá River in northeastern Pará state. In the countryside, sought to observe specific times as rites of passage, hunting activities and relationship with the Tembé the various spaces in which they are inserted. This Tupi group maintains intense and complex sociality relations with nonhumans, that in local villages, are called Karuwara. In the cosmology of the group, these beings are linked, among other things, health and hunting activity. In this perspective, the text is a reflection on the

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Revista Estudos Amazônicos • vol. XIII, nº 1 (2015), pp. 275-302

Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

José Rondinelle Lima Coelho

Resumo: A análise é resultado de pesquisa feita entre os Tembé, grupo Tupi

que vive próximo ao rio Guamá, no nordeste do Estado do Pará.

No campo, busquei observar momentos específicos como ritos de

passagem, atividades de caça e relação dos Tembé com os diversos

espaços em que eles estão inseridos. Esse grupo Tupi mantém

intensas e complexas relações de sociabilidade com não-humanos,

que nas aldeias da região são chamados de Karuwara. Na

cosmologia do grupo, estes seres estão ligados, entre outras coisas,

à saúde e à atividade de caça. Nesta perspectiva, o texto é uma

reflexão acerca da percepção e das formas de interação dos Tembé

com os seres Karuwara.

Palavras-Chave: Cosmologia, Karuwara, Tembé.

Abstract: The analysis I propose is the result of survey of the Tembé, Tupi

group, who lives near the Guamá River in northeastern Pará state.

In the countryside, sought to observe specific times as rites of

passage, hunting activities and relationship with the Tembé the

various spaces in which they are inserted. This Tupi group

maintains intense and complex sociality relations with nonhumans,

that in local villages, are called Karuwara. In the cosmology of the

group, these beings are linked, among other things, health and

hunting activity. In this perspective, the text is a reflection on the

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perception and forms of interaction of Tembé with Karuwara

beings.

Keywords: Cosmology, Karuwara, Tembé.

O controle dos meios de produção envolve o

controle do sobrenatural e a produção concerne

tanto a objetos quanto a corpos e pessoas.

(FAUSTO, C. Inimigos Fiéis. SP: EDUSP, 2014, p.

336).

Os Tembé e a Pesquisa

Os Tembé Tenetehara fazem parte da família linguística Tupi-Guarani

do subconjunto IV da referente família, do qual também faz parte os

Guajajara Tenetehara1. Vivem no Estado do Pará e ocupam as seguintes

áreas: um primeiro grupo, que são os Tembé do Gurupi, localiza-se na

margem oeste do rio Gurupi, na Terra Indígena Alto Rio Guamá; o

segundo grupo são os Tembé do Guamá, também residentes na Terra

Indígena Alto Rio Guamá, cujas aldeias ficam às margens desse rio; um

terceiro grupo está na Terra Indígena Turé-Mariquita, no município de

Tomé-Açu (PA); um quarto grupo fica sobre o antigo território dos

Turiwara; e o quinto grupo, ocupante da área do Jeju e Areal, localiza-se

nas proximidades do município de Santa Maria do Pará (PA)2.

Ressalto que os dados para as reflexões desse texto fazem parte de um

longo trabalho de campo entre os Tembé que residem às margens do rio

Guamá, especificamente nas aldeias Sede, Ituaçu e Pinawa, locais onde fui

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professor da Educação Básica no primeiro semestre de 2008. Assim, os

dados utilizados nessa reflexão são acúmulos de entrevistas, anotações em

cadernos de campo, vídeos e conversas registradas nos últimos sete anos.

No entanto, especificamente para este texto, lanço mão de dados

coletados no decorrer do ano de 2013.

Meus contatos com os Tembé do Guamá remontam ao ano de 1998,

período em que minha família começou a alojar em um dormitório, na

Cidade de Capitão Poço (PA), integrantes do CIMI3 que buscavam chegar

às aldeias da margem do rio Guamá. Estas aldeias ficam a,

aproximadamente, quinze quilômetros da sede do referido município, o

que, consequentemente, significa intenso trânsito dos Tembé entre a Terra

Indígena e o meio urbano de Capitão Poço. Quando passavam no

município de Capitão Poço, os integrantes do CIMI estavam

acompanhados por alguns indígenas, com os quais tive a oportunidade de

conversar sobre diversos assuntos relacionados a seu povo.

Portanto, escrever sobre os Tembé representa, também, um retorno a

alguns momentos de minha vida, pois desde a infância pude ouvir histórias

do envolvimento desse povo indígena em conflitos para defender seu

território, em situações de debate sobre o fortalecimento de sua

identidade, além de presenciar suas idas e vindas à cidade pelos mais

diversos motivos, seja para estudar, buscar auxílio junto ao Estado e até

manter relações comerciais. Contudo, foi apenas quando pude conviver

mais intensamente entre eles que tive a oportunidade de observar sua

cosmologia, atuando como professor em escolas na Terra Indígena Alto

Rio Guamá, no primeiro semestre de 2008, conforme descrito

anteriormente. Estes momentos me proporcionaram reflexões

importantes sobre a relação do grupo com a alteridade, além de

compartilhar as regras de residência, a relação destes com karawias4, mas,

principalmente, quando pude observar a relação que mantêm com os seres

não-humanos, como o Karuwara.

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Os Tembé e sua trajetória no Guamá

Os Tembé do Guamá passaram por um processo de migração

impulsionado pela ocupação ocidental da região Nordeste do Brasil. Eles

eram habitantes do alto Pindaré até meados do século XIX, no Estado do

Maranhão, momento em que se espalharam pela região nordeste do Pará.

A maioria dos Tembé passou, então, a ocupar as margens dos rios Gurupi,

Guamá e Capim, localizados no Estado do Pará5. O grupo que residia na

margem esquerda do rio Guamá, vivia na aldeia São José da Cachoeira

Grande6, tendo sido transferidos para o lado direito do referido rio na

década de 1940, momento em que o Serviço de Proteção ao Índio (SPI)

demarcou uma área a ser ocupada pelos “Tembés, Timbiras, Urubus e

Guajás”7.

Vale ressaltar que os Tembé sempre viveram em meio a conflitos por

sua área de ocupação, seja contra fazendeiros, posseiros e até o próprio

Estado. No início da década de 1990, ainda na busca pela concretização

dos direitos garantidos na Constituição de 1988, os Tembé deram início

ao processo de luta – que Sara Alonso chamou “Reorganização e

Revolução” – marcado por intensas atividades junto ao Estado, momento

de retirada dos posseiros da então Reserva Indígena e, mais ainda,

momento de união e fortalecimento dos Tembé8.

Atualmente, os Tembé do Guamá possuem suas aldeias na margem

direita do rio Guamá, na Terra Indígena Alto Rio Guamá. São treze as

aldeias nessa área, quais sejam: Pinawa, Ituwaçu, Pirá, Jacaré, São Pedro,

Pacoti, Ipijon, Yarapé, Frasqueira, Itaputyr, Zawaruhu, Tawari e Sede. Esta

última, local onde faço grande parte das pesquisas que desenvolvo entre o

grupo.

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A Sede é formada pela família extensa de Naldo Tembé, o qual é o

cacique da aldeia. Ituaçu e Pinawa estão politicamente ligadas à Sede, pois

as lideranças destas aldeias são tios, irmãos e primos de Naldo Tembé.

Desta maneira, posso afirmar que as aldeias Sede, Ituwaçu e Pinawa

representam uma família extensa: a de Naldo Tembé. Esse tipo de situação

pode ser verificado na relação estabelecida entre as demais aldeias que

compõem os Tembé da região do Guamá. No entanto, chamo atenção

para o fato de que este artigo não irá se prender a verificar regras de

parentesco, ou mesmo a história do grupo. As breves reflexões abaixo são

uma contribuição para a etnologia Tembé, pois trazem dados e discussões

sobre a cosmologia Tembé Tenetehara, uma temática cara àqueles que

ousam tratar do assunto, mas enriquecedora para os que o fazem, tanto

por conta do crescimento antropológico, quanto por conta do

crescimento pessoal.

Reflexões sobre a presença de sobrenaturais entre os Tembé

Os grupos indígenas das terras baixas da América do Sul possuem um

imbricado sistema de relação com seres humanos e não-humanos – o não-

humano pode ser um animal, planta, pedra e sobrenaturais que, na lógica

ameríndia, possuem intencionalidades, o que mostra o entendimento mais

complexo sobre os limites da humanidade16 – que são eles: outros

indígenas, karawia9, quilombolas, plantas, animais e/ou espíritos. No que

toca à relação que os Tembé estabelecem com os não-humanos,

entendidos como os seres que habitam os diferentes espaços por onde

esses índios transitam, mas que nem sempre são vistos, destaca-se a

Karuwara.

Nas aldeias próximas ao rio Guamá, os Tembé praticam atividades de

caça e pesca10, as quais, de certa maneira, permitem que eles mantenham

relações com sobrenaturais, como os Karuwara. Nestas aldeias, quem

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detêm o conhecimento sobre o sentido da categoria Karuwara, são os

velhos. Os mais jovens sabem que existe essa palavra e que ela é utilizada

para definir não-humanos, mas dificilmente lançam mão do uso dessa

categoria. Pelo menos durante o período em que tive a oportunidade de

intensificar minhas idas às aldeias do Guamá, poucas vezes ouvi os jovens

do grupo utilizando o termo.

A categoria Karuwara é difundida entre os povos Tupi. Os Parakanãs

lançam mão do termo Karuwaras, mas não para referir-se propriamente a

espíritos, mas a agentes que causam doenças controladas por feiticeiros –

os moropyteara; o mesmo se observa entre os Asurinis, pois nesse último

caso os xamãs controlam os karowaras25. Entre os Tembé, assim como

entre os Parakanãs, o Karuwara pode entrar no corpo de um humano,

levando-o ao adoecimento, situação contornada, na maioria das vezes,

quando o especialista retira, através do uso do maracá, cantos e água (neste

caso, coloca-se uma brasa para tirar a força da água, visto que toda água é

de domínio da Mãe D’água) o ser que entrou, por iniciativa própria ou por

intermédio de um pajé, no corpo de um determinado indivíduo. Verifiquei

que o ato de ir ao rio ou ao mato em horários inapropriados pode ser

momento de intenso perigo, visto que há a chance do ataque de não-

humanos contra humanos. Como afirma Itapuyr Tembé, ao explicar a

necessidade de passar alho no corpo de sua filha: “a gente passa alho para

proteger. A Mãe D’água não chega perto por causa do cheiro. Aqui toda

criança faz isso. A gente evita ir seis, meio dia e seis da tarde”. Nesse caso,

os momentos inapropriados são os instantes de liminaridade, ou seja,

situações de indefinição de o que é madrugada ou manhã, manhã ou tarde

e tarde ou noite.

Para refletir sobre o assunto do Karuwara friso que será relevante

consultar os trabalhos de autores como Wagley e Galvão11, Laraia12,

Andrade13, Zannoni14 e a pesquisa de Garcia15. No entanto, serão as

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pesquisas de Wagley e Galvão11 e Zannoni14 sobre os Guajajara

Tenetehara, produzidas em momentos diferentes da trajetória desse grupo

e em lugares com realidades antropológicas distintas, mas que trarão

salutares dados etnográficos para ajudar a traçar reflexões sobre a

cosmologia Tembé. Também é elucidativa a análise da cosmologia Awá-

Guajá feita por Garcia15, a partir do estudo da atividade de caça entre esses

índios. Destaco tais autores, visto que darei atenção maior aos Guajajara e

aos Awa-Guajá, que estão em uma realidade social e geográfica bem

próxima a dos Tembé, na região nordeste da Amazônia, apesar de serem

grupos distintos. Na tese de doutoramento de Garcia,15 sobre os Awá-

Guajá, os karawaras são assim definidos:

são seres ou forças que vivem nos patamares

celestes e atuam na terra de diversas maneiras. São

caçadores infalíveis ao mesmo tempo que espíritos

auxiliares no xamanismo; são destino de todo ser

humano (awá) após a morte, ao mesmo tempo que

possuem uma existência independente,

desvinculada da morte terrena. São também caça

(pois estão relacionados diretamente a essa

atividade), canto (por serem cantores magníficos), e

cura (por serem a própria substância do

xamanismo). Passo aqui, a me referir aos karawara

enquanto seres, pois assim aparecem na maior parte

das definições das pessoas com quem conversei,

embora tal ideia (como outras do mundo Awá-

Guajá) logre polissemia.

O Karuwara é, então, um ser sobrenatural passível de agenciamento, ou

seja, capaz de interagir com humanos, seja nos níveis não-humanos ou até

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nos níveis controlados por humanos. No entanto, ressalto que, em ambos

os casos, a relação dar-se-á em momentos específicos, como atividades de

caça, rituais de passagem ou ritos fúnebres. Porém, observar o Outro

como ele mesmo se vê é uma situação que pode ocasionar perigo àquele

que não possui as habilidades necessárias, pois tal ação é executada com

exatidão e segurança apenas pelos especialistas, seja o pajé e/ou caçadores

e, em alguns casos, pescadores.

Quando se dá o encontro entre humanos e Karuwaras, e aquele não

possui as habilidades necessárias ou está em situação de vulnerabilidade, o

indivíduo pode tornar-se outro e ir morar com seus pares16. Neste caso,

percebe-se que para os Tembé, assim como para grande parte das

sociedades ameríndias, pensar a relação dessas sociedades com a ecologia

é considerar a cultura como natureza humana. A partir daí, a compreensão

de que Karuwara é um afim em potencial do humano torna-se uma ideia

compreensível no universo simbólico do grupo.

Wagley e Galvão11 e Garcia15 estudaram, respectivamente, os Guajajara

na década de 1940 e os Awá-Guajá nos anos 2000. Mesmo em períodos

distintos e grupos diferentes, os autores apresentam reflexões que são

coesas com o que os Tembé pensam sobre os Karuwaras. Resolvi, também,

levar em consideração os apontamentos de Nimuendajú17 – que esteve

entre os Tembé do Gurupi no início do século XX – em uma transcrição

de texto que aparece na pesquisa de Zannoni18.

A interpretação do texto de Nimuendajú18 permitiu concordar sobre o

sentido da categoria Karuwara, apontado por esse pesquisador em seus

dados. Retomando Garcia10, ao falar sobre a noção que os Awá-Guajá

possuem, este aduz que:

podemos afirmar que a literatura etnológica, a

depender do contexto etnográfico, sempre

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apresentou a idéia do karowara (para utilizarmos os

termos de Laraia) a partir de duas definições, ora

associados ao feitiço e agentes patogênicos nocivos

à saúde humana, causadores de doenças, ora

associados a entidades do tipo ‘xamã míticos’,

especialista em cura e de uma vida celeste magnífica,

tal como o caso Asurini do Xingu. Entre os Awá, os

karawara parecem ser uma ação (nesse caso de cura,

e não de ataque maligno), ao mesmo tempo que

possuem uma existência enquanto entidades tipo

‘xamãs míticos’. Eles são karawara e eles fazem

karawara.

No caso Tembé, apesar das dificuldades para uma definição que dê

conta da semântica da palavra Karuwara, esta deve ser vista a partir de sua

essência cultural. Neste sentido, o social não pode ser visto como algo que

“se deposita sobre o corpo como sobre um suporte inerte, mas o

constitui”16, assim o Karuwara é construto nativo que se refere a seres com

roupa19 não-humana, mas que em sua essência carrega um espírito, o que

lhe dá o elemento humano e, por isso, passível de interação com os

humanos. Estes seres habitam os diversos níveis e espaços na cosmografia

Tembé. Ressalto, ainda, que sua interação com humanos pode causar

adoecimentos e/ou curas, dependendo de quem se relaciona ou em que

momento isso acontece.

Em conversas com índios Tembé sobre assuntos ligados a parto, ritos,

adoecimentos e caça, percebi que emergiam, timidamente, um conjunto

de termos que serviam para designar não-humanos, o que, de certa

maneira, mostrava-me formas de se compreender o Karuwara. A partir daí

os Karuwaras podem ser pensados como espíritos que residem em espaços

e níveis controlados pelos não-humanos, mas que não ficam isolados e

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impedidos de se relacionar com os humanos. Os relatos seguintes dão

conta de momentos de intensos conflitos entre humanos e os Karuwaras,

no exemplo a frente representado pelo ser Curupira. Segundo dona Dedé20

(...) ali no São Pedro, tem um guarapé, um braço do

guarapé que fica aqui entre o São Pedro grande e o

velho, tinha uma casa de farinha que a gente

trabalhava tudo junto, então nós tinha um roçado

lá, e uma vez eu fui botar uma mandioca mais o meu

pai, a gente carregava e arrancava, carregava na

cabeça, botava na água. Eu fiquei sozinha lá, aí eu

escutei uma zoada assim grande, olhei pra cima,

assim pro lado, no pé de um itauarizeiro, aí eu não

vi nada, só vi cair uns galinhos e umas folhinhas, e

fiquei assim assombrada, meu cabelo arrepiou, me

deu um arrepio no meu corpo, fiquei com medo do

tronco do pau, pensei que era o pau que ia revirar,

aí eu corri pra um lado e corri pra outro, plantada e

o pau tava em pé direitinho, aí meu pai chegou e

disse: que é que modo que tu tá assim assustada?

Meu pai eu vi uma barulho assim no tronco do

itauarizeiro e eu tô com medo. Ele falou assim: isso

deve ser alguma coisa, mas não é coisa que tu fique

com medo. Ele tava carregando mandioca, e não me

falava nada pra mim não fica com medo, que o

guarapé ficava um pouco distante lá do roçado, né?

Eu fiquei arrancando mandioca, aí quando eu vim,

aí fiquei com uma dor de cabeça, me deu um frio,

eu cheguei em casa e me deitei, não comia e nem

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Revista Estudos Amazônicos • 285

bebia, e nem conversava com ninguém, aí a mãe

disse: João, trás uma pajé pra rezar aqui nessa

menina porque ela chegou um pouco doente, não

come, não bebe, não conversa. Pra mim ela tá muito

doente! Aí ele foi, chegou com a pajé, ele rezou e

disse assim: olha, eu não do conta da doença dela,

mas eu vou lhe ensina um senhor que é pajé mais de

que eu, que vai dá conta da doença dela. Então, o

papai preguntou pra ele: e quem é esse homem? Ele

disse: mora um pouco distante daqui, mas é um

senhor que é pajé e ele curou várias pessoas doentes

de vários lugares. Aí o papai foi atrás, aí quando ele

chegou, ele disse que era uma Curupira que tinha

me espantado no roçado, e ela queria me matar,

porque ela queria roubar a minha sombra, a

Curupira. Aí o papai falou assim: o senhor dá conta

de deixa ela boa? Ele disse: eu dou, é eu e mais seis

pajé, aí me botaram numa rede e me carregaram. Eu

fui deitada na rede, que eu não conversava e nem

comia, era uma dor de cabeça incrível, aí cheguei lá,

muita gente disseram porque que ele veio trazer essa

menina pra cá, deixaram de leva ela pro hospital e

trazer pra uns pajé, essa menina vai morrer. Aí a

mamãe começou a fica triste e a chorar, aí eu

perguntava: mamãe, que é que a senhora tem? Num

é nada minha filha, eu tô chorando da tua situação,

não dizia nada pra mim não ficar mais triste. Aí o

pajé fez o trabalho, aí disse assim: ela tá muita

cansada, mas nós tudo junto vamos pedir a Deus

que nos dê força pra alevantar ela, que essa Curupira

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quer roubar a sombra dela. Aí começou a fazer

remédio, aí eu comecei a me sentir meu corpo, que

eu tava assim ficando mais confortável, tinha já um

ânimo meu corpo, já pensava na minha vida, na

minha mocidade, numa alegria, numa festa. Dizia:

será que eu ainda vou pra festa ou não? Ficava assim

pensando. Aí o pajé preguntava: o que você tá

sentindo? Eu tô sentindo uma melhoria que eu tô

sentindo, porque minha cabeça passou de doer, eu

já como, eu já bebo, eu já converso, eu já escuto. Aí

ele disse que não era pra eu fica com medo que eu

ia fica boa. Aí continuaram a me trata, aí eu fiquei

boa, aí vim me embora, vim pra casa. O papai falou

com o pajé e disse que ia me trazer, o pajé disse que

eu não ia mais passar mal, aí ele ensinou um remédio

pra minha mãe fazer em casa, aí eu me tratei (D.

Dedé, agosto de 2013).

Nesse relato de dona Dedé percebe-se que o contato com o Curupira

provoca uma investida do não-humano no momento em que este ser, que

também é considerado um Karuwara, tenta levá-la para seu espaço. O

Curupira é considerado pelos Tembé como o mais forte no que se refere

a adoecimento das crianças no mato. Isso pode ser visto no relato acima,

devido à necessidade de seis pajés terem que atuar com a finalidade de

curar a pessoa adoecida e trazer suas características físico-psicológicas

humanas. O relato abaixo apresenta um exemplo de como o Curupira

possui total domínio de seu espaço:

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Revista Estudos Amazônicos • 287

bem, aí eu me casei, construí a minha família e tive

os meus meninotes. Assim, um tava com sete ano e

o outro tava com seis ano, aí o que tava com seis

ano, nós tava no roçado trabalhando, já que isso era

na cabeceira do marizeiro. Aí nós tava lá

trabalhando, aí ele disse: mamãe nós vamo ali pegar

e juntar umas frutinhas – que a gente chama de

camapu no roçado –, aí ele andou, aí de repente não

escutei mais barulho do menino. Eu fiquei

agoniado, procurando ele, olhando, chamava: João

vem cá? João vem cá? Aí nada dele aparecer! Aí o

meu filho mais velho se encostou e disse: mamãe ele

desapareceu, ele não está. Aí eu comecei a chorar, a

gritar, a falar e nada. Meu filho, vai dizer pra minha

gente que meu filho desapareceu, pra eles virem

aqui, aí eles veio assim na beira do rio, chamou a

avó, o avô, a madrinha dele, e também tinha um

rapazinho que ele era pajé e chamavam Antônio pra

ele. Aí eu falei assim: tragam um pajé aqui pra vim

dizer, pra nós saber que fim deu o João. Aí ele foi,

aí ele disse: você crê em pajé? Eu disse: eu creio,

porque o que aconteceu comigo já é pra mim ter

crença no pajé, né? Aí ele chegou comigo e disse: o

seu filho tá dormindo, tá adormecido por aí.

Mandou eu me calar, eu me calei! Começou a rezar,

a chamar, chamar pelo nome dele rezando, aí depois

ele mandou eu chamar pelo nome dele, depois que

terminou a reza, aí eu chamei, quando ele respondeu

foi dando uns grito, chorando, aí eu disse: meu filho

onde é que tu estás? Aí ele disse: mamãe o que

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288 • Revista Estudos Amazônicos

aconteceu comigo? Aí eu disse não, aí eu posso

pregunta o que aconteceu com você porque você

não tava aqui? Ele disse não, eu tava ali e comecei a

brincar duma brincadeira, me deu um sono, uma

soneira, aí eu fiquei dormindo, eu ouvi a senhora tá

me chamando, mas não podia responder, eu tava

adormecido, aí o pajé falou: olha, sabe o que tava

acontecendo? A Curupira tava querendo levar teu

filho pro mato, roubar a sombra dele e levar. Dessa

hora em diante o menino apareceu, nós botemo pra

frente e viemo simbora. A Curupira rouba a sombra

porque ela se engraça da criança, da pessoa, como

diz o pajé, a criança fica invisível, tá vivo, mas tá

longe, tá na mata, tá separado dos outros (D. Dedé

Tembé, agosto de 201321).

As presenças destes seres também são verificadas em grupos de não-

indígenas, na região do nordeste paraense. Em comunidades ribeirinhas,

na região do nordeste amazônico, tem-se a presença de entes conhecidos

como “encantados”, os quais, no geral, são invisíveis aos humanos não

especialistas, menos aos olhos de pajés e rezadeiras. Tais seres podem

aparecer em lugares e momentos específicos, assumindo, em cada caso,

denominações diferentes. Estão no mar, nas baías, nos lagos e nos rios e

possuem formas zoomórficas, ligados às espécies que existem no

ambiente. Neste caso, são vistos sob uma subjetivação humana, que em

diversas situações se apresentam como pessoa amiga, um parente

próximo, a mulher, o marido, um filho. Considera-se, também, a

representação de interlocutores, os quais afirmam que quando os invisíveis

se incorporam num pajé ou numa pessoa comum de quem se agradam e

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que desejam tornar pajé. Este escolhido será entre o grupo, seja indígena

ou como no caso acima, ribeirinhos, o indivíduo com mais habilidade nas

relações com não-humanos, visto que não adoece no contato22.

O reconhecimento de elementos de um contexto sócio-simbólico

como determinante na gênese e na reprodução da condição saúde-doença,

que emerge como um avanço no conhecimento da saúde coletiva, mostra-

se simbolicamente representado em bases coercitivas, vistas no

adoecimento e na consequente adoção ou rejeição de procedimentos de

cura23. Portanto, a atuação do pajé mostra-se relevante, devido ser ele o

mais habilidoso para transitar no espaço dos karuwaras, falar com estas e

se alimentar junto desses outros sem que seja acometido por adoecimentos

e, se adoecer, conhecer os caminhos de cura, e dessa maneira evitar que

sua sombra possa ser levada, considerando a realidade das aldeias Tembé.

Os Tembé, assim como os Guajajara, apresentam quatro tipos de

Karuwara: os “criadores ou heróis culturais; os donos das florestas e dos

rios; os espíritos dos humanos mortos; e os espíritos de animais”11, p. 107.

Esses habitam os níveis e espaços da cosmografia Tembé.

Existem três níveis e quatro espaços na cosmologia Tembé, sendo que

cinco desses ambientes são controlados pelos Karuwaras. Estes seres, em

seus espaços, caçam, pescam e se organizam como os Tembé fazem nas

aldeias. Uma forma de pensar a cosmografia Tembé pode ser a seguinte:

1) o nível do céu mais alto, que é o lugar de Maíra, que pode ser entendido,

também, como o lugar de Tupã e/ou até o Deus cristão, além de ser o

local para onde vão os guerreiros que lutaram pelo grupo; 2) o nível das

estrelas, da lua e do sol é o local onde ficam os espíritos que não alcançam

o nível de Maíra – este fica abaixo do céu de Maíra; 3) o nível terreno, onde

fica o espaço da aldeia e o local da residência dos humanos, que se estende

para suas roças, somando-se, ainda, as áreas urbanas; também no nível

terreno o espaço do mato, que é controlado pelos donos do mato

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(Curupira e Matim), por plantas e animais e, por fim, o espaço da água,

controlado pela Mãe D’água e demais seres aquáticos.

Os Tembé afirmam que quando o indivíduo morre o Karuwara de seu

corpo físico pode ter dois lugares de morada. Segundo Pedro Teófilo,

“quando o cara tem karuwara ruim, não ajuda ninguém, não merece ir pra

lá pra cima, ele fica rodando perto do sol, às vezes volta, os bons sobem

para o céu em cima desse”38. Nesse caso, percebe-se que o céu de Maíra,

tido como espaço de desejo de todos os Tembé, ou o céu que fica próximo

ao céu de Maíra, na altura das estrelas. Os Karuwaras que não alcançam o

espaço de Maíra são os mais perigosos, pois quando voltam para as festas

que têm cantorias atacam as pessoas que estão desprotegidas, geralmente

crianças, grávidas e demais que estejam em momentos rituais, como o

Wira’u-haw24. Vale ressaltar que, nesse momento ritual, os preferidos são

os jovens iniciados.

O Karuwara volta, também e não apenas, para dançar nas festas e se

alimentar junto com os pajés nos ritos de iniciação, depois retornando para

seu local de morada. Todavia, antes de alcançar este espaço, momento em

que fica vagando pelo espaço terreno, esse ser pode atacar os humanos.

Isso fica claro na fala abaixo, de Antônio Tembé, sobre a festa do Wira’u-

haw e de como estes seres são atraídos:

quando o cara tá na festa, não pode ficar saindo para

lá e para cá não! É toda hora indo e vindo karuwara.

Depois que a festa começa, e os parente começa a

cantar, a gente se ficar saindo, pode pegar uma

peitada de bicho que tá chegando. O rio, vixe, é

perigoso principalmente para criança. As karuwaras

carrega mesmo, elas vêm por causa das cantoria e

do som do maracá (Antonio Tembé, julho de 2013).

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Revista Estudos Amazônicos • 291

O relato acima mostra que os Karuwaras, e sua presença em um espaço

habitado pelos humanos, podem ser perigosos aos humanos, pois o

conflito é o resultado dessa relação quando estabelecida entre não

especialistas e este ser não-humano. Tal situação pode ser verificada,

também, quanto à relação dos humanos com alguns animais no período

do ritual, sendo que algo semelhante acontece entre os índios Guajajara.

Os Guajajara Tenetehara veem o Karuwara como:

homens e animais, tem espíritos que sobrevivem à

morte do corpo. (...). Ambos após a morte do

indivíduo tornam-se perigosos e malignos aos

Tenetehara, que para controlá-los necessitam da

interferência do pajé11.

Em diversos rituais, o pajé chama o Karuwara em suas ações de cura e

ataque. Entre os Parakanã, os “karowaras” podem ser pensados como

agentes patogênicos controlados por feiticeiros25, o que também observei

entre os Tembé. Não obstante, essa relação controladora não é constante,

como nas observações sobre os Parakanã25. A relação entre Tembé e

Karuwara não é pautada apenas pelo conflito, pelas agressões e pelos

ataques entre humanos e não-humanos, mas também por conversas,

festejos e momentos de harmonia. No entanto, essa última relação fica

facultada apenas aos pajés. Segundo Antônio Tembé:

na festa do moqueado, os Karuwara vêm pra dançar,

eles ficam no salão pulando kae49 com a gente. Por

isso que o professor que tava filmando bem no meio

caiu. O Karuwara entrou no corpo dele. Só pode

Page 18: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

292 • Revista Estudos Amazônicos

pular quem sabe cantar, só pode ficar no meio da

roda quem sabe o conhecimento39.

Percebe-se que na (cosmo)lógica Tembé a presença do ser não-

humano pode ser mediada por aqueles que possuem as habilidades

necessárias; do contrário, a relação entre um humano sem habilidades

pode causar adoecimento e morte. Nesse sentido, a força do pajé está,

também, concentrada em sua habilidade de manter contato com estes

seres, seja através de seus cantos, do uso de cigarro de Tawari, das rezas ou

do maracá. Este último é um importante instrumento usado pelo pajé para

entrar em contato com os habitantes dos níveis e espaços não-humanos.

Também fazem uso do maracá os conhecedores e líderes dos ritos26,

função exclusiva de homens iniciados. As mulheres e os homens não

iniciados, em geral, não podem manipular o maracá. Entretanto, em alguns

casos, mulheres e homens velhos acumulam conhecimentos que lhes

permitem acessar espaços que são tradicionalmente reservados aos

iniciados, como em locais controlados pelos donos controladores.

As relações com os donos controladores são estabelecidas entre

humanos, entre não-humanos, entre humanos e não-humanos e entre

pessoas e coisas27. A Mãe D’água, dona do espaço da água, o Curupira e

Matim, donos do espaço do mato, aparecem nos relatos como sendo os

principais responsáveis pela maioria dos adoecimentos humanos, que

ocorrem em virtude de alguma transgressão cometida. Embora sejam os

donos desses espaços, o controle do trânsito nos rios e na mata responde

a um conjunto de conhecimentos que são difundidos entre os pescadores

e os caçadores, pois principalmente a caça é, antes, uma atividade

xamãnica11. Isso, de certa forma, põe o caçador em pé de igualdade com

o xamã, pois ele conhece os segredos para se relacionar com os Karuwara

dos rios e das matas.

Page 19: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

Revista Estudos Amazônicos • 293

No caso do Matim há duas classes, uma originária do espaço do mato

e a outra que se formou a partir de quebras de tabus durante o parto,

momento de construção da humanidade, uma vez que para os Tembé,

assim como para um considerável número de sociedades tradicionais da

Amazônia, a noção de adoecimento extrapola o corpo, ligando-se,

também e talvez apenas, a elementos sobrenaturais. Assim, o adoecimento

parece estar condicionado a regras que, quando transgredidas, podem

causar (trans)formação de um humano em um Matim. No entanto, o ser

de origem humana é um ser menos perigoso quando comparado ao de

origem do mato. O Matim originário do mato controla alguns animais e

os usa para fazer os transgressores se perderem e até morrerem no mato,

o mesmo podendo ser observado em relação à Mãe D’Água

A Mãe D’água – comparada a Ywán, categoria nativa para se referir ao

dono do rio – é perigosa aos humanos, sendo responsável por grande parte

do adoecimento de crianças que tomam banho nos rios e igarapés. Ela

rouba a sombra – entendendo sombra como Karuwara e/ou espírito – dos

humanos e leva para o fundo das águas. O pajé pode se comunicar com

este ser – a Mãe D’água – e ir até o espaço da aldeia do referido

sobrenatural para, então, trazer a sombra para seu dono. Neste contexto,

a sombra é entendida como uma categoria que se refere ao Karuwara do

humano ou o espírito.

A vida humana é a combinação de Karuwara mais sua parte física, o que

me leva a pensar que a ação da Mãe D’Água (Ywán) transforma a vítima

em um Outro, posicionando, nesse acaso, o corpo como a sede da

perspectiva28, sendo que essa relação entre seres humanos e não-humanos

é perigosa devido ao conflito a que todos os envolvidos estão expostos.

Diante disso, os não-humanos possuem instituições, no sentido

deleuzeano29. Assim, enquanto na visão ocidental apenas humanos são

portadores de instituições, para os ameríndios também os não-humanos

possuem instituições, isto é, na visão ameríndia os não-humanos podem

Page 20: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

294 • Revista Estudos Amazônicos

se apresentar como possuidores de cultura. Tal situação permite refletir

sobre a complexidade das relações que podem se estabelecer na sociedade

Tembé, ou seja, tais relações podem interferir na produção do corpo. Ao

me referir sobre corpo entre os Tembé Tenetehara, considero a seguinte

noção:

não se trata de uma oposição entre homem e animal

realizada longe do corpo e ao longo de categorias

individualizantes, onde o natural e o social se auto-

repelem por definição, mas de uma dialética onde

os elementos naturais são domesticados pelo grupo

e os elementos do grupo (as coisas sociais), são

naturalizados no mundo dos animais. O corpo é a

grande arena onde essas transformações são

possíveis, como faz prova toda a mitologia

sulamericana que deve, agora, ser relida como

histórias com um centro: a ideia fundamental de

corporalidade30.

É elucidativa, também, a noção de corpo difundida entre os Ywalapíti

que enfatizam a necessidade de o corpo passar, constantemente, por

processos intencionais de fabricação, os quais ocorrem por constantes

mudanças16, daí o intenso cuidado para o fortalecimento do corpo frente

a ataques de sobrenaturais. Esses ataques podem ocorrer em diversos

espaços, tanto nos não-humanos, quanto no espaço da aldeia, devido a

situações específicas como os períodos de gravidez, momento em que as

ações da família da grávida refletem na saúde da criança e da mãe.

Entre os Tembé, os Karuwaras podem ser pensados como uma

diversidade de espíritos que transitam nos espaços humanos e não-

Page 21: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

Revista Estudos Amazônicos • 295

humanos. Por isso, quando as ações xamãnicas são realizadas pelo pajé,

ou mesmo por pescadores e caçadores, há o contato entre humanos e

Karuwaras. Nesse sentido, tanto o espaço da aldeia quanto em outros

espaços, podem se dar as relações que, se realizadas por indivíduos não

preparados, ocasionam na perda de sua condição humana, o que irá

resultar no adoecimento e, consequentemente, na morte deste.

O contato entre humano e Karuwara, na maioria das vezes, não causa

adoecimento ao especialista, pois, como fica claro na fala de Dona

Fátima31, o pajé mostra que “se for do bom ele vai lá e traz, ou então ele

tem uns poder que faz ela devolver a sombra da criança” (entrevista, julho

de 2013). Neste caso, pode-se considerar que o pajé possui habilidades

para lidar com os Karuwaras no que diz respeito, inclusive, a seu trânsito,

situação que mostra uma certa coesão com povos como os Assurini do

Tocantins. Isso porque os pajés são controladores dos sobrenaturais, os

quais são considerados agentes patológicos na cosmologia desse grupo13.

Outra categoria de Karuwara pode ser percebida no entendimento e

debate sobre a condição de morte e post-mortem entre os Tembé, seja morte

de humanos e/ou animais. O momento da morte é a separação entre o

corpo material e a Karuwara, por isso os animais também possuem

Karuwaras. Estas últimas são intensamente perigosas para os humanos, o

que torna os animais encontrados mortos sinais de mau presságio. Desta

forma, geralmente, respeita-se o corpo do animal, visto que o Karuwara

dele pode vir a atacar. Sobre isso, afirma Pedro Tembé:

quando a gente mata porco ou outro bicho, não é

bom que fique, que porco de casa, cachorro e outros

bichos de casa, fique comendo. A mulher buchuda

só pode comer se a gente der permissão. É tipo o

espírito dos bicho que panema32 a gente. Mulher

Page 22: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

296 • Revista Estudos Amazônicos

perde o bebê, o caçador não acerta mais caçar. O

cara se perde atoinha no mato41.

Na concepção Guajajara Tenetehara, tropeçar em corpos de animais

mortos pode ter como consequência o ataque do Karuwara, tanto aquele

que tocou no corpo do animal quanto o seu familiar. Alguns pajés

controlam os Karuwaras de animais como o do sapo, considerado um dos

Karuwaras mais fortes11. O mesmo se percebe em relação aos Tembé, mas

o cuidado no que tange à lida com animais mortos – ou mesmo vivos –

não se dá nem com todas as espécies, nem em qualquer momento e,

principalmente, o local onde ficam depositados os restos de carnes e ossos,

pois se for mantido o contato destes com instrumentos de caça os mesmos

podem adquirir a condição de panema. No geral, os animais que

representam maior perigo aos humanos são as espécies consideradas

grandes predadoras ou as presas mais comuns dos humanos, como a onça

e macaco16; o primeiro, um predador e o segundo, uma presa.

Vale destacar que dentre os sobrenaturais, Maíra é considerada o mais

forte dos Karuwaras e vive no seu local de morada eterna. Por vezes,

percebi que alguns Tembé chamaram Maíra de Tupã e até, na tentativa de

ilustrar ainda mais suas explicações, compararam com o Deus cristão.

Ainda podemos definir Karuwara da seguinte forma:

os Tenetehara se referem aos sobrenaturais pela

designação genérica de karowara, porém distinguem

pelo menos quatro categorias: criadores ou heróis

culturais, a quem atribuem a criação e

transformação do mundo; os donos das florestas e

das águas dos rios; os azang, espíritos errantes dos

mortos; espíritos de animais. Na mitologia são

Page 23: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

Revista Estudos Amazônicos • 297

descritos como homens de imenso poder

sobrenatural. Viveram algum tempo na terra, que

abandonaram pela residência eterna na ‘aldeia dos

sobrenaturais’ (karowara-nekwahawo)11 p. 107.

Nas festas de iniciação, os Karuwaras são atraídos pela fumaça do

cigarro de Tawari ou pelo som do maracá, que, por sua vez, é o

instrumento usado pelos xamãs na intermediação com os diversos

espaços. Os homens e as mulheres não podem utilizá-lo16 e servem como

principal instrumento em dias de realização das cantorias. Em conversa

com Antônio Tembé sobre a festa do Wira’u-haw, o mesmo falou do

trânsito dos Karuwaras e de como eles são atraídos:

quando o cara tá na festa não pode ficar saindo para

lá e para cá não! É toda hora indo e vindo Karuwara.

Depois que a festa começa, e os parente começa a

cantar, a gente se ficar saindo, pode pegar uma

peitada de bicho que tá chegando. O rio, vixe, é

perigoso principalmente para criança. As Karuwaras

carregam mesmo, elas vêm por causa das cantoria e

do som do maracá33.

Os Tembé consideram Maíra um Karuwara; porém, ele seria também o

herói criador. Para pessoas como seu Pelé Tembé34 “é um espírito mal e

forte, a gente sabe que ela pode fazer mal” (entrevista, outubro de 2013).

Apesar de ser um herói nos causos Tembé, sua condição de outro a põe em

situação de inimigo. Portanto, este ser é um não-humano e, como o

restante, considerada perigosa. De certa forma, Maíra é inserida nesta

reflexão sobre a categoria Karuwara devido possuir subjetividade na lógica

do grupo.

Page 24: Karuwara: observando sobrenaturais entre os Tembé do Guamá

298 • Revista Estudos Amazônicos

Nas narrativas Tenetehara, os Karuwaras aparecem como homens

dotados de imenso poder11. Quando um indivíduo morre, o seu Karuwara

é liberado da parte física e vai para o céu de Maíra, se este tiver sido um

guerreiro forte. No entanto, se não tiver ajudado o povo, fica na altura das

estrelas esperando para retornar à Terra e atacar os humanos quando

invocada. Constantemente, são chamados pelo pajé, pelas rezadeiras e

pelos cantos para interagir com os humanos. Mesmo reconhecendo que a

categoria Karuwara permite polissemia, ou seja, apresenta sentidos

diversos, a semântica da palavra entre os Tembé do Guamá assemelha-se

ao espírito, considerando-se a concepção ocidental.

Em muitos casos, os Karuwaras atacam os humanos por conta de

transgressões como pescar em horários inapropriados, que são momentos

liminares. Isso pode ser considerado perigoso devido à

intersubjetividade35 presente nos corpos de animais, encantados e

humanos.

Karuwara é aqui entendida como a subjetividade que perde sua moradia

terrena (corpo) e, por isso, não mora no espaço dos humanos. Da mesma

forma, o Curupira, o Matim (as duas espécies: tanto a do mato, quanto a

que tem origem humana) e os animais que podem em algum momento

revelar sua essência humana, como os pássaros (nambu é um dos

principais) por conta de suas “forças” – habilidade antropomórfica, além

de causar adoecimentos – são considerados Karuwaras.

Os Tembé da região do Guamá apresentam essa categoria nativa para

se referir a sobrenaturais. Esse pode ser de parentes que morreram –

refiro-me aos que alcançaram o céu de Tupã e Maíra, ou os que ficaram

no nível abaixo do céu de Maíra –, além dos que foram levados para o

espaço das águas e os levados para o espaço da mata (chamados, também,

de encantados), os donos, espíritos Mestres36 e espíritos de animais.

Ambos com possibilidades de ser agentes patogênicos ou auxiliares em

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Revista Estudos Amazônicos • 299

curas. Sempre conservando, entretanto, sua condição de afins em

potencial, controlados por especialistas (caçadores, pescadores, mas

principalmente pajés) em determinados momentos, mostrando-se como

um elemento fundamental para entender o universo simbólico dos Tembé.

Artigo recebido em agosto de 2015

Aprovado em setembro de 2015

NOTAS

1CAMARGOS, Q. F.; DUARTE, F. B. Evidências da Estrutura Bipartida do Vp na Língua Tenetehára. In: SILEL, 1, 2009, Uberlândia. Anais. Uberlândia: EDUFU, 2009. 2COELHO, J. R. L. Cosmologia Tenetehara Tembé: (re)pensando narrativas, ritos e alteridade no Alto Rio Guamá – PA. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Amazonas, 2014. 3Conselho Indigenista Missionário (Idem). 4Categoria nativa que se refere a seres humanos não quilombolas e não indígenas, que residem fora da Terra Indígena. 5ARNAUD, E. O Direito Indígena e a Ocupação Territorial: o caso dos índios Tembé do Alto Guamá (Pará). Rev. do Museu Paulist. São Paulo: USP, v. 28, s.n., 1984, p. 221-233. 6 HURLEY, H. J. Relatório Apresentado sobre sua Viagem de Inspeção aos Índios do Guamá e

Gurupi. Belém, p. 15-38. 7 ARNAUD, 1984, p. 331. 8ALONSO, S. Os Tembé de Guamá: processo de construção da cultura e identidade Tembé. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996. 9Categoria nativa difundida entre os Tembé quando se referem a humanos não quilombolas e não indígenas COELHO, J.R.L. Cosmologia TeneteharaTembé.

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10SALES, Noêmia P. Pressão e Resistência: os índios Tembé-Tenetehara do Alto Rio Guamá e a relação com o território. Belém: UNAMA, 1999. 11WAGLEY, C.; GALVÃO, E. E. Os Índios Tenetehara: uma cultura em transição. Rio de Janeiro: MEC/Serviço de Documentação, 1961. 12LARAIA, R. de B. Tupi: Índios do Brasil Atual. São Paulo: FFLCH/USP, 1987. 13ANDRADE, L. M. M. O Corpo e o Cosmos: relações de gênero e o sobrenatural entre os Asurini do Tocantins. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 1992. 14ZANNONI, C. Mito e Sociedade Tenetehara. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Estadual Paulista, 2002. 15GARCIA, U. F. Karawara: a caça e o mundo dos Awá-Guajá. Tese de Doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010. 16CASTRO, E. V. de. A Inconstância da Alma Selvagem e outros Ensaios de Antropologia. São Paulo: Cosac e Naify, 2002. 17NIMUENDAJU (1915) citado por ZANNONI, C. Mito e Sociedade Tenetehara. 18“Maíra vive, hoje em dia, na grande planície de Ikaiwéra, inteiramente desprovida de árvores. Ela está situada a oeste das antigas moradas dos Tembé, atrás das cabeceiras do Gurupí e do Pindaré, mas uma única versão afirma que está à leste. Aí vive Maíra inteiramente só em uma grande casa. Ele parece branco e usa veste comprida. Ao redor da casa só crescem flores. Os pássaros aí falam com voz humana e chamam pelo nome as pessoas que chegam. A jandaia e a maracanã fazem seu ninho no chão porque não existem árvores e pela mesma razão o mel está nos cupins. Perto da casa de Maíra está uma grande aldeia. Seus habitantes vivem magnificamente, para seu sustento diário necessitam apenas de umas pequenas frutas semelhantes a cuia; sua plantação não necessita cuidados: ela se planta e se colhe sozinha. Maíra e seus companheiros no campo de Ikawéra têm o nome de ‘Karuwára’. Quando envelhecem, não morrem mas tornam-se novamente jovens. Cantam, dançam e celebram festa sem cessar. Da última aldeia Tembé no cajuapara até os Karuwara a viagem dura – dizem – um mês. Antigamente, os Tembé procuravam, muitas vezes, chegar a Ikawéra, mas todas as alternativas falharam. Os que já tiveram contato com o outro sexo nunca mais poderão chegar lá. Ou não bastam os meios de sustento ou no inverno o campo pelo qual fazem a viagem, fica inundado ou no verão o solo é de tal modo aquecido pelo sol que não podem pisar. Muitos viajantes que queriam alcançar os karuwára levaram, de repente, pedras no lugar de sua rede ou cupins nas costas ou toda sua bagagem desaparecia subitamente ou deviam sempre voltar novamente para procurá-la. Dizem, porém, que em tempos muito remotos, várias pessoas foram bem sucedidas nessa viagem. Uma vez, um grupo de Tembé se dirigiu para a terra dos Karuwára apenas para aí aprender a cantar, naquele tempo eles não sabiam. Pintado, enfeitado com penas, chocalho e cetro (araruwaia) ele subiu ao mais alto galho de um pau d’arco da aldeia e começou a cantar. Os Tembé derrubaram a floresta à volta do pau d’arco, limparam o lugar e se reuniram novamente para aprender o canto. Antes, porém, deixou cair na terra seus enfeites. Os Tembé pegaram-nos, tomando-os por modelo dos enfeites de dança que ainda hoje usam” (NIMUENDAJÚ, 1915 apud ZANNONI, C. Mito e Sociedade Tenetehara.).

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Revista Estudos Amazônicos • 301

19“Teríamos então, à primeira vista, uma distinção entre uma essência antropomorfa de tipo espiritual comum aos seres animados, e uma corporal variável característica de cada espécie, mas que não seria um atributo fixo, e sim uma roupa trocável, descartável. A noção de ‘roupa’ é, com efeito, uma das expressões privilegiadas da metamorfose – espíritos, mortos e xamãs que assumem formas animais, bichos que viram outros bichos, humanos que são inadvertidamente mudados em animais –, processo onipresente no ‘mundo altamente transformacional’ (RIVIÈRE) proposto pelas culturas amazônicas” (CASTRO, E. V. de. A Inconstância da Alma Selvagem, p. 351). 20Liderança feminina na aldeia Pacoti. 21Esse relato me foi cedido por Jeane Palheta. Faz parte de um vídeo que serviu como fonte para sua monografia de especialização no Instituto Federal do Pará. Portanto, tive acesso a algumas de suas entrevistas. 22MAUÉS, H. O Perspectivismo Indígena é somente Indígena? Cosmologia, religião, medicina e populações rurais na Amazônia. Dossiê – Amazônia: Sociedade e natureza. Londrine: v. 17, n. 1, 2012, p. 33-61. 23GARNELLO, L.; BUCHILLET, D. Taxonomias das Doenças entre os Índios Baniwa (Arawak) e Desana (Tukano Oriental) do Alto Rio Negro (Brasil). Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: ano 12, n. 26, jul./dez. 2006, p. 231-260. 24Termo utilizado para se referir ao terceiro momento do Ritual da Moça, a festa do

moqueado. 25FAUSTO, C. Inimigos Fiéis: história, guerra e xamanismos na Amazônia. 1. ed. São Paulo: EDUSP, 2014, 587 p. 26ZANNONI, C. A Voz dos Espíritos: uma abordagem sobre o maracá em sociedades indígenas do Maranhão. In: REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL (RAM), IX, 2011, Curitiba. Anais. Curitiba: RAM, 2011. 27FAUSTO, C. Donos Demais: maestria e domínio na Amazônia. MANA. Rio de Janeiro: v. 14, n. 2, oct. 2008, p. 329-366. 28CASTRO, E. V. de. Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio. MANA. Rio de Janeiro: v. 2, n. 2, 1996, p. 115-144. GONÇALVES, M. A. O Mundo Inacabado: ação e criação em uma cosmologia amazônica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001. 424 p. 29DELEUZE, G. Instintos e Instituições. In: ESCOBAR, C. H. (org.). Dossiê Deleuze. Rio de Janeiro: Hólon, 1991. 30SEEGER, A; DAMATTA, R.; CASTRO, E. V. de. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional. Rio de Janeiro: n. 32, 1979, p. 2-19. 31 Dona Fátima é uma parteira que viveu entre os Tembé do Gurupi durante trinta anos. Atualmente, reside em um bairro do município de Capitão Poço/PA. 32Em suma, pode ser entendido como azar, ou seja, nas empreitadas de caça, tanto caçador quanto seus instrumentos de caça não conseguem obter sucesso nas caçadas (COELHO, J. R. L. Cosmologia Tenetehara Tembé). 33Antônio Tembé, em entrevista, julho de 2013. 34Seu Pelé é morador da Aldeia Sede, local onde nasceu e constituiu família, sendo considerado uma das lideranças do Alto Rio Guamá.

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302 • Revista Estudos Amazônicos

35Levo em conta a categoria de análise proposta por Castro (A Inconstância da Alma Selvagem) que considera intersubjetividade em que o Eu e o Outro como conteúdo da Forma-Sujeito. 36Verificar em CASTRO, E. V. de. A Inconstância da Alma Selvagem. 38Pedro Teófilo é cacique da aldeia Itaputyr e uma das lideranças responsáveis pelo fortalecimento da festa da Moça no Alto Rio Guamá. 39Entrevista feita em julho de 2013. Antônio Tembé é cantador e conhecedor das regras do ritual de passagem da moça. 40Nome da dança difundida entre os Tembé. O kaekae é a categoria nativa quando os Tembé se referem a dança que embalada pelos cantos e o maracá. 41Pedro Tembé é cacique da aldeia Ituaçu. Essa fala foi feita em entrevista em julho de 2013. 42Mulher indígena mãe de Ita. Itaputyr é aluna do curso de odontologia na Universidade Federal do Pará.