KATJA CHRISTINA SAPIENS E DEMENS NO PENSAMENTO … · teoria do design, serão também considerados...

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Universidade de Aveiro 2010 Departamento de Comunicação e Arte KATJA CHRISTINA TSCHIMMEL SAPIENS E DEMENS NO PENSAMENTO CRIATIVO DO DESIGN

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Universidade de Aveiro 2010

Departamento de Comunicao e Arte

KATJA CHRISTINA TSCHIMMEL

SAPIENS E DEMENS NO PENSAMENTO CRIATIVO DO DESIGN

Universidade de Aveiro 2010

Departamento de Comunicao e Arte

KATJA CHRISTINA TSCHIMMEL

SAPIENS E DEMENS NO PENSAMENTO CRIATIVO DO DESIGN

Tese apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Design, realizada sob a orientao cientfica da Prof. Doutora Maria de Ftima Teixeira Pombo, Professora Associada do Departamento de Comunicao e Arte da Universidade de Aveiro e sob a co-orientao cientfica do Prof. Bernhard E. Brdek, Professor Associado do Departamento de Design de Produto da Hochschule fr Gestaltung Offenbach am Main, Alemanha.

Co-financiamento do POCI 2010 no mbito do III Quadro Comunitrio de Apoio.

Investigao financiada pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia, no mbito do III Quadro Comunitrio de Apoio, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MCTES.

O jri

Presidente Prof. Doutor Artur Manuel Soares da Silva Professor Catedrtico do Departamento de Qumica da Universidade de Aveiro

Prof Doutora Nilza Maria Vilhena Nunes da Costa Professora Catedrtica do Departamento de Didctica e Tecnologia Educativa da Universidade de Aveiro

Prof Doutora Maria de Ftima Teixeira Pombo Professora Associada do Departamento de Comunicao e Arte da Universidade de Aveiro

Prof. Doutor Eduardo Alberto Vieira de Meireles Corte-Real Professor Associado da Escola Superior de Marketing do Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing de Lisboa

Prof. Doutor Antnio Maria Sousa Mendanha Arriscado Professor Adjunto Equiparado da Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos

Prof. Bernhard E. Brdek Professor Associado do Departamento de Design de Produto da Hochschule fr Gestaltung Offenbach, Alemanha

Agradecimentos

Como acontece em qualquer processo criativo, tambm este resultado no mrito de uma nica pessoa. Desta maneira, este trabalho o fruto de muitas interaces: dilogos com os orientadores, com colegas e com amigos, ajudas de familiares e amigos na gesto da vida diria, apoios administrativos e financeiros e, por ltimo, mas no menos relevante, apoios afectivos e encorajadores. O meu primeiro agradecimento vai para a minha orientadora, Professora Ftima Pombo, pela sua confiana, pelo seu incentivo e acompanhamento constante e interessado, pelo seu empenho em ler criticamente a tese em duas lnguas, primeiro em alemo e logo na traduo portuguesa, e pelo seu rigor na discusso de contedos. Ao meu orientador alemo, Professor Bernhard E. Brdek, gostaria de exprimir o meu grato reconhecimento pela sua atitude sempre cooperante e pelo seu apoio minha candidatura ao doutoramento, assim como pelo seu contributo para a minha aprendizagem na rea da teoria e metodologia do design. Cumpre tambm mencionar a sua preciosa ajuda na busca de literatura de relevo. Provavelmente, sem ele no teria descoberto o conceito de construtivismo radical, que d a esta tese um enquadramento coerente. Uma palavra de agradecimento tambm devida a todos os amigos, colegas e estudantes, cujos incentivos, comentrios, perguntas e indicaes de bibliografia contriburam para que eu permanentemente tenha repensado, aprofundado e desenvolvido os conceitos deste trabalho: - Jos Wallenstein, de quem recebi, sobretudo nos primeiros dois anos deste trabalho, estmulo emocional e sugestes sobre o contedo; - Juan Rodrigo, que atravs dos seus comentrios crticos e interrogaes me fez repetidamente questionar ideias e conceitos; - Anglica Stiro, que me deu numerosas pistas de reflexo sobre os processos de pensamento criativo e sobre metacognio; - Paulo Cunha, sempre pronto a ajudar-me, e no apenas nas minhas dvidas no domnio das cincias naturais; - Dirk Loyens, Antonino Jorge, Joo Jos Ferreira e Henk Kuipers, pelo seu interesse participativo no tema da minha investigao, pela indicao de diversas fontes e pelo envio de textos inacessveis para mim; - os estudantes que participaram de mente aberta nos exerccios relacionados com a criatividade e que colocaram os seus trabalhos minha disposio; - todos os meus alunos, cujas perguntas e interesse demonstrado me incentivaram a aprofundar determinados raciocnios sobre criatividade e design.

O meu reconhecimento vai igualmente para a Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT) pelo financiamento deste projecto de investigao durante a sua primeira fase, e para a Escola Superior de Artes e Design (ESAD Matosinhos) pelo apoio financeiro concedido segunda fase da investigao, mas tambm por me ter facultado a participao em numerosas conferncias especializadas, assim como pela confiana que a direco da Escola depositou em mim. Um agradecimento especial devo a Cludia Gonalves, que no s traduziu esta tese do alemo para o portugus de uma maneira criativa e muito rigorosa, mas que no decorrer do trabalho se transformou numa cmplice e verdadeira amiga. A qualidade lingustica da verso portuguesa o resultado do seu trabalho, eventuais fragilidades so somente da minha responsabilidade. Uma palavra muito especial de gratido devida a todas aquelas pessoas graas s quais me pude concentrar, ao lado das minhas outras obrigaes, na elaborao e redaco desta dissertao: Ao meu marido, Nicholas Redgrave, pelo seu amor, o seu apoio incondicional e a sua preciosa ajuda com as minhas filhas, mas tambm pela sua correco dos meus artigos em ingls. Sem ele no teria tido o tempo e a energia necessrios para finalizar esta dissertao. A todas as minhas amigas que frequentemente me ficaram com as crianas, libertando-me desta forma para outras tarefas, e que sempre me deram nimo para continuar a escrever. E finalmente aos meus pais, a quem tenho sobretudo a agradecer o facto de sempre me terem apoiado e nunca terem questionado as minhas escolhas pessoais e profissionais. No possvel exprimir por palavras o muito que lhes devo. Alm disso, gostaria ainda de expressar o meu muito particular obrigado ao meu pai por ter lido com todo o interesse a verso alem deste trabalho, para ela contribuindo com as suas correces. s minhas duas filhas, Edna e Ana Rita, quero agradecer o seu amor, a sua pacincia e a sua compreenso (embora nem sempre ausente de conflitos) para os meus momentos de ausncia; gostaria ainda de me desculpar por nem sempre lhes ter dedicado tanto tempo como aquele que possivelmente teriam necessitado.

Palavras-chave

Design, criatividade, pensamento criativo, processos de design, metodologia projectual, heurstica sistemtica, ensino do design, didctica construtivista do design, metacognio.

Resumo

A Unio Europeia declarou 2009 Ano Europeu da Criatividade e da Inovao, pretendendo com isto salientar o papel fundamental da produo criativa para o futuro da Europa. O objectivo foi evidenciar a criatividade como motor da inovao e como factor decisivo no desenvolvimento de competncias pessoais, profissionais, sociais e empreendedoras. Sobretudo na rea do design, que , por excelncia, motor da inovao, a criatividade desde sempre um factor de sucesso essencial e decisivo. No entanto, e apesar disso, o fenmeno da criatividade no design, e mais concretamente o tema do pensamento criativo no ensino desta disciplina, no foram at hoje suficientemente investigados segundo uma perspectiva cientfica. A tese que aqui se apresenta dedica-se ao estudo do pensamento criativo do designer e dos aspectos que lhe so adjacentes e est estruturada em trs partes: pensamento criativo, pensamento criativo no design e pensamento criativo no ensino do design. No intuito de chegar a um novo entendimento da criatividade, e em paralelo com as reas da investigao da criatividade e da teoria do design, sero tambm considerados conhecimentos da teoria de sistemas, das cincias cognitivas e da teoria do caos. Como mbito de trabalho escolhemos a abordagem transdisciplinar do construtivismo radical, uma teoria do conhecimento que reconhece a pluralidade de cunho biogrfico e cultural das percepes e das perspectivas da realidade. Tambm a dicotomia simblica sapiens-demens serve aqui para delimitar e lanar um novo olhar sobre o fenmeno da criatividade, o pensamento criativo, o pensamento do design e as medidas didcticas para o ensino do design. Aps uma exposio introdutria do desenvolvimento do conceito de criatividade e da identificao da mudana de paradigma, o conceito de criatividade da primeira parte do trabalho ser demarcado do conceito de pensamento criativo. Enquanto entendemos criatividade como a capacidade de um sistema autopoitico de criar algo de novo a nvel simblico, definimos pensamento criativo como a capacidade cognitiva para produzir deliberada e direccionadamente novas ideias num determinado domnio simblico. O pensamento do design, um pensamento em variedade e possibilidades, , na sua essncia, pensamento criativo. Atravs de uma percepo intensiva e ldica do seu meio ambiente e recorrendo a diversos procedimentos de pensamento e em interaco com o seu meio social, o designer criativo capaz de conceber novas combinaes na sua rea projectual especfica e de as configurar visual e materialmente de forma a imporem-se no mercado.

Tambm os procedimentos de pensamento que operam no pensamento do design correspondem, na generalidade, aos procedimentos do pensamento criativo. A diferena reside apenas no conhecimento simblico especfico que se integra nos procedimentos do pensamento criativo, sendo que no design o pensamento criativo se caracteriza ainda por uma forte componente visual e conceptual. O processo de pensamento criativo no design, que ser tratado na segunda parte do trabalho, resulta pois da interaco de formas de expresso e de contedos semnticos especficos e de cinco procedimentos de pensamento fundamentais: a percepo selectiva de nuances interessantes, o pensamento analtico, o pensamento associativo, o pensamento por analogia e, finalmente, o pensamento sinttico, isto , a construo de novos modelos, quer sejam modelos de ideias ou modelos projectuais. No que toca relao entre o sapiens e o demens simblicos no contexto do design ser neste trabalho tratada a inter-relao plena de tenso de conhecimento e imaginao, razo e emoo, planeamento e acaso, construo e destruio no pensamento criativo no design, assim como a conjugao de ambos os plos na atitude dualista e dinmica da personalidade do designer criativo. Na terceira parte deste trabalho iremos ao encontro da questo de como pode o pensamento criativo ser estimulado e treinado no ensino do design. Na procura e no desenvolvimento de medidas adequadas ser tomada como referncia a didctica construtivista, que considera a aprendizagem um processo de autodesenvolvimento de sistemas cognitivos. Para fomentar o pensamento criativo no ensino do design propomos como medidas, entre outras, exerccios dirigidos capacidade de percepo, a aplicao da heurstica sistemtica e o desenvolvimento de capacidades metacognitivas em disciplinas especficas centradas na criatividade. O objectivo do ensino do design deveria ser a formao dos estudantes como pensadores criativos (design thinkers): estudantes criativos que no s desenvolvem o mundo dos artefactos mas tambm a si prprios. O desafio que se coloca ao ensino do design no futuro ser pois proporcionar aos estudantes um processo de amadurecimento pessoal que lhes permita entender e gerir melhor os seus processos de pensamento criativo, assim como os seus processos de criao e de aprendizagem.

Keywords

Design, creativity, creative thinking, design process, methodology of design, systematic heuristics, design education, constructive design didactics, meta-cognition.

Abstract

The European Union has designated 2009 to be European Year of Creativity and Innovation, thus highlighting the fundamental role of creativity in the future of Europe. The objective was to show creativity as the motor force of innovation, and as a crucial factor in the development of personal, professional, social and entrepreneurial skills. In the field of design, itself a force for innovation, creativity has always been a decisive factor. However, the phenomenon of creativity, and more particularly the theme of creative thinking in design education, is only now being adequately investigated from a scientific perspective. This thesis examines the creative thinking processes of designers, and looks at associated aspects. It is divided into three sections: creative thinking, creative thinking in design and creative thinking in design education. Together with the examination of creativity and design theory, system theory, cognitive science and chaos theory will also be considered, with the objective of arriving at a new understanding of creativity. The working approach has been from the transdisciplinary perspective of radical constructivism, a theory of knowledge which recognises the scope of individual biographical and cultural experience on perception and perspectives of reality. Furthermore, the dualism of Sapiens-Demens is used to delimit and review the phenomenon of creativity, of creative thinking, design thinking and of the didactic measures in design education. Following an introduction to the evolution of the concept of creativity and the identification of the change of paradigm, the first part of the thesis distinguishes the concept of creativity from the concept of creative thinking. While creativity is understood to be the ability of an auto-poietic system to create something new on a symbolic level, creative thinking is defined as a cognitive ability to deliberately produce targeted new ideas in a determined symbolic domain.

Design thinking, thinking about variety and possibilities, is essentially creative thinking. With intense and inventive perception, and through several thinking processes with constant references to his environment, the creative designer is able to conceive new and marketable design combinations in his specialised field. The thought processes, which are active in designing, are also, in general, active in creative thinking. The only difference is in the specific symbolic knowledge, and in the visual and conceptual thought which is involved in creative design thinking. The process of creative thinking in design, described in the second part of this work, comes from the interaction between specific semantic content, from forms of expression, and from five essential channels of thought: focused perception on interesting nuances, analytical thinking, associative thinking, thinking in analogies and finally synthetic thinking, that is, the construction of new combinations, whether expressed in ideas or in visual and material designs. The relationship between Sapiens and Demens in the design context is treated as a restless tension between knowledge and imagination, reason and emotion, planning and chance, construction and destruction in creative design thinking: a meeting of both poles in a dualistic attitude and in the richness of a creative designers personality. In the third part of this work, the question of how to stimulate and teach creative thinking in design education will be covered. In the search for, and development of effective measures, constructivist didactics is considered, which understands learning as a process of the self-development of cognitive systems. To encourage creative thinking in design education, exercises directed at perceptive abilities, the application of the systematic heuristics, and the development of meta-cognitive abilities in specific disciplines centred on creativity, are proposed. The objective of design schools should be the education of creative thinkers: students, who not only develop the world of artefacts, but also themselves. The challenge facing design education in the future is to stimulate in the students a process of personal development, which permits them to improve the understanding and management of their creative thinking, their design projects and their learning processes.

Schlsselwrter

Design, Kreativitt, kreatives Denken, Designprozesse, Designmethodologie, systematische Heuristik, Designausbildung, konstruktivistische Design-Didaktik, Metakognition.

Zusammenfassung

Die Europische Union hat das Jahr 2009 zum Europischen Jahr der Kreativitt und Innovation erklrt, wodurch die herausragende Bedeutung kreativen Schaffens fr die Zukunft Europas deutlich gemacht werden sollte. Ziel war es Kreativitt als Motor fr Innovation und als entscheidenden Faktor fr die Entwicklung von persnlichen, professionellen, sozialen und unternehmerischen Kompetenzen herauszustellen. Besonders im Designbereich, der per excelence Motor fr Innovation ist, ist Kreativitt seit jeher ein grundlegender und entscheidender Erfolgsfaktor. Trotzdem ist das Phnomen der Kreativitt im Design und konkret das Thema des kreativen Designdenkens in der Designausbildung bisher wissenschaftlich noch unzureichend erforscht worden. Die hier vorliegende Arbeit beschftigt sich mit dem kreativen Denkprozess des Designers und den damit zusammenhngenden Aspekten. Sie ist in drei Teile strukturiert: Kreatives Denken, Kreatives Denken im Design und Kreatives Denken in der Designausbildung. Um zu einem neuen Kreativittsverstndnis zu gelangen, werden neben den Bereichen der Kreativittsforschung und der Designtheorie auch Erkenntnisse der Systemtheorie, der Kognitionswissenschaften und der Chaostheorie hinzugezogen. Als Arbeitsperspektive haben wir den transdisziplinren Ansatz des Radikalen Konstruktivismus gewhlt, eine Erkenntnistheorie, die die biographisch und kulturell geprgte Pluralitt der Wahrnehmungen und Wirklichkeitsperspektiven anerkennt. Auch die symbolhafte Dichotomie Sapiens-Demens dient zur Abgrenzung und Neubetrachtung des Kreativitts-phnomen, des kreativen Denkens, des Designdenkens und der didaktischen Manahmen in der Designausbildung. Nach einer einfhrenden Darstellung der Entwicklung des Kreativitts-konzeptes und der Identifikation eines Paradigmawechsels wird das Konzept des kreativen Denkens im ersten Teil der Arbeit vom Konzept der Kreativitt abgesetzt. Whrend wir unter Kreativitt die Fhigkeit eines autopoietischen Systems verstehen, auf symbolischer Ebene Neues hervorzubringen, definieren wir kreatives Denken als die kognitive Fhigkeit, willentlich und zielgerichtet in einer bestimmten symbolischen Domne neue Ideen zu produzieren.

Designdenken, ein Denken in Variett und Mglichkeiten, ist in seiner Essenz kreatives Denken. Durch eine intensive und spielerische Wahrnehmung seiner Umwelt und anhand verschiedener Denkvorgnge und Interaktionen mit seinem sozialen Umfeld ist der kreative Designer fhig, innerhalb seines spezifischen Designgebietes neue Kombinationen zu schaffen und diese visuell und materiell so zu gestalten, dass sie den Markt berzeugen. Auch die Denkvorgnge, die im Designdenken operieren, entsprechen den Denkvorgngen des kreativen Denkens im Allgemeinen. Der Unterschied findet sich lediglich in dem spezifischen symbolischen Wissen, das in die kreativen Denkvorgnge eingeht, wobei das kreative Designdenken sich noch durch sein stark visuelles und konzeptuelles Denken charakterisieren lsst. Der kreative Denkprozess im Design, der im zweiten Teil der Arbeit erlutert wird, ergibt sich somit aus der Interaktion spezifischer semantischer Inhalte und Ausdrucksformen und fnf grundlegenden Denkvorgngen: der gezielten Wahrnehmung von interessanten Nuancen, dem analytischen Denken, dem assoziativem Denken, dem Denken in Analogien und schlielich dem synthetischen Denken, d. h. dem Bilden neuer Muster, seien es Ideenmuster oder visuelle und materielle Gestaltungsmuster. In Bezug auf die Beziehung vom symbolhaften Sapiens und Demens im Gestaltungskontext wird in dieser Arbeit das spannungsreiche Wechselspiel von Wissen und Imagination, Vernunft und Gefhl, Planung und Zufall, Aufbau und Zerstrung im kreativen Designdenken erlutert, sowie die Vereinigung beider Pole in der dualistischen Haltung und Persnlichkeitsvielfalt des kreativen Designers. Im dritten Teil dieser Arbeit wird der Frage nachgegangen, auf welche Art kreatives Denken in der Designausbildung gefrdert und trainiert werden kann. Bei der Suche und Entwicklung von geeigneten Manahmen wird die konstruktivistische Didaktik hinzugezogen, die Lernen als einen Prozess der Selbstentwicklung kognitiver Systeme versteht. Zur Frderung von kreativem Denken in der Designausbildung schlagen wir als Manahmen u. a. bungen zur Wahrnehmungsfhigkeit, den Einsatz der systematischen Heuristik und die Entwicklung metakognitiver Fhigkeiten in eigenen kreativittsbezogenen Disziplinen vor. Endziel der Designausbildung sollte die Erziehung der Studenten zu kreativen Designdenkern sein: kreative Studenten, die nicht nur die Welt der Artefakte weiterentwickeln, sondern auch sich selbst. Die Herausforderung an die Designausbildung der Zukunft liegt somit darin, den Studenten einen individuellen Reifeprozesses zu ermglichen, der sie befhigt, ihre kreativen Denkvorgnge, kreative Entwurfsprozesse und ihre Lernprozesse besser zu verstehen und zu managen.

Fr meine Eltern, for my husband,

e para as minhas filhas.

23

NDICE

INTRODUO 31 Delimitao do Objecto de Estudo 31

A Problemtica: Homo sapiens e Homo demens 34

Objectivos do Trabalho 36

Perspectiva de Trabalho: a Abordagem do Construtivismo Radical 37

Directrizes da Investigao, Sistematizao e Organizao dos Contedos 39

Fundamentos transdisciplinares 44

PARTE I O PENSAMENTO CRIATIVO 69

1 Conhecimentos da Investigao em Criatividade 71 1.1 A Noo de Criatividade 71

1.1.1 A noo da criatividade na literatura especfica 72

1.1.2 Uma definio provisria 74

1.2 Primeiros Desenvolvimentos na Investigao em Criatividade 76

1.3 Teorias sobre o Pensamento Criativo 80

1.3.1 O Pensamento Produtivo 81

1.3.2 A Teoria Tridica 83

1.3.3 O Pensamento Divergente 84

1.3.4 O conceito de Bissociao 85

1.3.5 O Pensamento Lateral 86

1.4 Parmetros de Avaliao do Pensamento Criativo 89

1.4.1 Fluidez mental 90

1.4.2 Flexibilidade mental 91

1.4.3 Originalidade das ideias 92

1.4.4 Elaborao as ideias 93

2 Conhecimentos das Cincias Cognitivas 95 2.1 O Crebro Humano 95 2.1.1 Arquitectura cerebral 97 2.1.2 Diferenas especficas de gnero 101 2.1.3 O crebro como sistema de informao auto-organizador 103

2.2 A Importncia da Inteligncia 105 2.2.1 A relao entre criatividade e inteligncia 105 2.2.2 Conceitos de Inteligncia 106 2.2.3 A teoria das Inteligncias Mltiplas 108

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2.3 Os Bloqueios Mentais 112 2.3.1 Bloqueios perceptivos 113 2.3.1.1 A percepo na perspectiva construtivista 114

2.3.1.2 A construo da realidade 115 2.3.1.3 A importncia das leis da Gestalt 116 2.3.1.4 Modelos mentais 119

2.3.1.5 A saturao 120 2.3.2 Bloqueios intelectuais e culturais 121 2.3.3 Conhecimento: bloqueio ou impulso para o pensamento criativo? 122

2.4 Emoes e Sentimentos 125 2.4.1 Definies 126 2.4.2 Bloqueios emocionais e sentimentais 129 2.4.3 A importncia da motivao 131

2.4.3.1 Da realizao ou no-realizao de uma experincia flow 131

2.4.3.2 Motivao intrnseca versus motivao extrnseca 133

2.4.4 A importncia da imaginao 135 2.4.4.1 Definies 135 2.4.4.2 O conceito de Imaginao Ldica 136 2.4.4.3 Bloqueios da imaginao 138

2.5 Racionalidade versus Intuio e Emoo 138 2.5.1 O conceito de Intuio 139 2.5.2 Intuio e pensamento racional em Bergson 139 2.5.3 A interaco de intuio/emoo e razo: a perspectiva cognitiva 140

2.6 Estilos Cognitivos 142 2.6.1 O Kirton Adaption-Innovation Inventory 143 2.6.2 A teoria da Autogovernao Mental 144 2.6.3 O Estilo Cognitivo Generativo 146

3 Conhecimentos das Cincias Naturais 149 3.1 Contributos da Teoria de Sistemas 146 3.1.1 Conceitos da teoria de sistemas 150 3.1.1.1 O sistema 150 3.1.1.2 A complexidade dos sistemas 151 3.1.1.3 No-linearidade e realimentao 153 3.1.1.4 Pensamento sistmico 156 3.1.2 A criatividade como fenmeno sistmico 157 3.1.2.1 Os primeiros modelos 157 3.1.2.2 O modelo de Csikszentmihalyi 158 3.1.2.3 Concluses para a definio da criatividade 160

NDICE 25

3.1.3 Os bloqueios sistmicos 161 3.1.3.1 O contexto cultural 162 3.1.3.2 O domnio 162 3.1.3.3 O contexto social 163 3.1.3.4 O painel de especialistas 164 3.1.3.5 O ambiente de trabalho 165 3.2 Contributos Biologia Cognitiva 166 3.2.1 O conceito de Autopoiese 166 3.2.2 O conceito de Acoplamento Estrutural 169 3.2.3 A importncia do observador 171 3.3 Contributos da Teoria do Caos 173

3.3.1 Os conceitos fundamentais 174 3.3.1.1 O Caos Determinista 174 3.3.1.2 O conceito de Iterao 175

3.3.1.3 Bifurcaes 177 3.3.1.4 Do Atractor Estranho e de outros atractores 178 3.3.1.5 Auto-semelhana e fractais 180

3.3.2 O crebro no linear e catico 182 3.3.3 A importncia do acaso 185 3.3.4 Caos e criatividade 188

3.4 O Processo Criativo 191 3.4.1 O mecanismo base: criatividade como capacidade para evoluir 191

3.4.2 A estrutura de fases 196 3.4.2.1 A germinao 198 3.4.2.2 A primeira inspirao 199

3.4.2.3 A preparao 199 3.4.2.4 A incubao 199 3.4.2.5 A iluminao 200 3.4.2.6 A elaborao 201 3.4.2.7 A verificao 201

4 Sapiens e Demens no Pensamento Criativo 203 4.1 Redefinio da Noo de Criatividade 204

4.1.1 Criatividade como capacidade de um sistema dinmico 204

4.1.2 Um desvio para a noo de Smbolo 208 4.1.3 O pensamento criativo 209

4.2 O Indivduo Criativo 211 4.2.1 Existem caractersticas especficas do indivduo criativo? 211

4.2.2 A Teoria das Caractersticas-chave da Inteligncia Criativa 214

4.2.3 Factores pessoais que favorecem o pensamento criativo 216

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4.3 Procedimentos do Pensamento Criativo 217 4.3.1 A percepo como cerne 218 4.3.1.1 A percepo como processo construtivo 219 4.3.1.2 Conduo (criativa) da percepo 221 4.3.2 O jogo de alternncia entre anlise e sntese 222

4.3.2.1 Pensamento analtico e sinttico 222 4.3.2.2 Pensamento sinttico como pensamento combinatrio 224

4.3.2.3 A alternncia 224 4.3.3 A importncia das associaes 225 4.3.3.1 Pensamento associativo 225

4.3.3.2 A construo criativa de associaes 227 4.3.4 Pensar por analogias 228

4.4 O Pensamento Criativo e a Lgica 231

5 Concluses Intermdias da Parte I 233 Sapiens e Demens na Investigao da Criatividade

5.1 A Mudana de Paradigma 233 5.2 O Pensamento Criativo como Acto de Equilbrio entre Sapiens e Demens 235

PARTE II O PENSAMENTO CRIATIVO NO DESIGN 239

6 Conhecimentos do Discurso Cientfico sobre o Design 241 6.1 Sobre a noo de Design 242

6.1.1 Aspectos lexicolgicos e socioculturais 244 6.1.2 Design como actividade projectual 245 6.1.3 Design como configurao de interface 247 6.1.4 Design como actividade inerente evoluo 250

6.2 O Processo de Design na Mudana dos Paradigmas Metodolgicos 253

6.2.1 Design como Resoluo de Problemas 254 6.2.1.1 Problemas de design 255 6.2.1.2 Do problema soluo 259 6.2.2 Design como Prtica Reflectiva 266 6.2.2.1 Reflection-in-Action 267

6.2.2.2 Problemas de design como tarefas (tasks) situacionais 270 6.2.3 Design como Co-Evoluo de Problema e Soluo 271 6.2.4 Design como fenmeno sistmico 274 6.2.5 Discusso dos quatro paradigmas e tomada de posio 278

6.3 Pensar Design Design Thinking 284 6.3.1 Design Cognition Research 284

6.3.2 Pensar o design na perspectiva construtivista 288

NDICE 27

6.4 O Entendimento da Criatividade na Investigao sobre Design 290 6.4.1 Aplicao terminolgica e conceptual 291 6.4.2 Conhecimentos da investigao da criatividade no design 292

7 O Pensamento Criativo no Contexto Projectual 295 7.1 Conhecimento e No-Conhecimento 295

7.1.1 Categorias do conhecimento e conhecimento relevante para o design 296

7.1.2 Conhecimento (de design) sob a perspectiva construtivista 302 7.1.3 O papel do no-conhecimento e da imaginao 305 7.1.4 O designer especialista, generalista ou integralista? 307

7.2 Racionalidade versus Emocionalidade e Intuio no Pensamento do Design 311

7.2.1 Conceitos de racionalidade no design 312 7.2.2 Prs e contras dos mtodos no processo criativo de design 317 7.2.3 Emoes, sentimentos e intuio no processo de design 321 7.2.4 A interaco de razo e sentimento, mtodo e intuio 327

7.3 Planeamento e Acaso 331 7.3.1 Certeza e incerteza 332 7.3.2 O papel do acidente: erro e imperfeio no processo de design 334

7.3.3 O acaso planeado 336 7.4 O Pensamento Criativo do Design um Inventrio 339

7.4.1 Alargamento do conceito 340 7.4.2 Parmetros de avaliao do pensamento criativo no design 341

7.5 Pensamento Individual versus Pensamento Colectivo 344

8 Procedimentos do Pensamento Criativo no Design e seu Incentivo 351 8.1 Procedimentos Criativos do Pensamento no Processo de Design 352

8.1.1 Percepo criativa no design 353 8.1.1.1 Perception-in-action 355 8.1.1.2 Percepo em imagens e atravs de imagens 358 8.1.2 A alternncia entre anlise e sntese 361 8.1.3 O papel das associaes 363 8.1.4 Pensamento por analogia 365

8.1.5 A interaco dos diversos procedimentos do pensamento criativo 369

8.2 Mtodos e Tcnicas para Incentivo do Pensamento Criativo no Design 371

8.2.1 Fundamentos da heurstica sistemtica 374 8.2.2 Panorama da heurstica sistemtica 377

8.2.2.1 Mtodos e tcnicas para estimular uma percepo criativa 379 8.2.2.2 Mtodos e tcnicas que incentivam os procedimentos de pensamento analticos e sintticos 386 8.2.2.3 Mtodos e tcnicas que estimulam o pensamento associativo 394

28 NDICE

8.2.2.4 Mtodos e tcnicas que estimulam o estabelecimento de analogias 400 8.2.3 Combinao de mtodos 403

8.3 Aplicao da Heurstica Incentivadora da Criatividade 405

8.3.1 A heurstica incentivadora da criatividade no design profissional 406

8.3.2 A heurstica incentivadora da criatividade no ensino do design 410

9 Concluses Intermdias da Parte II 413 Sapiens e Demens no Pensamento Criativo do Design 9.1 O Processo de Design como Processo Autopoitico e Fractal 414

9.2 O Designer Criativo Homo Sapiens-Demens 419

9.3 Sapiens e Demens no Incentivo do Pensamento Criativo 423

PARTE III O PENSAMENTO CRIATIVO NO ENSINO DO DESIGN: CONTRIBUIES PARA UMA DIDCTICA CONSTRUTIVISTA DO DESIGN 427

10 Abordagens a uma Didctica Construtivista (do Design) 429 10.1 O Processo de Aprendizagem da Perspectiva Construtivista 430

10.1.1 Aprender como apropriao de mundos da vida (Lebenswelten) 431

10.1.2 Auto-regulao do sistema ensino-aprendizagem 434

10.1.3 Competncias-chave construtivistas 436

10.2 Planos da Didctica Construtivista 438 10.2.1 O ambiente de aprendizagem 438 10.2.2 Formas de aula 439 10.2.3 Constituio de contedos 441 10.2.4 Avaliao 442

10.3 As Mudanas no Papel do Professor 443

10.3.1 Profissionalismo pedaggico 444 10.3.2 Caminhos para a aprendizagem auto-regulada 447

11 O Pensamento Criativo no Ensino do Design: Medidas Didcticas 451 11.1 O Docente de Design como Companheiro de Viagem e Coach 452

11.1.1 O ensino do design como autodesenvolvimento e simulao de experincias 453

11.1.2 Reflexo e dilogo 455 11.1.3 Incentivo da motivao 458

11.1.4 Avaliao dos processos de ensino-aprendizagem 461

11.2 Treino dos Procedimentos do Pensamento Criativo 464

11.2.1 O emprego da heurstica sistemtica 464

11.2.1.1 O emprego do Mapeamento Mental 465

NDICE 29

11.2.1.2 A aplicao de outras tcnicas e mtodos 472

11.2.2 O papel dos factores emocionais 477

11.2.2.1 Incentivo de emoes positivas 477

11.2.2.2 A interaco do pensamento orientado pela razo, pelo sentimento e pela intuio 482

11.2.3 Construo da capacidade de percepo 484

11.2.3.1 Princpios e estratgias 485

11.2.3.2 Exemplos de exerccios 487

11.2.4 Lidar com factores de incerteza 494

11.3 O Papel e a Aplicao da Metacognio 495

11.3.1 Disciplinas especficas relacionadas com a criatividade 496

11.3.1.1 Cognio em Design 497

11.3.1.2 Processos Criativos de Design 501

11.3.1.3 Criatividade 505

11.3.2 A aplicao de heursticas 511

11.3.3 Avaliao metacognitiva 514

11.3.4 Primeiras concluses finais sobre o papel da metacognio 517

11.4 Sobre a Importncia das Estadias no Estrangeiro e outras Experincias de Carcter Novo e Inabitual 518

12 Concluses Intermdias da Parte III 523 Sapiens e Demens na Didctica do Design

12.1 Formao de um Integralista Construtivista Reflectivo 524 12.2 Formao de um Designer Sapiens-Demens 527 12.3 Perspectivas de Futuro para o Ensino e a Investigao do Design 530

CONCLUSES FINAIS E SNTESE 535

Referncias bibliogrficas 547

Publicaes da autora 589

ndice Iconogrfico 591

Anexos 597

A1 Enunciado do Exerccio 4: Exerccio de percepo visual e de particularidades e situaes curiosas. 599

A2 Enunciado do Exerccio 7: Exerccio de sinestesia. 601 A3 Programa do mdulo Processos Criativos de Design, InovJovem 2006. 603 A4 Programa da UC Mtodos e Processos do Design, ESAD 2009/10. 607

A5 Programa do mdulo Processos Criativos em Design, ESAD 2008/09, no mbito da ps-graduao em Designmanagement. 613

A6 Programa da UC Criatividade, MIET, FEUP 2008/09. 615

31

INTRODUO

O ser racional adapta-se ao seu meio ambiente.

O ser irracional procura adaptar a si o meio ambiente.

E assim todo o progresso depende dos seres irracionais.

[George Bernard Shaw]

Na Introduo procuramos retraar aqueles primeiros momentos de inspirao e reflexo, dos quais resultou o tema do trabalho aqui presente. Simultaneamente, esta dever fornecer uma panormica da problemtica abrangida e do seu enquadramento terico o construtivismo radical. Alm disso, ser referida e esclarecida aqui a estrutura de contedos desta dissertao.

De seguida, reuniremos, numa espcie de glossrio, os termos cientficos essenciais mencionados neste trabalho, dando maior importncia s diversas disciplinas cujos conhecimentos sero aqui incorporados para o entendimento do fenmeno da criatividade em geral e no design em particular.

Delimitao do Objecto de Estudo

A Unio Europeia declarou 2009 Ano Europeu da Criatividade e da Inovao, pretendendo com isto salientar o papel fundamental da produo criativa para o futuro da Europa. Desde o incio do novo milnio, por todo o lado se ouve falar sobre a crescente importncia do pensamento criativo neste nosso mundo, que se transforma e desenvolve to rapidamente e em que os problemas se tornam de dia para dia mais complexos e indestrinveis. Sobretudo na rea do design, que , por excelncia, expresso do poder criativo, termos como criatividade, originalidade ou inovao tornaram-se palavras de ordem recorrentes. Justamente aqui, a crescente exigncia de inovao dos mercados internacionais obriga a prestaes cada vez mais criativas. Da que se possa ler nos programas de curso da maioria das escolas de design que um dos objectivos principais da formao o desenvolvimento do pensamento criativo, algo que se verifica da Alemanha [cf. STEFFEN 1994: 71] Austrlia [cf. CORSO 2004: 667 ss], passando pela China [cf. DINEEN & COLLINS 2004: 249 ss]. E num estudo qualitativo (realizado em 1996) sobre os objectivos curriculares de diversas instituies

32 INTRODUO

internacionais de ensino do design, Canan E. NL conclui o seguinte sobre o tema do currculo ideal na formao do designer industrial:

(...) at the end of their education, students should be well skilled in the fields of communication, research, and computer; they should be good in creative thinking and evaluation; and should have strong multi-disciplinary understandings by the application of team learning and teaching approaches within well-equipped facilities [2004: 91].

O design uma actividade ligada criao do novo ou transformao para melhor de uma situao menos desejvel [comp. SIMON 1996: 111]. Design , pois, o campo da adaptao a novas condies de vida, da descoberta de novas possibilidades, do desenvolvimento de novas solues e da inveno de novas realidades. Para isso, o designer ou a equipa de design necessita de uma quantidade considervel de conhecimentos especializados e de informaes especficas sobre o projecto em causa. Mas, hoje em dia, uma nica pessoa j no consegue ter uma viso global de todas as informaes relevantes. O rpido desenvolvimento tecnolgico e o enorme fluxo de informao permanentemente produzido pelos meios de comunicao social tm como consequncia que o indivduo dificilmente consiga abarcar o progresso sua volta. Acontecimentos casuais parecem ter cada vez mais influncia no desenvolvimento de um projecto. Por essa razo, Ftima POMBO [2003] descreve a emergncia da inovao no design como o territrio da liberdade e das novas possibilidades na rede dos constrangimentos contextuais. Se partirmos do princpio que a maioria dos projectos de design, apesar dos constrangimentos tecnolgicos, materiais, econmicos ou sociais, no conhece limites, ou seja, proporciona variadssimas possibilidades de expresso semntica, ento podemos designar o processo de design como um processo de transformao livre. O designer bem sucedido no se distingue, pois, apenas atravs do seu conhecimento especializado, mas particularmente pela sua capacidade de pensar de forma criativa.

Especificamente na rea do design, a esfera da criatividade tem sido investigada de modo sistemtico sobretudo desde os anos 1960. No quadro do esprito analtico e racional da anterior metodologia do design, essa investigao reflectiu-se sobretudo no desenvolvimento de numerosos mtodos e tcnicas, a chamada heurstica sistemtica [compare-se as publicaes de JONES 1963; ARCHER 1965 e 1974]. Desde os anos 1980 e com o advento do ps-modernismo, tambm a investigao do design se tem dedicado mais intensamente ao fenmeno da criatividade, como comprova a frequncia crescente com que surgem artigos sobre este tema em revistas como Design Studies (The International Journal for Design Research in Engineering, Architecture, Products and Systems, Ed. El Sevier): introduzindo o termo Creativity para procura no site da Design Studies surgem-nos listados 459 artigos que vo desde 1980 a 2009, embora apenas 16 desses artigos incluam o termo criatividade no seu ttulo. A maioria destes artigos situa-se nos anos 1996-97 (34 artigos) e 2008-09 (49 artigos) [http://www.sciencedirect.com/, acedido em 15.12.2009].

INTRODUO 33

Introduzindo no mesmo sistema de busca o termo Creative Thinking aparecem listados 390 artigos (distribudos pelos anos de 1980-2009), mas em nenhum dos ttulos surge a combinao Creative + Thinking, antes aparecendo ambos os termos em combinaes com outros, como por exemplo: Design Thinking, Creative Design ou Thinking Tools1.

Em Portugal, sobre os temas criatividade, pensamento criativo ou pensamento do design apenas duas dissertaes esto registadas na Biblioteca Nacional de 1950 at 2009 [in http://dited.bn.pt, acedido em 15.12.2009]. Trata-se de dissertaes de mestrado das reas do design e da arquitectura2. Se introduzirmos a palavra design no sistema de busca, surgem-nos 98 teses de mestrados e 18 teses de doutoramento, das quais apenas trs dissertaes (mestrado) se debruam sobre o tema da criatividade, ou seja, sobre o processo criativo em concreto ou os mtodos heursticos no design3.

Resumindo, podemos afirmar sem mais consideraes que, em Portugal, o tema procedimentos do pensamento criativo no processo de design no tem sido suficientemente considerado na investigao. Sobretudo a questo de como pode o pensamento criativo no design ser incentivado na formao dos designers foi apenas superficialmente abordada por dois dos cinco autores nas suas reflexes. Por seu lado, tambm a didctica do design s nos ltimos anos se tornou uma rea de investigao em Portugal. Perante este cenrio, esta dissertao constitui um dos primeiros contributos cientficos para o estabelecimento de uma teoria do design no campo da didctica. Pois se pesquisarmos o site da Biblioteca Nacional de 1950 a 2009 introduzindo a palavra-chave didctica do design no surge uma nica tese de mestrado ou de doutoramento.4

1 Muitos destes artigos sero mencionados e comentados nesta dissertao do ponto de vista do seu contedo. 2 LOYENS, Dirk Gerard Celina Robert (1997), Educao em Design e Criatividade, Tese de Mestrado, Registo 30258, Faculdade de Arquitectura, Universidade do Porto. OLIVEIRA, Antnio Manuel Rodrigues (2004), Estratgias Mentais e Instrumentais da Criatividade, Tese de Mestrado, Registo 30628, Faculdade de Arquitectura, Universidade Tcnica de Lisboa. 3 AGUIAR PINTO, Carlos Alberto (1997), O desenho, o mtodo e o resto O projectar em design industrial enquadrado no processo de desenvolvimento de novos produtos, Tese de Mestrado, Registo 30257, Faculdade de Arquitectura, Universidade do Porto. SPENCER, Jorge M. F. (2000), Aspectos heursticos dos desenhos de estudo no processo de concepo em arquitectura, Tese de Doutoramento, Faculdade de Arquitectura, Universidade Tcnica de Lisboa. OREY, Diogo Andersen Albuquerque de (2002), Da meditao arquitectura: emoo, inteno e habitao como intervenientes do acto criativo, Tese de Mestrado, Registo 30434, Departamento de Arquitectura, Universidade Lusada, Lisboa. 4 Sabemos, no entanto, da existncia da tese de doutoramento de Ins Maria Henriques Guedes de Oliveira, intitulada Criatividade e mudana: Promoo da capacidade, competncia e atitude criativa, que foi defendida com sucesso no dia 27.10.2009 na Universidade de Aveiro, e que aborda o tema da criatividade numa perspectiva educativa. Mas at data da entrega do nosso trabalho, esta tese ainda no estava registada e disponvel na Biblioteca Nacional.

34 INTRODUO

A Problemtica: Homo sapiens e Homo demens

Depois de nos termos centrado, durante os dois anos e meio do nosso mestrado [TSCHIMMEL 2002], no fenmeno da criatividade sob o ponto de vista metdico, decidimos, a conselho de um amigo de longa data e estimulante interlocutor Juan RODRIGO [2002, 2004] , dedicar-nos a abordar o processo criativo de um outro ngulo: o da Fsica. No poderamos ter adivinhado que seria um cientista das cincias naturais quem nos daria a ideia de contrapor a importncia da loucura e da insensatez (lat. dementia) no pensamento criativo do design importncia do pensamento racional e do saber. Quem criativo deve ser louco [BINNIG 1989: 130]. Com esta declarao lapidar, BINNIG refere-se naturalmente no a uma loucura patolgica, mas sim capacidade de toda a pessoa criativa de no abandonar precocemente o processo de criao por este estar cheio de problemas, riscos e conflitos: corre-se o risco de cair no ridculo, est-se sujeito a duras crticas, tem-se poucos incentivos e logo aps os primeiros sucessos ainda h que contar com a inveja. verdadeiramente admirvel que apesar de tudo isto haja pessoas que querem ser criativas, que sentem at uma presso interior nesse sentido.

A seguinte afirmao de WIRZ aprofunda a perspectiva de BINNIG e descreve o tipo de loucura que caracteriza a pessoa criativa:

O indivduo criativo derruba formas de pensar antiquadas e empedernidas. De uma maneira geral, rejeita o convencional, o esteretipo, o retrico, e aspira diferena. no-conformista e anti-tradicionalista. Com cada acto criativo, ele procura consciente ou inconscientemente escapar a leis e dogmas empoeirados e virar de pernas para o ar doutrinas estabelecidas. (...) Reconhea-se: isso acarreta riscos. Mas na pessoa criativa o amor ao novo a neofilia sempre maior do que o receio do novo a neofobia. O indivduo criativo tem prazer no risco. Distingue-se por um esprito de descoberta e ope-se estagnao. Permanentemente aniquila o tradicional para construir o novo. Ele repudia velhas normas, est procura do inusitado e por isso simultaneamente destrutivo e construtivo. [WIRZ 1970: 11]

Descries deste gnero, em que um pensamento diferente, a recusa das normas e a destruio daquilo que j existe parecem ser caractersticas distintivas do processo criativo, confirmam o primeiro impulso da autora deste trabalho de querer investigar o papel do pensamento louco e ilgico no processo de criao. Quo demente pode e deve um designer ser para produzir inovao? Diferentemente do que acontece na arte, claro que no possvel deparar com ideias teis no design atravs de pensamento essencialmente disparatado. Conhecimentos especializados e objectivos so necessrios para se resolver um problema de design de uma forma vlida e eficiente. Todavia, a nossa capacidade de Homo sapiens no suficiente para elaborar projectos de design originais.

Filsofos, artistas e cientistas desde sempre se perguntaram em que medida a nossa criatividade se baseia num pensamento inconsciente e irracional, e em que medida em reflexo consciente e racional. E actualmente torna-se cada vez mais claro para todos

INTRODUO 35

que o mito racionalista e os conceitos a ele ligados do homem mecanicista e da presso da exequibilidade tecnocrtica atingiram os limites da sua credibilidade. Os conceitos da sociedade ocidental, primeiro descritos atravs de noes como sociedade industrial, sociedade moderna e sociedade de consumo, mais tarde como sociedade ps-moderna e sociedade ps-industrial, sociedade da informao e sociedade do conhecimento, so cada vez mais frequentemente criticados e postos em questo [ver, por exemplo, HABERMAS 1988; WELSCH 1997 e as diversas participaes in MORIN 1999b]. Filsofos, socilogos, investigadores da rea da teoria de sistemas e outros cientistas continuam procura de uma concepo de sociedade que inclua tambm valores e conceitos ticos e ecolgicos: conceitos de sabedoria e totalidade [WELSCH op. cit.: 319-328], de reflexo, de intercmbio intersubjectivo e de refinamento [LUHMANN 2000], de entendimento e amor [MORIN 1997 e 1999a] e de humanidade e sociedade planetria [MORIN 1999a, 1999b e 2002].

Edgar MORIN chama a ateno em vrias obras para o facto de o sapiens no Homo no poder garantir sozinho uma racionalidade inteligente [1990, 1997, 1999a, 1999b, 2002]. E pelo menos desde Inteligncia emocional [1995] de GOLEMAN ou desde O erro de Descartes [1994] de Antnio DAMSIO que sabemos que razo e receptividade aos estmulos emocionais, pensamento racional e emocional esto estreitamente ligados. Em Amor, Poesia, Sabedoria [1997], MORIN recorre analogia de poesia e prosa, que acompanham toda a evoluo humana e a criao de novos estados. De seguida, fala da dupla polaridade de sapiens e demens: sem erro e sem desordem no se pode formar uma nova ordem. na combinao de sapiens e demens que MORIN v a fonte de criatividade, inveno e imaginao:

Vemos muito bem que aquilo que chamamos gnio se situa acima, alm e aqum da alternativa razo-loucura [Morin 1997: 56].

Tema e ttulo deste trabalho devem-se a esta reflexo de MORIN, que nos parece de grande relevncia para a problemtica nele focada, uma vez que se trata de um dos mais importantes filsofos e socilogos do nosso tempo, que at hoje se tem dedicado nas suas reflexes a esta polaridade e ao pensamento em si.

Que o homem s vezes sapiens, s vezes demens, e outras vezes ambas as coisas em simultneo, algo que no dever ser posto em questo neste trabalho, antes constitui o seu ponto de partida. O louco e sonhador apenas pode produzir algo de til e com sentido se no perder a ligao realidade e quando aterra de novo em terra firme, depois das suas excurses ao reino da fantasia. Algum que, pelo contrrio, tem sempre os ps bem assentes na terra e permanece em terreno seguro, dificilmente ser capaz de criar algo de verdadeiramente novo. Criatividade e inovao s podem surgir na interaco de lgica e imaginao, ratio e emotio, mtodo e intuio.

36 INTRODUO

Sempre que, ao longo deste trabalho, utilizarmos os conceitos de sapiens e demens e analisarmos as suas caractersticas, ambos os conceitos tero sobretudo um carcter simblico: sapiens representa cognio, conhecimento, lgica, convergncia, mtodo, planeamento, ordem, etc., e demens, correspondentemente, emoo, no- -conhecimento, imaginao, divergncia, intuio, acaso, caos, etc.

Objectivos do Trabalho

De um modo geral, no mbito deste trabalho ser tratada a questo da cognio, do pensamento e da aprendizagem do designer, sendo que em primeiro plano estar o pensamento criativo e os factores que lhe esto associados.

O primeiro objectivo ser por isso identificar as tendncias actuais na investigao da criatividade e estabelecer uma relao entre elas e conceitos de outras disciplinas. Depois de retraarmos o desenvolvimento do conceito de criatividade, ser definido e descrito o conceito de pensamento criativo para este trabalho em concreto. Neste contexto, ser analisada em profundidade a dinmica da relao entre sapiens e demens. Para finalizar, a definio de pensamento criativo elaborada ser transposta para o campo do design e relacionada com os conhecimentos do discurso cientfico desta rea.

O segundo objectivo significativo deste trabalho ser definir o pensamento criativo do design e identificar os procedimentos de pensamento criativo no processo projectual. Interessa-nos sobretudo explorar a seguinte questo, at agora no suficientemente tratada na literatura especializada: em que medida pode o pensamento criativo ser incentivado e melhorado no ensino do design? Neste contexto dever tambm ser analisada a questo de como podem as capacidades de pensamento do Homo sapiens e as do Homo demens ser desenvolvidas e como pode ser melhor coordenada a sua interaco. No mbito das consideraes sobre a didctica do design o modelo da didctica construtivista ser integrado e alargado.

O terceiro objectivo principal deste trabalho ser descobrir atravs de que medidas podem os estudantes, durante a sua formao, ser educados como pensadores criativos de design.

Segundo MASER, o objectivo geral de toda a teoria do design alcanar um melhor entendimento da prtica do design, contribuindo assim para o seu melhoramento [Prefcio in JONAS 1994: 5]. Naturalmente, tambm este trabalho pretende dar o seu contributo neste ponto. No entanto, no temos a pretenso de eliminar falsos hbitos,

INTRODUO 37

antes pretendemos atravs desta exposio de uma nova perspectiva fomentar entre os praticantes e os didactas do design uma reflexo crtica sobre as suas experincias na prtica e no ensino do design.

Perspectiva de Trabalho: a Abordagem do Construtivismo Radical

Para estudar a dicotomia sapiensdemens no pensamento criativo no design, sero integradas no mbito deste trabalho descobertas recentes das cincias cognitivas, da teoria de sistemas e da investigao do caos, para alm, claro, de conhecimentos da investigao da criatividade, da metodologia e da cincia do design e da didctica. Os conhecimentos provenientes das diversas disciplinas sero analisados e trabalhados luz do discurso internacional do construtivismo radical, que ser a seguir comentado de forma introdutria.

Descobertas resultantes de diferentes linhas de investigao nas cincias naturais e nas cincias humanas e reunidas sob o termo construtivismo tm encontrado, desde h algum tempo, um enorme eco em reas cientficas, tanto tericas como prticas, e, lentamente, tambm lhes tem sido dada ateno na teoria do design [ver JONAS 1994; VAN DEN BOOM 1994; GERO 1999; MEIER 2001; BRDEK 2005; STABE 2005; POMBO & TSCHIMMEL 2005; SAARILUOMA, NEVALA & KARVINEN 2006] e na didctica do design [ver OXMAN 1999, 2001; ALBERS, BURKARDT & OHMER 2004; TSCHIMMEL 2004a, 2004b, 2005].

O construtivismo tem as suas razes nas investigaes biolgicas de MATURANA e VARELA. J em 1960, fugindo biologia tradicional, Humberto MATURANA tentara ver os sistemas vivos como os seus prprios processos de concretizao, em vez de os explicar atravs da sua relao com o meio ambiente. Desde a publicao de Biology of Cognition [MATURANA 1970], em que o autor apresenta a sua nova abordagem, diversos investigadores das mais diversificadas reas delinearam, testaram e desenvolveram novas concepes das suas disciplinas com base nos mesmos fundamentos a explicitados. Com isso surgiu, em dilogo interdisciplinar ou antes, em dilogo transdisciplinar, uma vez que se trata da aplicao dos mesmos conceitos e noes , uma nova forma de pensar denominada construtivismo radical.

Designa-se como construtivismo uma teoria epistemolgica que se baseia na ideia de que a realidade, tal como realmente , nos permanece vedada, que o nosso crebro no reflecte o mundo de forma objectiva, antes cada pessoa constri a sua prpria realidade [cf. SCHMIDT 1992]. Depois de sculos de optimismo epistemolgico ocidental, o nosso mundo agora aceite como um constructo enigmtico de uma

38 INTRODUO

realidade individualmente vivida por ns. Desta forma, o construtivismo questiona pretenses de verdade ontolgicas e reconhece a pluralidade de cunho biogrfico e cultural das percepes e das perspectivas de realidade. Cada experincia cognitiva inclui aquele que percepciona de uma maneira muito pessoal que est enraizada na sua estrutura biolgica.

primeira vista, considerar, interpretar e percepcionar selectivamente o mundo no parece ser uma nova perspectiva. J na Antiguidade, numerosos filsofos apontaram para o carcter subjectivo da nossa cognio (Erkenntnis) [ver exemplos in SIEBERT 2002: 11]. Aquilo que os filsofos reconheceram intuitivamente tem sido demonstrado, desde os anos 1980, por bilogos, neurofisilogos, psiclogos, socilogos, linguistas e outros cientistas. E o que realmente novo na teoria construtivista a ideia de que o nosso crebro no um sistema reflectivo aberto ao meio ambiente, mas sim um sistema funcional fechado, que opera com base em determinaes filogenticas e experincias internas prvias. O construtivismo radical contesta que haja uma realidade ontolgica objectiva e explica o conhecimento exclusivamente como organizao de experincias no mundo das nossas vivncias; e nisso verdadeiramente radical. Essencial que, no decurso da percepo, no surge um reflexo interno das coisas exteriores; antes cada indivduo, atravs de complexas interpretaes das vibraes sensomotoras recebidas, constri uma realidade que, em princpio, puramente individual, independente do mundo exterior. Segundo DAMSIO [1997], o nosso organismo (a totalidade do corpo, incluindo o crebro) e no uma realidade exterior absoluta utilizado como ponto de referncia bsico para podermos interpretar o meio circundante e poder construir o sentido de subjectividade permanente que constitui o quadro para as nossas mundividncias.

Por este motivo, VON GLASERSFELD, ROTH, SCHMIDT, VARELA e outros investigadores da cognio designam o crebro como um sistema auto-referencial, auto-explicativo e semanticamente fechado, que no tem acesso directo ao mundo, antes constri e apresenta a realidade apenas para si e em si mesmo [cf. as vrias descries in SCHMIDT 1992 e 2000].

INTRODUO 39

Directrizes da Investigao, Sistematizao e Organizao dos Contedos

A dissertao que aqui se apresenta debrua-se sobre os procedimentos do pensamento criativo no processo de design em geral, independentemente de qual a rea especfica do design e independentemente de se tratar do design de hardware ou de software. Parte-se do princpio de que no design o pensamento criativo decorre de forma muito semelhante nos vrios campos de aplicao, quer se trate de design grfico ou de comunicao, design de produto, de interiores, de moda, de jias, design de media, design de conceitos ou de servios. De forma a podermos desenvolver novas abordagens de conhecimento, que abranjam vrias disciplinas e ultrapassem as fronteiras do design, pretendemos neste trabalho proceder de forma transdisciplinar5. Lado a lado com os conhecimentos provenientes das reas de investigao do design, sero tambm englobados contributos das reas da psicologia, das cincias cognitivas, da teoria de sistemas, da fsica, da teoria da evoluo e da pedagogia, entre outras. Recorrendo incluso de conhecimentos disciplinarmente externos, a actividade do design e o fenmeno da criatividade podem ser observados e analisados de um novo ngulo, mais alargado e abrangente. O questionamento consciente e direccionado de perspectivas estereotipadas uma parte constitutiva do pensamento criativo, como referiremos repetidamente ao longo deste trabalho.

Tambm a problemtica sapiens e demens serve neste sentido para delimitar e ver sob uma nova luz o objecto de estudo: a polaridade de sapiens e demens a descrio das divergncias e a procura de ligaes e complementaes parece-nos adequada para enfatizar determinados aspectos do pensamento criativo no design e para elaborar mtodos didcticos e medidas para o seu ensino.

Tambm a atrs esclarecida perspectiva de trabalho do construtivismo radical dever orientar as nossas investigaes sobre criatividade e teoria do design e colocar sob um novo ponto de vista a actividade do designer.

Segundo o procedimento cientfico adoptado, este trabalho sobretudo um estudo bibliogrfico: a procura de bibliografia adequada e acreditada, a leitura extensa e activa da literatura, o extractar, isto , a recolha de raciocnios, argumentos, citaes e novas referncias bibliogrficas, o processamento reflectivo da literatura especializada extrada e o relacionamento de contedos da literatura com ideias e experincias prprias sobre o tema. Alm disso, ser comparada e relacionada a literatura especializada dos domnios da criatividade e do design e enriquecida com

5 O termo transdisciplinaridade , de um modo geral, entendido como a fuso de diferentes disciplinas e cincias sob perspectiva holstica com a finalidade de produzir novos conhecimentos e de integrar teorias e mtodos de diversos domnios na resoluo de problemas complexos [ver PAVIANI 2004 e POMBO 2004].

40 INTRODUO

conhecimentos de outras reas disciplinares, como j anteriormente referimos e fundamentmos.

Para alm da comparao de teorias, o trabalho cientfico consiste sobretudo na observao e na experimentao. E assim, para comprovar e fundamentar as investigaes tericas deveria tambm ser analisado, no incio deste trabalho, o processo de design de um reconhecido designer portugus e dos seus colaboradores, algo de que abdicmos medida que o trabalho foi progredindo devido ao chamado paradoxo da observao6. A situao de controlo limita os criadores nos seus processos de pensamento e de trabalho, algo que todos podemos facilmente entender por experincia prpria. Alm do mais, raciocnios que no so descritos verbalmente no podem de forma alguma ser percepcionados, o que dificultou imenso as nossas investigaes, j que os designers tm geralmente uma grande dificuldade em descrever verbalmente os seus pensamentos ou a evoluo destes. CROSS comenta da seguinte forma este facto [2004: 440]:

Protocol analysis has some severe limitations as a research method for investigating design activity for instance, it is extremely weak in capturing non-verbal thought processes, which are so important in design work.

E assim, como contributo emprico, encontraremos nesta dissertao apenas as experincias da autora como designer, como coach em processos de gerao de ideias e como docente de design, experincias essas que sero sobretudo documentadas e comentadas em concreto na Parte III deste trabalho. Trata-se aqui no de experincias e observaes estruturadas ou inquritos formais a estudantes, mas apenas de impresses pessoais decorrentes das disciplinas relacionadas com a criatividade recm-criadas no ensino do design. As novas unidades curriculares deveriam primeiro ser leccionadas regularmente durante algum tempo, para delas se poderem extrair resultados passveis de serem expressos em dados estatsticos.

Resumindo, as reflexes e exposies constantes neste trabalho baseiam-se, em primeiro lugar, na investigao e na comparao de diferentes abordagens tericas; em segundo lugar, nas experincias profissionais subjectivas da autora na prtica e no ensino do design e no treino da criatividade; em terceiro lugar, nos dilogos reflectivos com os orientadores da tese, a Professora Ftima Pombo e o Professor Bernhard Brdek, assim como em conversas tidas com outros especialistas, colegas e amigos; e em quarto lugar, surgiram da interaco de textos relevantes e raciocnios introspectivos acontecida durante a redaco de papers e outras comunicaes e artigos, que foram apresentados e discutidos em diversas conferncias. A elaborao de cada novo texto contribuiu para a reflexo e para o alargamento das ideias e

6 Ao tentar observar o processo criativo de um designer/uma equipa, rapidamente se chega concluso que o sistema criativo altera o seu estado ou a sua dinmica interna quando observado. Numerosos estudos demonstraram at que as prestaes diminuem se o trabalho criativo for presenciado por terceiros [comp. AMABILE 2004: 302].

INTRODUO 41

hipteses compiladas e desenvolvidas nesta tese. E finalmente, tambm o ensino de alguns contedos deste trabalho contribuiu para que estes fossem repensados de novo, o que conduziu por seu turno a novas ideias e construo de novas hipteses.

Por razes de ordem lingustica e cultural (j que a autora uma alem que fez a escola e parte da sua formao acadmica na Alemanha, e que concluiu a sua formao de design sob a influncia da literatura especializada de lngua inglesa e alem em Portugal, tendo realizado o mestrado na rea da criatividade em Espanha), mas tambm por motivos meramente pragmticos (nas reas do design e da criatividade escassa a literatura especializada em lngua portuguesa), a bibliografia consultada para esta tese de doutoramento provm fundamentalmente dos espaos lingusticos alemo, ingls e espanhol, embora tambm tenha sido includa literatura em portugus, sempre que existente e acessvel.

Uma vez que este trabalho foi originalmente escrito em alemo e posteriormente traduzido para portugus por Cludia Gonalves, e para melhor entendimento de determinadas informaes, algumas notas foram introduzidas, consoante o caso, em apenas uma das verses. Ao longo do texto, as citaes originalmente provenientes da literatura em alemo foram traduzidas para o portugus na verso portuguesa, enquanto termos e citaes do ingls e do espanhol foram mantidos na verso original, j que ambas as lnguas so correntes no domnio acadmico portugus. Uma excepo so as citaes que iniciam cada captulo principal e que pretendem transmitir a tnica geral. Estas citaes esto todas igualmente em portugus.

Queremos agora elucidar de modo mais preciso a estrutura de contedos deste trabalho.

A Parte I consiste numa investigao de fundo e no desenvolvimento dos conceitos criatividade e pensamento criativo, independentemente de qual a rea em que se manifestam. Para alm dos conhecimentos da investigao da criatividade nas cincias humanas, com as suas diferentes abordagens tericas ao pensamento criativo, sero tambm tidas em conta influncias epistemolgicas de outras disciplinas cientficas, como as cincias cognitivas, a teoria de sistemas e a investigao do caos. Tornar-se- claro que existe uma mudana de paradigma no entendimento de criatividade. Em concluso das influncias procedentes dos diferentes domnios especializados sob a perspectiva do construtivismo radical, o conceito de criatividade ser demarcado do conceito de pensamento criativo: o pensamento criativo ser definido como um elemento constituinte da criatividade enquanto fenmeno sistmico. Tambm no sentido de uma concluso, as principais caractersticas do pensamento criativo sero expostas e descritas, para depois, na Parte II desta dissertao, serem transpostas

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para o campo concreto do design e desenvolvidas. O quinto captulo, sumariando as concluses intermdias da Parte I, clarifica a interaco de sapiens e demens em todos os processos de pensamento criativo.

medida que na Parte I se for avanando na gnese desta dissertao, ir-se- desenvolvendo uma nova imagem de criatividade, com a qual posteriormente se continuar a trabalhar especificamente na rea do design, nas Partes II e III. Assim sendo, a Parte I trata o tema pensamento criativo de duas maneiras: por um lado, descreve influncias, conceitos, mecanismos e procedimentos de pensamento na rea da criatividade, enquanto por outro lado, isto , simultaneamente, materializa ela prpria um processo criativo: aquele que ocorre durante a elaborao de um texto7. Este procedimento pode parecer estranho numa dissertao em que se deveria aprofundar e formular cientificamente o prprio conhecimento de uma rea, mas pode ser justificado pelo facto de tambm um doutoramento ser um processo de aprendizagem e um processo criativo. Um processo no qual o leitor pode deste modo tomar parte, sobretudo na Parte I do trabalho, podendo assim eventualmente conceber melhor os fenmenos descritos.

Na Parte II do presente trabalho o pensamento criativo ser analisado em concreto na rea do design. Logo no incio, no captulo 6, o uso corrente do conceito de design ser discutido e definido no que ao nosso trabalho diz respeito. Neste contexto, ser tambm abordada a mudana dos paradigmas metodolgicos do processo de design. Alm disso, debruar-nos-emos sobre a questo de como foi at agora tratado o conceito de criatividade na investigao do design e qual a sua relao com o conceito de design thinking.

Depois de no captulo 6 serem introduzidos os anteriores conhecimentos cientficos do design, o captulo 7 ser dedicado a investigar a alternncia de sapiens e demens no pensamento criativo do design. Trata-se aqui de uma relao de tenso entre conhecimento e no-conhecimento, conhecimento e imaginao, planeamento e acaso, pensamento metdico e pensamento intuitivo, razo e emoo. Como concluso desta relao dinmica, o conceito de pensamento criativo do design ser alargado no captulo 7.4. Subsequentemente, no captulo 8, os diversos procedimentos

7 Este procedimento no foi planeado conscientemente no incio da elaborao desta dissertao, antes resultou lentamente do desenvolvimento das temticas e dos contributos de outras disciplinas. Todavia, as primeiras constataes sobre o fenmeno da criatividade e a primeira definio do termo foram propositadamente no corrigidas, mas antes posteriormente actualizadas, j que deste modo conferida uma particular dinmica ao texto, permitindo ao leitor tomar parte do processo de pensamento. Neste ponto gostaramos de referir a obra Aus dem Nichts [1994], na qual Gerd BINNIG recorrera j a esta estratgia. Atravs disso, as suas conjecturas sobre criatividade adquiriram uma extraordinria vivacidade, mantendo o leitor cativado pelo seu raciocnio.

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do pensamento criativo sero descritos mais exactamente e em seguida relacionados com a heurstica da criatividade. Descreveremos quais os mtodos e tcnicas heursticos que incentivam e impulsionam o pensamento criativo nos projectos e no ensino do design e de que forma isso acontece.

Uma vez que a concepo e a redaco de uma dissertao tambm percorrem um processo criativo e, exactamente como o processo de design, tambm incluem determinados procedimentos criativos, alguns dos mtodos incentivadores da criatividade descritos no captulo 8.2 foram tambm aplicados aqui. Sobretudo o mapeamento mental revelou-se de extrema importncia para inter-relacionar diversos conceitos e ideias (ver, por exemplo, Figura 18).

Na Parte III deste trabalho, tomando como base as concluses das Partes I e II, sero desenvolvidas estratgias para o ensino do design. E uma vez que escolhemos como perspectiva de trabalho para esta dissertao a abordagem construtivista, referir-nos-emos nesta parte exclusivamente didctica construtivista como modelo cientfico de ensino. Com as nossas descries, hipteses e conselhos prticos pretendemos contribuir para uma didctica construtivista do design. Neste sentido, no captulo 10 sero primeiro introduzidos e elucidados os princpios da didctica construtivista, sendo seguidamente transpostos para o ensino do design. Nesta ltima parte do nosso trabalho pretendemos desenvolver um novo entendimento do ensino e da aprendizagem do design, que conduza ao estmulo e ao incentivo do pensamento criativo.

Os mtodos didcticos que comentaremos foram, em grande parte, experimentados e testados no decurso da nossa prtica lectiva; outra parte porm especulativa, algo que tambm se verifica na maioria da literatura sobre este tema. No que toca formao de capacidades de pensamento criativo, os resultados empricos so muito limitados, j que o sucesso de um incentivo s muito mais tarde se torna perceptvel, sendo, por conseguinte, difcil de medir e de avaliar.

No captulo 12 exporemos as nossas reflexes finais sobre a formao dos estudantes de design: uma formao como integralistas de design, como pensadores holsticos e personalidades multifacetadas, capazes de jogar consciente e criteriosamente com os plos opostos sapiens e demens no seu pensamento criativo. Na ltima parte do captulo referiremos ainda as perspectivas do futuro ensino do design e, ao faz-lo, identificaremos ainda questes em aberto, que podero ser trabalhadas empiricamente em futuros projectos de investigao da autora ou de outros investigadores do design.

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Fundamentos Transdisciplinares

Uma das peculiaridades do construtivismo radical a sua abordagem transdisciplinar, ou seja, o entrecruzamento de cincias humanas e cincias naturais, de epistemologia e biologia. O carcter transdisciplinar do construtivismo est particularmente prximo do tema desta dissertao, uma vez que o pensamento criativo do design no um pensamento exclusivamente tpico desta disciplina, uma assuno que fundamentaremos no decurso deste trabalho. Alm disso, o carcter transdisciplinar permite um tratamento mais abrangente e desta maneira mais eficiente e coerente do tema criatividade no design, na medida em que permite dispor de noes e conceitos que no esto prisioneiros de uma nica e determinada disciplina.

De seguida, para um entendimento preliminar, enunciaremos, numa espcie de glossrio e por ordem da sua relevncia no contexto desta dissertao, as disciplinas cientficas cujos fundamentos epistemolgicos sero integrados neste trabalho.

TEORIA DO DESIGN

Uma vez que o trabalho aqui exposto deve ser ordenado na teoria do design, a clarificao desta disciplina parece-nos particularmente importante, sobretudo tendo em conta as discordncias existentes no domnio acadmico. Pois enquanto uns procuram explicar como surgem novas teorias na investigao do design [FRIEDMAN 2002], que reas tericas do design [MEIER 2001] podem ser, e de que forma [CHIAPPONI 2001], transmitidas numa disciplina universitria, outros criticam o tratamento superficial ou inadequado das temticas da teoria do design [JONAS 1994] e outros ainda defendem que ainda est por desenvolver uma teoria do design especfica [DA COSTA 1998]. Numa coisa porm todos os autores so unssonos: na necessidade de uma estrutura terica mais profunda e crtica no design, pois

cada prtica vive enquadrada num mundo discursivo, num domnio de distines lingusticas que so uma parte indispensvel da prtica [BONSIEPE 1996: 235].

E tambm MEIER cr necessria uma reflexo profunda no design, para que este se possa articular e afirmar tambm no sentido da criao de um perfil profissional face a outras disciplinas cientficas e projectuais [2001: 18].

Neste contexto, JONAS defende que necessria uma re-fundao a nvel terico para, por um lado, estar altura da heterogeneidade e complexidade do objecto do design, por outro lado, para aplicar de forma coerente os mtodos cientficos correntemente disponveis [op. cit.: 13]. FRIEDMAN [loc. cit.] vai um pouco mais longe, ao apontar as futuras linhas de desenvolvimento da teoria do design:

Many avenues deserve exploration in the future. These include linking theory building to the perspectives of design science, proposing models of theory construction from other perspectives, generating theory from the practice of leading contemporary designers, and developing such basic tools as a bibliography of resources for theory construction and developing theoretical imagination and sensitivity.

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As discordncias na rea acadmica do design tambm se reflectem no diferente entendimento da teoria do design como disciplina. Em praticamente todas as escolas superiores de design e nos departamentos de design das universidades, tanto portuguesas como internacionais, a cadeira teoria do design parte integrante da formao, na maioria dos casos sob a forma de uma disciplina assim designada. claro que o programa de teoria do design (como naturalmente acontece com muitas outras matrias tericas) vai ser influenciado pelas concepes, conhecimentos cientficos e pela personalidade do professor que a vai leccionar. Mas em praticamente nenhuma outra disciplina to grande a discrepncia de concepes do que deve ser entendido como teoria disciplinar e como deve a cadeira ser concebida do ponto de vista didctico. Onde poder ento residir o problema que se verifica na teoria do design?

1. Uma primeira explicao reside no facto de a disciplina8 design ser relativamente recente em comparao com o cnone acadmico clssico. Segundo MEIER, s desde os anos 1970 se pode falar de reflexes no sentido de uma teoria do design [2001: 21]. Antes, e mesmo ainda durante a dcada de 1970, sob o termo teoria do design reuniam-se sobretudo reflexes metodolgicas sobre o processo de design. Refira-se aqui, a ttulo de exemplo, a primeira obra de Bernhard E. BRDEK sobre teoria do design Design-Theorie. Methodische und systematische Verfahren im Industrial Design [1971] , que foi mais tarde aumentada, passando a obra Design. Geschichte, Theorie und Praxis der Produktgestaltung [1994] a abranger tambm, para alm da metodologia do design, reas como histria do design, mtodos de conhecimento, teoria da comunicao, linguagem e semntica de produto, vises e conceitos, design corporativo, micro-electrnica e digitalizao no design obra esta que surgiu h pouco tempo em portugus numa verso revista e aumentada [2006].

2. E justamente neste leque de contedos, que reflectem a multidisciplinaridade do design, que encontramos a segunda explicao para a discrepncia de contedos no teor da teoria do design. Neste sentido, em 1994, MASER, numa introduo srie de publicaes sobre teoria do design de que editor Designtheorie , define-a da seguinte maneira [in JONAS 1994: 5]:

Os seus contedos so universais ela abrange tudo aquilo que pensando, argumentando ou percepcionando lida com design: objectivos, contedos, mtodos; essncia e causas; apreciao e justificao; histria, presente e futuro; teoria, prtica, investigao e formao; diferenciao profissional e fundamentos gerais; design industrial, design de comunicao e todos os designs seguidos por um de; lgica, tica e esttica; economia e ecologia; ideologia, concepo do mundo e perfil profissional; concepo de si prpria entre arte e cincia, entre artesanato e indstria, entre produo e servio.

8 Disciplina, segundo PAVIANI [2004], deve entender-se aqui simultaneamente como modelo de organizao de conhecimento cientfico e arranjo lgico e poltico-administrativo de um domnio.

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Ou seja, segundo MASER, histria do design, filosofia e metodologia, assim como reflexes de carcter econmico e ecolgico fortemente orientadas para a prtica tambm fazem parte da teoria do design. Este carcter universal do design e a sua interseco com numerosas outras disciplinas pode levar a que se questione, como Daciano DA COSTA, a legitimidade do design como disciplina [1993 e 1998]. E da que DA COSTA reivindique para o reconhecimento de uma disciplina prpria, entre outras coisas, a identificao e o aprofundamento da sua matriz terica, para dar corpo a uma Teoria do Design [1998: 41].

E enquanto para outros tericos do design, como MEIER [2001] ou FRIEDMAN [2002], as bases epistemolgicas da teoria do design so interdisciplinares9, STEFFEN [2000: 9] e BRDEK consideram uma competncia profissional especfica da disciplina como a condio necessria para o trabalho interdisciplinar [2005: 277]. Porque de acordo com BRDEK, o design s se poder posicionar na comunidade cientfica

quando tambm desenvolver, enquanto disciplina autnoma, um saber especfico e estiver em posio de o transmitir s outras disciplinas [ibid. 280].

sobretudo na linguagem de produto que BRDEK, STEFFEN e outros tericos do design da Escola de Offenbach10 vem o conhecimento especfico da disciplina design [mais sobre esta abordagem in STEFFEN op. cit.]. A sua abordagem disciplinar da teoria do design situa-se no campo das cincias humanas, uma vez que, segundo STEFFEN e GROS, o objecto de conhecimento da teoria do design (sinais, concepes, ideias) trata da aco conjunta de meios configurativos e do seu significado [STEFFEN loc. cit.].

No mbito deste trabalho e de acordo com as classificaes de Jayme PAVIANI [2004] e Olga POMBO [2004], pretendemos entender a teoria do design como interdisciplinar, sem no entanto querer contestar o seu significado disciplinar no sentido da linguagem de produto11. Enquanto PAVIANI entende como interdisciplinaridade, de um modo geral, o intercmbio conceptual de teorias e mtodos, POMBO distingue entre quatro actividades interdisciplinares: 1. as prticas de importao, segundo as quais uma disciplina adopta noes e mtodos que pertencem a outra disciplina e que j foram testados por esta; 2. as prticas de cruzamento, mediante as quais, atravs da colaborao entre diversas disciplinas, se resolvem problemas que ultrapassam o mbito de uma disciplina; 3. as prticas de convergncia, atravs das quais toda uma

9 MEIER: Teoria do design tem j, por princpio, uma predisposio interdisciplinar nisso se destaca especialmente entre outras ; a interdisciplinaridade resulta do prprio medium, pois trata-se analisar e avaliar as complexas estruturas do design [ibid.: 24]. FRIEDMAN: The foundation of design theory rests on the fact that design is by nature an interdisciplinary, integrative discipline [ibid.]. 10 O que chamamos aqui Escola de Offenbach o Departamento de Design de Produto na Escola Superior de Design em Offenbach (Hochschule fr Gestaltung Offenbach HfG Offenbach). Escolhemos esta denominao em coerncia com o conceito de Offenbacher Ansatz (abordagem de Offenbach). 11 Segundo PAVIANI, o objectivo de uma abordagem interdisciplinar no a reduo da autonomia e especializao de uma disciplina, mas sim possibilitar elementos de ligao para um intercmbio do conhecimento [2004: 33].

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rea analisada segundo a perspectiva da convergncia; 4. as prticas de descentrao, aplicadas em problemas muito complexos, como, por exemplo, os problemas ambientais, que apenas podem ser tratados mediante a colaborao internacional [ibid.: 111 s].

Quando interpretamos design como uma actividade que tem a ver com a criao de novos artefactos ou processos, ento a disciplina teoria do design pode tirar partido do saber de muitas outras disciplinas (prtica de importao) para poder compreender o design na sua globalidade multidisciplinar. Da mesma forma, o saber especfico do design pode dar um contributo a muitas outras disciplinas, algo que j se verifica actualmente nas reas da gesto, da engenharia ou da cultura (prticas de cruzamento, convergncia e descentrao).

Neste sentido, mencione-se a perspectiva de Richard BUCHANAN, que no s entende design como uma actividade atravs da qual novos artefactos e objectos so concebidos, mas ainda como uma actividade atravs da qual novos sinais, aces e ideias so desenvolvidos e configurados12. E a criao de novos sinais, objectos, aces e ideias, ainda segundo o autor, no s decorre em paralelo e sob influncia recproca, como ainda estes quatro elementos atravessam a totalidade do pensamento contemporneo do design, penetrando desta forma em todas as reas da inovao (prtica de cruzamento):

In fact, signs, things, actions, and thoughts are not only interconnected, they also penetrate and merge in contemporary design thinking with surprising consequences for innovation [BUCHANAN 2000a: 8].

3. Um terceiro motivo para a problemtica forma de lidar com a teoria do design consiste, em Portugal (e noutros pases sem uma grande tradio de design), sobretudo, na ainda escassa produo de reflexes tericas, a que DA COSTA alude na sua obra Design e Mal-estar com as seguintes palavras: O Design debate-se entre Potica e Pragmtica, (...) e num Territrio terico mal aprofundado [1998: 38]. Uma explicao provvel reside no facto de, ao contrrio da prtica do design, os debates tericos no terem praticamente expresso significativa no desenvolvimento da economia, uma observao que BONSIEPE sublinha da seguinte forma: segundo critrios estritamente econmico-prticos, a teoria , pois, inconsequente [1997: 8], o que tem como resultado que se recorra s reflexes tericas, quando muito, como objecto meditico ou de mostra: para entretenimento em eventos mediticos ligados ao

12 Por esta razo, BUCHANAN prope desenvolver a disciplina Estudos de Design de tal modo, que ela passe a fazer parte da formao de toda e qualquer pessoa [ibid.: 82 ss], porque delinear e configurar o nosso mundo (artificialmente criado) algo que diz respeito a todos. E tambm SIMON, na sua teoria do design como science of the artificial chega ao ponto de defender que

the proper study of mankind is the science of design, not only as the professional component of a technical education but as a core discipline for every liberally educated person [1996: 138].

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design ou como temtica de congressos, e com isso, geradora de viagens [id. ibid.]. Para poder de facto avanar, a teorizao ter que dizer adeus a uma teoria- -espectculo do conhecimento e ter de ultrapassar o estatuto de ocupao ocasional e impor-se nas escolas superiores como uma disciplina de pleno direito. Tambm JONAS afirma que o trabalho terico s poder tornar-se verdadeiramente generativo (por oposio a reflexivo) quando o estatuto acadmico da disciplina ganhar peso, o que, por seu lado, tem a ver com um entendimento alargado de si prprio do design enquanto poder definitrio no que diz respeito s nossas futuras condies de vida [1997]. BONSIEPE lembra-nos ainda que o desenvolvimento da teoria do design no apenas de importncia maior para a disciplina acadmica design, mas tambm para a rea profissional do design: reflexes sobre o processo de design, os seus mtodos de pensamento e trabalho e o seu resultado final (produto de design) podem e devem constituir uma ajuda inestimvel para o designer praticante. Sobre o grande conflito entre a prtica do design e a formao acadmica da teoria encontramos no site do Design Council britnico, sob o tpico Learning and Education, consideraes de cariz prtico sobre o papel da investigao pura do design para o designer praticante (por oposio investigao no mbito de projectos de design) [www.designcouncil.org.uk, acedido em 12.04.2009]. A se critica que a maioria dos projectos de investigao acadmica tenham pouca relevncia para a prtica do design e, se a tm, estejam formulados numa linguagem tal que rapidamente desencoraja um designer que pretenda apenas recolher rapidamente algumas informaes cientficas sobre um tema, uma vez que necessitaria de imenso tempo para poder entender os contedos tericos e as concluses. Rachel COOPER chama por isso a ateno para o facto de se dever incluir os interesses da prtica do design e da sociedade em geral nos projectos de investigao terica (dando como exemplo o projecto Design against Crime, que desenvolveu em conjunto com o Design Council). assim feito um apelo aos tericos do design para que nos seus projectos de investigao no percam de vista a utilidade que estes podero ter para a prtica do design e a sociedade. Para finalizar, uma pequena observao de carcter geral sobre noo e conceito de teoria. Na perspectiva construtivista, teorias so formas de ver. David BOHM chama a ateno para o facto de as palavras teoria e teatro terem como raiz a mesma palavra grega: theorein, ver. Teorias cientficas ou filosficas so uma espcie de teatro do esprito [in BRIGGS & PEAT 2000: 197].

Assim, tambm podemos designar as teorias como sistemas provisrios necessrios, uma vez que s possuem validade para um determinado perodo de tempo e que o contexto em que emergem est sujeito a transformaes. Uma teoria pode ser muito provocadora e plena de ensinamentos, mas no pode fornecer mais de que um registo

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momentneo de um determinado campo cientfico. E, assim, uma teoria sempre um processo: no possvel det-la, isol-la e declar-la intocvel. Neste sentido, MEIER designa a teoria do design como sensvel ao tempo, pois

o desenvolvimento cultural, social ou das cincias naturais mantm a teoria do design como a sociedade ou a cincia permanentemente em movimento [2001: 36].

CINCIA DO DESIGN VERSUS DISCURSO CIENTFICO DO DESIGN

Tal como o domnio da teoria do design, o conceito de cincia do design, ou mesmo a sua existncia, caracterizado pela discordncia entre os especialistas a nvel internacional. Enquanto alguns falam de Design Science [FRIEDMAN 2002], Science of Design [MUKAI 1995] e Designwissenschaft ou seja, cincia do design [VAN DEN BOOM 1994, 1997], outros consideram simplesmente um absurdo promover o design a cincia [BONSIEPE 1996: 162]. BONSIEPE, que tanto contribuiu para a formao de conhecimentos tericos do design, naturalmente no nega ao design o seu carcter cientfico para enriquecimento do processo projectual, mas v o design como uma disciplina que nem se pode transformar em cincia, nem deve ser contabilizada como fazendo parte das artes13. Por este motivo, para a formao de uma teoria especfica do design, ele advoga o desenvolvimento de uma cincia sobre o design, ou seja, uma investigao de cariz cientfico sobre aspectos do design.

evidente que nos podemos questionar, como BONSIEPE ou JONAS [2003: 2], se se pode verdadeiramente falar de uma cincia do design, quando se pensa que aps cinco dcadas de investigao intensiva ainda hoje, em numerosas publicaes e conferncias, se coloca a questo da essncia do design: um facto que consequncia da problemtica em torno da teoria do design que descrevemos acima. Talvez nos devssemos centrar primeiro na seguinte questo: para que necessita o design, enquanto disciplina orientada para a prtica e interdisciplinar, de uma cincia prpria? VAN DEN BOOM opina sobre isso que uma formao acadmica destinada a exercer durante cerca de quarenta anos uma actividade profissional deveria ser, sobretudo hoje em dia, uma aprendizagem direccionada para uma aprendizagem permanente no futuro [1994: 10]. Por este motivo, um curso superior de design eficiente deveria incluir uma quota-parte cientfica fundamental, que preparasse o estudante para os problemas do design na moderna sociedade industrial em crise e para uma sociedade cada vez mais da informao e do conhecimento, tornando-o capaz de encontrar e desenvolver formas de abordagem e solues na complexa situao global

13 BONSIEPE explica a sua colocao do design fora da cincia e da arte com o termo heideggeriano Zuhandensein, que podemos traduzir por estar--mo (o conceito inclui estar mo e um fcil manuseamento no dia-a-dia) [1996: 134 s]. Tal como o mdico trata da sade das pessoas, o designer trata do Zuhandensein dos artefactos, com o que BONSIEPE estabelece uma nova ponte com o termo interface: como rbita central do design, a interfac