Kelsen e o Decisionismo

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FACULDADE DE DIREITO DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO Trabalho de Pesquisa Kelsen e o Decisionismo Investigação Teórica Acadêmico: Rosemeri Munhoz de Andrade Semestre/Curso: 1° semestre / Graduação em Direito Disciplina: Teoria da Argumentação Jurídica Professor: Anízio Pires Gavião Filho Porto Alegre, junho de 2012.

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Investigação teórica a respeito de Hans Kelsen ser ou não decisionista

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FACULDADE DE DIREITO DA FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Trabalho de Pesquisa

Kelsen e o Decisionismo – Investigação Teórica

Acadêmico: Rosemeri Munhoz de Andrade

Semestre/Curso: 1° semestre / Graduação em Direito

Disciplina: Teoria da Argumentação Jurídica

Professor: Anízio Pires Gavião Filho

Porto Alegre, junho de 2012.

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Introdução

O presente trabalho visa a discorrer sobre Hans Kelsen e o

Decisionismo, respondendo a pergunta: “Kelsen é ou não decisionista?”

A questão a ser respondida não é simples nem tão pouco fácil, até

mesmo por ser iniciante no estudo de Direito. Deslumbrei-me quando percebi a

variedade de livros e artigos escritos por Kelsen, e apesar do objeto deste

relato ser a resposta para a pergunta supracitada, é imprescindível,

inicialmente conhecer o princípio metodológico por ele desenvolvido.

Para melhor fundamentar minha opinião, ou seja, munir-me de

argumentos que a sustentem, trago conceitos e informações sobre esse grande

jurista e teorias relacionadas ao assunto. Dos textos que li e pesquisei, a

interpretação poderá conduzir a mais de uma resposta, não necessariamente

sendo uma única correta, porém para esse trabalho a intenção é, além de

responder, convencer de que apenas uma delas se torne a correta, já utilizando

os conceitos de Kelsen.

O trabalho será dividido em 4 partes: 1. Quem foi Hans Kelsen?; 2. A

doutrina Kelsiana. 3. Carl Schmitt e o Decisionismo Jurídico; e, finalmente, 4.

Kelsen é ou não decisionista?

Devido à notoriedade de Kelsen, a grandiosidade de suas obras, e

reconhecendo a limitação de um trabalho meramente acadêmico, fui buscar o

que outros autores já fizeram. Para iniciar, citarei Ludwig Wittgenstein: “Sobre

aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (WITTGENSTEIN, 1.994, p.

281).

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Quem foi Hans Kelsen?

Hans Kelsen, jurista austro-americano, na verdade tcheco-eslovaco, um

dos mais importantes e influentes do século XX era de origem judaica, nascido

na cidade de Praga em 1881, foi um dos grandes produtores literários do seu

tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e artigos, sendo

considerada a sua principal obra a Teoria Pura do Direito. Por ser judeu, Hans

Kelsen foi perseguido pelo nazismo e emigrou para os Estados Unidos da

América, onde viveu até a sua morte, em 1973, tendo exercido o magistério na

Universidade de Berkeley na Califórnia.

Kelsen pode ser considerado um pensador, pois ele radicaliza a visão

positivista que ocorria desde o século XIX, na medida em que propõe a

separação o Direito positivo de aspectos estranhos como o Direito Natural.

Kelsen defendeu que todo o universo normativo é válido e legítimo, em

função da norma fundamental. Mas dela não se pode exigir que fosse justa,

assim mesmo uma norma fundamental injusta valida e legitima o direito que

dela decorre. Com esta fundamentação Kelsen recebeu inúmeras críticas,

inclusive a de ter servido ao nazismo, ainda que indiretamente. Quando Kelsen

exilou-se nos EUA, com a sua norma fundamental neutra, teve que admitir

como de fato o fez, que o direito nazista, por injusto e imoral que o

considerasse, ainda assim era direito válido e legítimo.

A aceitação ao pensamento de Kelsen não era unânime, ele sofreu

perseguição intelectual dos adeptos do fascismo, e também as severas críticas

com fundo ideológico, dos militantes da doutrina comunista. Mesmo assim os

princípios de seu pensamento jurídico-científico permanecem até hoje como

base em muitas instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito.

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2. A doutrina Kelseniana

2.1 A teoria do Direito

A teoria do Direito de Kelsen tinha como objetivo conferir à Ciência

Jurídica uma dignidade metodológica, de igual forma às demais ciências até

então reconhecidas, com isso procurava afastar o cientista do direito de toda

qualquer espécie de valoração ou subjetivismo. Defendia a neutralidade

científica aplicada à ciência jurídica, insistindo na separação entre ponto de

vista jurídico e o moral político. Nesse contexto, de negativa kelsiana de

realizar juízos valorativos representa o estudo que pretende conhecer o fato

jurídico em sua “pureza”, livre de qualquer elemento externo, seja ele

sociológico, psicológico, político ou ético que esteja a ele conectado.

Kelsen, em seu conceito de Direito, procurou excluir quaisquer

referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e que

considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da

Ciência, tais como da Sociologia e da Filosofia. Assim, através de uma

linguagem lógica e concisa, abstraiu a ideia de justiça, porque a justiça está

sempre arraigada a valores adotados por aquele que a invoca, o que não

caberia em um conceito de Direito universalmente válido. O Direito, nessa

perspectiva, descreve o valorado como justo, ou seja, o valor que foi objetivado

por meio da positivação do Direito, e não o que deveria ter sido ou deveria ser

valorado dessa forma.

Conforme kelsen “O Direito é sempre Direito Positivo, e sua positividade

repousa no fato de ser sido criado e anulado por atos de seres humanos,

sendo, desse modo, independente da moralidade e de sistemas similares de

normas”.1

1 KELSEN, Teoria Geral do Direito e do Estado, p.166.

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2.2. Ordenamento Jurídico

Para Kelsen ordenamento jurídico é representado por um conjunto

hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide

abstrata, onde a norma mais importante subordina as demais normas jurídicas

de hierarquia inferior. É a hipotética fundamental da qual as demais normas

retiram seu fundamento de validade.

2.3. A teoria Pura do Direito

Conforme Kelsen e decisão judicial não apenas interpreta a norma

jurídica, mas é uma norma jurídica individual; ou seja, o Juiz não apenas diz o

direito aplicável ao caso concreto, mas também cria o próprio direito. Para o

aplicador do direito interpretar é decidir por um simples ato de vontade, sendo a

decisão judicial a criação de uma norma jurídica individual.

2.3.1. A essência da interpretação. Interpretação autêntica e não-

autêntica

Conforme Kelsen, a interpretação das normas é uma operação mental

do processo de aplicação do direito de um escalão superior para um escalão

inferior, porém a relação de determinação ou vinculação que ocorre entre um

escalão superior e um escalão inferior da ordem jurídica, nunca é completa.

“Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre

apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em

relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter

de um quadro ou moldura a preencher por este ato”... “Se o órgão A emite um

comando para que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir,

segundo o seu próprio critério, quando, onde e como realizará a ordem de

prisão, decisões essas que dependem de circunstâncias externas que o órgão

emissor do comando não previu e, em grande parte, nem sequer podia

prever.”2

2 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 246.

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O Direito a ser aplicado como uma moldura dentro da qual existem

várias possibilidades, será conforme ao Direito todo ato que se mantenha

dentro deste quadro ou moldura, preenchendo-a em qualquer sentido possível.

“Se por “interpretação” se entende a fixação por via cognoscitiva do

sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica

somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e,

consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta

moldura existem.”3

Dessa forma a interpretação de uma lei irá conduzir a várias soluções e

não necessariamente a uma única solução como sendo a única correta, e que,

na medida de aplicação têm igual valor, apesar que apenas uma delas se

tornará Direito positivo no ato do tribunal.

“Dizer que uma sentença judicial é fundada na lei, não significa, na

verdade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que a lei

representa - não significa que ela é a norma individual, mas apenas que é uma

das normas individuais que podem ser produzidas dentro da moldura da norma

geral.”4

Conforme Kelsen a jurisprudência tradicional acredita que a

interpretação tem uma função ampla, talvez a sua principal tarefa: desenvolver

um método que tornasse possível preencher ajustadamente a moldura

prefixada. Dessa forma a teoria usual da interpretação quer fazer crer que a lei,

aplicada ao caso concreto, poderia fornecer apenas uma única solução correta,

e que a “justeza” jurídico-positiva desta decisão é fundada na própria lei.

Muito embora haja um grande esforço da jurisprudência o conflito entre

vontade e expressão por uma forma objetivamente válida não obteve sucesso.

Todos os métodos de interpretação conduzem apenas a um resultado possível,

nunca a um resultado que seja o único correto. Ater-se na vontade presumida

3 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 247.

4 Idem, p.247

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do legislador desprezando o teor verbal ou vice-versa do ponto de vista do

Direito positivo tem valor absolutamente igual.

2.3.2. A interpretação como ato de conhecimento ou como ato de

vontade

Segundo Kelsen, na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a

interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do

Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador

do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através

daquela mesma interpretação cognoscitiva. A partir desse ato, ou é produzida

uma norma de escalão inferior, ou é executado um ato de coerção estatuída na

norma jurídica aplicanda.

"... a interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do

sentido das normas jurídicas, ela não é criação jurídica."5

É através deste ato de vontade que se distingue a interpretação jurídica

feita pelo órgão aplicador do Direito de toda e qualquer outra interpretação.

Dessa forma a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre

autêntica. Ela cria Direito, e é de fato bem conhecido que, pela via de uma

interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado o Direito novo -

especialmente pelos tribunais de última instância.

“Se um indivíduo quer observar uma norma que regula a sua conduta,

quer dizer, pretende cumprir um dever jurídico que sobre ele impende

realizando aquela conduta a cuja conduta oposta à norma jurídica liga uma

sanção, esse indivíduo, quando tal conduta não se encontra univocamente

determinada na norma que tem de observar, também tem de realizar uma

escolha entre diferentes possibilidades. Porém, esta escolha não é autêntica.

Ela não é vinculante para o órgão que aplica essa norma jurídica e, por isso,

5 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 395

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corre sempre o risco de ser considerada como errônea por este órgão, por

forma a ser julgada como delito a conduta do indivíduo que nela se baseou.” 6

2.3.3. A interpretação da ciência jurídica

Sobretudo, porém, tem de distinguir-se rigorosamente a interpretação do

Direito feita pela ciência jurídica, como não autêntica, da interpretação

realizada pelos órgãos jurídicos.

Conforme Kelsen a interpretação científica, não é criação jurídica, é pura

determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas, diferente da

interpretação feita pelos órgãos jurídicos.

É importante ressaltar, que a ideia de que é possível, através de uma

interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo, é repudiada pela

Teoria Pura do Direito. O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma

função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão

aplicador do mesmo, essa função não é realizada pela via da interpretação do

Direito vigente.

A interpretação jurídico-científica deve se limitar a estabelecer as

possíveis significações de uma norma jurídica, ela não pode tomar qualquer

decisão entre as possibilidades reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao

órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o Direito.

“Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal

apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a

certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação

determinada, de entre as várias interpretações possíveis, como a única

“acertada”, não realizam uma função jurídico-científica, mas uma função

jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a

criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o

podem fazer em nome da ciência jurídica, como frequentemente fazem.”7

6 Idem, p. 250.

7 KELSEN, Teoria Pura do Direito, p. 251.

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Devido à plurissignificação da maioria das normas jurídicas, afirmar que

sempre em todos os casos existe só uma interpretação correta é ficção, esse é

um ideal realizável apenas aproximadamente, conforme Kelsen.

“Não se pretende negar que esta ficção da univocidade das normas

jurídicas, vista de uma certa posição política, pode ter grandes vantagens. Mas

nenhuma vantagem política pode justificar que se faça uso desta ficção numa

exposição científica do Direito positivo, proclamando como única correta, de um

ponto de vista científico objetivo, uma interpretação que, de um ponto de vista

político subjetivo, é mais desejável do que uma outra, igualmente possível do

ponto de vista lógico. Neste caso, com efeito, apresenta-se falsamente como

uma verdade científica aquilo que é tão somente um juízo de valor político.”8

2.3.4. Considerações de Tércio Sampaio Ferraz Jur.

Para Tercio Sampaio a explanação de Kelsen sobre a interpretação

jurídica, em sua obra a Teoria Pura do Direito, é frustrante por não fornecer

base para a hermenêutica dogmática. No mesmo texto surge a distinção entre

a interpretação autêntica que é realizada pelos órgãos competentes e a

doutrinária por entes que não tem a qualidade de órgãos. Assim, todo o ente

que não é órgão ao interpretar, mesmo dizendo o sentido de uma norma, não

produz um enunciado vinculante.

Conforme Tércio, Kelsen reconhece e aceita que os atos de vontade

estão baseados em atos cognitivos e que é dever do juiz fundamentar sua

sentença com coerência, fazendo uso de seus conhecimentos doutrinários.

Porém, se houver um desequilíbrio entre o ato de vontade e o conhecimento

prevalece o ato de vontade. “..., segundo Kelsen ainda que se tivesse a

impressão que tudo gira em torno de argumentos e raciocínios e que são atos

de conhecimento que conferem, afinal, o sentido aceito por todos, esta

aceitação tem na verdade, seus fundamentos em atos de vontade

competentes.”9

8 Idem.

9 FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p.262.

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E Tércio questiona: o que ocorre quando a interpretação é mero ato de

conhecimento? Kelsen responde que os conteúdos normativos são por sua

característica linguística, plurívocos.

Por que não dizer que agindo conforme procedimentos racionais, não

pode o doutrinador chegar a uma interpretação verdadeira? Essa hipótese é

irrealizável, diz Kelsen, se admitida estaria criando uma ilusão, a ficção da

univocidade das palavras da norma.

“Numa analogia a um texto final de uma obra de Wittgenstein... “o que

não se pode falar, deve-se calar”, poderíamos dizer que para o nosso jurista, o

que a ciência jurídica não pode descrever, deve omitir”.10

Conclui Tércio que Kelsen não explica a diferença entre a mera opinião

não técnica sobre o conteúdo de lei e a opinião do doutrinador, e que considera

possível denunciar, de um ângulo filosófico, os limites da hermenêutica, mas

que não é possível fundar uma teoria dogmática da interpretação.

Finalizando Tercio pergunta se seria um contrassenso falar em verdade

hermenêutica, e enfrentar essa questão constitui o que ele chamaria de desafio

kelseniano.

3. Carl Schmitt e o Decisionismo Jurídico

Para responder a pergunta se Kelsen é ou não decisionista,

primeiramente teríamos que discorrer sobre o que é decisionismo jurídico, e, ao

pensar em decisionismo jurídico pensamos em Carl Schmitt e sobre o

problema da DECISÃO.

A identificação do decisionismo por Carl refere-se a uma publicação de

1912, quando escreveu Direito e Julgamento. Para Schmitt, o que constitui a

fonte de todo e qualquer direito é a autoridade ou a soberania de uma decisão

última dada com um comando e não o comando por si só. Assim, uma

desordem é convertida em ordem pelo fato de ser uma tomada de decisão, o

que torna seus representantes verdadeiros “ditadores”.

10 FERRAZ, Tércio Sampaio Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p.263.

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Ronaldo Macedo analisa a lógica decisionista, e conclui: “Deste modo, a

estrutura lógica do decisionismo adquire os seus traços mais claros em

Hobbes, pois o decisionismo puro pressupõe uma ‘desordem’ que vem mudada

em ‘ordem’ somente pelo fato de que é tomada uma decisão.” 11

Até 1920 Carl Schmitt visualizava o direito apenas como “normativista” o

direito de Hans Kelsen e o “decisionismo” de Bodin, Hobbes e do próprio

Schmit. Em 1934 classifica “Os Três Tipos do Pensamento Jurídico” (Über die

drei Arten des Rechts – wissenschafttichen Denkens), identificados de forma

concreta como uma “regra”, ou como uma “decisão”, ou ainda como um

“ordenamento/configuração”, o que foi considerado uma evolução de seu

pensamento.

Dessa forma podemos dizer que existe no pensamento positivista uma

relação muito próxima com o decisionismo. Ao legislador cabe decidir, pois

tem posse do poder estatal, podendo decidir de forma coercitiva, mas existe a

exigência que a decisão seja firme e inviolável e que também o legislador se

obedeça à lei por ele criada.

Pode-se compreender que o positivista é um decisionista em seu ponto

de partida e normativista em seu ponto de chegada, pois se sustenta

inicialmente uma vontade (do legislador ou da lei) e depois, contra a sua

vontade, sem mediações em uma lei “objetiva”.

A vontade da lei subsequente à vontade do legislador. É uma

combinação de decisionismo e normativismo, típico do positivismo que

possibilita que o filósofo se apresente de acordo com o caso ou como

decisionista, ou mesmo como normativista para atender sua exigência de

segurança e previsibilidade, importantes para o positivismo.

Se concluirmos que a segurança, a firmeza e a inviolabilidade as quais o

positivista evoca são na verdade, o elemento decisionista do positivismo,

somente estes itens (segurança, a firmeza e a inviolabilidade) de decisão

transformam a norma em norma válida.

11 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt, p. 119.

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Apesar das afirmações acima da proximidade entre o decisionismo e o

positivismo, veremos uma contradição significativa, quando tratamos da origem

da norma, que afasta a posição de Kelsen como decisionista. Exemplificando:

No decisionismo de Carl a decisão se encontra no campo político, fruto de

representação e não de imposição arbitrária. Soberano é quem decide: é o

povo na democracia e o monarca na monarquia, assim é impossível a norma

antever uma decisão. Quando Carl afirma que a norma tem sua origem na

decisão contraria a Teoria Pura do Direito de Kelsen em que a norma

fundamental é o pressuposto último do ordenamento jurídico.

4. Kelsen é ou não deciosionista?

Os textos aqui descritos, não por acaso, trouxeram falas de Tercio

Sampaio e Carl Schmitt, com o objetivo de instigar e até de provocar muitas - e

não só uma - resposta certa, e por vezes contradições e provocações.

Acredito que a dúvida se Kelsen é ou não decisionista, surge, pura e

simplesmente, da forma de interpretar o que o ele (Kelsen) cita como atos de

vontade. Atos de vontade que para Kelsen estão acima de qualquer

conhecimento doutrinário. Qualquer decisão, ainda que, fundamentada com

argumentos e raciocínios aceitos por todos, seria uma aceitação com

fundamentos em atos de vontade.

Com base nos textos lidos e as colocações acima, para justificar uma

posição sobre Kelsen ser ou não decisionista, sintetizo alguns argumentos no a

fim de reforçar a minha opinião.

Considerando que:

i. Kelsen tinha como objetivo purificar o Direito e evitar ideologias e

interesses absolutos sobre o Direito;

ii. o normativismo ou positivismo representado por Kelsen adota

normas impessoais onde o Direito recebe uma função quase que burocrática e

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estatal, enquanto que o decisionista busca instituir o justo, utilizando uma

decisão pessoal, pontualmente isolada;

iii. o decisionismo pode até ser a origem do direito positivo, conforme

citado por Carl Schmitt, porém a diferença é nítida no momento em que jamais

irão vigorar simultaneamente;

iv. se opõe a teoria de Kelsen, quando Hobbes cita que o

decisionismo puro pressupõe uma ‘desordem’ que vem mudada em ‘ordem’ so-

mente pelo fato de que é tomada uma decisão. Então, a decisão é a base para

a elaboração do ordenamento jurídico e a ordem legal (a decisão) – antecede a

própria norma jurídica;

v. a diferença no conceito de decisão que na teoria schimittiana se

encontra no campo político, fruto de uma representação, e não de imposição

arbitrária;

vi. para Kelsen, uma conduta conforme uma norma possui um valor

positivo e uma conduta contrária à norma um valor negativo;

vii. conforme Schmitt, a norma tem sua origem na decisão,

contrariando a teoria de Kelsen, em que a norma fundamental é o pressuposto

último do ordenamento jurídico;

viii. são nítidas as posturas unilaterais entre Kelsen e Carl Schmitt.

Kelsen privilegia a forma, conteúdo das normas jurídicas e Carl a matéria,

preferência ao conteúdo, às decisões e políticas de um povo;

Conclui-se: Kelsen não é Decisionista.

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Bibliografia

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