Koellreutter__EDUCAÇÃO_MUSICAL_NO_TERCEIRO_MUNDO[1].pdf
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Prática de Ensino Musical – Professora Michelle Mantovani
EDUCAÇÃO MUSICAL NO TERCEIRO MUNDO: FUNÇÃO, PROBLEMAS E
POSSIBILIDADES
H. J. Koellreutter
Todos nós aspiramos a uma vida que tenha sentido.
Todos nós aspiramos a uma vida em que todos participem na descoberta desse sentido.
Todos nós aspiramos à participação numa história feita por todos e para todos e não imposta por
alguns e para alguns.
O mundo de amanhã será um mundo de integração social, religiosa, ideológica... Um mundo que objetiva
integrar, no seio da sociedade humana, todos os povos do planeta, todas as minorias raciais, sociais e
religiosas e todas as suas culturas. Um mundo que reivindica um novo modelo de desenvolvimento global -
com deveres e direitos iguais para todos -, que não agrave as desigualdades entre os homens.
O Terceiro Mundo surgiu em 1955, em Bandung, na Indonésia, congregando todos aqueles países, regiões,
povos e culturas que, até a Segunda Guerra Mundial, não participavam da dinamização e do
desenvolvimento econômico e social pela revolução industrial, como participantes ativos, nem como
usufrutuários, mas apenas passivamente como objetos e receptores de influências alienígenas. Sob o ponto
de vista econômico e político, o Terceiro Mundo objetiva a superação gradativa e sistemática do
antagonismo entre o Primeiro e o Segundo Mundos e de todos os antagonismos religiosos, ideológicos e
filosóficos ainda existentes.
Ao Terceiro Mundo pertencem todos os países do Oriente, da África e da América Latina, com exceção
daqueles que se encontram sob controle econômico e político americano, ou seja, os países do Oriente
Médio e Próximo (com exceção de Israel), os países do Oriente Extremo (com exceção do Japão e Tailândia),
assim como os países da África (com exceção da África do Sul) e os países da América Latina. Os países da
Europa, os Estados Unidos e o Japão são considerados como países do Primeiro Mundo, porque existiram
como nações antes dos Estados Socialistas. A União Soviética e os outros Estados Socialistas são
considerados como países do Segundo Mundo.
Fome e miséria reinam nos países do Terceiro Mundo. Bilhões de homens não têm meios para uma vida
humana propriamente dita. A esperança devida é curta e o estado sanitário e higiênico, em geral, precário.
Na maioria dos países do Terceiro Mundo há um baixíssimo nível de educação e instrução. Analfabetismo e
semi-analfabetismo obstruem administração, organização e coordenação eficientes. A produção é pequena e
os seus custos são altos. A eficiência física do trabalhador é insuficiente devido à desnutrição e a doenças
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latentes. O estado de saúde de uma grande parte da população é deficiente, sendo que as funções
orgânicas, físicas e mentais de pouca gente se encontram em situação normal. A vida nacional, comércio,
mercado e produção industrial dependem de mercados externos. Todo o desenvolvimento concorre para os
lucros de uma minoria, por meio da manipulação e do condicionamento de todos.
De um lado, encontra-se nesses países uma massa enorme de população pobre, de outro lado, uma
camada reduzida de elementos parasíticos sob o ponto de vista econômico, que curte uma vida de luxo e
desperdício.
Na maioria dos países do Terceiro Mundo, a vida cultural e a vida musical em particular, encontram-se,
quase sempre, nas mãos de uma elite social, de uma minoria sofisticada, falsamente refinada e esnobista,
que despreza relações humildes, minoria com sentimento exacerbado de superioridade e com uma
admiração excessiva do que está em voga.
É preciso compreender que o conceito de cultura - em um mundo de integração como o nosso - não pode
ser o conceito criado pela burguesia do século XIX. Orgânica e dinamicamente, a cultura acha-se associada
à história da sociedade, da qual não pode ser isolada. Num mundo de integração e interdependência a
cultura deve ser considerada como conjunto de tudo que pertence ao chamado “ambiente secundário” do
homem, ou seja, tudo que o homem, ele mesmo, cria, inventa, organiza, ordena e estabelece, ou seja, tudo
que não é proporcionado pela natureza. O conceito de cultura, portanto, abrange - além do complexo de
costumes e valores tradicionais, espirituais e intelectuais, ou seja, música, artes visuais, literatura, teatro e
cinema, etc. - todas as intenções e normas criadas pelo homem, individual e socialmente, o complexo de
padrões de comportamento e organização, sindicatos, instituições de previdência social, hospitais e escolas.
A cultura é uma parte indispensável e inseparável da vida social. Por cultura entende-se hoje a totalidade
de esforços o empenhos dos homens, dos seus objetivos de vida a serem realizados dentro de um
determinado ambiente natural e social. O homem fixa esses objetivos - em parte consciente, em parte
inconscientemente - para melhorar sua situação ou suas circunstâncias vitais, sendo que esse melhoramento
pode ter lugar na área da ética, da estética, do material ou do social.
A cultura é condicionada à capacidade do homem de emancipar-se da natureza e torná-la útil a suas
próprias finalidades, por meio de domesticação, formação e cultivo; freqüentemente, como reação produtiva
ou criativa a recusas, negação, dificuldades, perigos e aflição.
A maneira de o homem satisfazer a todas as suas necessidades ou desejos gera a cultura. E ela ocorre
através de um complexo sistema de atividades materiais, sociais e intelectuais. Estas três atividades nunca
devem ser levadas em consideração isoladamente, pois, a cultura é um todo uno e indivisível. O que é
fisiológico-material - portanto elementar - o que é mental-social - portanto inculcado - é sempre
interdependente. O homem não nasce como homem, mas sim como ser vivo com potencialidades humanas.
O homem torna-se homem em virtude de relacionamentos vitais na sociedade.
Por cultura, então, deve-se entender a totalidade dos esforços e empenhos dos homens, dos seus
objetivos de vida, de suas necessidades e interesses sociais. Por conseguinte, alterações nas necessidades
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objetivas da sociedade implicam, forçosamente, em alterações na cultura e nas funções das várias áreas da
vida cultural e, naturalmente, na música também.
Acontece que as descobertas científicas neste século demandaram profundas transformações em quase
todas as áreas da vida, surgindo uma imagem de mundo inteiramente nova e radicalmente diferente da
tradicional, uma imagem que ainda se encontra em processo de formação pela pesquisa e investigação
científica em nossos dias, a qual nos leva inevitavelmente a modos inteiramente inéditos de encarar o
mundo e a nossa própria vida.
As culturas emergentes do Terceiro Mundo fatalmente - em conseqüência do crescimento cada vez mais
acelerado da população - serão culturas de massa. Segundo um dos últimos relatórios do Banco Mundial, no
qual se apresenta um panorama verdadeiramente inquietante, se prevê que a população mundial será
superior a 11 bilhões de pessoas nas primeiras décadas do próximo século. O aumento nos países do
Primeiro e Segundo Mundos será insignificante: o contingente de habitantes passará de 1,2 para 1,4 bilhões
de pessoas, enquanto que nos países do Terceiro Mundo explodirá de 3,4 para 8,4 bilhões.
As culturas do Terceiro Mundo serão culturas de massa, portanto, culturas de uma sociedade constituída
por uma pluralidade de indivíduos, cuja consciência do “eu” e cujo sentimento de responsabilidade individual
vêm sendo reduzidos ao mínimo, uma sociedade sem consciência de unidade e de tradição, no pensar e no
atuar.
Estou convencido de que, nas culturas de massa, somente a transformação da arte em arte funcional -
aplicada a atividades extra-artísticas - arte utilitária portanto, poderá assegurar sua função social no
Terceiro Mundo e contribuir para a superação da crise cultural, que caracteriza todos os períodos de
transição.
No seu livro intitulado O Banquete, Mário de Andrade escreve a respeito, o seguinte: “Os artistas
brasileiros são primitivos sim: mas são `necessariamente' primitivos como filhos duma nacionalidade que se
afirma e dum tempo que está apenas principiando. Neste sentido é que toda a arte americana é primitiva,
mesmo a dos Estados Unidos. E se quisermos ser funcionalmente verdadeiros, e não nos tornarmos
mumbavas e bobos da corte, como os primitivos de todas as nacionalidades e períodos históricos universais,
nós temos que adotar os princípios da arte-ação. Sacrificar as nossas liberdades, as nossas veleidades e
pretensõezinhas pessoais, e colocar como cânone absoluto de nossa estética, o princípio de utilidade. O
PRINCÍPIO DE UTILIDADE. Toda arte brasileira de agora, que não se organizar diretamente do princípio de
utilidade, mesmo a tal dos valores eternos, será vã, será diletante, será pedante e idealista”(1).
Na sociedade de massa, arte e artista tornam-se, cada vez mais, um veículo de comunicação inter-humana
e universal. Isso, porque as áreas atingidas pelos meios de comunicação de massa cresceram e estão
crescendo mundialmente em importância e porque a arte necessita de uma função social, para que ela se
torne socialmente eficaz.
Tradição e experiência do Terceiro Mundo, adquiridas na luta permanente pela emancipação econômica e
política, podem desempenhar um papel importante e até decisivo, indicando um caminho para a
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humanização do meio-ambiente, através da comunicação estética, e para a orientação e coordenação das
relações entre arte e sociedade.
Creio, por isso, que, em muitas culturas do Terceiro Mundo, o nível de consciência seja mais avançado do
que nas culturas dos países industrializados do Primeiro e Segundo mundos. Pois, em todas as culturas do
Terceiro Mundo que eu conheço e onde eu atuei, há sintomas claros da vivência e da consciência de
conceitos básicos para o nosso modo de vivenciar o mundo novo, conceitos cuja conscientização encontra
sérias dificuldades na maioria das culturas do Primeiro e Segundo mundos. Refiro-me a conceitos assim
como a transitoriedade, como nova temporalidade de nossa vida cotidiana, a subordinação do indivíduo ao
grupo ou à comunidade, a superação das dualidades opostas, como vida e morte, bem e mal, belo e feio,
etc., a relatividade dos valores, a interdependência dos fenômenos sociais, a rejeição do valor absoluto, a
revalorização dos valores humanos e outros conceitos mais, todos eles conceitos herdados e vividos de uma
tradição que não sofreu o impacto da influência de um racionalismo exacerbado, do positivismo e
mecanicismo dos últimos dois séculos.
É indispensável que nas culturas do Terceiro Mundo, o artista cultive os valores culturais de seu povo, que
os selecione sob o ponto de vista de sua validade universal, excluindo, no entanto, o nacionalismo estreito e
mesquinho, e integrando os valores alienígenas que também são parte da herança do homem.
Ademais, nos países do Terceiro Mundo, não será possível evitar que as chamadas “conquistas da
civilização”, os computadores, robôs e todas as espécies de máquinas cibernéticas - também aquelas que a
muitos dentre nós parecem hostis à cultura - e os valores que dessas máquinas emanam, sejam levados em
consideração. Pois, também o Terceiro Mundo faz parte da realidade científica e tecnológica da humanidade.
Se nós do Terceiro Mundo contribuímos, segundo valores e objetivos próprios, para o aperfeiçoamento da
tecnologia e da sociedade que a ela corresponde, mesmo assim, os valores humanos de nossa cultura serão
preservados.
Ademais não sabemos - é verdade - quais são os valores da herança do homem que serão definitivamente
integrados. Isto depende dos ideais e dos objetivos que o homem colocar para o futuro.
Certo é, no entanto, que o futuro fundirá valores culturais de todos os povos em um jogo dinâmico: a
introversão será compensada pela extroversão e vice-versa; a subjetividade pela objetividade e a
automação pela frutificação das forças criativas. É nos países do Terceiro Mundo que a repressão do
colonialismo e do imperialismo se manifesta mais acentuadamente, o que nos possibilita estudar, bem a
fundo, as relações entre a repressão econômico-política e a cultural. Não são somente a grande miséria do
povo e a diferença enorme entre pobre e rico, como conseqüência da exploração econômica, praticada
durante décadas, que aparecem com evidência no Terceiro Mundo. Também a alienação sistemática e
deturpação das culturas nacionais pelo lançamento e pela promoção de todos os tipos de exotismos
comerciais: produções que podem ser adquiridas por toda parte, nos supermercados do comércio lucrativo,
negociando essa espécie de música. E pela promoção de formas de música altamente tecnológicas das
nações industrializadas, em detrimento das culturas nacionais esvaziadas do Terceiro Mundo,
freqüentemente controladas pelo estabelecimento econômico-político da reação sócio-cultural.
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Diante do que tenho dito, no Brasil inteiro, por exemplo, mas principalmente no interior do país, a
finalidade da educação não pode mais ser a de adaptar o jovem a uma ordem existente ou até suplantada,
fazendo com que assimile conhecimentos e saber destinados a inseri-lo em tal ordem - como procede ainda
a maioria dos estabelecimentos de ensino entre nós - mas, pelo contrário, ajudá-lo a viver em um mundo,
que se transforma diariamente, tornando-o capaz de criar um futuro digno para si mesmo e para seus filhos.
Uma verdadeira mudança no ensino e na educação do jovem brasileiro, no entanto, não pode ser realizada
por mais uma assim-chamada “reforma do ensino”. Não basta multiplicar a quantidade das escolas
disponíveis, de equipamentos escolares e de professores ou a compra de televisão ou computadores para as
salas de aula. Urge uma definição nova, clara e convincente, dos objetivos da educação, uma mudança
radical do conteúdo dos programas, no sentido de uma atualização de conceitos e idéias, de avaliação e de
atuação pedagógica.
Esta mudança do conteúdo dos programas de educação e ensino, em um mundo de integração, terá que
tender essencialmente ao questionamento crítico do sistema existente - e não à sua reprodução -, ao
despertar e ao desenvolvimento da criatividade, à conscientização das descobertas científicas e dos
fenômenos sociais, que marcam nossa época, e não à adaptação e à assimilação das coisas do passado.
A mudança do conteúdo da educação e do ensino requer, portanto, um programa pré-figurativo, exigindo:
1. que todas as culturas, as emergentes tanto quanto as estabelecidas, sejam levadas em consideração;
2. que as artes e a educação estética e humanista encontrem lugar tão equivalente quanto o das ciências e
da tecnologia;
3. que a análise prospectiva, ou seja, a reflexão sobre os objetivos, os valores e o sentido do futuro, em vias
de nascer, ocupe espaço tão amplo quanto os estudos retrospectivos.
Se ganância e megalomania do poder são ainda agentes movedores da ideologia do crescimento pelo
crescimento, como acontece entre nós - crescimento para quê e para quem? -, a educação e o ensino
podem tornar-se os agentes motores mais eficazes do desenvolvimento.
A situação do ensino musical no Brasil carece, em primeiro lugar, de análise e talvez de reflexão com
respeito às condições sociais do país. Poucos são os que, ao analisar as contradições e conflitos que surgem
entre o aprendizado do estudante de música e a realidade profissional, entre a ilusão das ambições artísticas
e a adaptação irrefletida às exigências das atividades musicais, tiram conclusões para uma reformulação
adequada do ensino musical. Falando em contradições, refiro-me ao resultado da conservação infecunda e
obstinada de categorias tradicionais de currículos e de critérios estéticos e artísticos que, em conseqüência
das transformações econômicas, políticas e sociais, há muito se tornaram obsoletas e anacrônicas.
A sociedade brasileira - também membro da comunidade dos países do Terceiro Mundo -difere das
sociedades dos países altamente industrializados, e as intenções e necessidades dessa sociedade são outras.
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Por isso, é impossível visar a organização de uma vida cultural, e musical em particular, semelhante à da
Europa ou dos Estados Unidos, por exemplo.
As necessidades objetivas da sociedade brasileira não são divertimento, entretenimento, distração, etc.,
mas sim, a solução de inúmeros e graves problemas, dos quais depende o desenvolvimento dessa sociedade
e de sua cultura e até a sobrevivência da mesma.
São poucos os que analisam a realidade social do país e orientam o ensino e a educação musical de acordo
com as necessidades, elucidando os alunos, com franqueza e honestidade, sobre a existência ou inexistência
de chances profissionais, sobre a possibilidade ou impossibilidade da profissão que os espera. Assim, por
exemplo, os cursos de música da Universidade que têm por objetivo formar jovens para atividades
profissionais, para as quais não há mercado de trabalho na vida nacional, são um desperdício, vãos e
inúteis.
A sociedade brasileira e a nordestina em particular, poderiam ter na arte um instrumento essencial à
existência do ambiente tecnológico, instrumento de um sistema cultural que enlace todos os setores do
mundo construído pelo homem e contribua para dar forma a esses setores.
É possível preconizar o ensino musical de tal modo que os sistemas de comunicação, de economia, de
tecnologia, de linguagem e expressão artística se misturem uns com os outros mergulhando num único
todo.
É necessário que a arte se converta em fator funcional de estética e humanização do processo civilizador
em todos os seus aspectos. Somente o ensino da música como arte ambiental e socialmente funcional - e,
portanto, enquanto arte aplicada a atividades extra-musicais, mas funcionais na sociedade - contribuirá para
a conscientização do homem brasileiro e para o desenvolvimento da população.
Dentro da sociedade há várias áreas de atividades que podem ser intensificadas e desenvolvidas através
da música funcional. Na área da educação - não me refiro à preparação do músico profissional, mas à
educação do cidadão brasileiro em geral - através de atividades musicais na área de trabalho, no comércio e
na indústria, nos setores de planejamento urbano, na terapia e reabilitação sociais, enfim, nestes e noutros
setores da vida moderna, a música funcional pode fazer-se presente de uma forma dinâmica e produtiva.
O objetivo dessa interação arte/vida profissional deverá ser o de intensificar certas funções da atividade
humana ou, em outras palavras, o de humanizá-las com o auxílio da comunicação estética, funcionalmente
diferenciada.
No tocante à música, ou melhor, à educação através de atividades musicais, a mais importante implicação
desta tese na sociedade moderna, é a tarefa de despertar a mente dos jovens a consciência da
interdependência de sentimento e racionalidade, de tecnologia e estética.
A arte, e a música em particular, deverão ser meios de preservação e fortalecimento da comunicação
pessoa a pessoa; de sublimação da melancolia, do medo e da desalegria, fenômenos que ocorrem pela
manipulação bitolada das instituições públicas na vida moderna tornando-se fatores hostis à comunicação. E
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a educação musical deve transformar-se num instrumento de progresso, de soerguimento da personalidade
e do estímulo da criatividade.
Como instrumento de libertação, a arte poderia tornar-se um meio indispensável de educação, pois oferece
uma contribuição essencial à formação do ambiente humano. Assim, através de sua integração na
sociedade, a arte poderia tornar-se um fator central da nova sociedade desde que, por meio de integração,
ela vença a sua alienação social e sobreviva à sua crise atual.
O Brasil confronta-se com o problema da preparação competente de professores e especialistas com a
devida habilitação, especialistas de formação interdisciplinar principalmente, conscientes do avanço da
ciência moderna e conhecedores dos conceitos fundamentais, dos princípios teóricos, formais e estéticos da
nova imagem do mundo, e de uma terminologia correspondente adequada, objetiva e precisa.
É urgente que se formem professores, capazes de usar a música como meio de desenvolver a
personalidade do aluno, despertando e desenvolvendo nele faculdades indispensáveis em qualquer atividade
profissional, na medicina, na advocacia tanto quanto no magistério, no comércio, na política e em tantas
outras áreas da vida profissional.
Assim, por exemplo, a faculdade da percepção - auditiva e visual -, assim como do discernimento e da
análise, podem ser desenvolvidas e aperfeiçoadas consideravelmente por um treinamento sistemático,
racional e científico da audição e da visão.
A faculdade da comunicação, ou seja, o contato humano, pode ser desenvolvida por meio da improvisação
em grupos, tão importante na música e nas atividades musicais de nosso tempo.
Autodisciplina, concentração, a subordinação de interesses pessoais aos interesses do grupo, auto-crítica,
criatividade e o desenvolvimento da sensibilidade do jovem, relativa a valores qualitativos - tanto tempo
desprezados sob a ditadura de conceitos positivistas e mecanicistas - podem ser desenvolvidos através do
rigoroso treino mental de atividades musicais.
E, não por último, deve-se mencionar a ação eficaz das atividades musicais no sentido da supressão do
medo, de inibições e preconceitos.
Diante do desenvolvimento econômico-social no Terceiro Mundo e das tendências das novas gerações em
toda parte, sugiro a substituição dos estabelecimentos de ensino musical do tipo conservatório, em nosso
país, por um Centro de Atividades Lúdicas e Criatividade Musical. Um conjunto de clubes musicais, por assim
dizer, que tem como objetivo o desenvolvimento de um diletantismo (no sentido da palavra
italiana dilettarsi, ou seja, “divertir-se”), um diletantismo sadio e criativo, que corresponde aos anseios das
novas gerações e em que se desenvolvem todos os tipos de atividade musical, livremente, desde a música
popular, rock e jazz até conjuntos corais e instrumentais que cultivem a música clássica. (Diletantismo foi
sempre o ponto de partida e, freqüentemente, a base, de um profissionalismo de alto nível.) Trata-se de um
centro livre, sem programação pré-determinada e sem currículo, em que os professores seriam substituídos
por animadores, ou seja, orientadores especializados, que participariam das atividades, pelas quais os
jovens optaram.
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Por outro lado, a Universidade limitar-se-ia ao curso superior e de pós-graduação, de nível o mais alto
possível, oferecendo no interior do país exclusivamente cursos de disciplinas de música funcional,
disciplinas, portanto, úteis e funcionais na nova sociedade, como sejam, cursos para a formação de
professores e animadores, musicoterapeutas, compositores, arranjadores, coordenadores de programas
recreativos, de lazer e de terapia ocupacional.
A preparação de jovens de vocação artística e talento excepcional ficaria a cargo dos departamentos de
música de três ou quatro universidades nas capitais do país.
Trata-se, nesse momento, de contribuir para a criação do que seria talvez a maior obra-de-arte da
humanidade, ou seja, a revolução cultural do mundo, modificando radicalmente o pensar e o sentir do
homem, conseqüência lógica, coerente e imperativa das descobertas da ciência moderna em nosso século,
de uma nova imagem do mundo e de sua conscientização.
Miséria, pobreza, desnutrição e penúria do povo, nos países do Terceiro Mundo, não permitem a confecção
de obras de pretenso valor permanente, de obras escritas para a posteridade. É mais importante no Terceiro
Mundo a apresentação de idéias novas do que a produção de obras-primas, idéias que rompam com
algumas estruturas do ensino musical e que possam contribuir para o processo de desenvolvimento
democrático, no seu verdadeiro sentido.
“Os brasileiros só podem fazer arte legítima, eficaz, funcional e representativa, se deixarem inicialmente de
parte a intenção de fazer arte gratuita”, escreve Mario de Andrade em O Banquete, “se abandonarem como
ideal, a preocupação exclusiva de beleza, de prazer desnecessário. E principalmente essa intenção estúpida,
pueril mesmo, e desmoralizadora, de criar a obra-de-arte perfeitíssima e eterna”(2).
A situação do Terceiro Mundo e o conflito Norte-Sul reclamam o artista engajado e corajoso, que
desconhece a ação medíocre do artista movido pela vaidade e presunção. É preciso em nossos países deixar
de por sua obra e suas atividades artísticas a serviço do poder instituicionalizado e seguir os ideais das
forças que preparam o mundo de amanhã.
NOTAS
(1) ANDRADE, M. de. O Banquete. São Paulo: Duas Cidades, 1977, p. 130.
(2) ANDRADE, M. de. Op. cit., p. 128.
Hans-Joachim Koellreutter é músico pela Escola Estadual de Berlim e pelo Conservatório de Música de
Genebra, onde foi aluno de Kurt Thomas e Hermann Scherchen, entre outros. Fundou e dirigiu a Escola Livre
de Música de São Paulo, a Escola de Música da Universidade Federal da Bahia e a Escola de Música Ocidental
de Nova Delhi. Dirigiu o Departamento de Programação Internacional do Instituto Goethe de Munique, os
institutos culturais da República Federal da Alemanha em Nova Delhi, Goethe de Tóquio e do Rio de Janeiro.
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