Koelrreutter - Educação Musical No Terceiro Mundo

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EDUCAÇÃO MUSICAL NO TERCEIRO MUNDO: FUNÇÃO, PROBLEMAS E POSSIBILIDADES H. J. Koellreutter Todos nós aspiramos a uma vida que tenha sentido. Todos nós aspiramos a uma vida em que todos participem na descoberta desse sentido. Todos nós aspiramos à participação numa história feita por todos e para todos e não imposta por alguns e para alguns. O mundo de amanhã será um mundo de integração social, religiosa, ideológica... Um mundo que objetiva integrar, no seio da sociedade humana, todos os povos do planeta, todas as minorias raciais, sociais e religiosas e todas as suas culturas. Um mundo que reivindica um novo modelo de desenvolvimento global - com deveres e direitos iguais para todos -, que não agrave as desigualdades entre os homens. O Terceiro Mundo surgiu em 1955, em Bandung, na Indonésia, congregando todos aqueles países, regiões, povos e culturas que, até a Segunda Guerra Mundial, não participavam da dinamização e do desenvolvimento econômico e social pela revolução industrial, como participantes ativos, nem como usufrutuários, mas apenas passivamente como objetos e receptores de influências alienígenas. Sob o ponto de vista econômico e político, o Terceiro Mundo objetiva a superação gradativa e sistemática do antagonismo entre o Primeiro e o Segundo Mundos e de todos os antagonismos religiosos, ideológicos e filosóficos ainda existentes. Ao Terceiro Mundo pertencem todos os países do Oriente, da África e da América Latina, com exceção daqueles que se encontram sob controle econômico e político americano, ou seja, os países do Oriente Médio e Próximo (com exceção de Israel), os países do Oriente Extremo (com exceção do Japão e Tailândia), assim como os países da África (com exceção da África do Sul) e os países da América Latina. Os países da Europa, os Estados Unidos e o Japão são considerados como países do Primeiro Mundo, porque existiram como nações antes dos Estados Socialistas. A União Soviética e os outros Estados Socialistas são considerados como países do Segundo Mundo. Fome e miséria reinam nos países do Terceiro Mundo. Bilhões de homens não têm meios para uma vida humana propriamente dita. A esperança devida é curta e o estado sanitário e higiênico, em geral, precário. Na maioria dos países do Terceiro Mundo há um baixíssimo nível de educação e instrução. Analfabetismo e semi-analfabetismo obstruem administração, organização e coordenação eficientes. A produção é pequena e os seus custos são altos. A eficiência física do trabalhador é insuficiente devido à desnutrição e a doenças latentes. O estado de saúde de uma grande parte da população é deficiente, sendo que as funções orgânicas, físicas e mentais de pouca gente se encontram em situação normal. A vida nacional, comércio, mercado e produção industrial

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Texto de Educação musical levando-se em consideração o trabalho do músico e educador Koelrreutter.

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EDUCAO MUSICAL NO TERCEIRO MUNDO: FUNO, PROBLEMAS E POSSIBILIDADESH. J. KoellreutterTodos ns aspiramos a uma vida que tenha sentido.Todos ns aspiramos a uma vida em que todos participem na descoberta desse sentido.Todos ns aspiramos participao numa histria feita por todos e para todos e no imposta por alguns e para alguns.O mundo de amanh ser um mundo de integrao social, religiosa, ideolgica... Um mundo que objetiva integrar, no seio da sociedade humana, todos os povos do planeta, todas as minorias raciais, sociais e religiosas e todas as suas culturas. Um mundo que reivindica um novo modelo de desenvolvimento global - com deveres e direitos iguais para todos -, que no agrave as desigualdades entre os homens.O Terceiro Mundo surgiu em 1955, em Bandung, na Indonsia, congregando todos aqueles pases, regies, povos e culturas que, at a Segunda Guerra Mundial, no participavam da dinamizao e do desenvolvimento econmico e social pela revoluo industrial, como participantes ativos, nem como usufruturios, mas apenas passivamente como objetos e receptores de influncias aliengenas. Sob o ponto de vista econmico e poltico, o Terceiro Mundo objetiva a superao gradativa e sistemtica do antagonismo entre o Primeiro e o Segundo Mundos e de todos os antagonismos religiosos, ideolgicos e filosficos ainda existentes.Ao Terceiro Mundo pertencem todos os pases do Oriente, da frica e da Amrica Latina, com exceo daqueles que se encontram sob controle econmico e poltico americano, ou seja, os pases do Oriente Mdio e Prximo (com exceo de Israel), os pases do Oriente Extremo (com exceo do Japo e Tailndia), assim como os pases da frica (com exceo da frica do Sul) e os pases da Amrica Latina. Os pases da Europa, os Estados Unidos e o Japo so considerados como pases do Primeiro Mundo, porque existiram como naes antes dos Estados Socialistas. A Unio Sovitica e os outros Estados Socialistas so considerados como pases do Segundo Mundo.Fome e misria reinam nos pases do Terceiro Mundo. Bilhes de homens no tm meios para uma vida humana propriamente dita. A esperana devida curta e o estado sanitrio e higinico, em geral, precrio. Na maioria dos pases do Terceiro Mundo h um baixssimo nvel de educao e instruo. Analfabetismo e semi-analfabetismo obstruem administrao, organizao e coordenao eficientes. A produo pequena e os seus custos so altos. A eficincia fsica do trabalhador insuficiente devido desnutrio e a doenas latentes. O estado de sade de uma grande parte da populao deficiente, sendo que as funes orgnicas, fsicas e mentais de pouca gente se encontram em situao normal. A vida nacional, comrcio, mercado e produo industrial dependem de mercados externos. Todo o desenvolvimento concorre para os lucros de uma minoria, por meio da manipulao e do condicionamento de todos.De um lado, encontra-se nesses pases uma massa enorme de populao pobre, de outro lado, uma camada reduzida de elementos parasticos sob o ponto de vista econmico, que curte uma vida de luxo e desperdcio.Na maioria dos pases do Terceiro Mundo, a vida cultural e a vida musical em particular, encontram-se, quase sempre, nas mos de uma elite social, de uma minoria sofisticada, falsamente refinada e esnobista, que despreza relaes humildes, minoria com sentimento exacerbado de superioridade e com uma admirao excessiva do que est em voga. preciso compreender que o conceito de cultura - em um mundo de integrao como o nosso - no pode ser o conceito criado pela burguesia do sculo XIX. Orgnica e dinamicamente, a cultura acha-se associada histria da sociedade, da qual no pode ser isolada. Num mundo de integrao e interdependncia a cultura deve ser considerada como conjunto de tudo que pertence ao chamado ambiente secundrio do homem, ou seja, tudo que o homem, ele mesmo, cria, inventa, organiza, ordena e estabelece, ou seja, tudo que no proporcionado pela natureza. O conceito de cultura, portanto, abrange - alm do complexo de costumes e valores tradicionais, espirituais e intelectuais, ou seja, msica, artes visuais, literatura, teatro e cinema, etc. - todas as intenes e normas criadas pelo homem, individual e socialmente, o complexo de padres de comportamento e organizao, sindicatos, instituies de previdncia social, hospitais e escolas.A cultura uma parte indispensvel e inseparvel da vida social. Por cultura entende-se hoje a totalidade de esforos o empenhos dos homens, dos seus objetivos de vida a serem realizados dentro de um determinado ambiente natural e social. O homem fixa esses objetivos - em parte consciente, em parte inconscientemente - para melhorar sua situao ou suas circunstncias vitais, sendo que esse melhoramento pode ter lugar na rea da tica, da esttica, do material ou do social.A cultura condicionada capacidade do homem de emancipar-se da natureza e torn-la til a suas prprias finalidades, por meio de domesticao, formao e cultivo; freqentemente, como reao produtiva ou criativa a recusas, negao, dificuldades, perigos e aflio.A maneira de o homem satisfazer a todas as suas necessidades ou desejos gera a cultura. E ela ocorre atravs de um complexo sistema de atividades materiais, sociais e intelectuais. Estas trs atividades nunca devem ser levadas em considerao isoladamente, pois, a cultura um todo uno e indivisvel. O que fisiolgico-material - portanto elementar - o que mental-social - portanto inculcado - sempre interdependente. O homem no nasce como homem, mas sim como ser vivo com potencialidades humanas. O homem torna-se homem em virtude de relacionamentos vitais na sociedade.Por cultura, ento, deve-se entender atotalidadedos esforos e empenhos dos homens, dos seus objetivos de vida, de suas necessidades e interesses sociais. Por conseguinte, alteraes nas necessidades objetivas da sociedade implicam, forosamente, em alteraes na cultura e nas funes das vrias reas da vida cultural e, naturalmente, na msica tambm.Acontece que as descobertas cientficas neste sculo demandaram profundas transformaes em quase todas as reas da vida, surgindo uma imagem de mundo inteiramente nova e radicalmente diferente da tradicional, uma imagem que ainda se encontra em processo de formao pela pesquisa e investigao cientfica em nossos dias, a qual nos leva inevitavelmente a modos inteiramente inditos de encarar o mundo e a nossa prpria vida.As culturas emergentes do Terceiro Mundo fatalmente - em conseqncia do crescimento cada vez mais acelerado da populao - sero culturas de massa. Segundo um dos ltimos relatrios do Banco Mundial, no qual se apresenta um panorama verdadeiramente inquietante, se prev que a populao mundial ser superior a 11 bilhes de pessoas nas primeiras dcadas do prximo sculo. O aumento nos pases do Primeiro e Segundo Mundos ser insignificante: o contingente de habitantes passar de 1,2 para 1,4 bilhes de pessoas, enquanto que nos pases do Terceiro Mundo explodir de 3,4 para 8,4 bilhes.As culturas do Terceiro Mundo sero culturas de massa, portanto, culturas de uma sociedade constituda por uma pluralidade de indivduos, cuja conscincia do eu e cujo sentimento de responsabilidade individual vm sendo reduzidos ao mnimo, uma sociedade sem conscincia de unidade e de tradio, no pensar e no atuar.Estou convencido de que, nas culturas de massa, somente a transformao da arte em arte funcional - aplicada a atividades extra-artsticas - arte utilitria portanto, poder assegurar sua funo social no Terceiro Mundo e contribuir para a superao da crise cultural, que caracteriza todos os perodos de transio.No seu livro intituladoO Banquete, Mrio de Andrade escreve a respeito, o seguinte: Os artistas brasileiros so primitivos sim: mas so `necessariamente' primitivos como filhos duma nacionalidade que se afirma e dum tempo que est apenas principiando. Neste sentido que toda a arte americana primitiva, mesmo a dos Estados Unidos. E se quisermos ser funcionalmente verdadeiros, e no nos tornarmos mumbavas e bobos da corte, como os primitivos de todas as nacionalidades e perodos histricos universais, ns temos que adotar os princpios da arte-ao. Sacrificar as nossas liberdades, as nossas veleidades e pretensezinhas pessoais, e colocar como cnone absoluto de nossa esttica, o princpio de utilidade. O PRINCPIO DE UTILIDADE. Toda arte brasileira de agora, que no se organizar diretamente do princpio de utilidade, mesmo a tal dos valores eternos, ser v, ser diletante, ser pedante e idealista(1).Na sociedade de massa, arte e artista tornam-se, cada vez mais, um veculo de comunicao inter-humana e universal. Isso, porque as reas atingidas pelos meios de comunicao de massa cresceram e esto crescendo mundialmente em importncia e porque a arte necessita de uma funo social, para que ela se torne socialmente eficaz.Tradio e experincia do Terceiro Mundo, adquiridas na luta permanente pela emancipao econmica e poltica, podem desempenhar um papel importante e at decisivo, indicando um caminho para a humanizao do meio-ambiente, atravs da comunicao esttica, e para a orientao e coordenao das relaes entre arte e sociedade.Creio, por isso, que, em muitas culturas do Terceiro Mundo, o nvel de conscincia seja mais avanado do que nas culturas dos pases industrializados do Primeiro e Segundo mundos. Pois, em todas as culturas do Terceiro Mundo que eu conheo e onde eu atuei, h sintomas claros da vivncia e da conscincia de conceitos bsicos para o nosso modo de vivenciar o mundo novo, conceitos cuja conscientizao encontra srias dificuldades na maioria das culturas do Primeiro e Segundo mundos. Refiro-me a conceitos assim como a transitoriedade, como nova temporalidade de nossa vida cotidiana, a subordinao do indivduo ao grupo ou comunidade, a superao das dualidades opostas, como vida e morte, bem e mal, belo e feio, etc., a relatividade dos valores, a interdependncia dos fenmenos sociais, a rejeio do valor absoluto, a revalorizao dos valores humanos e outros conceitos mais, todos eles conceitos herdados e vividos de uma tradio que no sofreu o impacto da influncia de um racionalismo exacerbado, do positivismo e mecanicismo dos ltimos dois sculos. indispensvel que nas culturas do Terceiro Mundo, o artista cultive os valores culturais de seu povo, que os selecione sob o ponto de vista de sua validade universal, excluindo, no entanto, o nacionalismo estreito e mesquinho, e integrando os valores aliengenas que tambm so parte da herana do homem.Ademais, nos pases do Terceiro Mundo, no ser possvel evitar que as chamadas conquistas da civilizao, os computadores, robs e todas as espcies de mquinas cibernticas - tambm aquelas que a muitos dentre ns parecem hostis cultura - e os valores que dessas mquinas emanam, sejam levados em considerao. Pois, tambm o Terceiro Mundo faz parte da realidade cientfica e tecnolgica da humanidade. Se ns do Terceiro Mundo contribumos, segundo valores e objetivos prprios, para o aperfeioamento da tecnologia e da sociedade que a ela corresponde, mesmo assim, os valores humanos de nossa cultura sero preservados.Ademais no sabemos - verdade - quais so os valores da herana do homem que sero definitivamente integrados. Isto depende dos ideais e dos objetivos que o homem colocar para o futuro.Certo , no entanto, que o futuro fundir valores culturais de todos os povos em um jogo dinmico: a introverso ser compensada pela extroverso e vice-versa; a subjetividade pela objetividade e a automao pela frutificao das foras criativas. nos pases do Terceiro Mundo que a represso do colonialismo e do imperialismo se manifesta mais acentuadamente, o que nos possibilita estudar, bem a fundo, as relaes entre a represso econmico-poltica e a cultural. No so somente a grande misria do povo e a diferena enorme entre pobre e rico, como conseqncia da explorao econmica, praticada durante dcadas, que aparecem com evidncia no Terceiro Mundo. Tambm a alienao sistemtica e deturpao das culturas nacionais pelo lanamento e pela promoo de todos os tipos de exotismos comerciais: produes que podem ser adquiridas por toda parte, nos supermercados do comrcio lucrativo, negociando essa espcie de msica. E pela promoo de formas de msica altamente tecnolgicas das naes industrializadas, em detrimento das culturas nacionais esvaziadas do Terceiro Mundo, freqentemente controladas pelo estabelecimento econmico-poltico da reao scio-cultural.Diante do que tenho dito, no Brasil inteiro, por exemplo, mas principalmente no interior do pas, a finalidade da educao no pode mais ser a de adaptar o jovem a uma ordem existente ou at suplantada, fazendo com que assimile conhecimentos e saber destinados a inseri-lo em tal ordem - como procede ainda a maioria dos estabelecimentos de ensino entre ns - mas, pelo contrrio, ajud-lo a viver em um mundo, que se transforma diariamente, tornando-o capaz de criar um futuro digno para si mesmo e para seus filhos.Uma verdadeira mudana no ensino e na educao do jovem brasileiro, no entanto, no pode ser realizada por mais uma assim-chamada reforma do ensino. No basta multiplicar a quantidade das escolas disponveis, de equipamentos escolares e de professores ou a compra de televiso ou computadores para as salas de aula. Urge uma definio nova, clara e convincente, dos objetivos da educao, uma mudana radical do contedo dos programas, no sentido de uma atualizao de conceitos e idias, de avaliao e de atuao pedaggica.Esta mudana do contedo dos programas de educao e ensino, em um mundo de integrao, ter que tender essencialmente ao questionamento crtico do sistema existente - e no sua reproduo -, ao despertar e ao desenvolvimento da criatividade, conscientizao das descobertas cientficas e dos fenmenos sociais, que marcam nossa poca, e no adaptao e assimilao das coisas do passado.A mudana do contedo da educao e do ensino requer, portanto, um programa pr-figurativo, exigindo:1. que todas as culturas, as emergentes tanto quanto as estabelecidas, sejam levadas em considerao;2. que as artes e a educao esttica e humanista encontrem lugar to equivalente quanto o das cincias e da tecnologia;3. que a anlise prospectiva, ou seja, a reflexo sobre os objetivos, os valores e o sentido do futuro, em vias de nascer, ocupe espao to amplo quanto os estudos retrospectivos.Se gannciae megalomania do poder so ainda agentes movedores da ideologia do crescimento pelo crescimento, como acontece entre ns - crescimento para qu e para quem? -, a educao e o ensino podem tornar-se os agentes motores mais eficazes do desenvolvimento.A situao do ensino musical no Brasil carece, em primeiro lugar, de anlise e talvez de reflexo com respeito s condies sociais do pas. Poucos so os que, ao analisar as contradies e conflitos que surgem entre o aprendizado do estudante de msica e a realidade profissional, entre a iluso das ambies artsticas e a adaptao irrefletida s exigncias das atividades musicais, tiram concluses para uma reformulao adequada do ensino musical. Falando em contradies, refiro-me ao resultado da conservao infecunda e obstinada de categorias tradicionais de currculos e de critrios estticos e artsticos que, em conseqncia das transformaes econmicas, polticas e sociais, h muito se tornaram obsoletas e anacrnicas.A sociedade brasileira - tambm membro da comunidade dos pases do Terceiro Mundo -difere das sociedades dos pases altamente industrializados, e as intenes e necessidades dessa sociedade so outras.Por isso, impossvel visar a organizao de uma vida cultural, e musical em particular, semelhante da Europa ou dos Estados Unidos, por exemplo.As necessidades objetivas da sociedade brasileira no so divertimento, entretenimento, distrao, etc., mas sim, a soluo de inmeros e graves problemas, dos quais depende o desenvolvimento dessa sociedade e de sua cultura e at a sobrevivncia da mesma.So poucos os que analisam a realidade social do pas e orientam o ensino e a educao musical de acordo com as necessidades, elucidando os alunos, com franqueza e honestidade, sobre a existncia ou inexistncia de chances profissionais, sobre a possibilidade ou impossibilidade da profisso que os espera. Assim, por exemplo, os cursos de msica da Universidade que tm por objetivo formar jovens para atividades profissionais, para as quais no h mercado de trabalho na vida nacional, so um desperdcio, vos e inteis.A sociedade brasileira e a nordestina em particular, poderiam ter na arte um instrumento essencial existncia do ambiente tecnolgico, instrumento de um sistema cultural que enlace todos os setores do mundo construdo pelo homem e contribua para dar forma a esses setores. possvel preconizar o ensino musical de tal modo que os sistemas de comunicao, de economia, de tecnologia, de linguagem e expresso artstica se misturem uns com os outros mergulhando num nico todo. necessrio que a arte se converta em fator funcional de esttica e humanizao do processo civilizador em todos os seus aspectos. Somente o ensino da msica como arte ambiental e socialmente funcional - e, portanto, enquanto arte aplicada a atividades extra-musicais, mas funcionais na sociedade - contribuir para a conscientizao do homem brasileiro e para o desenvolvimento da populao.Dentro da sociedade h vrias reas de atividades que podem ser intensificadas e desenvolvidas atravs da msica funcional. Na rea da educao - no me refiro preparao do msico profissional, mas educao do cidado brasileiro em geral - atravs de atividades musicais na rea de trabalho, no comrcio e na indstria, nos setores de planejamento urbano, na terapia e reabilitao sociais, enfim, nestes e noutros setores da vida moderna, a msica funcional pode fazer-se presente de uma forma dinmica e produtiva.O objetivo dessa interao arte/vida profissional dever ser o de intensificar certas funes da atividade humana ou, em outras palavras, o de humaniz-las com o auxlio da comunicao esttica, funcionalmente diferenciada.No tocante msica, ou melhor, educao atravs de atividades musicais, a mais importante implicao desta tese na sociedade moderna, a tarefa de despertar a mente dos jovens a conscincia da interdependncia de sentimento e racionalidade, de tecnologia e esttica.A arte, e a msica em particular, devero ser meios de preservao e fortalecimento da comunicao pessoa a pessoa; de sublimao da melancolia, do medo e da desalegria, fenmenos que ocorrem pela manipulao bitolada das instituies pblicas na vida moderna tornando-se fatores hostis comunicao. E a educao musical deve transformar-se num instrumento de progresso, de soerguimento da personalidade e do estmulo da criatividade.Como instrumento de libertao, a arte poderia tornar-se um meio indispensvel de educao, pois oferece uma contribuio essencial formao do ambiente humano. Assim, atravs de sua integrao na sociedade, a arte poderia tornar-se um fator central da nova sociedade desde que, por meio de integrao, ela vena a sua alienao social e sobreviva sua crise atual.O Brasil confronta-se com o problema da preparao competente de professores e especialistas com a devida habilitao, especialistas de formao interdisciplinar principalmente, conscientes do avano da cincia moderna e conhecedores dos conceitos fundamentais, dos princpios tericos, formais e estticos da nova imagem do mundo, e de uma terminologia correspondente adequada, objetiva e precisa. urgente que se formem professores, capazes de usar a msica como meio de desenvolver a personalidade do aluno, despertando e desenvolvendo nele faculdades indispensveis em qualquer atividade profissional, na medicina, na advocacia tanto quanto no magistrio, no comrcio, na poltica e em tantas outras reas da vida profissional.Assim, por exemplo, a faculdade da percepo - auditiva e visual -, assim como do discernimento e da anlise, podem ser desenvolvidas e aperfeioadas consideravelmente por um treinamento sistemtico, racional e cientfico da audio e da viso.A faculdade da comunicao, ou seja, o contato humano, pode ser desenvolvida por meio da improvisao em grupos, to importante na msica e nas atividades musicais de nosso tempo.Autodisciplina, concentrao, a subordinao de interesses pessoais aos interesses do grupo, auto-crtica, criatividade e o desenvolvimento da sensibilidade do jovem, relativa a valores qualitativos - tanto tempo desprezados sob a ditadura de conceitos positivistas e mecanicistas - podem ser desenvolvidos atravs do rigoroso treino mental de atividades musicais.E, no por ltimo, deve-se mencionar a ao eficaz das atividades musicais no sentido da supresso do medo, de inibies e preconceitos.Diante do desenvolvimento econmico-social no Terceiro Mundo e das tendncias das novas geraes em toda parte, sugiro a substituio dos estabelecimentos de ensino musical do tipo conservatrio, em nosso pas, por um Centro de Atividades Ldicas e Criatividade Musical. Um conjunto de clubes musicais, por assim dizer, que tem como objetivo o desenvolvimento de um diletantismo (no sentido da palavra italianadilettarsi, ou seja, divertir-se), um diletantismo sadio e criativo, que corresponde aos anseios das novas geraes e em que se desenvolvem todos os tipos de atividade musical, livremente, desde a msica popular, rock e jazz at conjuntos corais e instrumentais que cultivem a msica clssica. (Diletantismo foi sempre o ponto de partida e, freqentemente, a base, de um profissionalismo de alto nvel.) Trata-se de um centro livre, sem programao pr-determinada e sem currculo, em que os professores seriam substitudos por animadores, ou seja, orientadores especializados, que participariam das atividades, pelas quais os jovens optaram.Por outro lado, a Universidade limitar-se-ia ao curso superior e de ps-graduao, de nvel o mais alto possvel, oferecendo no interior do pas exclusivamente cursos de disciplinas de msica funcional, disciplinas, portanto, teis e funcionais na nova sociedade, como sejam, cursos para a formao de professores e animadores, musicoterapeutas, compositores, arranjadores, coordenadores de programas recreativos, de lazer e de terapia ocupacional.A preparao de jovens de vocao artstica e talento excepcional ficaria a cargo dos departamentos de msica de trs ou quatro universidades nas capitais do pas.Trata-se, nesse momento, de contribuir para a criao do que seria talvez a maior obra-de-arte da humanidade, ou seja, a revoluo cultural do mundo, modificando radicalmente o pensar e o sentir do homem, conseqncia lgica, coerente e imperativa das descobertas da cincia moderna em nosso sculo, de uma nova imagem do mundo e de sua conscientizao.Misria, pobreza, desnutrio e penria do povo, nos pases do Terceiro Mundo, no permitem a confeco de obras de pretenso valor permanente, de obras escritas para a posteridade. mais importante no Terceiro Mundo a apresentao de idias novas do que a produo de obras-primas, idias que rompam com algumas estruturas do ensino musical e que possam contribuir para o processo de desenvolvimento democrtico, no seu verdadeiro sentido.Os brasileiros s podem fazer arte legtima, eficaz, funcional e representativa, se deixarem inicialmente de parte a inteno de fazer arte gratuita, escreve Mario de Andrade emO Banquete, se abandonarem como ideal, a preocupao exclusiva de beleza, de prazer desnecessrio. E principalmente essa inteno estpida, pueril mesmo, e desmoralizadora, de criar a obra-de-arte perfeitssima e eterna(2).A situao do Terceiro Mundo e o conflito Norte-Sul reclamam o artista engajado e corajoso, que desconhece a ao medocre do artista movido pela vaidade e presuno. preciso em nossos pases deixar de por sua obra e suas atividades artsticas a servio do poder instituicionalizado e seguir os ideais das foras que preparam o mundo de amanh.NOTAS(1) ANDRADE, M. de.O Banquete. So Paulo: Duas Cidades, 1977, p. 130.(2) ANDRADE, M. de. Op. cit., p. 128.

Hans-Joachim Koellreutter msico pela Escola Estadual de Berlim e pelo Conservatrio de Msica de Genebra, onde foi aluno de Kurt Thomas e Hermann Scherchen, entre outros. Fundou e dirigiu a Escola Livre de Msica de So Paulo, a Escola de Msica da Universidade Federal da Bahia e a Escola de Msica Ocidental de Nova Delhi. Dirigiu o Departamento de Programao Internacional do Instituto Goethe de Munique, os institutos culturais da Repblica Federal da Alemanha em Nova Delhi, Goethe de Tquio e do Rio de Janeiro.http://www.atravez.org.br/ceem_1/terceiro_mundo.htm