Kriterion Sobre Adorno

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KRITERION REVISfA DE FILOSOFlA JANEIRO A JULHO/92 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIêNCIAS HUMANAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS 85 NúMERO ESPECIAL SOBRE THEODOR W. ADORNO Rodrigo A. Paiva Duarte (organizador) Da FlIosof18 da Música 11 Música da FUosofut: Uma Intt'l'pretaç.llo do Itinerl1rio FikJsóf"lCO de T. W. Adorno, Rodrigo A. P. Duarte - Estilo Musical da Liberdade, Leopoldo Waizbort - Subjetividade e o Novo na Arte: Rt'flexõtos 11 partir de AdwlIO, Marco Heleno Barreto _ Anotações acerca da Relaçio entre filosofia Concreta e FilosofUl Esp«ulatin na Obra de T. W. Adomo, Ricardo Musse - Da Dialética do Esclarecimento la Teoria &titica: Algumas Questões, Marcos Nobre - Arquitetura Moderna: Paradoxos de uma Utopia Instrumental a partir de Adorno, Silke Kapp Elogio deArthur V. Ve8ôso, Fundador da Revista Krittrion, José Henrique.gantos

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KRITERIONREVISfADEFILOSOFlA JANEIRO A JULHO/92

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA FACULDADE DE FILOSOFIA ECIêNCIAS HUMANAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

85NúMERO ESPECIAL SOBRETHEODOR W. ADORNO

Rodrigo A. PaivaDuarte (organizador)

Da FlIosof18 da Música 11 Músicada FUosofut: Uma Intt'l'pretaç.llo do Itinerl1rioFikJsóf"lCO de T. W. Adorno, Rodrigo A. P. Duarte - Estilo Musical da

Liberdade, Leopoldo Waizbort - Subjetividade e o Novo na Arte: Rt'flexõtos 11partir de AdwlIO, Marco Heleno Barreto _Anotações acerca da Relaçio entre

filosofia Concreta e FilosofUl Esp«ulatin na Obra de T. W. Adomo, RicardoMusse - Da Dialética do Esclarecimento la Teoria &titica: Algumas Questões,Marcos Nobre - Arquitetura Moderna: Paradoxos de uma Utopia Instrumentala partir de Adorno, Silke Kapp

Elogio deArthur V. Ve8ôso, Fundador da Revista Krittrion, José Henrique.gantos

Kriterion
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KRITERION

REVISTA DE FILOSOFIA

CONSELHO EDITORIAL

Paulo Roberto MaTJlllli P\Qlo(Diretor)TellNl de SouzaBircJW (Vjçc-Di.retora)NcWlOD Bianoto de Souza (Rep. Docerge)LuciaRc,inI de lu CaN. (Rep. DocerJI.e)Man. Eupnil DilI de Olivein {Rep.Silb KIpp (Rep. Di&eâe)

CONSELHOCONSULTIVO

Alberto AnIooiIz:d (pUCMG)!enlo Pndo JWlior (UFSCu)Befllldito NUla (UFPA)Carto. Cimo Lima (UFRS)DagmarPedroIo (UFRS)Gerd 8ornhoim (UPRJ)Henrique cllludio doUma Va; (1S1)JUIlI» Mario aa,pebln (UNlCAMP)José Arthur GianDoai (CEBRAP)José Henrique s.cm. (UFMO)Luiz Alfredo GlIrcia-Raza (UFRJ)Marcelo Aquino (151)Marcelo Perine (151)Olinlo Pegoraro (UFRJ)Oswaldo Porehat de Anil PcRira da Silva (UNICAMPjRicardo Ribeiro Tem (USp)Sebastião Trogo (UFMG)SyJvio Ba,...ta de ViallM (UFMG)WalLer lolllé EvangelitCa (UFMO)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISREITORA: VaDu.. Guimarica Pinto

EvandoMim de Pula e SilYll

FACULDADE DE FILOSOFIA E CltNCIAS HUMANASDIRETOR: HUlo Perei1'll do AmaralVICE-DIRETORA: Muia Cecilia de R. Con1bat Stortini

DEPARTAMENTO DE FIWSOFIACHEFE: FrancillÇo X.vier Herrero &tinSECRETÁRIO DA REVISTA: Paulo SarI;

Faculdade de F'dosor.. e Ciênciu Humanas da UFMG

Av. Antônio Carlos, 6627 - sala 4043 - Campus Universitário - ParnpulhaCaixa Postal 253 - Belo Honaonte- Minas Gerais - Brasil

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KRITERIONREVISTA DE FILOSOFIA

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KRITERIONREVISTA DE FILOSOFIA

Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia eCiências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais

VOLUME XXXIII

N° 85 janeiro ajulho/l992

KR.rrERION a,HORIZONTE v ,XXXIII N° 85 p. 1_152 Janl92 a lLlI/92

Belo Horizonte Minas Gerais Brasil

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ApresentaçãoRodrigo Paiva Duarte (organizador)

Da Filosofia da Música à Música da Filosofia:Uma Interpretação do Itinerário FiJosófico deT. W. AdornoRodrigo A. P. Duarte

Estilo Musical da LiberdadeLeopoldo Waizbort

Subjetividade e o Novo na Arte: Renexões apartir de AdornoMarco Heleno Barreto . . . . . . . . . . .

Anotações acerca da Relação entre FilosofiaConcreta e Ftloscfla Especulativa na Obrade T. W. AdornoRicardo Musse

SUMARIO

· 7

... 9

· . . . . . .31

· ..... .49

..... 59

. . . . . . . . .71

FICHA CATALOGRÁFICA Da Dialética do Esclarecimento à Teoria Estética:Alguma.'! QuestõesMarcos Nobre

Kriterion, Revista de Filosofia, v. 1 - , 1947 - BeloHorizonte, Departamento de Filosofia da Faculdadede Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.

Arquitetura Moderna: Paradoxos de umaUtopia Instrumental a partir de AdornoSilke Karr . . . . . . . . . . . . . . . ........ 89

Teses Der d'daen l . S no Departamento de FilosofiaFAFICH/UFMG .............

v. ilust. 23 em. semestral

Título anterior: Kriterion, Revista da Faculdade deFilosofia da Universidade de Minas Gerais.

I. Filosofia - Periódicos

cooCOU

Elogio de Arthur Versiani Vellôso,Fundador da Revista KriterionJosé Henrique Santos

Resenha.1. 109

131

· ..... 137

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Apresentação

1\ r<xeçll;ão do trabalho filosófico da chamada "Escola de Frankfurt"no Brasil tem se dado de formaaté certo ponto anômala, pois, enquantoMarcuse experimentou entre nós seus dias de glória ainda nos anossessenta e setenta, Benjamin e Habermas desde inícios dos anos oitentasuscitam grande interesse, Theodor W. Adorno - considerado pormuitos intérpretes a figura-síntese da escola - tem sido relegado a umaínequrvoca posição secundária, a ponto de não se ter publicado no país,até o presente momento, sequer uma única obra totalmente dedicada aofilosofo. Isso, longe de depor contra a importância intrínseca da obrade Adorno, é, antes, um sintoma de precariedade da produção filosóficabrasileira, pois não apenas na Alemanha, onde a bibliografia secundáriasobre o filósofo jã é quantitativa e qualitativamente vultosa, mas tambémna França, Itália, Inglaterra e Estados Unidos tem-se produzidocomentários significativos e abordagens frutíferas da versão adornianada "teoria crítica".

Este número especial da Revista Kruéríon, totalmente dedicado aTheodoj- W. Adorno - que completaria em 1993 noventa anos, seestivesse vivo - pretende ser o início do resgate de uma divida que a

filosófica brasileira tem para com esse importante pensadorda contemporaneidade.

A tarefa de organizar este número foi, em certa medida, extremamenteárdua, pois a princípio não se sabia ao certo nem mesmo como começar:inexiste no Brasil uma figura referencial de interpretação da obra deAdorno, tal como, na França, há um Marc Jimenez, na Itália, um CarlaPetazzi nos Estados Unidos, um Martin lay ou mesmo uma SusanBuck-Moors. Incentivando-se pós-graduandos locais de inequívocos

e competência e informando-se junto a colegas de outros centrosunl.versilárins importantes do país, chegou-se a esse conjunto de seis

o qual se revela um excelente começo de uma pesquisa filosóficahraslleira - de alto nível - sobre Adorno.

estabelecer nesse conjunto uma interessante complemen-lanJade ten re os textos, de modo que, em dois deles (no meu próprioe no Leopoldo Waizhort) aborda-se a relação entre idéias filosóficasc" mUSIcaIS no fihísot(). No de Marco Heleno Barreto explicitam-se

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articulações internas da Teoria Estética; no de Ricardo Musse,se uma competente elucidação de obscuros aportes da metagnoseologíaadorníaoa, expressa principalmente em DiaIétic.a Negativa; no deMarcos Nobre, investiga-se o caminho percorrido .Adorno daredação da Dialética do Esclarecimento à concepção da malhaconceitual da Teoria Estética e da Dialética Negativa. Finalmente, oinstigante texto de Silke Kapp procura mostrar a f:cundidade obraestética adorniana para a correta compreensao da arquiteturacontemporânea em todos os seus desdobramentos.

Com isso, acredita-se estar propiciando uma boa oportunidade, para_oleitor brasileiro de se familiarizar com esse importante filósofo alemãocontemporâneo: pelo que sou imensamente grato à daKrirenon pelo apoio prestado na edição do presente numero especial.

Belo Horizonte, julho de 1992

Rodrigo A.P. Duarte

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Da Filosofia da Música à Música da FilosofiaUma interpretação do Itinerário Filosófico de

Theodor W. Adorno

Rodrigo A.P. Duarte

R",umoEste anigo parte do idéia de que o pomo de vis/a corrente sobre areloçiJo enJre a "Dialética do Esclarecimenlo" e a ·Filosofiada NovaMúsica" - segundo o qual essa úlJima seria um da -é limiloda peloft1lo de a rtflex/Jofilos6fica de Adorno sobre a mdsicater se iniciodo aItles da redaçõo do obra prodUlida em conjunto comMax Horkhdnwr. lendo alé mamo inJIuenciatJo-a decisivamente. Emvista disso, pretendo demonstrar que a abordagemfilos6jica da músicaperpassa todo o desenvolvimento inulectllal de Adorno, lendo tambémdetenninodo algumas das idéias centrais de suas principais obras damaJuridade - a "DioJitica Negativa" e a "Teoria Estética ",

Aõstraa

This article starts from lhe idea lha! lhe currem point of view on lherelationship between lhe Dialectics of Enlightenment aod thePhilosopby of Modem Music - according to which me lauer ís anexcursus oftheformer - ís tímuedby thefoa thatAdorno'sphilosophicaJreflection emmusic has begun before lhe writing o/the workhe producedtogether wilh Max Horkheimer, and has even inJluenced it decisiveiy.I then artempt toshow thar the philosophicaJ approach to musicpervadesfrom beginning to the end Adorno's intelectual career, having

also some of the central ideas of his two main wooo ofmaturuy - Negative Dialectics and Aesthetical Theory.

dSedimentou-se , no público interessado, a convicção de que a Fuosotiaa Nova M' . ...J...._ ussca - obra de Adorno em tomo da qual se aglutinam suasreflexoes sobre Música, tanlo anteriores quanto posterioresfi.é aplicação competente, ti situação da criação mosícal, da idéian. da Dialética do Esclarecimento segundo a qual a

rdclOnalJdaded . do .' .da I cmma Ta da natureza assiste ao prolongamento, no seroI cu da ameaçadora inconsciência da natureza, em relação à quale a um la com.... . _ .......ou a se contrapor. Tal convacçao fOI reforçada pelo

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próprio Adorno, quando, no prefácio à Filosofia da Nova Música, eledeclara que "o livro poderia ser tomado como um excurso estendido da'Dialética do Esclarecimento'"'. Entretanto, sem querer simplesmentederrubar um ponto de vista que, no fundo, parece até mesmo óbvio, eugostaria de chamar a atenção, neste artigo, para o fato de que, emAdorno, a reflexão sobre a música - inclusive a filosófica - parece terfeito uma carreira independente ao longo do desenvolvimento do seupensamento, chegando mesmo a influenciar fortemente a sua concepçãosuí generis de Filosofia. expressa principalmente nas obras de:maturidade Dialética Negativa e Teoria Estética.

Dessa forma, acredito que a idéia da Filosofia de Nova Música comoexcurso à Dialética do Bsclarecimauo procede somente num sentidomuito específico, a saber, na explicação e extensão a todos os âmbitosda experiência tardo-capitalista, daquele princípio supra mencionado,o qual indubitavelmente se encontrava latente nos escritos adornianossobre música dos finais dos anos trinta. Tais escritos da são em largamedida entecipadores das principais intuições da Dialética doEsclarecimento (terminada em 1944), sobretudo do famoso capítulosobre a indústria cultural. Dentre esses escritos, parecem-me maissignificativos em seu caráter antecipatório "Sobre Jazz" (1936-7) e"Sobre o Fetichismo na Música e a Regressão da Audição" 1938t

No texto "Sobre Jazz", destacam-se, para além da impiedosa análisecrítica dos pressupostos musicais do gênero, vários tópicos queprefiguram famosas incursões da Dialética do Esclarecimento.Primeiramente, o caráter simultaneamente pudico e desavergonhadodos produtos da i.ndústria cultural (com uma conotação essencialmenterepressiva, ao contrário da dialética da libido numa obra de arteautêntica): "O momento sexual do Jazz é também, pois, aquele em quese integrou o ódio dos grupos ascéticos pequeno-burgueses" (OS 17, 94cf. DA 162). Em segundo lugar, aponta-se a figura do palhaço - oriundadasquermesses e dos circos - simbolizando aquele, "cuja imediatidadeanárquica e arcaica não se submete à vida burguesa reificada" (GSI7,

PhiloBophle der neuen Musik. Frankfurt IM), Suhrkamp. 1985. p.f t , Opróprio autor deste artigo já tez dessa idéia a tese de um texto antariorpublica60 na Rellista Kritérion {79180, julho 87 11 junho 881.

2 "Sobre Jazz". In; Gesemmelte Schriftan 17. Frenkfurt IMI. Suhrkamp,1982. "Sobre o Fetichismo na Música e a Regressão dI! Audição". In;Dissonanzen. Musik in dar verwaltaten walt. Gõttingen, Vendenhoeck &Ruprecht, 1982. A partir daqui, aa rafarlncias bibliográficlJs serão dadaspor sigllls,de uso corrente, cujo significado se encontre junto à referênciacompleta de cada uma delas na bibliografia.

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97 cf DA 159), como ponto de partida para a produção do que Adornochamou de "Jazz-Subjekt" ou "excêntrico" (8 imagem do indivíduo nomundo administrado - síntese de impotência, ódio, subserviência eressentimento). Ligada a essa caracterização se encontra a denúncia dasíncope - principal característica rítmica do Jazz - como o es-tabdecimento universal da resignação diante do próprio tropeço:

A síncope não é [no Jazz/rd), como sua contrapar-tida beethoviniana, expressão de força subjetivarepresada, a qual se volta contra o estabelecido, atéque produza, a partir de sí própria, a nova lei ( ... )Através do ritmo, ou, mais precisamente, métricafundamental - modificada apenas pela acentuação -,obsessivamente mantidas desde o começo,rigorosamente obedecida segundo a medida dotempo, ela é relativamente, e, tendencialmente,novamente escarnecida como impotência: ela ex-pressa em igual medida, em obscura ambiguidade,o escárnio e o sofrimento dele advindo (GS17, 98cf. DA 176).

Como um quarto ponto antecipatório de abordagens importantes daDialética do Esclarecimento, destaca-se ainda a menção à relevância _

para a experiência estética - da unidade sintética da apercepçãocomo um momento constitutivo da subjetividade, o qual é

planejadamenre minado pela indústria cultural: o desempenho, que seespera do sujeito, de relacionar a diversidade sensível a conceitosfundamentais é tomado para si por uma equipe de produção (GSl7, 104cf. DA 145, 103).

Enquanto esse texto sobre Jazz antecipa elementos da Dialética doE..';c1arecimenro só na medida em que o seu tema específico o permiteobserva-se no outro texto mencionado, "Sobre o Fetichismo nae a da Audição", geeeralízeções que o aproximam ainda maisdas IdE fu oH .Ias ndarnentais da obra escrita conjuntamente com Maxorkhelme-. A primeira delas é a importância atribufda à dialética

uUlversall rti 1d . ICU ar I tanto num plano puramente estético (a supressão""da dla.lé!ICa - essencial à arte autônoma· na arte de massa), quantona escnç"" da o, - o I do o od . . SI uaçao socra indivfdao no chamado "mundoa ministrado" d o, on e o uníversal predomina absolutamente sobre seusmomentos part] I Iautô ICU ares, co ocando em questão a prõpría noção de sujeito

DOmo, talcomo a filosofia 00 passado concebeu (D 12cf, DA 148, 151).

Poder-se-ia destae béde • I ar tam m, no texto em questão, a ocorrência da idéiaesc arecim t .- en o com o mesmo sentido que se estabelecerá posterior-

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mente, relacionado à unilateralidade da razão instrumental; apenas elase restringe aqui à constatação da participação da arte - no caso, damúsica - no processo de dominação (do homem e da natureza), ao qualela pretende simultaneamente se contrapor. Tal constatação evidencia-se na seguinte passagem:

Os fermentos anti-mitológicos da música, herdadosda tradição, conjuram-se na era capitalista contra aliberdade, tal como um dia eles foram proscritospor seu parentesco com a mesma (D 12).

Ao lado de outras antecipações mais episódicas, como o relacionamentode meios de telecomunicações com momentos sócio-políticosespecíficos da história do capitalismo, segundo o qual o telefone seriaessencialmente "liberal" e o rádio "totalitário" (O 14 cf. DA 142),ocorrem outras que atingem o cerne das questões levantadas pelosautores na Dialética do Esclarecimento. Dentre elas encontra-se aredefinição do conceito marxista de fetichismo em termos da realidadecultural do capitalismo tardio: para Marx, o fetichismo da mercadoriaconsiste principalmente na fixação do caráter de imediatidade intrínsecoà mesma (responsável por sua potencialidade como valor de uso), deum modo tal que o sistema de mediações que constitui o seu fundamento(seu valor de troca, apontando, em última análise, para a exploraçãodo trabalho) simplesmente desaparece por um passe de magia ideológica(K, I, 86 ss.). A abordagem de Adorno no texto em questão fica bemcaracterizada da seguinte forma:

Certamente, o valor de troca se impõe no âmhitodos bens culturais de um modo particular. Pois esseâmbito aparece no mundo da mercadoria exata-mente como imune ao poder de troca, como umâmbito de imediatidade em relação aos bens, e essaaparência é aquilo somente a que os bens culturaisdevem novamente o seu valor de lroca (O 19 cf.DA 181 ss.).

Um outro elemento insistentemente apontado por Adomo e Horkheimerna Dialética do Esclarecimento é o caráter sadomasoquista dos produtosda indústria cultural, elemento esse que também já bavia sido intuídopor Adorno no texto sobreo fetichismo na mdsica: "a masoquista culturade massas é o fenômeno necessário da própria produção onipotente" (O21 cf. 39). Nesse sentido, as antecipações do texto em questão ex-trapolam as abordagens do capítulo sobre indústria cultural, para atingirem cheio a própria idéia da obra como um todo. De fato, identifica-sea denúncia do sadomasoquismo como um momento essencial ao

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esclarecimento, nas suas mais diversas manifestações: desde o compor-tamento obsessivo de Ulisses até a desvairada adesão do antlsemitismcque temperou o surgimento histórico do totalitarismo na Europa.

Além disso, a própria idéia de regressão, que aparece no título do texto,antecipa um momento essencial à Dialética do Esclarecimento, que seliga ao fato de o projeto iluminista de conferir maioridade li. espéciehumana ter fracassado, tendo lançado-a numa situação de sujeição tantomais complexa, pois não mais advinda de uma fatalidade natural, masda própria incapacidade hisrõrica do ser humano. Não é sem razão que,DO belo trecho da obra escrita em comum com Horkhelmer, ocorre oestabelecimento de uma relação entre a regressão e a incapacidadeauditiva:

A regressão das massas hoje é a incapacidade deouvir com os próprios ouvidos o inaudito, podertocar com as próprias mãos o intocado, é a novaforma de cegueira, que substitui toda outra, mítica,já vencida (DA 53-4).

Diante de tantas evidências de que ocorre de fato a tão insistentementeapontada antecipação, em textos anteriores de Adorno sobre música, deelementos importantes da Dialética do Esclarecimento, e até mesmo,pelo menos no que concerne à participação de Adorno na redaçãodaquela obra, uma tendência a uma exemplificação eminentementemusical das idéias centrais da mesma, fica-se tentado a relativizar o seupapel na formação mais interna da filosofia adomiana, assumindo tantoa música em si, quanto a forma peculiar de Adorno pensá-Ia - desde amais tenra idade , uma importância ímpar na constituição da mesma.Como estratégia para a consecução de tão diticil tarefa, partirei de umaexposição analítica de algumas idéias centrais da Filosofia da NovaMú.sica, dando ênfase naquelas colocações que • já em finais dos anosquarenta - antecipam sua concepção absolutamente original de filosofia.

seguida, pretendo examinar escritos adomianos, posteriores àFilosofia da Nova Música, procurando mostrar em que medida elesservem de ponte para a consolidação do conceito definitivo de filosofiaem Adorno, tal Como ocorre em Dialética Negativa e Teoria Estética.

Antes de mais nada, é preciso ter em mente o caráter de polarizaçãoa Filosofia da Nova Música possui em relação ao conjunto da obra

t.e sobretudo à sua parcela de escritos sobre música, masm - que se procurará mostrar aqui _no que concerneao restante.

esse sentido cabe u b - I idél ."., .. ma Tevemençao a a gumas I las aparecidas em

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escritos anteriores à redação da obra em questão, os quais elaboramconceitos centrais da mesma. No escrito "O Estilo Tardio deBeethoven" (1934), por exemplo, surge com força total a idéia - aquiaplicada exclusivamente à análise musical do último Beethoven,sobretudo de sua sonata opus 110 - de que um "correto" subjetivismo(relacionado ao medo da morte numa fase madura da vida) numaabordagem musical não exclui • até mesmo promove uma perfeitaobjetividade da obra (GSI7, 11). No escrito "Sobre Jazz", mencionadoacima em conexão com idéias da Dialética do Esclarecimento, Adornojá tinha claras para si conceituações que lhe permitiriam, na Filosofiada Nova Música, criticar duramente um compositor que se firmaracomo um dos mais importantes desse século: Igor Strawinsky (e, rorextensão. toda uma forma de escrever música inaugurada por ele). Aprimeira delas é a diferenciação entre uma tendência de desenvolvímen-to intramusical na linguagem sonora - característica do que Adornochama de "música radical" -, de uma outra "exteriorizante''. que,através do desrespeito pela temporal idade intrínseca da música, recainuma banalidade semelhante à da música de massa (0517, 76, 86). Aisso relacionada está a certeza, por parte de Adorno, da impossibilidadede uma sociedade emancipada se basear na "mera produção da puraimediatidade", ilusão ideológica, cuja simulação o Jazz e a maior p....arteda produção de Strawinsky possuem em comum (0517, 77). Tambéma fundamental questão sobre a temporal idade essencial da música - quese revelará crucial para o desenvolvimento posterior deste artigo - já é

intuída nesse texto, na caracterização do Jazz como fenômeno musical,no qual o tempo se encontra "em farrapos" (OSI7, 102).

Num outro texto anterior à redação da Filosofia da Nova Música, datadode 1930, "Reação e Progresso", ficam antecipadas duas idéias que semostrarão também centrais não apenas para a reflexão adorniana sobremúsica, mas para sua concepção da Estética em geral: a primeira delasé o conceito de "dialética do material", através do qual fica explicitadaa relação que a expressão subjetiva do artista possui para com a históriadaquele "métier", anterior a ele, a qual direciona a produção da obrade um modo que a supremacia de qualquer um dos polos - o subjetivoe o objetivo - sobre o outro determinaria um fracasso do resultado finalcomo arte (OSl7, 133 5S. cf. PM 42). A outra idéia fundamental dizrespeito a uma defesa intransigente do conceito de vanguarda nas artes,numa época em que, passados os primeiros "excessos" revolucionários,muitas linguagens artfsticas tendiam a retrocessos e "neoclassiclsmos"(GSI7, 138-9).

A Filosofia da Nova Mú.<;ica propriamente dita tem como base doislongos artigos • um sobre Schõnberg, outro sobre Strawinsky -precedidos de uma introdução sobre a situação da arte em geral, e da

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música nova em particular, à época (meados J,lS aROS quarenta). Adornoprocede dessa maneira procurando contrapor o que ele considera os doiscaminhos opostos nos procedimentos de composição musical: umSchõnberg marcado por uma aposta no trabalho com a subjetividade{nâo s6 no período expressionista, mas também no dodecatõnico) e umStrawinsky procurando estabelecer uma escrita musical que se pretendiaolljetiva (tanto na fase "primitivista" do Socre áu Printemps, quanto naneoclássica posterior).

o caráter de esclarecimento, entretanto, é atribufdo exclusivamente àvertente protagonizada por Schõnberg, já que a superação da tonalidadena música é um processo paralelo à supressão da figuratividade nas artesvisuais, sendo que ambas podem ser consideradas uma espiritualizaçãoprogressiva nas artes em geral. Dentro desse marco, o estabelecimentoda técnica dodecafõnica por Scbônberg durante a década de 1910enquadra-se perfeitamente no processo geral da AujkItirung, que, namúsica, expressou-se historicamente em outros acontecimentos excep-cionais, como, por exemplo, a exata e consciente exploração da escalatemperada por J.S. Bach. no seco XVIII, ao que se relaciona osupra-mencionado "fermento anti-mitoI6gico" da música (cf. PM 67-8).

A música de Schõnberg, já à época de sua fase expressionista, sig-nificava a recusa de muitos elementos mitol6gicos, de natureza formale conteudfstica, que impregnavam a tradição alemã anterior. No planodo conteúdo, o império da mitologia germânica, cujo exemplo acabadoera o percurso wagneriano. No âmbito formal, destaca-se uma tendênciaao "jogo" (Spiel), característica da música burguesa tardia.

Ligada a essa concepção de jogo - espécie de arbitrariedade, depossibilidade de que um construto seja totalmente diferente do que é -

a de "aparência" (Schein): simulação congênita que a arterealiza quase que por definição, exacerbando-se em momentos nos quaisela se afasta de sua tarefa de persecução da verdade e se degenera em

Para Adorno, o momento da expresslJo no períodoscnõnbergutano voltado para a aronalldade livre é bastante ilustrativoda. forma como o compositor vienense continua a tradição da mdslcaocidental polemizando, por outro lado contra seus momentosIdeológicos de t . d '. -<,. v uen re os quais se estaca a mencionada exacerbação doJch('Jn:

A música dramãtica, enquanto verdadeira músicaficta apresentou, de Monteverdi a Verdi, aexpressão como estilizada-mediada, comoaparência das paixões (...). Muito diferente emSchõnberg. O momento propriamente

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revolucionário nele é a mudança lk função daexpressão musical. Paixões não são maissimuladas. mas DO medium da música são clara-mente registrados estCmulos corpóreos do incons-ciente, choques e traumas (PM 44).

Em outras palavras, o enfrentamento estético da questãosionalidade da psique a partir do trabalho com a expressao musical,longe de se constituir Dumconjunto de elocubrações vazias, avança nosentido do resgate de uma possível objetividade, o que não se consumaapenas por razões de ordem histórica • a de.a artecumprir sua promesse dll bonheur num mundo administrado. Vaisentido a declaração de Adorno, segundo a qual, "não o compositorfalha na obra: a história interdita a obra" (PM 96).

Esses problemas de ordem histórica manifestam-se, no desenvolvimen-to da obra compositiva de Schõnberg, pela passagem. da. daatonolidade livre - considerada por Adorno como a mais dialética eemancipatória • no período subseqüente, marcado pela formulação dododecafonismo. Adorno sugere que aqui ainda se conserva, pelo menosparcialmente, o ideal de resistência da suhjetividade diante de I

mundo que a ameaça constante e maciçamente. Ma:> a forma especl.fi:acom a qual a técnica dodecafônica combate o Schetn - sua transposiçaopara a música do operar específico do sujeito dominador da natureza -,expree..sa na sua absoluta precisão, a qual não cede qualquer espaço àaparência estética, determina sua transformação naquilo .ospositlvismos entendem como "ciência" apenas transposto lin-guagem puramente sonora. E aqui reside a Dia/ética dono que Adorno denominou "música radical": a sua recusaà "empiria" musical (música de massa e manifestações regressivas namúsica erudita) leva a um tipo de ermjecimento , que, O::ITI últimainstância, se encontra na base da situação de reificação peculiar a issoque se está chamando de empiria musical.

Tal constatação, à primeira vista colocada de modo extremamentegenérico, é, na verdade, desenvolvida por Adorno a partir de umaanálise em separado de cada um dos parâmetros musicais, antes e depoisdo estabelecimento da técnica dodecafônica. A melodia, por exemplo,que na música tonal grandemente aodirecionamento harmõnlco, emancipa-se pela atonahdade livre.Posteriormente. enquadrada numa série de doze sons, ela perde a suaforça de direcionamento da hannonia e cai vítima do domínio do ritmo(PM 71 ss.).

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No que conceme à harmonia, constata-se, no aJ, um novo vigor, uma vez que surtem efeito as leis daquilo que

chamou de harmônica complementar, ou seja, sons pura-mente virtuais que, de fato, não comparecem à série dodecafônica,sendo produzidos pela tendência do ouvido musicalmente experimen-tado de "completar" a harmonia real com a inclusão do seu intervalo

Ao mesmo tempo, há uma tendência dessa harmônical'ornplementar ser suprimida em virtude de não existir, no dodecafonis-mo, uma autêntica independência da dimensão vertical com relação àhorizontal. o que seria um pressuposto para a existência dalJlele efeito(PM 80 ss.).

o colorido tonal - tão importante nas fases anteriores (tonal e atonal)de Schõnberg - ganha, por sua parte, relevância na medida em que atécnica dodecafônica procura transpor nele a riqueza da estruturacomposicional. Mas ele perde cada vez terreno para essa, sendofinalmente suprimida a característica de dimensão sonora produtiva quelhe conferira a fase expressionista do compositor (PM 85 ss.).

No que tange ao contraponto, constata-se, em primeiro lugar, que desdea Idade Média nunca chegou a se cristalizar um estilo tão genuinamentecontrapontístico como o dodecafonismo, dispondo ainda de meiostécnicos mais poderosos do que a polifonia. Mas a supra-mencionadaaporia harmônica aparece também no contraponto dodecafônico, umavez que a libertação da coerção externa da harmonia pré-existente deixaa unidade das vozes se desenvolver unicamente a partir de sua diver-sidade, sem elemento de ligação dado pelo "parentesco" vertical-

Com isso, os meios contrapontísticos clássicos - aímttatõrica e a canônica - ficam reduzidos a pura repetição, tautologia(PM 88 ss.).

suma, o estabelecimento da técrúca dodecafônlca, ainda que deter-minado por tendências intrínsecas do material musical levou a

contemporânea a uma série de problemas estruturais deI Icil equacionamento o que segundo Adorno atesta a dificuldade dese d' " ,.uztr arte responsável, de qualidade, num mundo dominado pelovapitahsmn monopolista, cuja expressão mais típica no plano da super-estrutura é a l d' . .na com .' -,_o ustna O fato de Adorno apontar tats problemassé I posição de Scbõnberg - um dos maiores compositores desseI c.u da maior admiração por parte do fllõsofo . não deveeVar alsa Im - d .d. I' pressão e que teria sido melhor não apostar no progressoa mêuagem musl I teld ,... .tes a ela. A . '. .o, e,!, ultima instância, por fatoresde St . ISSO se liga a justificativa dada por Adorno para a colocaçao

rawtnskç como antípoda de Schõnberg:

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o modo de procedimento de Strawínsky, polar-mente contraposto, impôs-se à interpretação, nâosimplesmente por sua aceitação pelo público e porseu nível compositivo (... ), mas sobretudo.também, para interditar a confortável saída, segun-do a qual, se o progresso conseqüente da músicaleva a antinomias, seria de se esperar algo darestauração do que já foi. da revogação auto-ccns-ciente da ratio musical (PM 10).

Nesse sentido, Adorno procura deixar claro que o caminho trilhado porStrawinsky, o da pretensão a uma espécie de objetividade musical,também leva a antinomias. A mais gritante delas é o fato de' asubjetividade reprimida eclodir involuntariamente na composição, como agravante de se manifestar como formas propriamente patológicas.esquizofrênicas. Dito de um modo geral, isso se traduz num "infantilis-mo", do qual padece também a música de massa, à qual, como St'mencionou acima, Adorno chega a associar a composição deStrawinsky, onde o desenvolvimento é substituído pela pura e simplesrepetição. Isso Adorno caracteriza como uma forma de regressão, nosentido que o texto supra analisado consagrou, ou seja associado a essetraço típico da indústria cultural que é o sadomasoquismo. Nesse caso,ele está relacionado à recusa em levar adiante o desenvolvimento dalinguagem musical, coincidindo com a renúncia ao objeto do desejo,um recuo diante da ameaça de castração pela instância opressora, coma qual, DO entanto, o oprimido vem a se identificar. Daí o prazersadomasoquista na própria dissolução do Eu, expresso numa escritamusical "purificada" de elementos subjetivos, expressivos. Uma outratangência da música de Strawinsky com a de massa é o gosto pelacitação, a tendência a escrever "música sobre música", onde: areferência recorrente a um material externo aponta para um reconhe-cimento quase patol6gico da autoridade constituída, que pode, eventual-mente, se transformar em fúria, a qual se expressa na explosão deagressividade em alguns momentos da composição srrawinskyana.

Essa evocação constante do já existente indica também, segundoAdorno, a busca, para a música, de um referencial extra-musical, ligadoprincipalmente à pintura, onde o caráter de temporalidade que confereàquela arte sua natureza intrinsecamente subjetiva é tendencialmentesuhstitufdo por outro· espacial -, onde a música se descaracterize e setorna servil a outros gêneros artísticos (Adorno analisa essa servidãoprincipalmente no que tange à pintura e à dança . PM 174 ss.).

Relacionado com essa crítica ao que Adorno chama de "pseudomortose"da música em pintura, está o estabelecimento da distinção entre os tipos

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<tuJilivos "espácio-rítmico" e "dinâmico-expressivo". O primeiro *

-obretudo se exacerbado como em Strawinsky - corporifica a recusa emfrente o problema da temporal idade na mãsica, fundamental,

como já se assinalou aqui, para uma auto-consciência critica da sub-jdividade enquanto instância de resistência contra a totalização socialem curso DO capitalismo tardio. O segundo tipo auditivo, o "dinâmico-expressivo·, mesmo não conseguindo se eximir completamente dasinvestidas do mundo administrado, logra - como, segundo Adorno, amúsica de Scoonberg, inclusive na fase dodecafêníca M erguer um diquecontra a barbárie em ascensão (PM J12), tomando-se, com isso,deposibirio das esperanças no surgimento de uma verdadeirahumanidade.

Tais questões, colocadas na Filosofia da Nova Música, são retomadasem textos posteriores de Adorno, a cuja análise passamos a seguir.

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A defesa intransigente e apaixonada. por Adorno, de uma atinênciaaparentemente absoluta da música ao seu referencial de temporalldadechegou a despertar em alguns críticos fortes suspeitas de que o filósofoeslava a defender uma concepção ultrapassada de obra musical, já quena contemporaneidade tomara-se fato comum o cruzamento de elemen-tos oriundos de várias artes numa só expressão artística (já no Dadaísmoe, posteriormente, em diversas manifestações da vanguarda, no pés-guerra). Tendo possivelmente em vista a supressão de mal-entendidosa esse respeito, Adorno trabalhou em dois textos posteriores a relaçãoentre música e pintura: "Sobre a Relação de Pintura e Ml1sica Hoje"(ca. 1950) e "Sobre Algumas Relações entre Música e Pintura" (1965).

No texto mais antigo, destaca-se o reconhecimento, por parte deAdorno, do quão frutífera é, tanto para a pintura quanto para a música,a aproXimação recíproca de ambas as artes. Reconhecím snrc esse

pelo fil6sofo com recurso à cooperação entre músicos eprntort's ligados ao Expressionismo:

o programático Blaue Reiter de Klee, Mace eKandinsky continha música de Schõnberg, Berg eWebem. As pr6prias fronteiras dos talentos já nãoforam respeitadas. Schõnberg - exatamente na fasedecisivamente revolucionária do seu desenvol-vimento - pintou com significativa aptidão, e seusquadros deixam entrever o mesmo duplo caráter deforça de expressão e dureza objetiva, que suamúsica preserva. ( ... ) Entre os compositores mais

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jovens, Rerg e Hindemith possuíam um talentoespecificamente ótico, e Berg - amigo de Loos eKokoschka • gostava de dizer de si que ele poderiater se tornado arquiteto tanto quanto compositor(GSI8,141).

Entretanto, Adorno continua a considerar indesejável para ambas asartes aquilo que ele chamara de "pseudomorfuse" de uma na outra, àépoca da Filosofia da Nova Mú.\'jÚI. Ela implica numa relação dedependência de uma para com a outra, a qual é particularmente gravee sintomática no caso da dependência da música para com a pintura. jáque - como se sabe - a supressão da dimensão temporal na consciênciacoincide com o estado da mais absoluta relflcacão da mesma. É precisoque se tenha claro, entretanto, que não se trata de advogar aqui umaespécie de "superioridade" da música com relação às outras artes. Pelocontrário, Adorno procura identificar na pintura uma força específicade absorção que é, na verdade, apenas coopiada pelo mundo ad-ministrado. Ela se liga ao fato de "a pintura recair num ordenarprimordial do mundo administrado. Ela se liga ao fato de "a pinturarecair num ordenar primordial do mundo externo, especial, humana-mente dominado, na continuidade dos elementos racionais, romano-civilizatórios, do Ocidente; mais do que a música, que, para o bem oupara o mal, contém em si algo inefável, caõtico. mítico" (GSIS, 143)_Isso explica a "vitória" da pintura num mundo de crescenteracionalização como o da civilização moderna européia, desde aRenascença até nossos dias. Explica também porque essa vitória seconsolidou principalmente na França - bastião de boa parte desseprocesso civilizatório, iluminista -, onde a pintura se tornou umareferência à qual tendiam as oulras artes, principalmente a música,"cujas forças produtivas (... ) não se encontravam tão desenvolvidasquanto na Alemanha" (idem cf PM)3. Daí se segue que, mesmo amelhor música feita na França - sobretudo desde finais do séculopassado - é, de alguma forma "espacial". O exemplo preferido deAdorno refere-se a ninguém menos que Debussy: "suas peças, rara-mente extensas, não conhecem em si qualquer caminhar. Elas são, emcerto sentido, subtraídas ao fluxo temporal. estáticas, espaciais" (idemcf PM 172 ss.). Tal direcionamento dehussyniano não chega a serintrinsecamente problemático, contigurando apenas a consolidação de

3 I: interessante observar, a esse respaito, que Adorno chama a atençãoparll a tendência a acontacar, no canário cultural teuto, umapeeudomortoee, no sentido invarso à que SIlU deu ne França:"POssiVlllmllntll a pintura de Kokoschka, na Austna, executa umapseudomorfose à música, como no oeste a música à pintura" (GS 18, 148).

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"rtualiJaJc na organização do material sonoro, a qual. por suaIIJIla VI d . da '" ..lft"'_ L: 16 . Oé conseqüência de uma etermma pecu sencace mS rica.nrobl ma começa a se manifestar quando tal direcionamento atinge,pro e identif Debucom Str....winsky, o fim daquilo que Adorno I enn cou em ssycomo "bergsonismo musical (preservação de uma lemporalidade sub-idiva diante da reificaçâo do tempo cronológico - cf. PM 176):

Strawinsky tomou exatamente essa intenção deDd:lUSSY. S6 que ele eliminouo elemento flutuante.em si mesmo mediado, da música debussyana, aomesmo tempo o último vestígio do sujeito musical(GSI8, 144),

Existe uma certa relação de complementaridade dasquestões colocadasnesse texto com as daquele posterior. "Sobre algumas Relações entreMúsica e Pintura". na medida em que, nesse, Adorno esclarece que ocaráter de temporalidade da música não é algo dado a: priori, mas umprohlema com o qual ela tem que se defrontar. se quiser se aproximardaquilo que lhe é mais essencial:

O óbvio, que a música seja uma arte temporal, quedecorra no tempo, significa num duplo entendimen-to, que o tempo não lhe seja óbvio, que ela o tenhacomo um problema (...) Ela deve, por outro lado,dar conta do tempo, não se perder nele; deve sebifurcar com relação ao seu fluxo vazio (GS16, 628).

A temporafidade da música é, portanto, a prova dos nove no que tangeao desafio da reifícação, entendida exatamente como o seu contrário,ao qual aquela está constantemente ameaçada de retomar. na medidaem que não se der conta de si mesma. Tal dialética, interna à música,ocorre - à sua maneira - também na pintura, uma vez que ela é "arte<:',spaciaJ. enquanto tratamento do espaço, sua dinamização e negação"{idem). Que essa dinamização tenha introduzido paulatinamente nahistória da pintura um elemento de temporalidade, aponta para atendência de uma certa convergência das artes na época contemporânea.I) que não autoriza, em hipótese alguma. a pseudomorfose de um gêneronooutro (OS16, 629). Poder-se-ia argumemer que o desejável eaccsarcdas.artes . excluída a hipótese de um Gesamtkun.'ttwerk wagneriano,deVido ao seu anacronismo pode de fato ocorrer em virtude tanto dessegérm:n de temporatidade latente na pintura quanto de um outro, deespa lida 'era I de, latente na música. Naquela, o tempo é responsével por

tensão entre os elementos espacialmente dispostos DO quadro,c\lja importância é crescente na história da pintura. vindo a

exp odlr na contemporaneidade (principalmente no Cubismo, no

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Futurismoe, de modo menos evidente, em outras correntes importantes.como o expressionismo, por exemplo). Na música. o elemento deespacialidade -tomado corriqueiro, hoje, pela própria disposiçãodos instrumentos ou grupos instrumentais num palco - veio a se explicar,de modo embrionário, também tardiamente, no momento histórico emque a escrita musical, aprisionando a música no papel, a "territorializa" .

A representação gráfica nunca é, pois, mero signopara a música, mas sempre também assemelhada aela como o foram um dia os neumas. Contraria-mente, a insistente objetividade da pintura, que sótarde - e não acima de qualquer dúvida - toisuprimida, é de se pensar somente em relação aotempo (GSI6. 632).

Entretanto, os supra-mencionados gérmens de temporalidade e deespacialidade, latentes à pintura e à música respectivamente. não sãosuficientes para, por si só, determinarem uma convergência sadia dessasartes imune à indesejável pseudornorfose: Adorno argumenta - no textomais' antigo sobre a relação pintura/música - que a espacial idadepintura permanece-lhe inerente mesmo naquelas correntes naofigurativas ou abstratas (OSI8, 145), assim como e11: insistiu. desde aFilosofia da Nova Música, qUI: a exacerbação da diml:Dsao espacialtendencialmente nulifica a organização do material sonoro (intrinscca-mente temporal), já que a "música é, de antemão, livre de qualquerliame à objetividade (Gegl'nsUindlichkeilr (idem).

A questão da aproximação entre pintura e música é, portanto, encaradapor Adorno de um modo que foge à solução fácil da pseudomorfose,procurando na essência de amhas um elemento primordial que lhes sejacomum: "Se pintura e música não convergem mediante semelhança,então elas se encontram num terceiro: ambas são linguagem" (OSI6,633). Eo termo linguagem aqui tem um significado bastante específico,benjaminiano, que rejeita o momento narrativo, comunicativo, imi-tativo da mesma, concentrando-se na sua imanência, a qual necessaria-mente coloca um elemento de enigma, peculiar também a toda a artecontemporânea significativa.

A explicitação dessa relações entre arte - mais especificamente. entremúsica - e linguagem nos levará à consideração mais próxima daquiloque é o ponto principal deste artigo: o papel da música no conceitoedorniano de Filosofia. Um elo fundamental para tanto é o texto"Fragmento sobre Música e Linguagem" (1956), no qual Adornocomeça indicando a ambiguidade da consideração da música cornolinguagem;

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Música é semelhante à linguagem. Expressõescomo idioma musical, intonação musical, não sãometáforas. Mas música não é linguagem. Suasemelhança à linguagem indica o caminho para ointerno. mas também ao vago. Quem toma a músicaliteralmente por linguagem a leva ao engano(GSI6,251).

LIIl1 dos elementos diferenciadores mais relevantes da musrca comrda"ão à linguagem em geral é a inexistência. naquela, de conceitos no

estrito do lermo. Sua semelhança à linguagem ocorre, entretan-to, por má) de uma espécie de proto-conceltos. chamados por Adornode "yocáhulos", elementos não passíveis de definição propriamentedita, e, que, no entanto, ganham sentido no seu relacionamento com atotalidade em questão (uma obra musical, por exemplo). Tais elementosnão são, de modo algum, independentes da evolução histórica dalinguagem musical: Adorno chama a atenção para o fato de que, emalguns séculos de império da tonalidade, tais vocábulos da músicacristalizarem-se, por seu uso repelido, numa espécie de segundanatureza, contra cujo caráter de ideologia volta-se a composiçãocontemporânea radical; "Hoje, a relação entre linguagem e músicatornou-se crítica" (GSI6, 252).

o caráter de ideologia mencionado acima se manifesta principalmentena tendência a se tomar a música como uma linguagem no sentido estritodo termo, enquanto, na verdade, a expressão de um conteúdo nela seJá apenas ao preço de toda e qualquer inequivocidade (GS16, 252-3).A música se aproxima da linguagem naquele sentido henjaminiano, jáevocado aqui, de uma construção enigmática, cujo objetivo não é. emabsoluto, a comunicação de um conteúdo:

Em relação à linguagem significante, a música éuma linguagem totalmente de outro tipo. Nelereside o seu aspecto teológico. O que ela dez é,enquanto aparente, simultaneamente c1eIerminadoe oculto. Sua idéia é a figura do nome divino. Elaé prece desmitologizada,liherta da magiado efeito;a tentativa humana, como sempre, em vão, demencionar o nome, não de comunicar significados(GSI6.252).

Toda linguagUma es " em, na v:rdade, teria a comunicação de significados comoque s',gi>écfile de sucedâneo à sua impossibilidade de dizer o absoluto, oI' .dimensâ I' u ras pa avras, que a linguagem em geral poSSUI uma

o atente, subterrânea, cuja explicitação depende de uma correta

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jnterpretaçâo. E isso porque o ahsoluto gostaria de ser dito na linguagemsignificante de modo mediato, discursivo, sem que i.sso venha jamaispropriamente a acontecer. Na música, ao contrãno, o absoluto éimediatamente atingido, sem que se possa retê-lo: "no mesmo instanteele se obscurece, assim como a luz extra-forte cega a visão, a qual nãoconsegue mais ver o que é totalmente visível" (GSI6 254). Daí anecessidade de interpretação tamhém no âmbito da música; só quenessa, diferentemente da linguagem em geral, cuja interpretação coin-cide com a compreensão, o interpretar significa execução (Vollzug),praxis, entendida num sentido mais jntelectual e filosófico do que amaioria dos músicos normalmente realiza (CiSlb, 253).

Dessa forma, para Adorno, entender corretamente a música comolinguagem é reconhecer os momentos de real proximidade entre uma eoutra denunciando o elemento ideológico implfcito na sedimentação dosistema tonal como "a linguagem" musical por excelência, já que setrata de um idioma sonoro estabelecido. Isso aproxima a prática de umacomposição musical contemporânea. radical, de uma igual-mente concernida com a problemática humana - presente e futura, oque nos leva à consideração da concepo.;ão adorniana de filosofia,sobretudo àquela de sua maturidade.

Um elo importante na perseguição desse objetivo é o texto "Sobre aRelação Atual entre Filosofia e Música" (1953), onde algumas idéiascolocadas sobre o relacionamento entre música e linguagem discursivamostram-se extensíveis à problemática daquele entre música e filosofia.Destaca-se aqui a explicação da especificidade: da música, no queconceme ao seu caráter enigmático, tanto com relação à linguagem emgeral, quanto com relação à pintura. O caráter de enigma é reforçadona música em virtude de sua exclusão do mundo material - espacial -ser muito mais profunda do que na linguagem significante, que deter-mina conceitualmente sua relação a ele, e na pintura, cuja pertença aomundo é visualmente determinada (mesmo na arte abstrata}. D<:ssaforma, em ambas, o caráter de enigma existe como uma dimensão - emmaior ou menor grau, conforme a manifestação particular de cada umadelas - latente, o que se presta a mistificações ideológicas de variasordens (a principal delas é abordá-Ias como portadoras de um"conteúdo").

A relação do caráter de enigma nas artes - sua linguagem necessaria-mente cifrada - com sua demanda no sentido de expressar o absoluto é.segundo Adorno, um elemento determinante da proximidade entremúsica e filosofia (tal como o filósofo a concebe):

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Enquanto linguagem. a musrca abre-se ao puronome, à unidade absoluta de coisa e signo, que, nasua imediatidade, está perdida para todo saberhumano. Nos esforços utópicos, ao mesmo tempodesesperançados, em tomo do nome, encontra-se arelação da música à filosofia, da qual ela se acha -por isso mesmo -, em sua idéia, incomparavel-mente mais perto do que de qualquer outra arte(GSI8, 154),

Entretanto, as características estruturais da música determinam umaaborJagem do absoluto essencialmente não conceitual, o que não deve

a filosofia. que, segundo a fórmula consagrada da DialéticaNegativa, deveria "ultrapassar o conceito através do conceito [grifosmeus)" (ND 27). Nesse sentido. a filosofia teria que aprender com amúsica - sem se deixar pseudomorfosear nela - a penetrar no mistériodo enigma sem dissolvê-lo (0518. 156), o que. por si sõ, viria a seconstituir numa revolução do seu próprio conceito. Isso porque - aolongo dos seus dois milênios e meio de existência - a filosofia tem seinserido de fonna integral no processo do esclarecimento da civilizaçãoocidental, na maior parte das vezes sucumbindo à ausência de dialéticacaracterística do império da autoconservação. Em outras palavras, arelação da filosofia com o processo de dominação da natureza não temsido apenas de crítica e reflexão (na verdade, isso tem sido exceção),filas também - e principalmente de cumplicidade.

hsu nos traz às portas do impressionante balanço dos feitos e perspec-livas da filosofia, na primeira parte da Dialética Negativa, A começarda pol2mica constatação de que a filosofia teria perdido a sua opor-tunidade se fazer mundo (contrapondo da tese sobre Feuerbach n''li. de .Marxj, de se tomar prática, o que determina a necessidade deum titânico no sentido de se compreender porque a

da teoria em praxis fracassou (nossa consciência desset<lh> hoje , é reforçada pela vitória definitiva da contra-revolução noantigo bloco socialista).

Essa necessidade de revigoração da filosofia é enlretanto uma faca deela sabe - a ingenuidade é o pecado que,

nessa fase tardia d ital • poderí . . Ç.dá. ,. , o caprta rsmo, nao ena subsistir na sua rormasstca voltada pa • da lidad 'li' ra a persecuçao tota I e e do Sistema, sem seescaracterizar b ,.d como asuãc da emancipação bumana sem seegenerar em .d . - ,

dirigido mera I eologia (ND JS), Ganha relevo, portanto, o ataquePositi . por Adorno tanto contra o auto-demissionismo filosófico do"I lVlsmo' "c t W'" .dizer" (NO'2 on ra rttgensteln, dever-se-Ia dizer o que não se deixa

I), quanto contra a simulação de um frescor filosófico-a

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lrin<:ipais n:quisilOs é o reconhecimento tanto do sofrimento, quanto daI -"Ipod'd I'de sua expressao. sso e aju ar a exp tear porque, para,I filosofia, sua apresentação não é indiferente e exterior, mas imanentei; sua idéia" (ND 29).

lima estratégia possível no sentido de a filosofia se desvencilhar daquiloque veio a se constituir na Modernidade como um fator paralizaote paraa sua atividade, sem precisar simular uma ingenuidade restaurativa ementirosa, baseia-se na distinção feita porD'Alembert, entre um esprítsl'srhmuique e um esprit de Systême, sendo que caberia ao primeiro atarefa de conceituar sem violentar 4 : "O duplo sentido da sistemáticafilosófica não deixa qualquer escolha, a não ser a de transpor a forçado pensamento - um dia liberada pelos sistemas - na determinação abertados momentos particulares" (NO 35).

Isso pode ocorrer, segundo Adorno, por recurso ao que ele chama demodelo de pensamento (DenkmodelI) ou, simplesmente, modelo idéiapresente rudimentarmente no pensamento do filósofo desde os seusprimórdios (cf. GSI, 341 5S.). "O modelo encontra o específico e maisque o específico, sem evadí-Io em seu mais genérico conceito universal.Pensar filosõficamente é tanto quanto pensar em modelos; dialéticanegativa um conjunto de análises modelares" (ND 39).

Um elemento de acesso à elucidação dessa concepção de filosofiaqu.c subjaz à Dia/ética Negativa, é a chamada constelação, idéia deongem _benjaminiana cuja ocorrência, para Adorno, denota a feliz

de uma experiência (Eifahrung): relação de conhecimento":UJO não está "a priori" garantido por evidências de ordemteológica, antropológica, ou de qualquer outro tipo: MO objeto abre-sea uma Insistência monadológica, que é a consciência da constelação, naqual ele se encontra: a possibilidade do mergulho no interior necessitadaquele exterior" (ND 165).

Quando se trata d lif '. e exemp I rcer o que sena exatamente constelaçãocomo ela ocor . 'fi ' 're numa y...nca cíenn ica crítica (sob pena de ela parecer

partir da restauração de um passado longínquo, como na OntologiaFundamental de Martin Heidegger (NO 104 ss.).

Mas o que está realmente em jogo é a caracterização dessa nova maneirade encarar e de fazer filosofia, que poderia ser descrita como umaespécie de "desencantamento do conceito", enquanto antídoto dafilosofia contra a sua própria reificação (NO 24). Isso significa que oconceito, originariamente arma do ser humano no sentido de se libertarda coerção natural - expressa também na magia como forma rudimentarde domínio da natureza - se enfeitiçou, fetichizou a si mesmo comodecorrência da hipóstase dos meios, tão peculiar à civilização ocidental,e a tilosofia tem - agora - que tentar de algum modo reverter esseprocesso, sob pena de sucumbir às investidas ideológicas do mundoadministrado.

A solução vislumbrada por Adorno aponta no sentido de umaaproximação da filosofia para com as alies - radicalizada até o pontode a própria teoria se tornar estética. Isso sem incorrer naquelasabsorções irrefletidas - cuja condenação por Adorno foi aqui tantasvezes lembrada -, pois, "arte e filosofia têm o seu elemento comum nãona forma ou no procedimento formativo, mas num modo de compor-tamento que proíbe as pseudomorfoses'' (NO 26). Em outras palavras,não se deve atribuir às obras de arte significações. assim como escaparao caráter de mediação do conceito filosófico, mesmo qUt: esse eSkJaprestes a se "desencantar". Essa sua característica típica de des-dobramento (Entfaltung) , pode , na verdade, ser encontrada nas urtes ,especialmente na música, () que a aproxima da. filosofia de modoparticular:

A resistência da filosofia, porém, necessita de. desdobramento, Tamhém a música, e mesmo todaa arte, encontra c impulso que anima respectiva-mente o primeiro compasso, não imediatamentepreenchido, mas apenas no transcurso articulado.Nessa medida, ela exerce - mesmo que tambémaparência como totalidade através dessa, crítica àaparência, à da presença do conteúdo aqui e agora(ND 27-8).

Toda essa introdução à Dia/ética Negariva aborda as possibilidades quea filosofia possui DO sentido de erigir ao plano da consciência anecessidade de reconciliar com os cacos que o pensamento produziu(cf. ND 30-1), em suma, de perseguir a verdade, para o que um dos

4 A violência ih'V>1f it "oi _ ..... CI a no conceituar eXlsle. pera Adorno na medide em quoe conSIste I ",. . ,Onde r IClonalmaote numa forma de identific&Çio compulsórie,

uma espécie de "reetc" parmanece incógnito no objeto.dano. todos os "forças no sentido de desnudA-lo. Esse resto ê

o "não·idllnlicoM: Midentidade própria de coise contra suas(ND 164).

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um conceito mais toológico do que propriamente filosófico), Adorno -valendo-se de um trecho de Max Weber - explicita de modo inequívocoaquela íntima relação entre música e filosofia, cuja elucidação estamosa perseguir nesse artigo. Trata-se do uso, por Max weber, do termo"composição" de conceitos - concomitante ao seu emprego -, enquantocontraposta à floresta de definições que freqüentemente precede ostrabalhos teóricos.

Ele (Max. Weber/rd] tem certamente em vista so-mente o lado subjetivo, o método do conhecimento.Mas esse deveria estar. tanto quanto ascomposições em questão, disposto de modo seme-lhante ao análogo delas, as composições musicais.Subjetivamente produzidas, elas s6 são hem

onde a produção subjetiva nelasdesaparece. O estado de coisas que a cria - exata-mente a "constelação" - é legível como signo daobjetividade: do conteúdo espiritual (ND 167).

Uma última evidência cabal da importância da música na concepçãoadorniana de filosofia encontra-se no desenvolvimento daquela idéia -já mencionada aqui -, segundo a qual a filosofia deveria se constituirnum esforço de dizer o indizível. Na música ocorre algo análogo, namedida em que o indizível se encontra de algum modo impresso notranscurso de sua "quase-linguagem", cuja característica principal, aausência do conceito, é ao mesmo tempo condição e limite para a suamanifestação. É exatamente essa "expressão do inexprimfvel" queinnana música e filosofia (cf.ND 115); s6 que, nessa última, ela s6 podeocorrer pela mediação do conceito, sob pena de se degradar numa - atémesmo sofisticada - ideologia (Adorno refere-se explicitamente àOntologia Fundamental de Martin Heidegger):

Uma nulidade é a expressão imediata doinexprimfvel; onde sua expressão apareceu, comona grande música, seu selo foi o do fugidio e dotransitório, e ele se prendeu ao transcurso, não ao"esse é" indicativo. O pensamento que quer pensaro inexprimfvel pelo abandono do pensamento, ofalsifica naquilo que de menos gostaria de ser, noabsurdo de um objeto pura e simplesmente abstrato(ND 116).

Destaca-se nessa passagem a referência, ainda que implícita, tanto aoque une, quanto ao que desune música e filosofia. O que as une é suanecessária atinência ao transcurso, ou, como consta já na Filosofia da

29

" I'/Ul "toda música tem em vista um devir", não um ser como,.Ol'a .., • •. na pintura (PM 174). O que separa irreversívelmente música eocorre . .tilosofia é que essa tem que se ver o ,:oncelto, al.orla que paranomhardeá-Io çriticarnente por sua extupação tendeecial de toda equaiquer não-idenliJade. Mas esse ele,"?ento_de é, em certosentido. ainda um elemento de aproXlmaçao, na medida em que aintenção de explodir conceitualmente o conceito determina a neces-Sidade de integrar o elemento expressivo ao discurso racional datílosofia, aproximando-a de uma concepção sui generis da retórica. ParaAdorno, isso se liga a uma renovação da própria concepção de dialética:"Dialélica, segundo {) sentido da palavra, organon do pensamento, seria,I tenratíva de salvar criticamente o momento retórico: aproximar coisaapressào entre si até a indiferença" (ND 66).

A de uma dialética entre momentos construtivos e expressivos. tanto na filosofia, quanto na arte em geral prefonna essaaproximação, anunciada em inúmeras passagens da Dialética Negativa,a qual ganha concreção na obra póstuma Teoria Estética, onde já nãose fala de uma semelhança da filosofia apenas à música, mas a umaconcepção do estético em geral: "A arte combate tanto o conceito quantoa dominação, fi'!.as para essa oposição ela necessita - como a filosofia -do conceito" (AT 148). Poder-se-ia mostrar que, mesmo dentro doquadro formulado na Teoria Estética, as particularidades da música seadequam sobremaneira à concepção de filosofia peculiar a Adorno, oque, entretanto estaria para além do escopo de um trabalho destasdimensões.

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Gesammelte Schriften J. Philosophische Frühschriften.Fnmkfurt (M), Suhrkamp, 1973 (= aSI).

Page 18: Kriterion Sobre Adorno

30

_____________ Gesammelte Schriften 3. Dialektik der Aufktãrung.Frankfurt (M), Suhrkamp, 1981 (= DA).

__________•__ GesammelJe Schriften 16. Musikalische Schriften 1-111.Frankfurt (M), Suhrkamp, 1978 (= 0516).

____________ Gesammeue Schfiften 17. Musikalische Schriften IV.Frankfurt (M), Suhrl<amp, 1982 GSI7).

_________ Gesammelte Schriften 18. Musikalische Schriften V.Frankfurt (M), Subrkamp, 1984 (= 0518).

MARX, K. Das Kapital. Vol.I. Berlim. Dietz Verlag, 1981 (= K,I).

31

.. Estilo Musical da Liberdade" 1

Leopoldo waubon

RcsUf1W • •·1" MO conw inspiraçiJo e pontode partida um fragmento da DialéticaOrllil ." .

N ... tiva em que AdornofaJa de uma identidade racional", o artigo. q,:,1 . i..,"(1 rastrear em textos ameriores de Adorno. em especia naI'''U' '. . ,Fi[OSllfia da Nova Muslca,fonnuJações que se aproximam desseAssim. ('.I"boça-se a discussão dos conceitos de "identidade ", "nãa-ídcn-ndadc' e "tdenudade racional a partir de um contexto completamentedistinto, qual seja, a nova música. Trata-se, entõo, de ver como a novamúsicaformula e resolve estas questões, pois o artigo postula a hipótesede que a nova música é um "modelo" daquela "identidade racional deIIU(' Adorno fala em Dialética Negativa.

Ahstract

Taking afragment ofAdorno's Negative Dialectics, in which he talksahout an 'raüonal identity', this article investigates in other books bylhe same atahar, particularly the Philosopby ofModern Musíc, similar[orrnulutions, In thls way,from a completely dijferent comeu, t.e. theNew Music, an outline of the concepes of 'identity', 'no-identuy ' and'runonal ídenuty ' are given. 50 the question is to know how lhe newMU,\'ic formulates and sotves these concepts. The artic1e postulares the"yPOIhesis o/ new Music as being a 'model' cf thas 'rational identuy ,which Adorno ralks in Negative Dialectics.

texto alQI.ln8 pontos de minhe dielertaçio de mestrado,.4do lãrfJng muSIcaI. Consid9rtJÇAo$obr• • sociologie de .,. d. Th. vr."'''P m,o na Phi/osophie der neuen Musilt IWA1ZBORT, 1991),

"c1Itlrn"'ole pp. 183 8S" 207 ss.

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32 33

11

racional, e a socieda...le estaria mais além do pen-samento identificador. (ADORNO, 1982: 149-150).

l:nl<l formulação mais clara do que seja tal "identidade racional" nãose facilmente na obra de Adorno. Por isso - e como no Brasil;j I'...sqvísa sobre Adorno não é mais que incipiente - talvez seja lícito einrcrc'ssante tentar vislumbrar como questões semelhantes estão presen-

na nova música, buscando apontar, na crítica e na apologia de/\dorm) da neue Musik, alguns de seus momentos significativos. Para(;1[110 • e aqui a discussão não será mais que esboçada - tentarei mostrarl<lIUO ,I nova música configurei o problema da identidade, não-identidade"iJc'ntidade racional".

o "pano de fundo", por assim dizer, da análise da neue Musik porAdorno é uma interpretação da história da música ocidental desde Bach.Isto foi exposto modelarmenre em dois parágrafos da Philosophie derncuen Musik, intitulados "Organização integral dos elementos" e"Desenvolvimento total" (ADORNO, 1978: 55-62) (O tema é, de resto,recorrente nos escritos de Adorno). Para Adorno, Beethoven representauma espécie de "síntese" na história da música, porque foi capaz deconfigurar na obra, enquanto uma unidade, tanto a "expressão sub-jetiva'' como as exigências objetivas, isto é, do material musical 2. Essaunid.ade, no nível do material, apresentou-se como unidade das suasdiversas dimensões (a melodia, o ritmo, a harmonia, a forma, ainstrumentação, etc). Mas na música posterior a Beethoven esseequilfbrio se perde, e essas diferentes dimensões do material musicaldesenvolvem-se "desordenadamente". Na medida em que o materiaJdesenvolvido diferentemente é posto em uma configuração que oahrange globalmente, isto é, na medida em que ele é configurado nacomposição, há defasagens entre as diversas dimensões do material.Essa defasagens impedem a unidade da obra. Disso deriva o caráterProblemético da música posterior a Beethoven: por um lado o materialnao pode ser tratado como uno, pois desenvolveu-se desequilibrada-

1'0' o I o - é o, u ro, a composiçao Justamente o tratamento global domaterial' na ob tod dif d' --'" - -. . ra, os as rrerentes tmensoes sao postas em relação

SI. O problema que está posto na história da música põs-Beethovenesse: como compor uma obra em que o material fragmento se torne

COn?eito de material musical, central para Adorno, não poderá ser aqui'sCul'do.

2

Ao mesmo tempo em que o pensamento mergulhano que está muito proximamente à sua frente, oconceito, que avistou seu caráter antinômico ima-nente, entrega-se à idéia de algo que estaria paraalém da contradição. A oposição do pensamento aoseu heterogêneo reproduz-se no pensamentomesmo como sua contradição imanente. A crfticarecíproca do universal e particular, atos iden-tificadores que julgam se o conceito faz justiçaAquilo sobre o qual ele se debruça. e se o particulartambém cumpre seu conceito, são o meio do pen-samento da não-identidade do particular e conceito.E não somente do pensamento. Se a humanidadedeve libertar-se da coação a que está realmentecometida na forma de uma identificação, então daprecisa ao mesmo tempo conseguir a identidadecom seu conceito. Nisto todas as categoriasrelevantes tomam parte. ° princípio de troca, aredução 1.10 trabalho humano ao conceito universalabstrato do tempo de trabalho médio, é aparentadooriginalmente ao princípio da Identificação. Eletem seu modelo social na troca, e ela não seria semele; através dele os indivíduos (Einzelwt'sen) não-idênticos e as realizações não-idênticas tornam-secomensuráveis, idênticos. A difusão do princfpiorelaciona o mundo todo tdíe ganze Wdr) aoidêntico, à totalidade. ( ... ) A crítica ao princípiode troca, enquanto princípio identificador do pçn-sarnento, quer que o ideal da troca livre e justa, atéhoje mero pretexto, se realize. Isto apenastranscenderia lt. troca. Se a teoria crítica lhe revelouenquanto tTOCa de iguais e no entanto desiguais,então a critica da desigualdade na igualdade aspiratambém à igualdade, junto de toda skepsis contra arancune no ideal burguês de igualdade. que nãotolera o qualitativamente distinto. Se mais nenhumhomem fosse privado de uma parte de seu trabalhovivo, então ter-se-ia alcançado a identidade

Em um instigante parágrafo de Negaiíve DialekJik, "Para a dialética daidentidade". Adorno trabalha algumas idéias que merecem serretomadas e discutidas. Vejamos, assim. um fragmento do texto:

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unidade? A obra de Schoenberg rode ser vista como uma resposta aessa questão.

É também uma "defasagem" entro: as diversas dimensões do materialmusical que torna necessária a "[yurchorganísatíon der Elemcmc", aorganização integra! dos elementos. a construção que possibilita aocompositor eliminar tais desproporçócs. Tal "DurchorganisaJion", queé o processo de racionalização tio material musical e da técnicacomposicional, processo que marca a música põs-Beethoven e queculmina em Schoenberg (no Romantismo já se falava em "Durchkam-poníerenrí, Na nova música, a "Durchorganisation" é obtida mediante() contraponto. O contraponto C, a l'"litl1ni<l são o núcleo da técnicacomposicional da neue MU,H'k. Eles S<l(l mobilizados tendo em vista aunificação das diversas dimensões do material musical na composição.

A "síntese" beethoveníana era a sínks<: de convenção e subjetividadeautônoma. As convenções eram de procedimentos queorganizavam a obra de arte musical (e não meras fórmulas que serepetiam). Quando surgiram, das não eram arbitrárias, mas simdecorrentes das próprias necessidades do compor. Até Beethoven , arelação entre convenção e subjetividade autônoma é configurada na obracomo unidade, embora não livre J<:'" tensões. Mas após Beerhoven asubjetividade estética autônoma (justamente "romântica") contrapõe-se<.:aJ·a vez mais às convenções que lhe são completamente externas e nâorespondem mais às necessidades de expressa0 e construção. Tecnica-mente, a relação entre convenção e subjetividade autônoma tomou lugarno "desenvolvimento" (Durchfuhrung), Adorno intcrpretarã a músicaentre Beethoven e Schoenberg como o progressivo domínio do "descri-volvimento" (dinâmica subjetiva) sobre o "tema" (convenção). O pontofinal será a música em que a distinção clara e iuequfvoca entre tema t'desenvolvimento já não existe: tudo é lema e tudo é desenvolvimenlu.Esta é a neue Musik. Para tanto, o desenvolvimento lança mão de umprocedimento específico: a variação. Será a variação que realizará odesenvolvimento total.

o desenvolvimento lembra-se da variação. Namúsica anterior a Beethoven, com muito poucasexceções, a variação era considerada um dosprocedimentos técnicos mais exteriores, cornosimples máscara de uma matéria (StoJ!) qu<:'" seconserva idêntica. Então, em conexão (Zusa!ll-mt'nh(mg) com o desenvolvimento, a variaçãoserve ao estabelecimento de relações universais,concretas-não esquemáticas. A variac ãodinamizou-se. Mesmo aqui, quando ela ainda se

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agarra ao material de partida (Ausgongxmaterials -que Schoenberg denomina 'modelo' - comoidêntico. Ele é sempre 'o mesmo'. Mas o sentidodessa identidade se reflete como não-identidade. Omaterial de partida é de tal espécie, que conservá-losignifica ao mesmo tempo transformá-lo(verlindern). Ele não 'e em si, mas somente emconsideração à possibilidade do todo. A fidelidadeà exigência do tema significa sua transformaçãoprofunda (eíngreifende Verlinderung) em todos osmomentos. Em virtude dessa não-identidade daidentidade, a música assume uma relação inteira-mente nova como o tempo, no qual ela decorre acada vez. Ela não é mais indiferente ao tempo, jáque não se repete arbitrariamente DO tempo, massim se transforma. Mas ela lambém não decai aomero tempo, pois que nessa transformação semantém como idêntica. (ADORNO, 1978: 58).

Em Beethoven temos a conexão desenvolvimento-variação. Disso vaiderivar grande parte do seu desenvolvimento da forma sonata :J. É avariação que vai permitir o desenvolvimento (Enlwick1ung) do desen-volvimento (Durchftihrung). Na música anterior a Beetboven a variaçãoassemelha-se, no dizer de Adorno, à "paráfrase" (ADORNO, 1978,99). webem buscou resumir, em um parágrat<:), essa questão:

Assim como no início as repetições (de um temano interior de um movimento ou de uma peça)ocorreram de forma literal e integral, como os anéisde uma corrente, depois tornaram-se mais livres,omitindo certos membros intermediários, pois pen-sou-se - metaforicamente -: 'isto já apareceu umavez, então posso pular alguma coisa, sem realizarplenamente o desenvolvimento'. Os elementosforam justapostos de forma mais imediata e abrup-ta, o que naturalmente tomou a compreensão maisdifícil. Mas, o que ainda foj importante aqui? Pelofato das repetições terem sido executadas cada vezmais livremente, a evolução se deu através do

esses questões, que nio poderio ser discutidas aqui, veja-seSEN, 1986; ROSEN, 1987. Para se ter uma id6iade como Adorno pode

ler che." .P B o li essas condusões. pode-se vllr o livro sobre Beethoven de. ekker IBEKKfR. 19121. um crítico que Adorno apreciava.

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processo de variação, já que as transformações deum motivo se afastaram progressivamente dooriginal. As curvas ficaram cada vez mais longa".cada vez mais tensas. (WEBERN, 1984: 75-76).

Toda essa história do desenvolvimento na sonata, quando a variação "sedinamiza" é especialmente interessante porque pode ser lida tambémtendo em vista a nova música. Adorno está falando do desenvolvimentoem Beethoven, mas há uma relação estreita com a nova música. Porisso. vou comentar inicialmente o texto tendo em vista Beethoven (I),e a seguir pensando em Schoenberg (2).

( I ) Para marcar a discussão em ti interessante deixar falarum

O método de Bach (nas Vllriaçdes Golberg, porexemplo) fundamenta-se em isolar um elemento Jotema original, o baixo, e criar a partir dele. Osistema de Beethoven consiste em fazer umaabstração da forma glohal do tema; a forma que seinfere de sua primeira variação, forma queapóia adita variação e a relação com o que a segue, já nãoé somente a configuraçãoo melódica (•..), nemsequer o baixo somente, mas uma representação Lktodo o lema. O ataque que se fez no classicismo àindependência das vozes resultou em que «) entoqcelinear da forma variação barroca não fosse j;isatisfatório, nem sequer realizável, salvo comointimação. O conceito que Beethoven tinbada açãoem uma sonata, derivada de um material tio con-centrado como o de Haydn, mas de natureza ainJamais simples, permitiu-lhe realizar umasimplificação parecida do material da forma.variação, o que, por sua vez, libertou uma fantasiaque de outra forma estaria sujeita l ornamentaçãode uma Iinba já por si complexa. (ROSEN, 1986:497-498) '.

o leitor pode perceber que Bcsen viii discutir e forma variação emBeethoven, enquanto o que nos interessa aqui é principalmente oprocedimento variação. Mas isso nio altera em nada a substância dadiscussão, pois ti forma varieçio é decorrente do prceedenentc varieçãoarn Beethoven.

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edimento variativo em Beethoven , portanto, se distingue espe-D.J:::nte pelo fato de Beethoven realizar essa "representação de todoCI • que é algo que estabelece o fundamento a partir do qual aotema• . . ial d• ac é desenvolvida. Por ISSO Adorno afirma que o matena evanaça. id - à ·b·l·d dida "não 'é' em SI, mas somente em consr eraçao possr I J a etodo". Beethoven configura uma relação t.odo-parte de eb-I novo em que o todo está a cada Instante determinando aSOUUUI' , • I -

e a parte. por sua vez, está presente no todo. E essa re açaotodo-parte - na qual Adorno situa a grandeza de geemoven.

tn·s ela se dá precisamente pela relação "totalizante" que Beerhovencom o sistema tonal - que possibilita a Adorno falar em

identidade/não-identidade: esses dois conceitos referem-se a essarelação. A relação todo-parte estabelece a identidadeto a não-identidade é estabelecida pela constante vanaçao da idéia-representação" do terna]. Com isso, Beethoven inaugura uma relaçãoda música com o tempo que será retomada pela Segunda Escola deViena.

(2) A variação é, por sua própria natureza, um procedimento rec,ul.iar,na medida em que trabalha o material original (seja de melódico.barmônico erc.), o Ausgangsnuueriai, justamente transformando-o.Esse procedimento, por essa característica, será especialmentesente e rico para a nova música e para Adorno. Para a nova música. ariqueza extraordinária do procedimento variativo está no fato daorganização da composição, seu caráter construtivo (portanto li

Durcliführung como a Durchorganisation), estar garamido , porque esseprocedimento é capaz de estabelecer a forma. Assim, com aa nova música se protege do perigo, sempre presente, da desconexão edo arbitrário. O Zusammenhang (coerência, nexo) é, como o texto deAdorno sempre indica, um objetivo a ser perseguido e um atributofundamental da música (verdadeira): é ela que dá sentido à música. Avariação, enquanto procedimento composicional, é utilizada nessesentido: garantir a Formbildung (fonoação da forma) e o Zusammenhangda obra. Para Adorno, a variação é tanto um procedimentona medida em que garante 8 unidade da obra, como um conceitoextremamente rico, que lhe permite interessantes desenvolvimentos.Com a variação Adorno pode falar em identidade e não-identidade. Avariação trabalha com a identidade na medida em que o Aus-gangSmaterial permanece de algum modo presente apõs ter sido sub-metido à técnica varíaríve. Mas esse "de algum modo presente" não éalgo simplesmente "derivado" e, portanto, distante, mas sim algopresente, efetivo. Contudo, após ter sido variado, ele já não é aquele

original, pois está conformado de um modo distinto:senlido ele é não-idêntico. O exemplo da variação melódica é o maiscomum. O motivo melódico inicial é variado. Se a variação é uma

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variação realizada com rigor (e é disso que se traia), na melodia variadaencontram-se os elementos fundamentais da melodia inicial, e por issopode-se dizer que da é, em sua suhstância, idêntica à original. Por outrolado, essa mesma variação rigorns,1 deve ter sido capaz de alterar aquela.melodia inicial de tal modo que ela tenha se transformado de: modoradical, isto é, que sua substância mesma tenha sido atingida: e nessemomento ela é não-idêntica A variação é, assim, um procedimentoque permite a identidade e a não-identidade. No caso da músicadodecafôníca, ela é cristalina A série é o material de partida, e toda aobra é variação dele t'J, Isso no nível mais fundamental- pois se traia deGrundgestalt. Obviamente a variação não se limita a esse nível - quevulgarmente poderíamos denominar "mais abstrato" -, e atinge a obracomo um todo, isto é também em aspecto parciais. Nas obras doatonalismo livre, a variação também é o procedimento par exrcííence,Um caso extremamente interessante seria analisar a terceira peça UO oro16 como uma variação no nível do timbre. Mas em uma obra cornoErwartung a variação é um elemento central: vários comentaristas depeso (MAUSER, 1982; DAHLHAUS, 1983; STUCKENSCHMIDT,1977; ROSEN, 1983) concordam quanto ao fato de haver configuraçõesbásicas que são variadas no decorrer da obra. Essa configuração básicaé o elemento unificador de Erwartung, e ao mesmo tempo o elementode sua diversidade. O procedimento variativo é presente, mesmo naspeças do atonalismo livre. Ocorre simplesmente que ele tem um caráterdistinto no atonalismo e 110dodecafonismo. Neste ele pode se basear nasérie, naquele, não. Isso significa, em termos de análise musical, umadificuldade marcante na discussão de peças como Erwanung. Masvoltemos ao texto. Talvez se pudesse dizer que o Ausgangsmaicriat, namedida em que é variado, é Aufgehoben: pois ele é suprimido e retido.De qualquer modo, "ele não 'é' em si, mas somente em consideraçãoà possibilidade do todo", o que significa que o material de partida slÍ seconfigura realmente como material no todo da composição. Isto querdizer que ele, enquanto material, comporta seus diversos momentos, asformas variadas em quede se apresenta enquanto resultado da variação.Nesse sentido, podemos entender que o próprio material se configurana obra como um todo -pois não éalgodado de antemão 7. Aqui também

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Ira um momento da racionalização do material: enquanto resul-";' • _ .. "" uma totahzaçao, que é a Formhíldung,!:lUO u ....

Com os I.:onceitos delvc a partir do ccnceno de vanaçao, ele pode discutir a rda";8o da

V{) ,. di.JVa música com o tempo. A nova mUSlca traz para entro c c SI 11J\(ntI)() na medida em que ela; identidade I'lll nilo-identidade e nâo-

na idenudade. Ela se relaciona com o tempo de um moJoU I -completamente novo: e a nao transcorre no tempo, mas traz o tempofiltra dentro de si. Ser indiferente ao tempo é repetir-se em momentosdiferentes. ser igual em instantes outros, ser idêntica. Mas a novannísica não se repete nunca. Se simplesmente não se repetisse jamais,ela se igualaria ao tempo e o seu transcorrer. Ela subverte-o na medidaem que é idêntica. Pois o tempo transcorre, mas ela o domina, enquantose mantém idêntica.

Se a nova música é identidade na não-identidade e não-identidade naidentidade, ela é um modelo de uma identidade outra, de uma identidadeque é liberdade, uma identidade completamente distinta da identidadeque perpassa a sociedade, aquela da forma-equivalente e do sempre-igual. Por isso a música é uma imagem da utopia: porque ela é capazde configurar uma "identidade racional", que não seja resultado daJominação. Nesse ponto, já tocamos naquele fragmento de Negatiw'Dialt'ktik com o qual iniciamos o texto.

111

llá passagens na Philosophie der neuen Musik em que Adorno, emboraesteja discutindo a música dodecatõnica, fornece elementos para avvntraposíção dessa música com a música atonal-livre, e a partir dessac·llfltra[lOsição é possível discutir alguns elementos centrais da "música

de Schoenberg. Por isso vamos discutir um pouco oconcem, de contraponto dodecafônico, para podermos, finalmente,

a polifonia e o contraponto da música expressionista, e derwanung em especial.

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6

7

Note-se que isso é só um exemplo. Já em Beethoven não se trata rreís de urT18variaçio sirr'plesmenla melódica. N8S obras de Se""nda Escole de Viena, avariação etingetodos os elementos nceee 88 wdimlln&Õllsdo matarial") d8m1isiee.Reporto o Leitor eo texto cléssico de leibowill sobre 8S Variationen op.31 de Schoenbefg: lEIBOWITZ, 1981.Por isso e elabofação da série é umll ·prefollTl8çio" do material. e não sua"formeçiow • Cf. ADORNO, 1978, 62,63, 96,99. Adorno fala tanto efI1"Priiformierung" como em "Vo.formungw • Cf. AOORNO, 1978,80,106.

Na harmonia complementar (dodecafênica 8 Ilw)cada acorde (Klang) é construído de modo com-plexo: ele contém seus sons singulares como

d&!ine a harmonia co"""ementllr NI Philosophie der neuenI. 'k. A lei da dlmensio vertical de músioe dodeoefOnioll podll chamar-se:' de hafTTlOnia complementa," IADORNO, 1978. SOl. O concerte dea'monia complementer não 88 aplice 6 música atonel-livre/

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40 4'

que já é muito antes de Schoenberg escrever a primeira peça.jodecafônica I . O célebre acorde de 11 sons em Erwanung é umexemplo flagrante do grau de desenvolvimento dessa tendência já namúsica atonal:

···

-pp

Isto esteva olaro pera Adorno, qua afirmou: A lai da harmoniacomplementar Jl!i tam Implroilo o fim da axp.r16nclll do t'IIffiPO musical, tlllcomo .nuncledo Nl di'lfOdaqio do p.loa extr.mose)(pr... {ADORNO. 1978, 811.A pusagem' citada tlll como epartM:a naHwmoni-"'h" ISCHOENBERG.1979.4971. Na partitura, compasaos 269-270.Segundo L. Rognonl - ieso , lup--comum n08 elltudos, viirioscomenleristas pod8riam ser citados -, o OuertensJclcord é o elemento que

ERWARTUNG, comp. 269-270 12

Scboenberg tomou essa passagem de Erwartung como exemplo naHarmonietehre. Esse acorde, que Adorno caracteriza como um"emissário do Id", como uma "mancha" (ADORNO, 1978: 44),comporta praticamente lodo o espaço cromático: C, CN, D, DN (Eb),E, F, FN. a, A, AI, B. Falta apenas um OI ou Ab para completar-se\J total cromático. Acordes de 7, 8, 9, 10, 1I e 12 sons já se encontramlatentes nos acordes fonnados por superposição de quartas, que jácaracterizam marcadamente a Kammersymphonie op. 9 de Scboen-herg l3. Na Harmonielehrt!, no capítulo XXI, •Acordes pro quartas",

11

340

momentos autônomos e distintos do todo, sem quesuas diferenças desapareçam à maneira da har-monia tonal (Dreiklangsharmonik). O ouvido ex-perimentado não pode então se furtar, no espaçodos doze sons do eroma, à experiência de que cadasingularidade dessas sonoridades (Kltinge) com-plexas exige -- seja simultaneamente, seja SUCt$-sivamente _. como complemento aqueles outrossons da escala cromática que não aparecem nelernesmo . Tensão e resolução na músicadodecafônica são sempre compreendidos lendopresente o virtual acorde de doze sons(Zwljljkillng). (ADORNO, 1978: 80)

Isso se realiza também, a seu modo, na música atonal-livre - emboranão esteja formalizado, embora apareça ainda como algo completa-mente espontâneo, por um lado, e necessário, por outro, m?s sem alógica da série. Em Erwartung ; pelo menos duas passagens operamuma realização semelhante. No final da peça, tudo conflui para aconfiguração de um "espaço sonoro" (ADORNO. 1978: 72) quecompreenda o espaço cromático do sistema temperado em sua plenitude- e esboce também ultrapassá-lo (mas só esboce), pelo uso dos gflssan-dos, só que em instrumentos temperados (harpa e celeste). Como aharmonia dodecafônica - a "harmonia complementar" - é o resultado euma determinada configuração da "tendência do material", de seudesenvolvimento a partir de uma lei que lhe é imanente, éperfeitamentecompreensíveb que isso se anuncie em peças do período pré-dodecafõnico I . A harmonia complementar sistematiza esse fenômeno

9 Arnold Schoenberg. Efwa"ung. ap. 17. Wien, Universal, s.d., campo 153loS. comp. 425·426.

10 H.K. Metzger rastreia passagens como essa no Quartato da Webern de 1905.no primeiro Quartato de Schoanberg e em Wozzeck. Cf. METZGER. 1983,76·111. A idéia de harmonia complementar necessita ser compreendida e"iseu contexto próprio, o Que SIgnifica que ela só tem lugar em conjuntoa fusão e indiferença do horizontal com o verneer. sons complemente,e,são desiderlltll da 'condução des vozes' no interior dos acordes. QUe sãoconstruIdos de modo complexo e distinguem-se de acordo com as vozes,assim como todos os p.oblemas harmônicos, mesmo ne müsica tonal,'resultam das exigências da condução das vozes e, inven:lllfnente, todos osproblemas do cont,,,,ponto resultam das exigências da harmonia" (ADORNO.1978, 81-82}.lsso mostra em que medida é uma "tandência do rnatenel"que lave à fusão do horizontal com o vertical, tend6ncia essa que é ummomento da tendência mais ampla da racionalização rumo ê organizaçãototal, cujo impulso vem mercentemente dasde Bach. Assim, 'plenamentepossfvel e justificãvel rasueer aspectos de uma harmonia complemente.em peças prê-dodecafônices. como no acorde de 11 sons de Erwartung.

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42

pode-se ler: "a construção dos acordes por quartas leva a um acordeque contém os doze sons da escala cromática [... [" (SCHüENBERG,1979: 483) 14. Assim. pelo menos desde 1906 Schoenberg já se achano mundo do Z'WÓljklang 15,

Com a configuração do espaço sonoro com o acorde de 12 sons -. e seuantecedente imediato, o espaço sonoro tal como conformado em Erwar-tung, tanto no Eifklang como no final _. 16 a dinâmica da músicapermanece em suspensão (Stillstattd) (ADORNO, 1978: 81), e justa-mente por isso em Erwartung trata-se de uma solução para o final dapeça -- como já foi acentuado por Charles Rosen (ROSEN, 1983: 70-71).

Mas o que está por detrás de todas essas questões é a polifonia. "Overdadeiro heneficiário da técnica dodecafônica é indubitavelmente ocontraponto. Ele obtém o primado na composição" (ADORNO, 1978:88). Na música dodecafônica o contraponto obtém esse papel principale estruturador. Mas já na música atonal-livre ele passa a ter um papelcentral na construção da peça. Os acordes dissonantes das peças atonaisjá impulsionam definitivamente a essa tendência. Ao lado disso, o papelconferido às Haupt- e Nebenstimmen operacionaliza a polifonia. "Ele(Schoenberg) irriga a polifonia com motivos cada vez mais numerosos"(BOULEZ, 1985: 303). As Houpt:e a Nebenstimmen foram assinaladasnas peças do período expressionista não por um mero capricho docompositor, mas sim porque a coordenação das vozes (há aqui umaparataxe que não poderei discutir) é essencial à Formhildung: sem elasnão há estruturação do tecido polifônico , e a textura musical se dilui.

o pensamento contrapontístico é superior aoharmônico-hom6fono, porque ele desde semprearrancou o vertical da cega coação do convenusharmônico. A bem dizer respeitou-o; mas indicoua todos os acontecimentos musicais simultâneos seusentido a partir da unicidade da composição, na

promove e ·unidede arquiletlmice· da Kammflrsymphonia. Cf. ROGNONI,1974,35. Também SCHOENBERG, 1979, capo XXI.

14 E tembém: •... a construçio por quanas permile 1... 1a inclusio juatificBdada todos os fen6menos da harmonia ....• /SCHOENBERG, 1979,484-485).

15 Harmonicernerne, o op. 9 eslá em 1906. muito mais 8van98do do CfJe,por exemplo, La Sacra du Printttmps em 1913. O exemplo' de ROGNONI,1974, 33.

16 ·0 que nos parece têo novo 11 ineudito na musica de SChoenbafg l! isto:esse navegar fabulosamente sllguro 11m um csos de novos sonoridadee."K. Linkll, ·Zur Einführung" in Arnold Schounberg in h6chstflT VfH.llhrung.MÜnchen. 1912. llpud ADORNO, 1978.102.

43

medida em que ele determina completamente oacompanhamento através da relação com a vozmelódica principal. (ADORNO, 1978: 88).

Ilá uma relação estreita entre uma libertação harmônica.e uma riqueza

'·fi')OÍl:a . Um acorde oissonante sempre marca a pluralidade dos. sonsI . , ldad IO compõe e esse sons ocorrem sunu taner e enquanto srmur-que:' . ' . Otanddade de vozes singulares. O acorde dissonante é pclifônicc.

,;ontra[xmto proporcionou, por sua pr6pria natureza, as fraturas naharmonia tonal. Para que o contraponto pudesse realmente se fi!mar,;01110 uma dimensão autônoma, ele necessitaria não estar auma harmonia pré-estabelecida -- o convenus --, mas sim aharmonia seria um resultado do andamento das vozes. E ISSO que ocorrena neue Musik. Em Erwartung, os complexos sonoros já são resultadoda polifonia. Esta é uma dimensão especialmente propícia para aarticulação da forma musical -- para a formação da forma --, tal c0';U0atestam Baoh eo último Beethoven (ADORNO, 1978: 88-89). A técnicadodecafônica realiza plenamente essa tendência mediante "umadisposição (Verfügung) muito maior e mais racional sobre osmusicais (ADORNO, 1978: 88). Trata-se da potenciação, por assimdizer, de uma tendência que se configurou radicalmente em Bach. eBeethoven: sõ que a técnica dodecafônica já trabalha com um materialmusical muito mais racionalizado, e essa é substancialmente suadiferença.

Nas investidas polifônicas de Bach e geerhovenambicionou-se com desesperada energia aoequilíbrio entre o coral do baixo fundamental e agenuína pluralidade das vozes, en-quanto um equilíbrio entre dinâmica subjen va eobjetividade obrigatória. Schoenberg afirmou-secomo expoente das tendências mais recônditas damúsica, na medida em que ele não mais Impos defora a organização polifônica ao material, mas simderivou-a do próprio material (ADORNO, 1978:88-89),

Isto é do acorde dissonante. Esse equilíbrio que era ambicionado porBach e Beetboven entre o coral do baixo fundamental e a genuínapluralidade das vozes é uma outra formulaçio da oposição enlre anatureza polifônica da fuga e a natureza bomofônica da sonata. AssimConsiderado, já nesses dois compositores encontram-se as primeiras'vnrativas da fusão do horizontal com o vertical. Por mais descabida

possa parecer uma afirmação dessas. se tivermos em vista o modo

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como ela se configura na ohra de Webem, é objetivamente concretizadanos contrapontos de Bach 17, Como diz Adorno, em Bach a pluralidadedas vozes estava determinada harmonicamente pela tonalidade, e nessesentido o contraponto era uma dimensão subordinada à barmonia. Masem obras como a Ane da fuga essa subordinação é suprimida 18, EmSchoenberg, com a supressão da tonalidade, o contraponto e apluralidade das vozes são completamente libertos. Isto já ocorre naatonalidade livre: nela a convenção está completamente submetida àsubjetividade autônoma. Já então "[ ... l as habilidades contrapontrstícasanunciam o triunfo da composição sobre a inércia da harmonia"(ADORNO, 1978: 89): em Erwartung pode-se falar que a "unidade dasvozes se desenvolve estritamente a partir da sua diversidade" (ADOR-NO, 1978: 90). Não há mais nada que seja imposto de fora. "Os antigosmeios cimentadores da polifonia tiverem sua função somente no espaçoharmônico da tonalidade" (ADORNO,1978: 90). Por isso a polifoniade Erwartung é algo completamente distinto; que não pode ser pensadonos moldes tradicionais, que supõem um sistema de relações (Bezug-system) que garanta e ordene a polifonia. Na música atonal tudo isso jáestá transformado, e por isso temos um novo contraponto 19.

Assim, a polifonia de uma obra como Erwartung - que escolhemos aquicomo modelo - há que ser pensada em um sentido próprio: ela é oresultado de uma pluralidade de elementos e dimensões dessa música:

45

a parataxe, a dissonância dos complexos sonoros verticais, 8organização das vozes enquanto Hauptstimme. Nebenstimme e "acom-panhamento", o tratamento camerfstico da orquestra e a sonoridadeinstrumental emancipada 20. 56 assim pode-se ter uma idéia do papelda polifonia na "música documental" do Expressionismo. Como disseCarl Dahlhaus, o princípio básico de Erwartung é a "idéia de umaexpressividade (ExpressiviJiil) que se desdobra polifonicamente"(DAHLHAUS, 1983: 156-157): "[... ] a expressividade de uma voz não.E diminuída por uma simultaneidade polifônica com outras vozes'eloqüentes', mas antes - através do contraste, da distinção ou dacomplementação - realçada. Na polifonia expressiva, expressão econstrução são, como Adorno teria dito, 'medidas uma pela outra"(DAHLHAU5, 1983, 154). Esse é o sentido da polifonia que pareceestar mais próximo das formulações de Adorno na Philosophie daneuen Musik.

IV

Em um texto bem posterior à Philosophie der neuen Musik, Adorooretrabalhou especificamente os conceitos de polifonia e contraponto. Acuriosidade do Leitor da Phiíosophte der neuen Musik é logo atiçadapelo fato de Adorno afirmar que a polifonia é o meio necessário da novamúsica (ADORNO, 1978: 26) e, contudo, não dedicar nenhumparágrafo à discussão específica desse conceito. Por que não se discutemais detalhadamente a polifonia na Philosophie der neuen Musik?

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19

Ba5talerrbrar o comentériode SchoenberlJ segurdo o qual Bech tllria5ido"o primeiroCOI'l"flOsitor dod8c8fôrico (SCHOENBERG, 1976. 28).ADORNO, 1978,89. VlIja-slI como um importante ccmentanste indica eproximidade do contraponto em Bach e em Erwartung: "O principio queastá na base do contrllPonto de Schoenberg -- em Erwartung assim comoem obras orquestrais· nio li e ilJualdade de dfveitos das vozes - impostepelo ideal dos manuais " mas sim sua difarenciação funcion",!. A voz docanto, a Hauptstimme e Nebenslimme inslrumentais e o acompanham8nto. classificadas grosseiramente - formam uma hierarquia e são diferenl;iadasumes das outras mediante o peso diferenciado na participação no discursopolifônico, A t'cnice polifônica de Bach mostra-se como um modelohistórico assim que se ebandona o preconceito de que o moivm8nto defuga seja o tipo central a paradigmático do contraponto bachiano e s8admite a polifonlll do baixo fundemental das centetee e oratórios - com asfunções modulalórias da voz do cama, dos instrumentos concertiStas. dobaixo contrnuo e das vozes secundérias figurativas ou acessórias - comomanifestação primária da polifonia .,." (DAHLHAUS. 1983, 155-15al,Webarn referia-se a isso. eo afirmar: "Essa d8sejo quo observemos napolifonie - a meior coar.ncia posslvel, carater tfpico da arte dosneerlandeses " de novo, progressivamente toma pOSS8 das coisas, 8 apartir daI se desenvolve uma nova polifonia," lWEBERN, 1984, 66),

••• O Schoenberg polifonista legitima-se em sentidorigoroso como contrapontista. Todo contrapontopossui também uma função analftica, adecomposição dos complexos em momentos par-ciais distintos, a articulação simultânea de acordocom o peso das partes e de acordo com asemelhança e contraste. Sua marca exterior é aindicação introduzida por Schoenberg dasHaupestimmen, Nebenstimmen e das vozes quepermanecem inteiramente por detrás. (ADORNO,1969: 73).

A" politi:>nia conforma-se na obra como contraponto 21 (e também comolJSsnnà ia) .. IlCla • As Hauptstunmen, Nebenstimmen e o "ecompeehemerso"

'021 aspectos nio poderio ,er equi eprofundados.enquanto contraponto II emplamonte toffi8tiz&da na Philosophie der

f18U8n MusiJr.

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46 47

Bibliogrww.

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Mas essa identidade preserva a diferença. Essa é a imagem da·1. - 22reconcr iaçao

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'C .rb omo artIsta, ele ISohoenbergl reconquiste par. os homens, pela arte, •I erdade." (ADORNO, 1978, 1181.

total. A construção da nova músíca tem DO contraponto seus pilares. Eserá o conceito de contraponto assim realizado que permitirá a Adornosua !!:rande apologia:

Enquanto síntese do múltiplo, a idéia do contrapon-lo foi, em sentido propriamente hegeliano, essen-cialmente identidade do não-idêntico. (ADORNO,1969: 82).

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"As tendências que levam a forma a converter-se em funçio do con-traponto são a organização integral dos elementos e o desenvolvimento

são os procedimentos técnicos com os quais Schoenberg operacionalizaseu altamente elaborado contraponto. Deste deriva a organização doque é simultâneo e do que se desenrola no tempo. O contraponto articulamelodia e harmonia, funde o horizontal com o vertical. Tambémcoordena ênfases diferenciadas do tecido sonoro, e a partir daí realizaos movimentos de contraste, tensão e repouso.

A nova música precisa produzir concretamente seuespaço a cada vez somente a partir de si. Ela não émais o sistema de relações do trabalho temático,mas sim seu resultado. Isso impele-a, na simul-taneidade, li polifonia. (ADORNO, 1969: 75).

Sua (de Schcenberg) autenticidade é o contrapontoobrigatório - finalmente no sentido supremo . que,a partir da relação das vozes entre si, do decorrerdas relações contrapcnustlcas, do impulso dasvozes, resulta na forma. A própria forma converte-se em função do contraponto, como não era desdeBach, cuja forma da fuga outrora exprimiu atotalidade do procedimento contrapontfstico.(ADORNO, 1969, 81).

A nova musrca não tem para si nada daquilo que um sistema lheproporcionaria: um elenco de combinações sonoras verticais, umamelódica própria, uma teoria das formas, modelos de desenvolvimentorítmico etc. Com o rompimento realizado pelo atonalismo , tudo precisaser reconstruído, a cada vez, na obra. Um dos princípios musicaisfundamentais, "que vai se tornar o próprio centro do esforço schoen-berguiano, é isto que denominamos o principio unificador, que se achana base de toda composição musical autêntica. Ora, no momento emque o papel da tonalidade enquanto princípio unificador tende a sedesagregar cada vez mais, Schoenberg supriu essa 'desagregação'mediante um sentido cada vez mais forte de unidade e economiacomposícíonais e arquitetônicas" (LEIBOWITZ, 1947: 68). É apolifonia que supre essa necessidade, dela que resulta a Fonnbildung;é ela que realiza a Zusammenhang dos elementos e dá sentido à obra.Se na música que vai de Beethoven a Schoenberg o trabalho temáticoabarcava cada vez mais a totalidade das dimensões musicais, e por fimcabia a ele realizar a Zusammennang, na nova música isto é superado(aufgehoben): simplesmente porque tudo é tema. Na música de Schoen-berg "contraponto e trabalho temático fundiram-se sem deixar sobras"(ADORNO, 1969, SO). Disso deriva o novo contrapomo.

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Partitura:

A. Schoenberg, Erwartung, op. 17. Wien, Universal, s.d.

49

Subjetividade e o Novo na ArteReflexões a partir de Adorno

Marco Helena Barreto

A1J.\"tractThís paper examines lhe status ofsubjectivity in lhe aesthetic experiencenccoording to T.W. Adorno 's perspective. This experimce is taken asparadigmatic with reference lO lhe preservation of lhe individualsíngularty, threatened by lhe anihilating powers ofnaJure aNJ society.Sprcial empha.sis ís gíven lo lhe dialectical relauo« between lhe O/liand lhe New in conremporary art as a key thai can specify the na/un'of that experience.

"Faltam homens que realizem ern silêncio o quenão tem futuro".

H.M. ENZENSBEROER

"É que tudo deve rasgar-se, ser rasgado, menos atela"

H.M, ENZENSBEROER

À função do sujeito na produção da obra de arte é atribuído o carátercondição de possibilidade na Teoria Estética de T.W. Adorno. De

f.ato, a correta avaliação da subjetividade na conceprção adomiana éà compreensão das relações recíprocas entre arte,

e natureza para a discussão da especificidade da experiênciaestética em suas implicações não somente no âmbito da arte propria-mente dita, mas também para o campo mais vasto da consciênciaContemporânea, aprisionada em seus dilemas e aporias. Acreditamosque chave contribui para a compreensão da idéia de fundo que dáConSistência e unidade" obra póstuma de Adorno e que se deixa enfeixar

tít.Ulo enigmático que ele escolheu para a mesma: uma Teoria que éc.:;tétlca.

I À 2uisa de introduçioCOnstit . .defi . uma marca registrada de todo o pensamento de Adorno ate Intransigente da subjetividade, bem como o acirramento dansão entre sujeito e objeto. A ameaça que pesa sobre o sujeito pode

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ser detectada em dois pólos: o da coerção social, que tende ahomogeneizar o sujeito peja aniquilação de sua singularidade eautonomia em prol de uma imagem coletiva do Mesmo, e o da natureza,que tende a reabsorvê-Io e destruí-lo com as forças da dispersão numOutro que se constitui como o domínio do não-idêntico radical. Apreservação da subjetividade diante das duas potências aniquiladoras daidentidade e da diferença totais aparece como um verdadeiro milagre,que causa perplexidade. Assim. é conveniente examinarmos preliminar-mente um pouco mais de perto a índole e a relação desses dois pólos,para que possamos chegar a compreender a possibilidade e a destinaçãoda subjetividade na experiência estética.

Para além da parcialidade de imagens meramente idealizadas, anatureza possui também uma faceta sombria, sinistra. Este é um fatoassinalado em campos de investigação e reflexão à primeira vista osmais afastados uns dos outros. Por exemplo: Heinicb Zimmer l obser-vou, a propósito da representação das forças da natureza em contosfolclóricos e lendas, que os elementos naturais são em si e por si mesmosindiferentes e furiosamente destrutivos. Representam, em seu estadobruto, uma ameaça à sobrevivência da humanidade (encarnada, noâmbito do imaginário, no arquétipo do herói), e devem por isto serdomados pelos artifícios próprios da cultura (o que, em última instância,é a tarefa do herói). O significado dessa ameaça é que não se podeconceber uma coincidência imediata do humano com o natural: a"expulsão do paraíso" é arquetípica e irrevogável, e a regressão totalsó se faria sob o preço da destruição da própria humanidade. Transportaao nível do psiquismo, esta proposição indica que a parcela de naturezarepresentada pelos impulsos arcaicos (a desorganização caótica do issofreudiano) deve necessariamente sofrer a interferência humanizadorada cultura, do social: diante dos monstros imaginários-matemos quenos acossam em pesadelos, nossa única salvação encontra-se na leipaterna (cuja possibilidade, diga-se de passagem, já é dada arquetípicae imaginariamente). Num primeiro momento, portanto, é a fatalidadeda cultura que mostra a destinação do humano e determina a pos-sibilidade do advento da subjetividade.

51

,'(lloca as imagens originárias, arcaicas e míticas, sob o signo danalureza, negando-lhes todavia qualquer "sentido originário". Para ele,a história entra necessariaemnte na constelação da verdade, e éprecisamenete aí que intervêm as imagens históricas (ou "modelos"),ü,zenJo falar a "eternidade destruída de linguagem" das imagensoriginárias, que assim se tornam inteligíveis e humanamente

A construção social do sentido é uma função da culturaque, por sua historicidade, renovadamente responde ao "quebra-c'ahcças" da realidade, aproximando-se desta com os "modelos" daimaginação. Pela mediação das imagens históricas, o homem escapa aoestrito dererminismc natural e acede à cultura, tornando-se sujeito, nomesmo movimento em se capacita a interpretar sua experiência,tornando-a significativa . Adorno não o diz textualmente, mas é lícitopropor que através do arcaísmo das imagens originárias ecoa a eternasedução do regresso a um tempo mítico de paradisíaca bem-aventurançana comunhão total com a natureza. Se recorrermos a uma passagem daDialdica do Esclarecimento, de 1947, em que se interpreta o mito deUlisses, podemos respaldar nossa proposição:

IAs sereias) ameaçam, com a irresistivel promessade prazer percebida no seu canto, a ordem patriar-cal que s6 devolve a vida de cada um contra suaplena medida de tempo, Quem vai atrás das ar-timanhas das sereias cai na perdição, desde que sõa permanente presença de espírito arranca aexistência da natureza. Se as sereias sabem de tudoo que se passou, elas exigem o futuro como preçodisso e a promissão do feliz retomo é o engano peloqual o passado captura o saudoso. Ulisses foiprevenido por Clrce, divindade que transforma oshomens em animais; ele lhe soube resistir e, emcompensação, ela lhe deu a força de resistir a outrospoderes de dissolução. (...) A humanidade teve queinülngir-se terríveis violências até ser produzido osi-mesmo, o caráter do homem idêntico, viril,

Encontramos esta mesma necessidade implicada na relação dialéticaentre imagens origtnãrías imagens históricas no pensamento deAdorno. A questão é esboçada primeiramente DOS textos "Reação eProgresso", de 1930, e "A Atualidade da Filosofia", de 1931. Adorno

ZIMMER, H. A conquista psicológica do mal. Sio P8Ulo, Palas Athena.1988, p. 31.

e Também fim Jung encontremo. e mesma idéia: para ela, as "verdadeseterna." da. im.n. primordial. necessitam da linguagem humana, quel1li reveste com ume temporal, e qual deva psgar o tributo do qua étransit6rio, uma ve;r que e Iinguagem.e modifica de acordo com o espfritodo tempo, com .. uan.formaç8e. psfquicas que exigem respostas (ou

noves'" misérias e desgraça de um tampo novo. Cf. JUNG,C.G. Ab-rellÇio, AnMift dos 8ON/o$ • Transferência. Pstrópolis, Vo;res,1987, p.83,

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52 53

dirigido para fins, e algo disso se ainda emcada infância. O esforço para manter firme o euprende-se ao eu em todos os seus estágios e atentação de perdê-lo sempre veio de par com a cegadecisão de conservã-to 3.

que, em sua loucura, não percebe que prepara sua prõpríaContra os excessos da coerção social, Adorno mostra Da

DíalJtica Negativa que a sarda acha-se na natureza, no "impulso arcaicoanlerior ao ego" 4, capaz de desmantelar o deUria da identidade absolutarestituir a diferença, o não-idêntico, ao seio da cultura.

Sem uma imagem histérica, tornada possível pela lei que institui eorganiza o social de acordo com uma "plena medida de tempo", asubjetividade e o individual arriscam-se à catástrofe da reabsorção poruma imagem originária, perigo figurado no mito de Ulisses peladissolução nas potências naturais, "furiosamente destrutivas em si e porsi mesmas", encarnadas na animalização operada por Circe nos com-panheiros de Ulisses e também na irresistível atração das sereias comseu belíssimo canto de morte.

Contudo, o pólo social, que até aqui apresenta-se sob seu aspectonecessário e positivo, também possui sua faceta sombria e sinistra (queencontra representação 00 imaginário folclórico sob a figura do tiranomaléfico que tenta destruir o herói). Se a cultura vem se impor ànatureza, em todos os seus níveis, possihilitando o advento da sub-jetividade. ela tende por outro lado a cair sob o sortilégio daquilo quehavia superado: tende a se instituir como segunda natureza, ameaçandocom isto a subjetividade que ela tornara possível. Na obra de Adorno,o tocos privilegiado em que se dá esta reflexão é a já mencionadaDialética do Esclarecimento. Movido pelo impulso de auto-preservaçãoque lhe é imanente e pelo terror da dissolução e dispersão no não-idêntico, apenas instavelmente superado com a "domestícação'' danatureza, o social fatalmente destina-se à instituição e manutenção doMesmo enquanto elemento de identidade que. garante sua coesão I:'

sobrevivência. Porém, uma exacerbação desta tendência (tal comoverificada no mundo contemporâneo ironicamente, também emmuitas sociedades arcaicas a-históricas) leva ao ideal dahomogeneização que aniquila a singularidade e a autonomia cunx-rítuvivas do sujeito individual, representando assim sua morte. Adornopercebeu agudamente essa tendência, referindo-a ao caráter sado-maso-quiste que se estrutura sobre o princípio ativo da dominação da natureza.A abolição da diferença e o triunfo do Mesmo em um mundobomogeneamente constituem o ideal paran6ico do caráter sado-maso-

Reencontramos, assim, a mesma perplexidade quanto ao paradoxo dasubjetividade: tecida no campo da batalha da dialética natureza-culturafatalmente ameaçada pelos dois oponentes, ela sõ pode subsistir na

mediação entre ambos. Percebe-se a insólita posição do sujeito nomundo contemporâneo; assujeitado à dupla determinação natural esocial e mediador por definição, enquanto consciência crítica é oguardião último da possibilidade de sobrevivência do humano em suacomplexidade historicamente construída. Tal problemática é con-substancial à discussão sobre a arte contemporânea e inversamente areflexão estética pode iluminar as possíveis vias de superação doimpasse do sujeito no momento histórico em que nos encontramos

2 - O sujeito na arte: a dignidade de um invólucro vazio

A afirmação da autonomia da arte, que encontra em Kant a suaacabada, traz em seu bojo a negação de que seja o sujeitofonte própria do fazer artístico. Hegel vai criticar justa-

menre a Idéia de que o artista tem uma primazia sobre a obra de arte ede que esta, portanto, seria uma imagem de seu autor. Em Adorno o

de dialética do material vem explicar a complexidade dasdeterminaçõess da -:rte, entre as quais cabe ao sujeito uma posição que

o humamsmo laudatório burguês da figura idealizada doarnsta. Para Adorno, não é raro que o artista seja menos do que suaohra, "de certa forma o invólucro vazio do que ele objetiva naO material exigên.cias concretas em toda e qualquer obra de arte,e é na adesão a essas exigêncies que se avalia a correção (StimmigkeiJ)

autêntica, progressiva. O sujeito não tira de si a obra, mas aotesSubordina_se 11 necessidade imanente e histórica do material e assimresponde estritamente à estrita pergunta que lhe é posta /;.

Cf. ADORNO, T.W. NegstÍVtI DiBltlctics. London, Routledge end KegenPauI,1973.ADORNO, T.W. TtIOriaEsr.tica. Sio PllOlo,Merons Fontes, 1982, P. 55.Cf. ADORNO, T.W. wReakelion UM FortllChrinw, in MomfllJts MuslcllUx.Frenklun, Subrk.amp, 1964, p. 153.160.

S6

,ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M. Conc.to dtll/uminismo (pt>rt.:mcentt>à Dialektic der Aulklaflrungl, in CoIflçio wOs p.nsooo'e9w. São Peulo, AbrilCulturlll, 1980, p. 110.

3

Page 30: Kriterion Sobre Adorno

5455

o autêntico é um condenado à penosa tarefa de expnnur apesa sobre ele como sofrimento. A sua verdade

depende do êxito em emprestar uma voz a esse sofrimento. Nesseill1pullJo de auto-expressão confluem sua liberdade e a possibilidade daarte

A recusa do .humanismo clássico representa propriamente a recusa dona estética, e tem amplas implicações. Ao definir o

sU.J.elto_como produtiva, Adorno abre a possibilidade de se pensarfunção subjetiva em contextualização social. Assim, a mesma

torça q.ue Impulsiona a indústria cultural vai solidificar o sujeito/forçaprodutiva em e se justificar na ideologia do sujeitohomogêneo, unidade Idêntica a si mesma eao todo. Ora a luta de morteque 0p?e. autêntica e indústria cultural é travada pc;rtanto na arenada Se as produções esteticamente independente "devem

na ao sujeito" 14, isto equivale a dizer que a artepermite a emergênCia da verdade do sujeito em sua multiplicidade emsua ao náo--idêntíco da objetividade que, comoanteno?Dente, polariza:se, na confrontação com o social instituído epervertido, sob o conceito de natureza: A fragmentariedade da obra dearte contemporânea é a expressão da multiplicidade do sujeito con-

à cama de Procusto da identidade na qual o social quer fazê-loassim que a arte apareça como reduto da

da em sua resistência à assimilação (epelo homogêneo. a arte, "antítese social da sociedade"

que a parto "grite", criando a possibilidade micro-lógtcalOolVlduo se fazer ouvir perante a totalidade.

A exyeriência estética autêntica torna-se assim paradigmática comàs demais formas de expressão e preservação do elemento

'enncamente humano enquanto mediador na dialética aatureza-cul-sobretudo em face das complexidades e ameaças j' assinaladas.

. regressão a Um estado pré-subjetivo é já inadmissível pois repre-a morte da cultura e o naufrágio da humanidade barbãrie

potenciada do poderio tecnológico conquis-A debihtaçao do espírito pela bomogeneização

. na do sujeito através dos mecanimos sociais ativos atualmenteigualmente para uma catástrofe de proporções planetárias.

laDte de um quadro tão sombrio, que favorece °pessimismo como

o desmentido do subjetivismo na estética não implica. porém. na recusada subjetividade e na desconsideração do papel do sujeito na produçãoda obra de arte. Pelo contrário: destituído de seus aristocráticosprivilégios na arte, o sujeito permanece sendo imprescindível àrealização desta. A subjetividade, lembra a Adorno, 6 imanente à arte7,

e não se pode separã-la da objetividade, uma vez que "a parte" subjetivana obra de arte é em si mesma um fragmento de objetividade" " Ditode outra maneira. trata-se aqui de mitigar a hybris do sujeito embriagadopor seu sonho de autonomia absoluta ao mostrar-Ibe como, longe de serauto-fundamentado, ele é uma combinação única, singular, de elemen-tos que em si mesmos são uaiverseís elou coletivos. Tomaremos aencantar esta idéia mais adiante. ao examinarmos a relação do Novocom o Antigo na arte.

Estranhamente. então, o sujeito que se submete às exigências domaterial é o baluarte da singularidade na arte autônoma e condição depossibilidade desta. Quando Adorno diz que "nenhuma obra de artepode ter êxito a não ser que o sujeito a encha de si mesmo" Q, ele serefere à necessãria mediação da idiossincrasia indissolúvel do sujeitoindividual, desse "elemento minimal" 10 que torna possível aquelaobjetivação de algo da coisa pela arte. A dialética entre universal esingular específica-se na arte como determinação recíproca: se toda aidiossincrasia do sujeito individual, "em virtude do seu momentomimético pré-individual, vive das forças coletivas, de que ele próprioé inconsciente", por outro lado somente através dela pode-se atingir "omomento mimético inalienável na arte", que é "segundo a suabstã . . I" "su ncra, um uDlversa .

Implicada nessa concepção da função da subjetividade na arte está umamudança de perspectiva: o sujeito, deixando de ser visto como um"genial e diletante criador ex-nihllo" ganha o estatuto menos românticode força produtiva, e como tal aparece enredado inelutavelmente numateia de complexas determinações, acossado pelas tensões que regem adialética do material e obrigado a espressé-las através de si próprio.Não está em seu poder o "ultrapassar a separação a ele augurada" 12.

7 ADORNO, T.W. TtIOria Est.tiC8, p. 56.I lbid., p. 51.9 lbid., p. 55.10 lbid., p. 191.11 Ibid.. p. 56.12 Ibid.. p. 55.

'3

"'5 Ibid.• p. 30/31. Ver também N"gative Dialectics p 17Ibid., p. 56. ,. .Ibid., p. 19.

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56 57

3 - O Novo: pecados do filho pródico

atitude realista, a promessa com que a arte nos acena deve ser"insensatamente" levada a sério. A possibilidade, ainda queimprovável de uma nova humanidade encontra-se viva no espírito L1ueanima a arte contemporânea. O novo artístico anuncia o novo humano.

Adorno reconhece no impulso à novidade a pressão do Antigo, queprecisa do Novo para se realizar" t8, Contudo, é preciso não negar adiferença o;:spo;:dfica que os separa para se evitar uma redução aosempre-semelhante que vive num contínuo a-dialético. O parentesco doNovo com a morte indica antes a descontinuidade e a ruptura deste como Antigo. A questão é complexa: não se pode destacar a perspectiva dasemelhança, pois é ela que garante a possibilidade de interpretação doNovo; tão pouco se pode desconsiderar a perspectiva da diferença, quesalvaguarda a especificidade de cada obra, detenninada nece.ssaria-mente por sua imersão histórica. O que enlaça o Novo e o Antigo é ofato de ambos serem respostas a uma interpelação que provém domaterial; o que os separa é o fato de serem respostas singulares: aquilo

A autonomia do sujeito, pela mediação do principium individUlllÍonisque é consubstanciai à arte (moderna), encontra seu correlato estéticono Novo. Se este não constitui, como salienta Adorno, nenhumacategoria subjetiva, por outro lado de não deixa de estarà subjetividade. como o está a própria arte autêntica. Através do SUjeitoa novidade potencial de não-idêntico ganha a possibilidade efet.iva deatualização. Inversamente, a suhjetividade singular e tira suasobrevivência das forças consteladas pelo Novo: como assmalamosatrás o momento mimético pré-individual da idiossincrasia subjetivafaz com que esta viva das torças coletivas de que ela é inconsciente.Para o sujeito individual, portanto, o Novo aponta para algo a.té entãoinconscierüe e coletivo. Por isto de "é uma mancha cega, vazro comoo isso" 16. Há uma necessidade ohjetiva em toda inovação: o Novo nãoé abstrato mas concreto, e "brota forçosamente da própria coisa, quede outro modo não pode tomar consciência de si, livrar-se daneteronomia" 17. Esta intrigante determinação convida-nos a examinaras relações do Novo com o Antigo com o intuito de vislumbrarmos anatureza e as implicações daquela "necessidade objetiva".

queficOU no passado é o ?u: o presente deve resolver, negandoa n::ificaçao da verdade pela Tradição.

Ibid., p. 35.

Assim, a ruptura exigida pela necessidade imanente do Novo vemdestruir a estabilidade e a aspiração à continuidade da Tradição que otorna possível. A insuficiência da Tradição, denunciada com a própria

da inovação, desfaz a ilusão da coincidência do Antigocomo universal. Submetido assim à historicidade, da qual o Novo tirasua autoridade, o Antigo abre-se à superação e à decadência pelo caráterirresistível do moderno. Paradoxalmente, dessa ferida mortal des-t'tx:hada pela novidade brotam o elemento de verdade do Antigo e amissão por ele autorgada ao Novo: realizar o que o passado emitiu pelainsuficiência de sua particularidade historicamente descortinada. Aambiguidede constitutiva do estético encontra aqui nova formulação: "oNovo é, por necessidade, al;uma coisa de querido, mas, enquantoOutro, seria o «não queridos" 9.

Se retomarmos aqui livremente a reflexão sobre imagens originárias eimagens históricas, poderemos estabelecer mais uma base para a relaçãodo Antigo com o Novo no âmbito estético, base esta cujo organon é aimaginação.

imagens originárias não portam nenhum sentido recôndito, nenhumslgniticado primordial, e por isso mesmo convidam à significação que

da linguagem e das imagens históricas. Universais,Ç; - idênti à. .... a SI mesmas e rorçosamente nao-, ennces s suas repre-

!;elltaçôes históricas, elas são, em virtude de seu índice de diferençasUscetíveis a infinitas transformações. nenhuma das quais

No domínio do imaginário, as imagens originária.s representam oelemento de invariância, enquanto as imagens históricas representam oelemento de transitoriedade. Aquelas são arcaicas, míticas, atemporais.Estas são precipuamente temporais e situam-se ao lado do social e doZeitgeist, A imagem histórica está vísceralmente vinculada à linguageme empresta uma voz (contingente e particular, é verdade) à eternidade

imagens originárias. Porém, sem o mutismo das imagensonginãrias não haveria necessidade objetiva da linguagem, e as imagens

não encontrariam sua razão de ser. Há entre imagemongjnãría e imagem histórica um abismo: o abismo da descontinuidade:-Jue fundamenta uma concepção dialética da imaginação. Ambasreclamam-se e negam-se mutuamente,

Ibid., p. 32.Ibid .. p. 34.Ibid., p. 34.

,.17,.

Page 32: Kriterion Sobre Adorno

5B

ba 1 · sua abundância de relações inexaunvel.a cear sua p unvOcl....ue , . . ," IRepresentantes virtuais no imaginário do en!gma da e assão a chave do impulso à novidade, determinando, por suasurabilidade, a necessidade que ()Antigo tem do Novo para seAlteridade absoluta com sua imobilidade (.I!;: Esfinge muda, das par-ticipam na constelação dialética do modem?, uma quemoderna através da mimcse do que está petrificado e alienado .po ue o moderno é paradoxalmente "um voltado contra SI

21 e o Novo está inelutavelmente destinado à Au.fheflUnKhegellana, negando e preservando o Antigo.

Tais "cachos" de contradições vêm atestar aque caracteriza a contemporaneidade em todas as suas manitestacões.O cada do Novo são as transgressões a que de é fatalmentecompelido :m sua destinação na hist6ria do Espírito, e lembram a

e. h· 22aula-definição do Mefistõfeles goet rano :

FAUSTO: Pois bem, quem és então?

MEFISTÓFELES: Sou parte da EnergiaQue sempre o Mal pretende e que o Bemsempre cria.

FAUSTO: Com tal enigma, que se alega?

MEFlSTÓFELES: O Gênio sou que sempre nega!E com razão: tudo o que vem a seré digno sõ de perecer;Seria, pois, melhor, nada vir a ser mais.Por isso, tudo a que chamaisDe destruição, pecado, o mal,Meu elemento é, integral.

59

Anotações acerca da Relação entre FilosofiaConcreta e Filosofia Especulativa na Obra de

T.W. Adorno.

Ricardo Musse

Re.,·umogste artigo procura destacar, a partir da relação de mútua dependênciamIre o concreto e o especulativo em Adorno, alguns POntospeculiaresdo estilo, ou melhor, da l'XfJOSiç/lo filosófica adomiana. A recuso dedefinições, a busca de constelaçlJes, a construção de "ModelosCríticos" sõo exonunadas à luz da concepção adarníana do parconceito/ndo-conceitual. Pretende-se assim esclarecer melhor areíaçãa entre verdade e hist6ria nafilosofia ih Adorno.

J - Especulativo e Concreto

Adorno autocompreende a sua fítosoâa como um "pensamemo de<'O!llf'údos". Isso Indica que a filosofia deve mergulhar no heterogêneo. sem a segurança de categorias dadas de antemão - prescindindo datécnica usual de aplicação de conceitos àquilo que já estava previamente

sob sua definição.

Essa recusa a degradar os conteúdos à condição de exemplos del"ategOrias, a tentativa de evitar o estabelecimento de um corpus deteoremas, de Uma fórmula la qual os fenômenos sejam reduzidos, emsuma, o esforço visando a concreção se complementa, em primeiro

num deslocamento, com uma alteração do objeto de interesse datllosofia: trata-se de uma revolta

202122

lbid., p. 33.Ibid., p. 35. . I f - 1981GOETHE Fausto (trad. Jannv Klabin Segalll Belo Horizonte, ta 18'8.

(... ) contra a doutrina, arraigada desde Platão,segundo a qual o mutável, o efêmero, não seriadigno da filosofia; revolta-se contra essa antigainjustiça cometida contra o transitório, pela qualele é mais uma vez condenado, DO plano do con-ceito (ADORNO. o ensaio comoforma, p. 174).

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Tal valorização do singular enquanto Insubmisso a categorias, distintade um mero ajuntamento de dados, demanda uma ampliação, umalargamento do âmbito da experiência filosófica. ou melhor. nos termosde Adorno, exige" ... ir além da separação oficial entre filosofia purae aquilo que tem conteúdo objetivo (Sachhalrigem) ou é formalmentecientífico" (ADORNO, Negonve Dialelaik. p. 10).

No entanto, o "momento especulativo" também é essencial ao. seupensamento. No prefácio à Dialética Negativa, de umade Benjamin. Adorno apresenta o livro e, por consegumte, li.de estabelecer uma teoria que libere a dialética de sua essência afir-mativa, como um trajeto pelos "desertos gelados da abstraçilo".

Adorno fundamenta a distinção entre a sua concepção e as acepçõestradicionais de especulativo a partir do próprio ato de pensar: "pensarjá é em si, antes de qualquer conteúdo particular, negação,(Resistem) contra aquilo que lhe é impingido" (ADORNO, NeganveDia/eJaik, p.30).

Assim, não é como uma metodologia dos trabalhos aplicados, mas comoresistência, negatividade, crítica ao estabelecido que devemos com-preender o conceito de especulativo:

Emtal resistência (Widersrand) sobrevive o momentoespeculativo: como aquilo que não deixa que sua leiseja prescrita pelos fatos dados (Tals(uhen), transccn-dendo-o mesmo em contato mais estreíro com osohjetos e na recusa de uma transcendência sacrossan-ta. É onde o pensamento está para além daquilo aoqual, resistindo, ele se prende que está a sua liberdade(ADORNO, N.D., p.29).

Essa rebelião contra o imediato nutre a resistência da filosofia deAdorno ao positivismo. Nesse ponto, aproxima-se da tradição idealista,pois compartilha com ela uma mesma recusa à predominância dofactual, dos dados imediatos. Porém, Adorno rejeita o modeloidealista de um aprlorismo estático que concebe harmonll..:amenle arelação entre o teórico e o empírico. Segundo ele, a filosofia .ideal!s.ts.ao ater-se exclusivamente à imanência de construções 16gicas, identificafalsamente teoria e unidade formal, universal e particular.

Uma vez que a filosofia, no entanto, "... não pode, mesmo após recusaro idealismo, prescindir da especulação" (ADORNO, N.D.: p.27), paramelhor desenvolvê-Ia é preciso restabelecer o especulativo com urnsentido mais amplo que aquele que possuía em Hegel, pois ao vinculá-lo

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com o terceiro momento da dialética, o racional-positivo, Hegelpositivou o especulativo, privando-o daquilo que mais interessa aAdorno: a negatividade, o potencial crítico.

AyesSOS a uma possível unificação sistemática, tensos, retesados numarelação de descontinuidade mediada pela relação entre o universal e oparticular em sua concreção histórica, os momentos especulativos econcretos não se inscrevem num mesmo conrinuum, mas tampouco sãomomentos estanques, já que estão inter-relacionados: o pensamentoespeculativo necessita, em sua imanência, do corretivo do objeto, doconfronto com o teor coisal: a filosofia concreta, por sua vez, necessitada negatlvídade do pensamento e mesmo do desdobramento doespeculativo.

Neste prisma, a problemática da dialética, em Adorno, ultrapassa aforma de questionamento usual nos meios acadêmicos que se limitam aindagar pela validade atual de uma maneira de filosofar historicamentetransmitida ou, então, se preocupam apenas em determinar o estatutofilosófico do objeto do conhecimento. Repensada como uma inquiriçãoacerca da possibilidade de se pensar uma dialética fora do registro deum sistema idealista, a "dia/ética negativa" vai além e transforma essaquestão numa indagação acerca da própria possibilidade de filosofarsobre conteúdos.

2 - O Mediato e o Imedlate

Se" o interesse da filosofia, doravante, volta-se para aquilo que até entãoparecera supérfluo - o não-conceitual, o individual, o particular - e seo meio da reflexão filosófica são ainda única e exclusivamente osconceitos. a filosofia de Adorno move-se, então, numa contradiçãoautoconscíeme: a necessidade de expressar conceitualmente o não-con-ceitual, Nesta contradição, Adorno identifica a meta do conhecimento:"A utopia do conhecimento seria abrir o não-conceitual como conceitos,sem torná-lo igual a eles" (ADORNO, N.D., p.21).

Assim, uma prévia, ou melhor, contínua contestação da soberania doconceíto inscreve-se como momento essencial do modo de pensar deAdorno. O primeiro passo é escapar à armadilha que identifica pen-samento conceitual com idealismo. Por conseguinte, uma vez aceita

premissa a ressalva de que o material da filosofia são conceitos,nao cahe - como o faz o materialismo vulgar ou ainda o existencialismo. o caminho que parte dos conceitos, pois assim deixa-se intocadoli pressuposto: toda filosofia, por ser conceitual é idealismo. DessellJodo I· AdoiJ

••• sa lenta mo, o que todos reafirmam, mesmo que apenasllpllCttamente, e que cabe negar com veemência é autosuficiêneia do

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conceito. É necessário recusar tanto a sua feríchização no idealismo,quanto a vereda trilhada por estas tentativas frustradas de escapar aoconceitual, que apenas servem para reforçar a sua pretensão à unidadee à onipotência. Para tanto, Adorno promove uma inversão na própriadefinição de conceito: "Em verdade, todos os conceitos, inclusive osfilosóficos, visam o não-conceitual. já que são momentos da realidade,a qual impõe a formação deles" (ADORNO, N,D., p.23).

A tradição filosófica já havia, desde Kant, se assegurado da necessidadedo não conceitual, de, pelo menos, assocíã-to ao conceito, para evitara vacuidade deste último. Além disso, conceitos sempre são conceitosde algo e designam assim, enfaticamente, o não-conceitual tentandosignificar algo além deles próprios. Para Adorno, no entanto, taisconsiderações são ainda insuficientes; é preciso dar ainda um novopasso, invertendo () sentido dessa relação:

Aquilo que caracteriza conceito é tanto a relaçãoao não-conceitual - assim como, mesmo para ateoria do conhecimento tradicional, toda definiçãode conceitos necessita de momentos não-con-ceituais, deicticos - quanto, ao contrário, afastar-sedo ôntico enquanto conceito é unidade abstrata dosonta compreendidos por de. Mudar a orientaçãoda conceptualidede, voltá-Ia para o não-idêntico,eis a chameira de uma dialética negativa (ADOR-NO, N.D., p. 24).

Essa inversão, essa nova e original doutrina 00 conceito pennitirã aAdorno combater a "ilusifo de uma subjetividade constitutiva" e con-testar u seu correlato necessário: a idéia de uma filosofia da identidade.Uma vez dissipada essa ilusão, a articulação conceitual não se organizamais a partir de um princípio e nem pretende abarcar a integralidade Liaexperiência, a totalidade do finito. Isto leva Adorno a rejeitar aorganização sistemática, a procurar evitar a instauração de um sistema.Destarte, seu pensamento se desenvolve pela tessitura de conexõesaml-sistêrnicas:

o ensaio exige não menos, porém mais que oprocedlmenro por definições, interação dos seus con-ceitos no processo da experiência espiritual. Nesta,eles não constituem continuidade operacional e opensamento não avança unilateralmente, mas osmomentos se entretecem como num tapete (ADOR-NO, Oensaiocomoforma, p. 176-7).

63

\ 'SUl articulação, não organizada s.:gundo um JWincípo supremo.dá o oome de con.udação.

,. ln;ado a renunciar à afirmação predicativa. Adorno _Doa ai. de identidade nnr..-......da Wljzaadoem Iarp

1-' 1"""'->Sl:ala não apeaas as figuras micrológicas viDculadluo 1 c:stnIImI da:nlell\'3 e da frase - e. por oooseguiote, atadas 1 funçio sinrltica _do<"ooceilo -, mas também esIrUhmIs Assim. cu.truçoeshipoléticas audac.iosas. como,u1ísticas e se esqwvando l hlelUlplUl lógica" siDlu.e sulJcJnillllliva.alinharnemos cujos eIemeutos se COD.'Ctam de outro modo que • .mDlIJilsjuízos,sulm1issão da linguagem ao pcasamenlO. o esltlo de Adorno se ÚI:na a

( ) presença da consldação dasiUvras.de uma coostdação todavia. que não se satisfazcom a forma da sentença. Esta, comonivcla a multiplicidade qUl': se eocontra -.s pala-vras (ADORNO, Paraiaxis, (1_102)

Não se trata, porem, de nenhuma crença no poder mágico da pdavraou mesmo da escrita. Na a 1.'01L..1dação só permite o COII-

hecímeolo do objetivo ao amr um canal que possibilita o acesso aoprocesso acumulaoJo:

O objeto abre-se a uma mooadoIógicaque': é consciência da consteãeçâo lIIll q.r ele seencontra: a (lossihilidade de um mergulho DO inla-00 ncccsxita l.1aquilo que é externo. Mas. uma talunivcrsalidad.: imanente do singular é objdiva <':0-quanto história sedimentada (AOORNO.Dialt'kJik., p. IM).

Para conhecer o singular, o individual. para efetivar-sc comonúcrologia, já sabemos, o pellSallld1to só dispõe daquilo que i

ou seja. de coeceaos, logo, de meios que são. pordcfillição.macrol6gicos. Por outro bIdo.. a imersão DO smcur- &eUmomeoo. imprescindível o -ir aIhn do objno- , dado p:IIi ........idado"de superar a exigênciade Esta formade peasu-1I':Cdx:u. emAdorno. um deIermiudo _• k:osio entre. filosofia e o..::sp.;xulalivo exige que. se .....vés

A exipia de rigor (VeJbindlicbk<':it) sem siskm:aé a exigêllcia de Modelos de pe....-. F.sIes aio são

OModdoali.

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o específico e mais qUe o esp,;.·dtico, sem vohuizar-se no seu conceito superior mais geral. Pe-nsarfilosoficamente é equivalente a pensar t'·111

Modelos; a dialética negativa é um conjunto deanálises de "Modelos" (ADORNO. N.D., p. 39)_

Assim, pontes entre as categorias qualitativamente modificadas dadialética negativa e o domínio do real, os Modelos filosóficos de Adornoocupam um lugar privilegiado na conexão que ata o pensamento deconteúdos ao especulativo.

Uma vez que essa relação mútua deve dar-se nos moldes de umafilosofia da não-identidade (onde o particular não seja mais suprimidopelo conceito), o trânsito de mão dupla entre a concrecão c: oespeculativo dá-se sob a forma de uma tensão, de uma diferenciação.O especulativo combate a primazia do sujeito, a organização sistêmicado saber, o positivismo, (l idealismo, em suma, a filosofia da identidadeem seu sentido abrangente. Tendo em vista a prática cotidiana, o papeldo especulativo - explicitado apenas retrospectivamente - não é fim-damentar , mas tão slÍ estabelecer justificações a posteriori para oexercício de análises concretas. sua vez, os trabalhos aplicadostampouco são a explicitação inditerenciada de considerações gerais, jáque não são meros exemplos: o seu proceder não se confunde com aexemplificação.

Podemos, então, entender "Modelos" como aqueles trabalhos aplicadosem que a teorização fornecida pelo desenvolvimento do especulativo é

explicitamente considerada. Assim, para compreendermos melhor esst"conceito, o mais adequado é nos debruçarmos novamente soh \l

procedimento definido por Adorno.

3 - Sistematiddade e Rigor

Adorno reconhece que a crítica ao sistema não líquida a sua pertinência_segundo ele, para que a filosofia não se torne cética, mas conserve: oseu vigor, é preciso conservar a insistência sobre a possibilidade deconhecer do pensamento sistemático. Assim, a sua posição não con-figura um simples descarte do sistema:

A crítica do sistema e o pensamento asaisternãticopermanecerão exteriores enquanto não puderemliberar a força de coerência que os sistemas ideal is-tas adscreveram ao sujeito transcendental (ADOR-NO, N.D., p. 36).

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.\ do sistema deve dar-se, portanto, conjuntamente com a,'poservação deste seu impulso, ou ainda, na terminologia de Adorno,com a manutenção da sistematicidade. Essa exigência de sis-["rnalicidade. deve ser entendida como uma procura de rigor: "umatilosofia especulatíva, sem alicerce idealista, requer fidelidade ao rigorI'am quebrara reivindicação autoritária de poder" (ADORNO, N.D., p.29).

() rigor, em Adorno, não é associado à lógica, mas vinculado estrita-mente à expressão:

Expressão e rigor não são para a filosofia pos-sibilidades dicotômicas. Elas necessitam um dooutro, um não é sem o outro. A expressão édesembaraçada da sua contingência pelo pensar emrelação ao qual a expressão se esforça tanto quantoo pensar em relação a ela.°pensamento sõ se tornadenso (hündig) pelo expressado, através daexposição lingüística; o dito laxo está mal pensado(ADORNO, N .D., p.29).

Desse: modo, a exposição não é algo indiferente ou exterior à filosofia,mas imanente à sua idéia:

o momento integral de expressão da filosofia,não-conceitual e mimético é objetivado s6 atravésda exposição da linguagem. A liberdade dafilosofia nada mais é que a capacidade de propor-cionar voz à sua não-liberdade. Quando o momentoda expressão é arrogado degenera em visão demundo; onde a filosofia renuncia ao momento daexpressão e ao dever da exposição, é assimilada àciência (ADORNO, N.D., p.29).

i\ vntase adomiana no papel da exposição, por um lado, permite-nosvrueuder o estilo e o caráter peculiar dos seus escritos. Assim, avxposiçâo paratática, a busca de constelações, a utilização incessante e'ruoterrupta de tropos e quiasmos, a brusca associação de teor coisal e

bem como a preferência anti-sistêmica por artigos, aforis-ruas, palestras, notas, estudos, pequenos escritos, ensaios e modelos.<'lll suma, o caráter fragmentário da sua escrita e dos seus textos devem-vr tomados como um momento dessa preocupação adomiana emultrapassar o tom, o estilo e o modo de pensar sistêmlco.

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Mas também, por outro lado, a centralidade do conceito de exposiçãopermite-nos ainda examinar o lugar da filosofia, ou melhor, pensar lidistinção entre esta, a ciência e a arte:

Ciência e arte se separaram com a progressivaobjetivação do mundo ao longo do processo dedesmirologlzacão: é impossível restabelecer, comum toque de mágica, uma consciência em que visãoe conceito, imagem e signo, constituam umaunidade (se é que isso alguma vez chegou a ocor-rer), e a restauração de tal consciência acabariarecaindo no caótico (ADORNO, O ensaio mmoforma, p. 170-).

Adorno não condena apenas uma falsa reunificaçâo, a hipostazieção d,1separação também deve ser rejeitada: "Mas não é porque arte e ciênciaSe separaram na história que se há de hipostasiar a sua antfte-«-"(ADORNO, O ensaio como forma, p.ln).

A distinção entre exposição filoslÍlica científica leva Adorno aabandonar o procedimento definitório A exigência de definições e-mfilosofia é considerada por de como urna ingerência indevida, seja deum modo de pensar pré-crítico, ainda prenhe de resíduos escolãsticos.seja do método cientifico erigido, pelo positivismo, em padrão para ométodo filosófico:

Enquanto II movimento que surge com Kant, vol-tado contra resíduos escolásticos no pensamentomoderno, coloca no lugar das definições verbais aconcepção dos conceitos a partir do processo emque eles são gerados, as ciências particulares insis-tem em função da imperturbável segurança tio seumodo de operar, na obrigação pré-crítica dedefinir; nisso, os neoposltivlstas, para os quais Ilmétodo científico é sinônimo de filosofia, coin-cidem e concordam com a escolástica (ADORNO,O ensaio como forma, p. 176).

As definições são, portanto, rtljeitadas por Adorno tanto comoprocedimento operat6rio • "o ensaio exige não menos, porém mais queo procedimento por definições, interações dos seus coecettos no preces-so da experiência espiritual" - quanto como ponto de partida da filosofia:"o ensaio, em contrapartida, assume em seu próprio proceder o impulsoanti-sistemático e, sem cerimônias, introduz 'imediatamente' conceitostais como os recebe e concebe" (ADORNO, O ensaiocomo forma, p. 176).

67

enquanto momento inicial e o. procedimentoJ f nilúrio tampouco ressurge na decantação conceitual. Embora

que os conceitos, tomados comosedimentaçõeshist6ricas, estãos8.Jiatizados peja história, pelo processo de socialização, pela lin-

nem por isso adota a metodologia da análise sig-fenomenológica:

o ensaio parte dessas significações e, sendo elemesmo essencialmente linguagem, leva-as avante;ele gostaria de ajudar a linguagem em sua relaçãocom os conceitos, de tomá-los refletidamente taiscomo eles já se encontram inconscientementedenominados na linguagem. Isso é pressentido, nafenomenologia, pelo procedimento da análise sig-nificacional, sõ que aí li relação dos conceitos coma linguagem se converte em fetiche. ° ensaio seposiciona tão ceticamente diante disso quantodiante da pretensão de definir. Sem apologia, as-sume a objeção de que é impossível saber acima dequalquer dúvida que idéias se deveria fazer dosconceitos. Pois percebe que exigir definiçõesestritas contribui há muito tempo para eliminar,mediante a manipulação dos significados do con-ceitos através de sua fixação, o elemento irritantee perigoso das coisas, que vive nos conceitos(ADORNO, O ensaio com%mw, p. 176).

... - Histõria e Verdade

() ponto de partida da filosofia, segundo Adorno, não deve ser nemdefinições nem o imediato, mas sim os conceitos estabelecidos datradição filoséflca. A matéria prima que cabe à filosofia trahalhar, é oI'níprio pensamento, ou melhor, a sua hist6ria. Afinal, "textos a sereminterpretados e criticados constituem um apoio inapreciável para aobjetividade do pensamento" (ADORNO, Sucnwone, p- 19).Mas para poder valer-se da história da filosofia, Adorno procurdidentificar nela um viés, um veio que permita uma utilização filosofica-mente fecunda, Assim, rejeita a concepção atomizada e estática dahisteria da filosofia e defende, frente às posições que afirmam pen-'emenros e concepções eternas ou atemporais, uma concepção quesalienta a convergência do histórico e do critico:

Desde os enaltecidos pré-socrãücos, os filósofostradicionalmente transmitidos foram críticos.

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Xenõfanes, li cuja eSCII!a remonta ()conceito de ser,que hoje é voltado contra O conceito, queria des-mitologizar as forças naturais. O falo de Platãohipostasiar o conceito em idéia foi percebido porAristóteles. Na época moderna, Descartes mostrouque a escolástica dogmatizara a mera opiniãoLeibniz foi o crítico do empirismo; Kant (l eleLelbnlz e, ao mesmo tempo, de Hume: Hegel (l deKant, Marx o de Hegel. ( ... ) Esses pensadorestinham na crítica a própria verdade. Somente da,enquanto unidade do problema e de seus argumen-tos, e não a adoção de teses, estabeleceu aquilo quese pode considerar como a unidade produtiva dahist6ria da filosofia. Desenvolvendo uma talcrítica, mesmo os filósofos em cuja doutrina pa·sistia o eterno e o Intemporal obtiveram o cerne doseu tempo, sua localização histórica (ADORNO,Eingri./fe, p. 14-15).

Nessa convergência de crítica e história, podemos identificar novamentea presença e a inter-relação entre o momento especulativo e asidade de concreção. Mas, cabe também observar que essa mediação,fiel ao espírito da dialética negativa, não significa, o estabelecimentode nenhuma outra hierarquia, de nenhuma ordem de precedência.Assim, não há aí nenhuma predominância, seja do histórico, seja 1.10sistemático.

A atenção ao histórico, a rejei ..... ão ao apnorisrnc lógico não signilil'amum abandono ou uma desaparição do sistemático. Pelo

As intersecções e incongruências hislúril',ls quc' sedão entre os conceitos não podem ser atribuídassimplesmente à história, como se tossem algo nãoconceitual que nada tivesse que ver, como sóidizer, com o sistemático, portanto, com as questõesem torno da verdade. As mudanças históricas dafilosofia, e esta é pelo menos uma mediação essen-clal entre o aspecto por assim dizer histórico e Oaspecto por assim dizer objetivo, procedem antesem larga medida de questões objetivas ousistemáticas (ADORNO, Phitosophische Ter-minologie, 23, p. 44).

A preocupação com as questões objetivas ou sistemãticas. no entanto,não impede que Adorno recuse a idéia tradicional de verdade, isto é, a

69

concePção que a toma como uma busca de essências atemporais. OhistóriCO, insiste Adorno, deve ser efetivamente incluído enquantomomento essencial da verdade:

(•.• ) o eosaio não se deixa intimidar pelo depravadopensamento profundo de que verdade e hist6ria secontraponham irreconciliavelmente. Se a verdadetem, de fato, um núcleo temporal, então, o plenoconee.Klo bisl6rico se converte Dum momento in-tepaJ dela; o a postenori se torna concretamenteum a priori, como Fíchle e seus seguidores oexigiram somente em termos gerais (AOORNO, Oensaio comofonna, p. 174).

o conceito inicial, do qual parte a reflexão em Adorno, é aquilosedimentado historicamente como objeto. Trata-se, portanto, de algotemporallzado e não de um CO/l.uruclum 16gico. Por outro lado, enquan-to conceito, tampouco é algo puramente fectuel, empírico. Esse con-ceito, ao mesmo tempo sistêmico e histórico, deve então, ser submetido,num duplo movimento, à critica e à concreção.

Tal movimento efetiva-se pela mediação da "experiência espiritual".Não se trata, porém, de um mecanismo puramente subjetivo, que comotal pré-formaria os fatos, mas, no confronto com o beterônomo, de umareferência ao histórico:

A referência à experiência - e o ensaio lhe emprestatanta substância quanto a teoria tradicional às merascategorias - é uma referência a toda a história; aexperiência apenas individual, com a qual teminício a consciência como aquilo que lhe é maispróximo, está ela mesma já mediada pelaexperiência mais abrangente da humanidadehistórica ( ... ) Por isso, o ensaio passa a rever erevidar o menosprezo pelo historicamenteproduzido como objeto da teoria (ADORNO, Oensaio como forma, p. 174).

Ao lado da experiência espiritual conjuga-se, pela crítica, pela mediaçãodo especulativo, o movimento que procura mudar a orientação da

direcionando-a para o não-idêntico. O mero ato de:h:ntar a universalidade do conceito implica a percepção de que oP:trhl.:ular também habita - assim como é habitado - a universalidade.o conceito é, portanto, em sim mesmo seu outro, já que está indis-solUvelmente alado a este outro. Por sua vez, no particular, aquele

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momento que é indefinível pelo conceito excede a sua existênciasingular, ao ser posto em relação com aquilo que não é ele mesmo.Assim mediado, tal momento torna-se o alvo, O objeto preferencial deuma constelação conceitual.

Perceber a constelação na qual a coisa se encontra, decifrar a históriaque o singular carrega em si enquanto algo devenido, conhecer oprocesso nele acumulado, não prescinde de um sujeito fortalecido.Somente este está habilitado - ao possuir a espontaneidade e aconcentração necessárias - a desenrolar a história sedimentada noobjeto, já que somente pela experiência espiritual se pode apreender auniversalidade imanente do singular como objetiva.

Blbllograüa

ADORNO. T. W. "O ensaio como forma", in: COHN. Gabriel. comp.Theodor W. Adorno. Trad. Flávio R. Kothe. São Paulo, Ática.1986.

------------- "Paretaxls", in: ADORNO, T. W. Notas de Litercuura.Trad. IdalinaA. daSilva. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 1973.

------------- EingrijJe; Neun kritísche Mot!el/l'. Frankfurt (M),Suhrkamp, 1964.

-------------- Negative Díalelaik, 3 ed. Frankfurt (M). Suhrkamp, 1982.

••----------- Stichworte, 5 ed. Frankfurt (M), Suhrkamp, 1980.

Philosopbische Terminoíogíe, Zur Elnleítung, b.l-l.Herausgegeben von Rudolg zur Llppe, Frankfurt (M), Suhrkamp,1974.

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Da Dialética do Esclarecimento à TeoriaEstética: Algumas Questões1

Marcos Nobre

Rl'.wrno() presente artigo é um roteiro de pesquisa que tem por objetivotnvesttgar a posição dJJ Dialética do Esclarecimento (1947)-. de autoriade Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. no percurso intelectual deAdorno. Tem-se em vista principalmente as relações entre a obra de1947 e as obras tardias. a Dialética Negativa (1966) e a Teoria Estética(1970). Traia-se antes de mais nada de questionar um qua.ve lugarcomum na bibliografia sobre Adorno: as passagens um tanto quantoabruptas e imediatas entre estas duasconstelações de textos. Oquenilosignifica, entretanto, descorar da profunda tifinidadt teórica que uneesses dois momentos da obra adomiana. A investigaçiJo revelará porfim a necessidade da corfronmçõo com os trabalhos de Walter Benjaminpara uma correta compreensão dafilosofia de Adorno.

É um procedimento corriqueiro na bibliografia sobre Adorno se socor-rer da Dialética do Esclarecimento (1947), escrito em parceria comHorkheimer, todas as vezes que se encontram dificuldades em explicartextos da Dialética Negativa (1966) ou da Teoria Estética (1970). Eessa posição privilegiada da Dialética do Esclarecimento corre porl"Imta de seu caráter de "fundamente histórico-filosófico": não obstanteas Juas décadas que a separam das últimas obras de Adorno, elarermaneceria a chave para a compreensão do nosso autor.

o presente trabalho coloca-se a tarefa de tematizar essa relação um tantoquanto imediata entre o livro de 1947 e as obras tardias, Entretanto,não se encontrará aqui muito mais que um roteiro depesquisa que anseiapor aprofundamento. Nem tampouco se pretende inverter a perspectiva,huscando outra fundamentação teórica dos últimos escritos de Adornoljue não a Dialética do Esclarecimento: trata-se antes de apontar

Este trllbalho beneficiou-se dos seminérios desenvolvidos }unto ao grupode lógica e Filosofia Polftica do CEBRAP(SPI.

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rupturas ou fissuras num quadro geral em que predomina a con-tinuidade. Atentar para fissuras que não se pretende preciosismoacadêmico, mas indicação de mudanças de rumo importantes no con-texto de um projeto filosófico. Para tanto. não basta apenas examinaro percurso que leva da Dialética do Esclarecimento à Teoria Estética,mas se faz necessário compreender também a gênese do livro de 1947:compreender as vicissitudes e caminhos das questões que conduzem danoção de crítica marxista às dificuldades teóricas enfrentadas porHorkheimer em seu texto de 1937, "Teoria tradicional e teoria crítica".Veremos, por fim. como é decisiva a referência aos trabalhos de watrerBenjamim. E talvez o confronto com Benjamim nos pennita ver sobnova luz a posição da Dialética do Escíarecimewo no percurso inrelec-tual de Adorno.

A estratégia da exposição fica facilitada em virtude mesmo do pres-suposto: se li imediatez das passagens entre a Dialética do Esclarecimcn-lo e as obras tardias é moeda corrente, bastará tomarmos um únicoexemplo representativo da bibliografia sobre Adorno para obtermos ofio condutor de que precisamos. Vamos nos deter sobre três páginas deum artigo de Burkhardt Lindner (LlNDNER, 1983, pp. 76-78).

o ponto central da discussão de Lindner são a.. diferentes reações deAdorno e Benjamin frente à crise da cultura burguesa. Benjamin leriapermanecido fiel às "análises históricas concretas de Marx e Engels".tais como - enumera Lindner - As lutas de classes em França, A KUI'lTIIcamponesa na Alemanha e (o que é no mínimo surpreendente) oManifesto Comunista (Cf. L1NDNER, 1983, pág. 86). Adorno, aocontrário, teria simplesmente constat.ado na decadência cultural dasociedade burguesa a caducidade dos conceitos tradicionais da crüicada economia política como classe, base-superestrutura. crise dasrelações de produção provocada pelo desenvolvimento das forçasprodutivas (IDEM, pág. 75). Dentre os pontos em que Lindner opc:-)<::Adorno a Benjamin, causa espécie, entretanto, aquele que se refere aoconceito de ideologia: "Nas análises de Adorno, o conceito de ideologiaassume a função decisiva, que é a de poder afirmar a objetividade dasrelações nos fenômenos de consciência; frente a isso, o caráterespecífico de classe e a ancoragem institucional são desconsiderados.Benjamin, ao contrário, evita as dificuldades do conceito de ideologia,sobretudo a pretensão de uma ordenação sistemática de base e super-estrutura" (IDEM, pég. 82). E Benjamin teria conseguido evitar essasdificuldades através da noção de "fantasmagoria"; e, naturalmente.jamais teria deixado de lado o "caráter específico de classe".

Lindner oscila entre a ênfase no abandono por parte de Adornocategorias clássicas da crítica da economia política e a tendência de

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, a Benjamin justamente a partir desses mesmos conceitosNo final das co ntas , Benjamin teria permanecido fiel ao

Xj,la.. 'mo deixando de lado algumas de suas questões clãsstcas,) mes . .-1H\ , to Adorno mesmo mantendo em alguma medida o jargao

estaria muito mais distante de Marx e do marxismo. Eo lugarmarx.IS , . . . á D' léti d, il giado para verificar essa diferença est na la inca o

en,:imento. Esta "reconstrói a história da sociedade burguesa àque reduz o princípio de equivalência à sua origem mítica e

me I rnca de todas as ideologias do progresso, descreve a perpetuaçaona cn . ' flexârfeiçoamento do encanto rnitico. Enquanto aqur a auto-re exaohistórico reconhece (erkennt) a continuidade da catástrofe,o . . . d

rratu-se, em Benjamin, de rompcr lugar eter-, ado e de atribuir (zuerkennen) força pohllca decisiva aos conhe-mina 1 d inado '. tos (Einsichlen) a serem ohtidos nesse ugar etermlOa ocrmenIL1NDNER, 1983, pp. 81,82),

Sendo assim, é na Dialética do Esctarecimemo que devemos asconseqüências desse estranho desvio do marxismo que. é aAdorno: através da reformulação dos pressupostosAdorno procede, quando comparado a Benjamin, de essencial-mente mais sistemática; a Teoria Crítica não deixa dúvida de que secompreende como par da Des.se0:000, éde produzir uma crâica da ligação entre dominação SOCIal,e técnica, o que raramente foi problematizado por Marx. A ,CrI.tlca,contudo, torna-se simultaneamente abstrata, já que o olhar ecada vez mais sombrio em direção à história não encontra ponto,A crítica surge como resultado de um trauma cujo carãter coerclllV? é

hipostasiado pela gênese histórica" (IDEM, pág;. 88). Eseguinte: "A justa amplificação do momento de da domlOaçao ea abrangência do motivo da opressão da natureza interna econduz, paradoxalmente, a uma absolutização a-histórica dadominação" (IDEM, pãg. 89).

As imprecisões são muitas e cabe ao conjunto da presente expos.içãodeslindã-las , Mas é possível nos perguntarmos desde já o que significaproceder "de maneira mais sistemática que Benjamin" ou então o quesignifica "Teoria crítica". Neste último caso, se Lindner estáreferindo ao artigo de Horkheimer de 1937, "Teoria tradicional e teoriacritica" , fica a impressão de que ele não vê nenhuma diferença ent.relesse texto e a Dialética do Esclarecimento, publicado dez anosCom isso observamos que, mesmo quando tenta interpretar a poSlçaodeAdorno à luz dos textos doperíodo do "materialismo interdisciplinar"(V. p- ex., LINDNER, pp. 73-74), trata-se de mera descriçãode uma posição teórica e não de buscar a glne.<:e e a dostextos. O mesmo se aplica a Georg Lukàcs, que mereceu uma Simples

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e pontual referência no que diz respeito .à teoria da reificeçâo (Cf.IDEM, pég , 84). Este procedimento é repetido tamhém quan<;loao contrário, de apontar as semelhanças entre Adorno eBenjamin: naoencontramos senão uma simples enumeração de caregortas comum aosdois autores (Cf. IDEM, pp. 78-79).

Não obstante todas as imprecisões e erros contidos no artigo, fica,entretanto, a impressão de que, no que se refere a Adorno, muitasquestões pertinentes foram esboçadas. Questões como a lia relação coma tradiçio marxista, as aporias e limites da Dialética doo diálogo com a filosofia de Walter Benjamin. Trata-se aqUi, portanto,menos de insistir nos equívocos do artigo de: Lindner do que em apontarpara a má formulação ou jncompletude dos problemas que: enuncia,

O trecho do artigo a ser discutido (pp, 76-78) principia com uma citaçãoda Dialética do Esclarecímerao. Embora não seja de maior rdevâlKiano caso o fato de Lindner haver modificado a seqüência do texto original(Cf. LINDNER, 1983, pág. 76), preferimos citá-lo em sua ordemcorreta: "com a coisificação do e..spírito , as próprias relaçõess doshomens foram enfeitiçadas ( ... ) O animismo havia dotado a coisa deuma alma, o industrialismo coisjfica as almas ( ... ). A partir do momentoem que as mercadorias, com o livre intercâmbio, perderam todas assuas qualidades econômicas salvo seu caráter de fetiche, este seespalhou como uma paralisia sobre a vida da sociedade em todos osseus aspectos" (Dialética do Esclarecimento, pãg. 40).

Encontramo-nos diante de pelo menos dois temas fundamentais do livrode Horkheimer e Adorno que estão presente de forma clara no renfisarnento do último Adorno. O primeiro deles é c resultado da supressãoJo capitalismo em sua forma concor-renciul . A Dialética doEsclarecímeruo vai interpretar essa transformação como Indice dainsuficiência da explicação marxista clássica, embora conserve a análisedo fetichismo da mercadoria empreendida no 10 Capítulo do Livro Id'O Capital. Ou seja: Horkhelmer e Adorno consideram que a análisedo fetichismo mantém-se de pé independentemente dos abalos que possater sofrido a teoria do valor. O segundo tema decorre justamente dosproblemas que o capitalismo do século XX apresenta para a teoria dovalor: o desenvolvimento das forças produtivas e as relações deprodução não se encontram mais em (al.iás,fundamental), mas, ao contrário, em perversa simbiose, como Ja oconstatou Juergen Habermas a propósito do livro de Horkheimer aAdorno (Cf. HABERMAS, 1980, pág. 141).

o comentário de Lindner a respeito dessa passagem aproxima-se deuma mera descrição 1I0 estado da questão: se as exigências de uma

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IlluLlaO(;a qualitativa nào se: deixam deduzir - como ainda em Marx - apaJ1ir do estado econômico avançado, então é preciso construir de outramaneira o princípiu de desenvolvimento. Se Marx ainda podia encontrarna anatomia da sociedade burguesa a chave para uma construção dahistória segundo formas sociais progressivas, é sob outra luz queaparecerá a história diante do presente que é o da coerção total"(L1NDNER, 1983, pãg. 76). Mas por quê, para Horkheimer e Adorno,a revolução "não se deixa mais deduzir" a partir do econômico? De que"econômico" estamos falando? Qual a origem da posição assumida naDialética do Esclarecimento? Tais questões são essenciais se preten-demos compreender ° posicionamento de nossos autores. Para tanto, énecessário recuarmos alguns anos, a 1937, a fim de examinarmos (aindaque brevemente) o artigo de Horkheimer "Teoria tradicional e teoriacrüica" (HORKHEIMER, 1937).

1\0 refletirmos sobre os dois conceitos fundamentais do artigo 1Ie:Horkheimer, exprc:::ssos em seu título, constatamos facilmente se:tratarem de caracterizações lukácsianas2. A "teoria tradicional" é

construída (já desde Descartes) segundo o modelo maremãtlco. baseadanum procedimento dedutivo-formal (HORKHEIMER, 1937, pég , 246)que" isola as atividades particulares e os ramos de atividades juntamentecom os seus conteúdos e objetivos" (IDEM, pág. 254), e cuja concepçãode mundo tradicional resulta num "conjunto de facticidades": "o mundoexiste e tem de ser aceito" (IDEM, pág. 255). Em suma, a "repre-sentação tradicional de teoria é abstraída do funcionamento da ciênciatal como ocorre a um nível dado da divisão do trabalho"; para ocientista, "o dualismo entre pensar e ser, entendimento e percepção" é

algo natural (IDEM, pág. 253). Que nome dar a essa caracterizaçãose,não "pensamento burguês" (IDEM, pág. 264)'1

A "teoria crítica" seria a passagem para uma concepção em que aunilateral idade que afeta necessariamente a teoria tradicional fi já queos processos parciais foram retirados do "conjunto da práxis social" -será novamente suprimida (IDEM, pág. 254). E o significado originaldesse movimento, tal como no Lckãcs de História e conscl2ncia declasse, "visa ao todo", significado que se perde "por trás do recursoaos fenômenos delimitados" (HORKHEIMER, 1937b, pág. 626). Alémdisso, a "classlficação dos falos em sistemas conceituais já prontos e arevisão destes através da simplificação ou eliminação das contradições

2 Para orna alCposiçio mais detalhada dessas problemas. V. minhaDissertação de Mestrado, Limites da reíficaçiío. Um estudo sobre História9 conscitlncis de clesses. d9 G80rg Lúkéos, USP, São Paulo, mimeo. 1991.

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e, como exposto acima, uma parte da praxis social geral. Sendo asociedade dividida em classes e grupos, compreende-se que asconstruções teóricas mantêm relações diferentes com esta práxis geral,conforme a sua filiação a um desses grupos ou classes"(HORKHEIMER, 1937, pág. 259). Podemos ohservar a partir dessaargumentação que o espírito da teoria lukãcsiana está mantido em muitospontos importantes: conserva-se uma espécie de "intenção para atotalidade da sociedade" (ainda lIue como "práxis social geral"), asituação de classe (mesmo Sé: Horkheimer fale também em "grupos")continua a determinar a relação com a "práxis social geral".

Por tudo isso, é surpreendente a afirmação de Horkbeimer de que asituação do proletariado não constitui garantia para o conhecimentocorreto", pois por mais "que sofra na própria carne o sem-sentido (dil'Sinnlosigkeit) da continuação e do aumento da miséria e da injustiça, adiferenciação de sua estrutura social exigida de cima e a oposição dosinteresses pessoal e de classe, superada apenas em momentos eXL"t:p-cionais, impede que o proletariado adquira imediatamente consciênciadisso" (HORKHEIMER, 1937, pág. 267). Horkheimer recusa tambémao partido revolucionário o papel de guardião da consciência de classe(IDEM, pág. 268-269), e, mais adiante, afirma: "Sob as relações docapitalismo monopolista e da importância dos trabalhadores diante dosaparelhos repressivos dos Estados autoritários, a verdade se abrigou empequenos grupos dignos de admiração, que, dizimados pelo terror,muito pouco tempo têm para aprimorar a teoria" (IDEM, pág. 288).

A chave para a compreensão da posição de Horkhelrner está dada nareferência às pesquisas desenvolvidas pelo Instituto de Pesquisa Socialque ele presidia. A "diferenciação da estrutura social" aponta para umacapacidade integradora do capitalismo de que o modelo marxistatradicional não pode dar conta. Relacionado a isso está tamhém o"capitalismo monopolista" da citação acima: trata-se de contribuiçãoteórica de Friedrich Pollock, membro do Instituto e assíduo frequen-tador das páginas da Zeitschriftfür Sozialforschung, a quem foi dedicadaa Dialética do Esclarecimento. Segundo O modelo do capitalismo deEstado de Pollock, sintetiza Martin Jay (JAV, 1984, pág. 216), adialética do colapso econômico inevitável Dão mais funcionava semproblemas: através da "intervenção política e da inovação tecnológica,Il capitalismo avançado foi capaz de atenuar a agudização dascontradições, inclusive a da queda tendencial da taxa de lucro". Se é

,Issim, de fato a posição social única do proletariado não pode mais sergarantiu para o conhecimento correto, tanto mais se eles se encontram"impotentes" diante dos aparelhos repressivos dos Estados autoriuuius.

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Sem essa reconstrução (ainda que breve) do percurso que nos leva deLukacs aos dilemas teóricos que estão na base da Dialética doEsciarecímeruo, parece simplesmente jocosa a utilização que fazLindner de um fragmento desse mesmo livro: "A Dialética doEsclarecimento corre sempre e renovadamente o perigo de esquecer oimpulso crítico da redução da história humana à história natural e de:explicar o processo como survival de uma espécie particular-de animais.A Teoria Crítica aparece para si mesma, então, como um desvio nahistória natural, uma anomalia ou má-fonnação devida à hipertrofia docérebro (... ) em certos indivíduos e, talvez, em certos períodos(Dialética do Esclarecimento, pág. 207). Por trás dessaaurcrepresentação extrema torne-se. no entanto, recoohecfvel o lugarque Adorno reclama para o pensamento de tais indivíduos" (LlNDNER,1983, pág. 77).

Parece evidente que a referência à "hipertrofia do cérebro", tal comoa utiliza Lindner, só ganha importância se referida aos dilemas teóricosque levaram Horkheimer a postular "aqueles pequenos grupos dignosde admiração" onde "a verdade se abrigou" (Cf. supra HORKHEIMER,1937, pág. 288). E portanto, o problema está mal formulado: se Lindnerpretende perguntar quais as credenciais que Adorno apresenta para acrítica, é preciso antes se perguntar pelas vicissitudes da crítica desdeo seu modelo marxista até as formulações aporéticas da Dialética doEsclarecimento. Trata-se de perguntar pela possibilidade de conservar() espírito da obra de Marx quando se diagnostica uma' insuficiência domodelo marxista diante de uma nova realidade do capitalismo. Lindnerparece somente disposto a constatar no livro de Horkheimer e Adornoum desejo pressuroso e um tanto quanto gratuito de abandonar aexplicação marxista clássica.

E o que "Teoria tradicional e teoria crítica" nos revela é justamente olimite de um quadro teórico:: o de História e consciência de classe.Assim como Lukács formulou as contratendências da reificação &apossibilidade de sua superação) em termos de sujeito-objeto idêntico,mas caminhou efetivamente em direção ao partido leninista, onde estadeterminação perde todo o seu vigor, Horkheimer retomou o papel daciência como força produtiva, mas quis também manter a totalidadeIukãcsíena, onde a especialização científica não pode ter lugar. SeLukács linha como pano de fundo o processo de racionalizaçãoweberiano - consciente do desastre humano que representava - e, por

3 Cl. meu MesHodo Limites da ,eificeçlío, ep. ett., especialmente os·Considerações flneis".

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isso, lhe opunha a categoria de lolaliJaJe e (l sujeito-objeto il.!2nlio.;o,Horkheimer tentou buscar, no fluxo mesmo desse processo deracionalização - na especialização da atividade -, o seu potcncia]libertador, sua posição de momentos na totalidade. Em um novo"Prefácio" a História e consciência de classe escrito em 1967, Lukácsrejeitou o sujeito-objeto idêntico como construção metaffsica;Hork.heimer não conseguiu encontrar uma formulação adequada para atotalidade que o projeto do materialismo interdisciplinar pressupunha.

Não é casual, portanto, que aDialética do E...cíarecimemo gire em tornodo problema da totalidade: A proposição segundo a qual a verdade éo todo revela-se idêntica k proposição contrária, segundo a qual ela sóexiste em cada caso como parte" (Dialélica do Esclarecimento, pág.228). E isto significa simultaneamente um abandono do projeto do"materialismo interdisciplinar": "O que nos propuséramos era, de fato,nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrarem um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma novaespécie de harbárie. Subestimamos as dificuldades da exposição porqueainda tínhamos uma excessiva confiança na consciência do momentopresente. Embora tivéssemos observado há muito anos que, na atividadecientífica moderna, o preço das grandes invenções é a ruína progressivada cultura teórica, acreditávamos de qualquer modo que podíamos nosdedicar a ela na medida em que fosse possível limitar nosso desempenhoà crítica ou ao desenvolvimento de temáticas especializadas. Nossodesempenho deveria restringir-se, pelo menos tematicamente, às dis-ciplinas tradicionais: à sociologia, à psicologia e à teoria do conhe-cimento. Os fragmentos que aqui reunimos mostram, contudo. quetivemos de abandonar aquela confiança" (Dialética do Escíarecímmta,[xig. 11).

O texto de Lindner economiza esse p.;:rl·urMl. E, ao fazê-lo, formulauma questão pertinente, mas incompleta, que pode ser enunciada daseguinte maneira: onde encontrar apoio para a crítica'! No fundo, o queestá em causa em seu texto é o fato da crítica "correr perigo" por nãoencontrar o solo necessário para sustentá-Ia, tendo, portanto, que serefugiar na individualidade do pensador Adorno, cujo cérebro apresentauma particular hipertrofia.

E, de fato, as colocações de Lindner são tanto mais pertinentes quantoconstatamos que a critica de Horkhehner e Adorno não tem onde sesustentar. Não apenas Habermas fala com justeza de uma "contradiçãopertormetlva" (HABERMAS, 1985, pég. 154), como os própriosautores da Dialética do Esdarectmenm o dizem expressamente: "aaporía com que defrontamos em nosso trahalho revela-se assim comoo primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento"

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(Dialética do Esclarecimento, pág 13, grifo meu). A bem da coerência,portanto; se () das produtiv3S_encontra-se-eíacêo de simbiose (e não decontradícão) com as relaçoes de produçao,não há mais solo possível para a critica, tal como a praticavam Marx eLukács, parâmetros teóricos do trabalho de Horkheimer e Adorna.

Entretanto, Lindner não parece avaliar o alcance de um elementodecisivo do livro: a convicção de nossos autores de que a novidaderepresentada pelo capitalismo monopolista não apenas não aanálise do fetichismo da mercadoria feita por Marx, como, ao contráno,a reforça: "Na opinião dos sociólogos, a perda do apoio que a religiãoobjetiva fornecia, a dissolução dos últimos resíduos adiferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a umcaos cultural. Ora, essa opinião encontra a cada dia um novo desmen-lido. Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança.O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor écoerente em si mesmo e todos o são em conjunto. Até mesmo asmanifestações estéticas de tendências políticas opostas entoam o mesmolouvor do ritmo de aço" (Dialética do Esciarecímcnto, pág. 113).

No texto acima, apesar de vermos Marx Weber reduzido a um sociólogoentre outros, fica claro que a discussão que com ele travou Lukács éretomada por Horkhelmer e Adorno. Se a des-hístoricízação de con-ceitos como alienação, fetichismo e abstração real transparece umanítida inspiração weberiana, a Dialética do Esclarecimento pretende-secapaz de recusar o "caos" resultante do processo de racionalização emnome da ordem imposta pelo fetichismo da mercadoria; e, em 1947,isso significava, em alguma medida, a manutenção dos parâmetrosmarxistas de "base" e "superestrutura", ainda que submetidos kconfusão do capital monopolista: "Atualmente em fase de desagregaçãona esfera da produção material, o mecanismo da oferta e da procuracontinua atuante na superestrutura como mecanismo de controle emfavor dos dominantes" (Dialética do Esclarecimento, paig. 12S).

Neste contexto, é interessante voltar ao artigo de Lindner e examinarsua articulação. Imediatamente após a referência l "hipertrofia docérebro" da Dialética do Esclarecimema, nosso autor passa a reproduziro seguinte texto da Dialética Nt'gariva: "A doutrina emque por fim oesclarecimento utilizou a causalidade como arma poUtica decisiva, adoutrina marxiana da superestrutura e da infra-estrutura, permanece,de maneira inocente, quase que atrasada frente ao estado em que tantoos aparelhos de produção, de distribuição e de dominação como asrelações econômicas e sociais e as ideologias se encontram Inextrin-cavelmente ligadas, e onde os homens se tornaram parte da ideologia"(Ncgarive Diatekstk. pág. 264).

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o que há neste texto da Dialética Negativa que possa corroborarimediatamente a reflexão anterior sobre a Dtaléuca do Esclarecimento?Além da confusão no que se refere ao conceito de ideologia, que persistedesde "Teoria tradicional e teoria crfticaM

" , o que podemos notar é queo desenvolvimento das forças produtivas continua sendo incapaz defazer explodir o sistema. Mas é de se notar também a ineficácia daformulação do problema ideológico de "base" e "superestrutura",jargão ainda atuante na Diaíétíca do Escíarecímemo. E o mais impor-tante: a caducidade da formulação significa que Adorno abandona aposição que sustentou na famosa carta de 10/11/938, dirigida a seuamigo Benjamin, em que cobra dele justamente as mediações entre basee superestrutura, ausentes da primeira versão de "Paris do SegundoImpério em Baudelaire": "julgo infeliz, do ponto de vista do método,tornear materialisticamente alguns traços singulares claramentereconhecfveis no âmbito da superestrutura, pondo-os em relação, semmediação e até mesmo de maneira causal, com os traços correspon-dentes da infra-estrutura. A determinação materialista dasculturais só é posstvel pela mediação através do processo gíabal": .

É evidente que esta carta não reflete as posições que serão assumidasna Dialética do Esclarecimento. mas da tem o mérito de colocar deforme clara um problema que não foi enfrentado pelo livro de 1947,que é precisamente o da posição da ohra de arte na dialética doesclarecimento. Veremos que a ênfase da Dialética do Esclarecimemosobre o aspecto sistemático do fetichismo, a indústria cultural, dificultaa reflexão sobre os momentos de descontinuidade histórica cristalizadasnas obras de arte, dificuldade que se torna facilmente objeção para umateoria que se pretende dialética do esclaredmento. Interessa-nos aqui,entretanto, apontar para a idéia de que o afastamento de Adorno daposição assumida em 1938 vai significar uma aproximação de métodocom Benjamin. Essa aproximação só vai se colocar de maneira clara apartir da década de J950, tempo em que Adorno prepara e publica aedição dos escritos de walter Benjamin. E a forma acabada dessa novaposição de Adorno pode ser encontrada nas últimas obras, a DialéticaNegativa e a Teoria Estética. Tomemos um exemplo entre muitos: "aforça produtiva estética é a mesma que a do trabalho útil e possui emsi mesma teleologie; e o que se deve chamar de relação de produçãoestética, tudo aquilo em que a força produtiva se encon.tra inserida e em

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qut': exerce, são sedimentos ou moldagens da força social" (TeoriaEstética, pág. 16). Onde encontrar a mediação? O que explica aidentificação entre o elemeuto "superestrutural" e seu "correspondente"na RinfTa-estrulura" malerial? Ondea mediação eutre arte e sociedade?

A resposta de Adorno é a seguinte: "Que a sociedade apIlRÇB nas obrasde arte com uma verdade polêmica, com também ideologicamente,conduz à mistificação filosófico-histórica. A especulação poderiademasiado facilmente cair DUma harmonia pré-estabelecida, urdida peloespírito do mundo, entre a sociedade e as obras de arte. Mas a teorianão deve capitular perante a sua relação. O processo que se cumpre nasobras de arte e que nelas é imobilizado, deve ser pensado como tendoli mesmo sentido que o processo social. DO qual se enquadram as obrasde arte; segundo a fórmula de Leibniz, as obras representam esseprocesso sem janelas" (Teoria Estética. pp. 264-265).

Pensarmos, portento, a mediação entre arte e sociedade remete à idéialeihniziana de mônada em sua apropriação adomiana; o que nos levamais uma vez a Benjamin. Pode-se ler em Origem do Drama BarrocoAlemão (BENJAMIN, 1984, pp. 69-70) que RO conceito de Ser daciência filosófica não se satisfaz com o fenômeno, mas somente com aabsorção de toda a sua história. O aprofundamento das perspectivashistóricas em investigações desse tipo, seja tomando como objeto opensado, seja o futuro, em princípio não conhece limites. Ele fornece11 idéia a visão da totalidade. E a estrutura dessa idéia, resultante docontraste entre seu isolamento inalienável e a totalidade, émonadológica. A idéia é mônada. O Ser que nela penetra com sua pré-'" pós-história traz em si, oculta, a figura do restante do mundo dasidéias, da mesma forma que, segundo Leibniz em seu Discurso deMetafísica, de 1686, em cada mônada estão indistintamente presentestodas as demais ( ... ) A idéia é mônada - isto significa, em suma, quecada idéia impõe como tarefa, portanto, nada menos que a descriçãodessa imagem abreviada do mundo". Ao contrário da Dialética doEsclarecimento, onde a mônada não passa de "mero ponto dereferência" (Dialética do Esclarecimento, pág. 23), Adorno irá con-siderar a obra de arte como essa "imagem abreviada do mundo", coma diferença evidente de que tanto ele como o Benjamin da "fasemarxista" não a pensam como idéia, mas como processo social.

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V. Umites da reificação, op. cít., pãg. 132.Weltar Benjamin, &6f6, vol. n. Suhrkamp, 1978, pãg. 785. cneccsegundo 8 traduçio de .Ieanne Merie Gegnebin, em IIpltnclice e sou urtiO""A propósito do conceito de critica em Walter Benjeminw , in Discurso, nO13. Polis, 1983, pãg. 230.

Entretanto, no texto da Teoria Estética reproduzido acima, Adorooenfatizá na mônada a sua propriedade de não ter janelas. o que significa,na filosofia leiboiziana, a impossibilidade da ação tr'aIDiliva de umamônada em relação a outra. Como diz a Monadologia (pIg. 63) em seuparágrafo 7°, "não há meio de explicar como a Mônada possa seralterada ou modificada em seu íntimo por outra criatura qualquer, pois

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nada Se lhe pode tr-anxpôr-, nem sc pode conceber nela algum movimentointerno que, de fora, seja excitado, dirigido ou aumentado lá dentro,como DOS compostos, onde há mudança entre as partes". Nos lermosda apropriação teórica de Adorno, isso quer dizer que a arte b'1lanJaautonomia frente a seu modelo social, dada pelas leis imanentes li", seudesenvolvimento (recolhidas no conceito demalerial); mas, além dissoé forçoso lembrar também que a arte, para Adorno, é "antítese purasimples à realidade empírica" (Teoria Estética, pág. 265). E ISso n;;\)deixa de oferecer dificuldades.

E essas dificuldades se apresentam justamente nessa passagem da TeoriaEstética atualmente em exame, que gira em torno do prindpio de lanpour I'art e culmina na seguinte formulação: "Eis porque, também noplano social, a situação da arte é hoje aporética. Se diminui a suaautonomia, entrega-se ao mecanismo da sociedade existente; se per-manece estritamente para si, nem por isso deixa menos de se integrarcomo especialidade inofensiva entre outras, Na aporia aparece atotalidade da sociedade que absorve tudo o que acontece" (TeoriaEstética, pág. 266). A "falsa totalidade", cujo elemento é o fetichismo- ou, na expressão utilizada desde a Dialética do Esclarecimento, o"nexo de ofuscação,,6 -, coloca-se como limite da análise: tal como emBenjamin, trata-se em Adorno de fazer fulgurar essa totalidade quesolda os seus momentos como repetição do sempre idêntico: não se tratanunca de tomá-Ia como ponto de partida, nem muito menos de prestigiá-la com os louros do absoluto,

Mas como conciliar então esse resultado com a monadologia? O quefaz com que a Mônada seja expressão de todas as outras, "um espelhovivo e perpétuo do universo" (Cf. Monadotogia, pág. 68), () que t:1Zcom que lenda "confusamente para o infinito. p'lra o todo" (idem, piÍg:,69), é justamente a harmOI1ÜIpreestabelecida por Deus. Se retomarmos

6 "Uma verdadeira praxis revolucionária depende da intrensiqêncte da teoriaern face de inconsciência com a sociedede deixa que o pensamento seenrijeça. Não são as condições matariais d8 satisfação nem a técnicad8ixooa à solta enquanto tal, Que a colocam em Questio I.. ,) A culpa é donexo de ofusceçào em que está mergulhada a eectedede" (Dia/erice doEsclarecimento, pãg. 51. V, também ADORNO, 9180, pég. 34). Arreduçêc de Varb/andungszusammanhang foi sugerida por Gabriel Cohan,que comenta: "Nesta expressão, nexo se retere a uma conexão cuiasarticulações se consolidam e se furtam à conscilincie precisamente emvirtude da ofuscaçiio, que aqui não significa cagueira ou deslumbramentogeral, nae incaplcidade de reflexão, eubordinação regressiv8 8 relações

(Cf. Gabriel Cchn, reconciliação, Adorno a a dialéticada cultura", in Lue Nova, n° 20, maio da 1990, pãg. 7).

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ao inicio da passagem da Teoria Estitica citado (pág. 264),L:ontraremos a franca oJX,sil,:ão de Adorno à idéia de uma harmoniaprévia, que ganha corpo na rejeição do "esprrltodoque seria seu artífice. Típico procedimento &doml"": .0 Deus lelD-niziano é reinterpretado nos termos da filosofia da hlSl6ria, como quetraduzindo um problema filosófico (o da bannonia prévia) segundoalualidade histórica (que é a da posição do problema em .sua versaohistórico-filosófica). Momc:nto em que reencontramos m8lS uma vezwatter Benjamin: esse procedimento não é outro seaão aquelerd a categoria de consteíoçõo, e, tanto em Adorno comoaparece como resultado de uma crítica sem tréguas ao .

Na constelação mônada-harmonia prévia-filosofia da história, areferência decisiva é HeL,'eI: "A história universal tem de ser construídanegada. A afirmação de que um plano do global a caminho domelhor se manifesta na história seria cínica õepois das catá..trotes e emvista das que estão por vir. Nem por issodevemos negar a unidadesolda os momentos e fases da história em seu espalhamento caótico,descontínuo, unidades que progridem da dominação da natureza àL1ominação sobre os homens e, fioalmente,l dominação sobre a naturezainterna. Nenhuma mstõría universal leva da selvageria à humanidade,mas há talvez umaque conduza da funda à bomha atômica" (NegaiiveDialekJik, pág. 314).

Aqui encontramos a oscilação fundamental do pensamento de Adorno,preo.:isamente a da continuidade/descontinuidade nasustentáculo da dialética do esclarecimento. E se o termo "oscllaçãcparece impróprio - quem sabe se aplicando melhor a Benjamin,pensamos em textos tão diferentes como "O Narrador" e "Experiência<: pobreza" - lembramos que a "dialética" do esclarecimento parecesempre pender, no fim das contas, para a afirmação da continuidade,para a linha que conduz do estlllngue l bomba alômica, Na Dialhicado gsctarecimemo, quase não encontramos traço de descontinuidade, atal ponto que algumas chegam a surpreender por suaformulação: "Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenasà padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia adiferença entre a lógica da obra e a do sistema social. Isso. porém, nllodeve ser tJlribufdoa twnhumn do tknica ,ntplanlO tal. masri sua funçõo na «onomia atual" (Dialit;ca do pég.

7 Comp••-lMII por e.emplo, o concflito da história- de Benjamin to oartigo de Adomo -8IIch gegen Reina Leibbeber ve'leidigt-, publicado em

(Sulutt8lTlp. 1955). Sobre fi categoria de coosreteçêc em Adorno,V. NaglIlívelMl/tlktik, esp. pp. 163-168.

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114, grit(lS meus). Por caminhos tortuosos, Burkhanlt Lindner nãodeixa de ter razão ao apontar para uma "absolutízação a-histórica dadominação" como conseqüência paradoxal do livro de Horkheimer eAdorno (LlNDNER, 1983, pág. 89). Mas esta é apenas uma parte doproblema.

A perspectiva da descontinuidade na história foi inaugurada por Marx.Como escreve Adorno: "Com a virada materialista da dialética, a ênfaseprincipal recaiu sobre a visão da descontinuidade daquilo que nenhumaunidade do espírito e do conceito pode manter consoladoramente unido"(Neganve DialeJeJik, pág. 314). Daí que Adorno tenha de formular suaEstética a partir de conceitos como modo de produçao, retardo deprodução e força produtiva estéticos, já que se trata justamente demarcar a descontinuidade num pano de fundo que é o da continuidadehistórica. Problema que tem exata correspondência no "anjo da história"benjaminiano: onde "se nos aparece uma cadeia de acontecimentos, d('lo anjo da história, MN] vê uma única catástrofe que acumula incan-savelmente ruína sobre ruína e as arremessa diante de nossos pés"(BENIAMIN, 1977, pág. 255); "a verdadeira imagem do passadoperpassa veloz e silenciosamente" (idem, pãg. 253).

Se, do ponto de vista da análise do sistema da indústria cultural, o maisimportante é a continuidade histórica que conduz da dominação danatureza à dominação dos homens e de sua própria natureza interna, nocaso da análises da obra de arte é necessária a ênfase na descontinuidade.Em ambos os casos, o limite da análise está dado sempre pela falsatotalidade, pela proibição de enunciar o conjunto do processo social

sob pena de fazer dessa ordem histórica falsa um

o procedimento monadológico e a ênfase na descontinuidade históricaaproximam claramente Adorno de Benjamin. Mas sabemos que esteúltimo não escreveu nenhuma teoria da indústria cultural. Muito aocontrário, é conhecida a critica que lhe dirigiu Adorno em carta de 1936:"Les eurêmes me touchent (... ), mas somente quando a dialética doinferior (Unten) for equivalente li do superior (Oben), e não quandoeste, simplesmente, se desagrega. Ambos trazem as cicatrizes docapitalismo, ambos contêm elementos de transformação ( ... ), ambosconstituem as metades mutiladas da liberdade inteira, que não pode,

contudo, ser obtida pela agregação das duas. sacrificar à outraseria romantismo; ou romantismo burguês da coDSC!"'açao da per-sonalidade e da magia da obra, ou romantismo anarqwsta, cegamente

. , ô do proletariado Seu trabalhoconfiante na capacidade de açao aul Doma. . .. ..•• num certo sentido ao segundo romantlsmo (.•.) Eu p:tstulana,<..:cu__ , ' ..:_1 ...1_......3... profim-portanto mais dialética. Por um lado, uma emdidade (Durchdialetisierung) da arte (... ) c, por outro, umadiaktização mais forte da arte de consumo" .

E certo que a Dialética do Esclarecinuttlo Pio i?, mais"elementos de transformação" do capitalismo na arte de ,aanálise da indústria cultural é diagnóstico das patologias d?,esclarecimento. Mas a ausi"ôa da ·dialetizaçio da arte. de consumoou de uma teoria da indústria cultural teslemunha a diferença.entreAdorno e Benjamin para além da discussão do estatuto dosde reprodução técnica e da perda da aura: 0.que 05 é a dlalélu.:ado As conseqüências filosóficas dessa diferença fl?demser avaliadas a partir do "misticismo· benjamimano. Se, emmesmo da semelhança no procedimento qw: os Adorno expcefacilmente à objeção ao atribuir um caráter Irrefletido ao m,:'rxlsmo deBenjamin (Cf. entre outros Diolekdk, pág. 30), nao é menosverdade que o autor da Obra das Passagens por faz c:ommisticismo se aproxime perigosamente do puro e Simples Irracionalis-mo: "assim como as flores dirigem sua corola para ograças a um misterioso heliOlropismo, esfo?-se para se dirigir ao.solque se levanta no céu da história (Benjamin, 1977, 252meus). O misticismo não é necessariamente o ",?utro o sentidofilosófico da primeira tese de "Sobre o COnceito da. história (XId_e serinterpretado assim -, mas nem por isso Adorno. de tersublinhar all.ouns "pontos cegos" da filosofia benJamlmana, que nao sevolta contra o subjetivismo supostamente exagerado, mas opróprio conceito de subjetivo. Entre os pólos de sua filosofia mito ereconciliação - esvai-se o sujeito. Sob o olhar de sertransforma-se grandemente em palco de obJetiVas. Por ISSO,a filosofia de Benjamin dificilmente suSCita menos horror do quepromessas de felicidade" (ADORNO, 1986, pág. 194). Por.trás _desseirracionalismo, estaria a idéia de que "a deveria lUl'? s?,suhsumir o surrealismo, mas ele mesma devena tomar-se surrealista(idem, pág. (98).

8 V. ti essa respeito o artigo de Jeanne Maria Gagnabin, A propósito doconceito de cntica em Walter in Discurso, op. cit.. pp.226·227.Text of Foomote

9 Üb. Walter &njamin, Suhrkernp, 1970. pp. 129-131, citada aegundoS'rgio Paulo Rouanat, Edipo • o lUIjo. ltinenúios freudianos ""' WtIIt.rBerJjIJlT/in. Tampo Brasilaifo, 1981. pág. 59.

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Se, portanto, Adorno se separa de Benjamin frente a alguns dosproblemas clássicos da filosofia - Benjamin, no limite, estaria próximode uma tabula rasa filosófica -, é porque conceitos filosóficos COmosujeito e objeto, natureza e espírito, universal e particular contêmsedimentos sociais que são fndices de sua verdade. da mesma maneiraCOmo o são as obras de arte; tanto uns quanto outros estão enredadosnesse quase negativo fotográfico da história que é a dialética doesclarecimento.

A dialética do esclarecimento separa Adorno de Benjamin. O que osune é o procedimento monaoo16gico e a categoria de constelação. Mas,para além da questão do irracionalismo, cahe também nos perguntarmosse não é justamente a ausência de uma "dialética do esclarecimento" emBenjamin o que constitui para nós a sua fecundidade teórica. E se essa"dialética do esclarecimento" que parece sempre pender para aafirmação da continuidade histórica não é, ao contrário, o ponto cegoda filosofia de Adorno.

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Arquitetura Moderna:Paradoxos de uma Utopia Instrumental a

partir de Adorno

Si/ke Kapp

ResumoA orqllitehlra. historlclll7lente 11m ponto de confluência dos diversosâmbitos 'fileC'lU'tICterlzam umcomeao social,assume, namodernidade,a proolemdtit:a posiçlJodo transgressor, pois envolvt' tanto questõestécnicas, hicas e esthicas. quanto o mundo empfrico. apartado dessastrês esferas especializadas. Dentre os muitos antagonismos ai im-plicados para qualquer construto arquitetônico, o preserue artigodestaca a tensão entre esfera estética e produçlJo utilitária. Partindoda dialhka de auumomia e baeronomta naarte de vanguarda. tal comoé explicitada por Ih. W. Adorno, procura-se, assim. mostrar que aarquitetura moderna pede por um caminho de interpretação que alterao próprio conceito de arquitetura.

A constatação da monótona infelicidade de grande parte do entornoconstruído dito moderno certamente não é inusitada; correlato disso sãoas múltiplas avaliações que:: dele se fizeram, algumas quase tão antigasquanto a própria arquitetura nova. Entretanto, diante da discussãoaparentemente ininterrupta em torno da morte dessa arquitetura, impõe-se-nos a pergunta pelo grau em que as críticas apreenderam eapreendema especjficidede do seu objeto: se penetram na sua dialética inerente ouse, convencidas da invariância do seu conceito, detêm-se na complexatarefa de reunir os fateres externos que sobre ele atuam, apenastangenciando a estrutura que lhe é peculiar. Nesse sentido, a reflexãode 10. W. Adorno sobrea arte radical da modernidade vem ao encontroda nossaquestão, pois um dos marcos que a diferencia substancialmentede outras aIllilises do mesmo lema é o apontamento da mudançaqualitativa sofrida pela arte tradicional no seu percurso rumo àsvanguardas. Mudança essa, fruto da acuidade inédita que a antítese entreo elemento Ulópico e o empírico - constitutiva de toda arte - atinge nomomento em que, na emplria, só resta da utopia o projeto de suaanulação.

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É improvável que permaneça intacto o que tradicionalmente Sedenominou arquitetura no interior de um contexto, onde, segundo operfil traçado por Max Weher, as esferas axio16gicas de arte, ciência emoral se independizaram entre si e em relação ao mundo da vida. Aprópria etimologia do termo, confrontada com o quadro cultural damodernidade, reforça a suspeita de uma transformação inevitável noseu conceito: se considerarmos, com Heidegger, que a téchne está maispróxima da "arte de deixar algo surgir tal como é" (VA 160), do queda "arte de realizar aquilo de que se quer que seja" (EE 7), e entendendoarchê como uma origem ou um princípio ordenador que penneia todaa sociedade, fica claro que a união de téchne e arehê queria dizer maisdo que a simples construção segundo leis; ela expressa antes opor uma arte capaz de deixar que os princípios fundamentais que regemo mundo humano num determinado momento da história se tornempresença concreta, conformada à matéria. A pertinência dessainterpretação se revela nos estudos daqueles teóricos que ultrapassamo limitado ponto de vista de condicionantes técnicos e programáticos,e desdobram o tema sob o prisma da reciprocidade entre a visão que oshomens têm do mundo e sua concreção nos construros arquitetônicosque realizam. Essa grade conceitual que, de modo mais ou meDOSexplícito, subjaz à maior parte das análises frutíferas da história daarquitetura pré-moderna, pressupõe uma espécie de unidade origináriaentre as diversas instâncias culturais e sociais que toda obra vinculaentre si. Talvez por isso parece deixar passar por entre as suas malhaso que há de mais particular na arquitetura nova: o conflito insuperávelentre os momentos envolvidos, que, ainda assim, todo construtoarquitetônico é obrigado a levar a termo. Onde não há mais archê, nãohá mais archê-tectura, segundo seu conceito tradicional. O que Adornodiagnostica com respeito à estética, muuuis mulandis vale também paraa temia da arquitetura:

Que o interesse tenha diminuído na estética, não éapenas condicionado por ela enquanto disciplina,mas ainda mais pelo objeto. De modo geral elaparece implicar tacitamente a possibilidade da artee vira-se de antemão mais para o como do que paraa realidade da coisa. Semelhante atitude tornou-seincerta. A estética já não pode partir do factum daarte, como outrora a teoria kantiana do con-hecimento das ciências matemáticas da natureza·(... ) A mácula da estética contemporânea consisteem ela correr com os seus conceitos, impotente,atrás de uma situação da arte na qual esta, in-diferente ao seu devir, abala os conceitos quedificilmente se lhe podem retirar. Nenhuma teoria,

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nem mesmo a teoria estética, pode dispensar oselementos de universalidade. Isso arrasta-a para atentação de tomar partido por invariantes tais, quea arte moderna enfática se sente obriga a atacar (AT503-504).

A noSSO ver, a filosofia oferece elementos para acompreensão das mudanças sofridas por ,!ue Já foi ponto deconvergência das múltiplas forças culturais e socuus, num tempo emque tais forças se tomam radicalmente divergentes.

A escolha desse caminho de interpretação talvez mereçatificaliva para além das razõesjã mencionadas, uma vez que nãoédlfíCl1éncontrar opiniões segundo as quais o pensamento de Adorno se prestaunicamente à análise da arte autônoma, e cujo argumento se funda nasua suposta resignação frente ao contexto distorcido de uma época que,mesmo tendo condições técnicas para por fim a grande parte dosofrimento, acirra-o cada vez mais. Adorno teria então se noúnico terreno ainda intacto do mundo administrado, o de uma arte livreda dominação, e, uma vez instalado no "Grande Hotel Abismo", pôdelevar suas críticas ao extremo absoluto. Quem o lê com essa chave terápoucas razões para não desconsiderã-lo e se dedicar a autores menos"negros". A outra maneira de entender Adorno pede por algo que,secundo o próprio pensamento adomiano, é mister para toda

filosófica, a saber, o que Hegel chamou de liberdadecom o objeto. A partir de uma tal perspectiva, a sua teoria estética,longe de configurar o recuo a uma arte desvinculada do mundo, aparececorno elemento central de uma crítica da sociedade, cujo intuito é areflexão segunda, que não se abstém do questionamento de suas própriascategorias, e da qual a Dialética do Esclarecimento seja talvez o maisconhecido exemplo. Para Adorno, tal reflexão deve anteceder neces-sariamente qualquer providência no sentido de uma praxis transfor-madura e, explicitando sua impossibilidade contextual, pode até mesmointerditar essa praxis num dado momento histórico.

Tendo em vista a segunda leitura de Adorno, a exposição que poderiajustificar nossa "estratégia" passa a ser, ela própria, parte fundamentaldo empreendimento, pois delineia-se aqui uma dupla intençio: se, porum lado, desejamos dar continuidade à reflexão sobre a arquiteturamoderna e para isso colocamos a filosofia de Adorno como que a serviçoJo tema, por outro lado, pretendemos também colocar o tema de umaarte "beterônoma" a serviço de Adorno, a fim de esboçar um elo a maisno amplo espectro de articulações possíveis a partir da Teoria Estética.

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Convém acentuar que a referência ao esboço tem, neste caso, o sentidoquase literal do delineamento de um primeiro contorno, interrompidoem diversos pontos. O caminho da interpretação da arquitetura novaatravés da obra de Adorno tem se mostrado de tal maneira queseria no mínimo imprudente tentar esgotá-lo no escopo deste trabalho.O que procuraremos apontar aqui são algumas das antinomiasintrínsecas da arquitetura moderna, frutos da cisão entre arte e produçãoutilitária. Não se trata, portanto, da análise de correntes arquitetônicasda modernidade, e tampouco de alguma obra em particular, mas da.tentativa de compreender o que sucede aos construtcs que participlUQde modo direto tanto da esfera estética - que, graças à sua autonomiaainda guarda a possihilidade do totalmente Outro-, quanto dofatual • que se caracteriza pela hipõstase do mesmo. Tomamos assim arelação entre realidade empírica e arte autônoma como um primeiro fiocondutor: o item "instrumentalização da empiria" será dedicado Ascaracterísticas da primeira; no passo seguinte, "desartificação e fetichis-mo do utópico" , procuraremos evidenciar como a arte autônoma ali seinsere, para, então, sob o tópico "negatividede e teles na arte radical",inverter o foco, explicitando a transformação de algumas daquelascaracterísticas pela dinâmica intra-estética. Alcançando esse ponto,ensaiaremos uma abordagem inicial da dialética da arquitetura modernaenquanto arte "heterônoma" ou utopia instrumental.

1 - Instrumentalização da Empiria

A visão de Adorno da realidade empírica - que, em linhas gerais,coincide com a perspectiva de toda a Escola de Frankfurt , recebe suacaracterização mais incisiva na Dialética do Esclarecimento escrita comMax Horkheimer em 1945, a qual configura também como que umlastro para a Teoria Estética. A crítica da razão ilustrada que os autoresali desenvolvem coloca em descoberto suas estruturas antagônicas,condições para que o ideal da libertação dos homens desembocasse numcontexto onde todas as relações, inclusive as inter-humanas, são regidaspela dominação. O motor desse processo é a fé irracional e absolutanuma razão definida segundo os moldes da ciência newtoniana que, emlugar do conhecimento contemplativo dos antigos, visa a interferênciacalculada no mundo. Embora o emprego da racionalidade como meioou instrumento de controle das forças hostis não seja próprio doesclarecimento, mas conato ao desejo de auto-eonservação, só a pseudo-divinização da razão humana que esse promove permite sua hip6stase,ao ponto de eliminar qualquer momento de preponderância do objeto.Adorno e Horkheimer mostram que, em última instância, razão formal,razão cientftica e razão instrumental são uma única coisa. A sis-tematíctdade de todo conhecimento construído sobre o menor númerode leis fundamentais, o desencantamento do mundo traduzido em

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kgalidade causal e a dominação possibilitada por esse distanciamentosão um.

O que parece escapar. a es.sa lógica é a própriairtcalidade, isto é, a irrealidade da ctsao límpida entre sujeito quedomina e objeto dominado. Na redução das qualidades a quantidades,do particular a exemplo do universal, do acontecimento hic et nunc aconfinnação da lei do eterno retomo, a mesma razão que, segundo oprojdO iluminista, seria instrumento para-um-outro, acaba por destruiresse outro que deveria preservar. A tese central da Dialética doEscfarecimento, a recaída do mundo esclarecido no mito, é a lese daconstituição de uma segunda natureza criada por homens, que aoshomens domina. Assim como o entendimento mítico, a 16gica dadominação se caracteriza pela falta de auto-consciência: uma vezaosolutizada, execra até mesmo os ideais humanitários que ora foramseu pressuposto, mas que é incapaz de englobar, pois têm por parâmetroalgo de não-instrumental.

Nesse sentido, a filosofia kantiana pode ser vista como uma espécie delimiar, senão cronológico, ao menos sintomático, entre a regência deoutro momento da razão e a universalização da sua instrumentalidade.Por um lado, Kant limita a realidade cognoscível aos dados daexperiência unificados pela consciência em geral, restringindo a pos-sibilidade de conhecimento legítimo do mundo sensível à razão teórico-científica. Por outro lado, a pergunta por aquilo que posso conhecer,objetivo fundamental da Crítica da Razõo Pura, é para ele propedêutíca,não fim em si. Esse só aparece claramente nas duas críticas posteriores,em especial na Crtuca da Faculdade de Julgar, onde Kant abre caminhopara a realização do "hem supremo" no mundo dos fenômenos. Ali, aponte entre leis da natureza e leis morais, ou, em outras palavras, oapontamento de uma unidade entre os substratos suprasensfveis desujeito e objeto, é feita através da idéia - empiricamente incomprovável" de um tetos da natureza, que seria a própria correspondência entreessa e a faculdade de julgar humana. O conceito de uma finalidade danatureza, que converge com uma finalidade da razão prática, transcendeo âmbito da ciência natural e a insere num contexto onde ela não dita,mas se submete a um outro fim.

Precisamente esse outro, Um tetos, não enquanto fatalidade para a qualas coisas tendem necessariamente, mas enquanto utopia de um dever-serdos homens e um "poder-ser" da natureza extra- e intra-bumana, é oque a realidade empfrica do esclarecimento, tal como Adorno eHorkhelmer a vêem, extirpa do seu interior. O conceito de fim sofre aredução crassa à sua componente prática (00 sentido comum) ou técnica(no sentido kantiano); o que resta é um fim atrofiado que serve a um

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meio, um intermediário instrumental. uma função. Funcionalidadtl éfinalidade reificada. O círculo composto por elementos que não sãosenão enquanto meio para-um-outro, gira em tomo do cerne de i :racionalidade, peculiar ao esclarecimento existente. Cerne esse ir-racional em duas acepções: absolutamente - segundo os dadominação, pois, nas palavras de Adorne, "o fim de toda racionalidadeda totalidade dos meios que dominam a natureza, seria o que já não émeio, por conseguinte algo de nâo-racional "(AT 86); e tal como exil>1ede fato - na perspectiva de uma racionalidade para além da dominadoraque poderia torná-lo passível de reflexão, revertendo o quadro onde ..uprocesso social continua decorrendo de modo não planejado, irracionalapesar de todo planejamento particular" (OL 109). •

A desrazão do estado real é a desrazâo de um "semi-esclarecimento",paralizado 00 campo hermético das categorias que absolutiza. Exemplarnesse sentido é o modo como Aldous Huxley concebe seu admirávelmundo novo: ainda no prolongamento mais extremo da realidadeempírica, ela pennanece no fundo a mesma. Como diz Adorno, "afraqueza de toda a concepção de Huxley é o fato de que, emboradinamize sem receio todos os seus conceitos, ao mesmo tempo, ela osprotege temerosamente do limiar de seu contrário"(Pr 103). Em al-gumas passagens, Adorno deixa entrever, aos menos negativamente, oque seria essa radicalização das categorias vigentes ao ponto datransgressão de suas fronteiras: se o princípio da suhstitutibilidadeuniversal (que fundamenta a troca, não só entre homens, mas tambémde homens) fosse realizado enfaticamente, prometeria a liberdade e comela a constituição do particular insubstitufvel ; pois a dominaçãopressupõe a nâo-substitutibilidade entre dominador e dominado (Pr103), ou, como diriam os bichos de George Orwell, ela pressupõe umcontexto onde todos são iguais, mas alguns são mais iguais. Umantagonismo semelhante subjaz à noção de totalidade, enquanto definidapor aquilo que lhe é exterior: verdadeira totalidade seria algo de"simplesmente não excludente", algo sem princípio limitador, masnesse caso "estaria ao mesmo tempo livre da coação que suhjuga todosos seus membros a um tal princípio e com isso não mais seriatotalidade"(St 31).

Essas passagens não sõ confirmam a unilaleralidade moderada - e porisso mesmo pura - das categorias de um esclarecimento em ponto morto,como mostram que os resquícios não absorvidos pelas mesmascategorias são o que as mantém estáveis: um prolongamento radicalseria sua ruptura. Na confluência dessa necessidade por elementos nãoinstrumentalizados com o processo de transformação dos fins emfunções para-um-outro (ou seja, a instrumentalizaçâo generalizada) se:encontra o lugar antitético da arte autônoma no mundo administrado-

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2 • Dt:'sarlific:.u;.ãu e Peüchtsmo do Utópico

fim de desenvolver plenamente a razão subjetiva, o esclarecimentofere domínios próprios a cada um de seus momentos, tal o

filosoficamente as críticas A perda das funções. lIuais ou utilitárias da arte na modemulade é fruto desse processo,L.U rdato direto do ideal da liberdade individual. Contudo, como mostra

. - da' . 16· d. Dialética do Esc/aredml'nto, a crsao s esreras axro grcas esem-joca no primado da razão técnico-científica, que não só está longe deealizar seus ideais, como também parece tê-los esquecido. Ao

a autonomia da arte é irreversível, à senaum retrocesso histórico. A imagem que a arte radicai SUSCita é a de um"emissário traído", algo que foi além do que a realidade pode alcançar,'inda que dela dependa - uma porção virtual de esclarecimen!o,a .. "-radicalizado em meio ao outro, interditado pela sua própria rmanencia.Na visão de Adorno, não se trata de um elemento retardado em face dopretenso progresso do mundo, mas de uma "racionalidade que a essacritica, sem se lhe suhtrair"(AT 87).

50:: pudé:ssemos dividir a dialética em "lados", o lado da heteronomía.da dependência, dessas guardas dianteiras (ou avanr-gardes) comrelação à realidade empírica constituir-se-ia no fato de que todoconstruto estético, mesmo aquele que leva à ultrapassagem do seucontexto originário a extremos, é produto de uma sociedade, e vazio,quando inteiramente desprendido daquele contexto. Se a transposiçãoimediata dos conteúdos empíricos para o interior das obras de artesicnitica a perda do distanciamento que as define, ao mesmo tempo,1,,:10 o seu conteúdo provém da empiria. "A arte, ainda na recusa radicalda sociedade, é de natureza social, e incompreendida quando não secompreende também essa natureza"(AT 518-519). Entretanto, quandoAdorno afirma que as ohras são "historiografia inconsciente de sua,:poca"(AT 272), ele não entende por isso o paralelismo trivial e.Rtredesenvolvimentos intra e extra-estéticos. O modo como os conteúdosI\llgralll para o interior das obras é antes uma não-comunicação deter-minada do que a incidência direta de momentos fatuais. Enquantoessencialmente monadol6gicas na sua autonomia, elas se fecham aouniverso exterior, ainda que o reflitam. Se, por outro lado, a negaçãoJa realidade que as mônadas estéticas operam é determinada, e nãoabstrata, isso se deve ao caráter duplo de autonomia e heteronomia quetoda arte encerra: seu afastamento do real não é um dado, algo dedefinitivo; pelo contrário, as obras se constituem no impulso semprerenovado de transcender sua dependência ao mundo empírico. Numcontínuo "querer ser" do que não podem ser por inteiro, elas contêmnegativamente os ditames dos quais querem se desvencilhar, e que assimnunca deixam de ditá-Ias de alguma maneira. Adorno explicitá que a

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negação determinada é Conteúdos quesedimentados em forma, aproximam a historicidade rmanems da arte àoutra exterior. Isso significa, entre outras coisas, que o reflexo do realnas obras não é um empréstimo de elementos ou unidades materia'mas antes uma espécie de reestruturação, onde "os antagonismosresolvidos da realidade retomam às obras de arte como problemasimanentes de sua forma" (AT 16).

A forma age como um imâ que ordena osda empiria de um modo que os torna estranhos aocontexto da sua existência extra-estética, e s6 a,<;simeles podem assenhorar-se da sua essência extr-d_eslética.(AT 336).

Aqui aparece o outro lado da dialética de autonomia e hetemllomia, aindependência da arte em relação ao mundo empírico, fruto doesclarecimento enfático que ela é capaz de vislumhrar. AIravés da"explosão" das categorias hipostasiadas do real, as obras alcançam oque não é empiria, um ser no não-ser, que resgata do exflio o que aracionalidade semi-esclarecida execrá. Na paradoxal conjunção dosCOl1CdtllS dominantes - que ressoam na arte, ainda que mediados - comalgo neles não se deixa subsumir, algo de não-idêntico, as obrasdeixam entrever a utopia da reconciliação que , embora não possamrealizar, as capacita para a oposição à lógica fatalista.

Os elementos desse Outro estão reunidos narealidade, deveriam apenas , ligeiramentemodificados, entrar numa nova constelação paraencontrarem seu verdadeiro lugar. Menos do queimitar a realidade, as ohras lhe demonstram essatransposição. Mas o falo de existirem obras de arteaponta qut': o que não': poderia ser. A realidade(Wirklichkeit) das obras de arte dá testemunho dapossibilidade do pllssívd (AT 199-200).

A pretensão à verdade das obras diante do esclarecimento real, por outrolado, só é possível porque elas são de fato esclarecidas, ou seja,contrário das imagens míticas, têm como que consciência da sua propnairrealidade, do jogo dialético entre verdades e mentiras que ali temlugar. Qualquer potencial emancipat6rio que possam conter se tundanesse pressuposto; ao que corresponde a observaçãode Adorno de qu.::a arte engajada ou didática é mais "delirante" do que a dita alienada.pois como antítese imediata do real, ela se lhe equipara falsamente.

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" ater duplo de realidade ç irrealidadc do esclarecimento estético,(} ..ar . . ,. . 1-onstitui sua resistência ao mundo do funciona rsmc universa •LJuc: l.:

f também os modos uue esse encontra para absorver a arte no seujcnne .. ão ã tâo da. t to. O que nos interessa particulannente em relaçao ques ...oex . é _. , '. ànetura são duas tendências cornrãnas, por m nao íncompattveis:arqUl"mdra Adorno se refere como desartifícação da arte, que é, a grosso

p" J sua reducão à realidade - a aproximação de arte e mundonlO o,,, . ç·,·,co que a submete aos parâmetros instrumentais e lhe contere.<;,lllpl ,ndo muito algo cientificamente fixado como belo. O l:onstruto,'lua, ..

-omo simples elemento do real, cursa entre coisas, perde sua voz e seem receptáculo de psiquismos subjetivos. instrumento de

rojcções idiossincrésicas. A segunda tendência, que denominamos"fetichismo do utópico", é o oposto: redução _arte

à sua irrealidade. A lógica do "engavetamento" divide com o'lu,," foi historicamente uma única coisa em aplicação direta à emP.lna e.:skra autônoma absolutizada. A pseudo-estenzação do que éao consumo de massa e L'art pour i'art são, nessa perspectiva, os dOISlados do mesmo fenômeno: uma cumpre o papel da ornamentaçãotmedlata do contexto distorcido. a outra o da ornamentação mediara,idolatria da transcendência, "reflexo do encanto como consolo pelodesem:antamento"(AT 34). L 'an pour í'an, conceito da exclusão doser-para-outro, toma-se função de segunda potência. consumo de umser-para-outro abstrato.

Mas , enquanto aquela pseudo-estetização é um fato, I 'an pour I 'an não<: mais do que um postulado. Não há arte sem a dialética intrínseca derealidade empírica e sua negação; se a arte cumprisse a ausênciadialética, como quer o conceito de arte pura ou livre, desembocana nokitsch da produção sistemática de ilusões, seria apenas maisc-omponente da indústria cultural. O problema é aIdeologicamente prescrita entre produtos culturais e praus social.(Como adverte Horkheímer, "o que precisamos esclarecer não é que ochicletes prejudica a metafísica, mas que ele pr6prio é metafísica" -citado em Pr lOS). Se, por um lado, a arte é um dos nichos de alteridadeindíspensãveis para a permanência do estado real, e, por outro lado, elavorném elementos críticos que, nesse estado, s6 são viáveis quandoneutralizados, a melhor adequação pelo sistema é a má inversão docaráter duplo da arte: o produto social "arte" se torna prova da existênciade algo ut6pico no mundo empírico: seu distanciamento em relação àempina é razão suficiente para ignorar a crítica muda das obras eprivá-Ias da interpretação que a diria. A possibilidade dessa distorçãose explica pela impossihilidade de negar absolutamente o esclarecimentoreal a partir de um esclarecimento radicalizado: uma vez queradiceiizaçâo é quebra de fronteiras, e não a nova hípõstase de elementosantes excluídos, o real se vê sempre afirmado de algum modo - sempre

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lhe .6 possível reduzir o Outro às categorias do Mesmo. Não há vidaverdadeira no falso (cf. MM 42), porque os elementos do verd<u..leiroestão igualmente presentes no falso, que deles se apropria de antemão.

Isso significa que, embora o contexto distorcido tenda a eliminarqualquer coisa que não se constitua imediatamente como meio, qualquerresquício de encantamento, tal extirpação nunca é completa. Como queastuto na administração do que dele difere, sabe preservar-se na suapureza moderada. Arte bem neutralizada, isto é, completamentelimitada ao territ6rio da aparência. perde sua relaçio com a prax;:; etorna-se inofensiva: é a otimização do não-iostrumental para amanutenção do quo. A ideologia confere ao elemento utópico quea arte ainda guarda uma função compensatória, transfonnando a forçado seu choque anulado em renovação de energia para o sistema. Nessaperspectiva, onde, ao lado da ameaça de desartificação, a arte rddicalsofre a outra, do encarceramento na pureza imposta, sua morte não seriao pior, já que não condiz com a realidade. Se a arte é preparada paraser medíocre enclave irracional da má racionalidade (AT J30), seu fimsignificaria que tais eeclaves já não são necessários. Corno diz Adorno,o prognóstico hegeliano da morte da arte provém de um otimismohistórico (AT 55).

Posto isso, fica evidente que a arte tematizada pela Teoria Estética,embora tenha lugar na gaveta administnltiva intitulada "arte pura"(fetichismo do utópico sõ tem sentido onde ainda há alguma utopia),não se identifica com esse conceito. O que Adorno aborda ali não é oreino livre do encantamento estético. Se de pensa a arte essencialmenteenquanto autônoma, é porque a de reconciliação que nelaaparece - e só aparece devido à sua autonomia - lhe confere ao mesmotempo o impulso crítico na direção oposta: o que, por sua vez, não seconfunde com a falsa fusão de arte e vida, o retrocesso irrefletido que,longe de transformar realidade em utopia, reduz a utopia à realidade.

Quanto mais puramente as obras de arte aspiram àidéia manifesta dearte, tanto mais precária se tornaa relação das obras de arte ao seu outro, relaçãoque. por seu turno, é exigida no conceito de obra.(...) E, evidente que as maiores obras não são asmais puras, mas as que costumam conter um exce-dente extra·artístico, ( ...) não é menos evidente que(... ) a crise da obra de arte pura, depois dascatástrofes européias, nãodeve resolver-se atravésda passagem a uma malerialidade extra-artfsticaque, com palhos moral, proclama que ela se torna

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mais leve; a linha de menor resistência vale emúltimo lugar como norma (AT 271).

A interpretação de uma arte não autônoma através da obra filos6fica deAdorno se justifica quando temos presente que a dialética deheteronomia e autonomia ali desdobrada acaba problematizando oconceito de arte pura. Isso não significa que os coustrutos que são defato também para-um-outro coincidam com aqueles que têm seu fimapenas em si mesmos, e são funcionalizados por uma racionalidade quenão admite nada sem função. Falsa é a absolutização da diferença entre,)S dois momentos. Não se trata de procurar a participação da arquiteturanuma esfera estética supostamente desvinculada da realidade, para entãoconceder-lhe o falso starus de uma arte livre; além de não existir talcoisa, também não consta em lugar algum que a arquitetura deve serarte. Mas, se isso seria um contra-senso patente, equívoco maior éredczr-la a príoti a mero portador de funçõess. Foi o que Adolf Laostentou fazer, ao menos no plano teórico. Se hoje não somos todosadeptos dessa teoria é porque mesmo suas análises mais instrumentalis-tas deixam entrever uma perspectiva incompatível com a adequaçãoplena ao contexto de dominação, ou em outras palavras, porque aindanão passamos da teoria da arquitetura à teoria da construção ad-ministrada.

Isso gera a suspeita de que no limiar da heteronomia ainda haja de fatoalgo que resiste à instrumentalidade, e nesse caso, desartlficação oufetichismo ressoarão ali, como ressoam na arte autônoma. O des-dobramento da pergunta pela arte heterônoma teria então início na buscade suas particularidades íntra-estétícas (extra-esteticamente tais par-ticularidades são quase que ólwias); ou seja, pela tentativa de com-preender as constelações interiores aos construtos, decorrentes dasfunções que incluem, mas só incluem enquanto mediatizadas. É evi-dente que nosso percurso contém um petítio pnncípíi, já que pressupõea possibilidade do momento estético na construção arquitetônica, quan-do essa é na verdade a questão. Entretanto, para não incorrermos numtal paradoxo, seria preciso estabelecer de antemão o que é, ou não,estético: uma determinação que os temas abordados até aqui mostramser impossível. Resta saber se o vínculo entre momento estético eincidência fatual direta pode gerar uma espécie de "dialética ao qua-drado", onde a duplicidade entre esfera autônoma e heteronomia éexacerbada, ou se recai necessariamente na mera afirmação do real.

3 - Negalividode e Teles na Arte radical

Como mencionamos antes, os modos de absorção da arte pela empiria- redução à realidade ou à irreal idade - se tornam possíveis devido ao

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caráter ambíguo que a utopia de um esdarecimento radicalizadoem meio ao contexto do esclarecimento real. Certamente aarte pré-moderna sofre ambiguidades semelhantes, porémexacerbação atual do contraste entre o que é e o que poderia ser leva auma mudança qualitativa na modernidade: por um lado, as Obra:radicais efetivam a transformação dos parâmetros da ordem empíricasublimando-os como toda arte, mas, por outro lado, elas se rebela";contra a ídeolcgtzação do que sublimam, operando em si mesmas algoque se assemelha à desartificaçâo exterior.

o fetichismo da tnmsceodência estética não é apenas uma grotescadisposição exterior. A mesma duplicidade da arte como autônoma eproduto social que problematiza sua pureza, faz com que ela não possatranscender por completo as distorções do seu contexto. Pormalmeetea arte se presta à ideologia pelo próprio fato d: se colocar a priori comopertencente à esfera do espírito, desvinculada da produção material. Oafastamentc da empina, de uma maneira ou de outra, se assemelha àcondescendência tácita; por mais que as obras se oponham ao real,deixam-no intacto. Tal paradoxo é incontornável, pois não se colocapara a arte a opção entre ideologia e protesto. Equiparadas ao real, asobras são apenas coisidade indistinta, sua critica se dispersa como ofazemos elementos da empiria. Em última instância, o caráter de feticheé condição do seu conteúdo de verdade, "uma arte estritamenteanideológica não é possível" (AT 351).

Se isso implica que toda arte tem algo de afirmativo, é igualmente certoque tal caráter tornou-se insuportável para as obras radicais. Queremser um outro e na aparição desse desejo se tornam promessedu honhcur,mas enquanto esclarecidas "sabem" que nada garante a realização doque nelas aparece. O ataque que engendram contra sua própria harmoniavirtual é a tentativa de desvencllhamenrc desse paradoxo. Na aversãoao ilusório, as obras interditam qualquer representação positiva de umOutro - no estado atual isso seria apenas a concretização do delíriocompensatório, anacronismo da falsa jucundidade. Segundo Adorno, aarquitetura é exemplar nesse sentido (e sintomático para nós o fato deletomá-Ia como exemplo): "se ela quisesse, por desgosto pelas formasfuncionais e sua adaptação total, entregar-se à fantasia desenfreada,cairia imediatamente no kitsch." (AT 55). A tendência letra-estética dedesartíflcação, destruição da aura, alergia contra a irreal idade do irreale a tentativa de aproximação do real daí decorrente, de certo modo

o que Adorno aponta na Mlnima Morolia:

Não há mais beleza, nem consolo, a não ser noolhar que se fixa sobre o horror, a ele resiste e na

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consciência árdua da negatividade resgata a pos-sibilidade de algo melhor (MM 21).

I. . videncja qu.: a tendência da arte li inclusão dos_ -o-cientfflcos não é apenas confonnidade li situação histérica em

{{'<.:lllC . ' I d r idade. rge mas contém um movimento mais comp exo e nega IV. .'no que .diz se.ria

a adesão convida ao tecmcrsmo e a tempestuosa reincidência dentre " 'Ih mundonas obras autênticas. Mais do que demonstrar o maravr osoda administração total", a arte nova (ao menos-lOtecipa o apocalipse, "como se, através da sua Imagem, quisesse

a catástrofe" (AT 56). Mas o. aassume não se confunde com a transposrçao Imediata de aimagem literal significaria elevar o sofrimento a um pl.anotingir que nele há alguma verdade; é a menti': doEnquanto a abstração, o horror às figuras sao negativainexprimível, o caráter destruidor que aparece na linguagem formal dasvanguardas é seu correlato positivo.

A problemática convergência entre desartificação intra-estétlca esublimação tem lugar nesse elemento formal. Ao mesmo tempo em<I arte moderna é obrigada a afastar-se do seu telas como ?nicaguardá-lo, ele reaparece no momento da sua forma. AIt, o

da utilidade universal- o • recupera transcendênciaa razão Instrumental dele exnrpou - um ser-para-si.

A mudança substancial que logicidade, causalidade e o correspondenteinstrumental da funcionalidade sofrem no âmbito intra-estético s6 épossível através do rigor que a arte imprime à r:eflexão. Eladifere da tradicional (e aqui é fiel aos IdeaiS dorejeição de qualquer elemento pré-fixado norma: sua lógica naomais se efetiva por composiçlJo de blocos formaIS dados (como a da.arterenascentista, por exemplo), mas pela regência totalizaote do queAdorno denomina construção.

A construçio é. na môoada da obra de arte,uma onipotência limitada, o representante da: lógicae da. causalidade, transferidas do conhecimentoobjetivo ( ..•) A arte, alravés daconstruçio,desesperadamente se libertar, pela sua própriaforça, da situação nominalista, do sentimentocontingente, e atingir a envolvência do ohrigatôrio.quiçá do universal. (A(91)

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Revidando a crença na organicidade da arte, isso mostra que adominação extra-estética se repete intra-esteticamente, pois os elemen.tos particulares são indóceis à supressão de seus momentos qualitativosque a realiza. na empiria, o sujeito conscientedas potencialidades do seu matenal se coloca a princípio na.posição de

absoluto. Mas, por outro a logicidade é, entre as forçasinternas da obra, a como ser suí generis, como algopara além das connngêncses subjetivas. Nesse sentido, levá-Ia a ex-tremos significa romper a plenitude daquele controle e dar primazia àobra. O sujeito é como que absorvido pela sua 16gica imanente e nessedesaparecimento dá lugar à verdadeira objetividade, à voz do objetolivre de relações utilitárias. "O que é chamado coisiticação, quandoradicalizado, toca a linguagem das coisas. "(A'F 96) A dialética quesurge na radicalização das categorias racionais faz com que percam suapureza; é o que Adorno explicitá com relação a logicidade intra-estétjca:

A lógica das obras revela-se imprópria ao conferira todos os elementos particulares e às soluções umamargem de variação muito maior do que acontecena lógica formal; não deve excluir-se a evocaçãoimportuna da lógica onírica, na qual o sentimentoda conseqüência obrigatória se associa a ummomento de contingência (AT 207)

Ao destituir a 16gica dominante da sua universalidade e necessidade, aarte se revela paradoxalmente como instância de conhecimento menosilusória do que aquela que tem suas categorias moldadas segundo a razãosubjetiva. Mostrando que poderia ser diferente, submetendo a razãodominadora ao movimento maior da liberdade, ela denuncia o relativis-mo dos seus imperativos absolutizados. "Pela dominação do dominador,a arte revide, no seu âmago, a dominação da natureza" (AT 207). Ooutro que a razão estética encontra faz com que inclua uma relação comseu material que poderia ser compreendia como uma "adequaçãoInversa", Isto é, uma aproximação entre sujeito e objeto onde esseúltimo ganha a liberdade de determinação, suprimida pela racionalidadesubjetiva. Esse momento é, a grosso modo, o que Adorno cbama de"mímese", que, diferentemente da mera imitação, aponta para umarazão ampliada 110 seu conceito e nas suas delimitações, reconciliada ereconciliadora, capaz de emancipar a razão instrumental daquilo que anIvel empCrico parece inevicável.

Nesse sentido, a funcionalidade, que carece de todo tetos para além dadominação, é incompatfvel com qualquer arte. Transferf-Ia a-dialéticamente ao interior das obras é a abolição dessas, pois faz comque se submetam a parâmetros que jamais justificarão sua exlstêncle-

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Ainda assim, a coerção à funcionalidade ressoa na esfera estética: taDtocomo resultado da desartificação exterior. isto é, a detecnicamente a arte, quanto devido II mtra-estébca dedesartificação, o desejo por um do real. Resu.tta dessadi2.lética que as obras integram a funcionalidade, mas não a IDtcgramsem transformá-la. Aqui o momento mimético, nãoo termo de mediação que ao mesmo tempo leva o conceito ao seu limite.O rompimento do domínio absoluto do sujeito significa caso que{) objeto já não é mera função para esse, a de fim.Funcionalidade estética desencanta a funclonaiulade real, a liberta daimanência e assim a transfonna em finalidade. Essa última não maisopera no sentido pseudo-progressivo razão oo.defunções são detenninadas por outras fuoçoes num automahsmoque, mesmo revestido de rupturas aparentes, acaba emfinalidade é antes a totalidade dinâmica que gira apenas em torno de SImesma, em torno das relações de suas partes entre si e para com o seutodo, é a função livre do circuito meios-fins da realidade empírica - aoque Kant chamou "finalidade sem fim". Nesse movimento inerente aarte mohiliza a função no sentido contrário da dominação e aponta paraalgo que a transcende: seu telas de uma síntese não violenta do dispersono estado reconciliado, unidade dos substratos suprasensiveis de sujeitoe ohjeto em Kant.

4 - Utopia Instrumental

Na conferência proferida em 1965 ao Werkbund de Berlin, intitulada"Funcionalismo Hoje", Adorno enfatizá o duplo reducionismo denmcepções que procuram separar absolutamente formas utilitárias eestéticas. A fraca objetividade das funções ou da adequação técnica aosmateriais, por si, não geram forma alguma. Inversamente, não existecreatio a nihilo, nem mesmo na arte autônoma. A logicidade imanenteque rompe a regência dos cânones normativos, suscitando por vezes aidéia de uma tal liberdade, é essencialmente eliminação do supérfluo,do ornamento morto, restringindo também o instante fortuito da criaçãosubjetiva. Presente em toda arte moderna, essa racionalização não éditada apenas pela heteronomíe.

A pergunta pelo funcionalismo não coincide com apergunla pela função pnltica. As artes dependentese independentes de tins práticos não formam aoposição radical queele (AdolfLaos, N. A.) supõe.A diferença entre o aecessérío e o supértluo éinerente aos construtos, não se esgota na suarelação a algo exterior ou na ausência dessarelação. (OL 106)

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Entretanto, como foi explicitado no item anterior, a fun<.:ionaJiJadeintra-estética, à qual Adorno se refere nessa passagem, é como quediametralmente oposta à funcionalidade sistêmica. Para as mônadasestéticas, funcionais são os elementos que, ainda enquanto particularesadquirem a qualidade de fins em si mesmos: jáem termos instrumentais'esses mesmos elementos seriam tão dispensáveis, quanto o é, ali, aprópria arte. A rigor, arte e utilização prática se excluem mutuamente.

Aos objetos de uso sucede injustiça assim que sãoadicionados de algo não exigido pelo seu uso; àarte, o inabalável protesto contra a dominação dosfins sobre os homens, quando é reduzida exata-mente àquela praxis à qual se opõe (.. .). (OL 107)

Ainda que o parâmetro aqui já não seja a existência de logicidade, atese da cisão radical entre o estético e o utilitário parece assimconfirmada em outro nível. A duplicidade mostra, no entanto, quefunção ou ornamento não são conceitos absolutos, mas dialeticamentemediados; suas determinações surgem no confronto entre realidadeempírica e esfera estética. "Finalidade sem fim é a sublimação de fins"e só se dá na tensão entre empiria e utopia; assim como não há arte paraalém desse limiar, não há forma funcional que dele possa se absterinteiramente (DL 108). D mesmo vale para a idéia do ornamento cornosupérfluo. Arte "livre" não teria o que extinguir do seu interior,instrumentalidade pura tampouco. "Primariamente, arte funcional é umoxrmoro. O seu desdobramento é, contudo, algo de Inerente à artecontemporânea. H(AT 92)

IIm indício fundamental para nós é que a crítica ao ornamento pareceter sido mais aguda no território onde os opostos se chocam diretamente:a arquitetura. A incompatibilidade entre telas estético e realidadeinstrumentalizada assume ali dimensões extremas, porque a negação daempiria que a arte autônoma concretiza como modo de resguardar seumomento utópico é interditada aos construtos que são também in-strumentos. Se toda arte é, em última instância, para aquilo que oshomens poderiam ser, a arte heterônoma é ohrigatoriamente tambémpara os homens tais como são, pois "ainda os mais retrógrados econvencionalmente parciais, têm direito li realização, seja de suas falsasnecessidades'{Ol, 121). Arquitetura sem concessões aos ditames do seucontexto, toma-se, ela mesma, impositiva em relação aos homens poreles moldados. Na arte heterônoma deveria, portanto, haver algo de-empírico não transfonnado, não sublimado, o que significa que a tensãoentre arte e realidade migra para esses construtos imediatamente.

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o parddoxo 50:: complica ainda mais quando temos em _mente que. -hê-tectura além de se constituir através da transgressão contínuaesferas a modernidade secciona, tem como elemento fundamen-

\:11 a tentativa de reconciliá-Ias numa outras palavras.> quanto legítima e vinculada a sua própna historicldade, ela busca a

quase absurda entre o que é e o que poderia certodesejo explica a abrangência programática dos

lOS modernos, a atuação que idealiza não apenas objetos, mas P!axISsocial, ao ponto de pleitear arquitetura nova em lugar Oue alguns autores interpretam como "sobrecarga por

externas, é, no fundo, o principal de uma.arqUlteturaque ao contrário do ecletismo que a precede, nao se exime do .seu

Inexplicável, no entanto, é a insistência com que murrosmantêm a idéia de que a arquitetura moderna, ao menos na sua

fase dita genuína, teria de fato apaziguado o antag?nismo entre ol'mpírico e o utópico, postulando para ela uma que nenhumaoutra arte moderna sequer pretendeu. Para esses, ela ainda,I feliz conjugação entre novas técnicas deprodução, novaspráticas e arte de vanguarda. Exemplar nesse sentido é o slgnrficadoduplo e prerensamente compatihilizado da abstração na linguagemarquitetura nova: por um lado, os construtost"l"uratividade da arte autônoma, que é como que CIfra do ínexprímível,d;.7 não-identidade; por outro lado, aderem à daat-stração lógico-matemática, expressão mais pura da Identidade u.ruver-sal Integrar tais opostos seria necessariamente .0 fimArquitetura que, ao menos plano teórico.. ainda assim seunfvoca, seria obrigada a adenr ao termo mais forte, que sem dúvida éo da racionalidade dos meios.

Tal adesâc solucionaria o problema, se a arquitetura, que já foi arte,pudesse desvencilhar-se inteiramente desse lastro histórico, cumprindoa medíocre adequação ao sistema e perdendo de fato o desejo portranscendência. Mas o conteúdo sedimentado na linguagem formal éintransponível; mesmo os construtos concehidos, na lamentáve! demetier, que parece desobrigar de problemas engtndo acrença ingênua na disponibilidade material fo:mal,do ou não adquirem alguma expressao - ainda que seja a do vaziomanitesto 'na pobreza expressiva. A ausência

A

épatente na negação determinada que as obras autênticas do modernismoengendram contra um espectro específico de formas tradicionais. Elasapontam para a mesma da arte o funcional paraalém da prescrição que alcança a linguagem das COisas.

A grande arquitetura recebe sua Iinguagemsuprafuncinal onde, somente a partir de seus fins,

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os anuncia por assim dizer mimelicamente COseu conteúdo. de éporque, para cnar condições espaciais Jdea.is paraa música orquestral, a ela se assemelha sem Ihtomar empréstimos. Enquanto sua função nela eexprime, ela transcende a mera funcionalidadsesem que de resto seja garantida uma tal """sag e,_ , funci r- emlt:> rormes OCIOnaIS. A condenação neo.realista(Neu-Schlich) da expressão ede todamimeseCOmoalgo de ornamental e supérfluo, como ingredientessubjetivos não ohrigat6rios, só vale na medida emque acoastrução é acrescida de expressão; Dão paraconstrutos de expressão absoluta. A expressão ab-soluta seria objetiva, seria o pr6prio objeto (AT 73)

O que não pode deixar de ser instrumento fez disso a utopia da realizaçãoeafãtica do instrumental. explodindo a "má infinitude" do ser-pera-outro. Entretanto, qualquer aproximação desse ídeal é tendencialmentetambém dominação, pois acirra a divergência com os homens formadospelo contexto semi-esclarecido - paradoxo irredutível da arteheterônoma; evidente 00 funcionalismo "genutno", e insuportável nochamado "vulgar", que transfigura o infortúnio em virtude.

As apropriações posteriores da primeira arquitetura moderna. quetentam sanar esse momento opressivo de diversas maneiras, mais doque resolver as contradições, ampliam seu espectro de patência. O queAdorno chama de "dialética do luxo" - ou seja, a dialética do ornamentoextra-esteticamente definido - é central nesse âmbito. Num primeiroaspecto, o luxo é parte do produto social que atende, não às necessidadescomuns, mas à manutenção das velhas estruturas de poder; por outrolado, esse mesmo produto "não serve direta nem indiretamente àreprodução da força de trabalho, e sim aos homens enquanto nãototalmente apreendidos pejo princípio da utilidade"(Pr 82). Assim comoé. tmpossíveí tírar toda ostentação do helo e reduzf-lo a leis meramenteformais, não se pode isolar, no ornamento, ilusionismo compensatórioe verdade. Se o ataque do funcionalismo visa o primeiro e acabaeliminando ambos, muitas tentativas de "repará-lo" encontram aqui suapedra de toque. A opção mais moderada estende seu conceito de. funçãoao campo social e simbólico, masmantém ingenuamente a fé nasíntesedo irreconclíiãvel. Isso a obriga a operar apenas na tênue superfície queevita a expressão dos conflitos, assim como qualquer outra expressãoenfática; a arquitetura se dispersa em fracos consensos, se toma coisaentre coisas. (O arquiteto, entretanto, que realiza a suposta síntese,permanece como verdadeiro sujeito cartesiano, embora sem garantiadivina). Outras opções mais radicais, que assumem elementossem travestf-tos de funções, evidenciam que dialética do funcionalismoe dialética do ornamento se correspondem inversamente: o preço do

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-esgare daquele supérfluo antes exilado é o caráter de fetiche que asobras adquirem. Unido à proibição da negatividade radical - que napão beterônoma pode tendência - isso asperigo.samente do blsch arqUltelÔDlco. A orup!'CS!DÇaq\le DO funciona!ismo tomou cruel a franqu.eza de fingironde ela não extste, se numa simulação faetasmegõríca quetem algo de Disneylândia - feliz para alguns, mas nunca mtelramenteconvincente.

Se e como as grandes obras da arquitetura moderna, funcionalista ounão, conseguem abarcar tal constelação aporética e se realizam ou nã?seus preceitos teóricos são perguntas que não poderemos aqUi.Entretanto, parece claro que o caminho da interpretação da arquIteturanova passa pela mudança do seu conceito: arte que, na modernidade,fosse expressão do princípio que orienta os homens, expressão da archê,seria pura imanência, instrumentalidade construída, e portanto não seriaarte. Estranho a esse respeito é que a possibilidade da harmoniaarquitetônica é tomada em geral como uma espécie de pressuposto,quando o que a teoria da arquitetura deveria procurar nas obras não éa comprovação da síntese pacífica que postula, mas as expressões docombate entre forças divergentes, constitutivo de todo construtoautêntico e lugar do conteúdo de verdade que possa ter.

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Elogio de Arthur Versiani Vellôso1Fundador da Revista Kriterion

JoséHenrique Somos

Curriculum Vitae

De Arthur Versiani Vellôso pode-se dizer que foi O Professor, porantonomúia, assim como Aristóteles foi chamado O Filósofo. De tido,é raro encontrar-se alguém tão dedicado à sua profissão, a ponto deconfundir-se com ela. O professor VelJôso fez do magistério o sentidode sua vida; dele retirou riquezas espirituais insuspeitadas, mais impor-tantes e duradouras que qualquer riqueza material, que jamais possuiu;e acima de tudo formou um extenso círculo de amigos e alunos, dosquais foi o mestre incontestável. Estudar e ensinar definiam seu modode vida:

Somente os objetos inteligíveis me interessam,somente as idéias puras e a Metafísica mepreocupam,e assimpassopor entre os homenssemquase considerá-los, respeito-lhes sem dt1vida "8pessoa". todavia representam para mim apenasveículos de doutrinas abstratas, e estas é quevalema pena de ser examinadas pelo espírito.

Assim respondeu certa vez a um questionário que lhe submeteram osalunos (em O Diário, 8/3/58), Mas 8 resposta é injusta consigo mesmo,com a família e os amigos. Amava-os de amor passional e exigente;não podia passar sem eles, niopodia viver sem ter diante de si espíritossemelhantes ao seu. Os amigos não surgem por acaso, mas do trabalhocomum, Por isso, foi preciso formá-los primeiro como disclpulos, nadisciplina do estudo e da verdade; tudo o mais veio por acréscimo, comovirtude que de dá a si mesma. O que realizou na vida o fez com grandezae desmedida generosidade. Fundou escolas, construiu prédios esobretudo, como um Sócrates moderno, educou a juventude. Ai de

o texto que segue constitui perte do discurso proferido por ocasiio daposse do Prol. José Henrique Santos na Academia Mineira de Letras, aoocupar a vaga do Prol. Arthur Versillni V1l1J6so. Por unanirndade. oConselho Editorial da Kriterion decidiu publicar esss merecida homenagem110 fundador da revistll.

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quem o ouvisse uma vez! Não havia quem lhe ficasse indiferente; suapalavra envolvia o interlocutor como um convite ao pensamento, e amaiêutica, temperada pela imprescindível ironia, cumpria sua função.o outro já não podia permanecer o mesmo. A filosofia tornava-senecessidade, um destino.

Começo com os dados fornecidos pelo curriculum vitae, para logodepois dissolvê-los na trama que a própria vida acaba por tecer. Douapenas as informações necessárias para ordenar a narrativa.

Arthur Versiani Vellôso nasceu em 26 de janeiro de 1906, em OuroPreto, de tradicional família, filho de Antônio Augusto VelIôso e Elisade Oliveira Catta Preta Versiani Vellôso. Fez o curso primário na escoladas irmãs Salesianas daquela cidade. Transferindo-se para BeloHorizonte, cursou o secundário no Colégio Estadual de Minas Gerais,de 1919 a 1923, de onde viria a ser mais tarde professor catedrático emestre de muitas gerações. Fez o curso superior na Faculdade de Direitoda Universidade de Minas Gerais, de 1924 a 1928, onde se doutorouem 1933 com uma tese sobre Os Princípios Metafísicos do DireiJo emKant. Entre 1934 e 1936 fez o curso de Filosofia no Instituto Católicode Estudos Superiores do Riode Janeiro, tendo sido aluno do distinguidohistoriador da filosofia Émile Bréhier. Em 1936 e 1937 seguiu o cursode Psicologia de Mira y Lopez, no Rio e em &10 Horizonte. Mas desde1927, portanto aos 21 anos, já o encontramos entregue à docência, nocurso particular de Filosofia para os candidatos aos vestibulares daFaculdade de Direito (1927 a 1931), na Escola Normal Oficial Ima-culada Conceição de Belo Horizonte, no Colégio Santa Maria, das IrmãsDominicanas (1929 a 1944), no Colégio Estadual de Minas Gerais(desde 1932, tendo alcançado a cátedra de Filosofia em 1948 econtinuado o magistério até a data da aposentadoria, em 1968). Foifundador e professor catedrático da Faculdade de Filosofia da Univer-sidade Federal de Minas Gerais desde 1939 até a aposentadoriacompulsória que ele chamava expulsária - em 1976. Foi tambémfundador e catedrático do Colégio Marconi (de 1936 a 1972) e professorde vários outros cursos.

Morreu em 10de fevereiro de 1986, após longa enfermidade, do mesmomodo que o filósofo de Koenigsberg, que tanto amara. Provavelmente.ao escrever a Vida de Kant, nunca imaginou que seus últimos anos e osde Kant viriam a ser tão semelhantes. Tendo em vida compartilhadodas idéias de Kant, quis o destino que sofresse do mesmo declínio físicoe espiritual. (Ver Vida de Kant, pp. 50 e seguintes).

A fria enumeração dos dados, porém, não passa de um artifício damemória; contém a cronologia, que funciona como uma teoria distante

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do tempo passado que precisamos reter, para ajudar nO,ssar<:'memoração, mas o drama da vida humana lhe es,capa.que toda teoria é cinzenta, só é verde a árvore da vida. Tolhemos pors() caminho das árvores.

A Árvore da Filosofia

Certa vez, na entrada da primavera, quando era ainda diretor daFaculdade de Filosofia, Vellôso e outros professores plantarem algumasi -vores 00 pátio que dava para a rua Carangola. A sua árvore era um.u 'da I " daipamboyant, que teve vida pois foi destrui por a gum van o,corno dizia ele, antes de anngrr a altura de um homem. De nada valeu(I inscrição latina, tão a seu gosto, gravada em uma placa de metalpregada à grade protetora: Numina omina, com a proteção dos deuses.

O fato 6 trivial, mas rico de sugestões. Nas culturas agrícolas, o deplantar pertence à simbologia das origens e aos rituais de fecundidade;é uma reafinnação da vida que sempre recomeça. Numa escola, quewmhém 6 obra de cultura, espera-se sempre que o grão não morra ec-aia em terra fértil, onde possa frutificar sob a forma do saber. A cadasemestre professores e alunos renovam o compromisso com o estudo ea vida intelectual, muito embora nem todos o honrem, pois toda escolatem lá seus apedeutas e filistinos que aborrecem o estudo. Contra esses. e aí se incluíam também professores - investiu o professor Vellôsocom a indignação de um Quixote, em escritos de gosto arcaizante queaté hoje fazem a delícia do leitor. Nessa cerimônia de plantio, porémduas outras associações nele se mesclavam com a força de um acon-tecimento exemplar que devia ser repetido e imitado; primeiro, acelebração da liberdade, num momento em que o regime .militarcensurava o pensamento t prendia professores e estudantes. O biógrafode Hegel, Karl Roxenk ranz , conta que Hegel e Sch:11ing, outroscolegas do Seminário de Tüblngen, foram num domingo de primaveraaos arredores da cidade plantar uma árvore da liberdade em honra darevolução francesa, cujos augúrios celebravam, na esperança verseus ideais realizados na Alemanha (Karl Rosenkranz, Georg WllhelmFriedrich Hegels Leben, Darmstadt, reimpressão de 1977, p". 29).Saudavam a aurora de um mundo novo que no entanto havena demostrar também cores sombrias, pouco depois, com o terror. Semdúvida, os professores da Faculdade de não .celebravam umacontecimento comparável em grandeza e universalidade, mas, naagrura da época, reafirmavam o valor do espírito e o desejo deliberdade. Na vida universitária, os símbolos têm por vezes o valor deum tato.

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Para o filósofo Arthur Versiani Vellôso, havia, porém, um outrosimbolismo muito mais importante nessa cerimônia de confirtlUlfilo quea imagem da árvore propicia. Descartes diz, com efeito, Duma carta aPieot, tradutor francês dos Principia Philosophiae: Assim t0d4 afilosofia como uma árvore cujas Ta/ZU sõo a metaflsica, Q tronco afísica e 05 ramos que saem deste tronco sõo todas as outras ci2ncias(Opp. 00. Adam-Tannery, IX, 14). A ãrvore de Descartes é de ordemconceitual e representa a reunião das ciências, que têm seu fundamentona metafísica; o método comum é a seiva que as alimenta, como est4dito nas Regras para a Díreçõo do Esplrito, e a mesma razão semanifesta clara e distintamente em todas elas. Esta árvore cresceu e deufrutos. Da época de Descartes a nossos dias, as ciências se desenvot,veram e se multiplicaram, saindo do tronco da física, de tal modo queo antigo sistema da filosofia se transformou 00 conjunto das ciências.As ciências da natureza tomaram-se autônomas e encontraram nométodo experimental a razão de seu progresso; as ciências humanas esociais, ou buscam os mesmos caminhos da experiência e da medida,ou fazem ressaltar a ligação interna que ainda as une à raiz metaffsica,procurando na hermenêutica do sentido o método capaz de conduzir àmanifestação da verdade. A filosofia, por sua vez, continua sendociência das raízes, isto é, das origens, das rhírômara pánron, comoestabeleceu Empédocles há 2.400 anos. Não é este o lugar de indicarcomo e em que sentido o sistema das ciências surgiu e se desenvolveuhistoricamente; quem desejar maiores esclarecimentos abra a tese deMestre Vellôso, A Qüididade do Real, de 1948, ou a sua lsurcduçõo àHistória da Filosofia, de 1947, e leia a competente exposição.

Há dois modos de se construir a árvore da ciência, um é criar um sistemade pensamento suficientemente sólido que contemple a totalidade doser, como o do próprio Descartes, espécie de castelo de idéias capaz deabrigar o mestre e os eventuais discípulos, unidos no trabalho comumdo saber. Todo grande pensador torna-se com o tempo mestre depensamento, um Moisés que aponta para a Terra Prometida além de simesmo, estabelecendo um diálogo com os põsteros, que desdobram aexperiência original e a levam às últimas conseqüências. A esserespeito, Vellôso observa queAfilosojia nunca/oi obra de wns6homeme que exatamente por isso é frwuostssímo o seminário da universidadealemã, porque suscita um clima favorável ao SYMPHlLOSOPHEIN(Em O Estudada Filosofia, p. 23). O outro modo é fundar uma escolano sentido material do termo, quer dizer, criar uma Faculdade de:Filosofia que cultive todas as ciências básicas. Arthur Versiani VellÔSOnão criou um sistema de pensamento, mas, juntamente com outrOscompanheiros, teve a incrível ousadia de fundar uma escola para oponsamesuo, onde a juventude podia encontrar ambiente propício aocultivo do saber desinteressado. Até 1939, data da criação da Faculdade

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J<;,: Filosofia, que depois se incorporou à Universidade de Minasrosteriormente Universidade Federal, não havia. em. Belonem mesmo a possibilidade de tal encontro. As<;': física) se cultivavam à sombra da Engenhana ou da.(ljuímica, física e biologia), servindo a um propõsítc práticoJ<;,:finido. As ciências humanas e as letras nao se estudavam, umpouco de filosofia e sociologia DOS de como apêndice li.formação jurídica. A Faculdade de Filosofia fel instalada na CasaJ'ltália à rua Tamoios, onde até há pouco funcionava nossa CâmaraMunicipal, em 21 de maio de 1939, com uma conferência de Vel!ôsosobre Tommaso Campanella, e veio a ser o primeiro espaço cultural,como se diz hoje, aberto à manifestação da cultura científica, filosóficae üterãrie. Desde então, o estudo sistemático dessas matérias tomou-seuma disciplina intelectual do mesmo nível que as versadas nos cursosuniversitários reconhecidos. A Faculdade de Filosofia cultivava todasas ciências básicas, as letras e a educação, e dela provieram, com areforma universitária de 1966, os Institutos bãsicos e as Faculdades,onde hoje se faz a pesquisa científica pura da Universidade: Institutosde Matemática, de Física e de Química, de Ciências Biológicas e deGeo-Ciências ao lado das Faculdades de Letras e de Educação, bemcorno a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, sucessora diretada antiga Faculdade. A semente da Casa d'Itélie se transformou naárvore adulta que abriga todos os ramos do saber.

Desde abril de 1934, em um escrito publicado na Folha de Minas, EmProl de UI1UJUniversidade, o professor Vellôso reclamava a criação .deuma universidade nos moldes europeus, com espinha dorsal própria,tendo na filosofia a matriz de sua vocação intelectual.

Os primeiros anos da Faculdade foram difíceis, mas compensadores.Em artigo de 1959, o professor Vellôso lembra que foi preciso lutarcontra a incompreensão geral, o atraso da cidade e a carência derecursos. Mas havia fi e entusiasmo. Durante quase dez anos osprofessores trabalharam absolutamente de graça. Todavia esta época"dos tempos heróicos" foi a mais brilhante da escola (Sonho eRealidade, O Diário, 29104159). Esta recordação de vinte anos depoisVeio a propósito de exigir do diretor da época a realização dosindispensáveis concursos pãbltcos, como meio de se evitar queapedeutas e filistinos se apossassem da docência acadêmica.

A penetração de elementos estranhos, de filistinos,inteiramente fora do "métier", alheios ao estudo,sem gosto pelo ensino, e desprezando a humildefunção de ensinar, fez-nos passar do sonho para arealidade. Todo mundo sabe que o magistério é

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"'uma Vocação. professores não Improvisam,nascem. Viver para estudar e dar aulas quase namiséria é terrível sacrifício. Entretanto gente háque nasceu s6 para isso.

Ora, o filistino quer é gozar a vida e gravita num mundo completamentediverso. O magistério para ele é o último arranjo (sic) e o professor um"mestre-escola , um idiota. E acha uma graça infinita quando lhe falamem cultura, civilização e progresso. Seus valores são absolutamenteoutros (id).

E noutro escrito, da mesma época, em comemoração aos vinte anos daFAFI, como a cbamava, coloca nas mãos dos estudantes o futuro daescola, já desesperado dos mestres, que continua a profligar. Diz, comoefeito, dos estudantes:

Tudo esperamos deles. Destes que já sabem maisdo que nós, graças a Deus, podendo dispor demeios de estudo mais desenvolvidos e adiantados,e de uma certa boa vontade que inexistiu em nossostempos. (...) Destes meninos, que aprenderão, nasEuropas e nas Américas, a corrigir os nossosgravíssimos desacertos pedagógicos eeducacionais, e que certamente realizarão a Pacul-dade, a Escola, a Universidade com quesonháramos um dia, e que mercê das mais ridículase absurdas circunstâncias não pudemos sequerentrever. ( ... ) Quanto a fllistinos, "vadeRua com eles! E aos ponta-pés! Não se iludam! Naose iludam jamais com esses simuladores e aven-tureiros, com esses vendilhões do templo, que opróprio Cristo escorraçou um dia a chicote e quesempre farão de vossa escola, como reza .0 te,xtosagrado, "unam speluncam latronum". (Vtgési/1lOAniversário da F.A.F./., O Diário, 21/4119),

Seu furor contra o desvirtuamento da Faculdade, contra os professores. llti contra aadmitidos sem concurso por apadnnhamento po I ICO, fi'"', . os lu.....s

mediocridade, não tem limites, como a dilera do paI ao ver de umno mau caminho. O caso é que nessa época circulou na Faculda u)113

inquérito anônimo, logo atribuído a alunos e ..::x-alunos, com. foiextensa lista de professores considerados relapsos eo bastante para Mestre vellõso, férula em punho, mem. J939-catilinárias (por exemplo em O Diário, 6/11/58, Vinte ', ular. ' I .1 • fazia CIf'C1959). Até versos satíricos compostos em a exanonnos.

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entre amigos, onde extravasava com humor sarcástico a ojeriza aospresilheiros, suposíucios e mofarões...

No entanto, em 1962 o tom é outro. Ocupava então a Diretoria daFaculdade e acabara de inaugurar o novo prédio da rua Carangola, queficara uma beleza, conforme relatava em carta que me escreveu a 17de junho desse ano, quando eu me encontrava na Alemanha. Haviaconseguido desses mesmos mestres que estigmatizava onze inscriçõesrara os concursos de livre-docência e, nas entrelinhas, era visível oorgulho que sentia com a obra em progresso. Lamenta que os estudantesquisessem igualar-se aos mestres, exigindo a representação de um terçonas congregações, mas a queixa real parece que eram os cartazesestudantis pregados às paredes ainda cheirando a tinta fresca. E atentoà situação política do País, não deixa de observar que Grandíssimosincidentes tem-se dado nas "altas esferas N. Esperamos uma ditaduramilitar a qualquer mnmento... Mas deixemos de lado os apedeutas desempre e vamos ao período de formações de Mestre VeIlôso.

A rememoraçâo como experiência do pensamento.

Ambiente intelectual

Urna sociedade vive do universo simbólico que consegue criar e neleda se vê como um espelho. Era preciso criar entre nossas montanhasesse lugar onde o espírito fosse capaz de se cultivar e de se reconhecer.Se não podíamos ir à Europa em busca de uma cultura alheia à nossarealidade, mas hegemônica no cenário mundial, era necessário noentanto adaptá-Ia a nosso meio , tanto é verdade que pertencemos, emparte por direito de herança e em parte por opção mais ou menosconsciente, a essa mesma tradição intelectual. Antes de termos nossaspróprias idéias, parecia natural que tivéssemos também nossas aven-turas com os pensamentos alheios. Afinal, era corno voltar às raízesdaquela cultura da rOZM que identifica os povos civilizados. A esserespeito, escreve o professor Vellôso:

Sempre defendi a tese de que no Brasil, em matériafilosófica, não poderemos passar ainda de simplese passivos receptores da bimilenária culturaeuropéia.

F arremata mais adiante:

Por enquanto ficaremos reduzidos a merosrepetidores, simples parafrastas, a horríveistradutores de quanta novidade filosófica mal

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digerida por estas bandas apareça (Filosofia,Divulgação (' Plágio, em O Diário, 13/05159).

Isto explicaria em parte o mimetismo que ainda hoje penneia nossa vidaintelectual, mas do qual nos vamos libertando aos poucos, graças àdinâmica peculiar de nosso progresso. O prõprio desenvolvimento doPafs tem-nos ohrigado a acolher e refazer, de acordo com a necessidadeessa transfusão de idéias com as quais ingressamos no mundo moderno:Seja como for, não cabe sucumbir ao pessimismo de Mestre Vellôso.Nossa maioridade intelectual conta-se a partir da criação da Univer-sidade entendida como universalidade do saber.

Esse novo ambiente intelectual, propiciado pela Faculdade de Filosofia,contrasta vivamente com os acanhados limites da Belo Horizonte dosanos 20 e 30, ainda presa, simbolicamente, à Avenida do Contorno. Oromance de Ciro dos Anjos, de quem Vellôso era primo, O AmnnuenseBelmíro, dá bem uma idéia da atmosfera provinciana tia Capital nessaépoca. A inquietação intelectual das personagens aparece bem ressal-tada contra o pano de fundo das famílias tradicionais, com seus valoresburgueses, e a figura de Silviano lembra, em muitos aspectos. o nossoVellôso, Waldemar Versiani dos Anjos, no romance Simplieio, de onderecolho esta deliciosa explosão de germanofilia mineira do professorFragoso com sua turma:

Não era muito tarde, e a noite esfriava mais,sugerindo uma caminhada sem outro compromissoque o de aquecer o corpo nas ladeiras. Luiz Car-valho, Ernesto Belém e Mariano Queirós achavamque as aulas do mestre demandavam sempredigestões ambulatórias, cumpridas em poucoprazo, antes que fugissem matéria e substância. Deoutro modo, não seria possível arrumar ediscernir sutilezas que dividiam as Escolas, dis-criminar e reconhecer diverg.?ncias miiimétricas-Fazia-se mister uma digestão parcelada edaquele caldo de especulações que os séculos vemdestilando.

Esses passeios trazem particular agrado a Fragoso. Professor desdejovem e agora com extensa ressonância, costuma selecionar unsdisdpulos para amizade e convívio. Conforma sua roda, e nela seacrescenta e se abastece, retribuindo com imprevistas doações, à .suapeculiar maneira. Essas retribuições fogem à linha usual de referênCias,

d I . á tretanla ade tal modo que nunca se sabe ao certo o que e e vir. enroda logo se afeita ao insólito das sinuosidades fragosianas.

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I: andava Fragoso , com Carvalho, Queirós e Belém, nos caminhos doh,lirro, pela Rua Paraíba, quando viu luzes na casa do Dr. Abílio, e foi,.nlrando, aos últimos acordes de Mozart. Ali entrou aos berros:

. Vocês então perseveram nesse ópio, com essas musiquinhas emolleu-Sejam homens! Não estão vendo este nosso tempo, a tempestade

que chega? Meus pobres amigos, vocês estão cegos, a hora édeWagner!Mas estou clamando no deserto, já não há mais homens ...

S.:ntou-se acabrunhado e pediu um vinho ou qualquer beberagemcordial, que lhe fizesse esquecer este mundo sem fibra.

Os discípulos concordaram logo com o vinho, contanto que se omitissemas filosofices do mestre. Estavam cansados de tanto Absoluto (pp. 30il .\2).

Talvez a melhor descrição do ambiente paroquial de Belo Horizonte.lantanho - em meio à década dos 20, com nossa personagem chegando,,"s dezoito anos - ofereça-nos o próprio Vellôso, ao narrar ascircunstâncias em que se deu sua iniciação filosófica, com a leitura de

do qual confessa ter recebido uma influência seminal:

Lembra-me muito bem. Era uma noite de São João.Foguetes e girândolas espocavam aos montes peloar. Minha mãe e o mano mais velho entraram dechofre em meu quarto no enorme casarão em quehabitávamos. O mano vinha convidar-me para umanoitada de São João. Havia fogueiras nascircunvizinhànças com as respectivas serenatas,regebofes e descentes. Naquele tempo, há meioséculo atrás, Belo Horizonte era toda pomares,chácaras e quintalejos, e tais festanças, além defreqüentes e animadíssimas, levavam-se a preceito.

Mas meu mano tomando nas mãos o livro que eu então lia, dissera,<;ntre escandalizado e trocista, à minha mãe: - "Olha só que ele lê emVez de estudar!" - Logo Arthur Schopenhauer! Hum! _ Esse budistadescortês! Esse injuriador do sexo frágil! Além do mais um doidorematado! Está na moda agora!

de uma tradução portuguesa, feita não sei por quem, maspelo escritor Albino Forjaz de Sampaio que entre as suas

;lnn'-:t publicadas, conta aliás com uma sobre Schopenhauer. EraPrimeiro filósofo que eu lia, E com um deslumbramento tão grande

vomo quando descobria Eça de Queiroz, adolescemum pernicíes ...

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(Prefácio a Arthur Schopenhauer, A Necessidade Metaftsica, traduçãode Arthur Versiani Vellôso, pp. 10-11).

o resultado disto foi o pai e o tio lhe encomendarem "as obras completasde Schopenhauer, no único alemão:m - a firmaJohannes jürgens & Cia., à rua do ESPIfIIO Santo (Op. ctt., p. 12).Obrigou-se, deste modo, a aprender o temível idioma alemão, o quefez com tenacidade ... germânica!

Em artigo que escreveu para comemorar os anos de nossofilósofo, Ciro dos Anjos testemunha os anos de uucraçao:

Quantas pessoas em Belo Horizonte ou mesmo emtoda Minas se preocupavam então com o problemado Ser ou cogitavam na qüididade do Real?

Sabia-se que na pensão de dona Marieta, o grupo de Cepenema e deGabriel era dado a conversas de substância e distinguido com aintimidade do Chico Campos, do Orozimho e do José Eduardo.Falava-se que Euryalo Canabrava e discorriam deUnamuno e de Ortega y Gassel, sob os ficus da Avenida Pena.Em orações acadêmicas, Mida Santiago e aludiam aocriticismo kantiano. Mas era só. E essas pessoas VIViam longe do mundode nossa república, inclinado antes à boêmia literária.

Com surpresa, verifiquei um dia que vellôsc andava metido taisjucubrações. Entre um baile universitário (frequentava-os ele assidua-mente, com um fabuloso colete branca, de botões verdes) e prosacom a namorada à volta do quarteirão. - Mais de uma ver me veio falarem Schopenhauer ou Níetzsche. e até no filósofo de Koenigsherg, quehavia de ser sua preocupação obsldiante, com o correr dos tempos.

24 32 ' do .....rto vivíamosMas a verdade é que nos anos de a ,Vlven ..l.•, rodinha da íbli . mal a paculdaoemuito longe um do oulro. A I a U4 repu _ rca, o JO '. .

. . - ., ndos nos distanCiava._a ausência de comumcaçao entre os nossos mu. . ., - Ib ão defirotlva,Precisamente nessa fase se verificou sua esco a, a sua oPç. (RIllI

E Vellôso se foi trancando no escritório, em severas leiturasBernardo Guimai"4e.s, 1200, O Diário, 22/01/56, p.4)

. ndo raro em p055llObservemos de passagem. um falo que se vai toma . d ltarvida política: é que esses eminentes públicos.que acabeieram todos intelectuais refinados. que liam o seu e se one ra elesnas coisas do peesemento. O espírito da cultura (Gnst) era p8d u''''

I ., nãoalgo 00uma realidade quotidiana com a qua convrvram , e ad dtsSllmundo, um fantasma longínquo e inacessível (Rho.\·t). O rt':sulta o

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formação é que Minas teve no passado grandes políticos e ad-ministradores, vindo a ser por muito tempo o eixo por onde passava apolítica nacional.

Que contraste com a derrelição do presente! A cisão entre ética e políticaqut: hoje domina nossa vida pública e tantos males tem causado ao Paístem raízes profundas no desapreço à cultura como obra do espírito. Odesprezo pela inteligência já é, por si, o começo da desordem moral.Não, observa a respeito o professor Vellôso,

não era apenas que se estudassem as línguas eliteraturas clássicas! Mas era que essas línguas eliteraturas compunham tal atmosfera intelectual,um ambiente e clima de rigor e bom gosto tais, quen6s devemos sem dúvida nenhuma a grosseria eburrice reinantes hoje em dia ao fato de aquelesestudos terem sido sistematicamente impugnados eescarnecidos - por aqueles que dada sua curtainteligência e proverbial estupidez jamais ospoderiam tolerar e sofrer (Filosofia e Hora Atual,O Diário, 10/04158).

Arthur Versiani vellôso pôs todo o seu gênio na arte da convivência.Estar com outros era para ele imperativo da inteligência e da sen-sihilidade. Aristóteles disse que o amigo é um outro eu. um espíritosemelhante no qual nos reencontramos. Vellôso se encontrava com osamigos como num symposton continuado. onde a melhor iguaria era acultura, acompanhada sempre por um espírito sutil... Os livros forama maneira que encontrou para alargar o círculo de interlocutores, e nelescolocou seu talento de polemista. Eles são, na verdade, uma discussãosem trégua com o leitor, uma ardorosa defesa da filosofia, combinadasCom freqüentes ataques aos fifistinos de todos os matizes. Embora nãotenha escrito diálogos, o leitor não pode deixar de perceber a internaarquitetura dialógica, o clima de controvérsia, como um convite aofilosofar. Antes, porém, das letras filosóficas, completemos arernemoração do ambiente intelectual,

Dt':i uma idéia de sua relação com os discípulos mais queridos ao citarhárouco expressivo trecho doSimplfcio, de Waldemar Versiani. Talvezl'aiha insistir ainda no pluralismo de suas amizades, que incluía pessoas't'odestas, como os funcionários da Faculdade. Eles o amavam. emvirtude da atenção que lhes concedia, a alguns pennitia mesmo certaIntimidade. Recebia a todos em sua sala de Diretor, cuja porta ficava

aberta, num entra e sai que durava toda a manhã. As pessoasentravam e iam direto falar-lhe, ficando ele à mesa com um livro aberto

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à frente, todo riscado com tinta verde, que era a leitura do momentoImpossível ler naquelas circunstâncias, mas era ()que menos importava:O fato é que ali se tratavam todos os problemas, sob o olhar geral e aparticipação mesmo daqueles que nada tinham a ver com o asSUDto.Quando queria reserva, puxava um ou outro para o pátio que ficava aolado da sala, que chamávamos de o pálio dos milagres, e ali ficavacochichando, até que um intruso por lá também se aventurava, des-fazendo a roda. Dizia, citando Goethe, que cochichar é a eloqiJêlJciado diabo (EinbliJsereien sind des Teufels Redeku1L'i/; Faust Il, 64(0).

Em matéria política, passado o entusiasmo integralista da juventude,professava um liberalismo misturado com a nobreza do espírito e comum certo culto à tUte intelectual. Afetava mais do que cultivava agermanofilia, e se dizia nat.i-nipo-integraJ-{ascista, não sem uma certaironia consigo mesmo. Quase nada escreveu sobre política. Pensava,como Platão, que o melhor governo é o de uma aristocracia do espírito,fundada antes na educação do que no nascimento ou poder econômico.

Não sei avaliar até que ponto iam suas preferências musicais paraWagner; acho que também aqui exagerava seu próprio gosto; muitasvezes o ouvi falar com deleite na música de Erik Satie. Amava Bach eBeethoven.

A admiração pela cultura alemã não o levava a desdenhar, como àsvezes fazia crer, a cultura francesa, que conhecia muito bem. Mas ofato é que, em matéria filos6fica, preferia a obscuridade germânica àclareza gaulesa, que acoimava de superficial. Abria suas exceções paraPascal, que citava sempre nos momentos mais solenes, e para Descartes,que admirava sinceramente, não sem um certo gosto em criticar odualismo insustentável da alma e do corpo. Lia em voz alta com enormedelícia trechos, que hoje nos parecem realmente absurdos, do Trasadosohre as Paixões da Alma, A teoria dos espíritos animais movia-o agracejos sem conta, assim como a doutrina dos turbilhões, mas o estilode Descartes seduzia-o. O estilo! Eis o que lhe parecia a pedra de loquedo grande filósofo! Não foi sem muito trabalho e arrazoado que, naVida de Kant, procurou justificar o estilo papel de embrulho do mestrecomo adaptado às coisas difíceis que tinha para dizer. O estilo doescritor filosófico sempre foi um elemento importante para introduzira inteligência do aluno nos domínios da filosofia. Todo o capítulo JI de:A Filosofia e seu E.ÇfJ4tlo é dedicado à linguagem filos6fica; do mesmomodo, os capítulos XI e XII de seus Prolegomena chamam-se DaLinguagem Filos6fica (Kruerion, 65, p. I seg.;66, p. 116 seg).

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Considerava Scbopenhauer ()modelo do estilo filosófico; disse-o muitasvezes, e na introdução de sua versão da Necessidade Metoflsicaescreveu:

Enorme foi a nossa surpresa ao venficarmosque oalemão de Arthur Schopenhauer diferia profunda-mente do terrível vascoeçc (apavorante mesmo!)em que soíam escrever seus patrícios e colegas.Caso único, devido talvez ao fato de ArthurSchopenhauer haver a1atinado o estilo, através deuma estupenda formação clássica e de um per-manente e quotidiano contacto com as grandesliteraturas modernas (p. 14).

Citou inúmeras vezes, com visível prazer, as invectivas dehauer no Mundo comoVontade e Represouaçõo contra seu arqui-rivalIkgd. Encontrei esse mesmo trecho citado cinco ou seis vezesescritos de VeJlôso; reproduzo aqui uma dessas citações, na traduçãodele:

Através da leitura dos escritos de Immanuel Kantviu-se o público obrigado a reconhecer que oobscuro nem sempre está desprovido de valor.Plchte e Schelling aproveitaram-se deste falo, comsolércia e velhacaria, para tecerem, mui a seusalvo, esplêndidas teias de aranha filosóficas. Maso cúmulo do descaramento, nesta apresentação depuras bugiaras metafísicas e de enfiadas devocábulos desavisados e burricaís, completamentedestituídos de qualquer sentido, e que até então sóse deparavam entre mentecaptos e energúmenos,alcançou-o Hegel, tornado instrumento da maisdesavergonhada mistiticação que imaginar-sepossa. A posteridade ficará estarrecida diante dessemonumental registro da estupidez germânica (CfProlegomena, Kriterion, n'' 66, 1966-72, p. 129).

E nesse mesmo capítulo dos Prolegomena encontro, subscrita por ele,a seguinte opinião de Schopenhauer sobre a diferença de e..stilo vigoranteem um e outro lado do Reno:

Enquanto o escritor francês encadeia os seus pen-sarnentos na ordem mais lõgjce e, em regra, a maisnatural, e os subministra, assim, sucessivamente,ao leitor, o alemão, pelo contrário, entrelaça-os em

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confusos, quer exprimir seisCOIsaS. ao mesmo tempo ... Tudo mergulha nUmnevoeiro. O seu fim parece ser abrir uma POrtaescusa em cada frase, e dar assim a impressão deexprimir mais do que realmente exprime (ApudCruz Malpique, Arte de Escrever, Porto, 1949, p.39; Prolegomena, XlI, ClT., p. 141).

Vellôso era um terrível devorador de literatura, na qual via fundamen_uma luta de princípios morais. Pouco comentada por seusessa faceta. de sua personalidade é no entanto de fundamental

Lembro-me de quanto o impressionava odebate existencial na obra de Dostoievski e de Gide, cuja leitura

alunos. A teoria gidiana da disponibilidade e do atogratuito SUSCitava sempre grande discussão. Conhecia a literaturac.lássica: Quanto aos autores modemos.jprefería os franceses, cujos

vlvl.a encomendando aos livreiros. Eo bastante quanto ao Vel!ôsoleitor. Vejamos agora o professor e o escritor.

A Socrática e a Conciliação do Realismo Crítico. OProfessor e o Escritor.

Os filósofos exigem longa paciência e larga freqüentação, observava oVellôso em A Filosofia e seu Estudo (Cap. lIl. Como La os

FIlósofos). O leitor pode abandonar-se à imaginação, como nosmas está obrigado ao raciOcínio e a um continuado esforço

cnnco. Os filósofos não são para se admirar, mas compreender. Ora,nem se,mpre escrevem de modo claro e simples, quase diria que II

contrãnc é.a regra, tal a dificuldade dos assuntos filosóticos. Há poisduas maneiras de se estudar a filosofia. uma é ir diretamente aux

(é o que recomenda Schorenbauer): outra é socorrer-se dosintérpretes e comentadores, e sujeitar-se à mediação da exegese alheia.

a primeira via, tendo freqüentado, como cumpria,Platio e Anst6teles, SII> Tomás, Descartes e os idealistas alemães(talvez com exceção de Hegel) e, como não podia deixar de ser,

Nietzsche e Bergson. Em seus escritos de iniciação,porém, deixa larga margem à literatura secundária. Como se explicaISSO? Trata-se, em primeiro lugar, da dificuldade dos problemasfilosóficos, que requerem explicações minuciosas e comentáriosprecisos. Cita ele a respeito o 1TIÔt d'espríl de Henri de Montherland a

de metafísica: li' comprmds Ires vue à condilion qu'onm explique Ires longlemps ... (Prolegomena, X, P. 69). A essa dificul-

se acrescenta a deficiente formação dos estudantes, pouco afeitosa lel.turas abstratas e não raro eruditas. Por isso, em segundo lugar, opro t ....ssor tem de ser lamhém um pedagogo, isto é, literalmente aquele

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que conduz a criança, que a leva à escola. A tarefa do professor defilosofia é, sem dúvida, a de levar a inteligência do aluno a transitarpor aquelas altas questões a respeito do real e da vida humana, o quenão pode ser feito sem uma certa estratégia. Daí o recurso aos manuaise comentários que ajudem o aprendiz a encontrar por si mesmo ocaminho que, uma vez iniciado, lerá de trilhar sozinho. Para ArthurVersiani velfôso. a filosofia não possui um corpo doutrinário reconhe-cido que se possa transmitir e ensinar, como nas demais ciências.Contudo, se não se pode ensinar a filosofia, pode-se no entanto aprendera filosofar, isto a exercer o talento da razão em consonância comseus princípios críticos. Como e por onde começar tal aprendizagem,eis o problema.

A filosofia começa antes de começar, quer dizer, começa com osindispensáveis conhecimentos prévios - literatura, religião. arte,ciências, bístõrie - pois não existe uma filosofia fechada em si mesma,indiferente ao mundo e ao destino humano. Vellôso amava repetir umafrase do professor Jean Maugué, segundo a qual quem só sabe filosofianem sequer filosofia sabe. Sugere, portanto, vasta literatura pré-filosófica e para-filosófica, que deve fornecer ao iniciante a cultura geralbásica como ponto de apoio em tão difíceis estudos. Não se esqueciadas ciências naturais e humanas e das matemáticas. Como paradigmadessa fonnação preliminar citava a opinião de Émile Bréhier, querecomendava, em 1936, uma fusão dos estudos científicos, como eramministrados na antiga Escola de Minas de Ouro Preto, com a formaçãohumanística do Ceraça. Vêm depois as dificuldades propriamentefilosóficas: a primeira é a extensão da filosofia; a segunda dificuldadeé uma questão de princípio: pode-se ensinar a filosofia? Seguia de bomgrado a opinião de Kant, de que é melhor ensinar a pensar do queensinar pensamentos, e que filosofia nlJo se aprende, o que se aprendeé a filosofar, como se lê na Arquuetôníca da Critica da Razão Pura(Cf Prolegomena, Monila Previa, X, Krlserion, nO 64, 1964,p.3). Ora,filosofar é fazer uso da razão em seu senso crítico, e este se aprendeapós longo e paciente exercício. A Critica da Pura não ofereceum sistema de filosofia, mas um tratado do método, de modo que afilosofia é sempre uma critica doconhecimento.jamois lIInQ melq/isica.Veremos adiante qual a posição de Vellõso a respeito deQa tese. Porenquanto completemos o quadro das dificuldades filosóficas do apren-diz. São as seguintes: o desábito de ler assuntos s6ri08, • aU5ência demétodos rigorosos e os perigos do autodidatismo (loc. cit, p. 6 sei.).Além disso, o senso critico não é a coisa mais bem dislribulda domundo,de modo que o problema dasprimeiras leituras é cruclal. Mestre Vell&orecomenda vários tipos de leitura. Em seu Iinguajar imaginoso: leiturasroborantes, quer dizer, de avigoramento ou robustecimento (id., p. 43),leituras da'! bases científicas e introdutórias, leituras cooperantes e

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nutrimentals, levíssimas c leves (ib.. ft 53) e quantas outras... ComoSé: não bastassem todas essas dificuldades, a filosofia não é programáticanem propriamente escotartzãvet, estando má situada no Cursosecundário (ib., p. 59). Todas as leituras devem obedecer a uma regrafundamental: tegere sed elígereí Mu/tum legundum, sed non multa! Emresumo: a prática usada por Hegel quando jovem estudante: flihil enimtcgít, quod non excerpereú Finalmente, eis o comentário que explica atectônica dial6gica de seus livros:

A pessoa que lê, conversa ou permuta idéias oudiscute mentalmente com o autor do livro. Não éde bom conselho aceitar, com passivo fatalismo ouindiferença, tudo quanto os livros dizem. Até aobra didática deve ser lida com este espírito ativo,que caracteriza o homem de intensa vida mental ouinterior (ib., p.66).

Havia muito de imaginação em suas aulas. Por mais diffcil que fosse oassunto, transmitia-o sem esforço, como se estivesse encontrando asolução naquele momento. Fazia um teatro de idéias e criava diálogosreais ou fictícios. Às vezes, atribuía uma opinião a este ou àquele aluno,sem que o coitado tivesse aberto a boca. Eram de ver-se os apuros doinfeliz, obrigado a externar o pensamento, ainda que não tivessenenhum. Impossível não participar da aula, que era uma obra de artefeita para prendera atenção. Nesse clima não havia desatentos. Algumasde suas tiradas divertiam a turma, como quando contava a históriadaquele catedrático que havia ido a Paris e achado a cidade-lu: muitoescura ... Ou daquele outro que tinha idéias bem assentadas a respeitode tudo, ao que lhe teria dito: é por isso que elas não .1'1' levantam,Quando explicava a diferença de estilo entre gauleses e teutôes,costumava contar a seguinte anedota, na qual contrapunha o caráterenérgico do militarismo prussiano à finesse francesa: um oficial doexército passa em revista as tropas na trincheira. Encontra os soldadosrecostados às paredes, deitados e sonolentos. O oficial alemão emiteum rugido em sua língua áspera - Auj! - e todos se levantam imediata-mente; enquanto o francês, na mesma circunstância. diz polidamente:Messíeurs, íevez-vouz, s'il VOIL" piait! Todo esse teatro servia r.araexpressar, com irresistível bom humor, a crença na superioridadegermânica, sintetizada DO uso energético de uma preposição! Apropósito desse talento histriônlco, como dizia o saudoso Peco deBotelho, Eduardo Frieira nota em seu Diário, depois <.11;: assistir a umac-onterência de Vellôso:

Fui assistir a uma conferência do Arthur Vellôso••A Filosofia no Brasil". Excelente conferen-

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cista. Por tudo. Não lhe falta, mesmo, le physiquedu rõle. O Vellôso falado é incomparavelmentesuperior ao vellôso escrito. Seus barroquismos delinguagem, intransitáveis na página escrita, tor-nam-se admiravelmente expressivos e pitorescos naprosa oral (Anotação do dia 17 de setembro de1943).

Quanto ao aprendiz de filósofo, há de possuir as virtudes de caráter quePlatão estabelece no livro sexto da República: nada tenha de baixo ouservil, mas, ao contrário, cultive a grandeza de alma (megaloprépeia),porque um caráter mal formado MO se coaduna com a contemplaçãoda verdade. Esperava dos discípulos essa nobreza de espírito (gennolonêtfws), sem a qual a filosofia degenera em sofística e proveito pessoal.

A maior parte da obra de Arthur Versiani VeJlôso acha-se disseminadaem jornais e na revista Krilerion, por ele fundada em 1947. São artigosque tratam quase sempre de questões atinentes ao estudo da filosofia eda celebração de efemérides filosóficas, comentários de obras que liano momento ou resenhas de livros versando sobre os grandes filósofos.Neste caso, o título indica, sempre, que se trata do comentário de umcomentário, por exemplo: O Hegel de Weber (O Diário, 21/12/57), ouO Husserl de Fínk e de Waelhens (Diário de Minas, 12/04159). Há,também, artigos seguidos, como os da série O Aquínaiense e oRegiomomano, que tez publicar no Minas Geral:s, juntamente comoutros escritos, num suplemento de Ciências e Artes que então seeditava. no período de 1933 a 1947. A série O Aquinatense r oRegiomontano traça um paralelo entre a filosofia de Tomás de Aquinoe a de Kant e em sua intenção publicá-Ia em forma de livro. O confrontoentre os dois sistemas antitéticos deveria forçar o leitor e o autor a umatomada de decisão entre a metafísica e o criticismo. vellôso optará poruma via média, conforme veremos a seguir.

A lista de obras recenseadas é bastante extensa. Vellôso escrevia muitoe uma certa repetição era inevitável. Expus o fundamental de suas idéiassobre o estudo da filosofia. Vejamos os livros que publicou.

Em 1947, Arthur Versiani Vellôso publicou dois livros pela editoraAgir de introdução à filosofia, A Filosofia e uu Estudo e lnrroduçilo àHistória da Filosofia. O primeiro deles coloca o Leumouv do qual nãomais se afastaria em sua vida de professor: o das dificuldades do estudoda filosofia. Examina a linguagem filosófica, o problema e a definiçãoda filosofia, bem como sua natureza. A preocupação dominante éanunciada no capítulom, Como ler os filósofos? Nos capítulos seguiu-tes , examina as relações entre a filosofia e a ciência, a religião e a arte,

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para, depois, estudar o problema da divisão e () da utilidade da filosofiaConclui com uma análise da curiosidade como causa prima de tcdnfilosofar e com uma exposição do despertar da consciência filosóficaCita sempre muitos autores e livros COmo sugestão de leitura. Acentral é a dificuldade de ler os grandes pensadores, que não estão aoalcance de uma leitura desarmada. Dar o recurso à literatura secundáriamalgrado a advertência de Schopenhauer de que estes fTUlStigadore.;·alheios do alimento filosófico adulteram a substância mesma dasgrandes idéias, desnatando-as. tirando-lhes () melhor das Vitaminas..(p. 35). Mas como proceder, se as fontes originais são sempre turvas?O autor propõe um plano de leitura elaborado segundo o nível dedificuldade, começando com textos para-fllosõficos, para ascender,gradualmente, até chegar aos textos mais difíceis. O interessante é alista comentada dos autores, que não reproduziremos aqui.

A Imroâuçõo d História da Filosofia trata da chamadafilosofia implícitado mundo oriental, segundo a conhecida tese de Messon-Oursel. e dafilosofia grega, no período que vai dos pré-socráticos aos sofistas. Nãoinclui o ponto culminante do pensamento grego, com Sócrates, Platãoe Aristóteles, como tampouco os estóicos. cínicos e epicuristas. Apretensão do livro é modesta, como adverte em nota preliminar. mas otexto, de 150 páginas, é escrito com competência, clareza e se lê comagrado. Procura examinar criticamente as idéias, vinculando-as com osdiferentes ambientes históricos e geográficos em que surgiram. sendoque a personalidade dos autores aparece em segundo plano. Contémdois interessantes capítulos iniciais. um sobre o conceito de história dafilosofia - tema a que voltará mais tarde. ao prefaciar a História daFiíosofía de Humberto Padovani (cf. 6& edição, São Paulo, 1964) - e ooutro sobre as fontes da história da filosofia, que subministra preciosasinformações ao leitor. Às vezes, coloca certos pensadores antigos comoprecursores de autores modernos. especialmente no que diz respeito àciência, tese arriscada e que havia sido amplamente explorada porLatino Coelho em sua conhecida introdução à oroçao da Coroa. Domesmo modo que A FUo.'iofia rseu Ensina, a presente lmroduçao possuicaráter dldãnco e se destina a um público de iniciantes.

Vem em seguida a tese de 1948, A Qüididade do Real, com a qualconcorreu à cátedra de filosofia do Colégio Estadual. Trata-se deestudar o problema da essência da realidade em seu desenvolvimentohistórico, num arco que inclui toda a tradição filosófica do Ocidente,desde os pré-socráticos até o século XX. São porém apenas 168 páginasde texto e 16 de bibliografia, por onde desfilam as principais doutrinasda teoria do conhecimento. O texto é denso e o autor mostra perfeitodomínio do assunto. A condensação Rio é aqui um defeito, antes te-Io-áobrigado a ater-se ao essencial, sem rodeios. Afora a exposição das

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idéias. que é feita de forma rigorosa e quase sempre colada às fontesprimárias, interessa também, no texto, a inequívoca tomada de posiçãodo autor a respeito da filosofia. Após examinar as teses da metafisicaclássica e coefrontã-les com o criticismo kantiano, Mestre VeU&o optapor uma via média, a do realismo crítico, representado pela escola deSUarez e, modernamente, pela escola crítica de Lovaina, com o CardealMercier e Joseph Maréchal.

o realismo critico de Suarez de Granada surge como uma doutrinaimermediãria entre o idealismo e o realismo ingênuo, postulando aexistência de seres independentes do eu, no que se opõe radictJ1melUe00 Kantismo, como escreve à página 153. De fao, continua ele, omundo exterior. que existe nõo em virtude de o conhecermos.conhecêmo-la a nosso modo e fetçõo (quidquid recípuur recipitur permodum recípientís), em sua apar2ncia ou em sua ordem fenomêníca,qual Se nos oferece. (e ele) depende de nossa organaaçõo.

De sorte que o problema da essência da realidade ou da qualidade doreal pertence

à Ontologia e à Criteriologia, ciências filosóficasfundamentais, uma como filosofia do ser e outracomo filosofia do conhecer. correspondendorespectivamente cada qual àquelas duas ordens ouesferas que admitir-se possam: à ordem ontológicaou da realidade ou do representãvel, e à ordemlógica ou cognoscitiva, ou do representado (Id., p.154).

Trata-se de um texto verdadeiramente filosófico, mesmo quandoprocede historicamente, porque o autor se coloca numa atitude per-manente de crítica e fundamenta sua própria posição filosófica comonão o fizera até então em nenhum outro texto. Os textos posteriores,ou retomam à mesma posição filosófica, ou voltam a propor questõesintrodutórias e didáticas para os queridos alunos.

A propósito de A Qüididade do Real, uma questão filosófica se coloca:Vellôso não se alinha com o criticismo, como era de se esperar de umkantiano, e tampouco avança na direção de uma posição especulativa,como, por exemplo, a de Hegel. Ao responder ao inquérito de seusalunos a que já aludimos (Falando francamente) dez anos depois datese, ele resume sua posição filosófica nos seguintes termos:

Quanto a esta pergunta da corrente filosófica paraa qual me inclino, devo contar uma pequena

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história. Existe na universidade de Louvain Ulnaala avançada do Neo-Tomismo que pretendemostrar a possibilidade de reatarmos o prohlcmacrúico sem cair no agnosticismo kantiano, Estacorrente quer mostrar que, partindo do idealismo esuperando-o, vamos atingir singela e logicamenkaquela "Metafísica natural à inteligência humana"de que nos fala Bergson. Esta é a corrente filosóficapara a qual me inclino. Atravessando o Saara da"Razão Pura", vimos destruídos todos OS valorestlue tomam a vida digna de existida. Da, esta voltaà Metaffsíca tradicional. A atitude crítica DOS COn-tinuou grata, todavia retomamo-Iaagora num outrosentido, "no sentido da Verdade e da Vida ... M (ODiário, 08/03/58).

A clareza da exposição não deixa margem a equívocos. Se é que algumavez existiu, o kantismo de Vellôso ficou aquém da tese de 1948. Estaaparece, sem dúvida alguma, como a solução conciliatória para oconflito de sistemas de O Aquínatense e o Regiomontano, ou conflitoentre a metafísica e o criticismo. Ficou, porém, sob a influência de Kantao sublinhar repetidamente o aspecto critico da filosofia. seja comocríticado conhecimento, seja como crítica da cultura e dos preconceitos.

Enquanto exerceu uma prática pedagógica, foi um socrático que bemconhecia a maiêutica e a utilizava. Como professor, conseguia imporao estudante o desafio de dar à luz as idéias. Combinando o métodosocrático com o criticismo, ensinou uma filosofia que era antes de tudouma atitude, Um método, e não um corpo doutrinário.

A impossível síntese da metafísica com o criticismo poderia ter sidosubstituída por uma opção de tipo hegeliano, que transforma aespeculação numa dialética da relação sujeito-objeto, abrindo a via pamuma visão totallzante da ontologia e da história. E provável, DO entanto,que a admiração por Schopenhauer e a tal influênciabloqueado o caminho na direção da filosofia do Absoluto. E haviatambém a impedi-lo o estilo de Hegel, inassimilável por Vellôso.a nostalgia metafísica não iria terminar na especulação do espíritoabsoluto também por outro motivo: é que, tendo ficado prisioneiroteoria do conhecimento clássica - que é, atinai, o tema de seu livroimportante - não podia, por certo, avançar até a metafísica ou ada história. Do mesmo modo, permanecendo fiel A filosofia clássica,era naturalmente hostil às novas possibilidades que oferece o pensamen-to ccnteroporâaeo , a fenomenologia de Husserl ou a de Heidegger.exemplo, que são filosofias da finitude, para não falar do exisrencre

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lisruo ou do personalismo. A escola de Lovaina preenchia suaGrübeLçuch1 metafísica (mania especulativa), sem deixar de atender. aomenos em parte, à.... ex.igências de um certo criticismo.

AVida de Kant, de 1956 (Editora Itatiaia), é uma comovida homenagemao tilósofo no sesquicentenário de sua morte. O texto se lê come esboça um retrato de Kant baseado nos testemunhos de seus amigosWasianski, Borowsk.i e jechmenn. A literatura secundãria é Ikixada delado, com o que ganha o livro em clareza e sobriedade.

Também a tradução de A Necessidade Ml'wfisica, de !'rthurhauer (Editora Itatiaia, 1960), é editada em comemcraçac ao centen,anoda morte do filósofo. Trata-se de uma tradução parafraseada do capitulo17 da segunda parte do terceiro volume de O Mundo conw eRepresentação. Dos livros publicados por vellôso, este o demais agradável, apesar do tom passional do prefácio. A eexcelente e faz justiça ao estilo de Schopenhauer. No longo prefãcio,do qual já exrratemos alguns trechos, Vellôso conta um pouco de_suainiciação filosófica através da leitura do budista de Frankfurt e expoe arelação do filósofo com o idealismo alemão. Comete evidentes ex..agerosna apreciaçâo dos herdeiros de Kant, talvez induzido pelo ressentimentode Schopenhauer contra eles. Num ou noutro trecho (por exemplo, àspáginas 62 e 63), o texto perde a serenidade e troca a análise fil?s6ficapela simples invectiva, tanto mais descabida quanto se aperspectiva de tempo que hoje adquirimos sobre essa O estiloi sempre pitoresco. Schelling aparece como um tenebricosoc iloidarrãa e Hegel é chamado aldravona, escamoteador e misósofo.tudo isto por conta da obscuridade com que escreviam. De qualquerforma, o livro expressa a hesitação característica de Vellôso, espremidoentre o criticismo e a necessidade metafísica.

O último I"IVro publicado é O Estudoda Filosofia, de 1968, pelas ediçõesJúpiter. Retoma, atualizando-a, a introdução de 1947 de A Filosofia eseu Esrudo, acrescentando aqui e ali as já conhecidas advertências arespeito dos urdimaças e trampeíros da filosofia. Tennina com umcapítulo sobre o professor de filosofia. que deve possuir emgrau longa e habitual familiaridade com os temas e os confeus dopensamento de todas as épocas, alicerçada em e cultu.:ageral. Mas isto não basta. A filosofia requer mais. EXIge crrcunspeçaoe extrema probidade intelectual e, sobretudo, aquilo que Nietzschechamava de schcncende Tugend, ti virtude donante. Pois o dom de sim('smo é a suprema virtude,

Termino com emoção o elogio de Arthur Versiani Vellôso. Sua obrade escritor foi um prolongamento de seu trabalho de professor e é

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indissociável dos misteres pooagôgicos. Algo dela permanecerã, semdúvida, na página impressa. Mas com igualou maior certeZapermanecerá entre seus discípulos e alunos o legado maior de seuespírito, a saber, a educação intelectual inseparável da educação docaráter. Porque, como escreveu de modo exemplar em 1958,

o primeiro dever do homem não é o de ser rico,hfgido ou atleta, é o de ser bom e justo, como oprimeiro dever de um IX>VO seria o de ser culto eeducado. Eis aí a tese que Sócrates e os de suatêmpera intelectual sempre ensinaram (Honra aoHomem, O Diário, 03/05158).

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RESENHA

Buydens. MireilleSahara - L 'esthétique de Gil/es Deleuze.

Paris.J.Vrin, 1990-179pp.

Maria José Campos

A proposta deste livro é a de realizar um "arqueologia construtiva" daobra de GilJes Deleuze, a partir de sua prõrpia afirmação de que "ahistória da filosofia não deve repetir a palavra d eum filósofo, mas dizero que necessariamente ele deixa subentendido, o que ele não diz, masque está, entretanto, presente no que diz ......

Trata-se, entretanto, de tentar o traçado de um mapa do subentendido,ou de analisar as conexões subterrâneas que sustentam o pensamentodeleuziano, sem cair na simples repetição de suas idéias.

A perspectiva selecionada pela autora nessa análise, sem dúvida, dificile que será. o seu tio condutor, é a perspectiva estética, sobretudo porcausa da atenção especial que Deleuze dedica à arte.

Como se sabe, o filósofo explora a idéia de que a Filosofia é um ato decriaçilo de conceitos, ou seja, através do estabelecimento deressonâncias e articulações entre o conhecimento científico, osfenômeatos artísticos e o saber filosófico propriamente dito, tenta-seextrair, dessas conexões, possíveis sugestões de conceitos ou novasimagens de pensamento.

É neste registro de idéias que a autora cita, no início do livro (p.8),Diferença e Repetição: "quando a obra moderna (...) desenvolve suassérias permutantes e suas estruturas circulares, ela indica ãfitosofia umcaminho que conduz ao abandono da representação",

Na leitura de M. Buydens , o ponto da ancoragem privilegiado nointerior da reflexão deluziana é o conceito deforma, dividindo Saharaem duas partes: a primeira discorre sobre este conceito no pensamentoteórico e prático de Deleuze; a segunda traia daforrnn dentro do que aautora considera a estética proposta pelo fil6sofo, especificamente asestéricas pictórica e musical.

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Aa autora nos dá algumas pistas para entender a abordagem del<:uzianado conceito defonna a partir de referências a possíveis intluências depensadores como simondon, Foucault, Nlerzache e, em certo aspectoMarx e Preud. Sublinha também o fato de que a origem da noçãode forma em Deleuze é, sem dúvida, a sua hostilidade para com o lugarda representação no pensamento filosófico do ocidente: de Platão aDescartes, esse pensamento percorreu um caminho em direção aorelacionamento do mistério do mundo, ora exaltando essências t'et:hadase formas absolutas, ora idéias claras e distintas, universos unívocos eidênticos a si mesmos. E, segundo Deleuze, destaca ainda a autora, essetrajeto acolhe curiosamente um secreto desejo de eliminar a própriacerteza que exalta ... E o caso, por exemplo, de Platão e sua necessidadeconstante de afirmar a diferença entre o modelo e a cópia, entre as coisasperfeitas e as instâncias frágeis e incertas.

A suposta "solução" deleuziana para um tal impasse, através do queM.Buydens nomeia a "via do vitalismo", seria a de que nenhumafragilidade ou precariedade das formas mundanas são sustentadas porqualquer rigidez essencial, mas antes afinnam a liberdade intrínseca aohomem e ao próprio mundo. Nesse sentido o pensamento deleuzianoseria o pensamento Japresentação, que irá estruturar a sua "filosofiada diferença".

A primeira parte do livro refere-se, pois, à revolução dos conceitos dafilosofia tradicional, segundo a.D.: Exemplos: o transcendental serápura virtualidade e liberdade. Um "extra-ser", que não se condiciona anenhum "mundo de idéias". Isto permite ao ideal não ser "o outro" daaparência, mas pertencer ao ponto extremo da superfície das coisas. Aconngência passa a dominar a cena, nenhuma idéia ou acontecimentoé necessária/o}, Somente as relações recíprocas entre as singularidades,sempre móveis e nômades (séries, rizomas) compõem a multiplicidade.Esta não é vista como oposta à Unidade, "cada multiplicidade poderiaser pensada como um Sahara, cujo mapa seria sempre refeito ao gostodas areias ... " (p.23)

Disto decorre que toda forma pode ser entendida como livre,heterogênea, transcendentalmente "segunda" em relação as sin-gularidades intensivas. Enquanto dadas, imposta'! como necessárias,ligadas à idéia de "representação", as formas são linhas mortas. "Daruma forma, traçar um plano, definir, é perder a coisa e seu dinamismo.Uma tal reificação não é, pois, fiel a si mesma" .(p.27)

Assim, o mapa das formas não deduz (ou reproduz) mas produz, poísass formas são pensadas, não "decalcadas": estruturalmente lineares,apresentam-se como uma cartografia. "É como efeito a linha que é

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desejada e pensada, não a fonna que dela resulta ( ... ) A linha é móvel,apta a todas as torções e a todas as sinuosidades, contrariamente li.forma, cuja estrutura limita as possibilidades de manipulação". (p. 29).

o sinuoso conceito de Dobra (PIi) aprofunda a noção de multiplicadee e1ucida o aspecto "segundo", a idéia de "secundariedade"(secondarué; da forma. Mais do que a simples ligação entre a faceanterior e a face posterior de qualquer matéria física, a Dobra éconstituída por um "de fora" absoluto, mais longínquo do que o mundoexterior e por um "de dentro" abissal e mais profundo do que o mundointerior. essa Dobra ideal passa entre os dois mundos e alcança a sériedos puros acontecimentos, das singularidades intensivas que estruturamo "pré-individual", entendido como energia pontecial, diferença quenão cessa de se desdobrar ao infinito. Linha móvel que se diferenciatambém ao infinito. Toda fonna seria, então, aDobra de um "aformal"de um infonnal que não seria a negação da funna mas que a estruturariacomo possibilidade, virtualidade (mundo interior) a ser realizada(mundo exterior).

A autora oos lembra que o conceito deleuziano de Dobra acolhe umasérie de metáforas, que se ses apresentam mais adequadas àcompreensão das coisas e dos fatos relativos aos planos físicos,biolõgicos cronológicos, etc, tomam-se entretanto mais complexas noplano filosófico propriamente dito. Ou seja: o quer seria a Dobraenquanto conceito filosófico? Como transpor ao plano metafisico o"aspecto segundo" das formas, estabelecido no plano tisico?

É no livro dedicado a Foucault que Deleuze vai nos esclarecer arespeito, marcando a verdadeira origem do conceito de Dobra em seupensamento. Pensar, por exemplo, a forma como aquele "de foraabsoluto" e aquele "de dentro eblssal" é pensar, DO caso do Sujeito,como quis Foucault, uma nova subjetivaçiJo, totalmente diferente do"eu" clássico. O mesmo ocorre no caso do Objeto. (pp. 32 e segs.)Lembra ainda M. Buydens que o conceito de Dobra vai configurar-sedefinitivamente mais tarde em Le PU - Leibniz et le Baroque.

Após explicitar a estatuto teórico e prático do conceito de forma, emDeleuze, a autora chega a sgunda parte do livro, onde expõe a "estética"deíeuziana propriamente dita. A tese aí sustentada é a de que estaestética, tanto plástica quanto musical, apeia-se na preponderAncia dalinha em detrimento da forma. Todo o desenvolvimenlo da reflexãodeleuziana sobre a questão dJiforma, em seu aspecto téorico, e que napresente resenha apontamos apenas os momentos mais significativos, éa base para a compreensão daformn artística.

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Para demonstrar a tese acima referida, a autora percorre a visãodeleuziaoa da pintura através da análise do Barroco, das obras de PaulCézanne, Paul Klee e Francis Bacoo, entre outros.

Surge, então, a caracterização da modemidade na arte pictórica vistacomoa do mundo: prioridade do fluxoe do movimentosobre a estrutura, das singularidades intensivas sobre constituído, dalinha sobre aforma... Nesse ver, DO lugar da "presença" do objetopintado, apresenlificaçlJo do mesmo em luz e cor (Cézanne), ou a suade-formação que libera forças (Bacon). Igualmente a pintura barroca,arte informal por excelência. também não elimina a forma, mas captasuas texturas, suas viscosidades nas granulações da matéria e naproliferação das dobras ...

A pintura, portanto, é uma fusão imediata do olhar e do quadro, sesmnarração implícita, é uma captação do trabalho subterrâneo das forçasintensivas, é um tornar vislvel (Klee) o movimento dos fluxos sob oaspecto ordinário das coisas. "Pintar o Sahara, nada que não o Sahara,mesmo em uma maçã... " (p, 105).

E o que deve tornar visível não é outra coisa senão o elementar, "umcomplexo de material (corpúsculos, singularidades) e de energia (ondas,fluxos, forças). tal é o objetivo da pintura, sua esfera de legitimidade."Nenhuma linha separa a terra e o céu, que são da mesma substâncianão há horizonte, nem fundo, nem perspectiva, nem limite, nemcontorno ou forma, nem centro ... "(p. 104, citando Mil/e Plateaux)

Finalmente, M. Buydens enfocá as relações entre pintura e músicaestabelecidas por G.D. ,a partir de seus escritos mais recentes aindanão sistematizados, sobretudo soobre a obra musical de Pierre Boulez,

Com base na idéia de multisensorialldade na arte, o filósofo defende opressuposto de que enquanto a pintura é um corpo-a-corpo com a carnedo mundo, a música atesta essa proximidade de outra maneira: "o somé onda pura intensidade "(p. 143) Nesse sentido, Paul Klee seria o maismusical dos pintores. Sua linha ocorre sobre as texturas da tela comoum solo de flauta ...

Em última instância, a meta é a de conferir prioridade ao material-somem si mesmo, ou, no dizer de Adorno, promover a "ontologizaçêo domaterial sonoro". libertando também a música, como toda arte, damissão da narrar emoções e estados de alma.

Percebe-se que o mesmo eixo estético permanece também naaboradagem da arte musical: tornar sonoras as forças do mundo, não

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rc-produz.ir nada, apenas ser e ouvir- traçar as linhas musicais em nósmesmos

Nesta resenha, procuramos destacar os momentos essenciais do trabalhode, Buydens, tentando também, e na medida do possível, osubentendido de sua pr6pria escrita e seguir de perto sua sugestivametodologia de leitura aplicada à palavra de Deleuze.

Acreditamos tratar-se SAHARA de livro muito importante para aquelesque, interessados, ou não, no pensamento deleuziano, dedicam-se nãoapenas à reflexão estética na contemporaneidade, mas eprincipalmente, ao exercício do filosofar. Mesmo porque "não é aFilosofia o desejo de dar ao mundo (as suas leis ou aos seus acasos)uma consistência, uma intensidade ou uma 'pertinência' (... ), dar aocaos do mundo uma Unidade ou, ao contrário, fazer do pequeno caoscotidiano o lugar de uma Grande Saúde possível, pelo menos superar amediocridade do mundo...?" (p.174).

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Teses Defendidas no Departamento deFilosofia da FAFICH da UFMG

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: "Um Aspecto da Noção de Pulsão"

DATA DA DEFESA: 04 de Junho de 1992

BANCA EXAMINADORA:

I. Orientador Prof. Dr. Walter José Evangelista

2. Prat'. Or. Célio Garcia

3. prof. Dr. Jefferson Machado Pinto

AUTOR: Adilson Rodrigues Coelho

Instituição de Origem: UFMG

OBJETIVOS: A finalidade da dissertação foi percorrer os diversosaspectos da noção de pulsão, detalhando seus componentes (fonte, alvo,objeto e pressão) e seus elementos (representação e afeto). Foi enfocadocom maior atenção o papel que a pulsêo representa entre o psíquico eo somático. Ressalta-se que o autor se manteve dentro do primeiromomento da obra freudiana que transcorre entre 1885 a 1915.

SíNTESE: A dissertação se inicia colocando a diferença entre ametapsícologla e a metafísica para, logo seguida, mostrar o en-caminhamentc metodológico que Freud segue na construção de seusconceitos. Através desse capítulo se percebe que Freud recusa tanto oempirismo quanto o jornalismo. Ele se alicerçá na relação entre as idéiasabstratas e a experiência para, somente depois de um longo trecho,situar os conceitos numa definição sempre aberta a novos dados.

No capítulo dois coloca-se os componentes da pulsão e a importânciade cada um deles na diferenciação entre as pulsões de vida e as pulsõesde auto-conservação. Explicitam-se também os quatro destinos que apulsâo pode sofrer, detendo-se com mais cuidado no recalque, queFreud considera como um dos pilares da psicanálise. Finalizando,apresentou-se cada elemento da pulsâo , ressaltando-se os mecanismosrespectivos de cada um deles. O terceiro capítulo se centrou na tarefade estabelecer uma primeira abordagem de como o corpo é visto tantona psicanálise quanto na filosofia. através de uma consulta a trechos de

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alguns filósofos. No quarto capítulo, o autor deteve-se no papel que apulsão representa em relação ao psíquico e ao corpo, percorrendo algunstrechos importantes da obra freudiana.

CONCLUSÕES: O autor crê que os objetivos originais, que eram dechegar mais perto do conceito de pulsão descrevendo alguns aspectosligados li ele e também o de definir qual o papel que este conceitodesempenha em relação ao corpo foram atingidos. Acredita o autor queadquiriu uma base razoável para poder aprofundar-se no conceito depulsão e percorrer o 2 0 momento da obra freudiana, onde Freud discutea pulsão de morte. Chegou também mais perto de dificuldadesfreudianas, entre as quais a questão da representação foi não s6 discutidano pr6prio texto como suscitou discussões proveitosas na defesa dadissertação.

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: toA Representação do Presente -Categorias na Filosofia de J.A. Giannotti".

DATA DA DEFESA: 26 de Março de 1992

BANCA EXAMINADORA,

1. Orientador Prof. Dr, José Henrique Santos

2. Prof. Luiz de Carvalho Bicalho

3. Prof. Dr. walter José Evangelista

AUTOR: Haroldo Santiago

Instituição de Origem: PUC-MG

OBJETIVOS: Testar a validade argumentativa das categorias e con-ceitos da dialética em contraposição aos axiomas e teoremas da 16gicaformal. Está em causa a superação do modo de produção capitalista,mesmo depois de reconhecida a derrota do "socialismo realmenteexistente" .

SíNTESE: Considerando que as relações sociais se encontramreiflcadas, ocorrem então, necessariamente, dificuldades para umaadequada representação do "aqui e agora". Assim, as pessoas argumea-tam politicamente fazendo recurso 11 representações "adhoc" do passadoou idealizando futuros desejáveis. Para a compreensão da "hist6riacontemporânea", o materialismo histórico possui a categoria "modo de

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produção", que articula li pragmática de duas séries distintas: as forçasprodutivas e os direitos de propriedade dos meios de produção. Talcategoria permite li representação eticamente operacional do presente,visando corrigir injustiças provocaJas pelas crises inevitáveis do modode produção que tudo reduziu a mercadorias. Tal operacionalidade épossível pela recuperação do conceito de valor-trabalho.

CONCLUSÃO; A passagem do valor-trabalho enquanto medida daprodução para o preço (valor dado pelo "equivalente geral") gerasempre crise no sistema de mercado. Porque o preço não é capaz derepresentar a realidade dos processos produtivos em seu todo. Daí anecessidade de se recuperar o trabalho humano como valor. Asociabilidade se encontra travada em decorrência da igualdade sintático-formal dos direitos de propriedade (do objeto da produção, dos meiosde: produção e: da força de trabalho) que são semanticamente distintos.

TíTULO DA DISSERTAÇÃO: "A Categortu da Particularidade,Segundo Lukécse Campo Determinante da Crtaçâo Arlística"

DATA DA DEFESA: 17 de março de 1992.

BANCA EXAMINADORA,

I. Orientador Prof. Dr. Rodrigo Antônio de Paiva Duarte

2. Profa. Ora. Letícia Malerd

3. Profa. Maria Eugênia Dias de Oliveira

AUTOR: Kteber Carneiro Amora

Instituição de Origem: UFCe.

OBJETIVOS: Explicitar aquilo que é central no pensamento estético deGeorge Lukács: a categoria da particularidade como fundamento dacriação artística.

SíNTESE: O trabalho está dividido em duas partes. A primeira versasobre a categoria da particularidade em termos conceituais mais amplos,em sua relação com a singularidade e a universalidade, buscandoconfigurá-Ia a partir de questões concretas explicitadas pelo pensamentode alguns fllõsofos como Aristõteles, Kant, Hegel e Marx. A segundaparte tematiza a referida categoria apenas no âmhito estético, restrin-gindo-se à obra de Lukãcs. Aqui delineamos todas aquelas

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determinações que são vitais a uma adequada compreensão de tal obratais como: a teoria do reflexo, a mimese, o sfmbolo, a evocação, acatarse, a subjetividade estética, a retiguração objetiva, a relaçãofonna/conteúdo, etc.

CONCLUSÕES: Acreditamos ter maturado com a devida adequaçã., aproblemática central do pensamento estético de Lukãcs. Muitasquestões afloradas com o andamento da pesquisa, pela sua com-plexidade temática (tal como aquela que diz respeito à artecontemporânea), só poderão receber uma resposta satisfatória com oprosseguimento dos estudos a partir de outros referenciais teóricos.

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: A como Conceito/UmaLeitura 8enjaminianll do Barrl}Co

DATA DA DEFESA: 12 de março de 1992

BANCA EXAMINADORA,

I. Orientadora Profa. Maria Eugênia Dias de Oliveira

2. Prof. Carlos Antônio Leite Brandão

3. Prof. Dr. Rodrigo Antônio de Paiva Duarte

AUTOR: Zahira Souki Cordeiro

Instituição de Origem: UFMG

OBJETIVOS: Uma introdução à leitura da obra de walter Benjamin"Origem do Drama Barroco Alemão", explicitando o trabalho daalegoria como conceito mediador na investigação estrutural do dramabarroco alemão.

SÍNTESE: walter Benjamin, ao sintetizar várias influências teóricas doseu mundo intelectual (materialismo dialético, judaísmo, psicanálise,entre outros pensamentos), produz um novo olhar sobre a Hist6ria euma Teoria das Idéias. Esta é um platonismo "sui generis", pois permiteum método de análise estrutural de uma obra de arte que parte dofenômeno para se chegar à idéia. Utiliza enfim uma visada inicialmentematerialista para atingir a idéia, que, diferentemente de Platão, não el>1áno "mundus inteligibilis", reino das idéias, mas na linguagem. Nestemétodo. por ele chamado de "Redenção Platônica". a idéia entranhadana linguagem do fenômeno, é explicitada corno origem e verdade

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suslentadora da obra, através do conceito mediador, que no caso doBarroco é a alegoria. Esta, tendo sido retirada de suas conexõesorgânicas, pode assim atuar como conceito mediador, possibilitando aofenômeno retirar a idéia do obscurecimento no qual estava jogada e, 80mesmo tempo, impedindo-o de se perder na dispersão do mundo dasobras. No caso do Barroco do seco XVII, estudado por Benjamin, aidéia-origem do drama é a imanência absoluta. Essa idéia 6. intençioe a sustentação da obra barroca. A imanência absoluta denuncia ummundo onde foi abolida radicalmente qualquer possibilidade deredenção. Mas o Filósofo aponta para uma possibilidade de sair dessemundo sem esperança: tomar o alegorista como modelo de açio, poiseste, ao retirar os objetivos de suas conexões orgânicas, para dar-lhesum novo significado, ao criar, salva-se.

CONCLUSÕES: O significado da palavra Barroco, que antes era dedeformação, derivado de critérios clássicos, passa, depois da análiseestrutural efetuada com o método "Redenção Platônica", ao deimanência absoluta, origem do drama. A idéia de imanência cootém aestrutura das obras barrocas. Além disso Benjamin deixa claro que,para ele, o artista é leitor privilegiado da realidade e o filósofo leitorprivilegiado da obra de arte. O filósofo, com a sua capacidade de criarconceitos críticos, vai intensificar a força iluminadora da obra de arte.O critico é, pois, na opinião de Benjamin, um agente de completude daobra.

TiTULO DA DISSERTAÇÃO: "Merleau-Ponty: da semântica docorpo ao gesto da palavra"

DATA DA DEFESA: 11 de Junho de 1992

BANCA EXAMINADORA,

I. Orientador Prof. Dr. Célio Garcia

2. Prof. Dr. José de Anchieta Correa

3. Prof. Or. Paulo Marguttt

AUTOR: Arthur Octávio de Melo Aradjo

Instituição de Origem: UFGO

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OBJETIVOS: O trabalho procura explorar na obra de Merle.au-Pontya relação corpollinguagem como o traço fundamental da expressãoprimordial.

SÍNTESE: O 10 momento do trabalho privilegia a noção de kO.IP:Q.Enquanto unidade originária entre reflexlbllidade e visibilidade, o corpotoma-se ainda solidário ao mundo. Tal momento caracteriza o queMerleau-Ponty chama reversibilidade, o momento de inserção doindivíduo no campo primordial de significação. Caracteriza, final-mente, a semintica do corpo.

Ao conjunto emergente de significação da semântica do corpo, nosegundo momento, o trabalho busca recuperar, na atividade llngüfstíca,o alcance da palavra enquanto um vetor que situa no discurso aquelecampo semântico anunciado pelo corpo.

CONCLUSÕES: Podemos compreender no percurso (da semântica docorpo ao gesto da palavra) as bases primordiais do conhecimento epensamento originadas no mundo sensível - ou, como define Merfeau-Ponty, "Iogas do mundo estético".

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Corpo, Imagem, Desejo:Itinerários da subjetividade Encarnada.

DATA DA DEFESA: 06 de Agosto de 1992

BANCA EXAMINADORA:

1. Orientador(a) Dr. José de Anchieta Corrêa

2. Prof. Célio Garcia

3. Dr. José Newton Garcia de Araujo

AUTOR: Elizabeth Engert Milward de Almeida Leitão

Instituição de Origem: UFMG

OBJETIVOS: O tema do corpo, tomado aqui como espaço primordialda experiência vivida para o sujeito, emergiu da necessidade de setrabalhar numa certa direção conceitual que pudesse contribuir para aconstituição do campo epistemológico da psicomotricidade. Verificou-se que a abrangência doutrinai acionada pela psicomotrocidade quanto

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ao seu objeto de estudo (o corpo), se revela insuficiente. Isto por si sõjá aponta para um problema conceitual que reclama ser resolvido.

SÍNTESE: Para tania se elegeu trabalhar o tema do corpo DOS limitesda.subietívídade. Subjetividade como modo de acontecimento do e DOmundo. e que nas conjugações do ser-no-mundo implica existência esignificação.

Como desenvolvimento da equação corpo-sujeito elegeu-se um duplopercurso: - o da fenomenologia Merleau-Pontyana e o da PsicanlUiseem Freud e Lacan. O caminho para a filosofia Merleau-Pontyana nosensinou que sua noção de "corpo-prõprío" implica em percorrer comele as questões postas à consciência. RaciocCnio que nos abre para acompreensão de que o corpo como campo primeiro da experiênciasensível é uma experiência pré-reflexiva, ante-predicativa, anteriorontologicamente à consciência, às noções de sujeito e pensamento.

A seu tempo o percurso pela psicanálise nos possibilita dizer que a suanoção de corpo (ccrpo-erégeno) nos limites da diferença ao corpobiológico é antes um corpo submetido à linguagem. É esta submissãoà lógica dos significantes que faz aparecer uma disjunção entre o sujeitoe seu corpo, entre o outro do gozo e o outro do desejo, entre o sujeitoe o outro. Um sujeito imbricado na dialética intersubjetiva, que seestrutura na ordem do imaginário, do real e do simbólico, segundo umaarticulação própria e nisto se institui como sujeito de sentido, na funçãosignificante.

Neste ponto do trabalho, compreendeu-se que a mudança teóricamerleau-poatyena no sentido de uma filosofia de existência, do ser-no-mundo, abandonando portanto uma fenomenologia da consciência é pordemais instigante conceitualmente. E assim, a partir daCa investigaçãoteórica do trabalho apontou para uma outra discussão - o inconscienteda psicanálise e a noção de "carne" em Merleau-Pouty. Melhordizendo,a mudança de atitude teórica Merleau-Pontyana traz como ganho apossibilidade de "acolher o lrrecusãvel e bem fundado da descobertafreudiana", - o inconsciente. Pode-se mesmo falar em um inconscienteem M. Ponty.

CONCLUSÃO: Como conclusão se pontuou que o corpo como espaçovivido é constituCdo segundo uma estrutura DO campo de outro, e que aarticulação deste espaço vivido para o sujeito está marcada por umacerta geografia a do desejo e a da imagem. Para tanto, foi possívelcompreender o corpo como laço de uma corporeidade vivida no mundo,como campo de nossas articulações com o outro. E finalmente tomandoo corpo como esse lugar de apropriação do mundo e do outro estará

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dizendo sempre de um dinamismo, de uma estrutura de relações. Quantà psicomotricidade, se ela quiser caminhar no sentido de Umo_ .. acompreensao rigorosa de seu objeto de estudo, deverá situarmelhor con.celto de corpo, e ver que relação ela mantém COm osaber psicanalítico e/ou filosófico a que ela própria faz referência emseu campo doutrinaI.

TITULO DA DISSERTAÇÃO: "A teoria marxiunn do valor-trahal.ho com um excurso crítico sobre a liberdade sartreuna."

DATA DA DEFESA: 24 de junho de 1992.

BANCA EXAMINADORA,

I. Orientador(a) Prof. Dr. José Chasin

2. Prof. Dr. Ivan Domingues

3. Prof" Ester Vaisman

AUTOR: Maria Lúcia Ferreira

Instituição de Origem: UFMG.

OBJETIVOS: Abordar a perspectiva ontológica imanente à teoriamarxiana do valor-trabalho, em O Capital.

SíNTESE: A dissertação trata da teoria marxiana do valor-trabalho,sob uma perspectiva ontológica. Verificou-se que o valor é uma

ontológica efetivada mediante a atividade humana, cornpreen-didos os processos mterconexos de produção e circulação de mer-cadorias; nas sociedades em que domina o modo de produçãocapitalista, o valor se torna a categoria ontológica central da produçãodas condições objetivas de existência do ser social. A categoria valor é

do fetiche, tornando-se um enigma para os homens que serelacionam através de seus produtos de trabalho, convertidos à formamercadoria na sociedade capitalista. Categoria ontológica sem corpo.embora objetiva, o valor não pode ser detectado através de análisesfJsico-químicas, mas seu enigma fica desvendado a partir da análisecientífico-filosófica das relações sociais de produção e circulação nassociedades capitalistas. Esta elucidação teórica não tem o poder de,isoladamente, transformar a objetividade social ordenada pela categoriavalor, tais como as leis sociais decorrentes de sua existência. Marx

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critica o M.P. Capitalista, identificando nas leis impostas pela categoriavalor a barragem do processo constitutivo da liberdade do homem.

CONCLUSÕES: Esta abordagem nos permitiu constatar que a on-tologia marxiana rompe com a tradição metafísica para apresentar umanova ontologia. No desenvolvimento da dissertação pudemos explicitaralguns pontos fundamentais desta nova ontologia presente em O Capital.Em O Capital, verificamos que a historicidade inerente ls categoriasontológicas do ser social se torna evidente através da elucidaçãomarxiena da categoria valor.

TíTULO DA DISSERTAÇÃO: liA Autonomia da Arte na Estéticada Formatividade"

DATA DA DEFESA: 03 de setembro de 1992

BANCA EXAMINADORA:

I. Orientador(a) Prof" Dr" Maria Helena Nery Garcez

2. Profa. Maria Eugênia Dias de Oliveira

3. Prof. Dr. Rodrigo Antônio de Paiva Duarte

AUTOR: Sandra Neves Abdo

Instituição de Origem: UFMG.

Examinar o conceito de autonomia da arte, proposto porLuigi Pareyson em sua Estética da Fonnatividade, identificando osfatores responsáveis por seu êxito na superação das limitações doformalismo e do conteudismo.

A arte é forma, organismo, tisicidade formada e estruturadade acordo com leis internas que a conduzem ao êxito e asseguram suaindivisibilidade, perfeição e autonomia. Contendo em si tudo quantodeve conter, a obra de arte dispensa referências externas para sercompreendida. Mas isso não significa o seu fechamento em si mesma.No próprio ato que, ao mesmo tempo, conclui e inclui em si o processode sua formação, a obra se abre a infinitas possibilidades interpretativase formativas. A formatividade - atividade de invenção e produção deformas é a nota especlficadora da arte, mas seu exercício puro,especfflco e intencional não se dá. de modo isolado. A inteira vidaespiritual do artista, subordinando-se à sua intenção formativa, lntro-

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duz-se na obra como estilo, "modo de formar". Efetiva-se assim aidentidade de forma, matéria e conteúdo. A forma" entendida como"matéria formada" - é, em si mesma, "conteúdo expresso". A arte é,indivisivelmente, matéria e espírito, fisicidade e interioridade. Seusignificado 6 totalmente imanente a seu corpo trsico e é essa íntimaconexão que assepTa a SUB autonomia.

CONCLUSÕES: A aulonomia da arte, em Pareysca, Dia apresentaqualquer analogia com o significado fonnaliata de "evasão da vida" e"desenraizamento hiattSrico e social". Ao contrário, a concepçãopareysoniana enfatiza a estreita conexão da arte com os demais valorese finalidades. Mas essa vinculação não assume a forma de con-dicionamento externo ou de subordinaçio da arte a esses valores, comonas estéticas conteudístas. Na medida em que são incorporados pelaintenção formativa do artista, 0& fatores externos se tornam valoresorgânicos, imanentes ao corpo fl'sico da obra, que dispensa, portento,qualquer referência externa para ser compreendida.

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: "O Inconsciente ern Merleau-Ponty"

DATA DA DEFESA: 17 de setembro de 1992

BANCA EXAMINADORA:

I. Orientador(a) Prof. Dr. José de Anchieta Corrêa

2. Prof. Dr. Walter José Evangelista

3. Prof. Dr. Jo&6 Newton Oarcia de Aradjo

AUTOR: Gerrír Delfstra

Instituição de Origem: UFMO.

OWETIVOS: Estabelecer as condições de possibilidade de articular apsicanãllse com o pensamento fenomenológico. Acompanhar aevolução do pensamento de Merleau-Ponty, especialmente no quedizrespeito l noção do inconsciente, e demonstrar como os conceicoscriados por ele, em sua leitura particular de Husserl, possibilitam incluira noção de inconsciente em sua obra.

SíNTESE: Merleau-Poery, para falar do inconsciente, Dia precisanegar a identidade epistêmica freudiana própria, mas ela cria, ao lollJO

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de sua obra, conceitos que permitem superar a dicotomia consciênciainconsciente, tais come a noção do corpo próprio, que, nas últimas obrasevolui para a noção de carne. Tanto a carne como o inconsciente sedirigem a um conteúdo latente, para !lIda verdade da imanência, do egoe de seus atos, da consciência e seus objetos, em outras palavras, odomínio cujas relações uma consciência não poderia sustentar.

CONCLUSÕES: Os conceitos criados por Merleau-PoDty deIde asprimeiras obras (forma, corpo próprio, carne) possibilitaram, progres-sivamente, a superação das dicotomias clássicas na filosofia, aio sóentre sujeilo e objeto, como também entre consciência e inconsciente.A noção de carne, nas dltimas obras, supera o que restara de umafilosofia da consciência, e :possibilita assim uma compreensão doinconsciente, próxima da concepção freudiana.

Esses conceitos criados por Merleau-Ponty visam superar tanto oidealismo, quanto o objetivismo. Enquanto por um lado Merleau-Pontyse constitui um interlocutor fecundo para a psicanálise, ao mesmo tempodetecta-se na soa obra a influência da psicanálise sobre seu pensamento.

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Os Mitemas e os Maternas naElaboração daTeoria Pulsiona!

DATA DA DEFESA: 13/07/92

BANCA EXAMINADORA:

I. Orientador: Prof. Dr. Célio Garcia

2. Prof. Dr. Walter José Evangelista

3. Prof. Dr. Paulo Roberto Marptti Pinto

AUTOR: CLÁUDIA PEREIRA DO CARMO MURTA

Instituição de Origem: UFES

OBJETIVOS: O objetivo deste trabalho é proceder a uma investigaçãode orientação filosófica sobre a elaboração de um doe conceitos fun-damentais da psicantlise: a puldo.

SÍNTESE: A partir deste objetivo deparamos com a proposta freudiana00 definição da pulsão que, a seu tempo, foi dividida entre a verificação

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científica e os mitemas. Este posicionamento de Freud gerou impassesque dizem respeito ao ensino da psicanálise.

Sabemos que o trabalho de Lacan consistiu em um retorno a Freud.Lacan, com base em uma escrita que ele mesmo chamou matema,propôs encontrar os fundamentos para a manutenção da descobertafreudiana. Esta foi a opção lacaniana para lidar com os impasses a quea definição da pulsão esteve submetida. Entretanto, os maternas geraramnovos impasses.

Desta forma empenhamos-nos em buscar a relação entre os mitemasfreudianos e os maternas Iacaníanos, no percurso da elaboração doconceito de pulsão. Istonoslevoua considerar as implicaçõesrecíprocasde ambas as teorizações do conceito de pulsão.

CONCLUSÕES: Acreditamos que este trabalho possa constituir umacontribuição epistemológica à teoria da pulsão.

Escreveram neste número de Kriterion

Rodrigo A. Paiva Duarte, Professor do Departamento de Filosofia daFAFICHlUFMG

Leopoldo Waizbort, Doutorando em Sociologia pela USP

Marco Helene Barreto, Mestrando em Filosofia pela UFMG

Ricardo Musse, Doutorando em Filosofia pela USP

Marcos Nobre, Professor do Departamento de Filosofia da UNICAMP

Silke Kapp, Mestranda em Filosofia pela UFMG

José Henrique Santos, Professor do Departamento de Filosofia daFAFlCH!UFMG

Maria José Rugo Campos, Professora do Departamento de Filosofiada FAFlCHlUFMG

Page 78: Kriterion Sobre Adorno

Normas para Publicação na Revista Kriterion

A Revista Kriterion (Nova Fase) é aberta à colaboração de todos osestudiosos de Filosofia. Os textos devem ser enviados ao ConselhoEditorial, que os encaminhará ao Conselho Consultivo. paraapreciação. Uma vez aprovado, será o texto publicado 110 primeironúmero da Revista com espaço disponível.

Exigências referentes às colaborações:

a) Os temas tratados deverão ser de natureza filosófica ou apresentarestreita vinculação com a Filosofia, podendo ser de natureza críticaou informativa (divulgação de pesquisas ou quaisquer assuntosconsiderados de relevincia filosófica).

b) Serão devolvidas para correção as colaborações que apresentaremproblemas de redação (ortografia, pontuação, sintaxe) ou qualquerdeficiência na exposição das idéias.

c) Os originais deverão ser datilografados em espaço duplo, de um sólado da folha, em três vias. As citações no corpo do artigo deverãoremeter a referências bibliográficas em notas de rodapé. O artigodeverá apresentar um pequeno resumo (Abstract) de seu conteúdo(no idioma em que foi escrito e/ou em inglês), e, ao fina!, abibliografia consultada. As citações e referências deverão obedeceràs normas da ABNT.

d) O Conselho Editorial da Revista avaliará as colaborações recebidas,tendo em vista as normas acima relacionadas. Os trabalhos deverãoser acompanhados de ofício do autor, endereçado à Comissão deRedação solicitando apreciação para publicação na Knterion.

Endereço para correspondência:

Conselho Editorial da Revista KruerionDepartamento de FilosofiaFaculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMGAv. Antônio Carlos, 6627Campus Pampulha - CEP; 31.270Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

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Nossos sinceros agradecimeaaos 1 Pró-Reitoria de Pesquisas da Univer-sidade Federal de Minu Gerais, que fioanciou a publicação destenúmero da Revista Kriteriou.

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KRITERIONREVISTA DE FILOSOFIA DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIADA FACULDADE DE FILOSOFIA E HUMANAS - UFMG

REPRESENTANTES DE VENDAS

ANTÔNIO TAVARES MONTEIROUniversidade Federal do Acre - Rio Branco

ALZIRA CORREIA MÜLLERUniversidade Federal do Paraná - Curitiba

ARMANDO AVELLARUmversjdede Federal do Pará - Belém

ELZA MARIA BRITO PATRlclOUnlverskíade Federal do Maranhão - São Luiz

GERALDO TONACOUniversidade Nacional de Brasília - Brasília - DF

HENRlQUENIELSEN NETORua Paracuê, 304 - São Paulo

HEITOR GAUDENCI JÚNIORUNIMEP - Piracicaba - São Paulo

IVO TDNEITUniversidade Fedeml de Alaeou -MaceióJOÃO PEDRO DE:AGUIARUniversidade FcdemJ.do Blpírito Santo - Vitória

JOSé MÁRIO ANGé.UUniversidade Estadual de Londrina- Lcndrina- PR

LBa AFONSO STAUDTUniversidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis

LUIZ GONZAGA LÓ80Universidade Católicade Goiás - GoiAnia

MAURfuA VALDEREZ DO A. PEZENTEFundação Universidade Federal de Mato Grosso - Cuiabá

PAULO ARANTESUnivcraidade de Sio Paulo - SP

REGINA MARIA Y. B. LOPESUniversidade Santa Úraula - Rio de Janeiro - RJ

ROBERTO LIMADE SOUZAUniversidade Federal do Rio Grande do Norte - RN