KUMURÕ BANCO TUKANO - Socioambiental se escreve junto... · dos rios, os igapós, também são...

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KUMURÕBANCO TUKANO

SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA - SÃO PAULO2003

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Kumurõ Banco Tukano © FOIRN

AUTORES TUKANO DO RIO TIQUIÉ Domingos Borges Barreto, Mariano Azevedo eCelestino Azevedo (Pirarara), José Azevedo, Rogelino Alves Azevedo, HiginoAzevedo e Ângelo Azevedo (São José II), Miguel Azevedo e Antenor NascimentoAzevedo (São José I), Francisco Sampaio (Santa Luzia), Francisco Barreto,Tarcísio Barreto, Ovídio Barreto, Belisário Barreto, Otávio Borges Barreto, IsaacBarreto e Luiz Tirado (São Domingos), Américo Bastos (São Paulo), Jovino Pena(Santa Rosa), Avelino Neri (Jabuti), Henrique Marques (Boca do Sal).

TEXTO Aloisio Cabalzar EDIÇÃO Beto RicardoFOTOS Rosa Gauditano FOTOS COMPLEMENTARES Aloisio Cabalzar/ISA, Beto Ricardo/ISA (pg 4-5, 10),

Roberta Dabdab (pg 8)DESIGN GRÁFICO E EDITORAÇÃO Sylvia MonteiroCAPA Aloisio Cabalzar/ISACOLABORADORES Flora Cabalzar e Pieter van der Veld (ISA). PRODUÇÃO GRÁFICA Signorini FOTOLITOS Bureau Bandeirante IMPRESSÃO GamaREVISÃO Flora Cabalzar TIRAGEM 2000

APOIO PARA PUBLICAÇÃO

DISTRIBUIÇÃO FOIRN/ISAOs direitos relativos aos conhecimentos sobre as matérias-primas e o processo de produçãodo banco tukano, tal como registrados nesta publicação, pertencem exclusivamente ao povoTukano.

A renda proveniente da venda desta publicação reverterá integralmente para a consolidação eampliação das atividades de produção, divulgação e comercialização do banco tukano.

Fica proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, de qualquer forma, sem prévia eexpressa autorização da FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.Contatos podem ser feitos pelo endereço eletrônico [email protected] ou pelo telefone (97)471-1349, em São Gabriel da Cachoeira.

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SUMÁRIOOBJETO CERIMONIAL TUKANO 4

MODELOS DE BANCO 6UMA ESPECIALIDADE CULTURAL 8NO PRINCÍPIO ERAM DE QUARTZO 9OS TUKANO 10A MALOCA 11

FAZER O BANCO 12NO MATO 15TORAS SOB MEDIDA 16

O ENTALHE 19ETAPAS DO ENTALHE 20FERRAMENTAS 22MEDIÇÕES 24CAVANDO FUNDO 27CUIDADOS PARA NÃO RACHAR 28

O ACABAMENTO 30APLAINAR E LIXAR 32PINTAR 35CORANTES E FIXADORES 36TINGINDO O ASSENTO 38

GRAFISMOS 41CARIMBOS E PINCÉIS 42ARGILA 44TRAÇOS 46KUMU HORI 49LAÇOS 50PRESENTES 5 1 LAVAR PARA REVELAR 52SIGNIFICADOS DOS GRAFISMOS 54

OFICINA DE BANCOS NA FOZ DO CABARI 58INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO

E AS PARCERIAS 62FONTES 63GLOSSÁRIO 64NOTA SOBRE A GRAFIA DAS PALAVRAS

EM TUKANO 64

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panhar todas as passagens do ciclo de vida da pessoa, os grandes rituais e acura das doenças. Ele também recita o mito de origem nas grandes cerimônias.

NO PRINCÍPIO ERAM DE QUARTZO

Os bancos que existiam na Maloca do Universo (U–mu–ko Wiika) eram feitosde quartzo, de pedra. Eles foram oferecidos pelo Avô do Universo (U–mu–ko

Ñeku–) aos líderes da primeira humanidade (Bahuari Masã), os ancestrais dosTukano. O mito de origem dos povos Tukano situa no Lago de Leite (OpekõDitara), geralmente associado ao Oceano Atlântico, o ponto de partida de umacobra-canoa ancestral (Pamu–ri Pirõ) que transportava em seu bojo os descentesde toda a humanidade atual. Essa cobra emergia em certas paragens do Rio deLeite (Opekõ Dia), formando as Casas de Transformação (Pamu–ri Wii), onde ospovos em formação viviam e iam adquirindo conhecimentos, habilidades, culti-vares, objetos e instrumentos rituais... Na cachoeira de Ipanoré (Petapé), umadessas Casas, a humanidade, em seu aspecto atual, saiu dos buracos da trans-formação, que ainda podem ser vistos nas pedras da cachoeira. Aí todos ospovos começaram a se separar e se espalhar, ocupando cada qual uma área efalando uma língua distinta. Os Tukano foram para o rio Papuri. Com o cresci-mento da população, formarammuitas malocas. Alguns migrarampara o rio Tiquié. Os ornamentos einstrumentos cerimoniais foram divi-didos e, depois, outros foram feitos.Os bancos de pedra foram reproduzi-dos em madeira, como são hoje.

Atualmente, os artesãos fazembancos de vários tamanhos, depen-dendo da finalidade. Quando é parauma maloca (casa cerimonial tradi-cional), fazem um banco para o baya(mestre da dança), que deve ter qua-tro palmos, e para os acompanhan-tes do baya (os outros que dançamcom ele), de três palmos e quatrodedos. Os bancos para moradia, deuso cotidiano, são menores e podemter dimensões variadas.

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NO MATO

Vários tipos de madeira podem ser trabalhados para a fabricação do banco. A preferida é chamada em tukano u–tañimi e, regionalmente, sorva. É uma

árvore encontrada em floresta de terra firme. Essa planta não é muito comum e seu crescimento é lento. Suas sementes não brotam facilmente. Embaixo dacopa das árvores adultas, raramente são encontradas sementes germinando. É possível que precisem passar pela digestão de algum animal herbívoro paraserem ativadas, daí seu padrão disperso na floresta.

Algumas madeiras encontradas em áreas de floresta inundada às margensdos rios, os igapós, também são utilizadas para a fabricação dos bancos. Sãomais freqüentes no baixo e médio curso do rio Tiquié, onde estão situados osigapós mais extensos. Existem ainda outras madeiras apropriadas que crescemem capoeira ou terra firme. Algumas dessas espécies possuem nomes regio-nais, como sorvinha, pacarrão e molongó.

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Encontrada a madeira,preparada e levada paracasa, o local do traba-

lho, já se pode iniciar o enta-lhe. Busca-se, desde o início, o equilíbrio e simetria das for-mas, sob todos os ângulos. Asmedidas e a textura são obser-vadas e sentidas, com os olhose mãos, revirando-se o tronco.

Cada artesão entalha a seumodo, mas alguns passos sãoseguidos por todos, emseqüência. Começam preparan-do duas faces do tronco,opostas. Na inferior – que seráa base de apoio no chão – otronco é deixado plano, pro-cedimento que facilita o traba-lho na face oposta, dando maisestabilidade à peça. Na supe-rior a superfície é tornada côn-cava com o trabalho das ferra-mentas. Depois disso, medeme marcam com carvão aposição dos pés na madeira.Passam a desbastá-la, tirandopor baixo e pelos lados, comcuidado para não rachar ospés. É uma escultura emmadeira maciça. Pouco apouco a peça vai tomando seuaspecto final, cada vez maisdelicadamente.

O ENTALHE

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FERRAMENTAS

Além de habilidade e técnica, trabalhar a madeira exige algumas ferramentas.Três são as principais: dois tipos de enxó e uma machadinha. A enxó mais

utilizada é chamada em tukano de sioga (nome que também vamos usar aqui).Começando por ela, essa ferramenta é conhecida há várias gerações, utilizadaantigamente para cortar sorva (para tirar seu látex). É uma lâmina de ferro provi-da de uma luva onde é encaixado um cabo. Atualmente não existem mais nocomércio e é preciso fazê-las por encomenda. É um instrumento versátil, útiltanto para alcançar e cortar a madeira mais profundamente, entre os pés dobanco, como para tirar lascas pequenas da superfície.

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O ACABAMENTO

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Concluído o entalhe damadeira, os artesãostukano se dedicam a

polir e lixar o banco, fazendocom que a madeira fique comuma textura mais lisa e suaveno assento, sua base, plana eestável. Os velhos usavamfolhas de algumas árvores epedras arredondadas comolixa; hoje também são empre-gadas lixas industrializadas.Esse trabalho prepara a peçapara a pintura.

Mariano é tukano dePirarara, no médio Tiquié, eaprendeu a fazer bancoscom seu pai: “eu vi o quemeu pai fazia, eu possofazer.” Antigamente, eainda hoje, os Tukanofaziam bancos para oferecerpara seus cunhados, comoos Desana e Tuyuka. “Tinhaum cunhado meu, eu fizpara ele pela primeira vez,foram doze bancos eentreguei tudo aprontado.Ficou bom. Tinha outrocunhado, eu fiz treze bancospara ele. Entreguei, comofaziam os antigos.”

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legiada na cosmologia tukano. Essa tra-jetória é relembrada nas cerimônias edanças realizadas na maloca. Tanto o baya(ou Mestre de Cerimônia) e seus acompa-nhantes de dança, quanto o kumu, sentam-se nesses bancos. Em tukano, esse desenhose chama pamu-ri hori.

MOMORI (DESENHO DA BORBOLETA) IMPRESSO NO CENTRO DO ASSENTO

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FONTESBéksta, Kazys Jurgis, A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo. Manaus: SEDUC/AM, 1988.Cabalzar, Aloisio, Banco Tukano. Relatório de Oficina realizada em São Domingos (alto Tiquié).São Paulo: ISA, 2002. Inédito.Cabalzar, Aloisio e Ricardo, Carlos Alberto, Mapa Livro. Povos Indígenas do Alto e Médio RioNegro. São Gabriel da Cachoeira/São Paulo: FOIRN/ISA, 1998.Umusi Pãrõkumu e Torãmu– Kehíri, Antes o Mundo Não Existia. Mitologia dos Antigos Desana-Kihíripõrã. São Gabriel da Cachoeira: UNIRT/FOIRN: 1995. Primeira edição de 1980.Diakuru e Kisibi (Américo e Durvalino Fernandes), Mitologia Sagrada dos Desana-WariDihputiro Põrã. São Gabriel da Cachoeira: UNIRT/FOIRN, 1996.Reichel-Dolmatoff, Gerardo, Amazonian Cosmos - The Sexual and Religious Symbolism of theTukano Indians: The University of Chicago Press, 1971.Ñahuri e Ku-marõ (Miguel Azevedo e Antenor N. Azevedo), Mitologia Sagrada dos TukanoHausirõ Põra. São Gabriel da Cachoeira: UNIRT/FOIRN, no prelo.Ribeiro, Berta G., Os Índios das Águas Pretas. São Paulo: Cia das Letras/EDUSP, 1995.

A parceria FOIRN/ISA inclui várias atividades: a demarcação das terras indíge-nas e o desenvolvimento de alternativas econômicas apropriadas, incluindo a capaci-tação das organizações indígenas, a instalação de uma rede de radiofonia e trans-porte, o desenvolvimento de pesquisas dirigidas, a publicação da primeira série delivros de autores indígenas no Brasil, a implantação de escolas indígenas diferen-ciadas, de projetos de piscicultura e de manejo agroflorestal, a formação de umbanco de dados socioambientais georreferenciados.

Viabilizar a comercialização dos bancos tukano é uma iniciativa concomitante àrevitalização dessa prática tradicional de entalhar a madeira. Alguns mestres artesãosestão retomando sua especialidade, aprimorando sua técnica na constância do traba-lho, ensinando aos mais jovens e construindo uma alternativa de renda para comu-nidades indígenas situadas a muita distância do mercado consumidor.

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GLOSSÁRIObaya: mestre de cerimônia. É o conhecedor dos cantos e danças tradicionais,responsável pela entoação do canto e liderança dos outros dançarinos nos grandesrituais realizados nas malocas

caxiri: bebida fermentada com base na mandioca e temperada com outros turbércu-los, com certo grau alcoólico, preparada para a animação das festas.

caapi: bebida ritual feita a partir de certas espécies de cipó, comum entre os povosindígenas da Amazônia Ocidental, com possível efeito alucinógeno.

ipadu: pó de folhas de coca misturado com cinzas de folhas secas de embaúba oucucura. As folhas de coca são apenas torradas e socadas, não passando por qualquertipo de refinamento químico. É consumido ritualmente, apenas pelos homens adultosmais velhos.

dabucuri: festa tradicional de oferta de alimentos. Um grupo de pessoas fornecepara seus cunhados ou irmãos uma quantidade grande de certo tipo de alimento,fresco ou preparado e, para entregá-lo, são esperados com uma festa e caxiri.

kapiwaya: cerimônia na qual se realizam as danças tradicionais, entoadas por umgrupo de cantores liderados pelo mestre de cerimônia, o baya. Para essas festas, épreparada grande quantidade de caxiri, ipadu, caapi e fumo. Essas cerimônias podemser realizadas em várias circunstâncias: proteção contra doenças da estação,atribuição de nome ao filho de um chefe, iniciação dos jovens, etc.

wayuri: é o mutirão feito dentro de uma comunidade ou que envolve várias delas,para o plantio de uma roça, construção de uma casa ou realização de trabalhoscomunitários. É comum o preparo e consumo de caxiri nessas ocasiões.

NOTA SOBRE A GRAFIA DAS PALAVRAS EM TUKANO(adaptado de Henri Ramirez, A Fala Tukano dos Ye’pâ-Masa. 1997)a, i e u pronunciam-se como em portuguêse e o são abertas, como em fé e avóu- - é uma vogal pronunciada como i, mas com a ponta da língua voltada para océu da bocar pronuncia-se como em caroñ – pronuncia-se como o nh do português ou ñ do espanholSe a primeira vogal da palavra for seguida por uma consoante surda (p, t, k, s),tornar-se-á parcialmente surda. Por exemplo: pikõse lê-se pihkõse.

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