LA CURVA ABIERTA-Os Ensaio Latino - Americanos Dos Anos de 1930 Aos de 1950.
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LA CURVA ABIERTA: OS ENSAIOS LATINO–AMERICANOS DOS ANOS
DE 1930 AOS DE 1950.
O ensaio, gênero literário de longa tradição no mundo ocidental, chegou à América pelo
menos três séculos depois de o francês Michel de Montaigne ter feito uma descrição do
termo em seus Essais, de 1580. Em famosa passagem, Montaigne descreve o ensaio como
prosa subjetiva e autobiográfica: “Esto es puramente el ensayo de mis faculdades naturales,
y no, em absoluto, de las adquiridas (...)”.1 Contrária a essa definição do ensaio moderno
proposta pelo francês, está a do inglês sir Francis Bacon, que procura em seus Essays,
escritos nos anos de 1597, 1612 e 1625, uma forma mais objetiva e impessoal, discorrendo
sobre as grandes questões filosóficas, como em “Sobre a morte”, ou “Sobre a verdade”.
Montaigne e Bacon são considerados respectivamente o “pai” e o “padrasto” dessa escrita
múltipla e flexível, que permite o uso de linguagens distintas com a intenção de alcançar as
proposições do autor, seja através da explicação objetiva, seja através da confissão
subjetiva.
Na América Latina a palavra ensaio surge na crítica literária somente em fins do século
XIX, período onde são encontrados excelentes ensaístas como Sarmiento, González Prada,
Martí, Reyes entre outros. Segundo John Skirius em sua introdução a uma compilação
representativa dos ensaios hispano-americanos modernos, El ensayo hispanoamericano del
siglo XX, este pode ser definido como um gênero literário de prosa de não ficção, mas que
por vezes aproxima-se das técnicas poéticas, dos elementos da ficção e mesmo dos efeitos
dramáticos. Quatro impulsos básicos poderão ser encontrados na maioria das obras destes
ensaístas: o de confessar-se, o de persuadir, o de criar arte e o de informar. O conceito mais
conhecido de ensaio na hispanoamérica é a do mexicano Alfonso Reyes (1889-1958), que
nos revela sua concepção desse gênero de escrita através da imagem de um centauro, ou
seja, a imagem de uma literatura cindida, composta por uma metade lírica e outra metade
científica:
“(...) este centauro de los géneros, donde hay de todo y cabe todo, propio hijo caprichoso
de una cultura que no puede ya responder al orbe circular y cerrado de los antiguos, sino a
la curva abierta, al proceso en marcha, al ‘Etcétera’...”2
1 SKIRIUS, John. El ensayo hispanoamericano del siglo XX. Tradução e prólogo de David Huerta. México: FCE, 2004. Pg. 09. Grifo da autora.2 SKIRIUS, John. El ensayo hispanoamericano del siglo XX.. México: FCE, 2004.Pg. 11.
O ensaio comportaria tão bem os problemas da América por sua maleabilidade, por
possibilitar a abordagem das diversas interpretações provenientes das numerosas realidades
existentes no continente, além de constituir mais facilmente ligações com conhecimentos
instáveis e em constante processo, com pontos de conflito de difícil definição que compõe a
significação cultural da identidade nacional, como o são os conceitos de tradição, de povo,
de raça, de etnia ou grupos éticos, entre outros. Neste sentido ressalta-se a importância de
seu caráter subjetivo, que possibilita a interpretação e entendimento de tais conceitos e das
diferentes realidades onde se inserem, sem a intenção de ser uma verdade coletiva, mas
antes uma verdade individualizada que procura identificar características e comportamentos
sociais, problematizar as realidades em questão, na busca pelo entendimento do que é ser
parte dessa América Latina, dando ao ensaísta um engajamento com sua realidade. Segundo
o colombiano Germán Arciniegas ( 1900- 1999):
“(...) el problema de nuestra América es singularísimo, y ofrece un campo de estudio que
literalmente solo cabe en el ensayo.”3
Em uma América Latina que se encontrava, em fins do século XIX e começo do XX, em
plena marcha em busca da modernização e da identidade, a necessidade de “montagem” de
um Estado nacional suscitou questões de cunho político, social, cultural e econômico que se
articularam no discurso em um esforço intelectual para buscar uma identidade a partir de
uma nova etapa modernizadora. A modernização surgia através da ciência e da tecnologia,
definidos pelos modelos dos países avançados, buscando maior eficiência e produtividade.
Já a necessidade de uma identidade incidia sobre a reivindicação do que fosse próprio da
América Latina, o que viesse a destacar sua independência, sua busca por um destino
próprio. Esse esforço que encontramos nos ensaístas pode ser entendido como um processo
dinâmico, como tentativas de identificação das sucessivas mudanças de enfoque que
alternaram os temas de maior importância nas discussões em torno da identidade nacional
conforme determinada necessidade proveniente do desejo modernizador.4
Essa mesma imagem do centauro foi usada recentemente por Antonio Mitre, em seu O dilema do centauro. Ensaios de teoria da história e pensamento latino-americano. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. No entanto Mitre, através do ensaio, emprega a figura do centauro agora para representar a história, para ele “irremediavelmente cindida entre sua ancestral metade ideográfica e seu flanco moderno, fertilizado pelo ímpeto nomológico do Oitocentos”. (pg.09)3 IDEM, Pg. 19.4 VALDÉS, Eduardo Devés. Del Ariel de Rodó a la CEPAL.1900-1950. Buenos Aires, Biblos: 2000. Pg. 9/10.
Segundo Eduardo Devés Valdés5, nos anos que vão de 1900 a 1950, surgiram inúmeros
ensaios sobre os temas centrais da modernidade e da identidade, podendo ser divididos em
três etapas: a primeira, de 1900 até a Primeira Guerra Mundial, com enfoque
acentuadamente cultural (nacionalismo, continentalismo, arielismo, latinismo, darwinismo),
a segunda, entre a Primeira Guerra Mundial e a crise econômica de 1929-1930, de caráter
social (problema do camponês, do índio, do negro, do interior, da serra), e a terceira, dos
anos de 1930 até os de 1950, voltada para o econômico (defesa de uma economia
continental, industrialização, presença norte-americana)6. Os ensaios deste último período
são considerados muitas vezes como a expressão da maturidade do pensamento latino-
americano7, pelo menos em três sentidos. Primeiro, ao se deter sobre um tema bastante
autônomo, depois, a possibilidade de referir-se freqüentemente a outros autores latino-
americanos ocupados com o mesmo problema, e por fim, o tratamento de autores
estrangeiros sem servilismo8.
O ensaio foi ainda um gênero que permitiu a comunicação e coexistência com outros tipos
de produção e de tendências, no caso dessa terceira fase, por exemplo, as relacionadas ao
nacionalismo como defesa e reivindicação da identidade, entendida principalmente como
economia, e as escolas psicológicas que exerciam evidente influência sobre as questões da
busca por um caráter nacional, e ainda a consolidação de um pensamento
feminino/feminista e o socialcristianismo. Essa confluência de temas e tendências diversas,
como a psicológica, a filosófica e a social, proporcionaram discussões que configuram um
estilo de pensamento e de realização de idéias bastante enriquecedor para o pensamento
latino-americano, indicando um salto qualitativo em suas produções.
Dentre essas produções, no entanto, foi o ensaio sobre o caráter que obteve grande êxito
no cenário intelectual dos anos de 1930 até a metade do século XX. Parte dessa
importância, como já foi mencionado acima, partia da possibilidade de referência a autores
latino-americanos no trato de temas próprios, ou seja, seus povos, suas culturas, suas
5 Idem; pg. 97.6 “Los autores nacionalistas buscaban defender la economia latiomericana de los embates de los países más poderosos, de sus empresas o del sistema imperialista internacional. Secundariamente, surgieron formaciones económicas específicas para nuestras realidades, vinculadas con cuestiones particulares de la evolución económica o relativas a costumbres, aspectos culturales, geográficos u otros”. Op. Cit; Pg. 198.7 Essa maturidade foi conseguida na década de 20, com a construção de uma importante rede de intelectuais e pensadores que formaram uma comunidade intelectual, integrando temas e objetos de trabalho, alcançando assim um perfil próprio, forjando idéias e ideologias relativamente diferenciadas. Op. Cit; Pg.253/254.8 VALDÉS, op. cit , pg. 253.
sociedades. Com isso, o ensaio sobre o caráter vai de certo modo ser o ponto de
convergência do trabalho intelectual da metade do século XX, onde encontramos as
diferentes linhas de pensamento que vinham sendo desenvolvidas até então, como o
indigenismo, o arielismo, o afroamericanismo, o nacionalismo, entre outras.9
El laberinto de la soledad, do mexicano Octavio Paz, publicado em 1950, é considerado
por Valdés o “canto do cisne” dos ensaios desse gênero, obra brilhante que leva o tema do
caráter ao seu extremo. Segundo Enrico Mario Santí, é:
“una de las piezas claves de la literatura moderna: ensayo él mismo moderno y reflexión
crítica sobre la modernidad. En la historia de la literatura hispanoamericana se trata de la
prosa ensayística más importante de este siglo, la que ha influido más en el pensamiento y
en la literatura de la lengua española y resonado más en los de otras lenguas”.10
Seguindo a tradição do ensaio literário, abarca uma diversidade enorme de visões, como a
do ensaio de cunho moral, da antropologia da cultura, da psicanálise, da filosofia da
história, além do ponto de vista subjetivo, que Paz ressalta, por exemplo, com referências às
suas vivências pessoais, como em El pachuco y otros extremos, ensaio que serve como
introdução ao livro, onde confessa que as reflexões encontradas ali nasceram fora do
México, quando o autor morava nos Estados Unidos.11 Podemos então dizer que todo o
livro parte de um ponto de vista subjetivo: os questionamentos do autor sobre si mesmo e
sua vida, tomando proporções maiores, estendendo-se ao seu povo e ao seu país. São
interrogações que nascem do desamparo universal proveniente da própria condição humana
e que desembocam em outro desamparo, o da condição histórica, da realidade que serve de
matéria-prima para as organizações políticas, ou seja, a comunidade, o grupo humano. Suas
inquietações íntimas unem-se ao processo histórico através da busca, que consiste em
movimento histórico. Assim, o que começou como meditação pessoal converteu-se em
reflexão e procura de respostas para o presente através de proposições acerca do ritmo da
história do México.
Para começar a traçar o percurso a que se propôs, Paz parte de uma série de mitos. O
primeiro é o pachuco (El pachuco y otros extremos), o mexicano-norte-americano que
procura sua afirmação no enfrentamento das duas sociedades às quais está ligado, a
9 VALDÉS, op. cit., pg. 276.10 SANTÍ, Mario Enrico. El acto de las palabras. Estudios y diálogos con Octavio Paz. México: FCE, 1997.11 PAZ, Octavio. El peregrino em su pátria. Historia y Política en México. Edición del autor; vol.8. México: FCE, 2001. Pg. 49.
mexicana que diz de sua raiz histórica, e a norte-americana onde vive e com a qual não
deseja ligar-se. Quando faz a contraposição entre as características dessas sociedades, como
por exemplo, o gosto mexicano pelos adornos e a precisão eficaz do norte-americano, busca
traços da identidade mexicana. Esse método de confrontação, comparação e contraste do
modo latino-americano (mexicano no caso de Paz), com estereótipos europeus e norte-
americanos, e também asiáticos e africanos, é uma característica que podemos encontrar em
vários ensaios sobre o caráter, com a intenção de delimitar, de traçar o perfil nacional
buscado.
Nos três ensaios seguintes (Máscaras mexicanas, Todos Santos, Dia de Muertos e Los
hijos de la Malinche), são dedicados às máscaras, às festas, à morte. Surge o hermetismo do
povo mexicano como defesa contra os perigos do meio onde se encontra, levando-o a
criação de máscaras: da hombridade, da feminilidade, das relações homo e heterossexuais,
da dissimulação e do mimetismo. Máscaras que levam à anulação e ao silêncio, revelando o
valor da mentira, da simulação e do fingimento para a criação de relações cotidianas,
acabando assim por perder-se de si mesmo na solidão que produz. A festa surge como lugar
da comunicação do mexicano consigo mesmo e com o outro, ao mesmo tempo em que
aprofunda a idéia de que ele não se atreve ou não quer ser ele mesmo, tem terror em
enfrentar-se, a se abrir para o outro. Nas festas religiosas destaca-se a relação complexa
com a morte, por vezes venerada, outras depreciada, mas sempre vista como uma
possibilidade de escapar da solidão, e por isso sempre buscada ao longo da existência. Em
Hijos de la Malinche, outro aspecto contraditório da identidade mexicana é apontado e
colocado mais uma vez como algo parcialmente explicado pela história, algo que não pode
ser esclarecido somente através desta: o México foi, ao mesmo tempo, violado e criado pela
conquista e pela colonização.
Quando, nos últimos quatro ensaios, Paz traça um panorama histórico-analítico do
México, cita práticas políticas consideradas por ele argumentativas e pouco objetivas,
afirmando a idéia de que somente propostas e decretos não produzem mudanças sociais.
Nesse sentido, a Revolução Mexicana (1910-1920) surgiu como momento fundamental
para repensar e mudar essas práticas, pois, ao romper com algumas amarras do passado, dá
aos intelectuais a possibilidade de analisarem a sociedade sem suas “máscaras”, o que, no
entanto, não ocorre. Já nesses ensaios Paz apresenta o que depois voltará a dizer com maior
veemência no início de Postdata: a necessidade de “pensar por nuestra cuenta”, devolver à
sociedade a tarefa de pensar e agir para que as mudanças ocorram:
“El laberinto de la soledad es una apasionada denuncia de la sociedad moderna en sus dos
versiones, la capitalista y la totalitaria, no termina predicando una vuelta al pasado. Al
contrario, subraya que debemos pensar por nuestra cuenta para enfrentarse a un futuro que
es el mismo para todo”.12
El laberinto de la soledad, a pesar de publicado em 1950, teve sua gestação em artigos
que Paz escreveu no início de sua trajetória intelectual, nos anos de 1930, quando o México
vivia o período central das relações entre a construção do Estado e a “descoberta” de um
caráter mexicano. Esse projeto de construção de uma identidade nacional surge nos quinze
anos conhecidos como Maximato, denominação que alude ao peso dos caudillos sonorenses
representantes desse período, destacadamente Alvaro Obregón e Plutarco Elias Calles13. As
reformas promovidas nesse período visavam uma maior estabilidade nacional, começando
com a pacificação e institucionalização das forças rebeldes que lutaram na Revolução
Mexicana durante a década anterior, ou seja, uma transferência pacífica e institucional do
poder.14 Esse projeto de construção nacional tendo em vista o estabelecimento de políticas
de proteção para esferas importantes da vida social, como educação, saúde, cultura,
patrimônio, administração, necessitou a demanda de especialistas, envolvendo intelectuais
de várias áreas para a criação de propostas de ação para todos esses campos. Alguns desses
intelectuais, chamados por Calles “de buena fe”, aceitaram esse papel “político-literário”;
outros o rechaçaram violentamente, como os “estridentistas” e “agoristas”; e finalmente,
existiram os que permaneceram fiéis a um projeto intelectual que pretendia afirmar a
personalidade nacional através da consciência crítica, a construção do mexicano e de seu
sentimento nacional por meio da transgressão das idéias recebida dessas políticas
culturais15.
Em Paz essa transgressão surge na busca, não do “caráter mexicano”, mas antes do que
esse caráter esconde. Quer o que está por trás das máscaras. Não acredita que exista uma
“mexicanidad”. O denominado “caráter mexicano” não cumpriria função diferente do que
12 PAZ, Octavio. Itinerário. México: FCE, 1994. Pg. 41.13 Calles foi denominado por seus bajuladores de Chefe Máximo da Revolução, daí a expressão Maximato.14 AGUILAR CAMÍN, H., MEYER, L. A sombra da Revolução Mexicana. São Paulo: Edusp, 2000; pg.102.15 PANABIERE, Louis. Saber y Poder en Jorge Cuesta. In: Estudios. Nº 10; pgs. 27-42. México: 1987; pg.41.
desempenha os caráteres de outros povos, de outras sociedades: é uma máscara que ao
mesmo tempo representa e sufoca. Afirma no início de Postdata que El laberinto foi um
exercício de sua imaginação crítica, algo muito diferente de um ensaio ontológico ou
filosófico que buscasse uma pretensa essência para o mexicano: “El mexicano no es una
esencia sino una historia”. 16 Não lhe interessou a definição do mexicano, e sim sua crítica,
atividade que consiste, mais do que em nos conhecermos, em nos libertarmos. Em Paz a
critica surge como possibilidade de liberdade para pensarmos por nossa conta e
concebermos um modelo de desenvolvimento que seja a nossa versão da modernidade.
Portanto, a critica torna-se possibilidade de ação.
Toda a produção ensaística da América Latina proporcionou o engajamento dos
intelectuais com suas realidades, com seus tempos. Representam as tentativas de
entendimento, a busca de respostas, a produção de uma maneira de pensar. Se ainda somos
incapazes para a crítica produtora de liberdade e de ação, capaz de nos guiar para uma
democracia e uma modernização próprias, na opinião de Paz17, nesses ensaios podemos
encontrar o ponto de partida, já que as perguntas sobre nós mesmos que estes ensaios
propuseram, juntamente com suas autocríticas, se revelam sempre como perguntas sobre os
outros, e a crítica do outro começa com a crítica de nós mesmos.
16 PAZ, Octavio. Postdata. In: El peregrino en su patria. Historia y política en México. Obras Completas. Edición del autor. México: FCE: pg. 269.17 Idem: pg. 271.