Lacane o Desejo Do Desejo de Kojeve

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    Lacan e o Desejo doDesejo de Kojve

    LACAN AND THE DESIRE OF KOJVES DESIREResumo Este artigo defende a tese de que o principal operador da teoriapsicanaltica de Lacan a ontologia negativa de Alexandre Kojve. Essa forma deconcepo filosfica tem, na teoria de Lacan, os seguintes reflexos: 1. suaconcepo de linguagem tende ao idealismo; 2. a negatividade serve para forneceruma explicao dessubstancializada da organizao do desejo; 3. mediante aantropologia kojeviana, Lacan aspira a uma cientificidade peculiar para apsicanlise, centrada em formulaes lgicas paradoxais de uma supostasubjetividade sem psicologia.Palavras-chave FILOSOFIA DA PSICANLISE LACAN KOJVE.

    Abstract This article defends the thesis that Kojves negative ontology is theleading operator in the Lacanian psychoanalytic theory. This form ofphilosophical comprehension has, in his theory, the following reflexes: (a) hisconception of language tends towards an idealism; (b) negativity is employed toprovide a desubstantialized explanation of how desire is organized; (c) it isthrough the Kojvian anthropology that Lacan aspires to a peculiar scientificityto psychoanalysis, centered around paradoxical logical formulations of asupposed subjectivity without psychology.Keywords PHILOSOPHY OF PSYCHOANALYSIS LACAN KOJVE.

    JOO JOS

    RODRIGUES LIMA DEALMEIDA

    Universidade Estadual do Oeste

    do Paran (Unioeste)

    [email protected]

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    este artigo discorro brevemente sobre a antropologiafenomenolgica de Alexandre Kojve, traando rela-es entre a sua forma de compreender o homem, alinguagem e o mundo e a maneira como Jacques Lacanassimilou e incorporou as lies de seu mestre em He-gel teoria psicanaltica. Meu propsito indicar que oprincipal operador da teoria psicanaltica de Lacan uma ontologia negativa herdada de Kojve e que, em

    razo da maneira como esto organizados seus conceitos, a sua con-cepo de linguagem tende ao idealismo.

    A INCOMPLETUDE COMO FORMA DE TOTALIZAONa teoria da linguagem do sacerdote Tzinacn, cada palavra est

    concatenada com todas as outras do universo, e o universo tem todas aspalavras necessrias para descrev-lo. O cosmos uma espcie de rede in-finita que uma mente sem limites pode conter de imediato na conscin-cia. A linguagem dessa mente infinita percorre instantaneamente todosos meandros da rede. Nessa linguagem chamemo-la de completude ,dizer tigre dizer os tigres que o engendraram, os cervos e as tartarugasque devorou, os pastos de que se alimentaram os cervos, a terra que foime do pasto e o cu que deu luz terra. Uma palavra , ao mesmo tem-po, todas. De maneira que a enunciao de apenas uma a prpria ple-nitude; no de modo implcito, mas explcito, no progressivo, senoimediato. A particularidade inecessria, posto que o falante dessa lnguatem presente para si o universo, nele includas todas as particularidades.

    Tampouco o bem e o mal servem para algo: assim como nos jogos de azara quantidade de nmeros pares e mpares tende ao equilbrio, quando es-tendidos na totalidade do tempo, da mesma forma se misturam e se anu-lam as virtudes e as infmias no final da histria. Encarados pelo infinito,todos os nossos atos so justos, mas tambm indiferentes. Que importa,portanto, um dos seres humanos? Quem j entreviu o universo, quem jpresenciou todos os seus ardentes desgnios no pode pensar em um ho-mem ou em uma mulher, nas suas desditas e desventuras triviais, mesmoque essa pessoa seja ela mesma. Do ponto de vista humano e particular,dizer tudo , ao mesmo tempo, dizer nada.1

    Da perspectiva humana, e particular, se quisermos completar a par-te que falta de nossa limitao lingstica para chegar completude,basta preench-la de nada. No chegaremos, certamente, teoria da lin-guagem de Tzinacn. Porm, mais modestamente, teremos uma formaparticular de teoria idealista da linguagem negativizante, no a prpriacompletude como preenchimento, nem como antecipao presentede uma verdade como totalidade, mas a sua forma operativa como no-todo ou incompletude, cuja funo anular as particulares pretenses

    1 Refiro-me ao conto La escritura del Dios (BORGES, 1971, p. 133-141).

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    de plenitude pela interveno negativizante doresto ontolgico no subsumido pelas aparnciasabstratas. O pensamento do mundo por uma to-talidade, mesmo a negativa, igualmente umaforma de organizar a experincia. Para o idealis-mo, por isso, h duas alternativas: ou o mundo, etoda a sua histria, a extenso da prpria Razo,e o real racional, ou a Razo estendida no seidentifica mais com o que pensvamos, mas Outra, depois de absorver a desrazo, o irracio-nal, o inconsciente e o subjetivo que lhe faltavam.

    O principal operador da teoria lacaniana a

    hiptese de que desejo falta uma conceposubsidiria da ontologia negativa de AlexandreKojve. A idia defalta, de perda, de corte, de li-mite constitui a existncia como tenso perma-nente, como luta infinita pela recuperao de umgozo definitivamente perdido. Para Lacan, o cor-te ocasionado pela linguagem. Sua concepode linguagem idealista, porque esta no se refereseno a si mesma; nada diz sobre o mundo, poiso exclui, nem sobre o sujeito, por subordin-loaos seus liames e deslocamentos. Tal caractersti-ca tambm est presente no estruturalismo; afi-nal, para Lvi-Strauss, ser estar na linguagem:os smbolos so mais reais que aquilo que sim-bolizam, o significante precede e determina o sig-nificado.2 A diferena, entretanto, que a con-cepo de linguagem de Lacan segue os parme-tros filosficos kojevianos para comportar na es-trutura a idia de umasubjetividade.

    Certamente a conceitografia de Lacan no a mesma de Kojve. O sentido de desejo comofalta, em Lacan, torna-se distinto, pois o uso quese faz da idia outro. Enquanto em Kojve oconceito de desejo est vinculado a uma descrioda Histria como luta entre o Senhor e o Escravo,

    e o movimento social em sua totalidade apontapara um fim inexorvel, em Lacan no h indica-o de final, nem se pretende descrever a his-tria, mas o sujeito. A negatividade aprofun-dada pelo ato da sua incorporao psicanlise e sua concepo de linguagem. O desejo do de-sejo do outro permanece ontologicamente dissi-

    mtrico para dar forma impresso de um fundopatognico. Nesse sentido, o sujeito, em con-fronto com o Outro, uma incluso da aniquila-o do ser, da sua prpria morte, do seu desapa-recimento, na formao da subjetividade. No hescapatria. No primeiro caso, a negatividade afigura dominante que dispara o movimento his-trico e a formao do ser humano como efeitoda sociedade agonstica; no segundo, a figura ab-soluta e constituinte da psicologia no ambiente daluta pelo puro prestgio.

    Como possvel chegar concluso de que

    a negatividade constituinte da psicologia? Porque no pensar que a falta, o vazio ou o nada sur-jam no prprio ato de desejar, no prprio exerc-cio da subjetividade, sem separao prvia? Porque, em vez de haver condicionante e condicio-nado, no se trataria apenas de uma constituioconjunta de duas entidades psicolgicas, o desejoe o sentido de carncia? Proponho duas evidn-cias para provar o ponto.

    Primeiramente, o argumento metafsico:enquanto o desejo pode ser interpretado, segun-do o contexto, de um comportamento humano,

    nada pode ser interpretado do nada ou da fal-ta como impulso do desejo. Para postular-se aexistncia de tais entidades, seria necessrio efe-tuar o acrscimo de uma entidade ao comporta-mento. O fato de existir uma abertura da possi-bilidade, de uma impossibilidade de fundamentodos projetos, e de a ao humana ser premida pelamorte, no autoriza o pensamento da falta comocomponente organizador. O desejo no pode sernada mais que uma produo sem fundamento, odesenrolar de uma inteno cujo projeto justifi-ca-se apenas pelos elementos que integram a pr-

    pria ao, e pelas outras aes correlacionadas,sem privilgios epistmicos. Se no houver privi-lgio, no pode haver instrumento prvio, ounada de fora da ao. O pensamento do desejocomo falta, no entanto, apensa um fundamentoou elemento ao redor do qual dispem-se ouconstituem-se os demais. A diferena entre faltaa ser e ser em falta decisiva nesse caso. La-can, pelo recurso de prestidigitao da tempora-2 LVI-STRAUSS, 1950, p. XXXII.

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    lidade retroativa, na qual o ato de significao semprea posteriori, ressalta apenas a falta a ser.Em segundo lugar, o argumento temporal:

    para pensar o desejo como falta, esta deve ante-ceder na sucesso o movimento da espontaneida-de volitiva ela s originria e fundante nessesentido. Se desejo falta, no se pode desejar semque o vazio se instaure precedentemente; devehaver antes de tudo o sentimento de perda, pois justamente ele que provoca o movimento de re-cuperao e empresta sentido idia do desejocomo falta; esta , portanto, a explicao ltima

    do fenmeno do desejo como o primeiro da sriena viso retrospectiva ou retroativa.A introduo de uma teoria da linguagem

    no pensamento de Lacan, a partir da incorporaodo estruturalismo, em 1953, recobriu a fenome-nologia do desejo como falta e a transformou emao lingstica: o sentimento de perda e o nasci-mento do desejo acompanham a aquisio sim-blica. A linguagem tornou-se a castrao. O queresta desse corte seria, no imaginrio, o que faltaao sujeito para assegurar a completude do Outroe, no simblico, a incompletude insanvel do Ou-

    tro. Dessa maneira, explica-se com eficincia odesejo pela negatividade mediante a demanda,posto que a parte faltante exerce poderosa influ-ncia de atrao de dentro para fora do simblico. nesse sentido que o inconsciente, cuja condio a linguagem, foi definido muitas vezes comodiscurso do Outro, e uma vez como a parte dodiscurso concreto, como transindividual, que fal-ta disposio do sujeito para restabelecer a con-tinuidade do seu discurso consciente.3 Trata-sesempre, no fundo, de conceitualizar o aspectoconcreto pela fora negativa que vem de fora edesmancha a ordem de dentro. A teoria lacaniana

    consiste em vrias tentativas de formalizao sim-blica da conjuno desse negativo fundador esuas projees imaginrias por meio do simbli-co. Como se a conceitografia pudesse dar contasimultaneamente do externo e do interno, do po-sitivo e do negativo, do racional e do irracional, edo subjetivo e do objetivo. Os pares so conce-

    bidos como indissociveis pela retrica idealista,pelo recurso de assumir contradies e impassescomo formas naturais da existncia.

    Embora a influncia kojeviana no seja nemsequer mencionada pela maioria dos comentado-res de Lacan ou, em outros casos, aparea minimi-zada,4 penso ser factvel a suposio de que todasas modificaes e formas tomadas pela teoria laca-niana respondem, no principal, a esse operador defundo. Considerando de outra perspectiva, a idia que a psicanlise lacaniana no constitua apenasuma teoria externalista e impessoal dos fenmenos

    mentais ou dos fatos psicolgicos, isto , uma teo-ria que apenas proponha como fator causal e efici-ente do comportamento um terceiro elemento, aunidade fonolgica significante e seus encadea-mentos formais. Mais do que isso, o que basica-mente distingue o inconsciente estruturado comouma linguagem, de Lacan, do inconsciente estrutu-ral, de Lvi-Strauss, para tomar as duas teorias ir-ms, que, permanecendo iguais os explananda, oexplanans se diferencia fundamentalmente: Lacanacomoda a sua prpria eficcia simblica ao redorde um oco tomado como fator eficiente no fundoda causalidade. A causalidade significante teria, emLacan, uma espcie de gerador que lhe serviria defixao. A sua teoria poderia, se quisesse, terminarali, onde a estrutura sinttica tenciona dar contados fatos. No obstante, apresenta a particularida-de de seguir adiante e achar outros fatos ltimosem si mesmos inexplicveis. Veremos, a seguir,

    3 LACAN, 1966b, p. 258.

    4 A maioria dos comentadores supe que a influncia de Hegel, atro-pelando a diferena e o tipo de hegelianismo de Kojve. Assim, PhillipeJulien, por exemplo, no comenta a influncia de Kojve (cf. JULIEN,1993). Erik Porge a reduz somente teoria do estgio do espelho, omi-tindo todas as outras variaes e atribuindo, em muitos casos, apenas auma influncia hegeliana, sem mencionar a intermediao de Kojve (cf.PORGE, 2000, p. 68 e 230). Elisabeth Roudinesco dilui a influncia deKojve, juntando-a ao outro K a quem Lacan tomou conceitos de

    emprstimo, Alexandre Koyr, e situando-a unicamente numa supostaformao hegeliana anterior (cf. ROUDINESCO, 1994, p. 101-120).David Macey, no af de desfazer uma tese de unidade formal do pensa-mento lacaniano e vincul-lo unicamente s reviravoltas da intelectuali-dade francesa da poca, v inclusive incompatibilidade entre a influnciapolitzeriana e a de Kojve, como se uma fosse o plo concreto e a outra,o plo abstrato da teoria lacaniana (cf. MACEY, 1988, p. 102). O pri-meiro divulgador dessa hiptese Mikkel BORCH-JACOBSEN(1990; e 1991, p. 293-314). Cf. tambm VAN HAUTE, 1992. No Brasil,entre os poucos que mencionam o kojevismo em Lacan, seno os ni-cos, esto ARANTES, 1991, p. 72-79; e 1992, p. 64-77, alm deSIMANKE, 2002. Entre as obras alheias psicanlise que mencionam asrelaes entre Lacan e Kojve, destaco BUTLER, 1987 e ROTH, 1988.

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    como Lacan acomodou em sua teoria psicanalticaas principais influncias de Kojve.OS PRINCPIOS DAAGONSTICAGERAL

    Kojve chama a sua ontologia negativa dedualista, porque ela pretende ser a descrio domundo humano como a coabitao e a interaodinmica de duas maneiras de ser: a identidade e adiferena. No mundo natural, o ser sempre idn-tico a si mesmo; porm, no mundo humano, esseno o caso, dado que inevitavelmente nos recu-samos a ser o que somos. Uma pedra nada podeser seno a mesma pedra de sempre: uma pedra

    por milhares de anos idntica a si, salvo o desgastedo tempo. Uma pomba, que pe um ovo e o cho-ca, gera uma outra pomba, que vai botar outroovo e gerar outras pombas e pombos, sempreiguais a si mesmos na sua forma e no seu compor-tamento. O mundo humano, no: ele nunca igual, muda imprevisivelmente. O ser humano, di-ferente do animal e do mineral, parte ativa, negaa realidade que lhe dada e a transforma naquiloque ela no . No entanto, no somente a trans-forma, para fora de si, como tambm se transfor-ma, ao transform-la. O ser humano, ao negar odado, nega concomitantemente a si mesmocomo aquilo que ; em outras palavras, constri ahistria, visto que cria fatos, ao alterar a realida-de e a si mesmo em relao com ela. Diante deuma rvore, o humano j no a concebe somentecomo idntica a si mesma rvore , mas a an-tecipa como madeira para construir um abrigo emodificar a maneira como tem se protegido atento do calor e do frio.

    Para o ser histrico, ser , na realidade,no-ser. Porm, ainda mais importante, na in-terpretao de Kojve sobre a fenomenologia doesprito, h uma essncia a ser desvelada. Uma

    essncia no-fixa, em fluxo permanente, em ine-xorvel transformao, uma ek-sistncia, paradizer mais propriamente, cuja ao a negativi-dade. A negatividade uma dinmica de transfor-mao: o que leva, no entender de Kojve, aConscincia em Si a ser depois Conscincia de Si,mediante o processo de incorporao de seu ob-jeto do seu Outro. Pois bem, essa negatividadetem um nome concreto: o desejo. Posto que a

    Conscincia deve transcender a realidade paratornar-se Conscincia de Si, ela parte em buscado que lhe falta para ser o que no . O processode domnio do objeto pelo sujeito, ou a dialticado Senhor e do Escravo, segundo a descrio ko-jeviana, a luta pelo puro prestgio ou pelo reco-nhecimento, um movimento interpretado emtermos de desejo. De desejo, ainda mais, dirigidoa outro desejo: o desejo no deseja por si s, se-no como desejo do desejo do outro. Esse de-sejo, tomado em si mesmo, antes de sua satisfa-o, no pode ser para Kojve seno pura din-mica negativa. No entanto, como o ser humanocontinuamente deve negar o dado, ele no podeparar, o seu desejo no pode ser, por isso, satis-feito. Desejo , afinal de contas, desejo de nadapara que a Histria se constitua como processo echegue ao seu final.

    Na antropologizao da fenomenologia doesprito, feita por Kojve, o prprio da ao hu-mana entrar em relao com aquilo que aindano : ao agir, o ser humano no manifesta a suavontade de ser, de conservar o ser, e sim a suavontade de no-ser. Demonstra o cansao e o t-dio de ser tal como , demonstra o seu desejo deser outro. H uma eloqente ilustrao para de-monstrar esse ponto uma imagem da ontologianegativa, retomada vrias vezes por Sartre e re-percutida tambm, sob outras formas, por Lacan:

    Tomemos um anel de ouro. Ele tem um buraco, eeste buraco to essencial para o anel quanto o ou-ro: sem o ouro, o buraco (que, por outra parte,no existiria) no seria um anel; mas sem o buraco,o ouro (que no obstante existiria) tampouco seriaum anel. Mas se algum formou um buraco nostomos do ouro, no de nenhum modo necess-rio procur-los dentro do buraco. E nada indica que

    o ouro e o buracoso de uma s e mesma maneira(bem entendido que se trata do buraco enquantoburaco, e no do ar que est no buraco). O bu-raco um nada que subsiste (enquanto presena deuma ausncia) graas ao ouro que o seu entorno.De igual modo, o Ser humano, que Ao, poderiaser um nada que nadifica no ser, graas ao ser queele nega.5

    5 KOJVE, 1947, nota 1, p. 487.

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    Uma das caractersticas mais curiosas dokojevismo a incluso de argumentos heidegge-rianos a favor da sua antropologia. Esse pensadorfaz uma espcie de identificao doDaseincom oagir humano impulsionado pela negatividade.Toda essa montagem particular torna o seu hege-lianismo to estranho a Hegel, que no nenhu-ma surpresa uma conseqncia nietzscheana ouat anti-hegeliana da sua filosofia, como aconte-ceu com seus discpulos Klossowski e Bataille.

    Antes dessas conseqncias, porm, Ko-jve foi o grande precursor do existencialismo.

    Ao seu redor esteve toda a intelectualidade queiria renovar o pensamento francs aps a SegundaGuerra. Kojve possua grande talento de narra-dor.6 Por meio de sua fala, a austera e quase im-penetrvel fenomelogia do esprito ganhava umaornamentao dramtica e viva, um colorido exis-tencial e um efeito to vibrante, que siderava ime-diatamente os seus ouvintes. Bataille e Queneau,os mais entusiasmados, se confessaram prega-dos cadeira e sufocados pela surpreendente eportentosa interpretao.7 No somente a audi-ncia de Kojve era cativada pelo seu ensino,

    como tambm assimilava um Hegel antropologi-zado e existencialista, que perdurou por dcadasno solo francs, j que Jean Hypollite, o mais co-nhecido estudioso de Hegel na Frana, na dcadade 50, acabou de certa forma por endossar essemodo de interpretar o mestre de Jena, confir-mando a perspectiva existencialista e psicanalticasobre a sua obra.8 Dizia Kojve, por sua parte,que a fenomenologia do esprito era uma des-crio fenomenolgica (no sentido husserlianoda palavra); seu objeto o ser humano comofenmeno existencial.9 E, um pouco mais adi-

    ante, afirmava que: A Fenomenologia de Hegel portanto existencial como a de Heidegger. Eela deve servir de base para uma ontologia. (...)

    Independentemente do que pense Hegel, a Fe-nomenologia uma antropologia filosfica.10

    A dialtica hegeliana, desvestida do poderefetivo da suaAufhebung, transforma-se na mode Kojve num eterno antagonismo de duas par-tes, o dominador contra o dominado, numa in-cessante luta de morte por puro prestgio enum embate fundado no reconhecimento dodesejo. A superao da luta, de fato, nuncaacontece nessas narraes, seno com o fim dahistria e o fim do ser humano. Na prtica, o desejo, ali tomado em vis puramente negativo,

    o fator dinmico e explicativo da ontologia nadi-ficadora desenvolvida e ensinada naqueles semi-nrios em que, na opinio de Pierre Macherrey,Hegel tornou-se uma espcie de filho do casa-mento de Marx com Heidegger.11 Lacan assimi-lou a lio com fidelidade absoluta:

    os enunciados hegelianos, mesmo atendo-se ao seutexto, so propcios a dizer sempre Outra coisa.Outra coisa que corrige a ligao de sntese fanta-sstica, na medida em que conserva seu efeito de de-nunciar as identificaes nas suas iluses.

    Essa a nossa prpriaAufhebung, que transforma a

    de Hegel, a sua iluso, numa ocasio para destacar,em vez e no lugar dos saltos de um progresso ideal,os avatares de uma falta.12

    Como em Kojve no h um itinerrio daConscincia ao Saber Absoluto, o sujeito do de-sejo nunca desaparece, no cede o seu lugar cincia, Razo, no se despe da sua formao deConscincia de Si. O Esprito acaba sendo, paraKojve, tambm o ser humano, posto que pelotrabalho e pela negativizao que se passa tota-lidade, a um sujeito composto e reconciliado como seu objeto, no qual, pela dialtica, o erro in-

    corporado verdade e a contradio vista comoa aparncia abstrata do Real.13 O ideal de certezahegeliano substitudo aqui pelo ideal de desejo:o truque s possvel porque, nafenomenologia,a Conscincia aparece, nos seus movimentos ini-6 Cf. DESCOMBES, 1979, p. 40.

    7 ROUDINESCO, 1994, p. 112.8 Cf. ARANTES, 1992, p. 66-67. Ao final dos anos 40, Hyppolite ape-nas abranda o carter operativo do desejo kojeviano para realar-lhe aincompletude; e no fim da dcada seguinte aplica o espelho de Lacana Hegel.9 KOJVE, 1947, p. 38.

    10 Ibid., p. 39.11 MACHERREY, 1991, p. 319.12 LACAN, 1966c, p. 837.13 KOJVE, 1947, p. 476-477.

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    ciais, como um desejo de certeza. Ele aban-donado, claro, quando se atinge o continente doSaber Absoluto: em Hegel, para dar-se contedoao ideal de certeza, deve-se abandonar o sujeito;uma verdade sem sujeito o que correspondeao Esprito Absoluto.14 Mas, em Kojve, todaessa parte est ausente ou esquecida, e tanto o de-sejo quanto o sujeito permanecem at o fim dahistria. Por esse motivo, em Lacan, na prticano h Hegel, e sim um hegelianismo de Kojve.

    A relao entre Lacan e Kojve no foi so-mente a de terem, juntos, pretendido escrever

    um texto sobre Hegel e Freud, finalmente abor-tado.15 E no foi apenas a adaptao do kojevis-mo na idia de conceber o estgio do espelho, aexperincia publicada de Henri Wallon, comoantecipao da imagem do corpo prprio pormeio da relao de luta com o outro. O interes-sante que no deixa de dar-se o mesmo tipo deincorporao paradigmtica em todas as fases dateoria lacaniana.O DESEJO TOMADO PELANEGATIVIDADE

    Definir desejo como desejo do desejo dooutro , para Kojve (e para Lacan), instituir um

    princpio explicativo para as transformaes hu-manas e sociais, e, com ele, uma epistemologia pe-culiar. Para esse pensador, a gnese do ser humanoconfunde-se com o surgimento de um moi que sediferencia do non-moi, na medida em que ele seconstitui somente como desejo. Tal recurso re-trico visa promover uma suposta superao doabstracionismo, do reducionismo e do mtododas cincias naturais e humansticas. A epistemo-logia kojeviana supe que a atividade cientficaseja dualista, pois separasujeito e objeto. Esse re-corte, injustificvel aos olhos deste filsofo, afas-taria o sujeito que instituiu um objeto de investi-gao, de forma a criar a iluso de neutralidade ede objetividade. Ficando do lado de fora, o sujeitodo conhecimento leva com ele certos valores, es-colhas, as condies sociais que motivaram a suaatividade cognitiva, e a poltica que impulsiona esimultaneamente lhe coage a pesquisa.

    O procedimento epistemolgico mais co-mum prende-se tautologia e esquece os fatoresmais importantes da investigao cientfica porisso, a abstrao do mtodo cientfico est aqumdos ideais concretos da filosofia. A fim de evitara objetivao excessiva e a conseqente perda dosujeito, o que realmente a epistemologia deve en-focar, para Kojve, o desejo do objeto, pois s a,em sua opinio, o ser humano recordado a simesmo. preciso substituir o raciocnio tautol-gico pelo dialtico. Diz o autor: Antes de anali-sar o Eu penso, antes de proceder teoria kan-tiana da conscincia, ou seja relao entre osu-jeito (consciente) e o objeto (concebido), pre-ciso perguntar-se o que este sujeito que serevela no e peloJe do Eu penso. preciso per-guntar-se quando, por que e como o homem le-vado a dizer: Je....16

    Tal como no eco dessa reflexo que ouvi-mos nos seminrios de Lacan, Kojve quer subs-tituir o eu penso, de Descartes, por um eu de-sejo e propor a coexistncia, no pensamento, dedois eus operando simultaneamente na confor-mao do ser humano oMoi, assentamento dailuso e do erro, e oJe, sujeito do desejo, revela-

    o da verdade do ser. Elisabeth Roudinesco con-firma a existncia de um manuscrito indito deKojve, material que deveria ser escrito e publi-cado em conjunto com Lacan, cujo ttulo seriaHegel e Freud: uma tentativa de comparao in-terpretativa. Nas 15 pginas escritas por Kojve,encontramos precisamente essas trs concepes:o Je como o sujeito do desejo, o desejo comorevelao da verdade do ser e oMoi como o lugarda iluso e a fonte do erro.17

    Sem embargo, o preo a pagar pela tentati-va de objetivao de uma epistemologia abran-

    gente e pela operao conjunta dos dois eus conceber tambm o desejo como pura insatisfa-o e negatividade. Digamos assim, o conceito desubjetividade s pode permanecer na teoria cus-ta de sua negativizao. A negativizao a for-mulao da hiptese de um sujeito esvaziado e re-

    14 Cf. MACHERREY, 1991, p. 317-318.15 Cf. ROUDINESCO, 1994, p. 118-120.

    16 KOJVE, 1947, p. 165. No traduzi Je para eu, nesses casos, porqueKojve o diferencia claramente do Moi. Cf., por exemplo, ibid., p. 11.17 Alm do referido na nota 15, cf. ROUDINESCO, 2003, p. 28.

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    lacional, cuja proposio pretende ser coerentecom um eu dessubstancializado. Por isso, oMoi deve ser pensado como um vazio vido decontedo.18 O desejo no uma categoria queindica substancialidade ou qualquer outro modode ser. Na verdade, ele predica a ausncia de ser,indica a presena defome, aprivao de nutrientes.Para Kojve, o desejo um Nada que nadifica noSer, e no um Ser que .19 Precisamente, esse es-tado de insatisfao, um vazio que se quer preen-cher por aquilo que pleno, esvaziando, por suavez, esse pleno e ocupando-lhe o lugar, postu-lado como a qualidade distintiva e fundamentalda nossa espcie.

    Com esse raciocnio, o fundador do exis-tencialismo heteromquico pretende passar aqui-lo que no por aquilo que : o ser humano, noseu entender, no uma essncia, uma coisa fixa,uma estabilidade identitria; , isso sim, existn-cia, movimento, trabalho e transformao. O serhumano histrico. No se trata de um vazio es-ttico, de um nada puro, uma coisa em si, mas deum vazio ou um nada na medida em que se na-difica o ser para realizar alguma coisa sua dife-rena ou sua custa.20 O vazio criado pela pr-

    pria ao de diferenciar-se, de negar a identidade.O que causa, porm, a diferena ou o ato de di-ferenciar-se?

    Desejar destruir o objeto, pois o que sequer do objeto que ele seja uma posse, destitu-indo-o de sua identidade e de sua propriedade, desua pertena natural ou de seu lugar; ou entoque ele seja uma parte de si, ao modo da satisfa-o da fome, que s acaba pela introjeo do ele-mento desejado. Se o ser humano arranca uma la-ranja do seu ramo, ele a desapossa de sua ligaonatural com o seu meio, a rvore, e a consome

    pela destruio e introjeo da sua massa. Por is-so, desejar engajar-se numa ao negadora, eli-minativa, transformadora e assimiladora do non-moidesejado. O que acontece ali que, ao desejaraquilo que no o prprio eu, o ser humano di-ferencia-se do mundo, constituindo um eu como

    um ente separado ou um limite mediante o qualse exerce a ao de desejar.Quando o contedo positivo doMoi se for-

    ma e se compe pela negao, torna-se uma fun-o do non-moi negado. Contudo, at esse pontoainda no passamos da semelhana com o desejodo animal, que tambm quer a posse ou a intro-jeo de um objeto para a sua satisfao. H umelemento, no entanto, que o animal no capazde constituir ao desejar e que realiza propriamen-te a separao do eu daquilo tudo que no o eu: que o ser humano no sabe desejar um objeto

    natural. No que ele no saiba desejar natural-mente, isto outra coisa. A diferena consistepropriamente em que o humano desejaapenas odesejo, e esse salto o que o distingue. O ser hu-mano no saberia, pelo raciocnio de Kojve, que-rer uma laranja ou um caqui por si mesmos; ele squer o desejo de laranja ou o desejo de caqui.O desejo o desejo do outro: mediante o outroque percebo que h um objeto a ser desejado; noquero uma laranja ou um caqui seno pelo fato deque algum outro ser humano tambm o quer. Issofora, a laranja e o caqui no seriam sequer perce-

    bidos e, em conseqncia, desejados.Pode parecer estranho, mas por que Kojveprope esse pensamento? A que fins ele tencionachegar com isso? A resposta que, se ele no con-cebesse o ser humano como um vazio vido decontedo, no poderia, segundo os termos pro-postos e o raciocnio traado pela teoria, diferen-ci-lo do animal, nem explicar o nascimento dacultura e as transformaes da histria, nem jus-tificar sua peculiar teoria do conhecimento. E oelemento crucial para garantir essa prepondern-cia do vazio ou do nada como um constitutivo

    que impulsiona a ao negadora e diferenciadorado ser humano exatamente o desejo. Essa con-cepo nadificadora e agonstica do desejo, menosa sua perspectiva histrica, preservada integral-mente por Lacan. E a explicao do ser humanopela alternativa infinita entre identidade e diferen-a requer um desejo concebido como permanenteinsatisfao. Mesmo que o nada esttico tenda aser evitado no argumento, ele deve reaparecer

    18 KOJVE, 1947, p. 167.19 Ibid., p. 168-169.20 Ibid., p. 167.

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    como oprimum mobile da diferena ou, em outraspalavras, comoa sua identidade.A identidade pode ser vista como uma re-

    lao de igualdade entre A e B; e a diferena, comouma relao de desigualdade entre A e B. Desseponto de vista, identidade e diferena so dois ti-pos de prtica diferentes, duas maneiras distintasde estabelecer uma associao entre dois termosou elementos. Mas, se me prendo ao fato de quea identidade da identidade e a da diferena nopodem ser encontradas (elas no tm essncia fi-xa) e, para resolver o dilema, confundo as duas

    prticas de correlacionar A e B com um todoindissocivel, chegarei a dizer que (A = A) aomesmo tempo (A A). A contradio far parte,naturalmente, da histria. Como foi dito anteri-ormente, ela seria aaparncia abstrata do real. Oser real, concreto, seria apenas a totalidade.21 Todaentidade real e concreta seria, apenas e unicamen-te, a totalidade dos seus elementos constitutivosidnticos e negadores. Mas enquanto a histriano chega ao fim, a totalidade apreendida nega-tivamente. Nesse ponto, o problema do idealis-mo parece ser o de misturar regras de jogos dife-

    rentes com o fito de alcanar uma explicao l-tima dos fatos. O desejo, em vez de descrio deuma atitude, passa a ocupar a posio de instru-mento da atitude. Ou, em outros termos, passa acumprir a funo de identidade da diferenapelo vis negativo. Essa , precisamente, a defi-nio de Kojve: Pois o Desejo como Desejo,isto , antes de sua satisfao, nada , com efeito,seno um nada revelado, um vazio irreal.22

    O desejo a revelao de um vazio, apresena de uma ausncia (mote retomado porLacan para a funo do significante), j que oarauto o convocador de uma realidade faltante.Porm, no sendo o desejo a prpria realidade oua coisa que falta, ele se mantm idntico a si mes-mo como apenas um nada, precisamente aquelevazio ou aquela carncia que distinguiria do con-tnuo esttico o ser do humano como no idn-tico a si, projetando-o, pela fora de sua ao, na

    ek-sistncia, e separando-o dos animais e das coi-sas inanimadas.A LUTA DE MORTE PELO PURO PRESTGIO

    O ser humano desejo de desejos, tantopara Kojve como para Lacan. Essa a sua natu-reza ontolgica essencial. O desejo no umapropriedade que o ser humano pode ter ou no.O ser de desejo um fato proveniente de achar-se o sujeito como indivduo-em-relao, comoum dos ns de uma grande rede, co-partcipe deuma sociedade de desejos desejando-se mutua-mente como desejos. Ser ser humano ser

    mediatizado pelo desejo de um outro que se re-fere ao mesmo objeto. Portanto, a propriedadeimaterial que define o humano no se acha, se-gundo o raciocnio, no seu interior, guardado nasua cabea, como parte da sua mente, mas nolado de fora, no encontro com o outro.

    Pela via do externalismo, o ser humano, sersocial, chega a ser desejo pelo desejo de reco-nhecimento. O seu modo de ser social e de seroutro no pode se dar senosendo o outro. Con-tudo, a mola propulsora da ao de negar e deser outro o vazio que o constitui como de-sejo de desejo. Esse vazio, na realidade concreta, uma luta invencvel, ou, melhor, a preservaoda vida numa batalha j perdida de uma guerraque esperamos um dia vencer. Ao situar o desejono contexto social como desejo de reconheci-mento, como uma luta pelo puro prestgio, a te-oria ganha ares de antimetafsica, no sentido deno ser essencialista nem abstrata.

    A figura de uma luta pelo puro prestgiono se encontra em Hegel. Trata-se de uma inter-pretao particular de Kojve, muito repercutidatambm por Lacan.23 Por que o processo de iden-tidade e diferena, ou o desejo, precisa ser uma

    luta? Mais uma vez, para escapar do abstracionis-mo. Na filosofia concreta no deve haver dese-jo em abstrato, como coisa em si, separada dasrelaes que o indivduo entretm com outro.Entretanto, o desejo deve ser tomado como per-manente negatividade e insatisfao. A frmuladesejo de reconhecimento, no hegelianismo de

    21 Ibid., p. 476.22 Ibid., p. 12. 23 Cf. ARANTES, 1991, p. 74.

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    esquerda de Kojve, deve cumprir um destino depermanente desconformidade. Desejo de reco-nhecimento uma luta pelo poder, mas essa lutade poder no tem fim.24 O final da luta tambmo da sociedade organizada (e do pensamento).Para Kojve, o presente no mais que um ar-mistcio, uma situao de trgua, na qual o ladovencido reprime o desejo e adia o gozo para ummomento mais favorvel. Que tal idia coincidaformalmente com a interpretao da cultura deFreud uma feliz coincidncia para Lacan.

    Em Kojve, a disputa ocorre porque o re-

    conhecimento s pode ser feito por uma das par-tes da oposio, e no pelas duas ao mesmo tem-po. No h acordo imediato, j que a Razo seconstituipari passu com os vaivns imprevisveisdo curso histrico. Nesse caso, aquele que reco-nhece o desejo do outro em primeiro lugar oEscravo, que, por conseguinte, recalca seu pr-prio desejo de reconhecimento e o sublima notrabalho obrigatrio para garantir a sobrevivnciae no morrer. A luta pelo prestgio deve ser umaluta de morte sem morte, resolvida no com o as-sassinato de algum dos oponentes, e sim pelasubmisso de um e o domnio do outro.

    Aquele que se tornou o Senhor, no entanto,no pode mais ser reconhecido, pois o decorrerda sua histria termina com a vitria. Ele acabacomo o Senhor no gozo dos frutos do trabalhodo Escravo. O Escravo, no obstante, no s tra-balha, mas guarda os segredos das tcnicas do seutrabalho, do saber sobre o seu servio de produ-o de bens, dos quais o Senhor se torna depen-dente para obter o gozo. O Escravo proporcionaos meios para o gozo do Senhor, adia a satisfaodo seu prprio desejo, e se mantm humanizadocomo algum que deseja em algum tempo futuro

    ter o seu desejo tambm reconhecido. Desejo,portanto, torna-seprojeto.

    O Escravo vem a ser, assim, o nico ser hu-mano integral e absolutamente livre, por paradoxalque possa parecer primeira vista. S ele capaz deintroduzir novas realidades pela transformaodos meios de produo, s ele tem o poder de criar

    possibilidades pela negao da impossibilidade; seo senhorio ocioso um impasse diante do mundo,a escravido a fonte latente de todo o progressohumano, social e histrico. Na verso psicanaltica,a escravido pode ser a fonte da sua prpria cura,na medida em que o sujeito aceita a castrao,aprende o segredo da perene insatisfao do dese-jo, ou da sua incompletude, da sua falta, e admiteuma forma possvel, porm no menos ambiciosa,de gozo, ao mudar de ttica e trocar a inflexibili-dade do desejo de reconhecimento pela dialticado reconhecimento do desejo.

    O REAL DE KOJVESubsumir o sensvel em conceitos equivale,para Kojve, a um assassinato.25 Ao reverberarseu mestre, Lacan acrescenta que esse assassinatoconstitui no sujeito a eternizao do seu dese-jo: a simbolizao a morte da coisa.26 O raci-ocnio se explica pelo pressuposto de que a lin-guagem no somente uma interposio de limi-te, mas tambm a indicao de que permanece nocorte um resto inefvel. No se trata apenas deexcluir, mas igualmente de constituir uma dife-rena de potencial, uma tenso irrevogvel. A ex-presso, portanto, promete e no cumpre, no

    diz tudo o que deveria. Essa eterna inconformi-dade entre o ser e o no-ser, em Kojve, instaurae mobiliza a Histria; em Lacan corresponde aonascimento do desejo. A limitao da linguagemno somente um limite, alm do qual nada exis-te. O fato que a parte anulada pela linguagem, oresto inefvel no subsumido no conceito, cobradela o seu lugar, e a dinmica dizer/mostrar per-petua o movimento de falha e a reconstruosimblica como luta pelo puro prestgio. O restono subsumido no conceito, a parte do sensvelno caracterizada como essencial pela compreen-

    so anulada, e o sentido, que sobrevive no pre-sente como palavra, torna-se petrificado e morto.A morte torna-se, assim, ser-para-a-morte.

    A morte torna-se condio do discurso.27 A pa-

    24 Cf. KOJVE, 1947, p. 14ss.

    25 Ibid., p. 372ss. Devo essa idia da convergncia da teoria da lingua-gem, de Lacan, com a noo deassassinato, de Kojve, a Lea SilveiraSales, doutoranda do Departamento de Filosofia da UFSCar.26 LACAN, 1966b, p. 319.27 Cf. KOJVE, 1947, p. 515ss, no qual o autor trata a morte comocondio do discurso e apia seu argumento em Heidegger.

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    lavra co, abstrada do co emprico, real, sobre-vive pela anulao da sua temporalidade e existn-cia. Mas a palavra co no corre, no bebe eno come; nela o Sentido (a Essncia) cessade vi-ver; isto , ela morre.28 Se fssemos todos eter-nos, imortais como os trogloditas do conto deBorges,29 no necessitaramos de palavras, pois oco real, vivente e brincalho bastaria por si mes-mo. Os trogloditas imortais nada dizem, no fa-lam por absoluta falta de necessidade de veicularsentidos, j que, do ponto de vista da eternidade,no apenas aquele co, mas todos os ces domundo seriam conhecidos por todos no decorrerda existncia infinita.

    A linguagem, entretanto, por pertencer aosmortais e estar mergulhada no tempo, mata o coreal para fabricar sentidos e faz-lo permanecercomo morto. Lana-nos, assim, na assimetria eno inconformismo entre o sentido e a existncia.Por esse motivo, o Real de Lacan a lembranada impossibilidade da relao sexual e, ao mesmotempo, a marca da inexistncia dA mulher. ParaLacan, no existe A mulher, com o artigo defini-do para designar o universal.30 Por isso, o Real seinscreve como o gozo interditado, roubado no

    s pelo pai vivo, mas, sobretudo, pelo seu assas-sinato. A morte do pai, aquisio do simblico,nos separa definitivamente da existncia real eimpede a realizao sensvel do gozo. No pode-mos escapar, no somos imortais, no temos alinguagem de Tzinacn. O pai morto faz comque o Real no cesse de no se escrever.

    Na concepo kojeviana, como em Lacan,o Real absorvido somente como impasseou impossibilidade operativos. A premissa deinseparabilidade entre o subjetivo e o objetivo,adicionado ao raciocnio de que pela negatividade

    se apreende o concreto transformam o EspritoAbsoluto hegeliano em sinnimo de Real. OReal o que existe do ser que meramente :

    A estrutura do pensamento portanto determinadapela estrutura do Ser que ele revela. Se o pensamen-

    to lgico tem trs aspectos, se ele , dito de outraforma, dialtico (no sentido amplo), ele o unica-mente porque o prprio Ser dialtico (no sentidoamplo), pelo fato de implicar um elemento-cons-titutivo ou um aspecto negativo ou negador (di-altico no sentido estreito e forte do termo). Opensamento dialtico na medida em que revelacorretamente a dialtica do Ser que e do Real queexiste.31

    Pela epistemologia de Kojve, o equvoco dacincia ao tratar do Real , precisamente, fazerabstrao do sujeito.32 Mas para o Sbio, aberto

    ao acontecimento do Real no discurso e do dis-curso no Real , a experincia no se reporta nema um nem a outro apanhados isoladamente; s aunidade indissolvel dos contraditrios tornapossvel a sua percepo. O Real seria, portanto,aquilo que na realidade concreta ultrapassa a iden-tidade do ser. Ele se confunde com a extrapolao,projeta-se sobre a totalidade das possibilidades deidentidade, muito maior do que a fixao de ape-nas um momento na continuidade do devir. Emvista do Real, a identidade entre o ser e ele mes-mo, o A = A da tautologia, a forma prpria do en-tendimento cientfico, segundo Kojve, simples-mente no existe.33 As operaes do entendimen-to s apreendem uma parcela desse Real, porm,da perspectiva da totalidade do ser no devir hist-rico, a frmula verdadeira deve ser lida como A A. Para alm da identidade percebida pelo enten-dimento, aRazo revela os elementos negadoresdas transformaes histricas no contnuo espa-o-temporal do universo: o Real vem a ser, diantedo ser, ele mesmo e o seu resto negativizante.Nesse sentido, o erro tampouco importa comocoisa em si mesma, tambm parte integrante datotalidade, pode at revelar-se no futuro como

    verdade: O homem pode, portanto, transfor-mar um crime em virtude, um erro moral ou an-tropolgico em uma verdade.34

    28 Ibid., p. 373.29 No conto de Borges, El inmortal, a imortalidade revela-se como amais trivial das existncias. Cf. BORGES, 1971, p. 7-31.30 LACAN, 1975c, lio de 20/fev./73, p. 93.

    31 KOJVE, 1947, p. 448.32 Ibid., p. 454-455. Esse pensamento servir depois para Lacan justifi-car a separao entre o discurso da Universidade e o do Analista, aoreivindicar a psicanlise como a nica teoria que leva em conta osujeito. Cf. LACAN, 1991, p. 44ss.33 KOJVE, 1947, p. 478; cf. tb. p. 471ss.34 Ibid., p. 465.

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    Toda filosofia no seno verdadeira e falsaao mesmo tempo, isto , uma dialtica que absor-ve o falso e o verdadeiro, a subjetividade e o ob-jetivo, tragando e superando os contrapostos nastransformaes do curso histrico. E mesmo oirracional, diante da totalidade, nada seno ummomento do devir concreto, alguns segundos dedesrazo nos milhes de anos de soberania con-creta da Histria. Tomado da perspectiva da to-talidade, o real racional. Ou, se quisermos, omesmo mundo indistinto, ou a impossibilida-de ou o vazio causal. Com efeito, Lacan concebe

    a sua lgica do Real como lgica dos impasses dalgica:

    O importante, o que constitui o Real, que pela l-gica ocorre algo que demonstra no quep e no-pso ao mesmo tempo falsos, seno que nem umnem outro podem ser verificados logicamente denenhuma maneira. (...) Esse o Real, tal como nos permitido definir na lgica, e a lgica s nos per-mite defini-lo se somos capazes, com relao a essarefutao de um e de outro, de invent-la.35

    O Real pensado por Kojve no apenas namodalidade de uma projeo que excede os limi-tes do pensvel, seno tambm como um apensoda descontinuidade na serenidade do ser. Em ou-tras palavras, no s transbordamento; igual-mente uma ao no interior da fixidez do senti-do, como uma fenda do negativo no corao dascrenas ou como a invaso do movimento nasconvices ilusrias ou na fixidez dos sentidos.O Real uma espcie de lacerao entre o serhumano e a natureza que sobrevive e perdura la-tente noDiscurso. Essa diviso , na verdade, oque d origem Razo essa tambm uma des-continuidade, que, em dimenso microscpica, lida como negatividade. Tal motor de propul-so da Histria vem a ser, no fim dos tempos, oprprioEsprito.36 ORealsitua-se, portanto, paraesse pensador, tambm como aforma negativa doser e a sua contraparte no processo dialtico detotalizao da histria pela via da negatividade.

    Bastaria, para devolver Lacan a Kojve, ima-ginar o seu Real no contexto do trabalho humanovisto pela janela da antecipao da totalidade oudo conjunto da histria partindo-se do seu final.No como a extenso para alm do simblico dalimitao instaurada por ele prprio na margemda sua finitude, ou como furo na possibilidadeimaginria de expresso da cultura. Em Lacan, oReal um outro registro ou modalidade da lin-guagem. E, deveras, a idia de que tudo o que real racional aparece desde cedo, nesse autor,como o prottipo do que viria a seguir, no desen-volvimento do seu prprio estilo de fazer teoria.37O IDEAL DE COMPLETUDE

    Se a linguagem a apresentao da coisamorta, no parte da sua funo precpua areferncia. A linguagem remete, por esse motivo,somente a si mesma. Ela castra e mente. O desejo a presena dessa ausncia,38 da coisa castradasobrevivendo na demanda como iluso. Ao defi-nir o ser humano como desejo de desejo, Ko-jve instituiu uma epistemologia conseqentecom a sua tese de inseparabilidade entre sujeito eobjeto, entre ser e mundo. O desejo negativizadoassume as vezes de causa eficiente do movi-

    mento histrico, pois separa-se do ser humanoque, por outra parte, define. A negatividade tor-na-se um terceiro termo, uma realidade ltimamediante a qual explicam-se os fatos. O desejoassociado ao Nada j no mais o desejo de al-gum, como o de Maria, Pedro ou Joo. Entre-tanto, tampouco pode-se dizer que se trata de umprincpio abstrato, um conceito que subsumeuniversalmente as caractersticas essenciais doemprico ou do sensvel.

    O desejo do desejo do outro passa acumprir o papel de um princpio fundamental da

    ontologia negativa, assim como uma proposiogramatical que ordena a realidade e institui os li-mites da possibilidade e do sentido, de maneirainseparvel da prpria realidade emprica que or-dena. Kojve promove uma metafsica operacional

    35 LACAN, 1974, lio de 19/fev./1974.36 KOJVE, 1947, p. 549.

    37 Cf. LACAN, 1966b, p. 310.38 O desejo a presena da ausncia, no uma realidade emprica,no existe de uma maneira positiva no presente natural. Ele (...)como uma lacuna ou um furo no Espao: um vazio, um nada(KOJVE, 1947, p. 368).

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    como critrio de interpretao dos fatos, cria fiosargumentativos que tecem uma descrio poss-vel e coerente do comportamento humano co-mo, isso sim, atitude de pessoas concretas. Te-mos, ento, a proposio de uma hiptese que simultaneamente o estabelecimento de um prin-cpio gerador e organizador a abraar o compor-tamento como um sintoma da sua presenainvisvel, e, por sua vez, excludo das regras porele organizadas.

    Lacan no tem a menor pretenso, comoKojve, de contar uma histria universal. Seu ni-

    co objetivo a subjetividade descrita de maneiradeterminstica e rigorosa, segundo o paradigmada estrutura e da negatividade. Sua dialtica temum escopo muito mais restrito. No entanto, omodelo terico o mesmo: a negatividade cons-titutiva de um eu no emprico, mas supostocomo condio, dividido e evanescente na sua ir-revogvel relao com o outro.

    A grande vantagem do determinismo e dorigor tericos pela via da negatividade constituti-va poder, com ela, eludir o problema da subs-tancializao dos objetos psicolgicos. Entretan-to, preciso abraar uma viso totalizante, naqual tudo se explica pelo mesmo fator organiza-tivo. No h mais um eu independente do ou-tro, nem um mundo sem a linguagem. Eu,linguagem e mundo so elementos que inte-ragem dialeticamente pelo motor da negativida-de. Um elemento no existe sem o outro, desli-gado do outro. Porm, a viso holstica possuiuma fundamentao ltima: o nada, mascaradocomo miragem da ausncia implicada pela pre-sena da linguagem e assumido numa temporali-dade retroativa. Tal idealismo negativizado justi-fica como natural e impe ao pensamento

    contradies e paradoxos no como parte de umjogo de linguagem, mas como efeito da prpriaforma da linguagem. Se esta impe formas aocontedo, no importa mais o sentido, pois a for-ma da linguagem atua autonomamente, torna-seum terceiro elemento entre o eu e o outro.

    Desse modo, em Lacan, no a negativida-de que organiza o desejo. No esquema kojevianoadotado por Lacan, o desejo j , em si, pura ne-

    gatividade. A demanda, sim, o elemento que seenforma em seu molde, mediante os recursos dosimblico. O sujeito aliena-se na demanda deamor, quando pergunta ao Outro Quem soueu? ou O que queres de mim?. Tais perguntassem resposta levam, necessariamente, a demandaao fracasso.

    O Simblico claramente um limite domundo, no sentido de que nem tudo pode ser di-to. Isso no significa, no entanto, que o que nopode ser dito no possa ser, por outro lado, mos-trado. O conceito deforacluso aparece justamen-

    te para esclarecer que o que rejeitado no Sim-blico reaparece no Real.39 Existe, portanto, umadialtica do dizer/mostrar englobando a relaoReal/Simblico/Imaginrio: O furo real daprivao justamente uma coisa que no existe. Oreal sendo pleno por natureza, para fazer um furoreal preciso introduzir um objeto simblico.40

    O Real mostra-se, assim, pela interposiodo Simblico, exatamente como o Nome-do-Paiinterpe-se ao Desejo da Me e instaura para acriana a lei do Simblico que lhe interdita ogozo e inaugura o desejo. O Real, lugar do corpodo Outro, esconde o objeto do desejo, a comple-

    tude, a felicidade perdida que geralmente nos em-barca em busca de realizar um ideal de comple-tude. Do ponto de vista simblico, porm, o Real o no-todo.

    A compreenso do desejo pela negativida-de nos obriga a negociar com o Simblico. O Re-al, sempre presente na concepo idealista da lin-guagem, na medida em que no cessa de no seescrever, indica as suas falhas. A linguagem,quando diz, mostra o que no diz: precisamenteo que foi por ela excludo. Lacan utilizou muitasvezes a seu favor o raciocnio fregeano da equi-

    numericidade para demonstrar que a escritura deuma seqncia lgica faz-se custa da exclusoda falta: o nmero 1 conta-se a partir do con-junto vazio. Essa toro da lgica fregeana, fun-dada na lgica do argumento de Kojve, adota-da para apoiar o raciocnio de que a falta constitui

    39 LACAN, 1981, p. 57. A foracluso seria enunciada mais tarde, noseminrio de 4/jul./1956, p. 361.40 Idem, 1994, p. 250.

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    a ordem.41 Da perspectiva dessa concepo idea-lista da linguagem, no h nenhum problema,pois uma toro no , concretamente, algumerro ou vcio.

    Desse modo, o que no existe faz-se pre-sente pelo que existe. Nada fica, em realidade, defora, e nada fica, aparentemente, substancializado.

    A prpria negatividade garante a dessubstancia-lizao das entidades psicolgicas, dos operadoresdo desejo lacaniano. Nada garante, no entanto,que a forma da linguagem no acabe por se tornarmais real do que o prprio ser humano. O que ha-veria de errado nisso? Absolutamente nada errado nem certo. A pergunta, propriamente dita, de-veria ser: de que nos serve essa concepo de ho-mem, de linguagem e de mundo?

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    Dados do autor

    Doutor em filosofia pelaUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    rea: filosofia da psicanlise. Professor daUniversidade Estadual doOeste do Paran (Unioeste).

    Recebimento artigo: 27/out./04Aprovado: 18/ago./05

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