LACUNAS E DISTORÇÕES NO LIVRO DIDÁTICO “OFICINA DE … · Profletras – UPE-Garanhuns RESUMO...

30
Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 77 LACUNAS E DISTORÇÕES NO LIVRO DIDÁTICO “OFICINA DE ESCRITORES” d.o.i. 10.13115/2236-1499.2015v1n14p77 Magna Kelly Sales e Edilaine Pereira Profletras – UPE-Garanhuns RESUMO O artigo se propõe a analisar o livro do 9º ano “Oficina de Escritores” de Hermínio Sargentim, no intuito de trazer reflexões a partir das propostas de produção textual presentes no primeiro projeto do material em estudo, intitulado como Projeto A. Será feita uma análise descritiva do livro para esmiuçar as proposições e apontar as fragilidades encontradas, principalmente no que concerne ao distanciamento entre teoria e prática. Do referido Projeto A, serão apresentadas as minudências, desde detalhes pertinentes aos gêneros em questão até os pormenores das atividades. Serão considerados os aportes teóricos apontados pelo autor por meio de um confronto com o que sugerem as atividades. As discussões relacionadas às sequências didáticas, às temáticas e aos gêneros selecionados serão feitas concomitante à indicação de possibilidades de trabalho com narrativas literárias ou jornalísticas ancoradas em estudos de Hohlfeldt (1991), Bosi (1994), Bazerman (2011), Maingueneau (2012) e outros que têm pesquisas sobre as concepções de gênero e as práticas de leitura e escrita de gêneros narrativos. Palavras-chave: Livro didático, sequência didática, gêneros narrativos e comunicação eficaz

Transcript of LACUNAS E DISTORÇÕES NO LIVRO DIDÁTICO “OFICINA DE … · Profletras – UPE-Garanhuns RESUMO...

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 77

LACUNAS E DISTORÇÕES NO LIVRO DIDÁTICO

“OFICINA DE ESCRITORES”

d.o.i. 10.13115/2236-1499.2015v1n14p77

Magna Kelly Sales e Edilaine Pereira Profletras – UPE-Garanhuns

RESUMO

O artigo se propõe a analisar o livro do 9º ano “Oficina de Escritores” de Hermínio Sargentim, no intuito de trazer reflexões a partir das propostas de produção textual presentes no primeiro projeto do material em estudo, intitulado como Projeto A. Será feita uma análise descritiva do livro para esmiuçar as proposições e apontar as fragilidades encontradas, principalmente no que concerne ao distanciamento entre teoria e prática. Do referido Projeto A, serão apresentadas as minudências, desde detalhes pertinentes aos gêneros em questão até os pormenores das atividades. Serão considerados os aportes teóricos apontados pelo autor por meio de um confronto com o que sugerem as atividades. As discussões relacionadas às sequências didáticas, às temáticas e aos gêneros selecionados serão feitas concomitante à indicação de possibilidades de trabalho com narrativas literárias ou jornalísticas ancoradas em estudos de Hohlfeldt (1991), Bosi (1994), Bazerman (2011), Maingueneau (2012) e outros que têm pesquisas sobre as concepções de gênero e as práticas de leitura e escrita de gêneros narrativos. Palavras-chave: Livro didático, sequência didática, gêneros narrativos e comunicação eficaz

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 78

ABSTRACT: The article aims to analyze the book 9th grade "Oficina de Escritores” (Writers Workshop)" of Herminio Sargentim in order to bring reflections from the proposed text production present in the first project of the material under study, entitled as Project A. Is an analysis descriptive book to scrutinize the proposals and point out the weaknesses found, especially regarding the gap between theory and practice. Said Project A, the minutiae will be presented from relevant details to the genres in question until the details of the activities. The theoretical contributions mentioned by the author through a confrontation with suggesting activities will be considered. The discussions related to the didactic sequences, thematic and selected genres will be made concurrent with the statement of work possibilities with literary or journalistic narratives anchored in Hohlfeldt studies (1991), Bosi (1994), Bazerman (2011), Maingueneau (2012) and others who have research on the concepts of gender and reading and writing practices of narrative genres. Keywords: Textbooks, teaching sequence, narrative genres and effective communication

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 79

1. INTRODUÇÃO - ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO “OFICINA DE ESCRITORES”

“Não quero mais uma vida particular, pois quando fico sozinha, eu não existo. Eu só existo no diálogo”.

(Clarice Lispector)

A comunicação escrita se constitui a partir do contato com

os bipares. É por meio do diálogo com os outros indivíduos que o sujeito passa a se comunicar de modo eficaz como indica Clarice Lispector. Neste sentido, a partir dos materiais didáticos, os alunos dialogam com diversos autores por meio de textos e este contato é importante para o desenvolvimento da escrita. Contudo, no afã de lançar ao mercado editorial produtos vendáveis nem sempre de qualidade, são aprovados pelo MEC (Ministério da Educação) materiais como o livro didático “Oficina de Escritores” que, devido as ilustrações, aparentemente parece conferir um tratamento singular para a escrita. Ledo engano! Tal livro apresenta lacunas e distorções semelhantes a tantos outros utilizados por estudantes do ensino básico em todo o país.

Sem haver uma análise atenta do referido material, tem-se a ilusão de que se trata de algo inovador e que as ideias contidas no manual dialogam com as preceituadas por Bazerman (2011) acerca do gênero discursivo, na medida em que há um direcionamento para a prática de produção textual emergir de situações sociais significativas, pautadas na afinidade e desejo dos alunos. A priori, fica evidente que a proposta não é seguir uma forma rígida, mas a possibilidade de escolha de gêneros cujo tipo predominante seja a narração, injunção ou dissertação. Porém, algumas propostas apresentam distorções. Nas orientações para o professor, o autor afirma que o referencial teórico de base é Vygotsky, mas não cita este teórico nem demonstra convergência entre a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), relacionada ao desenvolvimento da escrita a partir das interações sociais. Apenas tece uma ínfima reflexão

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 80

citando Ingedore Koch que trata do sociointeracionismo. Nesta discussão, a autora concebe a linguagem como forma de interação social em que os sujeitos desempenham papeis específicos em diferentes instâncias.

A superficialidade, incoerência entre teoria e prática são alguns dos problemas detectados no material analisado. Não há nas orientações para os professores menção em qualquer parte do material ao estudo das narrativas ficcionais com base em teorias literárias discursivas. É perceptível a partir da segmentação que o autor faz, o distanciamento entre teorias do discurso literário pela forma de abordagem, centrado na classificação das narrativas em fato, foco narrativo, ampliação dos fatos, conflito, enredo e suspense. Em suma, faltou inserir aspectos importantes como o de Hohlfeldt (1991), que aborda critérios básicos para a escrita de narrativas, além de Bosi (1994) que indica ser o estudo das narrativas vitais para melhorar a escrita dos alunos ou Maingueneau (2012) que indica ter os leitores autonomia para atribuir novos sentidos aos textos consoante as ideologias, valores, preceitos éticos adquiridos nas distintas instâncias sociais.

Em síntese, estes e outros autores poderiam nortear o trabalho de Sargentim conforme indicaremos no decorrer das discussões e deste modo, os professores estariam melhor embasados. É óbvio que raramente encontrar-se-á um livro didático isento de lacunas; estas evidentemente podem ser preenchidas pelos docentes em suas práticas de escrita com os alunos. Mas, não se pode conceber que materiais com distorções teóricas graves sejam disseminados pelo país, pois as concepções que norteiam tais práticas não podem ser destoantes das atividades propostas sob pena de que tais matérias não alcancem o fim desejado, que é contribuir para a comunicação eficaz dos discentes.

Assim, neste artigo faremos uma análise do livro do 9° ano, “Oficina de Escritores” visando refletir sobre as propostas de produção textual, na primeira seção do referido material. Concomitante às discussões das sequências didáticas, temáticas

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 81

tratadas e gêneros selecionados, indicaremos possibilidades de trabalho com narrativas literárias ou jornalísticas ancorado em estudos de Hohlfeldt (1991), Bosi (1994), Bazerman (2011), Maingueneau (2012) e outros que tratam tanto das concepções de gênero, como das práticas de leitura e escrita de gêneros narrativos.

1.1 ANÁLISE DESCRITIVA DO LIVRO  

O Livro Didático (LD) “Oficina de Escritores”, para o 9º ano, de Hermínio Sargentim, foi lançado em 2012 publicado pela editora IBEP. Tal obra compõe uma coleção que contempla do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Apresenta uma proposta relacionada à produção de texto cujos eixos básicos da Língua Portuguesa são: (leitura, oralidade, análise linguística e produção de textos). No entanto, o trabalho é superficial. Dessa forma, o LD contraria a expectativa quanto à inteireza e plenitude dos requisitos exigidos para o desenvolvimento da competência escrita. A figura 1 contendo a capa indica o público heterogêneo infanto-juvenil a quem é direcionado o volume, mas há distorções concernente ao conteúdo, modo de abordagem em muitas atividades propostas.

Figura 1: Capa do livro

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 82

Ao explorar as páginas do referido livro, encontram-se uma diversidade de gêneros, todavia as propostas de produção nem sempre se vinculam ao gênero apresentado como motivador da atividade. Outro aspecto relevante é a metodologia – por projetos e sequências didáticas. O autor nomeia a última de “preparação”. A metodologia, em tese, é direcionada para que os alunos, com o auxílio dos professores possam desenvolver atividades de produção escrita de modo reflexivo. Contudo, as sequências didáticas, em geral, apresentam-se de modo “precoce”, pois aparece apenas um texto motivador para preceder a preparação, e repetidas vezes o gênero proposto não é o mesmo a que pertence o texto motivador, tal aspecto fragiliza o processo. A tabela seguinte apresenta os gêneros encontrados no projeto A, acompanhados da quantidade de ocorrências destes. Em seguida, há análise das principais lacunas e distorções contidos neste manual didático.

TABELA 1. Seleção de gêneros discursivos

O livro apresenta três Projetos e um Guia de Revisão de

Textos, cujas atividades devem ser desenvolvidas paralelamente às atividades de revisão e correção dos textos produzidos pelos alunos. Neste artigo, analisamos de modo detalhado o Projeto A

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 83

(No Mundo da Ficção), que tem como base textos narrativos. Acerca do Projeto B: (Clube da Correspondência) e o Projeto C: (Fórum de Ideias), faremos apenas a descrição e análise geral. Os projetos são seguidos de seis, sete e nove sequências didáticas, respectivamente. As Propostas de Produção de Textos seguem a seguinte linearidade em cada um dos projetos, apresentadas na tabela 2.

Sequência didática - Introdução: um resumo e um direcionamento para a leitura dos textos selecionados. - Textos: uma seleção de textos que se relacionam com o projeto que aparecem para orientar e motivar a escrita dos alunos. - Organização de textos: descreve o modo como os textos foram escritos e analisa os recursos da língua usados pelos autores no processo de produção textual. - Produção de textos: apresenta a proposta de produção baseada na análise da organização do texto lido. A escrita envolve cinco etapas (Preparação, escrita, revisão, reescrita e edição final) que são registradas em fichas. - Revisão de textos: apresenta uma explicação sobre os itens do roteiro de revisão dos textos propostos na obra.

Em suma, as principais distorções não ocorrem pela estrutura em si das sequências, mas alguns elementos inseridos e as concepções de gêneros que norteiam a organização destas atividades que aparecem indefinidas. Há menção ao sociointeracionismo de Vygotsky, mas isso não se constitui na explanação das atividades propostas. A perspectiva de Lev Semenovich Vygotsky no processo de aquisição da escrita está voltada para o universo infantil conforme citação abaixo e a coleção de Hermínio Sargentim engloba também o público juvenil. Vygotsky (1998) enfatiza que as práticas de produção textual na escola têm como base atividades mecânicas e que o

TABELA 2. Organização da sequência didática.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 84

indivíduo, antes de adentrar no universo escolar, já está em contato com diferentes textos que circulam nas esferas sociais e nem sempre são consideradas outras instâncias sociais como cruciais para o desenvolvimento da escrita.

Diferentemente do ensino da linguagem falada, no qual a criança pode se desenvolver por si mesma, o ensino da linguagem escrita depende de um treinamento artificial. [...] Ao invés de se fundamentar nas necessidades naturalmente desenvolvidas das crianças, e na sua própria atividade, a escrita lhes é imposta de fora. (VYGOTSKY, 1998, p. 139-140).

Vygotsky (1998) enfoca que a linguagem escrita envolve aspectos cognitivos e socioculturais. Ele trata do nível de pensamento Real e do Potencial, este último decorrente da interação com o meio. Cada um destes níveis compõem um só processo. Assim, a distância entre eles, o autor intitula “Zona de Desenvolvimento Proximal” (VYGOTSKY, 1998, p.111). É visível que na coleção “oficina de escritores” há uma tentativa de inserir atividades decorrentes da esfera jornalística e de outras instâncias, levando em conta o sociointeracionismo, mas as distorções em parte se constituem, porque nas orientações para o professor não há indicação para que os discentes tenham acesso a leitura de revistas, jornais, livros de contos, romances, etc., direto da fonte, ao invés do trabalho somente por recortes extraído destas esferas conforme se verifica no referido material.

Além disso, haveria maior interação se as temáticas tratadas tivessem uma relação com a faixa etária dos adolescentes. Para Maingueneau (2008), o estudo das narrativas engloba aspectos cruciais que não são evidenciados neste material, pois há uma restrição quanto ao modelo global de sequência narrativa. “A temática é aquilo de que um discurso trata em qualquer nível que seja, os termos assumem valores distintos e os enunciadores são levados a utilizar aqueles que marcam sua posição no campo discursivo” (MANGUENEAU, 2008, p. 81). A partir da identificação da temática tratada nos textos é possível se discutir

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 85

acerca da relevância do texto e relacionar com os fatos sociais, havendo maior interação com os interlocutores.

Ao analisar o livro “Oficina de Escritores” e aplicar uma das atividades com discentes do 9° ano, eles afirmaram que o assunto tratado não é instigante conforme evidenciaremos a seguir. Em suma, algumas das propostas não corroboram com o que preceituou Vygotsky (2001), pois para ele “a escrita constitui um processo psicológico avançado, o seu desenvolvimento depende essencialmente das situações sociais especificas nas quais o sujeito participa” (VYGOTSKY, 2001, p.39). Assim, a previsão dos PCNs para o aluno “produzir textos coerentes, coesos e eficazes” (BRASIL, 1998, p.51) não se institui plenamente com atividades desta natureza, meramente estruturalistas. 1.2 ANÁLISE DO PROJETO A – NO MUNDO DA FICÇÃO

– PÁGINAS 9 À 66.

Segundo Sargentim, o Projeto A visa orientar e motivar os alunos a produzirem diversos textos narrativos. Após isso, realizar concurso literário e publicar um livro. Ele propõe que ao apresentar o projeto, seja discutida a realização das atividades, definindo cada uma das etapas que serão vivenciadas: data de apresentação do projeto, realização do projeto, publicações, concursos, etc.

Já na primeira atividade, há uma sequência organizada de modo frágil, contendo uma citação generalizada: “o homem sempre foi um apaixonado por qualquer tipo de história”. (SARGENTIM, 2012, p. 11)” seguido da proposta de produção de notícia a partir do conto, demonstrando superficialidade ao introduzir o estudo dos gêneros, pois não se trata meramente de distinguir diferentes gêneros com tipos predominantes semelhantes, mas já que o autor organizou o material em sequências, poderia inserir tópicos, outros exemplos para que os alunos se familiarizassem com os gêneros antes de produzir

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 86

textos. Acerca do estudo dos gêneros, Bazerman (2011) enfoca que:

Podemos chegar a uma compreensão mais profunda de gêneros se os compreendermos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas. Os gêneros tipificam muitas coisas além da forma textual. São parte do modo como os seres humanos dão forma às atividades sociais” (BAZERMAN, 2011, P. 32).

Sargentim aponta que a “fala” do professor é crucial para

estimul ar o desenvolvimento das atividades finais, composto pelo concurso literário e a publicação do livro. Estas atividades inicialmente dialogam com Bazerman (2011), pois para ele o conjunto de gêneros se institui de maneira plausível através de pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada. Além disso, os gêneros podem se materializar em forma de textos, mas não se restringe a isso. Mas as generalizações, superficialidade com que Hermínio reflete sobre conto, notícia, etc. faz com que o material não seja tão estimulante para elaboração do livro da turma que seria mais que uma atividade escolar, constituiria atividade socialmente organizada contendo formatos de textos diferentes produzidos pelos estudantes. Além disso, já que se propõe um concurso literário, seria adequado focar na escrita de gêneros literários ainda que fossem lidos, analisados também os jornalísticos. Bazerman (2011) afirma que “é preciso identificar formas de escrita com as quais um aluno deve se envolver para estudar, para comunicar-se com o professor e colegas de sala, para submeter-se ao diálogo e oportunidades de aprendizagem oferecidas”. ((BAZERMAN, 2011, p. 33). O projeto A é “apresentado” aos alunos a partir da indicação do objetivo, estratégias e encerramento, conforme mostra a imagem abaixo.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 87

Figura 2: Classificação dos elementos da narrativa

Nas demais atividades, há uma seleção de textos para discussão de cada um dos elementos: fato, foco narrativo, ampliação dos fatos, conflito da personagem, enredo e suspense. Fica evidente que a sequência classificatória tem uma relação direta com estudos de estruturalistas e não sociointeracionistas conforme explicitado nas orientações para os professores, a exemplo de estruturalistas como Terra (2014) que trata das narrativas enfocando que ao esquematizar uma sequência, normalmente se consideram cinco aspectos: situação inicial, complicação, ações, resolução ou clímax e situação final. O referido autor indica no livro Leitura do texto literário que em sala de aula deve-se refletir sobre cada elemento de modo separado conforme citação abaixo, o que demonstra uma perspectiva tradicional e não pautada no sociointeracionismo. Além disso, sugere que a leitura de textos curtos deve ser para reflexão de aspectos estruturais como ocorre na coleção de Sargentim.

O professor terá de optar por textos curtos, deixando os

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 88

textos longos, como os romances, para leitura de capítulos, de preferência já lidos por estudantes, a fim de esclarecer aspectos essenciais desse gênero como papel do narrador, a ordenação dos fatos, caracterização dos personagens, ambientação, e outros elementos narrativos. (TERRA, 2014, p. 63).

Bazerman (2011) diz que ao nos engajamos em práticas de leitura e escrita, passamos por um processo de transformação, pois os “gêneros moldam as intenções, a percepção e o quadro interpretativo, e, por meio da comunicação por gênero, o indivíduo compreende melhor o mundo, tornando-se apto a participar com êxito e fazer contribuições individuais dentro dos espaços discursivos relevantes.”. (BAZERMAN, 2011, p. 111-115). Contudo, observou-se neste livro que não houve reflexão sobre as peculiaridades dos gêneros narrativos, sendo sintetizados como história conforme figura 3.

Figura 3: esquema de alguns elementos das narrativas

É importante ressaltar que a depender do gênero narrativo, há outros elementos importantes que nem foram mencionados, como o clímax, em se tratando de contos, romances; moral da história muito comum em fábulas, etc. Além disso, quanto as notícias, há outros aspectos relevantes que ultrapassam os meramente estruturais como a discussão acerca da

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 89

imparcialidade, níveis de persuasão, modo de organização dos enunciados, se são tendenciosos, enfim, análise que ultrapasse a superfície textual.

1.3. Descrição das Sequências do Projeto A

Define-se sequência didática como um “conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”. (SCHNEUWLY, B; DOLZ, J, 2004, p. 82). Uma sequência visa contribuir para que os discentes apropriem-se melhor de determinado gênero textual, permitindo que se comuniquem de forma adequada. No material em análise, há seis sequências didáticas e em cada uma existe um elemento da narrativa em evidência, de acordo sintetizado na tabela 3.

TABELA 3: Resumo do conteúdo das Sequências Didáticas

Elemento da narrativa

1.3.1. Fato: matéria-prima da

história;

1.3.2. Foco narrativo: tipos de

narradores;

1.3.3. Ampliação dos fatos:

acréscimo dos fatos da narrativa;

1.3.4. Conflito da personagem:

cenas típicas contendo problemas;

1.3.5. Enredo: sequência

cronológica e psicológica;

1.3.6. Suspense: momento de

tensão na narrativa;

PERSPECTIVA

TRADICIONALISTA

(ESTRUTURALISMO)

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 90

1.3.1. Fato: matéria-prima da história

Há na introdução da sequência um comentário sobre a necessidade humana de contar histórias. Não existe referência para as afirmações feitas, sendo estas pouco discutidas. O texto motivador inserido foi o conto gaúcho “Festa Acabada” (Simões Lopes Neto). Este, não foi discutido pelo autor, mas apenas o título considerado base para que os alunos escrevessem uma notícia acerca desta temática. O gênero “notícia” não havia sido inserido na explanação do assunto. Assim, os alunos poderiam não ter familiaridade com a escrita do gênero, dificultando o desenvolvimento da sequência. Tal inadequação se dá ainda no campo teórico, pois tal proposta não se vincula ao sociointeracionismo.

Assim, no processo de transmutação de gênero, 70% dos discentes que participaram desta análise afirmaram sentir dificuldade em escrever uma notícia tendo como base o título do conto conforme figura . Os discentes da turma do 9° ano de uma instituição pública em geral não consideraram adequada a proposta de produção de notícia a partir do conto principalmente devido a não explanação, bem como a temática tratada não ser considerada empolgante.

Figura 4: apreciação dos alunos concernente à sequência 1

Na etapa de organização do texto, há referência a um

conceito de fato e de enredo indicando que “o fato constitui a

0%10%20%30%40%50%60%70%

Sim Não

Você considera adequado escrever uma notícia a partir do "Título

festa acabada"?

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 91

matéria-prima de uma história. Ele está mais diretamente relacionado com o que acontece ou pode acontecer na vida real. O enredo, por sua vez, é a maneira como o narrador organiza, relata e amplia os fatos.” (SARGENTIM, 2004, p.13). Depois é apresentado um relato com os fatos do conto, provavelmente, com o intuito de comparar os modos de contar histórias. Sugere-se que se construa uma notícia com base nos fatos do conto “Festa Acabada” antes de haver apropriação do gênero proposto. Em seguida, solicita-se que o aluno crie uma história baseada em qualquer outra notícia selecionada ao acaso em fontes quaisquer. Assim, mais uma distorção já que atividades pautadas em sequências didáticas não podem se dar de modo aleatório, devem ser bem conduzidas.

O resultado é que quando a sequência não está bem definida, os alunos podem se comunicar de forma truncada como ocorreu com os discentes do 9° ano em que aplicamos esta sequência. A figura 5 evidencia que dos 30% que consideraram adequado escrever uma notícia a partir do conto, não estruturaram nem mostraram tanta desenvoltura para redigir, inserindo informações incompletas mesmo o autor tendo posto aspectos básicos da notícia no livro para nortear a escrita dos alunos, como: O quê? Quando? Onde? Quando? Por quê? Como? Nem isso facilitou a produção textual.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 92

Figura 5: produção de notícia por alunos do 9° ano

Observam-se problemas estruturais na escrita dos quatro primeiros alunos, pois embora não haja uma forma tão rígida, há consenso concernente aos elementos inseridos por Sargentim para escrita da notícia. Nesse sentido, o aluno 1 relatou o que e quando ocorreram os fatos, mas desconsiderou os demais aspectos. O aluno 2 assinalou o que aconteceu, mas ao tentar explicar como e por que apresentou problemas de clareza. O aluno 3 já apresenta de forma mediana os elementos básicos de uma notícia, como o local (onde), as pessoas envolvidas (quem) e o tempo da narrativa (quando), mas mesmo assim, a forma com que organizou o texto ainda demonstra pouco entendimento do texto motivador, comprovando o que afirmou Maingueneau (2008) acerca da relevância da temática no estudo das narrativas. Se a temática não for considerada relevante para o aluno, provavelmente fará menores inferências, devido ao pouco entendimento ou por não ter motivação para a escrita.

O aluno 4, apesar de tentar utilizar a norma-padrão, principalmente no que tange ao tempo verbal no pretérito mais-que-perfeito, apresentou um nível de linguagem inadequado, bem como demonstrou pouco entendimento do texto motivador. Na

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 93

notícia produzida por ele, também foram desconsiderados elementos estruturais básicos de modo semelhante ao texto do aluno 3. Já o aluno 5 conseguiu depreender e inferir informações adequadas, tendo em vista que considerou tanto os aspectos estruturais quanto os semânticos ao inserir local, personagens envolvidos, os fatos e o desenvolver das ações. Mas mesmo assim, em termos quantitativos, não se pode considerar como adequada uma sequência em que numa turma de 20 alunos, em torno de 25% a 30% conseguiram escrever os textos propostos e destes, somente um aluno reescrever bem a narrativa tendo como formato a notícia.

Em síntese, os direcionamentos indicados por Sargentim contrariam as propostas de SD a partir do trabalho com gêneros. Nesse sentido, autores como Schneuwly e Dolz (2004) propõem que as produções textuais sejam feitas a partir de Sequências Didáticas com etapas definidas segundo citação abaixo:

“Analisar um texto completo ou partes de um texto, comparar textos de um mesmo gênero, reorganizar partes de um gênero, entre outras atividades, tudo isso é importante quando se trata de sequência didática. A base da SD deve ser as dificuldades encontradas pelos alunos na produção inicial, a partir disso, devem-se escolher atividades que fará com toda a turma e outras apenas com alguns alunos que tenham mais dificuldades de escrita”. (SCHNEUWLY, B; DOLZ, J, 2004, p. 89;107 - adaptado).

Com relação ao texto motivador, questionamos ainda aos

estudantes do 9° ano que sentiram dificuldade em produzir a notícia alegando que o tema do conto não era instigante. Perguntamos então acerca da preferência por textos motivadores e indicamos uma lista com diversos gêneros. A figura 6 mostra os principais gêneros indicados pelos alunos, dentre eles o poema que foi escolhido pela metade da turma como texto motivador para a proposta de produção textual.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 94

Figura 6: preferência dos alunos quanto ao texto motivador da SD

Nesse sentido, o autor não motivou os alunos a partir da

seleção do conto, pois não houve empatia quanto à temática, ou seja, assunto que de fato instigasse os discentes nem discussão adequada que serviria de preparação para a escrita. Nesta ótica, a inserção do texto literário menor que o conto poderia ser mais viável pelo menos inicialmente, tendo em vista a similaridade com a notícia. Um exemplo seria o texto de Manuel Bandeira, “Poema Tirado de uma notícia de jornal”, pois este traz uma discussão pertinente acerca dos efeitos da bebida alcoólica, acidentes ou suicídios em face da bebida, pobreza, miséria, isto é, temáticas bem comuns veiculadas pela mídia para que os alunos escrevessem uma notícia.

Figura 7: texto motivador para escrita de narrativas

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal - Manuel Bandeira João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da

Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu Cantou Dançou

Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 95

Diante do exposto, a sugestão mencionada mostra-se viável para a reescrita textual, pois em torno de 50% dos alunos afirmaram que produzir notícias tendo como base a análise de poemas cuja temática se relacione com os fatos que circulam na mídia é adequado apesar do formato conciso do poema. Neste caso, eles poderiam produzir textos com uma tipologia predominante, mas sem excluir a possibilidade de mesclar com outros tipos textuais. Dessa forma, haveria uma definição de qual gênero o discente produzir, podendo ser uma crônica, fábula, conto ou outra narrativa literária já que o propósito mencionado pelo autor é fazer um concurso literário e publicar o livro da turma.

Sendo assim, seria interessante discutir gêneros literários no livro analisado e não simplesmente tratasse todos como “história” sem sistematizar alguns conceitos relevantes sobre gêneros, adequando ao nível de linguagem e conhecimento da turma evidentemente. Trata-se de possibilidades de reescrita utilizando gêneros diversos, mas adequando ao universo juvenil que precisa de incentivo para não apenas ler e analisar textos literários ou jornalísticos, mas sobretudo se expressar de modo escrito utilizando formatos distintos.

3.1.2. Foco Narrativo

Como na sequência anterior, esta é introduzida a partir das sugestões do que se espera que o aluno aprenda. A “essência” do foco narrativo é representada por quatro fotografias que mostram pontos distintos de um rio, e uma breve explicação conforme nos remete figura 8 que serve para ilustrar esta perspectiva tradicional em que Sargentim utiliza imagens para estudar o “Foco Narrativo”, refletindo sobre a posição que os enunciadores assumem, assim como quais as implicações existem pelo fato do discurso ser narrado em 1° ou 3° pessoa. Assumindo uma perspectiva discursiva, segundo nos indica Maingueneau (2012) quando se lê de modo reflexivo, há outros aspectos que devem se

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 96

sobrepor aos meramente estruturais. Trata-se de analisar o gênero em sua plenitude, discutindo estratégias utilizadas pelos enunciadores ao produzirem o discurso visando ampliar as percepções dos discentes.

Figura 8: estudo do foco narrativo separado dos demais elementos da

narrativa

Os textos motivadores são três versões sobre um

fuzilamento e uma crônica que mostra pontos de vista diferentes sobre um mesmo assunto. No tópico Organização do Texto são feitas considerações sobre foco narrativo retomando os textos motivadores. São apresentadas explicações sobre narrador-observador e narrador-personagem, exemplificando com recortes dos textos lidos. No espaço para produção textual, aparecem duas propostas e novamente uma se revela como principal e a outra como secundária. E o autor não se refere a nenhum gênero especificamente, ele usa as expressões “construa um texto” e “crie histórias diferentes”, não havendo nenhuma referência ao gênero. Nesse sentido, Bazerman (2011) afirma:

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 97

“Como resultado, gênero dá forma a nossas ações e intenções. É um meio de agência e não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro das quais aquelas ações são significativas e motivadoras. A abordagem social de gênero transforma-o em uma ação social, e assim em uma ferramenta de agência. Na sala de aula, é preciso tornar viva aquela agência para os alunos, para que eles percebam que a escrita é uma poderosa ferramenta para a formação e o desempenho de intenções em todas as esferas de atividades.” (BAZERMAN, 2011, p.10, 19-20 adaptado).

Desse modo, o “ensino divorciado” de que trata Bazerman

(2011) se materializa nas sequências organizadas por Sargentim, pois de modo semelhante à sequência anterior, há uma revisão com os mesmos elementos: avaliação do leitor, roteiro de revisão, espaço para reescrita somente a partir de recortes, desconectado das instâncias sociais dos quais emergiram os textos, apresentando, pois, uma abordagem vaga acerca do estudo dos gêneros. Tais elementos são até interessantes se não dissociado do contexto em que foram produzidos. Mas da forma como foram inseridas são frágeis, considerando que não se sabe a qual gênero pertencerá o texto que está sendo proposto para os alunos redigirem. Reiterando que não se trata de sugerir produções tão rígidas para os discentes ou podar a criatividades destes. Por outro lado, é contraditório organizar um livro em sequências, quiçá só por modismo, sem ter definido as concepções de gênero e pressupor que somente pela imaginação, os alunos irão produzir um livro de qualidade, tornando-se proficientes na escrita.  

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 98

Figura 9: crônica que mostra diferentes pontos de vista sobre o mesmo

assunto

3.1.3. Ampliação dos Fatos

A introdução é feita a partir de uma explicação sobre o que o autor indica ser ampliação dos fatos, sem minúcias, ou seja, fica por conta do aluno deduzir e aplicar nas atividades que serão propostas. O texto motivador é uma pequena crônica que trata da vibração em uma partida de futebol. A organização do texto trata de progressividade, simultaneidade, fato e ampliação do fato. Cada elemento citado apresenta breve explicação e exemplos por meio de recortes de textos. Como nas outras, a proposta de produção não menciona nenhum gênero, a escrita é direcionada a partir das expressões “Amplie o fato seguinte...” (primeira produção) e “Conte uma história ampliando os fatos

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 99

apresentados...” (segunda produção). Como já visto, há uma produção mais relevante que a outra. A preparação para a escrita também não mostra preocupação com os gêneros textuais, fala apenas em escrever a história. Os espaços destinados à revisão e reescrita, apresentam a mesma estrutura das sequências anteriores e também não se ocupa em direcionar a escrita em um determinado gênero.  

Figura 10: crônica que trata da partida de futebol

3.1.4. Conflito da Personagem

A sequência inicia com as suposições daquilo que se espera que o aluno “aprenda”, todavia não apresenta uma introdução, como foi visto nas outras. O texto motivador é o conto “Encontro com o passado”. A organização do texto inicia com um trecho que generaliza características de algumas personagens, diz que “toda personagem vive intensamente um problema...”, e isso não se aplica a todas, apenas a algumas. Quanto ao conflito, as explicações estão do ser/não ser e ter/não ter. Faz menção a protagonista e antagonista, na busca de apontar como se desenvolvem os conflitos. No direcionamento para a

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 100

produção de textos, há duas propostas, dessa vez não foi possível constatar qual é a “mais importante”. No entanto é notório que o aluno só terá que “dar conta” de uma. Nesse espaço, também, não se fala em escrever num determinado gênero, se diz “escreva uma história...” e “Crie uma personagem...”.

Figura 11: Trecho do Conto “Encontro com o passado de Elsie Elessa”

Tanto a preparação quanto a revisão destacam tópicos já

conhecidos e continuam fugindo das teorias de produção textual a partir dos gêneros. Até mesmo os direcionamentos, que no livro aparecem em letras vermelhas e pequenas ao longo das páginas, oferecidos ao professor não se vinculam aos estudos de gênero.  3.1.5. Enredo

Assim como em sequências anteriores, a presente inicia apontando aquilo que se espera que o aluno aprenda. A introdução é construída a partir de reflexões acerca de sequência cronológica e sequência psicológica, no entanto a abordagem é muito sucinta e não apresenta exemplos a partir de textos, aponta-se apenas uma possibilidade de contexto para exemplificar os dois tipos de sequência.

O texto motivador é a crônica “Minha casta Dulcineia” de Fernando Sabino. No tópico referente à organização do texto, o autor busca indicar os elementos que compõem o enredo,

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 101

segundo ele são apresentação, conflito e desfecho. Ele exemplifica tais elementos a partir do texto motivador.

Figura 12: crônica – texto motivador

Diferente das propostas anteriores, aparece um segundo

texto motivador, “O meucalipto” de Pedro Bandeira. Esse texto aparece para direcionar a organização do texto, que também difere das outras sequências. O foco da segunda organização do texto é tratar do enredo psicológico, que a partir da descrição de Sargentim, utiliza-se da técnica do flash back, e seria um passeio pelo tempo sem preocupação com linearidade temporal, o ponto chave é a emoção. Têm-se nessa sequência três propostas de

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 102

produção textual. A primeira sugere que se escreva um texto com base num poema, que é também um anúncio e pode ser lido e entendido de baixo para cima e de cima para baixo. A segunda sugere que se escreva uma história baseada nos elementos oferecidos numa notícia e o aluno pode escolher o tipo de enredo. A terceira apresenta o início de um conto e sugere que o aluno dê continuidade a ele escrevendo uma história.

Sendo assim, conto e história são a mesma coisa, ou coisas diferentes? O livro não faz nenhuma abordagem específica a respeito, o que se percebe, repetidas vezes, é o uso da expressão escreva uma história, sem direcionar o gênero. Quando se parte para a preparação da escrita, não fica evidente qual das propostas o aluno deve seguir, e nos direcionamentos dados ao professor, são retomadas explicações já vistas em outros momentos. Como nas outras propostas há um roteiro de revisão e sugestão de reescrita.

Figura 13: Texto motivador - Meueucalípto (Pedro Bandeira)

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 103

Figura 14: Poema que pode ser lido de várias formas

3.1.6. Suspense.

A parte inicial, que nas demais sequências apontavam o que se esperava que o aluno aprendesse, apareceu de modo mais informativo, dizendo como deve ser uma boa história e que serão conhecidos alguns recursos para criar suspense. A introdução fala de modo superficial que o suspense é fundamental para atrair a atenção do leitor. O texto motivador é “O valente” de José Cândido de Carvalho.

Figura 15: “O valente” de José Cândido de Carvalho.

A organização do texto se dá em torno do suspense que há

no texto motivador, ou seja, o texto é o único exemplo de suspense de que se dispõe. Diferentemente das outras sequências, essa só apresenta uma proposta de produção textual, mas retoma a mesma nomenclatura, sugere que o aluno invente uma história

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 104

em que haja suspense, tendo como base o texto motivador. Assim como nas outras sequências, existe a preparação da escrita, um roteiro de revisão, um espaço para reescrita, como a mesma linearidade das outras.

Concurso de Histórias

Essa é a etapa final da sequência. Apresenta um direcionamento para que os alunos, sob a supervisão do professor, elaborem os critérios do concurso. Indica que eles devem, além de definir e redigir os critérios, definir e redigir o regulamento do concurso, como norteador apresentam um modelo de regulamento. A proposta do concurso aparece de modo oportuno, todavia não fica evidente se os alunos devem usar os textos que já foram escritos, revisados, reescritos e editados ou se eles podem escrever outros textos para concorrer. Em se tratando de sequências didáticas essa informação deveria estar explícita, pois têm-se a impressão de se tratar de um momento isolado, sem um vínculo concreto com as atividades das sequências anteriores.

4. Considerações Finais – lacunas nos PCNs relacionados à escrita

Por isso, há críticas pertinentes direcionadas aos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) por não apresentar propostas operacionalizadas a respeito do ensino do gênero, o que tem gerado distorções e lacunas em muitos livros didáticos de LP adotados em todo o país. Pautados na perspectiva de autores como Schneuwly e Dolz, entre outros da escola de Genebra, os autores de livros didáticos se deixam influenciar por estes e de, maneira superficial, compõem materiais sem um direcionamento concatenado com as atividades propostas. Cabe uma maior fiscalização do Ministério da Educação em parceria com as instituições de ensino e docentes que devem primar pela qualidade nos materiais entregues aos discentes, pois em muitas famílias o Livro Didático ainda constitui uma porta de inserção para a leitura e a escrita.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 105

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDEIRA, MANOEL. Poema tirado de uma notícia de jornal. IN: Libertinagem. 1930. BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificações e interação. São Paulo: Cortez, 2011. _____________, C. Gênero, agência e escrita. São Paulo: Cortez, 2006. BARTHES, Roland. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1997. BOSI, Alfredo. (Org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1994 BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. RJ: Nova Fronteira, 2005 BRAIT, Beth. Literatura e outras linguagens. SP: Contexto, 2010 CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique, 2004, Dicionário de Análise do Discurso, São Paulo, Contexto. p. 200 – 220. LISPECTOR, Clarice (1944). Entre o biográfico e o literário: uma ficção possível. São Paulo: Educ-Limiar. 1981. CORTÀZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. Valise de Cronópio. 2 ed. SP: Perspectiva, 1993. P. 63-147 FORSTER. Edward Morgan. Aspectos do romance. 4 ed. SP: Globo, 2005. HOHLFELDT, A. Carlos. O conto brasileiro contemporâneo. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1991. MAYER, R. Multimedia Learning. Cambridge University Press, 2009, apud DIONÍSIO, P e VASCONCELOS, L. J. Múltiplas linguagens para o ensino médio/ Clécio Bunzen, Márcia Mendonça (org.) SP: Parábola editorial, 2013. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. Tradutor Adail Sobral. – 2 ed. – SP: Contexto, 2012. _______________, Dominique. Gênese dos discursos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008 ______________, D. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MARCUSCHI, L. A. Da fala para a Escrita: atividades de retextualização. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2004 [2001], 134 p. ____________, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. : Lucerna, 2008. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: língua portuguesa. Ensino Fundamental (3° e 4° ciclos). – Brasília, 1997. 144p. PETRUCCI, A. Ler por ler: um futuro para a leitura. In: CHARTIER, R.; CAVALLO, G. (Org.) História da leitura no mundo ocidental II. São Paulo: Ática, 1999.

Lacunas e Distorções no Livro Didático... – Sales & Pereira

Revista Diálogos – N.° 14 – Ago./Set. - 2015 106

PINTO, José Milton. As marcas linguísticas da enunciação: esboço de uma gramática enunciativa do Português. Rio de Janeiro: Numen Ed, 1994. PLAZA, Júlio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2. ed, 2010. POE, Edgar Allan. A filosofia da composição. Ficção completa. Poesia e ensaios. RJ: Nova Aguilar, 2001. P. 20; 911. SCHNEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro: SP, Mercado das Letras, 2004. TERRA, Ernani. Leitura do texto literário. São Paulo: Contexto, 2014 VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 111-161. VIGOTSKI, L. S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 9 ed. São Paulo: Ícone, 2001. p. 139. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 2003.