Lange, O (1985) - Parcial

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j \ ~ J ~ I ~ 1 ,,;! i 11 * 3 -.,1 ~ S I ~ m ~ 6 i ilj ~ ~ <I :--j " "'1 , ,'l ',ii -;t ,~:i .:;:; .; ,.,1.__ o Objeto e Método da' Economia * OSKAR LANCE 1- DE QUE TRATA A ECONOMIA A economia, é a ciência da administração dos recursos escassos na sociedade humana. A humanidade, vivendo dentro da estrutura de uma dada civilização histórica, sente várias necessidades, como alimentação, abrigo, vestuário, educação, prestígio social, diversão, expressão de ativi- dade religiosa, nacional ou política e outras. Algumas destas necessidades resultam de carências biológicas, que devem ser, satisfeitas para a própria preservação da vida. A maioria delas, entretanto, é produto da vida em sociedade, íreqüentemente, da própria existência de meios para satisfazê-Ia. Até mesmo as necessidades que resultam de carências biológicas assumem formas determinadas pelos padrões de uma civilização particular sob a qual vivem os seres humanos. As necessidades podem ser satisfeitas por meio de objetos apropriados, chamados de bens, e. g. terra, carvão, gado, construções, navios, ferrovias, maquinaria, reservas de matéria-prima. As necessidades também podem ser satisfeitas por meio do uso destes objetos ou de pessoas; neste caso, não se trata de bens mas sim de serviços, tais como os prestados por transportes, moradias, trabalhadores, professores, empresários, artistas, etc. Os bens e serviços são os recursos utilizados para satisfazer as necessidades humanas. Alguns destes recursos - o ar, por exemplo - são tão abundantes que todas as necessidades que deles depen- dem podem ser completamente satisfeitas. No entanto, outros, como o petróleo ou os serviços prestados por seres humanos, existem em quanti- dades insuficientes para satisfazer todas as necessidades que deles depen- dem. Neste caso, dizemos que os recursos são escassos. Quando isto ocorre, certas necessidades permanecerão insatisfeitas. Os homens tomam decisões [Este trabalho foi publicado originalmente na Review 01 Economia Studies, v. 111, 1945, pp. 19-32. A tradução é de Antonio Silva Dias, Luciana Varnieri Brito, Maria ]uliana Zeilmann Fabris e Renato Luiz Romera Carlson e foi revisada por Achyles Barcelos da Costa, Duílio de Ávila Bérni, Pedra Silveira Bandeira e Suzi de Ávila Bémi. (N. do E.).) ui. econ., 7(2): 207-230, 1985.

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    172 que, conforme as instituies e a organizao da sociedade, determinama distribuio dos recursos escassos entre as diferentes pessoas, bem comoos fins que sero dados a esses recursos. Em outras palavras: os mesmosso administrados. O estudo das formas como tais recursos so adminis-trados a tarefa da cincia chamada economia .

    A administrao de recursos escassos influenciada pelos padresde civilizao e pela organizao e instituies da sociedade na qual vivemos homens. A influncia dupla. As necessidades que os recursos satis-fazem so produtos de padres da civilizao historicamente desenvolvidosna sociedade. As maneiras pelas quais os recursos escassos so procurados,

    /" adaptados aos vrios propsitos e distribudos entre diferentes pessoas soresultado da organizao social e instituies sociais. As formas de proprie-'dade, as instituies tais como as corporaes e os bancos, o conhecimentotcnico adquirido em instituies de pesquisas e transmitido pelas escolas,a regulamentao pelas entidades governamentais, os hbitos e o padromoral, tudo influencia as formas de administrar os recursos escassos. Aeconomia , assim, uma cincia social, isto , ela lida com uma matriaque depende dos padres e formas de vida na sociedade humana. Eladifere da sociologia, a cincia das aes e relaes sociais (padres derepetidas aes sociais) entre os homens, por se mostrar interessada nasaes dos homens em relao aos recursos escassos, os quais servem parasatisfazer seus desejos. Estas aes so dependentes de aes sociais mas sodistintas delas. Vamos cham-Ias de aes econmicas. Embora depen-dentes das aes .socas, as aes econmicas, por. seu turno, influenciame at criam aes e relaes sociais. A ltima influncia mencionada pro-porciona matria para um campo especfico de estudo. Poderamos cham-10 de sociologia econmica, a cincia dos efeitos das aes econmicas nasaes e relaes sociais. Temas como a sociologia das relaes industriais,a burocracia nas corporaes e sindicalismo pertencem a esse campo. Opresente ensaio limita-se economia, isto , ao estudo das aes econ-micas. Isto inclui o estudo da influncia das instituies e da organizaosocial sobre as maneiras e mtodos de administrao dos recursos escassos.

    Como qualquer outra cincia, a economia no se satisfaz com o meroconhecimento descritivo, mas tenta discernir padres gerais de uniformi-dade da administrao dos recursos escassos. A possibilidade de estabelecertais padres de uniformidade se baseia em dois fatos observados. As aeshumanas, no que diz respeito aos recursos escassos, so sujeitas a padresuniformes de repetio. Por exemplo, a maioria das pessoas reage a' umaumento em sua renda gastando mais dinheiro em bens e servios. Dentro

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    da' estrutura de certas instituies e organizaes sociais; as uniformidades 173na ao econmica de indivduos 0\.1 grupos de indivduos produzem certas'uniformidades na distribuio e uso dos recursos escassos. Assim, um au-mento na quantidade de emprstimos bancrios para os comerciantes oupara as grandes empresas faz com que estes aumentem a procura de recur-sos com um conseqente aumento no emprego e/ou nos preos. O ramo daeconomia que lida com tais padres de uniformidade e os combina numsistema coerente chamado de economia terica ou teoria econmica (tarn-brn- anlise econmica). As proposies que enunciam os padres de uni-formidade so chamadas de leis econmicas. As leis econmicas so, comotodas as 'outras leis cientficas, proposies condicionais. Elas 'asseguramque tal e tal acontece regularmente toda vez que tais e tais condies sosatisfeitas (isto , sempre que tais e tais outros fatos ocorrem). No seaplica nenhuma lei cientfica quando no se do as condies prviaspara' sua ocorrncia. Uma vez que a administrao dos recursos escassos, influenciada pelas organizaes sociais e pelas instituies, tais organi-zaes e instituies esto entre as condies implcitas nas leis econ-micas. Conseqentemente, as leis econmicas que se mantm num tipo deorganizao social podem deixar defaz-lo em outro. A maioria das leiseconmicas , desse modo, "historicamente limitada" a certos tipos deorganizao e instituies sociais. Isso, entretanto, no implica nenhumadiferena bsica entre as leis da economia (ou das cincias sociais) e asleis das cincias naturais. As ltimas, tambm, so dependentes de condi-es que esto sujeitas a mudanas. Diferentes leis das cincias naturaistm diferentes graus de permanncia histrica, geralmente em grau muitomaior que as leis da economia, embora at mesmo este no seja sempreo caso (algumas' leis da meteorologia so menos permanentes do quealgumas leis da economia) . A diferena apenas de grau. Como todas asleis cientficas, as leis econmicas so' estabelecidas para fazerem prediesbem-sucedidas do resultado das aes humanas. Na economia; as leis ser-vem para predizer os resultados de polticas, isto , de aes de entidadespblicas ou privadas com referncia administrao dos recursos escassos.Tais previses, no, entanto, so difceis. Isto se deve ao fato de que onmero de condies restringindo a validade das leis econmicas muitogrande, e difcil determinar se todas elas so .satisfeitas em uma situaoparticular. No obstante, algumas previses bem-sucedidas esto sendofeitas com a ajuda da cincia econmica.

    A economia 'terica no esgota o campo da indagao econmica. Aeconomia tambm estuda e descreve os meios e mtodos particulares de

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  • 176 se adoradas, so as que melhor conduzem os objetivos sociais. Tais regrasso proposies condicionais porque so vlidas somente sob dados obje-tivos e dadas condies empricas; exigem verificaes empricas. (Umaregra de uso "ideal" de recursos pode no conduzir na prtica aos prop-sitos sociais desejados.) As regras de uso "ideal" de recursos 'podem" ento,ser consideradas como um tipo especial de leis econmicas. Isto tornaconveniente incluir a economia de bem-estar na economia terica. comoum ramo suplementar desta ltima.

    2 - A OBJETIVIDADE DA Cln/CIA ECONOMICA

    As proposies da cincia econmica tm validade objetiva. Isto signi-fica que duas ou mais pessoas que concordam em acatar as regras deprocedimento cientfico devero alcanar as mesmas concluses. Se' come-arem com as mesmas hipteses, elas devero, pelas regras da lgica,derivar os mesmos teoremas. Se aplicarem as mesmas regras de identifi-cao e verificao, devero alcanar concordncia quanto a se os teorernasdeveriam ser aceitos como "verdadeiros" ou rejeitados como "no verifi-cados" ou "falsos". O teste da verificao decide se as hipteses so ade-quadas ou no. Neste ltimo caso, eles devem ser substitudos por novosque levam a teoremas capazes de resistir ao teste de verificao. O veredtofinal com relao a qualquer proposio da cincia, econmica , ento,baseado numa chamada aos fatos, isto , s observaes empricas. "Verpara crer". Este veredito tem validade interpessoal porque os fatos sointerpessoais, isto , podem ser observados por todos.

    A validade interpessoal de proposies serve tambm para a economiado bem-estar. No existe concordncia interpessoal necessria sobre osobjetivos sociais que fornecem o padro de avaliao para a economia dobem-estar. Diferentes pessoas, grupos sociais e classes podem ter, e freqen-temente desejam, diferentes objetivos sociais. Entretanto, uma vez que osobjetivos sejam formulados e certas Ilip6teses sejam feitas sobre condiesernprcas, as regras de uso "ideal" de recursos so derivadas pelas regrasda lgica e verificadas pelas regras da verificao. Este procedimento

    [Traduzimos o dito popular ingls "The proof of the pudding is in the eating"(A prova do pudim est em com-Io) pelo que consideramos Ser seu correspondenteem portugus. (N. do T.).]

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    interpessoalmente objetivo, isto , todos que o aplicarem devero alcanar 1nas mesmas concluses. A situao pode ser comparada com aquela de doismdicos tratando de um paciente. No h necessidade de concordncianterpessoal sobre o objetivo do tratamento. Um mdico pode desejarcurar o paciente, o outro pode desejar mat-lo (e. g., o paciente pode serum judeu num campo de concentrao nazista; um mdico pode ser umcolega prisioneiro que quer ajud-Io, o outro mdico pode ser um nazistaagindo sob ordens de exterminar os judeus). Mas uma vez que o objetivo estabelecido sobre o que deve ser feito (qualquer um dos mdicospode, naturalmente, recusar-se a agir), suas proposies quanto a se umdado tratamento conduz ao fim em considerao tm validade interpessoal.Qualquer divergncia entre eles pode ser acertada por uma chamada aosfatos e s regras de procedimento cientfico.

    Nossa concluso sobre a objetividade da cincia econmica podeparecer surpreendente. Os economistas so notoriamente conhecidos porsua incapacidade de chegar a um consenso e tambm por estarem divididosem opostas "escolas de pensamento", "ortodoxas" e "no-ortodoxas","burguesas" e "socialistas", e muitas outras. A existncia da profundadivergncia entre economistas, no entanto, no refuta nossa tese sobre aobjetividade da economia enquanto cincia. Estas divergncias podemremontar a uma ou mais das seguintes fontes:

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    1 - Diuergncia sobre objetivos sociais. Esta a fonte mais freqentede divergncias, mas atua como tal apenas enquanto implcita ou irreco-nhecida. Se os objetivos sociais forem fixados explicitamente, a diver-gncia desaparece. De qualquer conjunto dado de objetivos sociais, e comdadas suposies quanto s condies empricas, so .tiradas conclusescom validade interpessoal pelas regras da lgica e da verificao.

    2 - Divergncia sobre fatos. Tal divergncia pode sempre ser resolvidapor observao adicional e estudo do material emprico, Freqentemente,entretanto, os dados empricos necessrios para resolver a divergncia noso disponveis. Em tais casos, o problema permanece no resolvido. Aconcluso de que o problema no pode ser resolvido com os dados dispo-nveis tem validade interpessoal. Alcana-se acordo em no se emitirjulgamento.

    3 - Fracasso em ater-se s regras da lgica, da identificao e da veri-ficao. A divergncia pode ser superada pela correta aplicao destasregras.

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    178 'As divergncias so, portanto, todas devidas ao fracasso em ater-ses regras de procedimento cientfico e podem ser resolvidas pela aplicaorigorosa dessas regras. Economistas, bem como outros cientistas, no en-tanto, no so autmatos agindo com base nas regras de procedimentocientfico. Como seres humanos esto sujeitos a uma grande multplci-dade de influncias, algumas conscientes, a maioria delas subconscientesque determinam suas concluses, como afirmado na literatura da econo-mia. H influncias sociolgicas e psicolgicas que algumas Vezes sodesfavorveis e outras favorveis aplicao do procedimento cientfico.A persistncia de divergncias indica que as influncias perniciosas somuito fortes. , conveniente ter um quadro dessas influncias perniciosas,tanto quanto daquelas que so teis.

    Os economistas, como outros seres humanos, vivem sob as instituies deuma sociedade histrica e sob os padres de sua civilizao. Compartilhamsuas crenas e valores, preconceitos e interesses, horizontes e limi taes.Eles dependem, para sua subsistncia, do progresso e reconhecimento dasinstituies da sociedade na qual eles vivem, e. g., em universidades, eminstitutos de pesquisa, editoras, imprensa, governo e estabelecimentoscomerciais. A maioria destas instituies tem outros objetivos, mais impor.tantes do que a "livre busca da verdade", e mesmo aquelas que tm esteobjetivo so dependentes do resto da sociedade e devem fazer seus ajusta.mentos e negociaes. Alm do mais, os economistas so educados comomembros de uma determinada nao, classe social, grupo religioso oufilosfico, tradio poltica, etc. Tudo isso expe os economistas, e tarn-brn outros cientistas, a uma multiplicidade de influncias outras que noas regras do procedimento cientfico. As influncias conscientes so Iacil-mente reconhecidas e superadas caso interfiram na aplicao honesta doprocedimento cientfico, embora mesmo neste caso muitos possam preferirlimitar sua indagao cientfica a campos "seguros" onde h pouco perigode conflito com interesses e preconceitos poderosos e dominantes. Asinfluncias realmente importantes, entretanto, so aquelas subconscientes.O economista sujeito a elas est desavisado de sua existncia; as influn-cias operam atravs de processos de racionalizao de motivaes subcons-cientes. O resultado a produo de ideologias, isto , sistemas de crenasque so sustentadas no pelo motivo de sua conformidade ao procedi.mento cientfico mas como racionalizao de motivos subconscientes, nolgicos. As ideologias no tm validade interpessoal. Convencem apenasaqueles que compartilham das mesmas motivaes subconscientes e sesubmetem aos mesmos processos de racionalizao.

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    O estudo de ideologias, das condies de suas origens e influncias, 179tornou-se tambm matria de uma disciplina especial, a sociologia doconhecimento. Tal disciplina levou a uma importante compreenso dascondies sociolgicas e psicolgicas da indagao cientfica, sendo suacontribuio mais importante o reconhecimento do fato de que toda pro-duo cientfica' contm um elemento ideolgico. Isto se aplica tanto nas, cincias naturais quanto nas sociais. A histria da teoria de Coprnicona astronomia e da teoria da evoluo na biologia nos fornece um exem-plo disso. Por muito tempo a atitude dos astrnomos e bilogos para comestas teorias foi influenciada por sua atitude geral, amigvel ou hostil, sdoutrinas eclesisticas dominantes e por sua dependncia ou independn-cia pessoal das instituies eclesisticas. A histria da economia est cheiade exemplos do elemento ideolgico na cincia econmica. Os degrausmais importantes no desenvolvimento da economia no foram meramentecientficos mas tambm ideolgicos, como conseqncias sociais de longoalcance.

    A existncia de um elemento ideolgico em cada cincia fez com quealguns representantes da sociologia do conhecimento negassem a validadeobjetiva de proposies cientficas, particularmente no domnio das cin-cias sociais. Tal concluso injustificada. A validade de proposies cen-tficas pode ser verificada com objetividade impessoal atravs de umachamada aos fatos. Predies derivadas de proposies cientficas podemou no ser passveis de teste de sua veracidade. O resultado inteiramenteindependente das motivaes humanas. conscientes ou subconscientes;depende inteiramente da correo do procedimento cientfico aplicado noestabelecimento das proposies. Eclipses previstos ocorrem ou no, pontessuportam a tenso do trfego ou desabam, pacientes curam-se ou morrem,quaisquer que sejam as motivaes dos astrnomos, do engenheiro ou domdico. Certas situaes econmicas levam ao desemprego ou inflao,qualquer que seja a simpatia ou a antipatia do economista pelo sistemacapitalista. A validade das proposies cientficas no depende de moti-vaes humanas, mas inteiramente da observao das regras de procedi.mente cientfico, sendo, portanto, interpessoal.

    O elemento ideolgico na indagao cientfica no precisa sempre serum obstculo em alcanar resultados vlidos interpessoalmente. Se talno fosse o caso, teria ocorrido muito pouco progresso cientfico. A moti-vao ideolgica tambm pode estimular o desenvolvimento da cincia.Descobertas foram feitas na fsica e na qumica como conseqncia dodesejo de lucrar ou de promover a defesa nacional (de fato, o prprio

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    180 desenvolvimento dessas cincias est intimamente relacionado indstriamoderna e guerra). A cincia biolgica tem sido estimulada por moti-vaes de simpatia humana pelo doente e pelo que sofre. A maior partedas contribuies muito importantes das cincias sociais so devidas paixo pelo aperfeioamento e pela justia social. As descobertas da eco-nomia clssica foram, assim, motivadas ideologicamente pela paixo pelaliberdade e justia, bem como pelos interesses da classe mdia industrial.O progresso da economia industrial foi substancialmente motivado ideolo-gicamente pelo desejo da justia pelo melhoramento do grupo da classetrabalhadora industrial. Alguma relao parece existir entre a naturezadas motivaes e sua influncia favorvel ou desfavorvel no desenvolvi-mento da economia e de outras cincias sociais. As motivaes "conser-vadoras", isto , motivaes resultantes do desejo de manter as instituiessociais e os padres de civilizao estabelecidos, tende a desfavorecer,enquanto motivaes "progressistas" que resultam do desejo de mudar e 'melhorar as instituies sociais e os padres de civilizao tendem a Iavo-recer a consecuo de resultados ,cientificamente vlidos no domnio dascincias sociais. Porque o desejo de mudana e aperfeioamento, cons-ciente ou subconsciente, que cria a inquietude da mente, resultando nainvestigao cientfica da sociedade humana.

    3- AS UNIDADES DE DECISO ECONOMICA E, SUACOORDENAO

    A administrao de recursos escassos, ou atividade econmica, con-duzida por, vrias unidades, tais como: indivduos, famlias, empresas, ouentidades governamentais. Cada um deles tem sua disposio certosrecursos e toma decises quanto a seu uso. Vamos cham-los de unidadesde deciso econmica (ou de atividade econmica). Distinguem-se ordi-nariamente trs tipos de usos dos recursos: (i) consumo ou uso dos recur-sos para satisfao direta das necessidades; (ii) produo ou preparaoe adaptao dos recursos para a satisfao das necessidades atravs deaes, tais como mudar as qualidades fsicas, qumicas' e biolgicas, mudara posio no espao e armazenar para uso futuro; (iii) troca nu uso derecursos para obteno de outros recursos oriundos de outras unidadesde deciso econmica. De maneira anloga, as unidades de deciso econ-mica so freqenternente classificadas como consumidoras e produtoras,

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    respectivamente. Essas classes, no entanto, no' so mutuamente exclusivas,visto que a mesma unidade usualmente consumidora e produtora aomesmo tempo (uma fazenda, por exemplo), e quase todas as unidadesna sociedade, moderna praticam a troca. Praticamente no existe nenhumaunidade que pratique apenas a troca, 'e. g., o comrcio sempre envolvealguma mudana na localizao ou armazenagem de recursos. Uma clas-sificao mais importante aquela de acordo com os objetivos que guiamas decises das unidades. Nesta base, trs tipos de unidades podem serdistinguidos:

    1 - Famlias - o objetivo das decises destas unidades o consumo,isto , satisfao das necessidades. As famlias praticam a troca e a pro-duo, mas estas atividades so realizadas com a finalidade de prover asatisfao das necessidades dos membros da unidade. As famlias apre-sentam-se de diferentes formas, mormente como pessoas individuais, fam-lias, empresas, e at rgos pblicos (e. g., um orfanato municipal). Nanossa sociedade a famlia a forma dominante de agente de consumofinal.

    2 - Firmas ou Empresas Comerciais - estas so unidades que pra-ticam a troca com o propsito de obter lucro, isto , uma diferena entreo valor monetrio dos recursos vendidos e o valor monetrio dos recursoscomprados. As firmas so praticamente sempre produtoras, diferenciando-se de outros produtores pelo objetivo da sua atividade, principalmentea obteno de lucro. Elas assumem diversas formas: empresas individuais,grandes empresas e tambm. rgos governamentais. Na nossa sociedadeatual a empresa a forma dominante.

    3 - Servios Pblicos - trata-se de entidades que operam com opropsito de contribuir para que sejam atingidos certos objetivos sociais(geralmente chamados de bem-estar pblico). Exemplos de serviospblicos so escolas, hospitais, institutos de pesquisas, servios industriaisde utilidade pblica, correios, exrcito, marinha, etc. Na maioria dos casos,os servios pblicos so operados por algum ramo do governo, federal,estadual ou municipal. Mas este no sempre o caso, e. g., universidadese hospitais particulares. Certos servios pblicos so administrados tam-

    . bm por um ou mais governos ou. por governos e instituies privadas.

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    Os trs objetivos que servem como base para esta classificao semprepodem ser conceitualmente distinguidos. Deste modo, cada unidade dedeciso econmica ser considerada como sendo uma Iamlia, uma empresa

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    ou um servio pblico. Sob certas circunstncias, a busca de um dessesobjetivos pode implicar exatamente as mesmas aes que a busca de umoutro. Ento, um servio pblico pode, de acordo com o objetivo socialescolhido, agir exatamente como uma empresa comercial. Em tais casos, necessrio determinar o real objetivo das decises, e. g., busca de umobjetivo social ou de lucro. Isto pode ser feito variando-se as circunstn-cias hipoteticamente, "de tal modo que os diferentes objetivos impliquemdiferentes aes, e questionando-se as aes que sero seguidas. Devemos,tambm, observar que indivduos podem ser membros de vrias unidadesde deciso econmica. Por exemplo, uma pessoa pode ser membro de umafamlia e, ao mesmo tempo, de vrias empresas comerciais.

    As decises de uma unidade podem ser independentes das decisesde outras unidades e podem no exercer influncia sobre elas. Diz-se,ento, que a unidade isolada. As unidades de deciso econmica isoladasso necessariamente as famlias, Na sociedade moderna, no entanto, asdecises das vrias unidades influenciam-se umas s outras; so interdepen.dentes. A totalidade das unidades de deciso econmica interdependentes chamada de economia ou de sistema econmico. Se as decises das dife-rentes unidades numa economia sero executadas, elas devem ser consis-tentes umas com as outras. Ento, a quantidade de recursos que algumasunidades desejam consumir deve ser igual quantidade que as mesmasunidades ou outras desejam produzir: a quantidade de recursos que algu-mas unidades desejam adquirir por troca deve ser igual quantidade queoutras desejam ceder na troca; a quantidade total de um recurso desejadopelas unidades deve ser igual quantidade disponvel na economia.Quando as decises das vrias unidades na economia so consistentes umascom as outras, diz-se que a economia est" em equilbrio. A menos que aeconomia esteja em equilbrio, as decises das unidades no podem sertodas transformadas em aes. Para que a ao se torne possvel, as deci-ses devem ser coordenadas, isto , ser tornadas consistentes umas comas outras.

    Existem dois mtodos principais atravs dos quais as decises dasvrias unidades so coordenadas, Uma planejar, isto , coordenao feitapor uma autoridade central com poder de influenciar as decises dasunidades. Os meios usados pelos planejadores para influenciar as decisesdas unidades so muitos. Eles podem prescrever quotas, isto , quanti-dades de recursos a serem produzidos ou consumidos, comprados ou ven-didos por parte de cada unidade. Podem tambm usar meios mais indiretoscomo, por exemplo, subsdios e impostos para encorajar ou desencorajar

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    certas decises. Outra maneira de planejar utilizar a- regulamentao, 183isto , a fixao de regras que as unidades devem observar nas suas deci-ses e aes. Os planejadores podem atuar sobre toda a economia ousomente sobre parte dela. O planejamento pode ser pblico, e. g., umaentidade do governo, ou privado, como por exemplo uma associaocomercial ou um cartel. Podemos, correspondentemente, distinguir entreplanejamento privado e planejamento pblico.

    O outro mtodo de coordenao o mercado. O mercado um padroregular e recorrente de relaes de troca entre as unidades de decisoeconmica. A troca regular entre um grande nmero de unidades presosupe o uso de um meio de troca geralmente aceito, principalmente dodinheiro. As unidades, ento, efetuam suas trocas em dois estgios: vendae compra; vendem seus recursos por dinheiro e compram com o dinheiroos recursos desejados. A razo na qual o dinheiro e os recursos so trocadosno mercado chamada de preo. Encontrando-se no mercado, as vriasunidades competem umas com as outras com suas ofertas e demandas.Ajustam e reajustam as suas quantidades oferecidas e demandadas, bemcomo seus preos, at que a "coordenao de suas decises seja alcanada.Ento, atravs de uma interao das unidades no mercado, chega-se aoequilbrio da economia. Isto acontece involuntariamente, como um resul-tado da busca por parte de cada unidade de atingir seus prprios obje-tivos (consumo, lucro ou servio pblico). O mercado, assim, produzautomaticamente um resultado equivalente quele do planejamento. Suaoperao tem sido comparada, por isso, de uma mo invisvel (AdamSmith e outros) que produz coordenao a partir de decises autnomasde muitas unidades separadas. Nem todos os mercados, no entanto, socapazes de produzir tal coordenao, nem a coordenao obtida sempreconsistente com os objetivos sociais aceitos. Em tais casos, o planejamento usado ou no' para alcanar a cJordenao de outro modo inacessvel,ou para corrigir a coordenao produzida pela "mo invisvel" do mer-cado.

    Planejamento e mercado no se excluem. O planejamento pode uti-lizar a uniformidade de padres de comportamento das unidades queoperam no mercado como um dos meios de influenciar nas suas decises.Isto acontece, por exemplo, quando os planejadores estabelecem tarifasou pagam subsdios para influenciar nas quantidades compradas 0\1vendidas. Algumas vezes, a regulamentao - um mtodo especial deplanejamento - necessria para capacitar o mercado a alcanar a coorde-nao das decises das unidades. Os dois mtodos de coordenao coexis-

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  • 184 tem. Entretanto, em diferentes sociedades histricas, um ou outro dessesmtodos tem papel preponderante e aparece como meio principal decoordenar todas as unidades na economia. O desenvolvimento da econo-mia como uma cincia est intimamente ligado ao crescimento prepon-derante do mercado nos tempos modernos. A operao coordenadora domercado e, s vezes, o fracasso do mercado em levar coordenao dedecises colocaram o problema intelectual que propiciou o surgimento e aevoluo da cincia econmica.

    4 - O CAPITALISMO E OUTRAS FORMAS DEORGANIZAO ECONOMICA

    A histria da sociedade humana nos confronta com diferentes ma-neiras pelas quais a administrao de recursos escassos organizada. Detodos os tipos de atividades econmicas, a produo aquela para a qualos homens dedicam mais . tempo e ateno. Classificamos, portanto, asformas de organizao econmica conforme as unidades de deciso econ-mica que so dominantes no desempenho da produo. Em tempospas-sados quase todos os produtores eram famlias, sendo a administrao derecursos levada a cabo em unidades isoladas. Tal forma de organizaoeconmica usualmente chamada de economia domstica. Acrescente inter-dependncia das famlias atravs da troca de bens e servios levou apario da firma ou empresa comercial como a unidade produtora domi-nante na economia. Atualmente, na maioria dos pases avanados, a pro-duo feita por firmas.

    As firmas ou empresas comerciais tm como objetivo uma nicavarivel, a saber, o lucro. Nisso elas diferem das famlias e dos serviospblicos. Uma famlia, por exemplo,. deseja satisfazer diversas necessi-dades, no sendo sua preocupao meramente atingir certo objetivo. Con-sideraes similares valem para os servios pblicos. 'Tendo uma nicavarivel como objetivo, a empresa o atinge tanto melhor quanto maiorfor o valor da varivel alcanada. Em outras palavras: buscando o lucrocomo seu objetivo, uma empresa quer maximiz-lo. Usa os recursos suadisposio - seu. capital - de tal maneira a obter o maior lucro possvel.Uma economia na' qual toda ou a maior parte da produo feita porempresa chamada de .economia capitalista; a organizao econmica quedelega a produo para as empresas chamada de caPitalismo. Na nossa

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    -W'';at~'}!economia atual, a maioria das firmas ou empresas comerciais so proprie- 185dades privadas (mais Ireqentemente, so grandes empresas privadas) . ,contudo, possvel ter-se uma idia de uma organizao econmica na quala, produo delegada a empresas pblicas que visam maxirnizao dolucro. Usaremos o termo capitalismo estatal para caracterizar tal organi-zao econmica. Para fins de distino, podemos descrever nossa orga-nizao econmica atual como capitalismo privado. Uma vez que uma~mpresa pblica que visa maximizao do lucro opera exatamente comouma empresa privada, esta distino no de importncia para a teoriaeconmica, por mais significativa que possa ser do ponto de vista da socio-logia ou. da cincia poltica.

    A busca de lucro implica participao na troca. As firmas regular-mente compram e vendem recursos. O mercado , por isso, uma parteintegrante da economia capitalista. , de fato, o mtodo principal peloqual vrias unidades de deciso na economia capitalista so coordenadas.O planejamento, contudo, no excludo como um, mtodo de coorde-nao no capitalismo. Ele teve um papel importante no capitalismo primi-tivo (poltica mercantilista, por exemplo) e cresce firmemente em impor-tncia na economia capitalista atual. A existncia do. mercado no suficiente para a economia ser capitalista; um mercado existe, por. exem-plo, numa organizao econmica na qual a produo feita pelas famliasque regularmente trocam parte ele seus produtos. Para a economia sercapitalista, de acordo com nossa definio, o lucro deve ser o nico obje-tivo das unidades empenhadas na produo. Isso exclui uma economiaonde a satisfao das necessidades rivalizam com o objetivo de obter lucro.Um arteso pode recusar-se a usar uma oportunidade de auferir um lucroadicional porque no vale o esforo envolvido, ou porque ele preferededicar seu tempo satisfao de necessidades especficas, como compa-nhia, diverso, etc. Um fazendeiro pode deixar de maximizar o lucroporque prefere consumir alguns de seus produtos ao invs de vend-Ios.Para que a unidade produtiva tenha o lucro como seu nico objetivo,ela deve ser inteiramente separada da famlia (ou famlias) a que per-tence e, ademais, todos os servios das pessoas empregadas pela unidadedevem ser comprados no mercado.

    A condio de todos os servios de pessoas empregadas pela unidadeprodutiva serem comprados no mercado implica que essas pessoas nopossuam a empresa. Esses servios devem ser fornecidos por trabalhadoresassalariados ou por escravos comprados pela empresa. Na antiguidade asempresas comerciais que operavam com trabalho escravo desempenhavam

    Lit. econ., 7(2) [un. 1985 221