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Laurentia (América do Norte) F~ lAiiIlIs~ ildaptado de Dalziel, Mosher e Gahagan, 2000

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Laurentia(América do Norte)

F~ lAiiIlIs~ildaptado de Dalziel, Mosher e Gahagan, 2000

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- Terra Mãe, em russo -, um dos~ercontinentes nos quais a crosta sedividia há cerca de 1 bilhão de anos,período anterior ao de Gondwana - osupercontinente mais conhecido, for-mado há 750 milhões de anos a partirda fragmentação de Rodínia. Para che-gar a esses resultados, os pesquisado-res do Instituto de Astronomia, Geofí-sica e Ciências Atmosféricas (IAG)usaram a técnica do paleomagnetis-mo, que se baseia no fato de que umarocha, ao resfriar-se, cria uma marcaque mostra a direção do campo mag-nético terrestre naquele momento eassim permite localizar sua posiçãoem relação aos pólos.

Laurentia • O trabalho, desenvolvidoem projeto iniciado em 1998, foi apre-sentado em outubro de 2001 num con-

Quebra-cabeça completadoBlocos ao sul atualizam o primeiromapa de Rodínia (à direita),que se limitava à porção norte.

No mapa maior, osblocos rosa fazem parte,atualmente, do Brasil.Os círculos representamos pólos magnéticoscorrespondentes aosprincipais blocos de Rodínia:os amarelos são os pólosda Laurentia; os azuis,da Antártica e Austrália;e o vermelho, do Kalaharie do Congo-São Francisco. Fonte: Science, vol. 252, 1991

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gresso em Perth, Austrália, e num sim-pósio internacional sobre Rodínia eGondwana reunido em Osaka, Japão.As descobertas completam e corrigemo primeiro mapa de Rodínia, mostradoem 1991 pelo geólogo norte-americanoPaul Hoffman, hoje na Universidade deHarvard, Estados Unidos. Fundamenta-do em estudos feitos basicamente noHemisfério Norte, o desenho de Hoff-man mostrava um supercontinentecujo centro era um grande bloco cha-mado Laurentia - a atual América doNorte. Em torno, aglutinavam-se osque formariam Antártica, Austrália, Si-béria, índia, Kalahari (leste da África),sul da China, Congo-São Francisco (par-te da África e do Nordeste brasileiro) eContinente Báltico (norte da Europa).

O grupo brasileiro, que já atuava naárea desde o início dos anos 70, decidiuentão oferecer uma visão sul-americanade Rodínia, acrescentando peças aoquebra-cabeça de Hoffman. Coordena-do por Igor Ivory Gil Pacca, o grupo doIAG voltou seu foco para as rochas doscrátons, que formaram o sul de Rodínia.Crátons são os blocos rochosos maisantigos da litosfera - camada externado planeta, que é formada pela crosta epelo manto superior, e tem cerca de 100quilômetros de espessura.

O grupo coletou material em MatoGrosso, Rondônia, Ceará, Bahia e Paraná.Pegou amostras também na Argentina,Uruguai, Paraguai e Bolívia e, do outrolado do Atlântico, no Gabão, na Nigériae em Camarões. Foram coletadas rochasdos três tipos: as sedimentares (areni-tos, carbonatos e siltitos), as magmáti-cas (basaltos, granitos, gabros e ande-sitos) e as metamórficas (anfibolitos,granulitos, migmatitos e gnaisses).

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À medida que termi-nava as análises desse ma-terial, o grupo agregavapeças à proposta original.Inicialmente, mostrou quea região central de Goiás,o Rio de Ia Plata (queabrangia o sul do Brasil), aÁfrica Ocidental e outrosblocos menores tambémparticiparam da formaçãoe fragmentação do super-continente.

O resultado é que a ima-gem idealizada por Hoff-man mudou significativa-mente: a Amazônia, porexemplo, saiu do lado oes-te e passou para leste. Se-gundo Pacca, Hoffman in-cluiu a Amazônia no mapade 1991 com base em evi-dências estruturais e seme-lhanças geológicas, mascom pouquíssimas infor-mações paleomagnéticas,indispensáveis para a re-constituição da Terra anti-ga. "Era quase uma suposi-ção, uma possibilidade",comenta. Um dos méritosda equipe da USP foi jus-tamente reunir dados abun-dantes da posição do blocoamazônico em Rodínia."Hoje, não restam mais dú-vidas", assegura.

A história extraída dasrochas reforça as hipótesessobre a aparência que tinha a Terra há1 bilhão de anos - um quinto de sua ida-de. Acredita-se que na época de Rodíniao planeta era uma imensa bola de gelo,resultante, provavelmente, de interfe-rências astronômicas e alterações de ór-bita: o gelo aumentava a reflexão da luz,o que diminuía a absorção de energia.Veio, em seguida, o reverso da medalha:a intensa atividade vulcânica daqueleperíodo emitia uma quantidade enor-me de gases, que acabaram por originarum gigantesco efeito estufa.

O gelo começou a derreter e, emcerca de 10 mil anos - período geológi-co extremamente curto -, a temperatu-ra da Terra passou de 50°C (graus Cel-sius) negativos para 50°C positivos. Asconseqüências sobre a vida, ainda inci-piente, foram imediatas. "Esses eventos

de Pangea que nasceram osatuais oceanos e continen-tes, há aproximadamente100 milhões de anos.

E a dança não pára: es-tima-se que atualmente osblocos se movam 3 centí-metros ao ano, em média.O grupo do IAG apontaalgumas tendências: nospróximos milhões de anos,devem surgir rachadurasna América do Norte, naÁsia e entre a África e aPenínsula Arábica. Brasil e .África se encontrarão denovo, desta vez do outrolado - oeste brasileirocom leste africano.

Tanto as descobertasquanto as conjecturas seapóiam na Teoria da Deri-va Continental, apresen-tada em 1912 pelo cientis-ta alemão Alfred Wegener(1880-1930), mas só con-solidada nos anos 60. Pelateoria, a litosfera é forma-da por partes deformáveischamadas placas tectôni-caso As placas se movemao longo da superfície, sequebram e se juntam,tudo sob o impulso docalor de dentro da Terra.

Rochas marcadas - À me-dida que se recua no tem-po, contudo, cresce a incer-

teza sobre a movimentação efetiva dasplacas, de modo que não se pode dizerque o mapa de Rodínia, mesmo acres-cido pelas contribuições brasileiras,seja definitivo. "Além de persistir algu-ma dúvida sobre quais blocos realmen-te fizeram parte de Rodínia, há diver-gências sobre a posição correta deles eonde exatamente se encaixariam", afir-ma Manoel Souza D'Agrella, do grupodo IAG. Num artigo publicado em mar-ço em Geology, uma das revistas maisimportantes da área, Ebbe Hartz e TrondTorsvik, da Universidade de Oslo, Noru-ega, mostram evidências de que o conti-nente báltico estaria, na verdade, numaposição invertida em relação ao que setem hoje - o norte seria o sul e vice-ver-sa. "Essa verificação teria implicaçõespara a Amazônia, que normalmente

Cachoeira em Vila Bela CMT>: rochas confirmaram as conclusões

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de estresse favoreceram o surgimentodos seres pluricelulares", diz RicardoTrindade, pesquisador da equipe do IAG."Antes, o que havia na Terra eram as cia-nobactérias, seres muito simples e capa-zes de sobreviver em condições adversas:'

Rodínia em pedaços - Foi justamentenessa época de mudanças climáticas in-tensas, há cerca de 750 milhões de anos,que Rodínia começou a se fragmentar ea dança dos blocos passou a formar ou-tro supercontinente: Gondwana. Eleaglutinava as atuais América do Sul,África, Antártica, Austrália e Índia. Osblocos que formariam o Brasil começa-ram a se aproximar do desenho de hojequando surgiu o último dos grandescontinentes: Pangea, há cerca de 300milhões de anos. Foi da fragmentação

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o trabalho de campo exige paciên-cia e certa dose de adrenalina para aaventura. Da última vez em que estive-ram em Rondônia, em julho de 2001, ogrupo teve de invadir áreas controladaspor madeireiras e o carro da universidadefoi confundido com a fiscalização. "Nãofoi nada agradável': conta Pacca: "Quaselevamos uns tiros':

Em campo, os pesquisadores pene-tram as rochas com uma furadeira es-pecial e extraem os cilindros. Imediata-mente, uma bússola determina a direçãodo campo magnético no momento e opesquisador anota na própria amostra.No laboratório, as amostras passampor fornos que aumentam e diminuemalternadamente a temperatura, para eli-minar interferências magnéticas recen-tes. É preciso deixar só o registro anti-go, que é avaliado numa sala blindada-"o lugar de campo magnético menosintenso que existe em São Paulo", se-gundo Márcia.

aparece colada ao continente bálticonas reconstruções de Rodínia", dizHoffman, o autor do primeiro mapa.Segundo ele, um estudo, a sair na Earthand Planetary Science Letters, mostraque a Austrália pode não ter estado aonorte do México, um dos integrantesdo bloco chamado de Laurentia, 1 bi-lhão de anos atrás.

Há divergências, mas num ponto ospesquisadores concordam: seria impos-sível recuperar essa história tão remotasem o paleomagnetismo, ferramenta queo IAG e os outros grupos adotam pararelatar a deriva continental. A técnicaapóia-se no fato de que, seja há 1 bilhãoou há 100 milhões de anos, o resfria-mento de uma rocha sempre registranela a direção do campo magnético ter-restre. "O paleomagnetismo determinaa latitude em que o bloco de rocha seencontrava e a posição dele em relaçãoao eixo da Terra", afirma a geofísicaMárcia Ernesto, que divide com Pacca acoordenação da equipe da USP.

No final dos anos 90, já com as pri-meiras amostras à mão, o grupo do IAGconstatou que a posição do pólo arqui-vada nas rochas não correspondia à atu-al: numa era vertical, noutra horizontal,outras eram posições diagonais diver-sas. A hipótese de que o campo magné-tico terrestre tenha se alterado ao lon-go do tempo foi logo descartada: "Ospólos magnéticos terrestres sempre es-tiveram muito próximos dos pólos geo-gráficos", enfatiza Pacca. "E o eixo mag-nético terrestre funciona como umgrande ímã de barras, próximo ao eixode rotação:' Portanto, o que explica adiscrepância na orientação magnéti-ca das rochas é que os continentesestiveram mesmo andando.

Rotas continentais - Depois sefez a análise de rochas de idadesdiferentes, coletadas no mesmolugar. A série histórica permiti-ria definir as direções de póloregistradas. Um exemplo hipo-tético: há 800 milhões de anos, adireção era horizontal, aos 600 ªmilhões fez uma curva à esquerda, g

aos 300 milhões à direita e assim ~por diante. A memória das rochas W

arquiva as rotas. Ao se juntar essesrastros e ordená-los numa linha de sen-tidos, surge a curva de deriva polar apa-rente - que mostra claramente os cami-

o PROJETO

Parcerias - O grupo recebeu o reforçodo Centro de Pesquisas Geocronológi-cas do Instituto de Geociências (IG),também da USP. É ali que se fazem asanálises químicas e de elementos radio-ativos, que atestam a idade das rochas."Como a margem de erro é mínima,podemos estabelecer hipóteses cada vezmais coerentes sobre a formação deRodínia", diz Wilson Teixeira, diretor doInstituto de Geociências (IG) da USP,que integra o grupo. Foi o IG, aliás, quesediou um encontro internacional sobreRodínia, em agosto do ano passado.

O grupo do IAG, hoje umas das refe-rências internacionais e provavelmente oúnico a trabalhar com paleomagnetismono Brasil, atua em colaboração tambémcom grupos da Universidade EstadualPaulista (Unesp) em Rio Claro e as uni-versidades federais da Bahia, do Pará e

do Rio Grande do Norte, que facili-tam a coleta e interpretação dos re-

sultados. Há ainda parcerias comespecialistas das universidades deBerkeley (Estados Unidos), Tri-este e Pádua (Itália), Suécia,Toulouse (França) e Buenos Ai-

res (Argentina). O habitual espí-rito de colaboração entre cientistasé reforçado pelo fato de ninguémsaber onde pode estar a rocha fal-tante no quebra-cabeça que cadagrupo procura montar. •

Participação das UnidadesCratônicas da América do Sulna Evolução de Supercontinentes,Desde o Mesoproterozóico

MODALIDADEProjeto temático

COOROENAOORIGOR IVORY GIL PACCA - IAG/USP

INVESTIMENTOR$ 292.409,52

PESQUISA FAPESP . MAIO DE 2002 • 51

nhos dos continentes. Foi o que aconte-ceu com os arenitos colhidos em duascachoeiras de Mato Grosso - uma emSalto do Céu, perto de Cuiabá, outra emVila Bela da Santíssima Trindade, anti-ga capital do Estado, próxima à Bolívia-, que deram segurança sobre onde es-tavam os blocos que formariam a Amé-rica do Sul.

Traçadas as rotas de movimento daAmérica do Sul e da África, os pesquisa-dores puseram a primeira sobre a segllll-da e vice-versa, e viram exatamente ondee quando esses continentes se aproxi-mara ou se afastaram.

História refeita: blocos de rocharegistram a localização

do pólo magnético da Terra