LAYSLA RIBEIRO DA SILVA - Seminário de Educação · aspectos semelhantes nas obras Hamlet, o...

28
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UnU DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS CURSO DE LETRAS UM ESTUDO COMPARATIVISTA ENTRE HAMLET DE SHAKESPEARE E AGORA ESTOU SOZINHA DE PEDRO BANDEIRA LAYSLA RIBEIRO DA SILVA ANÁPOLIS 2009

Transcript of LAYSLA RIBEIRO DA SILVA - Seminário de Educação · aspectos semelhantes nas obras Hamlet, o...

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁSUnU DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS E HUMANAS

CURSO DE LETRAS

UM ESTUDO COMPARATIVISTA ENTRE HAMLET DE SHAKESPEARE E

AGORA ESTOU SOZINHA DE PEDRO BANDEIRA

LAYSLA RIBEIRO DA SILVA

ANÁPOLIS

2009

LAYSLA RIBEIRO DA SILVA

UM ESTUDO COMPARATIVISTA ENTRE HAMLET DE SHAKESPEARE E

AGORA ESTOU SOZINHA DE PEDRO BANDEIRA

Artigo apresentado à Coordenação do Curso de Letras para fins de obtenção do grau de Licenciado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa e Literatura pela Universidade Estadual de Goiás.Orientadora: Ms. Euda Fátima de Castro

Anápolis

2009

FOLHA DE APROVAÇÃO

Autor: LAYSLA RIBEIRO DA SILVA

Título: UM ESTUDO COMPARATIVISTA ENTRE HAMLET DE SHAKESPEARE E

AGORA ESTOU SOZINHA DE PEDRO BANDEIRA

Data da Defesa: 02 de dezembro de 2009.

BANCA EXAMINADORA

CONCEITO

___________________________ ____________________________Profa. Ms. Euda Fátima de Castro

Presidente

_______________________________ _____________________________Profa. Esp. Virgínia Paiva Bueno Sakai

“Os livros falam sempre de outros livros e toda história conta uma história já contada.” Umberto Eco

RESUMO

O presente artigo científico visa uma comparação entre duas obras de escritores de épocas e origens distintas: Shakespeare e Pedro Bandeira. Embora apresentem características diferentes, investigamos os aspectos semelhantes nas obras Hamlet, o príncipe da Dinamarca e Agora estou sozinha, tendo por base a teoria da literatura comparada, as características da tragédia e da literatura infanto-juvenil. Neste sentido, foi possível comparar os aspectos que dizem respeito ao enredo, à linguagem e à caracterização das personagens presentes nas obras citadas, mostrando, ainda, a transposição que se dá, no aspecto formal, do trágico para o romance infanto-juvenil.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Comparada. Literatura Infanto-Juvenil. Tragédia.

ABSTRACT

This scientific article aims to compare two works of writers from different origins and ages: Shakespeare and Pedro Bandeira. Although they have different characteristics, the similar aspects in their works were investigated: Hamlet, Prince of Denmark and Agora estou sozinha, based on the theory of comparative literature, the characteristics of tragedy and children’s literature. In this sense, it was possible to compare the aspects relating to the plot, characterization of the characters found in the works, showing, also, the transposition that occurs in the formal aspect from the tragic to the juvenile novel.

KEYWORDS: Comparative Literature. Children’s Literature. Tragedy.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................08

I-REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................09

1. A TRAGÉDIA..........................................................................................................09

2. LITERATURA INFANTO-JUVENIL.................................................................10

3. LITERATURA COMPARADA............................................................................10

II - DISCUSSÃO............................................................................................................11

1. DOIS AUTORES, DUAS ÉPOCAS......................................................................11

2. HAMLET X AGORA ESTOU SOZINHA: UM ESTUDO COMPARATIVO.. 12

2.1 Os gêneros..............................................................................................................12

2.2 Os enredos..............................................................................................................13

2.3 Linguagem e Intertextualidade.............................................................................20

2.4 Caracterização dos personagens...........................................................................21

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 26

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................27

INTRODUÇÃO

O principal objetivo desta pesquisa é comparar os elementos linguísticos e

literários das obras Hamlet de Shakespeare e Agora estou sozinha de Pedro Bandeira,

verificando os aspectos da criação literária do escritor inglês que influenciaram

Bandeira. Pretende-se, assim, comparar o discurso das personagens das obras em

análise, verificando a transposição que se dá do gênero teatro para o romance, além de

alguns aspectos históricos que influenciaram nas criações literárias em análise.

Para a realização desta pesquisa, o caminho percorrido foi o estudo bibliográfico

de obras teóricas de literatura infanto-juvenil e comparada, além da leitura e análise da

obra Agora estou sozinha de Pedro Bandeira e da tradução de Hamlet de Shakespeare.

Utilizou-se como principal referencial teórico Bloom (2001) que faz uma discussão

sobre o autor inglês Shakespeare e Bloom (2004) que realizou um estudo sobre Hamlet.

Utilizou-se, ainda, Carvalhal (2006), Coelho (1996), Zilberman (2003), dentre outros.

Recorreu-se à tradução de Hamlet e não ao original devido ao fato de que esta

análise se baseia nas características gerais das obras como enredo, personagens e

aspectos formais e estruturais. Considera-se a tradução algo importante para que o

público adolescente tenha acesso a tais leituras. Sobre isso, Cademartori (2009, p.69)

afirma que, “(...) sem o transporte e transformação que os tradutores realizam não

haveria cultura literária. Não iríamos além do limite da nossa língua e da nossa cultura.

Não conheceríamos o outro. Seríamos mais pobres.”

Espera-se que este trabalho possa incentivar a leitura de clássicos, promovendo a

análise comparada que, com certeza, contribuirá para a formação cultural e crítica de

alunos de ensino básico.

9

I – REVISÃO DE LITERATURA

1. A TRAGÉDIA

Segundo Aristóteles (2006, p.13) “a tragédia é a imitação de uma ação completa,

com princípio, meio e fim, e sem ação não há tragédia. Uma das principais

características da tragédia é a intriga.” Em Hamlet encontra-se a presença de todas as

características assinaladas por Aristóteles. A intriga se dá devido ao encadeamento de

fatos e ações de Hamlet na tentativa de vingar-se da morte de seu pai, decidindo fingir-

se de louco. Influenciados pela loucura do príncipe, alguns personagens contribuem

para que a intriga evolua para o final trágico. Um dos personagens que mais colabora

para que a intriga cresça é Polônio, o pai da amada de Hamlet. Tal personagem justifica

a loucura do jovem príncipe ao dizer que Hamlet perdeu o juízo após obter o desprezo

de Ofélia, devido a um pedido de Polônio, pois seu pai achava que a jovem deveria se

afastar de Hamlet, o que fez com que a ingênua garota menosprezasse o príncipe. Para

provar tal crença, Polônio se escondeu atrás de uma cortina durante a conversa de

Hamlet com a rainha. O príncipe, ao perceber tal presença mata-o pensando que fosse o

atual rei. A conseqüência desse fato será a partida do príncipe para a Inglaterra.

Ainda, segundo Aristóteles (2006, p.44) outra característica da tragédia se refere

ao nome das personagens. Alguns poetas recorrem a nomes de pessoas conhecidas pelo

autor, o que confere mais confiabilidade à obra. Shakespeare segue essa característica

quanto a dois personagens: o protagonista e Ofélia. Segundo Zuba (2006, p.7) o nome

do jovem príncipe da Dinamarca foi inspirado em Hamnet, o único filho que

Shakespeare teve e morreu aos 11 anos, em 1596, quatro ou cinco anos antes do

surgimento da versão final de Hamlet. E o nome da amada do príncipe, Ofélia teria sido

uma homenagem a uma jovem chamada Kate Hamlet ou Hamnet, que se afogou no rio

Avon, perto de Stratford, supostamente em conseqüência de uma desilusão amorosa.

Shakespeare explorou várias características da tragédia em Hamlet, tais como a

intriga, a ação, a sequência de fatos e os nomes dos personagens. Através dessas

características far-se-á uma comparação entre a recriação feita por Bandeira e a de

Shakespeare, verificando os aspectos que aproximam estas obras.

10

2. LITERATURA INFANTO-JUVENIL

A preocupação com a literatura para criança está relacionada ao surgimento da

educação escolar a partir dos séculos XVIII e XIX, com os reformadores moralistas,

principalmente os eclesiásticos e, por isso, é marcada por influências religiosas e

moralizantes, com a função puramente utilitária. Somente com o desenvolvimento da

Pedagogia e da Psicanálise, sobretudo da Psicologia que já apresentava a subdivisão dos

conceitos de criança e adolescente, que a literatura infanto-juvenil começou a dar ênfase

no aspecto “agradável” da leitura desse gênero. Ela é um dos maiores instrumentos de

conscientização de um grupo ainda imaturo, mas evidentemente esperto, para perceber

os problemas do mundo moderno. Tal literatura mexe com emoções e sentimentos, e

atua diretamente na formação de conceitos. Um bom livro pode interagir diretamente na

assimilação do conhecimento e na construção da afetividade, elementos essenciais para

a formação e desenvolvimento do ser humano e sua promoção social.

A literatura infanto-juvenil brasileira surgiu e se firmou a partir do século XX.

Segundo Magnani (2001, p.86) já na década de 20, Monteiro Lobato tem a tendência a

equilibrar o “útil” e o “agradável” numa concepção não utilitarista do discurso ficcional

dirigido a essa faixa etária. Contudo, somente na década de 70 o modelo utilitário entra

em crise. Alguns autores tentam recuperar o estatuto artístico da produção literária

voltada para crianças e adolescentes. Dentre eles podemos citar Lygia Bojunga, Ruth

Rocha e Chico Buarque.

3. LITERATURA COMPARADA

A literatura comparada é uma forma de investigação literária que confronta duas

ou mais literaturas. Assim a proposta desta pesquisa é a comparação das obras Agora

estou sozinha de Pedro Bandeira com Hamlet de William Shakespeare. Trata-se de uma

recriação em nível intertextual, propondo uma modernização da obra de Shakespeare

Hamlet: do clássico para o moderno, da tragédia para o romance infanto-juvenil, da

tradição clássica para a narrativa adequada ao público infanto-juvenil. Bandeira propõe

ao leitor jovem uma releitura da tragédia, motivando–o a uma leitura comparativa, na

qual se pode perceber a influência da obra de Shakespeare na composição de Agora

estou sozinha de Pedro Bandeira. Neste sentido, afirma Bloom (apud CARVALHAL,

11

2006, p. 60) “(...) que não é a influência que faz o poema menos original, às vezes o faz

mais original embora não necessariamente melhor.”

Para a Literatura Comparada, a recepção de uma obra não é o objeto de análise

isolado, um fim em si mesma, mas seu estudo é uma etapa das relações interliterárias

genéticas (nascidas do contato direto ou não). Busca-se uma forma específica de

interrogar os textos literários na sua interação com os outros textos literários ou não,

outras formas de expressão cultural ou artística.

Nesse sentido Bandeira justifica a intertextualização da obra de Shakespeare

dizendo:

Shakespeare me mostrou que, quando se trabalha com os sentimentos humanos, uma obra de arte jamais morrerá porque, ainda que a tecnologia e o modo de viver evoluam, sentimentos como amor, paixão, ódio, inveja, cobiça e ciúme, fazem parte da vida humana e nunca desaparecerão. (BANDEIRA, 2009, p.1).

II – DISCUSSÃO

1. DOIS AUTORES, DUAS ÉPOCAS

William Shakespeare foi o terceiro filho do casal John e Mary, poeta inglês e

maior dramaturgo da literatura universal. Escreveu suas obras para um pequeno teatro

de repertório, no final do século XVI e início do século XVII. Seus textos literários são

verdadeiras obras de arte que permanecem vivos até os dias de hoje, e um dos mais

importantes escritores da língua inglesa, considerado como o maior escritor universal,

devido ao fato de suas obras dramáticas serem encenadas e lidas em todo o mundo. As

aparências enganam e o predomínio da paixão sobre a razão foram temas frequentes em

sua obra. Shakespeare combina entretenimento e sabedoria uma de suas obras mais

significativas é a que compõe o corpus desse trabalho, Hamlet.

Hamlet é a tragédia da dúvida, do desespero do solitário príncipe e da violência

do mundo. Mostra o desejo de vingança desse jovem que busca respostas sondando a

alma humana, é a peça de Shakespeare mais representada e estudada até hoje. Através

dessa obra, Shakespeare traz a preocupação da natureza humana e suas contradições,

destacada na principal frase da peça: “Ser ou não Ser, eis a questão”.

12

Na década de 80, Pedro Bandeira vê na literatura voltada para adolescente um

dos maiores instrumentos de conscientização para essa faixa de leitores ainda imaturos,

mas capazes de perceberem os problemas do mundo moderno. Ao longo de 25 anos

dedicados exclusivamente ao ofício de escritor, publicou mais de 70 títulos e vendeu

cerca de 20 milhões de exemplares. Bandeira, preocupado com a literatura como arte e

elemento sedutor para a leitura, faz uma advertência ao professor de literatura

condenando a leitura por obrigação:

Nada no ensino deve ser obrigatório. Ensinar é seduzir. Se o professor não conseguir seduzir os alunos para a Matemática, eles jamais gostarão da Matemática. O caso da literatura, porém, é ainda mais grave, pois os livros são feitos para agradar, para divertir. Transformar sua leitura em algo imposto, alguns livros obrigatório, diminui muito a própria essência da arte.(BANDEIRA, 2009, p.1)

Bandeira inova a cada obra que publica. Hoje a leitura de livros tem se tornado

cada vez mais escassa e tem sido substituída constantemente pela tecnologia. Se os

jovens não encontram prazer nas leituras são desmotivados a ler. A preocupação do

autor é criar obras que aproximem os adolescentes da realidade histórica e social,

desmascarando as ideologias das instituições sociais, dentre elas pode-se citar as que

fazem parte da série “Os Karas”. Outra forma de produção do autor é a

intertextualização de literaturas clássicas para compor obras dirigidas ao leitor juvenil.

Dentre elas estão: Agora estou sozinha (Hamlet), A hora da verdade (Otelo e Dom

Casmurro), O medo e a ternura (O corcunda de Notredame) e A marca de uma lagrima

(Cyrano de Bergerac). Para entender o processo intertextual é necessário que se faça

uma análise comparada entre as duas obras, que é a proposta deste trabalho.

2. HAMLET X AGORA ESTOU SOZINHA: UM ESTUDO COMPARATIVO

2.1 Os gêneros

Shakespeare foi um daqueles grandes escritores que conseguiu não apenas levar

peça aos palcos da sua época, mas fazer com que elas o imortalizassem. Em Hamlet

13

temos a mais perfeita de suas tragédias, é sua peça mais longa contém 4.042 linhas com

29.551 palavras, 73% delas em verso e 27% em prosa.

Hamlet constitui-se como uma tragédia, cujo final consiste na morte do rei, da

rainha, de Laertes e do protagonista Hamlet. Do início da peça o espectro do falecido rei

Hamlet conta ao filho de seu assassinato, fato que gera conflitos e morte, pois, sem

dúvida alguma, o jovem príncipe parte para a vingança. Segundo Bloom:

Hamlet faz parte da tragédia de Shakespeare contra a “tragédia de vingança”, não pertencendo a gênero nenhum. De todos os poemas, é o mais ilimitado. Como reflexão sobre a fragilidade humana em confronto com a morte, a peça tem como rival tão somente as escrituras do mundo. (BLOOM, 2004, p.17)

Agora estou sozinha, caracteriza-se como um romance infanto-juvenil que

refere-se à história de uma família contemporânea, cujo enredo é baseado em conflitos

sociais e familiares, porém os sentimentos humanos presentes na obra são basicamente

os mesmos da tragédia de Shakespeare escrita em 1602. Bandeira ao escrever Agora

estou sozinha, baseada em Hamlet, traz para a atualidade uma adolescente que, tal qual

o personagem de Shakespeare, teve de enfrentar sozinha uma grande conflito familiar.

Para isso, Bandeira recriou o enredo e as personagens motivadas pela obra Hamlet.

2.2 Os enredos

Segundo Bloom (2001, p.863) “se não fosse Shakespeare, seríamos muito

diferentes, pensaríamos diferentes.” Shakespeare é o melhor e o mais importante

escritor da língua inglesa, cujas obras são encenadas ou lidas em todo o planeta.

Shakespeare influenciou Bandeira que recriou algumas de suas mais importantes

obras como Agora estou sozinha baseada em Hamlet e A hora da verdade em Otelo.

Bandeira mostra essa influência através de diversos aspectos, como as falas, os

personagens e o enredo. Nesse sentido Bandeira afirma:

Todo jovem ator (e eu fui um deles) sonha em, um dia, fazer o papel de Cyrano de Bergerac e o de Hamlet. Assim, eu não poderia deixar de fazer uma recriação juvenil de Hamlet como eu fiz a de Cyrano. (BANDEIRA, 2005, p. 1)

14

Bandeira recria Telmah com base em Hamlet e traz para os dias atuais o jovem

príncipe, marcante personagem da literatura universal, no papel de uma adolescente que

enfrenta a todos em busca de resposta para os seus conflitos.

Acredita-se que a data da composição da obra de Hamlet tenha sido entre 1601 e

1602, mas só foi impressa em 1603. Na peça, Shakespeare representava o Fantasma do

pai de Hamlet.

A peça Hamlet se abre em uma noite fria no castelo de Elsinore. Ali as

sentinelas tentam convencer Horácio, amigo do príncipe Hamlet, de terem visto o

fantasma do rei morto. Quando Horácio conta esse fato ao príncipe, este decide vê-lo

pessoalmente. O episódio do fantasma ocorre no encontro entre o príncipe e o espectro

de seu pai, que lhe revela que Cláudio, tio de Hamlet, aquele com quem sua mãe se

uniu, o matou com um frasco de veneno despejado em seus ouvidos. O fantasma pede a

Hamlet que vingue a sua morte e o príncipe concorda. Na tentativa de entender os

acontecimentos ocorridos em sua ausência, Hamlet sente a necessidade de fingir-se de

louco após a revelação do espectro. Movido por sua vingança, inicia assim fatos que

levam à morte pessoas amadas pelo príncipe.

Em Agora estou sozinha o narrador começa contando a história de Telmah que

se revolta ao saber que seu pai irá se casar com a melhor amiga de sua mãe, pouco

tempo depois da morte desta. Durante sua festa de aniversário, nada desejada, Telmah

se isola, pois não aceita o que o pai está fazendo com a memória de sua mãe. Todos que

estavam ali, incluindo suas colegas de escola, eram vistos por ela como interesseiros.

Exceto Filhinha, sua cachorrinha, melhor amiga, e Tiago por quem tem uma paixão

correspondida. O romance, todavia, não pode realizar-se, não por enquanto. Isso porque,

na noite de seu aniversário, algumas amigas de Telmah decidem dormir em sua casa e,

durante a noite, brincam de algo que ela não faz questão de participar: a brincadeira do

copo. No entanto, durante o jogo, Telmah tem uma surpresa: o espírito que vem se

comunicar é o da sua mãe. Mas o que mais a desespera é o clamor de sua mãe por

vingança do seu assassinato. Telmah jura vingança. O recurso da brincadeira “o

chamado do copo” representa a atualização do aspecto fantasmagórico da obra, pois esta

é uma prática entre alguns jovens. A trama da história gira em torno dos transtornos da

menina que quer descobrir a verdade sobre a morte da sua mãe e vingá-la, tendo a ajuda

do garoto que a ama, o único que acreditará nela e na sua história sobre fantasmas.

15

Telmah e Hamlet, os protagonistas, são bem diferentes considerando a época em

que viveram. No entanto, ambos sofreram a mesma dor, pois perderam alguém que

amavam muito e têm que conviver com um “substituto” para essa pessoa amada. Porém,

com a morte do pai, Hamlet, além de sentimentos da perda, sentia-se ludibriado quanto

à sua posição social no reino.

Hamlet perde o pai que tinha o mesmo nome que o seu e não se conforma com o

casamento rápido de sua mãe Gertrudes com seu tio Cláudio. O leitor não é informado

como tal casamento ocorreu, só evidencia tal união na fala do rei ao povo.

REI: Embora a morte de nosso caro irmão Hamlet ainda permaneça viva em nossa lembrança e convenha-nos manter enlutados nossos corações, e seja nosso reino submetido a um só gesto de pesar, todavia, a razão, se opõe à natureza e nos manda dele lembrar com uma dor mais prudente, sem nos esquecermos de nós mesmos. Assim sendo, tomamos para esposa aquela que já foi nossa irmã e é, agora, nossa rainha, a imperial consorte deste Estado guerreiro, muito embora, por assim dizer, com uma alegria desolada, com um olhar risonho e outro derramando lágrimas, com regozijo no funeral e réquiem no casamento, pensando em igual balança o prazer e a dor (Hamlet, o príncipe da Dinamarca, p.19)

Em Agora estou sozinha, Telmah perde sua mãe, cujo nome não é citado, e não

aceita que seu pai se case tão rápido com a melhor amiga de sua mãe, tia Alice.

Alice. “Tia” Alice, que ocuparia o lugar da mãe da menina no leito do pai. Será que já não ocupava? Será que já não tinha ocupado esse lugar muitas vezes, até mesmo “antes” da morte de sua mãe?Telmah ouviu a voz de Alice como intromissão. Pelo que dizia e por estar ali. (Agora estou sozinha, p. 9)

A revelação dos assassinatos, nas duas obras em análise, se dá do contato com os

espectros do pai do príncipe e com o da mãe de Telmah. Em Hamlet o espectro de seu

pai aparece, declara o nome do seu assassino e pede vingança.

Espectro: - (...) Escuta, pois, Hamlet: disseram que estando adormecido em meu jardim, fui mordido por uma serpente; deste modo foram grosseiramente enganados os ouvidos da Dinamarca com essa fábula histórica de meu

16

falecimento; mas, saibas, nobre jovem, que a serpente que tirou a vida de teu pai, usa a coroa que lhe pertencia. (Hamlet, o príncipe da Dinamarca, p.32)

Do mesmo modo, o espectro da mãe de Telmah clama por vingança, só que sem

mencionar o nome do assassino, cabe a Telmah desvendar esse mistério.

VINGANÇA... TELMAH... JURE...- Eu juro, mãe... euADEUS... TELMAH... LEMBRE-SE DE MIM (Agora estou sozinha, p.18)

Cláudio tornou-se rei da Dinamarca, eleito ao trono após o falecimento de seu

irmão, cuja morte ele próprio provocou, e casou-se com Gertrudes, esposa do falecido

rei. Na obra de Bandeira, a tia Alice, corresponde ao papel de Cláudio, com a diferença

de que ela não realizou seu plano de se casar com o pai de Telmah.

Quanto à vida amorosa de Hamlet, o jovem príncipe é apaixonado por Ofélia,

filha de Polônio, tem o seu amor correspondido. Telmah ama Tiago e também é

correspondida.

Hamlet corteja Ofélia através de cartas, uma delas traz o seguinte verso:

Duvida que as estrelas sejam chamas; Duvida que mover-se posso o sol; Duvida que verdade seja o falso; Mas deste meu amor nunca duvides (Hamlet, príncipe da Dinamarca, p. 42)

No primeiro capítulo da obra Agora estou sozinha, Telmah recita para Tiago

versos semelhantes ao que Hamlet escreve para Ofélia: “- Oh, Tiago, duvide do brilho

da estrela e até do perfume da flor; duvide de toda verdade, mas nunca do meu amor...”

(Agora estou sozinha, p. 11).

Hamlet decide fingir-se de louco para não levantar suspeita de sua busca por

vingança do assassinato de seu pai. Sendo assim, resolve que não pode mais cortejar

Ofélia e tenta afastá-la pedindo a sua amada que vá para um convento.

17

Ofélia – Tanto maior foi a minha decepção.Hamlet – Entra para um convento. Por que deseja ser mãe de pecadores? Quanto a mim sou relativamente honesto e, contudo, de tais coisas poderia acusar-me, que melhoria seria se minha mãe não me tivesse colocado nesse mundo. (Hamlet, príncipe da Dinamarca, p. 58).

Fato semelhante ocorre em Agora estou sozinha. Telmah também finge-se de

louca, para que assim possa descobrir o assassino de sua mãe. Então, decide que o

melhor seria que Tiago não se envolvesse em sua trama. Desesperada Telmah liga para

Tiago e pede a ele que se torne padre.

- Sabe que você daria um lindo padre?- Como?- Um padre. Você já pensou em ser padre, Tiago?-Por que você me provoca, Telmah?- Os padres não casam, mas levam uma vida boa. Todos respeitam os padres, em suas paróquias. Vá ser padre, Tiago! (Agora estou sozinha, p. 24).

Hamlet segue com seu plano de loucura, fingindo com suas atitudes e palavras

que está fora do seu juízo normal. O seu maior surto de loucura ocorre quando mata

Polônio, um servo bajulador e pai de sua amada Ofélia. Imediatamente Hamlet é

mandado para a Inglaterra pelo rei.

Rei: - Não o perca de vistas; instai para que embarque imediatamente; não o percais por um só momento, ainda esta noite quero que esteja longe daqui. Ide embora! Já está pronto e terminado tudo o que diz respeito ao assunto. Apressai-vos, por favor. (Hamlet, príncipe da Dinamarca, p. 82).

Telmah, assim como Hamlet, se esforça de todas as formas para que as pessoas

acreditem em sua loucura. Sua sentença é ser mandada para um hospício, quando

Poloni, o médico da família, acha que seria mais conveniente interna-lá, pois no estado

em que ela se encontrava poderia ser capaz de tirar sua própria vida. Bandeira traz a

questão da falsa loucura para os dias atuais, pois Telmah seria atendida por psicólogos

numa das melhores clínicas.

18

“- Hospício? Ora, Claudio! Essa palavra não se aplica à clínica desse meu colega. É uma casa de repouso sofisticadíssima, tão confortável quanto esta casa. Lá Telmah terá o melhor tratamento do país. Fique tranqüilo. Sua filha não poderia estar em melhores mãos.” (Agora estou sozinha, p. 47).

Diferente de Hamlet, em Agora estou sozinha o período em que Telmah esteve

no hospício é de suma importância para o enredo e desfecho da obra, pois é neste

ambiente que ela desenvolve sua capacidade de análise para a grande descoberta do

assassino de sua mãe.

Em Hamlet o exílio do príncipe parece não ter muita importância. Inclusive o

autor não faz a menor menção a nenhum fato ocorrido na Inglaterra. Quando o príncipe

volta da Inglaterra, ele se encontra com Horácio e, só neste momento, o leitor descobre

como ele retornou, e todo o plano de tentativa de assassinato do rei contra Hamlet.

Durante tal conversa o príncipe e Horácio se deparam com o coveiro enterrando Ofélia,

que se deixou morrer nas águas por ter ficado sozinha. Afinal, seu pai foi morto por

Hamlet; Laerte, seu irmão, está fora do país e Hamlet, seu grande amor, partiu para

Inglaterra.

Hamlet: - Amava Ofélia. O amor de quarenta mil irmãos somados, não conseguiria ultrapassar o que eu sentia por ela. (...) Deixa-te enterrar vivo com ela, que eu faria o mesmo; e se falas de montanhas, deixe que sobre nós atirem milhões de acres, até que nossa terra, chamuscando a crista na zona ardente, faça o Monte Ossa parecer uma verruga! Se fazes questão de gritar, direi fanfarronadas iguais as tuas. (Hamlet, o príncipe da Dinamarca, p. 104).

Em Agora estou sozinha Telmah passa algumas semanas no hospício. Ali fica

totalmente esquecida sem receber nenhuma visita. Após três semanas, Tiago, por muita

insistência, descobre seu paradeiro e decide visitá-la. A garota revela a Tiago toda a

verdade e, com a ajuda dele, bolam um plano de fuga. Quando Telmah, finalmente, foge

do hospício, encontra o jardineiro enterrando Filhinha que se deixou morrer quando ela

se foi.

- Você foi especial, Filhinha. Acho que este caixão é adequado para você. Você não será enterrada por um coveiro. Os coveiros só servem aos homens, não aos animais. Você será enterrada por um jardineiro, neste lindo jardim. O seu funeral será como numa semeadura, de onde você brotará de novo nas

19

flores, no perfume, nos espinhos... Quando eu tocar na casca de uma arvore, será em você que estarei tocando. Quando eu ouvir o murmúrio do vento nas folhas, será o seu ganido que estarei ouvindo. Você vai reviver de volta a natureza que me deu você. Adeus, minha amiga. Eu matei você com a minha loucura. Adeus, cachorrinha. Para mim você foi muito mais que muita gente... Adeus, Filhinha. (Agora estou sozinha, p. 75).

Em Hamlet temos a presença de alguns atores que estão de passagem por

Elsinore. Decidido a confirmar suas dúvidas, Hamlet monta uma peça que relata o

assassinato de seu pai, assim como o espectro lhe contou. Desse modo, o príncipe marca

um dia para a importante apresentação. Convida um grande público para o espetáculo e

também ao rei e a rainha. Na noite em que encena a peça pretende avaliar todas as

atitudes do rei, principalmente no momento da revelação do assassino, para isso conta

com a ajuda de Horácio. Toda a corte assiste ao espetáculo. Quando a cena do

assassinato é interpretada, Cláudio fica pálido e sua reação prova a sua culpa.

Telmah utiliza o mesmo recurso de Hamlet para apontar o assassino de sua mãe.

Ela conta com a ajuda de seu amado Tiago e de dois bonecos confeccionados no

hospício. Após fazer muita reflexão, a garota encena o modo como ela descobriu o

assassinato de sua mãe. Tiago, que só assiste, traz consigo seu tio, que, na verdade, se

trata de um policial disfarçado. Na sala da casa de Telmah, seu pai, Alice, Tiago e seu

“tio”, assim como também o doutor Poloni assistiram à peça que revelou o verdadeiro

culpado da morte da mãe da protagonista.

Um grande diferencial entre as duas obras é que em Hamlet, desde o início, o

assassino é revelado ao leitor. A peça encenada por Hamlet e seus amigos só confirmam

suas suspeitas. Em Agora estou sozinha Telmah suspeita inicialmente de seu pai e

depois da “tia” Alice. A peça encenada por Telmah é o epílogo da obra que revela o

assassino de sua mãe.

O desfecho da obra de Shakespeare é trágico, pois Hamlet é ferido pela espada

envenenada de Laertes, durante um combate armado pelo rei. A rainha Gertrudes bebe

uma taça de vinho com veneno, que era destinado a Hamlet. Quando estava prestes a

morrer, grita para o seu filho que o copo estava envenenado, e morre. Em seguida

Hamlet fere mortalmente Laertes. Este confessa que a sua espada estava envenenada e

que o príncipe também iria acabar morrendo. Além disso, diz que tinha sido o rei a

planejar tudo para matá-lo. Hamlet avança para Cláudio e trespassa-o com a sua espada

envenenada. O final trágico envolve muitas mortes. Enquanto que a obra Agora estou

sozinha termina com a encenação de Telmah para desmascarar Alice, que bebe veneno e

20

morre. Bandeira optou por um romance de suspense, na qual o assassino da mãe de

Telmah fica em sigilo para ser revelado somente no final.

Hamlet pode ser analisado, interpretado e debatido sob diversas perspectivas,

como exemplo as questões políticas, presentes na invasão de Fortimbrás. Hamlet é o

Alfa e o Ômega de Shakespeare. Nele encontra-se ainda, o drama histórico, comédia,

sátira, tragédia e romance, enquanto que em Agora estou sozinha nota-se nas relações

familiares uma crítica à sociedade atual, na qual ainda permanece o egoísmo, a cobiça e

a traição.

2.3 Linguagem e Intertextualidade

Notamos algumas curiosidades interessantes quanto às características que dizem

respeito à linguagem da obra Hamlet. Na peça nota-se certa obsessão pela palavra

"questão" (empregada 17 vezes), pelo questionamento sobre a crença em fantasmas e

códigos de vingança. Harry Levin foi o primeiro a analisar a eloquência de Hamlet que

esgota os recursos incomparáveis da sintaxe e do léxico da língua inglesa. Ele é o

personagem da retórica mais qualificada ao usar metáforas altamente desenvolvidas,

anáforas e assíndetos. Em contrapartida, quando a ocasião manda, ele é simples e

preciso. Hamlet está fortemente dependente dos trocadilhos para expressar seus

verdadeiros pensamentos.

Bandeira faz uma modernização total quanto à linguagem. Seu foco principal

não é a vingança, mas a descoberta do assassino. Telmah, embora seja muito reflexiva,

discursa de forma mais simples e informal. Segundo Bandeira:

As falas de Hamlet são belíssimas, suas idéias realmente resistiram ao tempo e a peça é, até hoje, considerada como o mais perfeito texto de teatro já produzido (com perdão dos gregos...). Assim, é possível encontrar em Agora..., o ser ou não ser, o há algo de podre no Reino da Dinamarca e tudo o mais que até já entrou para nossa linguagem cotidiana. (BANDEIRA, 2005, p.1)

Nota-se na obra Agora estou sozinha a presença de intertextualidade. Julia

Kristeva (apud CARVALHAL, 2006, p. 51) defende a intertextualidade como o

processo de produtividade do texto literário. Carvalhal (2006, p. 52) diz que “o

21

processo da escrita é visto, então, como resultante também do processo da leitura e de

um corpus anterior” Todo texto é a transformação de outro texto. Sendo assim, a

intertextualidade começa pelo título Agora estou sozinha que se trata do começo do

segundo mais famoso monólogo de Hamlet: ”Que Deus os acompanhe. Estou agora só!”

(SHAKESPEARE, 2006, p.53).

Segundo Bloom, o solilóquio “Ser ou não ser: eis a questão” é “o ponto nodal de

Shakespeare, representa o tudo e o nada, um embate entre a plenitude e o vazio.”

(BLOOM, 2001, p.510) Trata-se do monólogo mais famoso de Hamlet. No terceiro

capítulo da obra Agora estou sozinha esse solilóquio aparece na forma de interrogação:

“O que eu vou fazer?”.

Algumas das frases mais famosas da peça de Shakespeare se encontram

adaptadas na obra de Bandeira, como exemplo, quando Hamlet diz “Há algo de podre

nesse reino” e “Há muita coisa mais no céu e na terra, do que sonha a nossa pobre

filosofia”. Telmah diz “Há algo de podre nessa casa” e “Há muito mais entre o céu e a

terra do que sonha o meu tolo conhecimento”. Hamlet filosofa na obra o tempo todo,

com capacidade de reflexão sobre si mesmo, sobre as questões sociais e políticas que

permeiam seu tempo e espaço. As falas de Telmah refletem suas relações interpessoais e

as questões de ambição, inveja, paixão, ciúmes e traição, que, segundo Bandeira, são

sentimentos perenes da vida humana.

Em Agora estou sozinha, Bandeira faz outro tipo de intertextualidade, que

consiste na citação de uma de suas obras mais conhecidas A marca de uma lágrima,

cuja personagem principal é Isabel que também é uma recriação de uma famosa peça de

teatro de Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand. No quinto capítulo, Telmah se

encontra no quarto lendo tal obra de Bandeira e se compara a Isabel, personagem

principal de A marca de uma lágrima.

- Uma garota como eu... Deve ser uma atriz. Posso imaginar essa menina posando para o fotógrafo... E chorando de verdade, de verdade, como se, de verdade, ela sentisse o desespero da heroína do livro. Isabel... Chorando por Isabel... Mas o que é Isabel para ela, ou ela para Isabel, para chorar com tanta sinceridade? (Agora estou sozinha, p. 32).

22

No epílogo, as duas obras em análise encerram com expressões que caracterizam

a morte como fim dos sofrimentos e dos mistérios. Hamlet termina com a frase: “O

resto é silêncio”. A palavra “resto”, em inglês “rest”, pode significar “resto” ou

“descanso”, no caso a morte é descanso. Em Agora estou sozinha termina com “A

morte é silêncio”.

2.4 Caracterização dos personagens

Quanto às características das personagens, a obra de Shakespeare é mais

complexa. Segundo Bloom (2001, p.524) “(...) a universalidade de Hamlet parece

construir a chave do enigma que caracteriza a sua personalidade; quanto menos Hamlet

se afeiçoa com as pessoas, inclusive a platéia, mais nos afeiçoamos com ele.” Hamlet

nos faz ver o mundo de uma maneira nova, mais profunda, que normalmente não

estávamos dispostos a fazê-lo. A consciência é a principal característica de Hamlet,

trata-se do personagem mais consciente e atento de toda literatura. Temos a impressão

de que nada escapa a essa figura ficcional. Em Agora estou sozinha, embora Telmah

possua uma visão mais limitada, Bandeira lhe caracterizou como uma garota atenta e

também reflexiva. Pode-se notar sua consciência critica através de sua conversa com

doutor Poloni, quando esta se refere a mãe que havia morrido.

- E sua mãe? Onde está? Hoje de manha, você apreci saber onde elas estava.

- É claro que eu sei. Está em um jantar.

- Num jantar?

- Num jantar onde ela não come, é comida. O senhor já percebeu como todos

nós agimos? Nós engordamos os porcos para que eles nos engordem depois.

E nos engordamos para engordar os vermes subterrâneos depois da morte.

Um rei gordo e um mendigo esquelético têm o mesmo destino: a barriguinha

dos vermes. (Agora estou sozinha, p. 35)

Segundo Bandeira (2009, p.1) “Shakespeare aproveita, na cena em que o

personagem fala com os atores, para registrar seu modo particular de ver a arte de

representar.” Na transposição, Bandeira fez com que Telmah dissesse o seu modo de ver

a arte de escrever, mostrando a função da literatura. Tem-se assim uma personagem que

23

dialoga indiretamente com o leitor, como podemos notar em sua conversa com o doutor

Poloni:

- Quer dizer que os escritores são incompletos?- Não. Nem todos. Só os bons. Tem escritor completo, que conta tudo diretinho, descreve tudo com todos os detalhes, cada personagem, cada cenário, cada vestimenta. Aí resta quase nada para a gente imaginar, e o livro fica chato. Por isso, os livros chatos fazem o maior sucesso.- Verdade? Mas a maioria das pessoas...- A maioria das pessoas é muito preguiçosa ou muito burra. Não sabe ou não tem vontade de imaginar. Aí não ajudam os autores incompletos, acabam não gostando do livro e por isso dizem que não gostam de ler. (Agora estou sozinha, p. 34)

A visão de mundo de Hamlet é muito ampla, e seu maior sentimento é o de

vingança e ódio. Segundo Nietzsche, (apud, BLOOM, 2001 p.491) “Hamlet não é o

personagem que pensa demais, mas alguém que pensa extremamente com clareza”. Já

em Agora estou sozinha, Telmah tem uma visão de mundo mais limitada e seu

sentimento de vingança é mais voltado para o desmascaramento do assassino de sua

mãe, suas dúvidas e mágoas são relacionadas a questões pessoais e familiares.

Quanto às características das personagens, percebe-se que as recriações

começam pelos nomes. Bandeira tenta fazer sua atualização do modo mais fiel possível

e, para isso, usa até mesmo os nomes das personagens, que são muito parecidos ou ate

idênticos.

É interessante a forma como Bandeira constrói seus personagens. Telmah, a

protagonista de Agora estou sozinha, corresponde a Hamlet às avessas. É a versão

feminina de um dos mais complexos personagens do teatro que ganhou tanta

importância que Freud criou o complexo de Hamlet, baseado em um estudo de sua

psicologia e de sua inconsistência. O protagonista da peça de Shakespeare é considerado

a própria consciência do autor, dá nome à obra. Bandeira cria Telmah que é o contrário

do nome do famoso príncipe da Dinamarca. Nesse sentido, Bandeira faz a seguinte

observação:

Em 1987 eu resolvi definitivamente recriar este tema emocionante e fantasmagórico, mas desta vez não com um príncipe, mas com uma adolescente. Em julho daquele ano, eu estava às voltas com meu texto, sem ainda ter decidido qual seria o nome da heroína. Maurício, lendo o título da

24

peça de Shakespeare, comentou: "Pai, já notou que Hamlet é Telmah ao contrário?". E foi assim que nasceu a Telmah, o Hamlet às avessas.(BANDEIRA, 2009, p.1)

Pelo motivo do tio traidor de Hamlet possuir o mesmo nome do pai de Telmah,

por alguns momentos a garota chega a pensar que seu pai é o assassino. É uma

estratégia de Bandeira que leva o leitor a uma dedução errada acerca do culpado pela

morte da mãe de Telmah.

Dois personagens de grande destaque são: Horácio e Ofélia. Horácio é o melhor

amigo de Hamlet, que o ajuda em todo o seu plano de vingança, o único com quem o

príncipe compartilha a sua dor. Hamlet ama Ofélia, filha de Polônio, mas se afasta da

moça quando se finge de louco. Em Agora estou sozinha Bandeira cria, então, Filhinha,

a cachorrinha de Telmah para representar Horácio. Só que seria muito difícil Filhinha

ajudar Telmah a executar seu plano de investigação. Para essa tarefa, Tiago, o namorado

ingênuo de Telmah, possui algumas características de Horácio, pois é ele que a ajuda a

fugir da clínica e fica ao seu lado o tempo todo. Tiago assume também o papel de Ofélia

de Hamlet, sempre apaixonado, porém com o destino diferente, pois ela se deixa morrer

quando Hamlet a abandona e seu pai falece. Tiago possui a essência de Ofélia com

características de Horácio. Mas há certa troca de papéis dos personagens na obra. Por

exemplo, inicialmente Tiago se assemelha a Ofélia, mas ao passar da história ele

assume o papel de Horácio, enquanto que Filhinha, a cadela de Telmah, possui mais

características da personagem Ofélia que o próprio Tiago, pois se deixa morrer, tal

como Ofélia, ao sentir falta da sua dona. Segundo Bandeira:

Ao inverter o sexo da personagem, deparei-me com algumas dificuldades, e a principal delas foi a personagem Ofélia. A namorada de Hamlet é uma personagem frágil, ingênua, que se deixa morrer no rio enlouquecida pelos acontecimentos. Na transposição, ficaria difícil criar um namorado para Telmah que fosse frágil, ingênuo e suicida. O remédio foi criar Tiago, um namorado com algumas das características de Horácio, amigo de Hamlet, e criar Filhinha, a velha cadelinha de Telmah, que morre de fome quando é afastada de sua dona. Quase tudo de Ofélia está em Filhinha. (BANDEIRA, 2005, p.1)

Polônio é primeiro–ministro e pai de Ofélia. Ele é muito amigo do rei e, ao

investigar a causa da loucura de Hamlet, sugere que o príncipe tenha enlouquecido por

25

amor a Ofélia, já que Polônio proibiu Hamlet de vê–la. Ele é muito interesseiro e após a

peça que Hamlet arma para confirmar suas suspeitas, Polônio se esconde atrás das

cortinas do quarto da rainha e, pensando ser Cláudio, Hamlet o mata.

Polônio: - Ponderai: tenho uma filha (tenho-a enquanto for minha), a qual, cumprindo o seu dever de obediência (prestai atenção) entregou-me isto. (...) Não, atirei-me ao trabalho e dirigi-me assim à minha filha: “Lorde Hamlet é um príncipe fora de seu alcance; isto não pode ser”; e em seguida, ordenei que se negasse a recebê-lo, não admitisse mensageiros, e recusasse recordações. Ela cumpriu minhas ordens, recolhendo assim os frutos de meus conselhos e ele, vendo-se repudiado, para encurtar a historia, caiu na tristeza, depois no fastio, em seguida na insônia, desta no abatimento, mais tarde na instabilidade e, por este declive, passou à loucura onde agora se agita, o que todos nós deploramos. (Hamlet, o príncipe da Dinamarca p.42 e 43)

Em Agora estou sozinha, Poloni corresponde à figura de Polônio da obra

Hamlet. Ele é o médico da família, grande amigo do pai de Telmah. É ele quem

aconselha o pai de Telmah a mandá-la para o hospício.

- Como eu já disse, Alice, psiquiatria não é a minha especialidade. Mas posso afirmar que, em qualquer caso de crise aguda, o melhor mesmo é internar o paciente, para que o medico tenha melhores condições de controle. Eu poderia aplicar uma calmante em Telmah e, na segunda – feira, falar com um colega psiquiatra que... (Agora estou sozinha, p. 46).

Tanto Polônio quanto Poloni tem um papel significativo nas obras, pois eles

interferem no destino dos protagonistas. Devido ao fato de Hamlet ter matado Polônio,

o príncipe é condenado a ir para Inglaterra e, por sugestão de Poloni, Telmah é enviada

a um hospício.

A obra Agora estou sozinha de Pedro Bandeira conserva a essência do enredo e

os personagens de Shakespeare, mas inova em inúmeras características, constrói uma

nova imagem da história trágica do príncipe da Dinamarca em um contexto

modernizado e bem próximo da juventude.

26

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cademartori (2009, p. 68) defende que “(...) as obras traduzidas e adaptadas

exercem importante função na formação e entretenimento do leitor juvenil”. Com base

nessa afirmação, reconhece-se o valor significativo de obras modernizadas ou recriadas,

que trazem para a realidade do jovem a recriação de um clássico que até então só era

apreciado pelo leitor adulto. Nota-se que Bandeira preocupa-se com a formação do

leitor juvenil ao propor recriações de clássicos, o que torna mais significativa a leitura

de obras originais.

Foi interessante fazer o paralelo entre esses dois autores, marcados por origens e

épocas distintas para mostrar o quanto a literatura pode ser inovadora e surpreendente.

Bandeira ao criar a obra em análise, aproximou o leitor do clássico, permitindo o

contato do público juvenil com uma tragédia que é considerada uma das melhores obras

de Shakespeare.

Tal recriação cumpre, também, a função de educar e conquistar jovens leitores,

contribuindo para a formação crítica e cultural, estimulando novas leituras.

27

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAUJO, Cecília. Pedro Bandeira, o Paulo Coelho dos juvenis. jul. 2009. Seção Literatura. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/noticia/variedades/pedro-bandeira-paulo-coelho-juvenis-485009.shtml >. Acesso em: 29 de julho de 2009.

ARISTÓTELES. Arte Poética. NASSETTI, Pietro (trad.) São Paulo: Martin Claret, 2006.

BANDEIRA, Pedro. Agora estou sozinha. 27ª ed. São Paulo: Moderna, 2000.

BRUNEL, P., PICHOIS, Cl. Que é literatura Comparada? São Paulo: Perspectiva, 1995.

BLOOM, Harold. Shakespeare: a invenção do humano. O’SHEA, José Roberto (trad.) Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

________. Hamlet: Poema ilimitado. O’SHEA, José Roberto (trad.) Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

CADEMARTORI, Ligia. O professor e a literatura: para pequenos, médios e grandes. Belo Horizonte: Autêntica, 2009

CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura Comparada. 4° ed. rev. e ampliada São Paulo: Ática, 2006.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. 5º ed. São Paulo: Ática, 1991;

COLOMER, Tereza. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. São Paulo: Global, 2003.

FURUNO, D. J.Mentergaisbombergais, abr. 2009. Jovem Nerds Especiais. Disponível em:<http://jovemnerd.ig.com.br/especiais/entrevistas/mentergaisbombergais/>. Acesso em: 21 de julho de 2009

KHÉDE, Sônia Salomão. Personagens da literatura infanto-juvenil. São Paulo: Ática, 1986.

MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola: sobre a formação dogosto. 2° ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Rio de Janeiro: Vozes, 2002

SHAKESPEARE, William. Hamlet. NASSETTI, Pietro (trad.) São Paulo: Martin Claret Ltda. 2006.

28

ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003;

ZILBERMAN, Regina, LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças: para conhecer a Literatura infantil brasileira. São Paulo: Global (Universitária), 1993.

ZUBA, Márcio Eduardo. Do texto dramático para a tela: Hamlet por Franco Zeffirelli, 2006. Disponível em: < http://www.letras.ufpr.br/documentos/graduacao/monografias/ss_2006/Marcio_Zuba.pdf>. Acesso em: 21 de julho de 2009.