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Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul por Claudia Lima Marques, Introdução O endividamento é um fato inerente à vida em sociedade, ainda mais comum na atual sociedade de consumo. 1 Para consumir produtos e de serviços 2 , essenciais ou não, os consumidores estão quase todos- constantemente endividando-se. 3 A nossa economia de mercado seria, pois, por natureza, uma economia do endividamento. 4 Consumo e crédito são duas faces de uma mesma moeda, vinculados que 1 Assim DERRUPPÉ, Jean, Rapport de Synthèse, in Travaux de l’Association Henri Capitant- L’endetement, Journées Argentines , tome XLVI/1995. Paris : L.G.D.J., 1997, p. 23. 2 Veja CALAIS-AULOY, Droit de a consommation, 3. ed, Dalloz, Paris, 1992, p. 155. 3 No Brasil, veja o livro de MARTINS DA COSTA, Geraldo de Faria, Superendividamento. A Proteção do Consumidor de Crédito em Direito Comparado Brasileiro e Francês. São Paulo: RT, 2002, p. 10s. 4 Veja as estatisticas in ZIEGEL, Jacob, Introduction to the symposium on Consumer Bankruptcies, in Osgoode Hall Law Journal, Spring/ Summer 1999, p. 1-13.

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Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul

por Claudia Lima Marques,

Introdução

O endividamento é um fato inerente à vida em sociedade, ainda mais comum na atual sociedade de consumo.1 Para consumir produtos e de serviços2 , essenciais ou não, os consumidores estão – quase todos- constantemente endividando-se.3 A nossa economia de mercado seria, pois, por natureza, uma economia do endividamento.4 Consumo e crédito são duas faces de uma mesma moeda, vinculados que estão no sistema econômico e jurídico de países desenvolvidos5 e de países emergentes,6 como o Brasil.7

O superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos). Este estado é um fenômeno social e jurídico, a necessitar algum tipo de saída ou solução pelo Direito do Consumidor, a exemplo do que aconteceu com a falência e concordata no Direito da Empresa, 8 seja o parcelamento, os prazos de graça, a redução dos montantes, dos juros, das taxas, e todas as demais soluções possíveis para que possa pagar ou adimplir todas ou quase todas as suas dívidas, frente a todos os credores, fortes e fracos, com garantias ou não. Estas soluções, que vão desde a informação e controle da publicidade, direito de arrependimento, para prevenir o super-endividamento, assim como para tratá-lo são fruto dos deveres de informação, cuidado e principalmente de cooperação e lealdade oriundas da boa-fé para evitar a ruína do parceiro (exceção da

1 Assim DERRUPPÉ, Jean, Rapport de Synthèse, in Travaux de l’Association Henri Capitant- L’endetement, Journées Argentines, tome XLVI/1995. Paris : L.G.D.J., 1997, p. 23.2 Veja CALAIS-AULOY, Droit de a consommation, 3. ed, Dalloz, Paris, 1992, p. 155. 3 No Brasil, veja o livro de MARTINS DA COSTA, Geraldo de Faria, Superendividamento. A Proteção do Consumidor de Crédito em Direito Comparado Brasileiro e Francês. São Paulo: RT, 2002, p. 10s. 4 Veja as estatisticas in ZIEGEL, Jacob, Introduction to the symposium on Consumer Bankruptcies, in Osgoode Hall Law Journal, Spring/ Summer 1999, p. 1-13.5 Veja o texte classique de CALAIS-AULOY, Jean, Les cinq réformes qui rendraient le crédit moins dangereux pour les consomateurs, in Recueil Dalloz, 1975 , Chron.,p. 21.6 Assim COSTA, Geraldo de Faria Martins da. O Direito do Consumidor e a Técnica do Prazo de Reflexão, Revista de Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 43, p. 259-260: "“na economia do endividamento, tudo se articula com o crédito. O crescimento econômico é condicionado por ele. O endividamento dos lares funciona como ‘meio de financiar a atividade econômica’. Segundo a cultura do endividamento, viver a crédito é um bom hábito de vida. Maneira de ascensão ao nível de vida e conforto do mundo contemporâneo..."7 Veja LIMA MARQUES, Cláudia, Les contrats de crédit dans la législation brésilienne de protection du consommateur, in Iain Ramsay (ed.), Consumer Law in the Global Economy (Ashgate-Dartmouth, Aldershot, England, 1997), pp. 321 – 348.8 REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Falimentar, vol. I, 15.ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 14.

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ruina) , que seria esta sua “morte civil”,9 exclusão do mercado de consumo ou sua “falência”civil com o superendividamento.10

O objetivo deste artigo é apresentar algumas sugestões para uma futura lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo.Estas sugestões pessoais minhas têm como base duas pesquisas realizadas em conjunto com meu grupo de pesquisa no PPGDir./UFRGS e uma pesquisa empírica realizada em conjunto com o Núcleo Civil da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, com 100 casos de superendividamento de pessoas físicas consumidores no Rio Grande do Sul. As proposições visam fornecer elementos para a Comissão do Ministério da Justiça que trabalhará em um anteprojeto de lei e serão apresentadas de forma completa em 7 de setembro de 2005, no Congresso Brasilcon dos 15 anos do Código de Defesa do Consumidor, em Gramado (RS).

Na Europa, Leitão Marques ensina que o superendividamento é um fenômeno estrutural dai dever ser tratado de forma global "...o sobreendividamento, também designado por falência ou insolvência de consumidores, refere-se às situações em que o devedor se vê impossibilitado , de uma forma durável ou estrutural, de pagar o conjunto das suas dívidas, ou mesmo quando existe uma ameaça séria de que o não possa fazer no momento em que elas se tornem exigíveis."11

A doutrina européia distingue superendividamento passivo, se o consumidor não contribuiu ativamente para o aparecimento desta crise de solvência e de liquidez, e por superendividamento ativo, quando o consumidor abusa do crédito e "consome" demasiadamente acima das possibilidades de seu orçamento, sendo assim, mesmo em condições normais, não teria como fazer face às dívidas assumidas.12

Esta doutrina européia é importante, uma vez que acompanhando a objetivação das condutas tenta fugir da idéia de culpa subjetiva contratual do consumidor endividado,e tende a superar a diferença entre fatos subjetivos e objetivos supervenientes, preferindo analisar o inadimplemento global do consumidor de boa-fé ou o superendividamento como sendo 'ativo' ou 'passivo13'.

No caso do superendvidamento passivo, a causa não é o abuso ou a má administração do orçamento familiar, mas um "acidente da vida". Efetivamente, tanto os acidentes da vida (desemprego, redução de salários, divórcio, doenças, acidentes, mortes, nascimento de filhos etc.) e o abuso de crédito podem criar uma crise de solvência ou de liquidez (baixa imprevisível dos recursos, alta das taxas de juros, alta ou baixa do dólar, 9 Veja sobre as origens desta idéia no direito visigótico, THEODORO JÚNIOR, Humberto, A Insolvência Civil, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense,2003, p. 17. 10 Assim uma definição, LIMA MARQUES, Claudia, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: RT, 2003, p. 1053.11 Leitão Marques, Manuel e allii, O endividamento dos consumidores, Lisboa, Almedina, 2000, p. 2.12 Assim LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e allii, O endividamento dos consumidores, Lisboa, Almedina, 2000, p. 2: "El sobreendeudamiento puede ser activo, si el deudor contribuye activamente para colocarse en situación de imposibilidad de pago...;o pasivo, cuando circunstancias no previsibles (desempleo, precarización del empleo, divorcio, enfermedad o muerte de um familiar, accidente, ec.) afectan gravemente a capacidad de reembolso del deudor, colocándolo en situación de imposibilidad de cumplimiento."13 Veja ULHOA, , ULHOA COELHO, Fábio, Curso de Direito Comercial, vol. 3, Saraiva, São Paulo, 2002, p. 233: "Para se decretar a falência da sociedade empresária, é irrelevante a 'insolvência econômica', caracterizada pela insuficiência do ativo para solvência do passivo. Exige a lei a 'insolvência jurídica', que se caracteriza, no direito falimentar brasileiro, pela impontualidade injustificada (LF, art. 1) ou pela prática de ato de falência (art. 2)."

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necessidade de empréstimos suplementares, etc.)14 para indivíduos e para familias,15

sejam de classe média ou de classe pobre,16 levando a uma impossibilidade de fazer frente ao conjunto de seus débitos atuais e futuros, 17 impossibilidade de pagamento (défaut) de boa-fé, que a dotrina corretamente denominou de sobreendividamento, ou como prefiro, superendividamento.18

Desde 1995,19 alerto que este fenômeno instala-se também em países emergentes20

e que o Direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa,21 principalmente se devemos distinguir superendividamento de pobreza em nosso país.22 A massificação do acesso ao crédito, que se observa nos últimos 5 anos –basta citar os novos 50 milhões de clientes bancários! -,23 a forte 14 Assim BRUN, Jean-François, COMBES, Jean-louis e COMBES, Pascale Motel, Une analyse économique du surendettement des particuliers, in Petites Affiches, 21 mai 1999, n. 101, p. 9 e seg.15 Segundo PAISANT, Gilles, El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho frances, in Revista de Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 42 (abr/jun.2002), p. 9, é dificel de estabelecer um tipo ideal de surperendividado: "Este fenómeno es muy diversificado. Se puede estar sobreendeudado por 10 000 F o 1,5 MF. El sobreendeudado puede ser un asalariado, obrero o mando, lo mismo que un funcionario; un soltero o un matrimonio y, a menudo, un parado o un individuo divorciado. En cualquier categoría profesional o personal se pueden encontrar sobreendeudados. No existe un perfil tipo de sobreendeudado."16 As causas mais comuns são: "unemployment or underemployement, credit cards, sickness and injury, divorce, housing", segundo SULLIVAN, Teresa A., WARREN, Elizabeh, WESTBROOK, Jay Lawrence, The Fragile Middle Class – Americans in Debt, New Haven and London: Yale University Press, 2000, p. 75 e seg. 17 Segundo o Art. L.330-1 du Code de la Consommation francês : "l'impossibilité manifeste pour o débiteur de bonne foi de faire face à l'ensemble de ses detes não professionnelles exigibles e à échoir. " Veja LAGARDE, op. cit., p. 149. Ou versão atual in www.legifrance.gouv.br .18 Veja LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e allii, O endividamento dos consumidores, Lisboa, Almedina, 2000, p. 2: "...el sobreendeudamiento, también designado por falencia o insolvencia de los consumidores, se refiere a las situaciones en el que el deudor se ve imposibilitado , de una forma durable o estructural, de pagar el conjunto de sus deudas, o así mismo cuando existe una amenaza seria de que él no pueda hacerlo en el momento en que ellas se tornen exigibles." (traduction libre)19 Veja meu texto do congresso da Associação Mundial do Direito do Consumo, em Toronto, Canadá, depois publicado por RAMSAY, nos Estados Unidos e traduzido para o português e publicado in LIMA MARQUES, Claudia, Os contratos de crédito na legislação brasileira de proteção do consumidor, in Revista de Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 17, 1996, p. 36 e seg.20 Veja CASADO, Márcio Mello, Os Princípios Fundamentais como ponto de partida para uma primeira análise do Sobreendividamento no Brasil, in Revista de Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 33, p. 131 e seg.21 Assim PAISANT, Gilles, El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho frances", in Revista de Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 42, p. 9: ...el problema del sobreendeudamiento es un fenómeno económico y social duradero en nuestras sociedades occidentales." Sobre a complexidade do fenômeno, veja PAISANT, Gilles, La réforme de la procédure de traitement du surendettement par la loi du 1er août 2003 sur la ville et la rénovation urbaine, in RTDCom. Octobre/Décembre 2003, p. 671 e seg. 22 Aqui vamos aceitar a definição de pobreza de menos de US 100,00 por mês ou um salário mínimo, veja INFANTE, Alan, Má distribuição atrasa redução da pobreza no Brasil, in www.pnud.org.br/noticias/impressao.php?id01=1089, 01.05.2005) e não o nível alimentar, veja NERI, Marcelo, Os números da pobreza, in Conjuntura Econômica, janeiro de 2005, p. 40 e seg., sobre a polêmica veja também SCHWARTZMAN, Simon, Vantagens e desvantagens das linhas de pobreza, in www.schwartzman.org.br/simon/linhas.htm (01.05.2005). Veja sobre o nível de pobreza no pais, O número e a proporção de pobres no Brasil, in www.mct.gov.br/clima/comunic_old/lines022.htm (01.05.2005). 23 Veja a reportagem "Ressaca do crédito" de Nucci, Carina, in Revista Veja 18.05.2005, p. 90 a 92, onde menciona-se que, somente em 2004, os consumidores de baixa renda abriram 7,6 milhões de novas contas

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privatização dos serviços essenciais e públicos, agora acessíveisa todos, com qualquer orçamento, mas dentro das duras regras do mercado, a nova publicidade agressiva sobre crédito popular, a nova força dos meios de comunicação de massa e a tendência de abuso impensado do crédito facilitado e ilimitado no tempo e nos valores, inclusive com descontos em folha e de aposentados, pode levar o consumidor e sua família a um estado de superendiviamento. Como explicamos antes é uma crise de solvência e de liquidez, que facilmente resulta em sua exclusão total do mercado de consumo, parecendo uma nova espécie de "morte civile"24 : a "morte do homo economicus".25

Para evitar esta "falência"os países desenvolvidos e industrializados, como os Estados Unidos da América,26 o Canadá,27 a França,28 a Inglaterra,29 a Alemanha,30 a Bélgica, o Luxembourgo31 e tantos outros32 criaram uma série de inovações legislativas, muitas advindas da jurisprudência, para prevenir e - analogicamente à concordata comercial,33 tratar em especial um processo extrajudicial específico, amigável ou administrativo, visando uma renegociação e parcelamento para pessoas físicas não

bancárias especiais e receberam 1,5 bilhão em empréstimos, sendo que outros 5 milhões de pessoas, receberam 15,5 bilhões de reais emprestados com desconto em folha de pagamento (p.90).24 Utiliza a palavra "dead", SULLIVAN, Teresa A., WARREN, Elizabeth, WESTBROOK, Jay Lawrence, As We Forgive Our Debtors – Bankruptcy and Consumer Credit in America, New York: Oxford University Press, 1989, p. 3.25 Como afirmei in LORENZETTI, Ricardo Luis et LIMA MARQUES, Claudia, Contratos de servicios a los consumidores, Buenos Aires, Rubinzal-Culzoni Editores, 2005, p. 390:" La verdad es que en las sociedades de consumo consolidadas, el tema del sobreendeudamiento es tratado como problema jurídico que es, legislaciones especiales son preparadas para evitar (prevención) y dirimir este problema (tratamiento), que participa del sistema de las sociedades de consumo. En estos países hay siempre una especie de "falencia civil" de los consumidores y de sus familias, para evitar la "muerte" total del "homo economicus", al final los contratos de consumo deben ser momentos de cooperación y lealtad y no de "destrucción" y "falta de opciones" de la parte contractual más débil."26 Veja sobre a situação nos EUA eCanadá, LOPES, José Reinaldo de Lima Lopes, Crédito ao consumo e superendividamento – Uma problemática geral, in R. Inf. legisl., 129 (1996), p. 109 e seg. 27 Veja ZIEGEL, Jacob S., Comparative Consumer Insolvency Regimes. A Canadian Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2003, p. 13 e seg.28 Veja KHAYAT, Danielle, Le droit du suendettement des particuliers, LGDJ, Paris, 1997, e COSTA, Geraldo de Faria Martins da Costa, Superendividamento. A Proteção do Consumidor de Crédito em Direito Comparado Brasileiro e Francês. São Paulo: RT, 2002, p. 10 e seg.29 A Inglaterra conhece o Insolvency Act 1986, com os Individual Voluntary Arragements, veja CHATAIN, Pierre-Laurent et FERRIÈRE, Frédéric, Surendettement des particuliers, in INC Hebdo, 1030, 30 avril de 1998.30 A lei é de 5 de outubro de 1994, Insolvenzrechtordnung, muito modificada, veja in www.inso-rechtspfleger.de ou as modificações de 2002,in KOHTE, Wolfhard et alii, Das neue Schuldrecht – Kompaktkommentar, München, 2003, p. 55.31 Veja sobre o tratamento do superendividamento na Bélgica e Luxemburgo, o texto apresnetado no Peru por Jason J. Kilborn, Continuity, Change, and Innovation in Emerging Consumer Bankrupctcy Systems: Belgium and Luxembourg, in Congress of the International Association on Consumer Law, Lima, Peru, May 2005. agradeço ao professor Jason Kilborn (University of Texas at Austin, EUA) o envio do texto ainda inédito. Veja também PAISANT, Gilles, El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho frances", in Revista de Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 42, p. 26.32 Veja sobre outros países da União Européia, HOWELLS, Geraint G. , EC consumer credit law and policy, in Revista AJURIS Especial, março 1998, vol. I, p. 176 e seg. Sobre a Austria (1993), a Dinamarca (1984), a Finlândia(1993), CHATAIN, Pierre-Laurent et FERRIÈRE, Frédéric, Surendettement des particuliers, in INC Hebdo, 1030, 30 avril de 1998. 33 Segundo LAGARDE, Xavier, L'endettement des particuliers, 2.ed., Paris: Joly éditions, p. 3, o papel da doutrina foi pequeno.

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professionais (consumidores) de boa-fé, permitindo um tratamento e um approach global da situação de superendividamento dos consumidores.

Enquanto na maioria dos países da civil law , ou da família romano-germânica de direitos, a falência e a concordata eram (punições, inicialmente, mas hoje são) privilégios somente dos comerciantes até o século XX,34 na common law o direito conhece uma falência também de partuculares ou não empresários (personal and business bankruptcies), 35 assim que medidas de boa-fé podem ser tomadas para alcançar um tratamento pelo menos igualitário ao empresário e ao consumidor superendividados de boa-fe (veja Fair Debt Collection Pratices Act).36 Por exemplo, nos Estados Unidos da América, já em 1986, mais de 400.000 consumidors americanos tinham demando a bankruptcy.37 Em 1997, quase um milhão de famílias estava em estado de falência civil.38

Um nova lei do governo G.Bush sobre a bankrupcy pode mudar este quadro e dificultar o privilégio.39 Dentre os países da civil law, a solução francesa é a que tem despertado mais interesse na doutrina brasileira,40 mas as lições do Direito Comparrado, em especial do lCanadá e da Alemanha,41 podem também ser úteis para os países emergentes, e para o Brasil, se quizermos elaborar uma legislação especial sobre o tema.

Sendo assim, minha hipótese de trabalho neste artigo é que o desafio proposto pela expansão do crédito ao consumo, sem uma legislação forte que acompanhasse esta massificação a não ser o CDC e o princípio geral de boa-fé, criou uma profunda crise de

34 Veja RENAULT, Marie-Hélène, La déconfiture du commerçant, du débiteur sanctionné au créancier victime, in RTD com. 53 (3), juill.-sept.. 2000 (Dalloz), p. 731-736. L`auteur afirme, p. 731:"Faire l'histoire de la faillite, c'est non seulement retracer l'évolution de línstituition, mais aussi évoquer celle des changements terminologiques. Cependant, dans le language courant, on continue à parler de faillite au lieu de rendressement judiciaire ou de liquidation judiciaire, parce que dans l'esprit de chacun, à cause de l'intervention judiciaire, tout débiteur en faillite est à la fois, celui qui manque d'argent pour payer à l'échéance et celui qui trompe ses créanciers. Parce que le mot faillite dérive du verbe latin fallere (tromper) et du verbe italien fallire (manquer), le retour à l'histoire va de soi: il permet de mettre en évidence les différentes conceptions du droit de la faillite qui se sont succédées dans le temps."35 Veja SULLIVAN, Teresa A., WARREN, Elizabeth, WESTBROOK, Jay Lawrence, As We Forgive Our Debtors – Bankruptcy and Consumer Credit in America, New York: Oxford University Press, 1989, p. 15.36 Veja EPSTEIN, David G. Bankruptcy and related Law in a Nutshell, St. Paul: West Group, 2002, p. 12.37 Assim SULLIVAN, Teresa A., WARREN, Elizabeth, WESTBROOK, Jay Lawrence, As We Forgive Our Debtors – Bankruptcy and Consumer Credit in America, New York: Oxford University Press, 1989, p. 3.38 Assim RAMSAY, Iain, Overindebtedness and the Law, in Revista AJURIS Especial, março 1998, vol. I, p. 192.39 A reforma da lei americana é de abril de 2005. A antiga lei era de 1978 (1978 Bankrupcty Code, title II of the United States Code), veja BAIRD, Douglas G. Elements of Bankruptcy, New York: Foundation Press, 2001, p. 4: "The word bankruptcy derives from the medieval Italian custom of breaking the benches of a banker or merchant who absconded and left creditors unpaid. As the roots of the word suggest, the first English bankruptcy statutes were directed at merchant debtors, and they are vicious punitive."40 Veja COSTA, Geraldo de Faria Martins da Costa, Superendividamento. A Proteção do Consumidor de Crédito em Direito Comparado Brasileiro e Francês. São Paulo: RT, 2002, p. 1o e seg.41 Veja KILBORN, Jason J. , the Innovative German Approach to Consumer Debt Relief: Revolutionary Changes in German Law, and Surprising Lessons for the United States, in 24 Nw. J. Int'l L & Bus. (2004), p. 257-297.

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solvência e confiança no país, 42 não só na classe média, como nas mais baixas,43 de um lado, aumentando fortmente os lucros dos bancos e promovendo a inclusão no sistema bancário de milhões de aposentados e consumidores de baixa renda,44 mas de outro multiplicando as ações individuais de pessoas físicas endividadas, em especial as revisionais no Judiciário, muitas sem sucesso,45 aumentando o risco e como um todo a conflitualidade e os abusos nas relações de crédito, multiplicando as reclamações nos órgãos de defesa dos consumidores e associações, e o sentimento de impunidade e de insatisfação com o sistema financeiro e com o Direito do consumidor. Como alertou internacionalmente o pioneiro José Reinaldo Lima Lopes46 não possuímos estudos empíricos no Brasil que determinem o perfil do consumidor superendividado, nem encontram-se projetos de lei que tragam sugestões sobre a matéria.

Gostaria, pois, de dividir esta contribuição à reflexão sobre o tema em duas partes. Uma de lege lata, analisando e apresentando algumas das bases e dos instrumentos para a prevenção e o tratamento do superendividamento dos consumidores já existentes no Brasil. Aqui, tendo como base o CDC e, subsidiariamente, o CC/2002, nos concentraremos nos deveres de boa-fé exsitentes nos contratos de crédito de consumo, incluindo contratos financeiros ou de crédito, contratos de cartões de crédito e contratos principais de consumo que trazem anexos financiamentos ou créditos, como dispõe o Art. 52 do CDC.

Na segunda parte, de lege ferenda, trarei proposições para esta nova lei, proposições que têm como base uma pesquisa empírica de 100 casos que realizei com a ajuda do Grupo de Pesquisa CNPq Mercosul e Direito do Consumidor e o levantamento da Defensoria Pública no Estado do Rio Grande do Sul. Aqui também gostaria de dividir minhas observações em duas sub-partes, uma dedicada a retirar da análise do direito comparado lições úteis para a lei brasileira e uma segunda, sobre o contexto do endividamento no Brasil, as premissas e metodologia da pesquisa empírica e alguns de seus resultados úteis para traçar o perfil do consumidor endividado no Rio Grande do Sul, finalizando com conclusões sobre o texto da nova lei a ser proposta.42 Veja a pesquisa do IBGE- Condição de vida – Brasil, Distribução das famílias – Brasil, 2003, avaliação do grau de dificuldade para chegar ao fim do mês com o rendimento monetário familiar, in www.sidra.ibge.gov.br/bda (01.05.2005). Segundo esta pesquisa do IBGE, de 2003, Pesquisa de orçamentos familiares, que inspirou nossa pesquisa, no sul do país, somente 14,54% das famílias declara acabar o mês sem dificuldade com o seu orçamento, mas 34,57% declaram ter dificuldades e mais da metade da população, 50,88% declara ter muita dificuldade para acabar o mês com seu orçamento disponível. Observa-se também nesta pesquisa, gastam-se em média 82,41% em despesas de consumo (29, 26% em habitação, 17,10% em alimentação, 15,19% em transporte, 5,35% em saúde e higiene, 3,37% educação). Veja também IBGE – Despesa- Brasil, Despesa monetária e não monetária média mensal familiar – Brasil, 2003, in www.sidra.ibge.gov.br/bda (01.05.2005).43 Veja notícia do Jornal Zero Hora, Bancos na onda da inclusão social, ZH, 06.06.2004, p. 19, informando que 59% dos correntistas temem endividamento e que ainda 82% preferem pagamentos à vista.44 Segundo noticia a AJURIS, citando o site Carta Maior de 05.05.2005, mais de 5,7 bilhões de reais foram emprestados a 2,4 milhões de beneficiários da Previdência, desde que começou o programa em 2004, sendo que os que ganham até um salário mínimo seriam 42,38%, levantando mais de um bilhão de reais no desconto automático, veja www.ajuris.org.br/sharewords/?org=AJURIS&Dep.%20Comunicação2%(... (11.05.2005).45 Segundo notícia o Jornal Zero Hora, de 20 de julho de 2004, p. 16, levantamento da Febraban naquele ano conclui que 33% dos processos de revisionais eram intentados por consumidores do Rio Grande do Sul.46 Veja conclusões de LOPES, Jose Reinaldo de Lima, in NIEMI-KIESILÄINEN, Johanna, RAMSAY, Iaian et WHITFORD, William, Consumer Bankruptcy in Global Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2003.

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I – Bases e instrumentos para a prevenção e o tratamento do superendividamento dos consumidores no Brasil: dos deveres de boa-fé nos contratos de crédito de consumo com base no CDC e CC/2002

Nas sociedades de consumo consolidadas, o tema do superendividamento é tratado como problema jurídico que é, legislações especiais são preparadas para evitar (prevenção) e dirimir este problema (tratamento), que faz parte do sistema das sociedades de consumo.47 Nestes países há sempre uma espécie de "falência civil" dos consumidores e suas famílias, a evitar a "morte" total do "homo economicus", afinal os contratos de consumo devem ser momentos de cooperação e lealdade e não de "destruição" e "falta de opções" do parceiro contratual mais fraco. 48

O novo Código Civil Brasileiro, aprovado em 10 de janeiro de 2002, reforça esta tese da necessidade de se pensar seriamente no Brasil sobre superendividamento (veja noções sobre lesão, boa-fé objetiva, função social do contrato, combate à onerosidade excessiva, rescisão ou redução de contratos onerosos, 49 modificação de cláusulas penais, da indenização em caso de culpa concorrente, etc.), 50 pois ao unificar as obrigações civis e comerciais e ao criar a figura do empresário, deixa ao direito do consumidor –direito especial- a proteção do contratante mais fraco nestas relações mistas (entre civil-consumidor e comerciante-fornecedor).51 Assim, o privilégio da falência e concordata comercial não mais se sustenta, se em verdade o superendividamento é fenômeno que atinge ao consumidor-leigo e sua prevenção e tratamento deve fazer parte da proteção contratual deste sujeito vulnerável nas sociedades de consumo, não só no primeiro mundo.

47 Como ensina Paisant, Gilles, "El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho frances", in RDC 41: "...el problema del sobreendeudamiento es um fenómeno económico y social duradero en nuestras sociedades occidentales."48 Veja sobre o modelo norte-americano e o canadense, os estudos de José Reinaldo de Lima Lopes, Crédito ao consumo e superendividamento – Uma problemática geral, in R. Inf. legisl., 129 (1996), p. 109-115 e in RDC 17, p. 57 e seg.49 Veja no CC/2002: :"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação." E "Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva."50 Veja manifestação da doutrina, in III Jornada de Direito Civil/STJ, Brasília:"Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o artigo 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual." E GOSSON JORGE, Alberto Júnior, Cláusulas gerais no novo Código Civil, Saraiva: São Paulo, 2004, p. 9151 Veja sobre o tema do diáologo do CDC com o CC/2002, in MARQUES, Cláudia, BENJAMIN, Antônio Herman e MIRAGEM, Bruno, Comentários ao Código de Defesa do consumidor –Art. 1 a 74- Aspectos materiais, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004, p. 30 e seg.

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A) O dever de cooperação para evitar o superendividamento dos consumidores em contratos cativos de longa duração (renegociação e atuação cooperativa)

A boa-fé, no CDC, é princípio geral (Art. 4,III), é conceito indeterminado (art. 51 caput e IV) e é cláusula geral (art. 51,IV). Como ensina Antônio Junqueira de Azevedo, "a boa-fé é um conceito indeterminado", mas quando "se refere ao tipo de comportamento exigido – por exemplo, dos contratantes- configura-se em cláusula geral."52

Como já afirmamos muitas vezes,53 a imposição do princípio da boa-fé objetiva às relações de crédito com consumidores leva à existência de um dever de cooperar dos fornecedores para evitar a ruína destes consumidores. Haveria, pois, na relação de crédito ao consumo e nas envolvendo financiamentos para consumo (art. 52 do CDC) novos deveres de cooperação dos fornecedores de serviços bancários, de crédito e financeiros (Súmulas 29754 e 28355 do Superior Tribunal de Justiça-STJ) imporiam um esforço de boa-fé para adaptar estes contratos e preservá-los (neue Verhandlungspflichten), a evitar a ruína e o superendividamento dos consumidores de boa-fé.

Desde a quarta edição de meu livro sobre contratos, 56 destaco que a doutrina européia atual manifesta-se pela necessidade de uma razoável equivalência de prestações, face ao princípio da igualdade no direito privado.57 Em especial, merece análise a tendência da doutrina alemã atual, que com base nos deveres de cooperação da boa-fé e na antiga exceção da ruína, está ativamente estudando a existência de um dever geral de renegociação nos contratos de longa duração.58

Estes autores alemães partem da premissa de que haveria uma cláusula ou um dever de modificação de boa-fé (no caso brasileiro, com previsão expressa no Art. 6, V do CDC) dos contratos de longa duração, sempre que exista quebra da base objetiva do negócio (Wegfall der Geschäftsgrundlage) e onerosidade excessiva dai resultante. Assim, considera a parte majoritária da doutrina alemã, de que haveria uma espécie de dever ipso

52 AZEVEDO, Antônio Junqueira, "O princípio da boa-fé nos contratos", in Revista do Centro de Estudos judiciário, Brasília/CJF, 1999, se/dez, v. 9, p. 41.53 LIMA MARQUES, Contratos, p. 1058.54 Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras"55 Súmula 283 do STJ: “ As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitaçòes da Lei de Usura.”56 Veja mais detalhes em nosso livro, Contratos,4.Edição, Revista dos Tribunais, 2002, no prelo.57 Assim BERTHIAU, Denis, o principe d’égalité e o droit civil des contrats, LGDJ, Paris, 1999, p. 429 :"…l’équivalence dans l’économie générale du contrat s’impose en définitive como étant o point d’orgue de toute réflexion sur o principe d’égalité dans o droit civil des contrats, car s’il é évident aue l’exploitation de a faiblesse d’une partie contractante par l’autre doit juridiquement être traitée, il n’y a um intérêt à o faire que dans a mesure où l’équivalence dans l’économie généerale du contrat s’en trouve affectée. Prende une autre position conduit à metre en péril os équilibre contractuels, liés à a voluntée des parties, à l’utilité du contrat e à a nécessité de sa stabilité. …En d’autres termes a manifestation unitaire du principe d’égalité dans o contrat devrait s’orienter vers a composante de l’équivalence des prestations, entendue largement como l’équivalnece des droits e des obligations contractuels . "Veja também, KHAYAT, p. 10, a qual explica a importância de prevenir o super-endividamento na França.58 Veja o estudo de MARTINEK, Michael, "Die Lehre von de Neuverhandlungspflichten- Bestandaufnahme, Kritik...und Ablehnung", in Archiv für die civilistische Praxis, 198 (1998), p. 330 e seg. , o qual apesar de negar a existência deste dever geral de renegociação (Neuverhandlungspflicht) em todos os contratos de longa duração, concorda que a doutrina majoritária o identifica em muitíssimo deles, em especial os de longa duração de consumo, p. 356 e seg.

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jure de Adaptação (ipso jure-Anpassungspflicht)59 ou dever de antecipar e cooperar na adaptação, logo, dever (ou para alguns Obligenheit)60 de renegociar (Neuverhandlungspflicht) o contrato.61

Interessante é que a doutrina alemã vai buscar no Direito Comercial (na lex mercatoria dos princípios dos contratos internacionais do UNIDROIT e na teoria da Law and Economics) a origem da aceitação deste dever, considerando usus comercial incluir tais cláusulas de readaptação nestes contratos,62 reirando dai a necessidade da lei incluir claramente este dever nos contratos civis, especialmente nos entre partes com forças de negociação diferentes (onde a inclusão da cláusula é improvável), como concreização atual da boa-fé. A base deste dever é, pois, em resumo o novo standard de boa-fé nas negociações e na execução dos contratos no tempo. Horn63 chega mesmo a sugerir a inclusão de um número 2 no famoso § 242 do BGB.64

Se o § 242 não mudou, o novo BGB-Reformado em 2000 e 2001 traz agora um direito geral de rescisão em contratos cativos de longa duração (novo § 314 do BGB-Reformado), mesmo que este direo não esteja previsto, se considerando o caso concreo e levando em conta os interesses de continuidade do vínculo, não é razoável (zumute) a continuidade para uma das partes, evitando assim o superendividamento.65 Mais ainda, o novo BGB-Reformado traz a figura da quebra da base do negócio (novo § 313), permitindo a adaptação do vínculo à nova base e evitando o superendividamento. 66

Mencione-se, igualmente, que a doutrina alemã apoia-se também no direito comercial e em decisões das cortes sobre o dever de atuar cooperativamente (Mitwirkungspflicht) oriundo do § 242 do BGB (Cláusula geral de boa-fé) e do espírito socieário (§ 133 e 140 HGB-Código Comercial Alemão).67 No direito brasileiro, face ao CDC parece também ser possível considerar-se a existência deste dever de renegociação a favor do consumidor, pois tanto o art. 6,V menciona o direito do consumidor de pedir a modificação do contrato em caso de onerosidade excessiva, quanto nos Art. 52 e 53 menciona o direito à informação, ao pagamento antecipado e devolução das quantias 59 MARTINEK, pg. 363 e seg., relata que esta Teoria é majoritária na Alemanha.60 Note-se que a 'Obligenheit' é um dever de boa-fé menos forte, tão reduzido, que se parece quase ao ônus, porém com sanções mais importantes, veja FABIAN, p. 53.61 MARTINEK, p. 367, relata esta teoria de Horn, Jürgen Bauer, Horst Eidemüller, Wolfgang Harms, Herbert Kronke, Karsten Schmidt e Ernst Steindorff.62 MARTINEK, p. 382 e seg.63 Assim relata MARTINEK, p. 369, informando que também o § 315 ganharia uma nova norma regulando os prazos de graça para esta renegociação ou adaptação, p. 369 e 370.64 A sugestão era: "§242, Abs.2 BGB-Reformvorschlag- Se a prestação de uma das partes, em virtude de circunstâncias externas, se tornar excessivamente difícil, pode este contratante requerer uma razoável divisão dos prejuízos entre as duas partes através de adaptação do contrato, se ele não deveria contar com estas circunstâncias, em especial se este risco no sentido do contrato não lhe é normal e se a manutenção do contrato nas condições anteriores não lhe é razoável (zumutbar), podendo requerer também a rescisão do contrato. A adaptação (Anpassung) ou a rescisão (Auflösung) dar-se-á por consenso entre as partes ou por decisão judicial."(Apud MARTINEK, , p. 369).65 Veja meu artigo "Código Civil alemão muda para incluir a figura do consumidor- Renasce o "direito civil geral e social" ? com Ulrich Wehner, in RDC 37, p. 271-278 e Dauner-Lieb, p. 81. Note-se que o novo §314 prevê perdas e danos, apesar da rescisão, mas evita que o consumidor "morra" atado em um contrato, como ocorre no SFH, onde se o credor nada lhe oferecer, não á saída para o comprador vulnerável e inadimplente (não consegue rescindir, não consegue vender, não consegue quitar, não consegue pagar, não consegue renegociar...não consegue seguir homo economicus).66 Veja apresentação de Dauner-Lieb, p. 8 a 12.67 Assim relata decisões desde o Tribunal do Império (Reichsgericht), MARTINEK, p. 370 e seg.

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pagas. Logo, parece-me possível também no Brasil requerer a antecipação desta modificação e a cooperação do parceiro-fornecedor (dever de renegociação) para a readaptação do contrato (princípio de boa-fé do Art. 4,III) e sua manutenção (Art. 51,§ 2º).

Note-se que a doutrina alemã também sugere um direito geral de denúncia dos contratos (cativos) de longa duração que levarem a parte mais fraca à ruína,68 hoje positivado no BGB.69 Semelhante direito poderia efetivamente ser extraído também no ordenamento jurídico brasileiro com base nos Art. 6,V e Art. 53 do CDC, de forma a evitar a morte do consumidor como homo economicus e resolver, mesmo que de forma indireta, os muitos problemas do superendividamento70 no país. O direito de rescindir o contrato, mesmo inadimplente, é excepcional e só pode ser concedido à parte mais fraca, o consumidor, como se reira da ratio legis do Art. 54, § 2º, do Art. 51,XI e §2º, do Art. 52, §2º, do Art. 53 e do Art. 6, V do CDC.

Em outras palavras, se o consumidor, no sistema do CDC, tem o direito (material) de devolução razoável das parcelas pagas (Art. 53), tem o direito de escolher continuar a relação ou rescindir (Art. 54, §2º e Art. 51,XI), tem o direito de requerer ao juiz que modifique as cláusulas excessivamente onerosas por fatos supervenientes (Art. 6,V ), e o sistema determina a continuação dos contratos (Art. 51,§2º), logo, parece-me que o consumidor tem o direito de propor a ação de rescisão e restituição das importâncias pagas, mesmo que inadimplente ou em mora.

A jurisprudência do STJ tem sido sensível à esta necessidade subjetiva do consumidor, mesmo que já em estado de inadimplência, de conseguir rescindir os contratos cativos de longa duração , de forma a evitar sua ruína ou o superendividamento definitivo, em especial em contratos de compromisso de compra e venda de imóveis.71

Assim desenvolveu-se toda uma jurisprudência sobre o controle de dívidas novadas, pagas e confessadas, depois súmulada. Assim a Súmula 286 do STJ afirma:"A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidade dos contratos anteriores." Note-se que também a Súmula 300 do STJ trata do tema e toma posição contrária aos interesses do consumidor:" O instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial."

De qualquer forma, em matéria de prevenção ao superendividamento, esta jurisprudência em matéria de empréstimos bancários a consumidores merece destaque:

"CONTRATOS BANCÁRIOS – REVISÃO JUDICIAL – NOVAÇÃO. Os contratos bancários são passíveis de revisão judicial, ainda que pagos. A novação não convalida cláusulas nulas (art. 1007 Ccivil). Recurso conhecido e provido. (STJ – 4ª. T – Resp 469522/PR, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 25.02.2003)E:

68 Trata-se da sugestão de um novo § 361,a para o BGB, sugestão também de Horn, relatada por MARTINEK, p. 396. 69 Veja § 314 e 641 do BGB-Reformado.70 Veja Leitão Marques, p. 2.71 O leading case foi o Resp. 109.331/SP, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 31.03.97; "Justificado o inadimplemento pela superveniência de fato impeditivo do cumprimento do contrato, com desequilíbrio resultante da desvalorização da moeda, sucessiva aplicação dos planos econômicos e diferentes critérios para atualização dos créditos, pode o devedor pleitear a extinção do contrato". Veja também Resp. 109.960-/RS, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 24.03.97, Resp. 132.903/SP, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 19.12.97 e Resp. 79.489/DF, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22.04.96.

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"NOVAÇÃO. CONFISSÃO DE DÍVIDA. EMBARGOS. DEFESA. O embargante pode discutir nos embargos a invalidade das taxas aplicadas para a formação da dívida novada. Recurso conhecido e provido em parte."(STJ – 4ª. T – RESP 489720 / MS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 17.06.2003).72

Aqui o STJ consolidou posição na possibilidade de controlar e rever toda a relação continuada mesmo em caso de confissão de dívida. Também quando está adimplente o consumidor tal direito lhe assiste, como ensina a decisão:

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO SOB O RITO ORDINÁRIO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. CLÁUSULA DE INDEXAÇÃO PELA VARIAÇÃO DO DÓLAR NORTE-AMERICANO. PACTO DE 24 PARCELAS. INCIDÊNCIA DE EXCESSIVA DESVALORIZAÇÃO CAMBIAL DA MOEDA BRASILEIRA A PARTIR DA 10ª PARCELA. PROPOSITURA DA DEMANDA APÓS O PAGAMENTO DA PENÚLTIMA PARCELA. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO ALTERA A EXCESSIVA ONEROSIDADE VERIFICADA. Se o contrato previa o pagamento em 24 parcelas e a desvalorização cambial ocorreu imediatamente após a 10ª parcela, resta caracterizada a onerosidade excessiva a autorizar a revisão judicial do contrato de arrendamento mercantil, independentemente de já ter sido paga pelo arrendatário, na data de propositura da demanda, a quase totalidade das prestações que compõem o ajuste. Sustentar o contrário implicaria condicionar a procedência de tais demandas às circunstâncias de terem sido ou propostas por arrendatário inadimplente, ou ajuizadas imediatamente após a desvalorização cambial de janeiro de 1999, o que não se admite, porque fatos de índole subjetiva não possuem o condão de descaracterizar a existência de fato objetivo (desequilíbrio entre as prestações ocorrido a partir de janeiro de 1999), necessário e suficiente à intervenção judicial prevista no inc. V do art. 6º do CDC." (STJ – 3. T - REsp 447336 / SP – rel. p/acórdão Min. Fatima Nancy Andrighi – j. 11.04.2003).73

72 Veja também: "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE EMPRESTIMO E DE ABERTURA DE CREDITO EM CONTA-CORRENTE. TAXA DE JUROS. LIMITE. CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO DE CONTRATOS ANTERIORES. NOVAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. Cumulação da comissão de permanência e dos juros remuneratórios. Precedentes da Corte. 1. A jurisprudência desta Corte, apesar de acolher a orientação da Súmula nº 596/STF, afastando as disposições da Lei de Usura quanto à taxa de juros nos contratos celebrados com instituições financeiras, admite, sim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando efetivamente demonstrada a abusividade da taxa cobrada, já que caracterizada uma relação de consumo entre o mutuário e a instituição financeira. 2. A jurisprudência da Corte admite a revisão dos contratos anteriores para afastar eventuais ilegalidades consolidadas no contrato atual. 3. A capitalização mensal, em hipóteses como a presente, é vedada, admitindo-se, apenas, a anual. 4. Vedada a cobrança cumulativa da comissão de permanência com os juros remuneratórios, já que estes encontram-se, também, na composição daquela. 5. Agravo regimental desprovido." (STJ– 3ª Turma – Ag. In Resp. 514.394-RS, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 12.08.03)

73 Veja também: "CONTRATO BANCÁRIOS – CONTRATO DE ADESÃO – REVISÃO – CONTINUIDADE NEGOCIAL – CONTRATOS PAGOS. O fato de o obrigado cumprir com a sua prestação prevista em contrato de adesão não o impede de vir a juízo discutir a legalidade da exigência feita e que ele, diante das circunstâncias, julgou mais conveniente cumprir. Se proibida a sua iniciativa, estará sendo instituída, como condição da ação no direito contratual, a de ser inadimplente, o que serviria de

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Repita-se que, segundo o STJ, o direito de rescisão é apenas do consumidor, face ao mandamento geral de manutenção dos contratos cativos de longa duração (Art. 52,§2º), e aos mandamentos especiais tutelares apenas dos consumidores de devolução razoável das parcelas pagas (art. 53), de cooperação e lealdade (Art. 6,VI) e de modificação das cláusulas tornadas excessivamente onerosas por fatos supervenientes (Art. 6,V).74

A jurisprudência brasileira está consciente, agora ainda mais depois da entrada em vigor do CC/2002 da função social dos contratos de consumo e da necessidade de tratar diferentemente os contratos cativos de longa duração, como os de crédito e financeiros viosando a aquisição de produtos e serviços de consumo, como bem demonstra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"PREVIDÊNCIA PRIVADA. REVISÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. CDC. CONTRATO DE ADESÃO. ABUSIVIDADE. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. MULTA. 1. No Estado constitucional e democrático de Direito, o contrato é importante instrumento funcionalizador de direitos subjetivos sociais, cabendo ao Poder Judiciário adequá-lo à realidade sócio-cultural, podar os abusos e qeuilibrá-lo. 2. Afasta-se a incidência iníqua da Tabela Price, adotando-se o método de cálculo de juros simples, com o intuíto de evitar o anatocismo e a progressão geométrica e exponencial dos juros. 3. Vedada a cobrança de capitalização de juros (Súmula 121 do STF). Caso em que se mantém o comando sentencial que determinou a capitalização anula dos juros, em razão da ausência de recurso da parte da autora. 4. Pedido de redução da multa contratual que merece ser acolhido em razão de que a lei n. 9.298/96, por se tratar de norma de ordem pública, tem eficácia imediata para os contratos de longa duração, mesmo que firmados em data anterior ao Código de Defesa do Consumidor. 5. O termo inicial da revisão é o início da relação jurídica, pois se presume que as ilegalidades constadas já vem ocorrendo desde o início da contratação, sendo possível a revisão do contrato original, tendo ocorrido mera renegociação do débito....Apelação dos autores provida e desprovido o recurso da demandada." (TJRS - 9ª Cciv. – Ap. Civ. 7008681553 – rel. Des. Nereu José Giacomoli – j. 14.04.2004)

incentivo ao descumprimento dos contratos. Além disso, submeteria o devedor à alternativa de pagar e perder qualquer possibilidade de revisão, ou não pagar e se submeter às dificuldades que sabiamente decorrem da inadimplência. Recurso conhecido e provido." (STJ – 4.ª T. – REsp 293778/RS – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 20/08/2001).74 Assim depreende-se do Resp. 115.671/RS, Min. Waldemar Zveiter, DJ 02.10.00, interpretado, em voto-vista pelo min. Carlos Alberto Menezes Direito, in Resp. 200.019/SP, j. 17.05.2001, p. 4: "(Resp. 115.671/RS, DJ de 02.10.00), prevaleceu o voto do eminente Relator, o Senhor Ministro Waldemar Zveiter, no sentido de poder o comprador inadimplente 'pleitera em juízo a devolução das prestações pagas e a rescisão do pacto, em face do desequilíbrio financeiro resultante da aplicação dos sucessivos planos econômicos', presentes os artigos 51 e 53 do Código de Defesa do Consumidor...Alinhou-se o julgado , então, aos precedentes que permitem a iniciativa da ação ao comprador. Outros precedentes da 4º turma seguem a mesma direção, admitindo que o 'comprador que deixa de cumprir o contrato alegando insuportabilidade da obrigação tem o direito de promover ação para receber a restituição das importâncias pagas', aplicando-se a regra do art. 924 do Código Civil..."

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Importa frisar também que a teoria do adimplemento substancial (substancial performance)75 reforça a idéia que cabe apenas ao consumidor rescindir o contrato ou mantê-lo e que a melhor conduta do fornecedor é renegociar seus termos ou cooperar para que o consumidor possa adimpli-lo. 76 Em outras palavras, quando as novas leis exigem uma inadimplência de alguns meses em um ano para que o fornecedor possa rescindir um contrato cativo de longa duração como este, a ratio legis é o dever de cooperação e o direito de manutenção dos contratos, 77 o reverso da moeda, é a idéia que um 'pequeno' inadimplemento do consumidor não é 'substancial'78 o suficiente para causar a rescisão por decisão do credor adimplente, se este é um fornecedor, frente a consumidor.79 A idéia principal aqui é possibilitar a purga da mora pelo consumidor, isto 75 Veja sobre a teoria Assis, Araken de. Resolução do contrato por Inadimplemento, S. Paulo, Ed. RT, 1991, p. 118 e seg. e Aguiar, Ruy Rosado de Jr. Do Incumprimento Contratual, Rio, Aide, 1991, p. 190 e seg. 76 Assim jurisprudência do TA/RS, hoje TJ/RS: "Resolução extrajudicial. Doutrina da substancial performance: sua invocabilidade. não é absoluto o direito formativo extintivo do promitente vendedor, ainda que expresso no instrumento contratual, na hipótese de mora. Se a prestação do promitente comprador encontra-se substancialmente cumprida, ao outro figurante incumbe demonstrar o seu desinteresse pelo restante da prestação, por inútil. Hipótese em que 94% do preço do negócio de promessa de compra e venda de imóvel encontrava-se satisfeito. Apelo parcialmente provido" (ApC 194194866, 7.CC, Re. Antônio Janyr Dall'Agnol Júnior, j. 30.11.94) , também da mesma Câmara, Apc 195134374, Rel.Vicente Barrôco de Vasconcello, j. 20.12.1995: "Hipótese em que faltante apenas metade de uma única prestação, havendo sido paga a quase totalidade das parcelas, isto é, oito e mais metade da última, portanto, o preço do negócio de promessa s de compra e venda de imóvel encontra-se praticamente satisfeito e, em conseqüência, o contrato se encontra substancialmente cumprido." E o leading case do TJ/RS: "Contrato. Resolução. Adimplemento substancial. O comprador que pagou todas as prestações de contrato de longa duração, menos a última, cumpriu substancialmente o contrato, não podendo ser demandado por resolução. Ação de rescisão julgada improcedente e procedente a consignatória." (ApC 588012666, j. 12.04.1988, Des. Ruy Rosado de Aguiar)77 Assim decidiu recentemente o STJ, in Resp. 272739/MG, DJ 02.04.2001, Min. Ruy Rosado de Aguiar: "Alienação fiduciária. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência de boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido de reintegração de posse."78 Veja também no mesmo sentido EI 197065436, TJ/RS, j. 14.03.1998, Des. Otávio Augusto de Freitas Barcelos: "Embargos Infringente. Seguro Total. Falta de pagamento da última prestação. Inadimplemento do segurado. Resolução contratual que deveria ter sido requerida em juízo. Adimplemento substancial. Devida a indenização pela perda total do bem. Precedentes do STJ."79 Como ensina o STJ em matéria securitária:"SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ÚLTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando será possível avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio.Recurso conhecido e provido" (Resp. 76362/MT, DJ 01.04.1996, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).Assim ensina também o TJ/RS, em caso de morte do segurado sem pagar a última prestação: "Comercial. Seguro. Falta de pagamento da última prestação pelo segurado. Irrelevância. Cobertura devida. E devida a cobertura do sinistro, mesmo que o segurado não pague a última parcela do prêmio, já que ocorreu adimplemento substancial

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é, que de inadimplente torne-se ele – com a cooperação de boa-fé do fornecedor – adimplente, como ensina o STJ:

"MORA – VENCIMENTO ANTECIPADO – EMISSÃO DE TÍTULO PELO VALOR TOTAL DO DÉBITO. A cláusula que permite preencher e levar a protesto nota promissória com o valor total da dívida por causa do atraso de uma prestação, das 24 diferidas, impede o devedor a purgação da mora e por isso não pode ser admitida. Recurso não conhecido." (STJ – 4.ª T. – REsp 291637/RS – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 05.06.2001).Por fim mencione-se a pouca importância prática do "concurso de credores" previsto

nos art.711 a 713 do CPC de 1973. Esta hierarqui de credores (par condicio creditorum)80

tem como fim facilitar que os credores sejam pagos e não que o devedor pessoa física alcance condições de pagar, assim como privilegia as garantias.81 Este procedimento é inspirado, como a Vergleichsordnung da Alemanha, na proteção do devedor e também é pouco usado (1% a 2% dos casos). 82 Para comerciantes temos a nova lei da falência, 83

Lei 11.101, de 9 de fevereieo de 2005, "Lei sobre a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária".84

B) Dos deveres de boa-fé previnindo o superendividamento: informação, controle da publicidade, dos abusos nas cláusulas, do equilíbrio contratual

Como vimos, no Brasil, os serviços bancários, financeiros e de crédito (assim como os securitários), submetem-se ao regime especial do direito dos consumidor (veja Art. 3 º, § 2º do CDC in fine e Súmula 297 do STJ). O Código de Defesa do Consumidor brasileiro realmente impõe a transparência (art. 4 caput), o princípio da Boa-fé objetiva (art. 4, III) e a ativa proteção do consumidor com base na Boa-fé de condutas (Art. 51, IV e § 1º) e na interpretação dos contratos conforme a confiança despertada (art. 30, 34, 35, 47 e 48 todos do Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei 8.078/90). Da mesma forma, o novo Código Civil aprovado em 2002 (CC/2002) cria deveres com base na boa-fé (Art. 422), impõe limites (art. 187) e uma interpretação guiada por esta Boa-fé objetiva (Art. 113). Indiscutível que a boa-fé, a do CDC e a do CC/2002, aplica-se aos contratos de financiamento, de cartão de crédito, de pagamento parcelado com crédito anexo e de crédito ao consumidor.

Hoje, a primeira opção para evitar a ruína do parceiro contratual de boa-fé,que sofre um acidente da vida seria permitir a rescisão ou o fim do vínculo a favor do inadimplente mais vulnerável. Assim beneficiamos o inadimplente consumidor-pessoa física, evitando que aquela dívida se torne uma dívida impagável, dívidas de escravidão,

(substantial performance) não admitindo o ordenamento pátrio a dissolução do vínculo fundada em inadimplemento relativo. Além do mais, a seguradora recebeu outras prestações após o vencimento. Precedentes do STJ" (ApC 595069923, j. 1.08.1996, Des. Araken de Assis)80 ULHOA, COELHO, Fábio, Curso de Direito Comercial, vol. 3, Saraiva, São Paulo, 2002, p. 227.81 Sobre ao origens do Regulamento 737 de 1850, veja THEODORO JUNIOR, op. cit., p. 22.82 Assim KILBORN, Jason J. , the Innovative German Approach to Consumer Debt Relief: Revolutionary Changes in German Law, and Surprising Lessons for the United States, in 24 Nw. J. Int'l L & Bus. (2004), p. 263, note 27.83 ULHOA COELHO, Fábio, Curso de Direito Comercial, vol. 3, Saraiva, São Paulo, 2002, p. 225.84 Veja www.planalto.gov.br ou PINTO, Antônio et alli., Códigos Civil, Comercial, Processo Civil e Constituição Federal, Editora Saraiva, São Paulo, 2005,p. 1429 et seg.

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evitando assim o superendividamento. Tal constelação (pessoa física que contrata dívida impagável nas suas circunstâncias pessoais atuais, ou por viuvez, ou por desemprego ou por doença) geralmente acontece nos contratos envolvendo bens de grande porte, como promessas de compra e venda de imóveis ou compras no Sistema Financeiro da Habitação.

Neste caso, o STJ já ensinou que é possível ao consumidor rescindir o contrato e que devemos superar a estreita visão do CC/16 e do CPC, que só permitiam ao parceiro contratual adimplente rescindir o contrato: há um novo direito (preensão de direito material e ação de direito processual) do consumidor em situação de perigo, em situação subjetiva de força maior ou superendividamento de requerer o fim do vínculo antes que este o leve à ruína, sendo a cláusula que interdita tal direito de boa-fé, abusiva e nula. Assim interpreo a decisão do STJ que ensina:

“Promessa de compra e venda de imóvel – Pacto celebrado na vigência do Codecon – Cláusula abusiva – Ação proposta pelo comprador – I – O comprador inadimplente pode pleitear em juízo a devolução das prestações pagas e a rescisão do pacto, em face do desequilíbrio financeiro resultante da aplicação dos sucessivos planos econômicos. II – Na exegese dos arts. 51 e 53 do Código do Consumidor são abusivas as cláusulas que, em contrato de natureza adesiva, estabeleçam, rescindido este, tenha o promissário que perder as prestações pagas, sem que do negócio tenha auferido qualquer vantagem” (REsp. 115671/RS, Min. Waldemar Zveiter, j. 08.08.2000).Também conhecemos o fim do vínculo com o Sistema Financeiro da Habitação

para evitar o superendividamento,85agora facilitado com a Súmula 308 do STJ,86 que impede a garantia hipotecária , mesmo em caso de contrato de gaveta. Mencione-se que o CDC assegurou o direito do consumidor em pagar antecipadamente a dívida. A Lei 10.150/00, que previa o fim do vínculo, foi interpretada como ordenando apenas uma “novação contratual” a depender da decisão do credor (financiador) e não, como correto, assegurando ao consumidor o direito de quitar.87

Sempre me pareceu que teríamos de evoluir deste posicionamento, o que efetivamente aconteceu. Como já afirmei, o art. 7.º do CDC é claro ao fazer incluir no CDC todos os demais direitos dos consumidores assegurados por leis posteriores e tratados. Aqui há que se interpretar que os compradores de casas populares (contrato principal de consumo) são consumidores dos serviços bancários de financiamento anexos (contratos acessórios de consumo) e aplicar-se o CDC a estes contratos de financiamento,88 assegurando o direito do consumidor a quitar. A prática dos bancos (na maioria privados), com financiamento pelo SFH, é dificultar a transferência do imóvel a 85 Veja decisão do STJ usando o CDC para reequilibrar tal contrato, no REsp. 232044/RN, Min. Eduardo

Ribeiro, j. 13.06.2000: “Sistema Financeiro de Habitação – Compra e venda de imóvel – Cláusula de aumento de preço alterada unilateralmente – Omissão dolosa – Reexame de prova – Súmula 07 – Incidência do Código de Defesa do Consumidor – O fundamento não atacado é suficiente para manter íntegro o acórdão recorrido.”

86 Súmula 308 do STJ:"A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia pernate os adquirentes do imóvel." 87 Veja Ação civil pública, de 05.03.2002, interposta contra esta prática pelo Ministério Público Federal

do Paraná (Cascavel), a ser publicada na Revista de Direito do Consumidor.88 Assim ensina o STJ: “III – Consoante entendimento que veio a prevalecer nesta Corte, o mútuo

bancário feito a consumidor final submete-se à legislação consumerista” (REsp. 299171/MS, 4.ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 21.06.2001).

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terceiros adimplentes (daí multiplicar-se os chamados “contratos de gavea”); é impedir a quitação do consumidor superendividado, ao não cooperar para que possa parcelar as prestações ou diminuir o principal ou ter um prazo sem pagar as prestações para acumular capital, isto, sem qualquer novação para diminuir os juros, geralmente abusivos e excessivos, assim como não oportunizando ao consumidor inadimplente qualquer oportunidade de devolução do imóvel ou venda, que não seja a por hasta pública, o que nunca é suficiente para quitar a dívida do consumidor! Um círculo diabólico que deveria ser quebrado... com um pouco de boa-fé e cooperação.

Assim decidiu o STJ:"PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Extinção do contrato. Comprador inadimplente. - A orientação que terminou prevalecendo na Segunda Seção, depois de inicial controvérsia, é no sentido de que o promissário comprador que se torna inadimplente em razão da insuportabilidade do contrato assim como pretendido executar pela promitente vendedora tem o direito de promover a extinção da avença e de receber a restituição de parte substancial do que pagou, retendo a construtora uma parcela a título de indenização pelo rompimento do contrato. - Essa quantia a ficar retida varia de caso para caso; ordinariamente tem sido estipulada entre 10% e 20%, para cobertura das despesas com publicidade e corretagem, podendo ser majorada quando o imóvel vem a ser ocupado pelo comprador. Não há razão para que tudo ou quase tudo do que foi pago fique com a vendedora, uma vez que por força do desfazimento do negócio ela fica com o imóvel, normalmente valorizado, construído também com o aporte do comprador. - Precedente. - Recurso conhecido e provido em parte." (STJ – 4ª Turma – Resp. 476.775-MG - rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. 20.05.03)

O Art. 51, IV do CDC prevê a nulidade absoluta das cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade". A boa-fé objetiva é um standard, um parâmero objetivo, genérico, um patamar geral de atuação, do homem médio, do bom pai de família que agiria de maneira normal e razoável naquela situação analisada.89 O julgador valora a atuação, decidindo se esta ultrapassou ou não a razoabilidade, os limites impostos por esta boa-fé objetiva qualificada, que é a de consumo. Abusiva é a conduta ou a cláusula que viola a boa-fé, os deveres impostos pela boa-fé aos agentes na sociedade .90

89 Neste sentido, veja-se exemplar decisão do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in Resp. 158.728-RJ, 16.03.1999, cuja ementa ensina: " Plano de saúde. Limite temporal da internação. Cláusula abusiva. 2. O consumidor não é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se reire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de morte, porque está fora do limite temporal estabelecido em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra proteiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade." 90 Assim "INVALIDADE DAS CLÁUSULAS NEGOCIAIS ABUSIVAS À LUZ DO CDC E DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. Reconhecida a abusividade das disposições negociais que estabeleceram as parcelas acessórias do débito, em violação ao regime do CDC e ao princípio da boa-fé objetiva, merecem revisão judicial. (TJRS – 14.ª Câm. – ApCiv 70001052885 – rel. Des. João Armando

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Em outras palavras, é durante aquele exercício de interpretação conforme a boa-fé, de concreção que o magistrado irá identificar os limites à liberdade contratual; isto é, quais as cláusulas que ferem a boa-fé,91 cláusulas nulas e abusivas, 92 que por isso não poderão ser consideradas, cláusulas que não pertencem ao "pacto" (pacta), cláusulas que violam o Direito e não poderão (sunt) ser "servidas" (servanda) ou ter qualquer eficácia, nem por vontade das partes , nem por decisão do juiz, uma vez que ofendem a ordem pública (art. 1º do CDC).93 Como ensina a Corte Federal Alemã (BGH): "O contratante é obrigado segundo a boa-fé, já na elaboração das condições gerais contratuais levar em conta de forma razoável os interesses de seu futuro co-contratante. Se ele concreiza no texto contratual apenas seus interesses, então viola a liberdade contratual (Vertragsfreiheit). Consequentemente, a sua liberdade contratual fica limitada pelo princípio da boa-fé (§ 242 BGB)."94

Há, pois , na boa-fé uma função de correção e de adaptação em caso de mudança das circunstâncias (Korrekturfunktion), a permitir que o julgador adapte e modifique o conteúdos dos contratos para que o vínculo permaneça (manutenção do vínculo) apesar da quebra da base objetiva do negócio, por exemplo, com a desvalorização do dólar em contratos de leasing,95 ou imponha deveres de renegociação96 face à quebra subjetiva da base do negócio, por exemplo, quando o consumidor perde seu emprego. A decisão aqui Bezerra Campos – j. 19.10.2000).91 Belo exemplo é o Resp. 251.024/SP, j. 27.11.2000, DJ 04.02.2002, em que o Relator, Min. Sálvio de Figueiredo, ensina a interpretação segundo 'os fins sociais da lei': "Direito Civil e do consumidor. Plano de saúde. Limitação temporal de internação. Cláusula abusiva. CDC. Art. 51-IV. Uniformização interpretativa...I- É abusiva, nos termos da lei (CDC, Art. 51-IV), a cláusula prevista em contrato de seguro-saúde que limita o tempo de internação do segurado. II –Tem-se por abusiva a cláusula, no caso, notadamente em face da impossibilidade de previsão do tempo de cura, da irrazoabilidade da suspensão do tratamento indispensável, da vedação de restrngr-se em contrato direitos fundamentais e da regra de sobredireito, contida no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual, na aplicação da lei, o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."92 Assim também FERREIRA DA SILVA, Luis Renato, Revisão dos contratos: do Código Civil ao código do Consumidor, Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 52. 93 Assim, veja por todos, as decisões do TJ/RS, in AGI 70002602415, j. 21.06.2001, Des. João Armando Bezerra Campos, em cujo voto lê-se: "A existência de disposições negociais abusivas contrárias às normas do Código de Defesa do Consumidor e ao princípio da boa-fé objetiva demonstra a atuação do credor contrário ao direito, a produzir a invalidade jurídica das obrigações excessivas e a ineficácia das parcelas acessórias, das quais decorrem sua inexigibilidade e inimputabilidade ao devedor." (p. 7 do original) e na APC 70001052885, j. 19.10.2000, Rel. Des. João Armando Bezerra Campos, 14ª Câm. Cível, cuja ementa é: "Invalidade das cláusulas negociais abusivas à luz do CDC e do princípio da boa-fé-objetiva. Reconhecida a abusividade das disposições negociais que estabeleceram as parcelas acessórias do débito, em violação ao regime do CDC e ao princípio da boa-fé objetiva, merecem revisão judicial."94 No original, citado por BURCKHARDT, p. 19 (BGH, NJW 1965, 246): "Er ist daher nach Treu und Glauben verpflichte, schon bei der Abfassung der allgemeinen Geschäftsbedingungen die Interessen seiner künftingen Vertragspartner angemessen zu berücksichtigen. Bringt er nur seine eigenen Interessen zur Geltung, so missbraucht er die Vertragsfreiheit. Insoweit ist die Vertragsfreiheit durch § 242 BGB eingeschränkt."95 Veja, por todos, Resp. 361.694/RS, j. 26.02.2002, Min. Nancy Andrighi, DJ 25.03.2002.96 A doutrina atual está estudando fortemente os deveres de renegociação, tanto na Alemanha (Norbert Horn, Jürgen Baur, Herbert Kronke, Ersnt Steindorff, Gabrielle Fecht, Andreas Nelle ec.), na Itália (Giovanni de Cristofaro, Giuseppe Gandolfi, Franco Anelli, todos sobre cessão dos contratos), nos Estados Unidos (seja nos teóricos da Lw and Economics –renegotiation-, seja nos internacionalistas, em virtude dos Principíos da UNIDROIT para os contratos internacionais de 1994), assim relata em detalhes MARTINEK, Michael, "Die Lehre von de Neuverhandlungspflichten- Bestandaufnahme, Kritik...und Ablehnung", in Archiv für die civilistische Praxis (AcP), 198 (1998), p. 330 a 398.

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é casuística, como ensina o STJ, neste Resp. 200.019/SP j. 17.05.2001, DJ 27.08.2001, Min. Ari Pargendler:

"CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. Ação de rescisão de compromisso de compra e venda ajuizada pelo promitente comprador que ficou sem condições de cumprir o contrato. Procedência do pedido, à vista das circunstâncias do caso concreo.. ." 97

Os autores alemães consideram também que a boa-fé tem uma função de autorização para a decisão por equidade (Ermächtigungsfunktion), pois como cláusula geral sua concreção passa pela ativa participação do julgador e não pode escapar à tópica e à procura da equidade contratual, originando assim um direito de equidade (Billigkeitsrecht) adaptado à sociedade e às necessidades atuais. Como relembra Hattenhauer,98 a fórmula "boa-fé" exige uma concreização no caso concreto, logo, casuística e com base na equidade (Billigkeit).

Parece-me que este exercício de equidade, de decisão caso a caso e divisão salomônica dos riscos, ocorreu no caso da desvalorização do dólar e seus efeitos nos contratos de leasing massificados a consumidores. Bom exemplo desta linha –hoje pacífica no STJ- é a decisão:

"DIREITO DO CONSUMIDOR. LEASING. CONTRATO COM CLÁUSULA DE CORREÇÃO ATRELADA À VARIAÇÃO DO DÓLAR AMERICANO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A VARIAÇÃO CAMBIAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA VALORIZAÇÃO CAMBIAL ENTRE ARRENDANTES E ARRENDATÁRIOS. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. I – Segundo assentou a jurisprudência das Turmas que integram a Segunda Seção desta Corte, os contratos de leasing submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor. II – A cláusula que atrela a correção das prestações à variação cambial não pode ser considerada nula a priori, uma vez que a legislação específica permite que, nos casos em que a captação dos recursos da operação se dê no exterior, seja avençado o repasse dessa variação ao tomador do financiamento. III – Consoante o art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, sobrevindo, na execução do contrato, onerosidade excessiva para uma das partes, é possível a revisão da cláusula que gera o desajuste, a fim de recompor o equilíbrio da equação contratual. IV - No caso dos contratos de leasing atrelados à variação cambial, os arrendatários, pela própria conveniência e a despeito do risco inerente, escolheram a forma contratual que no momento da realização do negócio lhes garantia prestações mais baixas, posto que o custo financeiro dos empréstimos em dólar era bem menor do que os custos em reais. A súbita alteração na política cambial, condensada na maxidesvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999, entretanto, criou a circunstância da onerosidade excessiva, a justificar a revisão judicial da cláusula que a instituiu. V - Contendo o contrato opção entre outro indexador e a variação

97 Neste caso o STJ permitiu ao devedor (inadimplente), que perdera seu emprego, requerer a rescisão do contrato, que não aproveitou e a devolução das parcelas pagas, mesmo se a outra parte se opunha, citando como precedentes os Resp. 132.903-SP, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 19/12/97, Resp. 109.960-RSP, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 24/03/97, Resp. 79.489-DF, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22/04/97 e o já citado in Resp. 109.331-SP, DJ 31/03/97.98 HATTENHAUER, Hans, Grundbegriffe des Bürgerlichen Rechts, Beck, Munique, 1982, p. 93.

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cambial e tendo sido consignado que os recursos a serem utilizados tinham sido captados no exterior, gerando para a arrendante a obrigação de pagamento em dólar, enseja-se a revisão da cláusula de variação cambial com base no art. 6º-V do Código de Defesa do Consumidor, para permitir a distribuição, entre arrendantes e arrendatários, dos ônus da modificação súbita da política cambial com a significativa valorização do dólar americano."(STJ – 4ª.T. - RESP 437660-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 08.04.2003) Mister também ter em conta a lição estrangeira em matéria de direitos humanos,

direitos fundamentais dos devedores, pessoas físicas, quando da concreção das cláusulas gerais de boa-fé, probidade e bons costumes. Efetivamente, após as decisões „revolucionárias“ da Corte Constitucional alemã e da Corte Federal da Alemanha,99 a interpretação jurisprudencial destes novos limites à liberdade contratual em matéria de contratos bancários e de crédito estão na ordem do dia e constituem um dos temas atuais mais polêmicos em direito comparado. Sobre o tema escrevi: "...decisão de 1993 da Corte Constitucional Alemã (Bundesverfassungsgericht) 100em matéria de controle das cláusulas de um contrato bancário impôs às Cortes inferiores a consideração do direito fundamental de desenvolvimento da personalidade (art.2,I da Grundgesez),quando as cortes civis realizassem a concreção ou subsunsão do que seria contrário às cláusulas gerais de respeito aos bons costumes (§138 do BGB) e à boa-fé (§242 do BGB). A novidade foi considerar contrária aos bons costumes uma exigência mais fictiva do que real, isto é, um aval por uma pessoa sem patrimônio, um filho estudante ou uma dona de casa, sem condições reais de pagar a dívida (muito superior as suas possibilidades atuais) e que necessitaria passar toda a sua vida a trabalhar para pagá-la, uma verdadeira dívida asfixiante se exigida no futuro. Para concreizar a cláusula geral do § 138 e § 242 do BGB, as Cortes deveriam, segundo a Corte Constitucional alemã, utilizar-se da noção de direitos fundamentais do indivíduo (no caso concreo um estudante de medicina de 21 anos, que serviu de avalista da dívida do pai, um pequeno comerciante) a desenvolver sua personalidade (desenvolvimento da personalidade econômica e social) no futuro. Como conseqüência este contrato de garantia deveria ser considerado contrário aos bons costumes e à boa-fé, logo ineficaz, uma vez que o garante não tinha nem patrimônio, nem trabalho e estava fazendo uma quase „consignação“ de seu futuro. A Corte Constitucional expressamente ordenou às cortes civis o controle do conteúdo dos contratos de crédito e contratos bancários, nos quais o contratante mais fraco é obrigado a suportar cargas anormais para suas condições pessoas (superendividamento, no original,Überschuldung). O mais interessante e revolucionário aqui é a proibição de um abuso frente a um terceiro (filho), que não é, nem será consumidor direito do crédito, e o efeito indireo dos direitos fundamentais em relações entre particulares (Drittwirkung). As instituições bancárias defenderam-se respondendo que o aval seria necessário para evitar a transferência de patrimônio entre pessoas da mesma família, mas a Corte não modificou seu julgamento. A Corte Federal Alemã (BGH) conseguiu seguir um caminho próprio, proibindo o aval

99 Veja decisão da Corte Constitucional Alemã de 19.10.1993, in: NJW BVerfG 1994, 36-39 e a obra de REINICKE, Dierich e TIEDTKE, Klaus, Bürgschaftsrecht, Berlim, Luchterhand, 1995.100BVerfG Beschl. v. 19.101993 - 1BvR 567/89 u.la., in: NJW 1994,36. A ementa original é a seguinte: „Die Zivilgerichte müssen - insbesondere bei der Konkreisierung und Anwendung von Generalklauseln wie § 138 und §242 BGB - die grundrechtlcihe Gewährleistung der Privatautonomie in Art. 2,I GG beachten. Daraus ergibt sich ihre Pflicht zur Inhaltskontrole von Verträge, die einen der beiden Vertragspartner ungewöhnlich stark belasten und das Egbnis strukturell ungleicher Verhandlungsstärke sind.“

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prestado pela esposa do comerciante como contrário às exigências de boa-fé e aos bons costumes, mas somente após o divorcio dos dois, quando não haveria mais o perigo da transferência de patrimônio entre eles.101 As decisões citadas examinam contratos de crédito entre profissionais, comerciante e banco, mas a reação da jurisprudência alemã destinavam-se a proteger o parceiro mais fraco nesta relação, o garantidor, filho, esposa e terceiro. Transposta esta tendência para os contratos de crédito ao consumidor que exigem iguais garantias, as conseqüências práticas seriam muitas e tenderiam a modificar as práticas hoje existente no mercado brasileiro. As decisões alemãs representam , em minha opinião, um novo e inevitável momento do direito de proteção dos direitos fundamentais de primeira geração (Direitos políticos) ,unidos a defesa dos direitos fundamentais de segunda geração, como o da defesa do consumidor."

Se estas observações já eram importantes em 1995/96, quanto mais agora que estamos prestes a assistir a entrada em vigor do novo Código Civil de 2002, com seus princípios de boa-fé, função social dos contratos, onerosidade excessiva e probidade. As conclusões continuam válidas também no sistema tutelar do CDC, ainda mais se agora com o CCBr./2002 até entre comerciantes serão válidas...

Por fim, mencione-se que o CDC foi tímido ao regular o aspecto econômico do contrato, sem prever norma sobre a taxa de juros abusiva. Mesmo foi utilizado fortemente pelos magistrados de primeiro e segundo grau para fixar um teto de razoabilidade e boa-fé a estes juros –por vezes, astronômicos – no Brasil.102 O STJ, porém, optou pela linha contrária, afirmando que o patamar de 12% , para Bancos, financeras , administradoras de cartão de crédito103 e demais créditos ao consumo, não é abusivo em princípio.104

Outro instrumento de prevenção do superendividamento é a informação detalhada ao consumidor, oriunda de uma dever de boa-fé de informar e esclarecer o leigo sobre os riscos do crédito e o comprometimento futuro de sua renda. Segundo o art. 52 do CDC, o fornecedor deverá informar prévia e adequadamente o consumidor sobre todos os elementos do contrato de crédito antes de concluí-lo , em especial o preço , as condições

101 Decisão de 05.01.95, IX ZR 85/94, Karlsruhe, in: WM (Frankfurt), n. 6, p.237s.102 Segundo o jornal Correio do Povo (Porto Alegre), de 14.05.2005, enquanto as pessoas jurídicas pagam juros de 4,48% ao mês, pessoas físicas pagam juros bancários de 7,55%, segundo pesquisa da Associação Nacional de /executivos de Finanças (Anefac).103 Assim a decisão:"COMERCIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. ADMINISTRADORA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. JUROS. LIMITAÇÀO (12% aa.). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÀO DA LEI N. 4.595/64. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-stf. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. VEDAÇÃO. LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). INCIDÊNCIA. Súmula n. 121-STF. I. As administradoras de cartões de crédito inserem-se entre as instituições financeiras regisdas pela Lei 4.595/64. II. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de cartão de crédito. III. Nesses mesmos contratos, ainda que expressamente acordada, é vedada a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei, hipótese diversa dos autos. Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.262/33 e da Súmula n. 121 –STF." (STJ- 2ª Seção- Resp. 450453-RS - rel. p/acórdão Min. Aldir Passarinho Júnior -j. 25.06.2003) 104 Assim:"CONTRATO BANCÁRIO. TAXA DE JUROS. APLICAÇÃO DO CDC. ABUSIVIDADE DECLARADA, UMA VEZ QUE SUPERIOR À DE 12% AO ANO. INADMISSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. O simples fato de o contrato estipular a taxa de juros remuneratórios acima de 12% a.a. não significa, por si só, vantagem exagerada ou abusividade. Necessidade que se evidencie, em cada caso, o abuso praticado pela instituição financeira. Quando convencionada, é possível a utilização da TR como fator de atualização monetária. Recurso especial conhecido e provido." (STJ- 4ª T- Resp. 18.652 - RS rel. Min. Barros Monteiro -j. 21.08.2003).

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( montante dos juros, acréscimos legais, número e periodicidade das prestações) bem como a soma total a pagar com ou sem financiamento.105

Este dispositivo legal atinente à obrigação de informar do fornecedor em caso de contratos envolvendo outorga de crédito também já se encontra na legislação comparada, onde revela-se eficiente na proteção dos consumidores. Na França, desde 10 de janeiro de 1978, a Loi Scrivener n. 78-22 já disciplinava a informação e a proteção dos consumidores no domínio de certas operações de crédito, referindo que o contrato deveria mencionar a identidade do mutuante, a natureza , objeto e a duração da operação proposta como o custo total e a taxa efetiva global do crédito (art. 4.) As disposições desta lei foram reunidas no Code de la consommation de 26 de julho de 1993 , cujo artigo L 311-4 obriga o anunciante de todo o negócio que envolva uma operação de crédito a inserir na sua publicidade as informações mencionadas, de modo que o consumidor já pode, desde a fase da publicidade, refletir sobre as condições do negócio. Outra forma de informar é o próprio contrato, dai a importância da norma comunitária européia (Diretiva 87/102/CE) que exige que o crédito ao consumo seja sempre contratado por escrito (Art.4).106 Novas regras comunitárias (Diretiva 2002/65/CE) impõem ainda maior informação quando o serviço financeiro, bancário ou de crédito é contratado à distância (por telefone, Internet, home-banking etc.).107 Na Alemanha a revogada lei especial, hoje incorporada ao BGB, Verbraucherkreditgesetz, de 17 de dezembro de 1990, reproduzindo a consolidada jurisprudência em matéria de crédito ao consumo, detalhou a disciplina dos deveres de informação e estabeleceu que o contrato de crédito, redigido rigorosamente na forma escrita, deve indicar: a importância exata do crédito e o seu montante máximo, a importância global de todos os pagamentos parciais, compreendidos os juros e ulteriores custos, tipo e modalidade de reembolso do crédito, taxa de juros e ulteriores custos de crédito indicados individualmente, taxa efetiva anual e condições cuja presença podem ser modificadas as taxas de juros, garantias. Também os artigos 46, 47 e 54 do CDC poderiam ajudar. O Art. 49 do CDC aplica-se somente a contratos fora do estabelecimento comercial, podendo ser usado em caso de home-banking e empréstimos a distância, mas não na maioria dos casos, sendo assim na legislação brasileira não há prazo de reflexão e arrependimento para contratos de crédito ao consumo.105“ No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:I- preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;II- montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;III- acréscimos legalmente previstos;IV- número e periodicidade das prestações;V- soma total a pagar, com e sem financiamento”.

106 Assim ensina CAMPENS, Fabrice, Services financiers de détail et protection des consommateurs: lápproche communautaire, Revue européenne de droit de la consommation, 3/2003, p. 173. Note-se que há um projeto de modificação e atualização desta diretiva, como comenta REIFFNER, Udo. Empfehlungen zum Vorschlag einer EU-Richtlinie zum Konsumentenkredit, VuR 1/2004, p. 11 e seg.107 Assim DE PATOUL, Frédéric, Le consommateur et les services financiers en Belgique, Revue européenne de droit de la consommation, 3/2003, p. 198 e seg.

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Na França o Code de la Consommation prevê esta faculdade de retratação (faculté de rétractacion) no art. L 311-5 o qual permite ao consumidor o direito de reconsiderar seu consentimento no prazo de sete dias, a contar da aceitação da oferta. E , no caso de inobservância das normas legais protetoras, o art. L 311-33 prevê uma sanção civil para o fornecedor do crédito consistente na perda do direito à percepção dos juros. Assim, o consumidor continua obrigado somente a pagar o capital restante segundo as prestações previstas. As somas por ele já pagas a título de juros serão restituídas pelo credor ou imputadas sobre o capital restante devido. Também no Brasil não há um controle especial da publicidade de crédito, nem normas sobre uma forma especial para este contrato.

Em resumo, muitos avanços foram conseguidos nestes 15 anos de promulgação do CDC, mas uma lei especial poderia criar maior clareza sobre o assunto. Repita-se o que afirmei em 1996: " Constatamos que a lei [CDC] não menciona aspectos importantes para as relações de crédito, como a imposição de um prazo de reflexão especial, ou a declaração expressa do vínculo entre o contrato de consumo principal e o contrato acessório de crédito, assim como um regime especial para o super endividamento e para a exigência de garantias pessoais superiores as possíveis para aquele determinado consumidor." O CDC é, efetivamente, tímido no tema e uma lei especial viria a preencher esta lacuna.

Por fim, mister considerar pragmáticamente que a jurisprudência do STJ parece mais tímida a assumir posições favoráveis aos consumidores de lege lata e, assim. uma interpretação construtiva do CDC no futuro não está mais assegurada, o que me leva a sugerir justamente a elaboração de uma lei específica. Para comprovar esta assertiva, mencione-se que cerca de 10 novas Súmulas do STJ (300, 299, 296, 295, 294, 293, 288, 285, 284, 283) consolidam posições favoráveis aos fornecedores do sistema financeiro nacional, em minha opinião, e apenas 7 consolidaram posições a favor dos consumidores (308, 304, 297, 287, 286, 285, 281).108

108 As mencionadas Súmulas do STJ são: Súmula 308 do STJ:"A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia pernate os adquirentes do imóvel." Súmula 300 do STJ:" O instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial." Súmula 297 do STJ: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" Súmula 296 do STJ: “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.” Súmula 295 do STJ: “A Taxa Referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei n. 8.177/91, desde que pactuada." Súmula 294 do STJ: “Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.” Súmula 293 do STJ: "A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil." Súmula 289 do STJ: "A restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda." Súmula 288 do STJ: “A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pode ser utilizada como indezador de correção monetária nos contratos bancários” Súmula 287 do STJ: “A Taxa Básica Financeira (TBF) não pode ser utilizada como indexador de correção monetária nos contratos bancários.” Súmula 286 do STJ:"A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidade dos contratos anteriores." Súmula 285 do STJ :"Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista." Súmula 283 do STJ: “ As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitaçòes da Lei de Usura.” Súmula 281 do STJ: "A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa."

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II – Proposições sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo

Gostaria de dividir minhas observações em duas partes, uma dedicada a retirar da análise do direito comparado lições úteis para a lei brasileira e uma segunda, sobre o contexto do endividamento no Brasil, as premissas e metodologia da pesquisa empírica e alguns de seus resultados úteis para traçar o perfil do consumidor endividado no Rio Grande do Sul, finalizando com conclusões sobre o texto da nova lei a ser proposta. A) Mais algumas lições importantes do Direito Comparado

Aqui os países principais de direito comparado são a França, a Alemanha, os Países Baixos, os Estados Unidos e o Reino Unido, que conhecessem a falência civil (ou bankruptcy) ou procedimentos assemelhados, que conduzem (a exceção da Alemanha) ao desaparecimento de toda ou em parte da dívida do particular após a liquidação de seus bens, com participação judicial ou acordo supervisionado pelo juiz para o re-escalonamento da divida, redução do montante, diminuição dos juros ec.109

A lição mais importante do direito comparado é que frente a crise de solvência da pessoa física-leigo, o consumidor, dois são os caminhos possíveis: "temporisar", reescalonando, planejando, dividindo as dívidas a pagar, ou reduzir estas, perdoando os juros, as taxas ou mesmo o principal, em parte ou totalmente, a depender do patrimônio e das possibilidades do devedor, sempre reservando a ele um mínimo existenecial (restre a vivre).110 Este tempo, em que o consumidor terá que pagar suas dívidas, conforme o renegociado entre todos os credores, com supervisão do Estado, pode ser longo. A Alemanha que exige 7 anos de pagamento do consumidor para chegar ao perdão das dívidas,111 enquanto na Europa o normal são 4 anos.

Como vimos, a França trata o superendividamento com bastante eficiência.112

Como ensina Danielle Khayat, os tipos de tratamento do superendividamento, pelo direito civil geral e por leis especiais são tratados na França.113 A lei especial francesa, de 31 de dezembro de 1989, define a situação de superendividamento como "caracterizada pela impossibilidade manifesta pelo devedor de boa-fé de fazer face ao conjunto de suas dívidas não profissionais exigíveis e não pagas".114 Como ensina o mestre Gilles Paisant, o direito do superendividamento francês também conheceu evolução lenta, com normas 109 Assim Khayat, p. 12 e 13.110 Assim DERRUPPÉ, Jean, Rapport de Synthèse, in Travaux de l’Association Henri Capitant- L’endettement, Journées Argentines, tome XLVI/1995. Paris : L.G.D.J., 1997, p. 36 et seg.111 Assim KILBORN, Jason J. , The Innovative German Approach to Consumer Debt Relief: Revolutionary Changes in German Law, and Surprising Lessons for the United States, in 24 Nw. J. Int'l L & Bus. (2004), p. 260.112 Assim ensina Paisant, in RDC 41: " En a Francia de hoy, nadie puede poner en duda a efectividad del dispositivo de tratamiento del sobreendeudamiento de los particulares. Desde a entrada en vigor de a primera ley específica el 1 de marzo de 1990 hasta el 31 de diciembre de 2000 se han registrado 1.027.841 demandas de consumidores para disfrutar de sus ventajas. En 1998 hubo 117000 demandas, 142000 en 1999 y 148000 en 2000 (1). Como puede comprobarse, las demandas están creciendo. Este fenómeno es muy diversificado. Se puede estar sobreendeudado por 10 000 F o 1,5 MF. El sobreendeudado puede ser um asalariado, obrero o mando, lo mismo que um funcionario; um soltero o um matrimonio y, a menudo, um parado o um individuo divorciado. En cualquier categoría profesional o personal se pueden encontrar sobreendeudados. No existe um perfil tipo de sobreendeudado.'113 Khayat, Danielle, o droit du suendetement des particuliers, LGDJ, Paris, 1997, p. 12 .

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mais processuais e administrativas,115 e hoje se encontra no Título III do Code de a Consumo.116 Em 2003,a lei francesa foi novamente mudada.117

Mister destacar a fonte material do direito do consumidor de prevenção e tratamento do superendividamento, uma vez que a premissa da legislação especial é justamente estar o consumidor-devedor de boa-fé subjetiva e ser a dívida não-profissional.118

Outra premissa é dar tempo, através da elaboração de um plano, para a recuperação extrajudicial do devedor consumidor de boa-fé, e somente a este, excluindo dividas fiscais, de alimentos, oriundas de delitos etc.Determinar quem será o privilegiado por esta legislação é muito importante. A lei francesa previlegia soluções administrativas e um plano de pgamaneto para o consumidor , supervisionado pelo magistrado, antes de passar

A terceira menciona o controle de se o crédito foi concedido de forma responsável ou abusiva, sem informações, sem esclarecimento, sem as formalidades exigidas por lei (por escrito, com direito de arrependimento) ou sem conhecer o consumidor e sua capacidade econômica, como forma de cobrar juros maiores ou de ter o consumidor como um eterno devedor. Aqui a sanção é a perda dos juros, o "preço"e o lucro do crédito.

Como ensina Scavone, são poucos países como a Suíça não impõe qualquer limite à taxa de juros, alguns trazem taxas de 4% ou 5 % ao ano, apenas como referência, como respectivamente o Código civil italiano e Alemão.119 Note-se que a França, Espanha e Argentina não fixam um limite, mas permitem a redução da taxa de juros em caso de usura. 120 Na França seria usurário o empréstimo ou crédito pactuado "a uma taxa efetiva que suplante mais da metade da taxa média praticada nas mesmas condições, por mutuantes de boa-fé para as operações de crédito que tragam os mesmos riscos do empréstimo que se trata." 121 O Código do Consumo françês também define empréstimos e créditos usurários em seu art. L313-3.122 Note-se que, segundo o Code de la 114 Assim Khayat, p. 11, no original: "Le législateur dut assim se résoudre à indiquer que a situation de surendetement é 'caracterisée par l'impossibilité manifeste pour o débiteur de boanne foi de faire face à l'ensemble de ses detes não profissionnelles exigibles e à échoir'... "115 Paisant, Gilles, "La réforme de a procédure de tratement du surendetement par a loi du 29 juille 1998 relative à a lutte contre os exclusions", in RTDcom. 51 (4), oct.-déc.1998, p. 743.116 Paisant, La réforme, p. 755.117 Assim PAISANT, Gilles, La réforme de la procédure de traitement du surendettement par la loi du 1er août 2003 sur le ville et la rénovation urbaine, in RTDCom oct/déc. 2003, p. 671, contando a evolução da lei francesa, em tradução livre de Clarissa Costa de Lima:"Quatorze anos após a lei fundadora de 31 de dezembro de 1989, eis uma quarta lei destinada a dar uma segunda chance aos devedores superendividados. Estes podem se vangloriar de suscitar interesse de diversos ministérios. A lei de 1989 foi votada por iniciativa da Secretária de Estado do Consumo da época, Senhora Neiertz. A de 8 de fevereiro de 1995, que suprimia a dualidade de regramento amigável - reestrutração judiciária civil e destacava as comissões departamentais, foi adotada sob o patrocínio do Ministério da Justiça. Em 1998, a lei de 29 de julho, que levava em conta a realidade do superendividamento passivo, encontrava sua origem em um projeto de lei relativo à exclusão social emanando do Ministério do Trabalho. A nova lei de 1 de agosto de 2003 provém desta vez do Ministério da Cidade e da Renovação Urbana; o que não significa , todavia, que o superendividamento pouparia, por natureza, as zonas rurais ..."118 Sobre as premissas da legislação, veja KHAYAT, p. 11 e 12.119 SCAVONE, Luiz Antônio Júnior. Juros no Direito Brasileiro. São Paulo: RT. 2003, p. 70.120 SCAVONE, Luiz Antônio Júnior. Juros no Direito Brasileiro. São Paulo: RT. 2003, p. 71.121 SCAVONE, Luiz Antônio Júnior. Juros no Direito Brasileiro. São Paulo: RT. 2003, p. 61.122 Assim o texto:"Se reputará usurario todo préstamo contractual concedido a un tipo de interés efectivo global que, en el momento de la concesión de aquél, exceda en más de un tercio del tipo efectivo medio

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Consommation, toda e qualquer taxa cobrada é considerada fazendo parte desta taxa de juros globais, como ensina o art. L313-1.123

Também o direito alemão conhece direitos especiais para empréstimos e crédito a consumidores. Na reforma do Código civil alemão em 2002, o antigo parágrafo 608124 foi mudado e agora somente se aplica a empréstimos de coisas (Sachdarlehensvertrag) e não mais de quantias (Gelddarlehensvertrag), regulados no parágrafo 488 e seguintes.125 Da reforma retiram-se algumas lições. A primeira diz respeito à polêmica sobre a natureza do empréstimo ou mútuo de quantias monetárias, que agora por definição legal é contrato consensual ou pessoal (Konsensulavertrag) e não contrato real (Realvertrag). 126 A segunda é que estes contratos de longa duração devem conter um direito de rescisão geral (§ 489 I 2 BGB-Reformado), ainda mais quando a taxa de juros é flutuante (§ 489 II BGB-Reformado),127 direito de rescisão que é mais favorável quando pactuados com consumidores. E mais, o § 491 e seguintes trazem para o BGB a normas européias sobre crédito ao consumo da lei especial alemã, impondo um direito arrependimento sem causa, que impõe a devolução do principal até duas semanas depois de receber os valores (§ 506). Forma escrita e deveres de informação especiais (§ 492) e um direito de denúncia unilateral do contrato, para evitar o superendividamento (§ 495), além de regular o leasing (§ 500), o pagamento em prestações (§ 501 e seguintes), a conexão (§ 503)entre a entrega do serviço e produto, (contrato principal) e o pagamento, por crédito e empréstimo (contratos assessórios).

A lei argentina de proteção do consumidor traz apenas medidas preventivas, 128

como a informação do consumidor(Art. 35), 129 mas o país conhece uma lei especial regulando os cartões de crédito, mas sem direito de arrependimento.

aplicado por las entidades de crédito durante el trimestre anterior a las operaciones de idéntica naturaleza que conlleven unos riesgos análogos, según la definición que efectúe la autoridad administrativa previo dictamen del Consejo Nacional del Crédito. A los efectos de la aplicación de la presente sección, los préstamos concedidos en relación con ventas a plazos se asimilarán a los préstamos contractuales y se reputarán usurarios en las mismas condiciones que los préstamos dinerarios efectuados con idéntico objeto."123 Veja:" Artículo L313-1- En cualquier caso, tanto para el cálculo del tipo de interés efectivo global del préstamo, como para la determinación del tipo de interés efectivo tomado como referencia, se añaden a los intereses los gastos, comisiones y remuneraciones de todo tipo, directos o indirectos, incluidos los abonados o abonables a cuantos intermediarios hayan intervenido de algún modo en la concesión del préstamo, incluso si tales gastos, comisiones y remuneraciones corresponden a unos desembolsos efectivos."124 Citado por SCAVONE, p. 69.125 KROPHOLLER, Jan. Studienkommentar BGB, 7.Ed., Munique: Beck, 2004p. 416 (§ 607, Rdn. 1).126 KROPHOLLER, p. 335 (§ 488, Rdn. 2)127 KROPHOLLER, p. 336 e 337 (§ 489).128 ANDORNO, Luis O., Rapport Argentin, in Travaux de l’Association Henri Capitant- L’endettement, Journées Argentines, tome XLVI/1995. Paris : L.G.D.J., 1997, p. 59 e seg.129 ANDORNO, Luis O., Rapport Argentin, in Travaux de l’Association Henri Capitant- L’endettement, Journées Argentines, tome XLVI/1995. Paris : L.G.D.J., 1997, p. 60-63: " En ce sens, lárticle 35 de la Loi de Protection du Consommateur dispose que ‘dans les opérations de crédit pour l’acquisition des biens et services, il faut consigner, sous peine de nullité : le prix au comptant ; le solde de la dette ; le montant total des intérêts à payer ; le taux díntérêt annuel ; le système dámortissement des intérêts à payer ; le taux díntérêt annuel ; le système d’ammortissement des intérêts ; d’autres frais, s’il y en a, le nombre de paiements partiels et leus périodicité, et le total du montant financé à payer."

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Um dos problemas a observarmos é o campo de aplicação desta lei, pois na Alemanha, em 1989, apenas 3% da população tinhas problemas para terminar o mês com seu orçamento, mas já representava um milhão de pessoas.130 No Brasil, a pobreza ataca 17,6% da população no RS, local da pesquisa, e 30% no país inteiro. 131 Para evitar isto o Canadá somente trata pela lei dívidas acima de US 1.000 dólares canadenses. 132 Gilles Paisant é contra estas fixações que criam fraudes e representam injustiça no tratamento que deve ser flexível dos superendividados, preferindo que a comissão possa determinar se tratará ou não o caso do consumidor. 133

O Brasil cresce a uma taxa de 3,5% por ano, é a oitava economia do mundo, mas 22 milhòes de pessoas (31,9%) recem somente um salário mínimo por mês. 134 A divisão de riquezas é um dos grandes problemas brasileiros,135 dai não estarmos acostumados a idéia d eum mínimo de dignidade. O mínimo existencial deve ser preservado na França (restre à vivre da alinéa 2 de l'article L.331-2 du Code de la Consommation), 136 no Brasil, conhecemos apenas o bem de família.

No Canadá , de acordo com Ziegel, o superintendente do superendividamento pode incluir até 49% de dívidfas profissionais, contando que 50% ou mais sejam de dívidas não profissionais.137

Quanto à instituição que realiza a renegociação, na França é uma comissão administrativa, com participação dos bancos, também do juiz do superendividamento,138

um assistente social e a figura do liquidador, espécie de síndico da "falência".139 A Alemanha só permite o benefício de consumidores de boa-fé, prevendo uma renegociação de boa-fé, agora judicial, uma vez que a renegociação extrajudicial não obteve sucesso.140

No Canadá, há um 'trustee', um conselheiro administrativo ou mediador privado, não judicail, que pode ser indicado pelo Estado. 141 A Alemanha conhece ainda uma

130 KILBORN, Jason J. , The Innovative German Approach to Consumer Debt Relief: Revolutionary Changes in German Law, and Surprising Lessons for the United States, in 24 Nw. J. Int'l L & Bus. (2004), p. 268.131 Veja Ministério da Ciência e tecnologia, "O número e a proporção de Pobres no Brasil, in www.mct.gov.br/clima/comunic_old/ines022.htm , p. 1 (01.05.2005). "Indigentes" seriam 12% ou 16,6 milhões. 132 Assim ZIEGEL, Jacob S., Comparative Consumer Insolvency Regimes. A Canadian Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2003, p. 19.133 Assim PAISANT, Gilles, El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores en derecho frances, in Estudos de Diretodo Consumidor, Centro de Direito do Consumo (Univ. de Coimbra), nr. 3-2001, p. 69.134 Zero Hora (Porto Alegre), 01.05.2005, p. 15 (Minimo de R$ 300 passa a valer neste domingo), ou www.sidra.ibge.gov.br (01.05.2005).135 Veja pesquisa da'Unversidade Federal do Rio Grande do Sul (www.ufrgs.br) e PNUD, in INFANTE, Alan, "Má distribuição atrasa redução da pobreza no Brasil", in www.pnud.org.br/noticias/impressoa.php?id01=1089 (01.05.2005). 136 Veja LAGARDE, op. cit., p. 168 et seg. (n. 82).137 Assim ZIEGEL, Jacob S., Comparative Consumer Insolvency Regimes. A Canadian Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2003, p. 16 et note 25.138 Veja KHAYAT, op.cit., p. 56 et seg.139Veja PAISANT, Gilles, La réforme de la procédure de traitement du surendettement par la loi du 1er août 2003 sur la ville et la rénovation urbaine, in RTDCom. Octobre/Décembre 2003, p. 676 et seg. 140 KILBORN, op. cit., p. 271- 275.141 Assim ZIEGEL, Jacob S., Comparative Consumer Insolvency Regimes. A Canadian Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2003, p. 17-19.

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comissão, Kommission für Insolvenzrecht,142 apenas para observar, revisar e melhorar o procedimento, o que –no Brasil- poderia ser feito pelo DPDC/MJ.

B) Pesquisa empírica de 100 casos de endividamento de pessoas físicas no sul do país

Como antes afirmamos, é necessário esclarecer que realizamos três pesquisas no PPGDir./UFRGS (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) com o objetivo de subsidiar o Ministério da Justiça para a elaboração de uma lei brasileira sobre o tratamento do super-endividamento de consumidores. Inicalmente, nosso foco de atenção foi o direito comparado e a história da evolução do tratamento da insolvência, de forma a identificar porque países de sociedade de consumo consolidada, como os países industriais todos, possuem tais leis e países emergentes, como os latinoamericanos, não; assim como identificar quando o tratamento dos comerciantes diferenciou-se do dos consumidores pessoas físicas, cabendo aos primeiros o privilégio da concordata (hoje, recuperação extrajudicial) e da falência. Vejamos.

1. Metodologia e passos da pesquisa

Da pesquisa de direito comparado, chegamos a conclusão que sociedades de consumo consolidadas como a norte-americana, a canadense, a francesa, a alemã ,a belga possuiam normas especiais para tratar a eventual "falência" dos consumidores e particulares. Dois modelos dominantes foram identificados. O modelo norte-americano, de ética protestante e liberal, denominado "fresh start", em que considera-se um mal necessário da sociedade de consumo de massas, a insolvência crônica de alguns, então perdoados de suas dívidas para retornar ao sistema e continuar a consumidor. E, dentre os países de ética católica e da família de direitos romano-germânico, o modelo principal da lei francesa, que administra a insolvência de forma global e renegocia, parcelando, temporizando, diminuindo e, em alguns casos mesmo, perdoando, algumas dívidas, juros e taxas.

Como ensina Erik Jayme, as diferenças das sociedades transparecem em seus modelos jurídicos,143 por isso, recorremos ao modelo português, dentre os europeus, talvez o mais próximo de nossa realidade, pelo menos cultural.144 Interessante foi que Portugal também tentou regular o tema do super-endividamento, sem sucesso, até a 142 KILBORN, op. cit., p. 269.143 Assim JAYME, Erik, Visões para uma teoria pós-moderna do direito comparado, in Revista dos Tribunais (São Paulo), nr. 759, p. 25: " A minha Tese principal é a seguinte: O direito comparado moderno perseguia o objetivo, de determinar, de encontrar o que era comum, igual (das Gemeinsame), e que apenas superficionalmente podia aparecer e ser percebido de forma diversa, nos também apenas superficionalmente diversos, sistemas de Direito do mundo. O direito comparado pós-moderno procura, ao contrário, o que divide(das Trennende), as diferenças (die Unterschiede)."144 Sobre a função do direito comparado na elaboração de projetos de leis, veja JAYME, RT 759,p.24: " O Direito Comparado aplicado (die angewandte Rechtsvergleichung) é hoje um direito de evidências ... uma tarefa prática de organização. Seja no exame de um caso ... ou de um projeto de lei, seja na preparação para uma planejada uniformização de leis, seja na decisão de uma nova pergunta em um caso concreto: em todos estes momentos - e para citar ZWEIGERT (RabelsZ 15,1949/50,p.17) - o direito comparado serve ao auto-controle e à afirmaçãoda própria solução proposta (Kontrolle und Bestätigung der eigenen Lösungen)."

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intervenção da União Européia e suas normas sobre direito bancário, financeiro e de crédito, em especial de crédito aos consumidores. Em Portugal, de 1998 a 1999, o Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Consumo, com financiamento do Instituto do Consumidor e apoio da Associação das Sociedades Financeiras para Aquisições à crédito, vários bancos, associações de defesa do consumidor e instituições estrangeiras especializadas, como o Institut National de la Consommation (França) e o Observatoire de l'Endettement des Ménages da Associação Francesa de Bancos e o Observatoire du Crédit et de l'Endettement (Bélgica), o Institut für Finanzdientsleistungen (Alemanha) e tantos outros, elaborou uma pesquisa sobre o perfil do endividado em Portugal.145 Esta publicação de 2000 nos foi muito útil.

Efetivamente, para elaborar um bom trabalho tinhamos que tomar mais dois passos importantes. O primeiro foi recorrer aos colegas especialistas da Association Internationale de Droit de la Consommation (Bélgica) para que nos assessorassem neste empreendimento, dentre eles o nosso especial agradecimento ao Prof. Dr. Gilles Paisant (Univ. de Savoie, França), considerado o maior especilista no tema na Europa, que não só disponibilizou seu tempo e magnífica expertise, inclusive vindo à Porto Alegre como enviou um doutorando em co-tutela para ajudar nos trabalhos e ao colega, também diretor mundial da Associação, Antônio Herman Benjamin, que com sua generosidade de sempre abriu-nos as portas da Universidade do Texas-Austin. Assim, o Presidente mundial da Associação, Prof. Dr. Iain Ramsay (Univ. de York, Toronto) disponibilizou sua pesquisa empírica de mais de mil casos no Canadá146 e os Professores da Universidade do Texas at Austin, Jason Kilborn e Jay Westbrook, disponibilizaram suas pesquisas de direito comparado e, este último suas duas famosas pesquisas empíricas nos Estados Unidos da América,147 enriquecendo nossa bibliografia.

O segundo passo foi organizar um núcleo de pesquisa sobre o super-endividamento no PPGDir./UFRGS,148 composto por doutorandos, mestrandos, juízes, advogados, defensores públicos e alunos de iniciação científica do direito e da sociologia para realizar uma pesquisa empírica, aos moldes da portuguesa, de forma a também aqui conhecer melhor o perfil dos consumidores endividados.149 Para traçar este perfil do

145 Assim apresnetação do livro Leitão Marques, Manuel (Coord.) e NEVES, Vitor, FRADE, Catarina, LOBO, Flora, PINTO, Paula, CRUZ, Cristina, O endividamento dos consumidores, Lisboa, Almedina, 2000, p. V,VI e VII.146 Veja RAMSAY, Iain, The Empirical Dimension of Consumer Bankruptcy: Results From a Survey of Canadian Bankruptcy, in Osgoode Hall Law Journal, Spring/ Summer 1999, p. 15-82. 147 Veja os livros oriundos destas pesquisas: SULLIVAN, Teresa A., WARREN, Elizabeh, WESTBROOK, Jay Lawrence, As We Forgive Our Debtors – Bankruptcy and Consumer Credit in America, New York: Oxford University Press, 1989 e SULLIVAN, Teresa A., WARREN, Elizabeh, WESTBROOK, Jay Lawrence, The Fragile Middle Class – Americans in Debt, New Haven and London: Yale University Press, 2000.148 Criado um núcleo de Pesquisa sobre o tema no PPGDir./UFRGS, está ativo desde março de 2004, contando –além da professora coordenadora Claudia Lima Marques- com a ajuda e colaboração dos mestrandos Karen Bertoncello, Clarissa Costa de Lima, Marco Vinícius Madeira, Vicente Rota e do doutorando Silvio Battello Calderón (Argentina/bolsa CAPES), além das acadêmicas pesquisadora voluntárias de Iniciação Científica, Carla Alimona e Alexandra Prietto, do Grupo de Pesquisa Mercosul e Direito do Consumidor/UFRGS, ao qual o núcleo e o projeto estão ligados oficialmente.149 Sobre a metodologia d apesquisa em grupo, veja Neste núcleo, inicialmente, as reuniões semanais realizadas no PPGDir./UFRGS visaram levantar, analisar e disseminar e discutir os materiais levantados (leis de proteção do super-endividado em países europeus, em especial na França, Itália, Alemanha e Portugal -projeto), leis e diretivas sobre serviços bancários, financeiros, de crédito e cartões de crédito,

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super-endividado realizamos as outras duas pesquisas quantitativas. Para verificar a situação da classe média e alta, que geralmente recorre a advogados e ao Judiciário, realizamos um levantamento das ações revisionais contra os bancos, financeiras e cartões de crédito no Rio Grande do Sul, 150 assim como pesquisas nos depositários de jurisprudência com as expressões onerosidade excessiva, base do negócio, imprevisão e rebus sic standibus.151

Como vimos anteriormente, o STJ promulgou súmula sobre o tema (Súmula 286), permitindo a discussão e o controle da lealdade da dívida oriunda do crédito, mesmo após o pagamento, confissão de dívida, renegociação etc., uma vez que as nulidades absolutas não sanam. As revisionais, em que o endividado tenta rever os juros, o valor total da quantia devida e retirar algumas cláusulas abusivas, beneficiam-se desta nova Súmula que afirma: Súmula 286 do STJ."A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidade dos contratos anteriores." Esta é uma situação muito comum no Brasil e afirma-se que o RS é o estado brasileiro com maior número deste tipo de ação.152 O problema destas ações é que são apenas frente a um credor, sendo assim não se pode saber e, efetivamente, o quanto este consumidor está endividado.

Após, como conclusão desta primeira fase, organizamos a apresentação de todos os mestrandos e doutorandos do núcleo dos pontos estudados, assim como um primeiro exame da jurisprudência levantada pelos pesquisadores de iniciação científica e uma síntese propositiva da pesquisadora líder, concluindo que o modelo da lei francesa era o mais efetivo no Direito Comparado, mas muito administrativo e burocrático, também baseado na aplicação da noção de usura aos bancos e financeiras, logo, poderia estar muito longe da realidade brasileira

Sendo assim, decidimos fazer uma terceira pesquisa, com a ajuda do Núcleo Civil da Defensoria do Estado do Rio Grande do Sul, captaneado pela Dr. Adriana Burger. 153 A

levantamento histórico sobre a evolução do regime da falência de Roma aos nossos dias, passando pelo exame da nova lei de falência comercial no Brasil, dados do IBGE (em especial a pesquisa de Orçamento familiar 2002-2003), da FEBRABAN, decisões judiciais no Tribunal de Justiça do RS, e do Paraná e no STJ sobre revisão de créditos e revisão de contratos. 150 Este levantamento das decisões do STJ e de 191 casos do TJ/RS sobre renegociação das dívidas, que levaram a Súmula 286 do STJ, teve como título "A problemática do consumidor superendividado: o dever de renegociação para a garantia do mínimo existencial", trabalho de IC apresentado pela acadêmica ALIMONA, Carla Marrone (prof. coord. Claudia Lima Marques/UFRGS) e mereceu o prêmio "Destaque em iniciação científica" no XVI Salão de Iniciação Científica da UFRGS, 2003, Porto Alegre. Como destaca Alimena, no STJ, em 2002 tinham ganho de causa a favro do pleito de renegociação e revisão do consumidor, apenas 62,5%, em 2003 aumentando para 89,4% e chegando em 2004, com a pacificação da jurisprudência neste sentido, a 100% (veja como leading case, Resp. 436247, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 27.05.2003).151 Esta parte do levantamento foi realizado pelos acadêmicos e pesquisadores vcoluntários de IC do Grupo de pesquisa CNPq Mercosul e Direito do Consumidor Alexandra Pretto, Eduardo Wambier, Cyro Annes, Lucas Lixinski, Diego Lerner e Simone Backes.152 Jornal Zero Hora, 20.06.2004, p. 16.153 Com o Núcleo Civil da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, sob a coordenação da também Diretora do Brasilcon, Adriana Burger, celebramos um informal convênio com ao PPGDir./UFRGS para que , após reuniões com nossos pesquisadores, os defensores escolhidos para a tarefa pudessem recolher os dados nos formulários elaborados, realizando na prática o levantamento da pesquisa de campo sobre o endividamento com os clientes da defensoria pública do RS. Veja neste sentido o relatório de pesquisa da defensora CONSALTER, Rafaela, O perfil do superendividado no Estado do Rio Grande do Sul, PPGDir./UFRGS/DPERS, mimeo, 2004, p. 2: "É neste momento de evolução na análise do

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defensoria no RS atende somente a pessoas que disponham ao final do mês de até 3 salários mínimos.154 Quanto à metodologia da pesquisa empírica realizada pelo Grupo de Pesquisa CNPq Mercosul e Direito do Consumidor, em conjunto com mestrandos do PPGDir./UFRGS e com a ajuda dos defensores públicos,155 mister esclarecer que elaboramos um questionário desidentificado,156 muito inspirado na pesquisa portuguesa,157 de forma a mapear todas a situação pessoal e familiar do consumidor, o global de suas dívidas, a sua situação salarial e familiar deste consumidor, quantos credores tem, quanto paga por mês (para saber se a idéia francesa da necessidade do consumidor reter um mínimo existencial, o "restre a vivre", existe no Brasil), como foi atingido pela publicidade do crédito, e também, para saber se as normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) estão sendo cumpridas com a população mais pobre e se a concessão de crédito foi feita de forma responsável e de boa-fé, se o consumidor recebeu informações do art. 52 do CDC e a cópia do contrato, e quando, se concedeu garantias e quais, se comprovou seus rendimentos e quando, se tentou negociar com o credor ou com intervenção do Estado, de associações de defesa do consumidor, antes de recorrer à defensoria pública. Um total de 24 perguntas e subperguntas, fechadas e abertas.

Note-se que em nossa pesquisa de campo no RS era uma das premissas, o fato das pessoas ganharem pouco, até 3 salários mínimo e não um resultado desta pesquisa, pois a população pesquisada foi exatamente esta. Assim pudemos verificar o conjunto das dívidas das pessoas e não somente àquelas que levavam ao Judiciário, de forma a pensar

tema que a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul – DPE/RS, por intermédio do seu Núcleo Cível, sob a coordenação da Defensora Pública Adriana Fagundes Burger, veio atender a honroso convite da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e realizar uma pesquisa de campo, na tentativa de definir as características do superendividado no sul do nosso país."154 Segundo Ordem de Serviço 11/97, D.O.E. , 24.06.1997.155 A equipe de entrevistadores em 10 cidades, coordenada por Adriana Burger, contou com os seguintes Defensores Públicos: na capital Porto Alegre- Christine Balbinot, Daniela Boito Maurmann Hidalgo, Jussara Barbosa Acosta , Sandra Regina Falceta e Vera Adegas; Gravataí- Bruno Miguel Gil e Clevenice Scopel; Charqueadas- Lisiane de Cássia Zanette Alves; Barra do Ribeiro - Andréa Gubert, Guaíba-Rafaela Consalter; Montenegro- Cristiano Vieira Heerdt, Sapucaia do Sul- Cristiaine Angelita Johann ; São Leopoldo- Josane de Almeida Heerdt, São Sebastião do Caí- Paulo André Carrard; Taquara- Egylene Chiarello.156 Realizada uma reunião conjunta entre membros da defensoria pública (que relataram alguns casos de endividamento já conhecidos de sua clientela) e os pesquisadores do núcleo, estabelecemos as seguintes linhas para a pesquisa de campo: 1) seriam pesquisados 100 casos, em 10 comarcas (capital e pequenas comarcas do interior, de forma a fotografar o perfil do endividado não só em Porto Alegre, mas em várias cidades médias e pequenas do Estado). 2) a pesquisa seria totalmente desidentificada, ficando cada formulário numerado entregue a um defensor da comarca escolhida, que enviaria os nomes para a Coordenadora da Defensoria, Adriana Burger, que manteria caderno com os nomes, do Defensor-entrevistador e do entrevistado, para efeitos de controle, se necessário.3) desde a elaboração das perguntas o grupo de pesquisadores do PPGDir./UFRGS e alguns defensores previamente escolhidos pela coordenação atuariam juntos.4) decidiu-se excluir do universo pesquisado os consumidores que tivessem dívidas fiscais, em virtude de condenação em alimentos ou por delitos, de forma a concentrar-se nos endividados em virtude de consumo, pessoas físicas, mesmo que eventualmente profissionais autônomos ou liberais. 5) os dados seriam levantados pelos defensores e repassados aos pesquisadores do PPGDir./UFRGs que fariam as análises, com a ajuda da professora orientadora, para com a ajuda de um sociólogo realizar as análises estatísticas.6) No congresso conjunto do PPGDir./UFRGs e da Defensoria Pública, em outubro de 2004, os dados da pesquisa seriam apresentados e seriam convidadas outras defensorias para realizarem pesquisa semelhante.157 Leitão Marques et allii, p. 159 e seg.

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se um tratamento total do superendividamento poderia ser feito extrajudicialmente, na própria defensoria ou nos Juizados Especiais de Pequenas causas. O resultado foi muito produtivo, e pensamos em unir estas duas instituições. O levantamento foi feito pelos colegas defensores em 10 comarcas, na capital e no interior, cidades pequenas e grandes, em 100 casos. Estes casos foram examinados pelo grupo de pesquisa, que coordeno, que inclui doutorandos, mestrandos, juizas, estudantes de direito e de sociologia, pesquisadores voluntários de iniciação científica da UFRGS. Vejamos os dados levantados.

2. Resultados da análise dos 100 casos de superendividamento de consumidores no Rio Grande do Sul: formando o perfil do consumidor superendividado brasileiro

Os resultados da pesquisa formam o seguinte perfil: na maioria mulheres (55%), pessoas não casadas (69%), de 30 a 50 anos (66%), a maior parte trabalhadores autônomos ou liberais (47%), sendo ainda 11% aposentados e 10% desempregados, sustentando uma família de três a quatro pessoas (65%,por exemplo, uma mulher e seus dois filhos ou os filhos e a mãe na mesma casa, como unidade de consumo), consumidor devendo para 1 credor (36%) ou de 2 a 3 credores (38%), em virtude de desemprego (36,2%), doença ou acidente (19,5%) dele ou de alguém da família, sendo que em apenas 21,7% dos casos confirma-se um endividamento ativo, tendo a pessoa gastado voluntariamente mais do que ganha. Em 69% dos casos, o consumidor pessoa física já procurou resolver a questão fora da defensoria pública, em 67% com o próprio credor, ou no PROCON (17%), nos Juizados Especiais (10%), sem sucesso. As dívidas tiveram origens diversas: tais como bancos, financeiras,cartões de crédito (28,8%), ou lojas (28,4%) e supermercados (8,5%), mas 14,2% informaram outras dívidas para agiotas, amigos, luz, água, telefonia, condomínio ou locação (14%). Tomaram conhecimento do crédito pela televisão (22,4%), panfletos ou prospectos (20,6%) ou por correspondência e e-mail a eles enviados pessoalmente 11,2% ou em seus domicílios por telefone (2,5%), sendo que 39,5% informam que ficaram sabendo no próprio estabelecimento, loja, supermercado ou banco (31%) ou por amigos e vizinhos, no local de trabalho, por jornais e telefonemas.

Os dados que levantamos nesta pesquisa piloto de 100 casos, comprovam que os consumidores no RS não são "endividados ativos", aqueles "consumistas" que gastam compulsivamente mais do que ganham ou que não sabem administrar bem as possibilidades o cartão de crédito e as facilidades de auto-financiamento de hoje. Ao contrário, mais de 70% deles são superendividados passivos, que se endividaram face a um "acidente da vida", desemprego, morte de algum parente, divórcio, doença na família, nascimento de filhos etc. (desemprego 36,2%, doença e acidentes 19,5%, divórcio 7,9%, morte 5,1% e outros, como nascimento de filhos, 9,4%). São devedores de boa-fé. A maioria deve para um credor (36%) ou para dois a três credores (38%), em um total de 74%, o que facilitaria uma renegociação com os credores, se chamados para negociar de boa-fé pelo Estado.

Apesar da pesquisa restringir-se a pessoas que dispõem de até 3 salários mínimos no final do mês (público atendido pela Defensoria Pública do RS), alguns dados econômicos formaram a premissa da pesquisa. Um dos temas mais importantes neste

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contexto é o dos juros. No Brasil não se aplica a lei da usura e mesmo a idéia de juros usurários aos Bancos, financeiras e administradoras de cartão de crédito. Efetivamente, quase um quarto dos entrevistados começou com uma dívida de até R$ 300 e o valor atual já soma mais de mil reais. Dos 100 consumidores entrevistados, 23% dos entrevistados começou com uma divida de até R$ 300, e o 33% dos consumidores devem pagar um divida atual de mais de R$ 1000, o que bem demonstra o problema dos juros. Não apenas a cobrança abusiva de juros sobre juros (capitalização mensal, que é efetivamente proibida no direito brasileiro) e a cumulação de taxas que imbutem juros, como a comissão de permanência com outras taxas, práticas efetivamente consideradas ilegais e sumuladas pelo STJ como abusivas, logo nulas.

Como afirmei em entrevista ao Jornal o Globo,158 a lei deve ser cumprida, também por fornecedores de crédito. Não há nenhum tipo de privilégio para os bancos que o Código de Defesa do Consumidor ou o Código Civil, os quais prevêm normas de conduta de boa-fé e lealdade para com todos os consumidores, e a eles se aplicam. Ocorre que, ainda poucas pessoas reclamam no Judiciário e um número menor ainda de pessoas pobres recorre ao Judiciário ou à própria Defensoria Pública, perenizando práticas abusivas, que permanecem e acabam aumentando ainda maior os lucros destas instituições. Estas práticas consideradas abusivas pela lei e pela jurisprudência consolidada do STJ somente poderão ser suprimidas do mercado brasileiro com ações coletivas, com a atuação do Ministério Público e das Associações de Defesa dos Consumidores.  Estes dados da pesquisa demonstram também que, no Brasil, para estes consumidores mais pobres, as taxas de juros são ainda mais altas, em um mercado que os norte-americanos denominam "subprime market". Este mercado financia e fornece crédito para os consumidores mais pobres, mas cobra mais juros pelo risco maior de insolvência. Note-se também que na pesquisa ficou evidenciado que 77% dos casos o credor sequer exigiu garantias para conceder o crédito (dos 23% que exigiram temos 64,2% fiança, 28,5% cheques pré-datados e apenas 7,4% hipoteca).

O efeito, muitas vezes , é perverso, pois a dívida aumenta tanto e tão rapidamente que nem mesmo os consumidores que ganham mais poderiam pagar sem comprometer a sua solvência, o que acaba em uma crise de proporções enormes, levando o consumidor e sua família a uma verdadeira bancarrota ou falência. Note-se que na pesquisa observamos que 65% dos entrevistados eram responsáveis por famílias de até 3 pessoas, geralmente mulheres (55%) que tinham a seu cargo dois filhos ou uma mãe e um filho. Apenas 12% dos entrevistados com problemas de endividamento eram sozinhos. O endividamento é um problema ou um perigo para as famílias como unidades de consumo.

Quanto à idade dos entrevistados, a pesquisa conclui que 64% estão na faixa dos 30 a 50 anos, que quase 50% dos entrevistados estão na faixa de 40 a 60 anos (46%) e que cerca de 11% são idosos ou maiores de 60 anos (Estatuto do Idoso). As pesquisas realizadas no Canadá e nos Estados Unidos, entre os consumidores mais pobres, também chegaram a conclusões semelhantes: é no momento de maior produtividade e atividade professional do indivíduo que ele acaba se super-endividando, muitas vezs por um acidente da vida.159 Assim para pagar seu divórcio, falecimento dos pais, nascimento de filhos, acaba por endividar-se mais do que poderia.

158 Entrevista de Nadja Sampaio, em 10 de julho de 2005.

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Outro ponto importante é o tratamento do aposentado ou idoso. Os dados de 2004 demonstraram que, dos 100 entrevistados, as pessoas como mais de 60 anos somavam mais de 10% (exatamente 11%). Note-se que a pesquisa de campo foi realizada antes que o mercado brasileiro fosse bonbardeado com publicidades (inclusive de instituições públicas !) alardeando as beneces do crédito fácil (e inicialmente sem limites!) para os aposentados. Este é efetivamente um dado preocupante, pois se permite a inclusão desta faixa etária no acesso ao crédito, este crédito facilitado e descontado em folha, sem qualquer proteção do restre à vivre, pode facilmente levar as pessoas de baixa renda (que são a maioria dos aposentados no Brasil) a uma situação de superendividamento e de forma bastante rapidamente. Note-se também que os Bancos criaram uma campanha para atrair mais 50 milhões de clientes no Brasil, voltando-se justamente para os clientes de baixa renda e em cidades que nem mesmo Bancos tinham. Assim agências foram criadas e serviços bancários foram oferecidos nos correios, em supermercados, em loterias etc. Criou-se também o "crédito popular", mas já estamos observando um fenômeno de " ressaca"160 ou de problematização alertando que o crédito pode levar rapidamente a um endividamento impossível de ser pago, o que equivale a falência do consumidor. Aqui nenhum remédio legal existe para este consumidor (e o concurso de credores do Código de Processo Civil é voltado para os credores, não um privilégio do devedor, como a antiga "concordata" dos comerciantes), o que leva a uma posterior exclusão do indivíduo do mercado de consumo e de crédito (nos dados da pesquisa, apenas 15% dos consumidores escaparam de ter seu nome inscrito em cadastros de dados como SERASA, CADIN, SPC etc.).

Note-se que a jurisprudência considera o desconto em folha como possível (Resp. 728.563-RS). Aqui é importante destacar uma prática existente na França e que me parece positiva: assim como para os funcionários públicos, há que se reservar também para o consumidor um mínimo existencial para viver durante aquele mês, assim no caso de desconto este deve conhecer um limite de mais de 30%, um desconto a depender do valor da aposentadoria ou salário do consumidor! O outro aspecto importante é que há uma responsabilidade do Banco ou financeira ao conceder o crédito, pois há um dever de informar, de aconselhar o cliente e não de se aproveitar de sua torpeza, analfabetismo ou situação de necessidade. O Art. 52 do Código de Defesa do Consumidor bem determina que o valor total da dívida deve ser esclarecido e também como serão as parcelas futuras, para que o consumidor saiba quanto de sua renda está comprometendo. Assim se evita que o consumidor assuma um crédito sem condições de pagar ou que comprometa a alimentação e o bem estar de sua família. Nossa pesquisa comprova que somente 37% dos casos houve informação do total da dívidas (em 61% não houve informação pelo fornecedor e 2% não respondeu). A cópia do contrato somente foi fornecida em 43% dos casos (em 56% não foi fornecida cópia e 1% não sabia informar). Sendo que , destes 43% de fornecedores que entregaram cópia do contrato de crédito ou de financiamento ao consumidor, 26% o fizeram depois de já ter o consumidor assinado o contrato, demonstrando um grande desrespeito ao disposto no art. 52 do CDC. Quanto à

159 Veja ZIEGEL, Jacob S., Comparative Consumer Insolvency Regimes. A Canadian Perspective, Hart Publishing, Oxford, 2003, p. 17-19 e também GLOUKOVIEZOFF, Georges, De la bancarisation de masse à l'éxclusion bancaire, in Revue Française des Affaires Sociales, n. 3 juillet-septembre 2004, p. 29.160 Assim o título da reportagem de Veja, 18 de maio de 2005, p. 90 e seg. de Carina Nucci, Ressaca do crédito.

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publicidade, foi ela responsável por grande parte da procura do crédito (em televisão, 22,4%, por panfletos e prospectos, 20,6% e por correspondência e e-mail, 11,2%).  

Por fim, a parte primeira deste artigo tentou comprovar que já há –de lege lata- um dever de renegociar de boa-fé com os devedores consumidores, justamente com base na boa-fé presente no CDC e no CC/2002, mas os dados da pesquisa empírica desmentem a efetividade deste direito. Efetivamente a pesquisa destaca que 67% tentou resolver o problema ou renegociar sua dívida diretamente com o credor e não obteve sucesso, tanto que estava recorrendo a defensoria. Este índice é muito significativo, pois tratar com lealdade e boa-fé o outro significa cooperar para que ele possa pagar suas dívidas. Infelizmente, hoje no Brasil a proteção ao consumidor concentra-se no momento prévio da contratação e nas clásulas abusivas e não exige claramente dos fornecedores que renegociem as dívidas de seus devedores. Sem apoio legal claro, as grandes empresas que vendem (e lucram indiretamente com ) as carteiras de devedores para agências de cobrança ou colocam em seus balanços como parte das perdas ou do contigenciamento imperativo, preferem ter um devedor atrelado a uma dívida impagável do que permitir que ele pague e "livre-se" do contrato. Observamos isto no Sistema Financeiro da Habitação e agora, com as populações de baixa renda e os descontos em folha dos aposentados do INSS.

Como vimos, entrar com ações individuais na Justiça e pedir a revisão do contrato é um remédio paliativo, pois muitas vezes estas ações não obtêm sucesso e quando obtêm estará o consumidor discutindo um a um seus "contratos", logo, suas dívidas de forma fragmentada e não global. O problema do superendividamento é total, atinge a família como um todo, é estrutural e merece um tratamento global pelo Direito. Necessitamos criar uma lei que possa regular, se possível extrajudicialmente, este momento tão delicado de renegociação com os credores como um conjunto, sempre que o consumidor estiver de boa-fé. Neste sentido, a experiência do Rio de Janeiro, do Núcleo de Defesa do Consumidor, que depois de um encontro na UFRGS iniciou com sucesso estas rodadas conjuntas de renegociação das dívidas dos consumidores, é muito positiva.161 Não se trata de perdoar as dívidas ou de não querer pagá-las, trata-se de um dever de boa-fé de evitar a ruína do co-contratante , o consumidor parceiro contratual. Não podemos mais continuar neste modelo atual, em que não se renegocia, pois se lucra mais com um consumidor "morto economicamente" do que vivo; em que as pessoas querem pagar suas dívidas, renegociar e não é possível. Sistema em que se leva o outro à ruina e ainda se lucra com isto (com contigenciamento de crédito, depósitos escriturais, venda de carteiras de devedores, pessoas jurídicas criadas somente para ficar com estes débitos etc.). Resumindo, esta pesquisa teve muitos e frutíferos resultados práticos162

161 Veja relato de PEÇANHA OLIBONI, Marcella L. de Carvalho, O superendividamento do consumidor brasileiro e o papel da defensoria pública. Criação da Comissão de defesa do consumidor superendividado, Revista de Direito do Consumidor, vol. 55 (2005), no prelo.162 Dentre os positivos resultados da pesquisa podemos citar: Organização pelao PPGDir e Defensoria Pública do Seminário Internacional "Defensoria Pública e Defesa do Consumidor", na Faculdade de Direito em outubro de 2004. O DDPDC do Ministério da Justiça presente ao Congresso incorporou o tema dentre os seus projetos, a ANADEP assinou um convênio com o Brasilcon para repetir a pesquisa em outros Estados. A Defensoria do Rio de Janeirio criou um núcleo especial de negociação para superendividados e c omeçou a realizar estas negociações soforme sugerido no congresso com muito sucesso. As professoras Rosângela Cavallazi (PUC-Rio) e Heloisa Carpena (UERJ) ficaram responsáveis para junto com a Defensoria Pública na cidade do Rio de Janeiro de fazer pesquisa semelhante e apresentar no Congresso do

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Conclusões propositivas

Sem querer adiantar a proposta de lei, que será apresentada em 7 de outubro no Congresso de 15 anos do CDC, dada a situação complexa atual que foi relatada, parece-me que seria mesmo necessário elaborar regras específicas sobre os deveres de boa-fé, informação, cuidado e cooperação especificamente para evitar o superendividamento no Brasil. Um projeto de lei que trate de temas materiais, impondo um controle da publicidade e da informação sobre crédito ao consumo e às populações de baixa renda, impondo exigências de forma, facilitando o direito de arrependimento no crédito ao consumidor, impondo limites às garantias pessoais, impondo a vínculação legal entre o pagamento, os contratos acessórios e o contrato principal de consumo, assim como tratando de temas processuais ou administrativos, a exemplo da lei francesa.

O tema não deve ser mais tabu.163 O perfil do superendividado do Rio Grande do Sul ficou muito semelhante ao perfil do endividado da classe baixa do Canadá, em se que fez pesquisa semelhante,164 mas o superendividamento é um fenômeno de um núcleo de consumo, uma família,165 dai ser um problema social, jurídico e político. Há também coincidencias entre os dados econônicos, da pesquisa do IBGE sobre orçamentos familiares, e nossa sobre o perfil do consumidor superendividado no RS.

O modelo francês tem três momentos, um extra-judicial, com uma comissão que computando todas as dívidas do particular de boa-fé, elabora um plano, depois de ouvir e identificar todos os credores, para o pagamento da dívida. Este plano é supervisado pelo juiz que homologa o acordo. É minha opinião, que esta fase pode ser facilmente implantada no Brasil, seja nas defensorias públicas , seja nos Juizados Especiais de Pequenas Causas, onde já contamos com a presença de juízes. Criado este mecanismo, tenho certeza que seria preferido às ações revisionais, que hoje abarrotam as varas judiciais no Brasil inteiro. Nesta comissão poderia estar o juiz ou um juiz leigo, árbitro ou mediador, um representante da defensoria, pelos consumidores, e um representante dos bancos ou financeiras, que poderia ajudar nos cálculos e na elaboração financeira do

Brasilcon, de 7 de setembro de 2005. A pesquisadora de iniciação científica, Carla Alimona (Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor" da UFRGS) , realizou análise dos levantados da jurisprudência do Tribunal de Justiça do RS e sua pesquisa individual mereceu o prêmio Destaque de IC no XVI Salão de Iniciação Científica da UFRGS. Na Association Internationale de Droit de la Consommation, Claudia Lima Marques, as mestrandas Karen e Clarissa Costa de Lima, e as professoras do Rio de Janeiro Rosângela Cavallazi (PUC-Rio) e Heloisa Carpena (UERJ) apresentaram trabalhos sobre o tema do superendividamento no Brasil, a serem publicados na Revista de Direito do Consumidor. O anteprojeto final será apresnetado em seminário próprio do Brasilcon com o MJ/DPDC em 7 de setembro, em Gramado, no congresso dos 15 anos do Código. A OAB/RJ, por seu centro de Documentação e Pesquisa , instituiu o prêmio Paulo Fontelle sobre o tema: " A tutela jurídica do Consumidor Superendidado". 163 Note-se que o Brasil esteve quase ausente nas jornadas da Association Henri Capitant que versaram sobre o endividamento dos particulares, em 1995, mesmo elas tendo ocorrido em Buenos Aires, na vizinha Argentina. Assim, ANDORNO, p. 57-71.164 Assim relatório do Bureau de la Consommation, juin 2004, divulgado pela Industrie Canada, "Carefour des consommateurs", in www.consommateur.ic.gc.ca .165 Veja que mais de 82% do orçamento familiar é dedicado ao consumo, in IBGE – Despesa- Brasil, Despesa monetária e não monetária média mensal familiar – Brasil, 2003, in www.sidra.ibge.gov.br/bda (01.05.2005).

Page 36: Le surendettement des consommateurs au Brésil ...  · Web viewNa segunda parte, de lege ferenda ... Para concreizar a cláusula geral do § 138 e § 242 do BGB, as Cortes deveriam,

plano de recuperação e pagamento, tudo sob a supervisão do Estado, através do juiz que homologaria o acordo extra-judicial com a coletividade dos credores. É esta minha idéia até o momento de um processo global de cooperação entre o devedor consumidor de boa-fé e os credores especialmente sobre as dívidas não profissionais contratadas frente a bancos, financeiras e cartões de crédito visando diretamente o consumo.

Parece-me que no Brasil a presença judicial é essencial. Nesta sugestão de lei teremos alguma dificuldade de adaptar o sistema francês à realidade brasileira. Uma dificuldade prática é a informalidade do trabalho no país,166 a falta de dados confiáveis sobre os rendimentos e sobre mesmo o valor da dívida.167 Também na execução do plano judicialmente teremos algumas dificuldades, pois temos no Brasil a lei do bem de família, que exclui muitos bens da penhora, e que deve ser mantida, mas que temos de impor um restre à vivre flexível. Também há dúvida se podemos permitir bancos de dados de superendividados durante a relaização do plano ou mesmo depois, ou se ficaremos com nossos bancos atuais de cadastros dos consumidores. De qualquer forma devemos submeter estas idéias e coletar estes problemas práticos para poder evoluir em matéria do tratamento do superedividamento.

166 DOLL, Johannes, The situation of elderly workers in Brazil, in TALES, Third Age learning studies, Proceedings of the XII International Seminar, Saskatoon, Canada, 2002, vo. 12, p. 8: " In 1991, casual work represented 41.3% of the total labour force, but rose to 51.3% in 2000. This high number of informal work is a problem, especially for Social Insurance benefits, because these workers do not pay contributions. Beside the high risks for such workers there is only a relatively small part of the population who support the Social Insurance System (only 43.5% of all formal and informal workers; IBGE/Pnad 1999). "167 Veja www.ipea.gov.br ou www.cut.br, O Trabalho Informal no Brasil, p.3: " Em sua maioria, os conta-própria estão em quatro pontos da economia brasileira: a atividade agrícola (28,18%), a prestação de serviços diversos (22,06%), o comércio de mercadorias (19,42%) e a indústria de construção (11,65%). É preciso dizer que os "serviços diversos" prestados pelos conta-própria são basicamente os serviços pessoais, que, assim como o comércio e a construção civil, caracterizam-se por oferecer postos de trabalho de baixa qualidade e produtividade, seja no que se refere à remuneração, qualificação exigida, estabilidade do vínculo etc."