Leandro Seawright
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO
PODER E EXPERINCIA RELIGIOSA: UMA HISTRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL
NA CONVENO BATISTA BRASILEIRA NA DCADA DE 1960
Por
Leandro Seawright Alonso
SO BERNARDO DO CAMPO
2008
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO
PODER E EXPERINCIA RELIGIOSA: UMA HISTRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL NA CONVENO BATISTA BRASILEIRA NA DCADA
DE 1960.
Por
Leandro Seawright Alonso
Orientador:
Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth
Dissertao apresentada em cumprimento
parcial s exigncias do Programa de Ps-
Graduao em Cincias da Religio, para
obteno do grau de Mestre.
SO BERNARDO DO CAMPO
2008
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LEANDRO SEAWRIGHT ALONSO
PODER E EXPERINCIA RELIGIOSA: UMA HISTRIA DE UM CISMA PENTECOSTAL
NA CONVENO BATISTA BRASILEIRA NA DCADA DE 1960
Dissertao apresentada em cumprimento parcial s exigncias do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio, para a obteno do grau de Mestre.
rea de Concentrao: Teologia e Histria Data da defesa: Resultado_________________________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth _______________________________________ UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos________ __________________________ UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO Prof. Dr. Israel Belo de Azevedo____________________________________ FACULDADE BATISTA DO RIO DE JANEIRO
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Aos meus pais, Hlio e Roseli
minha irm,
Raquel
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, por me inventar, me lanar e cuidar de mim, dando-se e
encarnando-se para salvar minha realidade. No entendo muito, mas tambm agradeo pelo
ministrio pastoral, estranho privilgio de sofrimento e alegria. Para mim, Deus pessoal
nos damos bem!
Agradeo minha me por seu exemplo de vida e amor. Por jamais desistir
de me amar e cuidar de mim. Por ser amiga, intercessora, ouvinte, conselheira e por ter forte
influncia em minha f e ministrio. Por vencer em sua rea de atuao jurdica e pedaggica
e me levar a vencer. Por chorar quando chorei e se alegrar quando me alegrei. Porque
trabalhou para me sustentar e, no obstante, agigantou-se em passos acadmicos to largos.
Agradeo por se transcender em tudo o que sabemos ter acontecido e ter me ensinado lies
preciosas que levarei durante toda a vida, pois lhe prometo militncia em todas as boas causas
que me ensinou desde a tenra idade. Agradeo- lhe, tambm, por me ensinar a ser pastor, pois
seus ensinamentos prepararam um ministro do evangelho, nas mnimas atitudes e no exemplo
de respeito ao prximo e dignidade humana.
Ao meu pai que, sempre com muito cuidado, me aconselhou em diversos
momentos de minha vida, orientando-me sobre o futuro e as dificuldades do percurso.
Agradeo por seu exemplo de proteo e incentivo, bem como por aceitar minha escolha
quando, aos 17 anos, sa de casa, no interior do Estado de So Paulo, para cursar Teologia e
seguir minha vocao pastoral.
minha irm voc sempre me ajudou, maninha compreendendo-me e
apoiando-me com amor e boa vontade. Obrigado por me animar em meus intentos pessoais e
acadmicos, jamais deixando de me ouvir. Agradeo- lhe, inclusive, por assistir s minhas
aulas de filosofia, ainda que eu estivesse com a cara inchada e a voz rouca, no primeiro ano
do mestrado, quando voltava para casa s trs da manh [risos].
Aos meus avs paternos V Alonso e V Nomia, muito obrigado pela
acolhida em So Paulo e pelo cuidado durante o perodo de minha graduao. Agradeo- lhes
pela ternura com que me receberam, sempre com um sorriso e muito afeto. Agradeo- lhes
porque sempre me incentivaram nos estudos, inclusive nos momentos de maior tenso e
dificuldade. Vocs so muito importantes para mim, pois sem a ajuda preciosa que me deram,
muitas coisas teriam sido impossveis.
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Aos meus avs maternos, V Pipe (in memoriam) e V Dusolina. Agradeo
pelo exemplo de garra e amor. V, obrigado por torcer por mim e me incentivar toda vez que
ouviu sobre meu trabalho. Eu a tenho como exemplo de f e cuidado familiar, bem como de
grande me, matriarca da famlia.
Aos meus tios, Oldio e Solange, muito obrigado pelo constante apoio em
forma de carinho, motivao e boas percepes do meu trabalho de pesquisa. Vocs sempre
estiveram ao meu lado nos momentos decisivos da minha vida.
Ao Prof. Dr. Lauri E. Wirth, por me oferecer com mestria uma orientao
acadmica consistente, pela pacincia com minha infantilidade durante o mestrado. Obrigado
por me embasar e por ter fornecido as ferramentas tericas e metodolgicas para o
cumprimento de minhas tarefas.
Ao Pr. Manoel de Jesus Th, por me amar e me ajudar a atravessar os
desertos pr-ministeriais por que passei. Sem dvida, devo- lhe as grandes e preciosas lies
do ministrio pastoral e agradeo pelos conselhos e por toda a dedicao. Sou grato por ter se
tornado meu grande pai no ministrio.
Ao Pr. Daniel Messias, grande amigo, obrigado por sua ajuda e apoio em
todo o tempo. Entre os amigos, voc foi o mais presente em minha vida acadmica e
ministerial.
Isabel Cristina Le lis Ferreira, pela amizade, por toda a dedicao e
excelncia na reviso ortogrfica da presente dissertao.
Ao Prof. Ms. Marcelo Santos, obrigado por ter me incentivado a realizar a
presente pesquisa quando fui seu aluno, na graduao.
A uma famlia bastante especial: Nomia, Jos Mardnio, Paloma e Bruno.
Obrigado pela acolhida em So Paulo e por me tratarem de forma amorosa e cuidadosa. Eu os
levarei para sempre no corao e na memria e os terei em alto grau de importncia, sempre e
sempre! Libertem-se [risos].
Paloma, pelo incentivo e apoio constantes e pelo interesse que demonstrou
pela presente pesquisa. Obrigado por me ajudar nos diversos processos desse perodo em que
realizei meu mestrado em Cincias da Religio.
Primeira Igreja Batista no Jabaquara, obrigado pelo carinho, amor e
acolhida. Exero com dedicao o ministrio titular entre vocs e desejo que cresamos juntos
na graa, no conhecimento e no amor que nos une.
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Aos professores que criam Cidinha, Clia, Lia, Catarina, Ana Lcia e Eri.
Obrigado pela confiana, amor e dedicao. Vocs esto vivas em minha memria e sempre
caminharo comigo nas veredas da existncia.
Aos professores que no criam A todos/as vocs: obrigado por causar um
ambiente de instabilidade, pois, sem essas situaes, talvez eu no tivesse conseguido mostrar
que, mesmo no sabendo, fiz-me um tolo aprendiz na mediocridade. Em tempo: eu j
aprontei, lendo Nietzsche durante a aula de matemtica.
Aos professores da graduao na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo.
Agradeo especialmente aos professores Dr. Loureno Stelio Rega, Dr. Jorge Pinheiro dos
Santos, Dra. Gina Valbo Strozzi Nicolau, e Ms. Alberto Kenji Yamabuchi. Agradeo o
incentivo essencial que me deram, no somente na minha formao ministerial, mas tambm
na acadmica.
Aos professores da Ps-Graduao, especialmente Dr. Geoval Jacinto da
Silva, Dr. Jung Mo Sung, Dr. Antonio Carlos de Melo Magalhes e Dr. Etienne Alfred
Higuet. Agradeo pelas boas conversas que travamos durante o tempo em que cursei as
disciplinas oferecidas pelo Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio. Tambm
agradeo pelas conversas de corredor, as quais foram fundamentais e corroboraram, mesmo
informalmente, meu preparo acadmico formal.
CAPES (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior),
que me auxiliou no processo de ps-graduao concedendo-me uma bolsa de mestrado sem a
qual jamais teria sido possvel prosseguir meus estudos na Universidade Metodista de So
Paulo.
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O problema poltico essencial para o intelectual no criticar os contedos ideolgicos que estariam ligados cincia ou fazer com que sua prtica cientfica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se possvel constituir uma nova poltica da verdade. O problema no mudar a conscincia das pessoas, ou o que elas tm na cabea, mas o regime poltico, econmico, institucional de produo da verdade. No se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder que seria quimrico na medida em que a prpria verdade poder mas de desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econmicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento.
FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfsica do Poder, p. 14.
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SEAWRIGHT, Leandro Alonso. Poder e Experincia Religiosa: uma Histria de um Cisma Pentecostal na Conveno Batista Brasileira na Dcada de 1960. So Bernardo do Campo, 2008. Dissertao de Mestrado. Universidade Metodista de So Paulo.
RESUMO
A presente dissertao resultado de uma pesquisa acerca de um cisma
pentecostal na Conveno Batista Brasileira, na dcada de 1960. No foco do conflito
encontra-se um Movimento de Renovao Espiritual, que defendia uma experincia de xtase
religioso, designada de batismo com o Esprito Santo, como confirmao da relao do crente
com Deus. A progressiva adeso de comunidades batistas a tal proposta transformou-a numa
rede alternativa de poder que causou instabilidade nas relaes de poder no interior da
denominao batista no Brasil. A pesquisa reconstri os embates decisivos deste episdio e
ofereceu uma interpretao a partir das teorias de Michel Foucault e Michel de Certeau, na
medida em que tenta decifrar os mecanismos institucionais de controle em confronto com as
tticas das redes de poder. No contexto histrico brasileiro de efervescncia no s religiosa,
os mecanismos de vigilncia da Conveno Batista Brasileira mostraram-se insuficientes para
a manuteno da unidade ameaada, uma vez que puniu os grupos opositores com a excluso.
Palavras-chave: Conveno Batista Brasileira, batismo no Esprito Santo, cisma pentecostal, redes de poder, vigilncia, experincia religiosa.
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SEAWRIGHT, Leandro Alonso. Power and Religious Experience: a Hhistory of a Pentecostal Schism in the Brazilian Baptist Convention in the Decade of 60s. So Bernardo do Campo, 2008. Dissertao de Mestrado. Universidade Metodista de So Paulo.
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ABSTRACT
This dissertation is the result of a search about a Pentecostal schism in the
Brazilian Baptist Convention, in the decade of 1960. The center of interest of the conflict is a
Spiritual Renewal Movement, which defended an experience of religious ecstasy, called
baptism with the Holy Spirit, as confirmation of the relationship of the believer with God. The
gradual adhesion of Baptists communities to such proposal transformed it into an alternative
web of power that caused instability in the relations of power within the Baptist denomination
in Brazil. The research reconstructs the shocks of this crucial episode and offered an
interpretation from the theories of Michel Foucault and Michel de Certeau, trying to decipher
the institutional mechanisms of control in battles with the tactics of the web of power. In the
historical context of Brazilian effervescence not only religious, the mechanisms of
surveillance of Brazilian Baptist Convention have proved inadequate for maintaining the unity
threatened, since the opposing groups were punished with the exclusion.
Words Key: Brazilian Baptist Convention, baptism in the Holy Spirit, pentecostal schism, web of power, surveillance, religious experience.
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SUMRIO
Introduo................................................................................................................................12
1. UM PERODO DE EFERVESCNCIA E O MOVIMENTO DE RENOVAO ESPIRITUAL..............................................................................................................19
1.1. Um locus de transformaes poltico-religiosas e de efervescncia................19 1.2. Um locus fragmentrio do protestantismo no Brasil: Uma grande
miscelnea........................................................................................................30 1.3. Um locus oscilante no vaivm das ondas: uma antidisciplina
pentecostal........................................................................................................37 1.4. Ondas vm e ondas vo: Um locus de belicosidade para o Movimento de
Renovao Espiritual e para Rosalee Mills Appleby ......................................45
2. A EXPERINCIA RELIGIOSA NA BIBLIOTECA DO SEMINRIO
TEOLGICO BATISTA DO SUL DO BRASIL E A FORMAO DAS REDES DE PODER..................................................................................................................59
2.1. Jos Rego do Nascimento e Enas Tognini: Duas experincias religiosas de
constituio no entretecimento da belicosidade histrica................................59 2.2. Da academia experincia religiosa: Poder e xtase na biblioteca e as redes de
poder.................................................................................................................70 2.3. Um barulho que veio da biblioteca: Poder e represso da religio oficial.......82 2.4. Na abrangncia das redes de poder: Um manifesto da minoria excluda da
Igreja Batista da Lagoinha...............................................................................92
3. A FORMAO DA COMISSO DOS 13 E O MODELO PANPTICO DE VIGILNCIA...........................................................................................................101
3.1. Um cisma na Conveno Batista Mineira......................................................101 3.2. A Conveno Batista Brasileira de 1962 e a formao da Comisso dos
13....................................................................................................................108 3.3. A doutrina do Esprito Santo e os embates fiscalizadores ............................118 3.4. Os pareceres da Comisso dos 13: Um cisma na Conveno Batista
Brasileira........................................................................................................131
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4. O FUNDAMENTALISMO POLTICO-RELIGIOSO POR DETRS DAS
TRINCHEIRAS........................................................................................................150 4.1. O fundamentalismo do Movimento de Renovao Espiritual.......................150 4.2. Rubens Lopes e Enas Tognini: Campanhas de Evangelizao e Encontros de
Renovao......................................................................................................163 Consideraes Finais.............................................................................................................170 Bibliografia............................................................................................................................180 Anexos....................................................................................................................................187
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Introduo
No seio das igrejas batistas pertencentes Conveno Batista Brasileira
possvel identificar um perodo intenso composto por incontveis conflitos de poder ocorridos
em mbito denominacional. O perodo de 1956 a 1965 fo i impactado pelas controvrsias
teolgicas ocasionadas pelo Movimento de Renovao Espiritual no interior das igrejas
batistas. Atravs da influncia de Rosalee Mills Appleby, alguns lderes denominacionais,
como Jos Rego do Nascimento e Enas Tognini, alegaram uma experincia de batismo no
Esprito Santo posterior experincia de salvao nas categorias batistas de compreenso
soteriolgica 1.
Os entreveros denominacionais e os debates acerca da verdade sobre a
doutrina do Esprito Santo conduziram e fomentaram disputas institucionais, premeditadas ou
no, que tiveram como uma de suas principais conseqncias o primeiro cisma ocorrido na
Conveno Batista Brasileira. No presente texto intentar-se- uma abordagem acerca do
perodo mencionado, verificando os conflitos de poder que conduziram os batistas brasileiros
ao cisma denominacional. Outrossim, adotar-se-, para a abordagem do referido episdio, as
teorias de Michel Foucault e de Michel de Certeau como respaldos tericos para entender o
conflito em pauta.
A influncia do Movimento de Renovao Espiritual nas igrejas batistas
brasileiras j foi objeto de diferentes estudos. Destacam-se aqueles de cunho marcadamente
apologtico, produzidos no calor dos embates em torno da questo. H tambm referncias
questo em trabalhos de concluso de curso de graduandos em Teologia. Contudo, salvo
melhor juzo, o presente trabalho a primeira tentativa de investigao cientfica do cisma no
campo batista.
Para tanto, sabe-se que dois tipos de fontes possibilitam a pesquisa e o
conhecimento no mbito da histria, a saber, as fontes primrias e as fontes secundrias.
Fontes primrias ou originais so aquelas que documentam um fato, uma circunstncia, um
vivido. So os documentos escritos, objetos de uso pessoal e coletivo, instrumentos
diversificados. Essas fontes requerem a verificao do contexto histrico, social, poltico e
cultural, porquanto preciso empregar metodologias hermenuticas para lanar mo de suas
informaes.
1 Termo utilizado nos estudos de Teologia Sistemtica para designar as compreenses acerca da salvao, nas molduras da teologia crist.
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Em contrapartida, as fontes secundrias referem-se s muitas leituras das
fontes primrias que os pesquisadores realizam. Mesmo que haja a possibilidade de que as
fontes secundrias se transformem em novas fontes primrias de pesquisa, as fontes
secundrias so postas no mercado de bens culturais para o consumo de diferentes categorias
de sujeitos, a saber: os pesquisadores, os professores, os estudantes e os curiosos de maneira
geral. As fontes primrias distinguem-se das fontes secundrias principalmente porque estas
esto ligadas difuso do conhecimento histrico, enquanto aquelas produo do
conhecimento da histria 2.
Para a abordagem que se prope na presente dissertao, ressalta-se a
utilizao de fontes primrias, tais como: cartas, jornais denominacionais, jornais seculares e
atas. Algumas das correspondncias utilizadas, anexadas ao presente texto esto em poder de
Enas Tognini, enquanto outras foram publicadas em seus livros. Consultou-se tambm O
Jornal Batista, veculo oficial de informaes da Conveno Batista Brasileira3. Da mesma
forma, lanou-se mo de O Estado de So Paulo, para verificar determinado perodo histrico
em evidncia no quarto captulo. Como se mencionou, atas de Assemblias da Conveno
Batista Brasileira tambm foram utilizadas e constituram fontes primrias preciosas .
No que tange s fontes secundrias, procurou-se consultar livros
apologticos e doutrinrios que evidentemente possuem carter confessional e, por via de
regra, compem e corroboram discursos blicos na histria dos batistas brasileiros durante o
perodo em que se situa o referido campo de pesquisa.
As publicaes de Enas Tognini e Jos Rego do Nascimento forneceram
boas interpretaes acerca do belicismo no perodo e na fundamentao do Movimento de
Renovao Espiritual. Alm das obras desses autores militantes, muitas outras serviram de
fontes secundrias para a amostragem dos conflitos denominacionais que culminaram no
primeiro cisma da histria dos batistas no Brasil.
No se pretende lanar uma hiptese com pressupostos solidificados com a
finalidade de afirm- la ou neg- la. Entretanto, pretende-se elaborar suspeitas, no para que se
tornem soberanas e determinantes sobre alguma investigao ou afirmao, mas para que tais
suspeitas tragam consigo as instigaes acadmicas sobre o campo de pesquisa estabelecido,
bem como sobre o problema que se suscitar, os quais se faro evidenciar na elaborao dos
2 Cf. SOUZA, Joo Valdir Alves de. Fontes para uma reflexo sobre a histria do Vale do Jequitinhonha , p. 2. 3 Mais informaes sobre O Jornal Batista in: AVEZEDO, Israel Belo de. A palavra marcada: um estudo sobre a teologia poltica dos batistas brasileiros, de 1901 a 1964, segundo O JORNAL BATISTA .
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captulos. Nesta dissertao tambm no se objetiva um trabalho doutrinrio, mas uma sucinta
contribuio para se pensar parte do processo histrico e denominacional dos batistas no
Brasil.
O intelectual no tem mais que desempenhar o papel daquele que d conselhos. Cabe queles que se batem e se debatem encontrar, eles mesmos, o projeto, as tticas, os alvos de que necessitam. O que o intelectual pode fazer fornecer os instrumentos de anlise, e este hoje, essencialmente, o papel do historiador. 4
Desse modo, elaborar-se-o suspeitas para a investigao historiogrfica. Por
conseguinte, na instrumentao do leitor, ser visibilizada a tenso existente no perodo
mencionado, pois as suspeitas indicaro o vis pelo qual se trilhar e um laboratrio de
verificao do Movimento de Renovao Espiritual em curso na Conveno Batista
Brasileira. Segundo Foucault, jamais se pode dizer: eis o que vocs devem fazer. Portanto,
tambm no se pretende demonstrar nenhuma verdade cristalizada e tampouco a forma como
se deve pensar, pois se trata de fornecer instrumentos para o cumprimento do papel do
historiador.
Assim, a primeira suspeita a de que as experincias religiosas so
legitimadoras das atitudes de poder poltico na histria da Conveno Batista Brasileira e que
as experincias produzidas e vivenciadas pelo Movimento de Renovao Espiritual foram
causadoras de desequilbrio no mbito da denominao batista. Segundo Foucault, a
referncia da histria, a qual tambm se estabelece para a escrita da historiografia, o modelo
da guerra e o da batalha 5, uma vez que se deve verificar a inteligibilidade das lutas, das
estratgias e das tticas para uma abordagem de um episdio poltico-religioso, como no caso
em tela.
Sendo, pois, plaus vel uma abordagem que se constitua para alm de uma
reduo da histria a determinados eventos e a determinados modelos estabelecidos pela
lngua, est posta a primeira suspeita, que se baseia no aspecto belicoso da histria pelo
confronto das redes de poder no seu interior. Dessa forma, poder e experincia religiosa
parecem estabelecer uma importante relao, fazendo do modelo de governabilidade
congregacional um grande campo de batalhas, de onde a histria se pronuncia pela narrativa
dos sujeitos que promoveram seus embates.
4 FOUCAULT, Michel. Poder - corpo. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfsica do Poder, p. 151. 5 FOUCAULT, Michel. Verdade e Poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfsica do Poder, p. 5.
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H uma segunda suspeita, a saber, a de que cada sujeito religioso agiu, com
base na legitimao do poder a partir das experincias religiosas, inscrevendo-se por uma
opo de favorecimento numa rede de poder, pela qual se tornava promotor de embates com
outras redes opositoras no processo histrico do perodo de atuao do Movimento de
Renovao Espiritual.
Com base nessa suspeita, parece ter ocorrido um desencadeamento de aes
que demonstram a formulao de um fundamentalismo religioso por parte do Movimento de
Renovao Espiritual e de alguns sujeitos religiosos opositores ao mencionado Movimento.
Desse modo, parece haver relaes de poder a partir de onde os sujeitos religiosos se
posicionaram, pois se torna deveras importante a observncia do lugar vivencial onde as
batalhas se deram. Os eventos ocorridos, os quais sero tratados nesse texto, so singulares na
histria dos batistas no Brasil e precisam ser notados, bem como distinguidos em suas
especificidades e em suas redes de poder.
A terceira suspeita que se elabora neste ensejo requer um trabalho acurado,
pois pensa-se que, possivelmente, atravs da formao da Comisso dos 13, que se verificar
no terceiro captulo, houve um avano na tecnologia do poder exercido no mbito da
Conveno Batista Brasileira. Entretanto, depois do desenvolvimento de um processo de
vigilncia, parece ter havido um retrocesso muito similar s aes inquisitrias, como se ver.
No puniu-se num primeiro momento, mas puniu-se depois do trabalho da Comisso dos 13, o
que implica as mencionadas aes inquisitrias por parte da denominao ou a insistncia do
Movimento de Renovao Espiritual a fim de provocar de forma premeditada um cisma
pentecostal em uma denominao histrica.
Props-se, pois, uma estrutura de captulos em que se viabilizou um
observatrio poltico-religioso que, como se mencionou, objetiva evidenciar os confrontos no
seio da Conveno Batista Brasileira no perodo outrora aludido. Quer, desse modo, fornecer
uma leitura terica que contemple o locus altamente belicista, as experincias religiosas de
xtases e os embates mais decisivos em mbito denominaciona l.
Assim, na estrutura dos captulos, se conceder a amostragem de um
trabalho, ainda que sucinto e limitado, que objetiva a constituio de instrumentos para a
anlise do poder e da experincia religiosa que se formulou no interior da Conveno Batista
Brasileira. Contudo, lana-se um olhar ao sistema guerra-represso, bem como sobre a
sistemtica da vigilncia e da punio, que parecem ter proporcionado uma prtica, no
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interior de uma pseudo-paz, de uma relao perptua de fora. Portanto, possvel que se
veja no decurso dos captulos uma constante reflexo acerca da luta e da submisso. 6
Desse modo, no primeiro captulo, que trata de Um perodo de
efervescncia e o Movimento de Renovao Espiritual, constatar-se- uma grande
mobilidade poltico-religiosa por meio da breve narrativa do contexto poltico do Brasil e
tambm da efervescncia do pentecostalismo no Pas. Tambm se verificar um lugar
altamente fragmentrio para o protestantismo no Brasil, inclusive por sua diversificao, por
suas ramificaes e por sua pluralidade, arriscando-se numa tipologia e a partir de suas razes
histricas.
Nesse captulo se demonstrar a insuficincia do tratamento do
pentecostalismo no Brasil atravs da idia de ondas, porquanto se quer evidenciar que, luz
dessa concepo, h uma falta de lugar histrico para o Movimento de Renovao Espiritual.
Porm, lanando-se a fragmentariedade poltico-religiosa e a formao contextual das
concepes religiosas e dos movimentos pentecostais, especialmente no perodo de 1950 e 60,
quer-se oferecer demonstrao um locus blico para a atuao do Movimento de Renovao
Espiritual no seio da Conveno Batista Brasileira.
Ainda no primeiro captulo, ser possvel constatar uma narrativa da
influncia carismtica da missionria Rosalee Mills Appleby, que forneceu bases para o incio
do Movimento de Renovao Espiritual, o que se far tratando-a como algum que vivenciou
experincias religiosas fundantes, as quais se reproduziram nas experincias religiosas de
importantes lderes batistas no Brasil.
A abordagem que se propor no segundo captulo refere-se a uma
experincia fundante ocorrida na biblioteca do Seminrio Teolgico Batista do Sul do Brasil,
no Estado do Rio de Janeiro. Quer-se demonstrar, no aludido captulo, as experincias
religiosas de Jos Rego do Nascimento e Enas Tognini, as quais foram determinantes para
episdios extticos ocorridos na mencionada instituio teolgica e na denominao batista.
Rego, quando pastoreava a Igreja Batista da Lagoinha, foi convidado para
fazer uma srie de explanaes aos alunos do Seminrio Teolgico Batista do Sul do Brasil
acerca do despertamento espiritual. As palestras tiveram a durao de uma semana e, aps
suas ministraes, algo inusitado ocorreu e marcou a experincia do Movimento de
Renovao Espiritual. Assim, se reconstituir tal experincia denotando a inscrio dos
sujeitos religiosos e redes de poder que, aparentemente, haviam partilhado de manifestaes
6 FOUCAULT, Michel. Genealogia e poder. In. MACHADO, Roberto (Org). Microfsica do Poder, p. 177.
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pentecostais para a insero em determinados grupos militantes no seio da Conveno Batista
Brasileira.
Aludir-se-, concomitante ao exposto, uma transmutao ocorrida na
biblioteca do Seminrio, porquanto houve a passagem de vivncias acadmicas para vivncias
pentecostais, atravs da experincia religiosa vivenciada no interior da biblioteca, na dinmica
de um lugar. O lugar que passou a ser praticado, na biblioteca, foi fundamental para os
desdobramentos institucionais que contriburam para a formao das redes de poder no
interior da Conveno Batista Brasileira. Aps experincias de xtases de Rego e dos
seminaristas da mencionada instituio teolgica, a belicosidade instaurou-se devido
autenticao e adeso de lderes s redes de poder no interior da trama denominacional. Aps
tais vivncias pentecostais, foram inmeras as expresses de represso por parte da religio
oficial, no caso, de lderes influentes no mbito da Conveno Batista Brasileira.
Acerca do terceiro captulo, alegar-se- um desenvolvimento na vigilncia
criada no interior da denominao batista atravs da Comisso dos 13, dispositivo armado na
44 Assemblia da Conveno Batista Brasileira, ocorrida em 1962. Aps o cisma da
Conveno Batista Mineira, houve uma intensificao nos discursos e na propaganda do
Movimento de Renovao Espiritual. Entretanto, na referida Assemblia da Conveno
Batista Brasileira, criou-se uma forma de vigiar sem punir, porm puniu-se aps a vigilncia,
fenmeno que se quer avaliar no dilogo entre as teorias de Foucault e Certeau.
Tratar-se-, de igual forma, sobre os embates fiscalizadores travados nas
mltiplas redes de poder no seio da Conveno Batista Brasileira, pois a doutrina do Esprito
Santo, principalmente no que tange aos conflitos acerca do batismo no Esprito Santo, trouxe
desequilbrio denominacional, o que ser suscitado do terceiro captulo. A Comisso dos 13
ofereceu alguns pareceres em Assemblias denominacionais, o que fora decisivo para os
embates e o cisma na denominao batista.
No quarto captulo abordar-se- o desenvolvimento poltico-religioso de um
fundamentalismo no Movimento de Renovao Espiritual, pois se verifica determinado
desencadeamento de um anticomunismo por parte de Tognini e seus liderados. A imagem de
Joo Goulart, formada pelos veculos de comunicao no incio da dcada de 1960, afetou,
inclusive, o pensamento de importantes lderes denominacionais e motivou aes poltico-
religiosas por parte do Movimento de Renovao Espiritual.
Ainda na perspectiva do belicismo denominacional e das experincias
religiosas promovidas no seio da denominao batista, houve embates contundentes entre
Rubens Lopes, Presidente da Conveno Batista Brasileira, e Enas Tognini, um dos
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proeminentes lderes do Movimento de Renovao Espiritual. Portanto, encontram-se no
escopo do captulo as contendas poltico-religiosas, tanto entre dois importantes lderes
religiosos, como tambm entre pastores e os movimentos polticos do Brasil.
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1. Um perodo de efervescncia e o Movimento de Renovao Espiritual
1.1. Um locus de transformaes poltico-religiosas e de efervescncia
Com Lauri Emilio Wirth, pode-se considerar que h determinado interesse
acadmico pela constituio da religio a partir de um sitz im leben, a saber, de lugares
vivenciais que servem para a constituio de sujeitos vivenciais, os quais denotam, portanto,
traos que evidenciam a possibilidade de um encontro experiencial na vida do sujeito
religioso7. Com base no exposto, observe-se as categorias de Menshing:
A religio a experincia humana do encontro com o sagrado e de ao do homem em consonncia com o impacto produzido por esse encontro. 8
Nesses termos, o locus existencial, a partir dos elementos da religio e da
interao humana no bojo dos fenmenos, resultar em uma produo religiosa atravs do
impactante encontro entre o homem e o sagrado, bem como entre o sujeito religioso e os
elementos sagrados da religio. Contudo, tal encontro, entre o homem e o sagrado, demarcar
mais contundentemente um campo de desconhecimento, porque os elementos que compem a
vivncia da religio no conduzem ao conhecimento pleno do todo que sinalizam 9.
Para Michel de Certeau, a produo do historiador deve ser considerada
como:
(...) a relao entre um lugar (um recrutante, um meio, um ofcio, etc.), procedimentos de anlise (uma disciplina) e a construo de um texto (uma literatura). admitir que ela faz parte da realidade de que trata, e essa realidade pode ser compreendida como atividade humana, como prtica. Nessa perspectiva, (...) a operao histrica se refere combinao de um lugar social, de prticas cientficas e de uma escrita. 10
Assim, parece haver uma relao importante entre o lugar, os procedimentos
de anlise e a construo de um texto. Portanto, existe algo de vivencial na produo do
historiador que preza as observncias a partir do lugar existencial onde a produo ocorre.
7 WIRTH, Lauri E. Novas metodologias para a Histria do Cristianismo: em busca da experincia religiosa dos sujeitos religiosos, p.23. 8 MENSCHING, G. Die Religion, p. 18. 9 Cf. VALLE, Ednio. Psicologia e Experincia Religiosa, p. 17. 10 CERTEAU, Michel. A Escrita da Histria. Rio de Janeiro: Forense-Universitria, 1982.
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Desse modo, a historiografia da religio procurar verificar os encontros entre o sujeito
religioso, na sua experincia, com a poltica do lugar que se achar em evidncia.
Dessa maneira, fazer abordagens acerca da operao histrica, considerando
suas implicaes, dever trazer um estabelecimento de narrativas vivenciais que, por
conseguinte, se formaro a partir das verdades que um locus poder suscitar, tanto para o
sujeito que pratica em dado lugar, quanto para o historiador que verifica o lugar praticado.
Portanto, uma verdade historiogrfica absoluta foi refutada por Certeau, entretanto, a histria
pode produzir, segundo ele, algumas verdades, as quais so influenciadas pelo presente
dos historiadores.
No entanto, a historiografia lidar intensamente, no somente com a histria
factual a que se prope estudar, mas tambm, como foi dito, com o lugar reflexivo onde se
elabora, pois ele determinante devido constituio dos sujeitos que vivenciam as tramas11.
Assim, observar a experincia e a ao dos indivduos que compe a histria de um episdio
religioso relevante na medida em que se concebe a histria como uma prtica do lugar do
historiador e dos sujeitos que preenchem seus prprios lugares religiosos12. Da mesma forma,
verifica-se a necessidade de trabalhar na conduo de idias aos lugares e de contemplar a
viabilizao do gesto de um historiador a partir disso13.
Hayden White afirma, no entanto, que o trabalho da historiografia parte
integrante de uma encenao, de um teatro acadmico, que visa conceder objetividade e
carter cientfico produo histrica 14. Porm, Certeau, mesmo entendendo as limitaes
do trabalho historiogrfico, no o desaprovou, porque esse trabalho seria uma tarefa de
compreender para trazer uma continuidade da produo historiogrfica. Para Certeau, como
mencionou, no se pode falar de uma verdade, mas de diversas verdades, a saber, de
verdades no plural, porque o historiador prope a produo de um trabalho a partir do
presente e das preocupaes de sua realidade concreta 15. No um trabalho aleatrio, mas
deve-se visibilizar as tenses humanas e os aspectos de subjetividade. Assim, so relevantes
as implicaes contextuais, polticas e subjetivas que culminaram nas experincias religiosas 11 CERTEAU, Michel. A Escrita da Histria. Rio de Janeiro: Forense-Universitria, 1982, p. 126. 12 CERTEAU, Michel. A OperaoHistrica, p. 28. 13 CERTEAU, Michel. A Oerao Hstrica, p. 17. 14 WHITE. H. A. Rejoinder. A response to professor Chartiers four questions. Storia della Storigrafia, p. 65.
15 CERTEAU, Michel. A Cultura no Plural, p. 224.
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no plural, as quais se do em contextos altamente complexos, sendo, da mesma forma, plurais
nas suas constantes remontagens a partir da apreenso de quem produzem em um locus
determinante.
Tal combinao de lugar social, de prticas cientficas e de uma escrita,
concebe a operao historiogrfica proposta por Certeau. Portanto, o locus a partir de onde se
vivencia a experincia religiosa, tambm no caso do pentecostalismo, que irrompeu a
realidade protestante brasileira, vivenciando a experincia do Esprito Santo, define o
procedimento e a constituio de um texto que, enquanto se forma, fo rmativo, pois inclui
o sujeito religioso que deve ser observado tambm a partir de sua subjetividade e das
implicaes formativas da realidade que irrompeu o seu lugar de estar.
O florescimento do pentecostalismo na Amrica Latina se processou devido
a uma espcie de atualizao religiosa que se visualizou numa remontagem de um
protestantismo brasileiro, pois vincula e mescla as novas experincias vivenciais dos sujeitos
religiosos pertencentes ao Movimento Pentecostal. Os referidos sujeitos proporcionaram uma
mensagem de experincia religiosa que parece ter contemplado as necessidades mais atuais
dos sujeitos que praticavam religio no contexto do protestantismo brasileiro.
Conforme Ren Padilla, em seu El evangelio hoy, o pentecostalismo
avanou porque, entre outros aspectos, havia um universo religioso que, atravs da
predominncia do catolicismo, constitua um sistema de opresso que impunha normas e
condutas sobre a grande maioria. Para esse autor, o magisterium do catolicismo
fundamentou-se rigidamente e, a partir da busca por novos horizontes religiosos, o
pentecostalismo foi nascente, pois deu voz a sujeitos massacrados pelo modelo econmico,
poltico e religioso16.
Portanto, a religio, no seu desenvolvimento poltico e vivencial, se expressa
na constituio de experincias formativas que transformam e, como sistema simblico,
estrutura-se com base na coerncia relacional dos seus elementos de interesses internos, os
quais, por estabelecimento de vnculos relacionais, tambm formam uma experincia
religiosa. As categorias de sagrado e profano, material e espiritual, eterno e temporal,
16 PADILLA, Ren. El evangelio hoy. Buenos Aires: Certeza, 1975.
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funcionam como alicerces sobre os quais a experincia vivida construda17 e, vez por outra,
remontada e vivenciada.
Por isso, pode haver diversos processos nos mais variados perodos da
histria de um avivamento religioso. Dessa forma, nesse mesmo delineamento, verifica-se
que os motivos polticos imbricam-se com os motivos pessoais, porquanto trata-se de uma
histria das transformaes poltico-religiosas, quer no mbito de uma igreja local, quer no
bojo de uma denominao e tambm, fundamentalmente, no mbito da peculiaridade da
experincia do sujeito religioso que se v relevante na estrutura da transformao contextual
e situacional.
No seio do protestantismo brasileiro, verifica-se a ecloso de movimentos
denominados pentecostais e at mesmo no seio de igrejas histricas. Esses avivamentos,
manifestos no mbito do protestantismo histrico, propiciaram a fundao de diversas
denominaes com nfases nas experincias religiosas marcantes para a vida do sujeito
religioso que, atravs do aspecto fragmentrio da subjetividade, encontra-se consigo mesmo
diante das questes ltimas da vivncia humana. Para Galindo, o pentecostalismo representa
um protestantismo que se desinteressa da doutrina e se centra no aspecto emocional e na
vivncia do sobrenatural, mostrando-se mais interessado nas particularidades humanas.
Portanto, conforme o autor, os milagres, a glossolalia, as curas e os exorcismos so deveras
importantes para a concepo desse formato de protestantismo, pois esto vinculados ao
carter de enunciao do sagrado que se apresenta na particularidade e transformado na
peculiaridade das concepes vivenciais 18.
Verifica-se, ento, que a interao de elementos polticos com elementos
vivenciais e, para se obter relevncia no sentido, com elementos sobrenaturais, forma uma
experincia de vida, na cotidianidade, que legitima aes de transformao no cenrio
religioso brasileiro, donde ressalta-se a importncia dos lugares praticados que se formam por
entre os lugares caracterizados pela solidez no que tange ordem e ao posicionamento dos
elementos contextuais. Mesmo no campo da pesquisa, Certeau faz observaes interessantes,
pois para ele o que se acha em jogo, no estatuto da anlise e na sua relao com o objeto, a
produo que se baseia no lugar onde ela se achou possvel, tornando o referido campo um
observatrio bastante peculiar e expressivo. Note-se, portanto, que o campo onde a pesquisa
17Cf. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu, p. 179. 18 GALINDO, Florencio. O Fenmeno das Seitas Fundamentalistas, p.190 e 191.
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se torna possvel um locus que demonstra inmeros aspectos concernentes produo, a
qual se baseia na posio do historiador e na posio do objeto abordado. Deve-se, portanto,
entender a histria do pentecostalismo no Brasil a partir das concepes dos lugares onde as
tramas ocorrem. Por isso, acha-se em alta relevncia, para Michel de Certeau, a distino
realizada entre lugar e espao, pois um dos elementos tericos mais notveis em Inveno do
Cotidiano, do mencionado autor, o conceito acerca dos lugares e dos espaos.
Portanto, para Certeau, um discurso, seja ele qual for, carregar consigo as
marcas de cientificidade, num estatuto da anlise, medida que explicita as condies, as
regras e, principalmente, as relaes de onde a produo acontece, bem como a ligao do
aporte concedido pelo lugar com o objeto da abordagem19.
Um lugar a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relaes de coexistncia. A se acha portanto excluda a possibilidade para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. A impera a lei do prprio: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar prprio e distinto que define. Um lugar portanto uma configurao instantnea de posies. Implica uma indicao de estabilidade. 20
H, a partir do descrito, uma formao especfica do lugar atravs da
especificidade dos elementos estticos que compem a realidade, conquanto tal realidade, por
meio dos seus elementos, coexiste em si mesma e se solidifica. A realidade cotidiana e a
realidade histrica podero ser exemplificadas nos termos desse locus humano, o qual se
entretece com uma ordem e com o sujeito que a vivencia. Porm, trata-se um locus que
poder sofrer alteraes no que tange s suas posies de estar existindo.
Assim, embora os elementos sejam estticos e coexistam, aplicando uma
noo do lugar prprio, o qual deve ser considerado para fazer uma narrativa com
seriedade historiogrfica, h que se rememorar o conceito de um ser humano que um sujeito
vivo, com a capacidade de interagir com a realidade, promovendo atualizaes constantes,
no somente consoante sua prpria existncia, mas tambm referente existncia da ordem
19 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano, p. 110. 20 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano, p. 201.
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ocasionada por expressividades humanas e, portanto, tambm da religio que se pratica no
dia-a-dia ou na dinmica institucional21.
Um lugar estabelece uma relao fundamental pela qual se torna perceptvel
a noo da existncia de muitas coisas ao mesmo tempo e, com isso, tambm uma ordem de
posicionamento se forma, a saber, h uma singularidade em tudo e, ainda que no mesmo
ambiente, a essencialidade das coisas respeitada como fator de formao do objeto ali
presente. Desse modo, aquilo que solidifica-se na singularidade de sua existncia, fazendo
um preenchimento especfico das noes de uma realidade.
Sobre os espaos Certeau afirma:
Existe espao sempre que se tomam em conta vetores de direo, quantidade de velocidade e a varivel tempo. O espao um cruzamento de mveis. de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que a se desdobram. Espao o efeito produzido pelas operaes que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflitais ou de proximidades contratuais. 22
Portanto, acerca de um conceito solidamente fundamentado na
funcionalidade do lugar, a saber, no dinamismo adquirido pelo referido lugar na experincia
do sujeito, verifica-se que o espao a interao numa determinada ordem, pois, segundo
Certeau, o espao est para o lugar como a palavra quando falada e percebida. Assim, na
mobilidade do lugar, na concepo da noo de espao, em certa movimentao, acha-se um
lugar praticado, que melhor caracteriza o espao movimentado por um operador
vivencial de realidades23.
Em suma, o espao um lugar praticado. Assim, a rua geometricamente definida por um urbanismo transformada em espao pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura o espao produzido pela prtica do lugar constitudo por um sistema de signos um escrito. 24
21 WIRTH, Lauri E. Novas metodologias para a Histria do Cristianismo: em busca da experincia religiosa dos sujeitos religiosos, p.29. 22 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano, p. 202. 23 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano. Petrpolis: Vozes, 1996, p. 202. 24 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano. Petrpolis: Vozes, 1996, p. 202.
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Com Certeau, pode-se dizer que as polticas dos lugares acham-se
subjacentes s estratgias que se formam devido especificidade de cada mencionado lugar
e, da mesma maneira, h determinados vnculos dessas prticas com o lugar prprio de um
princpio coletivo na gesto referente a uma famlia ou a um determinado grupo25. Dessa
maneira, a ao decorrente de um lugar a agitao dessa ordem pelo processo histrico, do
qual o sujeito jamais poder ser alijado por ser fundamental, no na sua perpetuao, mas na
transformao a partir da concepo dos espaos.
O cotidiano, pela subjetividade da experincia do sujeito religioso, deve
fornecer, pela noo dos espaos, que so lugares praticados, um locus do indivduo que
produz sua experincia visando legitimao das atitudes de poder, pois o lugar determina
em muito as estratgias e as tticas de uma religio que, s vezes, praticada de forma no
oficial sob os desdobramentos do espao.
Para os exames das prticas do dia-a-dia que articulam essa experincia, a
oposio entre lugar e espao gera duas espcies de determinaes, a saber, uma
definida pela fixidez de objetos reduzveis ao estar-a de um morto, pois, para Certeau, um
corpo inerte parece sempre, no Ocidente, fundar um lugar e, a partir do referido lugar, faz-se
a imagem de um tmulo; a outra, atravs de operaes, quando atribudas a uma pedra, a
uma rvore ou a um ser humano (a um cadver?), demonstram os espaos, os quais se
formam pela no fixidez gerada por sujeitos histricos que articulam em sua prpria
constituio, na ordem das coisas, e pela mutao do locus existencial26. Em suma, o espao
a dinmica proporcionada pelas articulaes existenciais de um sujeito que concede
mobilidade a elementos da realidade que poderiam se petrificar numa experincia contnua
do estar-a.
Portanto, num perodo em que algumas denominaes histricas
estabeleceram sua fixidez, como no caso das Igrejas da Conveno Batista Brasileira, alguns
sujeitos religiosos, que viveram intensas experincias religiosas, decidiram promover um
avivamento, conhecido como Movimento de Renovao Espiritual ocorrido na dcada de
1950 e 1960.
25 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano. Petrpolis: Vozes, 1996, p. 202. 26 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano, p. 202 e 203.
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Ressalta-se que, acerca do locus religioso que se transformou, pode-se dizer
que na dcada de 1950 e de 1960, o Brasil passou por um perodo de profundas modificaes
que, na sua maior parte, foram conseqncias das implicaes do trmino da Segunda Guerra
Mundial. Campos considera que aps a referida guerra a situao poltica, econmica e
cultural sofreu profundas mudanas no Brasil27.
Neste contexto, o nacionalismo e o populismo, caractersticos no governo
Vargas, parece ter influenciado tardiamente o surgimento de certos grupos religiosos no
Brasil28. Exemplo clssico dessa tendncia a Igreja O Brasil para Cristo, fundada por
Manuel de Melo, na dcada de 50, que aliou o discurso religioso aspirao pelo poder
poltico.
Segundo Rolim:
Sem perder as caractersticas das crenas e prticas pentecostais, O Brasil para Cristo procurava assumir prticas sociais, atravs das eleies. Estas experincias, que se poderia chamar de poltico-religiosa, foi de curta durao, uma vez que o golpe de 1964 lhe cortou o flego. Mas teve um aspecto bem positivo. que no ficou na livre iniciativa dos crentes. E partiu da orientao dos dirigentes da Igreja. Dessa forma, foi um ramo pentecostal, criado no incio de 1950, que corajosamente tentava unir duas experincias, a religiosa e a poltica. Com a represso dos governos militares, a partir de 1964, O Brasil para Cristo se recolheu na religiosidade 29.
Incitada por Manuel de Melo a atuar diretamente nas campanhas eleitorais, a
Igreja O Brasil Para Cristo permaneceu atuante, inclusive, apresentando candidatos prprios,
entre os quais alguns foram eleitos. Tal insero do pentecostalismo na poltica concedeu
uma amostragem de que havia um ambiente bastante agitado pelo nacionalismo, a partir do
qual a Igreja O Brasil Para Cristo exerce diversas influncias. Assim, a dcada de 1950 foi
bastante agitada pelo referido populismo e pelas conseqncias dos ideais de Vargas30.
Toda essa mobilidade social, cultural, econmica e poltica no foi devidamente percebida pelo protestantismo histrico, que passou a perder o
27 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 87. 28 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 87. 29 ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil: Uma Interpretao Scio-Religiosa , p. 72. 30 Getlio Vargas governou o pas em dois perodos: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954.
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dinamismo e a apresentar crescentes sinais de exausto (...) Aps a Segunda Guerra, o Pas, por influncia americana, entrou num processo de redemocratizao. O mundo experimentava os efeitos da guerra fria, as organizaes comunistas continuavam na clandestinidade, e os trabalhadores, dentro da camisa de fora governamental instituda no decorrer da ditadura varguista. Predominava um clima de euforia nacionalista, que se expressava na construo de siderrgicas e na estatizao da produo e distribuio do petrleo. 31
Contudo, aps o suicdio de Getlio Vargas32, em 1954, o nacionalismo foi
substitudo pelo otimismo de Juscelino Kubitschek e, nesse sentido, houve uma abertura no
Brasil para a implantao de indstrias estrangeiras, com destaque para as montadoras de
automveis e a construo de Braslia. Portanto, depois da transio do ambiente nacionalista
para o ambiente agitado do internacionalismo, o Brasil experimentou uma efervescncia
bastante contundente no que tange redemocratizao, retomada da industrializao, ao
surgimento da indstria siderrgica e troca da influncia europia pela influncia norte-
americana 33.
O perodo da internacionalizao, por meio do fortalecimento urbano 34,
proporcionou um contexto favorvel ao surgimento de igrejas chamadas neopentecostais,
como a Igreja Universal do Reino de Deus que, vivenciando as experincias do momento,
props-se com um nome bastante sugestivo no que tange sua relao com o perodo.
Assim, nosso objeto de estudo situa-se e produto de um contexto poltico,
econmico e religioso em profundas transformaes, no obstante a influncia das chamadas
causas remotas, vinculadas, por exemplo, procedncia estrangeira de missionrios atuantes
neste contexto, o que abordaremos mais adiante. Segundo Campos, a efervescncia da poca
foi muito grande, o que repercute nos novos movimentos que rompiam com os moldes
31 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 95.
32 No perodo do governo de Getlio Vargas, houve um esvaziamento da zona rural, a acelerao da urbanizao, a implantao de uma indstria para substituir os bens importados. Tambm houve resolues internas, a participao do Pas na Segunda Guerra e a represso dos movimentos operrios e polticos de inspirao socialista e comunista.
33 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 87. 34 CAIRNS, Earle E. O Cristianismo atravs dos sculos, p. 447.
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tradicionais das instituies religiosas. O locus do sujeito religioso alterou-se, tambm porque
houve um processo intenso de evoluo na comunicao, e as distncias foram reduzidas
atravs das novas rodovias, as quais levavam a todas as regies geogrficas.
A partir da dcada de 1950, tambm constata-se um perodo de xodo rural
bastante contundente, motivado principalmente pela rpida industrializao do Pas.
Entretanto, mesmo com a industrializao, no houve capacidade de aproveitar toda a mo-
de-obra gerada pelo xodo rural35. O pentecostalismo, principalmente o da chamada segunda
onda, terminologia utilizada por Freston e Mariano, desenvolveu-se em centros urbanos e,
portanto, participou ativamente das transformaes histricas e religiosas daquele perodo.
Algo bastante marcante que, a despeito do golpe poltico de 1964, o Brasil continuou seu
crescimento, sua urbanizao e sua efervescncia poltico-religiosa. Neste contexto, o
pentecostalismo valeu-se de elementos urbanos e da cultura no plural, incutida no sujeito que
se urbanizou.
A partir dos anos 60, cismas pentecostalizantes (carismticos) surgiram em todas as igrejas histricas. Contudo, estes representaram no a descida das igrejas histricas para as massas brasileiras, mas a subida e adequao do fenmeno pentecostal a novos nveis sociais. 36
Diversos movimentos religiosos tiveram incio no Brasil e, na maioria dos
casos, lderes religiosos marcantes tiveram experincias contundentes. Ainda que j tivessem
sido vivenciadas por outros sujeitos, tais experinc ias foram fundantes para os movimentos
que se puseram em curso naquele perodo.
Harold Williams, ex-ator de filmes de faroeste e missionrio da International
Church of the Four-Square Gospel, veio da Bolvia, chegando ao Brasil em 1946. Williams
fundou aps cinco anos de sua vinda ao Brasil, no interior de So Paulo, uma igreja que
pregava o avivamento. Contudo, mesmo no intento de levar uma mensagem de avivamento s
denominaes tradicionais, no obteve xito. Por isso, juntou-se com Raymond Boatrigth na
organizao Cruzada Nacional de Evangelizao, a qual, num primeiro momento, aderiu a
um nacionalismo, mas posteriormente tornou-se a Igreja do Evangelho Quadrangular,
bastante modificada. Com uma nfase na pregao atravs de recursos radiofnicos e no uso
35 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 87. 36 FRESTON, Paul. Protestantes e Poltica no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 264.
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abundante do espao pblico, a Igreja do Evangelho Quadrangular pregou de forma popular,
falando, sobretudo acerca da cura divina, da soluo dos problemas gerais e das aflies
internas dos sujeitos religiosos37. Grande parte da liderana da referida igreja era feminina e,
por isso, tambm se estabeleceram certos vnculos com as demais mulheres que compunham
a comunidade e que queriam se fazer ouvidas.
Tendo uma passagem pela Assemblia de Deus e, posteriormente, pela
Igreja do Evangelho Quadrangular, Manuel de Melo intitulou-se missionrio. Fundou, em
1956, a Igreja de Jesus Betel, que, posteriormente, teve seu nome mudado para O Brasil para
Cristo. Segundo Campos, como se mencionou, o nome da Igreja fundada por Manuel de
Melo, refletia a situao poltica do nacionalismo da dcada de 195038. O lder em questo foi
o primeiro brasileiro a fundar uma igreja pentecostal. Ele realizava reunies de milagres em
praas pblicas e em estdios de futebol, e falava num programa de rdio chamado A Voz
do Brasil para Cristo, que permaneceu no ar durante muito tempo. Composta, na sua maior
parte, por migrantes nordestinos, resultado da urbanizao e da industrializao, a Igreja O
Brasil para Cristo fortaleceu-se e, atravs de seu principal lder, um templo para dez mil
pessoas foi inaugurado prximo regio central de So Paulo. Conforme Campos, depois do
processo de institucionalizao e de rotinizao do carisma, nos anos 70 e 80, o carisma
pessoal de Melo no subsistiu, permanecendo com as corriqueiras atuaes39.
A Igreja Pentecostal Deus Amor teve incio no bairro operrio de Vila
Maria e, depois de algum tempo, transferiu-se para a regio central da cidade de So Paulo e,
em 1970 inaugurou sua sede, na Rua Conde de Sarzedas. O fundador da referida igreja foi
Davi Martins de Miranda, que veio do interior do Estado do Paran em 1961, aos 26 anos de
idade. Miranda, depois de 10 anos, comprou uma fbrica desativada nas proximidades da
Praa da S, a qual, aps os devidos reparos, se tornou a Sede Mundial da Igreja
Pentecostal Deus Amor. As inmeras concentraes de f so realizadas no mencionado
37 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 88. 38 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 88. 39 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo His trico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 88 e 89.
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lugar e, alm disso, h grandes estdios de rdio nas dependncias da Igreja. O grande tema
que perpassa o discurso da Igreja fundada por Miranda a cura divina40.
Durante o perodo da dcada de 1950 e 1960, houve uma grande
efervescncia no pentecostalismo, de tal forma que inmeras denominaes foram formadas.
Contudo, consoante ao perodo, no se pode ignorar a presena do Movimento de Renovao
Espiritual no Brasil, o qual no achou lugar na conceituao a respeito do pentecostalismo
entendido pela idia de ondas. Nessa segunda gerao de pentecostalismo, surgiram
algumas denominaes advindas de cismas em denominaes histricas: Congregacional
Independente (1965), Metodista Wesleyana (1967), Batista de Renovao (1970),
Presbiteriana Renovada (1972) e as igrejas autnomas oriundas da fragmentao
pentecostal41.
necessrio que se observe a insero do pentecostalismo tambm no
mbito do protestantismo histrico no Brasil, conquanto essa verificao se far importante
para entender o perodo marcado por muitos embates e seus conseqentes cismas
denominacionais. Algumas igrejas, representantes do protestantismo histrico brasileiro,
enquanto lugares confortavelmente repletos de fixidez, experimentaram o dinamismo da
insero pentecostal atravs do Movimento de Renovao Espiritual, tornando-se lugares
praticados na configurao da mobilidade dos espaos denominacionais.
1.2. O locus fragmentrio do protestantismo no Brasil: Uma grande miscelnea
Alguns pesquisadores, como Emilio Willems 42 e mile Lonard43,
distinguiam o protestantismo brasileiro simplesmente como histricos e pentecostais.
Porquanto, a princpio, a religio protestante no Brasil no se apresentava com aspectos de
exacerbadas fragmentaes.
Fazendo, pois, distino entre igrejas e seitas, alguns pesquisadores
continuaram trilhando os caminhos a partir das diretrizes de Willems e Lonard. Para
40 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 89. 41 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantismo Histrico e Pentecostalismo no Brasil: Aproximaes e Conflitos, p. 90. 42 Pesquisador alemo que viveu no Brasil entre os anos de 1936 e 1949. 43 Protestante francs que ministrou aulas na Universidade de So Paulo na dcada de 1950.
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pesquisadores como Beatriz Muniz de Souza e Cndido Procpio Ferreira de Camargo 44, as
chamadas seitas so as igrejas pentecostais e, as chamadas igrejas dizem respeito ao
mencionado protestantismo histrico.
H de se enfatizar, no entanto, que os referidos autores no proporcionaram
contribuies para os momentos posteriores aos do final da primeira dcada do sculo XX. O
protestantismo, para alm da singularidade, apresentando-se como fragmentrio, revela,
portanto, que inmeras expresses litrgicas e afirmaes doutrinrias tornaram-se possveis
nos momentos subseqentes aos da primeira dcada do sculo XX.
Mesmo antes dos anos 80, por causa da influncia de uma sociologia da
religio norte-americana, falava-se de neopentecostalismo e de movimento carismtico,
entretanto, foi a partir da dcada de 1980 que as classificaes que diziam respeito ao
protestantismo foram mais bem elaboradas. Tal elaborao ocorreu devido a inmeras
mudanas constatadas, devido a muitas fragmentaes verificadas e s influncias
pentecostais no bojo da existncia das denominaes protestantes chamadas histricas.
Houve uma abrangncia maior na classificao realizada por Mendona45,
porquanto, na primeira etapa constata-se as ramificaes da Reforma no Brasil atravs das
famlias de igrejas, mencionando as denominaes oriundas do protestantismo de misses e
do protestantismo de imigrao, assim como tambm os chamados histricos e pentecostais:
1. Anglicanos
1.1. Anglicanos propriamente ditos, advindos dos ingleses
e seus descendentes
1.2. Episcopais, oriundos dos norte-americanos
1.3. Metodistas, de origem do sul dos Estados Unidos
2. Luteranos
2.1 Luteranos vinculados Alemanha, com destaque para
IECLB alemes e descendentes
2.2 Luteranos ligados aos Estados Unidos, como o Snodo
de Missouri alemes e seus descendentes IELB
3. Reformados
44 Os mencionados autores estudaram a problemtica da anomia em zonas urbanas, pois pretenderam verificar o papel do pentecostalismo no ajustamento dos migrantes advindos das zonas rurais, o que se configurava como um aumento do pentecostalismo nos grandes centros urbanos. 45 MENDONA, Antonio Gouva. Um panorama do protestantismo brasileiro atual. In: Sinais dos Tempos: Tradies Religiosas no Brasil, p. 34-44.
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3.1. Presbiterianos, advindos das misses norte-
americanas
3.2. Congregacionais, oriundos das misses inglesas,
norte-americanas e outras
3.3. Reformados Europeus, que so igrejas de colnias,
como as dos holandeses, hngaros, franceses, etc.
4. Paralelas Reforma
4.1. Batistas, oriundos das misses do sul dos Estados
Unidos
4.2. Menonitas, advindos de misses norte-americanas e
alems
5. Pentecostais
5.1. Propriamente ditos ou clssicos
5.1.1. Assemblia de Deus
5.1.2. Congregao Crist no Brasil
5.1.3. Cruzada Nacional de Evangelizao, ou Igreja do
Evangelho Quadrangular
5.1.4. O Brasil Para Cristo
5.2. Cura Divina
5.2.1. Deus Amor
5.2.2. Inmeras outras
A classificao de Mendona, acima descrita, demonstra-se eficaz. Contudo,
segundo Freston, embora seja abrangente no seu intento de cobrir as ramificaes da Reforma
Protestante no Brasil, tal classificao alija a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e as
igrejas que vieram a existir a partir do movimento carismtico, a que chama igrejas
carismticas46.
H uma diviso, realizada por Mendona, acerca de dois grupos, no que
tange ao pentecostalismo. Num dos grupos, composto por igrejas pentecostais chamadas
clssicas, so mencionadas, a partir de movimentos na dcada de 1910 e 1911, as igrejas:
Congregao Crist no Brasil e Assemblia de Deus. Constata-se, atravs das classificaes
de Mendona, que nos anos 50 surgiram a Cruzada Nacional de Evangelizao ou Igreja do
46 possvel que Mendona no tenha mencionado a Igreja Universal do Reino de Deus porque, naquele perodo, em 1987, a Igreja tinha apenas 10 anos existncia.
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Evangelho Quadrangular e O Brasil Para Cristo. Noutro grupo, denominado como agncias
de cura divina, Mendona inclui a Igreja Pentecostal Deus Amor, na dcada de 1960 e,
assim tambm, inmeras outras que irromperam a realidade protestante.
O critrio utilizado por Mendona para a classificao dos grupos
pentecostais parece ser vinculado doutrina e no ao perodo histrico, porquanto igrejas que
surgiram em perodos diferentes receberam a designao de clssicas, enquanto outras,
cronologicamente mais aproximadas, foram denominadas como sendo de cura divina.
Mariano menciona o fato de que Mendona refere-se ao pentecostalismo de
cura divina, ao neopentecostalismo e ao pentecostalismo autnomo como sendo sinnimos,
no entanto, lana mo novamente e conceitualmente do neopentecostalismo em suas
abordagens, mas sem abandonar os outros dois47.
Mendona identifica, contudo, que a agncia de cura divina uma
terminologia utilizada para denotar grupos com formatos parecidos com os de igreja, mas que
no tm corpo de fiis fixos, contudo, uma populao flutuante qual prestam servios
religiosos mediante uma contribuio por parte do beneficirio 48.
Numa outra etapa, Mendona apresenta um segundo quadro com os
membros das famlias de algumas igrejas da Reforma, as quais foram frutos de dissidncias
nos pases de origem e no Brasil 49:
1. Metodista (igrejas de santidade)
1.1. Igreja Metodista
1.2. Igreja Metodista Livre
1.3. Igreja Evanglica Holiness do Brasil
1.4. Irmandade Metodista Ortodoxa
1.5. Igreja do Nazareno
2. Presbiteriana (igrejas da Reforma calvinista)
2.1. Igreja Presbiteriana do Brasil
2.2. Igreja Presbiteriana Independente
2.3. Igreja Presbiteriana Conservadora
2.4. Igreja Presbiteriana Fundamentalista 47 MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: os pentecostais esto mudando, p. 19. 48 MENDONA, Antonio Gouva. Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual. In: Sinais dos Tempos: Tradies Religiosas no Brasil, p. 72. 49 MENDONA, Antonio Gouva. Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual. In: Sinais dos Tempos: Tradies Religiosas no Brasil, p. 46.
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2.5. Igrejas reformadas de colnias holandesas,
hngaras, etc.
3. Batista (igrejas de volta ao cristianismo
primitivo)
3.1. Igreja Batista Brasileira
3.2. Igreja Batista Restrita
3.3. Misso Batista da F
3.4. Igreja Crist Batista Bblica
3.5. Igreja Batista Revelao
3.6. Menonita
Como se verificou, h o intento por parte do autor de relacionar igrejas
oriundas de dissidncias ou que tm carter cismtico, segundo as origens de cada uma. Nesse
aspecto, h diversas dissidncias de igrejas metodistas, presbiterianas e batistas, porquanto,
segundo Mendona, elas possuem uma formao a partir das diversas divises que se pode
constatar, mesmo ao longe de suas histrias.
Mas, na terceira etapa, a partir de igrejas advindas do Movimento de
Renovao Espiritual, tambm mencionadas por Freston como sendo igrejas carismticas,
as quais, em parte so localizadas, segundo Mendona, no quadro que se segue 50:
1. Pentecostais Clssicos
1.1. Assemblias de Deus (batistas)
1.2. Congregao Crist no Brasil (presbiterianos)
2. Pentecostais Recentes
2.1. Batista Independente (batistas)
2.2. Metodista Wesleyana (metodista)
2.3. Presbiteriana Renovada (presbiteriana)
2.4. Assemblia de Deus Presbiteriana
(presbiteriana)
50 MENDONA, Antonio Gouva. Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual. In: Sinais dos Tempos: Tradies Religiosas no Brasil, p. 47.
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Embora as denominaes pentecostais chamadas de desviantes da
reforma, sejam verdadeiramente protestantes, existe, nesse sentido, uma tenso bastante
intensa:
No h nenhuma dvida de que as molduras eclesisticas e teolgicas dos pentecostais so protestantes. No entanto, nem os protestantes histricos esto dispostos a admiti-los como membros da famlia nem os pentecostais se identificam com os protestantes. 51
H uma tentativa de demonstrar que, mesmo com inmeras classificaes
realizadas para constatar a atuao pentecostal, verifica-se que a realidade pentecostal
brasileira muito fracionada. Jos Bittencourt Filho 52 apresentou em 1991, atravs do CEDI,
uma tipologia na qual so utilizados os critrios temporais, doutrinrios e tambm os de
transplante (misso e imigrao). A tipologia proposta por Bittencourt reformulou-se em
1994, ganhando outro formato.
Para Bittencourt, o Pentecostalismo Clssico abrange as igrejas: Assemblia
de Deus, Igreja Pentecostal, Igreja de Deus, Congregao Crist no Brasil e a Igreja do
Evangelho Quadrangular. Ainda, para o mesmo autor, o Pentecostalismo Autnomo refere-se
s seguintes igrejas: O Brasil para Cristo, Deus Amor, Casa da Bno, Nova Vida, Igreja
Universal do Reino de Deus e a Igreja Cristo Vive. Existe, porm, o conceito de
nodenominacionalismo, que se encontra na tipologia de Bittencourt, compreendendo as
igrejas: Batista de Renovao, Igreja Metodista Wesleyana, Igreja Crist Presbiteriana,
Comunidade Evanglica, Igreja Renascer em Cristo e as inmeras Comunidades Autnomas.
Se, no caso da tipologia de Mendona, verifica-se um campo fragmentrio,
esse aspecto fica mais claro quando se lana mo da tipologia de Bittencourt, pois atualmente
o pentecostalismo tornou-se uma srie de desdobramentos que no poderiam ser
completamente mencionados.
Com isso, procurando visibilizar o campo da pluralidade protestante e
buscando bases para anlises missiolgicas a partir do contexto no qual se fazem misses,
Arajo prope uma classificao do pentecostalismo brasileiro53:
51 MENDONA, Antonio Gouva. Um Panorama do Protestantismo Brasileiro Atual. In: Sinais dos Tempos: Tradies Religiosas no Brasil, p. 45. 52 Jos Bittencourt Filho pastor da Igreja Presbiteriana Unida, porm oriundo do mbito das Igrejas Batistas Renovadas. 53 ARAJO, Stepheson S. A Manipulao no Processo da Evangelizao, p. 54 a 57.
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1. Pentecostais Histricos Assemblia de Deus e Congregao Crist no
Brasil;
2. Neopentecostais Igreja Pentecostal Deus Amor, Igreja Pentecostal O
Brasil para Cristo e Igreja do Evangelho Quadrangular;
3. Renovados ou Carismticos Igreja Batista Nacional, Igreja Presbiteriana
Renovada do Brasil, Igreja Crist Maranata e Igreja Metodista Wesleyana;
4. Novos Carismticos Igreja da Restaurao, Igreja Tabernculo
Evanglico de Jesus, Casa da Bno, Igreja Pentecostal de Nova Vida, Igreja Universal do
Reino de Deus, Igreja Pentecostal Unida, Igreja Evanglica Pentecostal, Igreja Internacional
da Graa de Deus, Igreja Evanglica Embaixadores de Cristo, Igreja Crist Evanglica, Igreja
Betesda, Igreja Pentecostal Missionria da Arca, Igreja Evanglica Povo de Deus, Igreja do
Nazareno, Comunidade Evanglica, Igreja Evanglica gape, Igreja Evanglica Cristo
Ressurreto, etc.
Para Stepheson S. Arajo, o pentecostalismo, de uma forma geral, tem
caractersticas temporais-doutrinrias, porquanto no possvel fazer uma tipologia
excludente, que observa o aspecto doutrinrio e alija o aspecto temporal.
Destarte, o autor prefere o termo histrico a clssico para classificar o
pentecostalismo da dcada de 1910. Arajo identifica, portanto, que o pentecostalismo da
dcada mencionada caracterizado da seguinte forma54:
1. Crena no batismo com o Esprito Santo como segunda bno;
2. Ascetismo e sectarismo caracterizados pelo extremo rigor nos usos e
costumes e constante risco de perda da salvao;
3. nfase nas experincias individuais;
4. Escatologia pr-milenista e pr-tribulacionista.
Para denominaes constitudas a partir da dcada de 1950, Arajo aplica o
termo neopentecostais, que apropriado para designar grupos advindos dos pentecostais
histricos. Segundo Arajo, os neopentecostais mantiveram as caractersticas dos
pentecostais histricos, entretanto, houve algumas alteraes55.
Acrscimo e decrscimo de algumas caractersticas como as seguintes: o dom de curas e o dom de
54 ARAJO, Stepheson S. A Manipulao no Processo da Evangelizao, p. 54. 55 ARAJO, Stepheson S. A Manipulao no Processo da Evangelizao, p. 55.
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revelaes as divinas revelaes tambm so evidncias do batismo com o Esprito Santo e no apenas o dom de lnguas. 56
No que tange aos conceitos de Arajo, os renovados, ou carismticos,
constituram grupos denominacionais que so dissidnc ias das denominaes histricas na
dcada de 1960. As caractersticas bsicas que identificam os grupos renovados so:
1. Teologia fundamentalista baseada em doutrinas provenientes da Bblia;
2. Batismo com o Esprito Santo como segunda bno o dom de lnguas
s vezes evidncia da presena do mencionado batismo;
3. Escatologia pr-milenista e pr-tribulacionista;
4. Ascetismo caracterizado pela busca constante de santificao, mas sem o
risco de perda da salvao por causa da no-observncia dos usos e costumes;
5. nfases nas experincias individuais.
1.3. Um locus oscilante no vaivm das ondas: uma antidisciplina pentecostal
O socilogo Paul Freston introduziu, no estudo do pentecostalismo, em sua
tese de doutorado intitulada Protestantes e Poltica no Brasil: da Constituinte ao
impeachment, o conceito de ondas e, a partir disso, objetivou um estudo acerca da histria
do pentecostalismo no Brasil. Freston observou que h trs ondas de implantao de igrejas
pentecostais no Brasil; entretanto, para que fosse possvel essa abordagem, ele partiu da
proposta de Martin, o qual identifica o protestantismo em trs ondas de dissidncia57, a saber,
a calvinista, a metodista e a pentecostal.
Segundo Freston:
A primeira onda a dcada de 1910, com a chegada da Congregao Crist (1910) e da Assemblia de Deus (1911). Estas duas igrejas tm o campo para si durante 40 anos, pois suas rivais so inexpressivas. (...) A segunda onda pentecostal dos anos 50 e incio de 60, na qual o campo pentecostal se fragmenta, (...) e trs grandes grupos (em meio a dezenas de menores)
56 ARAJO, Stepheson S. A Manipulao no Processo da Evangelizao, p. 55. 57 MARTIN, David. Tongues of Fire: The Explosion of Protestantism in Latin Amrica, p. 9 a 11.
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surgem: a Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus Amor (1962). (...) A terceira onda comea no final dos anos 70 e ganha fora nos anos 80. Suas principais representante so a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a igreja Internacional da Graa de Deus (1980). 58
A cada onda descrita por Freston, verifica-se, segundo o prprio autor, que
existe um contexto especfico para a sua existncia enquanto momento histrico, a saber, um
locus especfico por entre um mbito fragmentrio. A primeira onda, com a Congregao
Crist no Brasil e com a Assemblia de Deus, proporcionada atravs do momento em que,
mundialmente, o movimento pentecostal se expandiu e se alastrou. A solidificao da
Assemblia de Deus no nordeste foi culminante num sucesso pentecostal posterior, porquanto
trata-se de uma regio de fluxo migratrio. A segunda onda, que ocorreu, na sua maior parte
no seio do Estado de So Paulo, coincidiu com o momento histrico da urbanizao e da
formao de uma sociedade de massas, na dcada de 1950. Tal perodo histrico facilitou a
divulgao dos modelos existentes, sob a influncia direta da Igreja do Evangelho
Quadrangular, que propunha diferenciados mtodos de evangelizao. A terceira onda, que
ocorreu, na sua maior parte, no Estado do Rio de Janeiro, utilizou-se da economia decadente,
da violncia, do jogo do bicho e da poltica populista para as formulaes de uma nova
teologia, de uma nova liturgia, de uma nova esttica e de um novo mbito evanglico. As
igrejas da terceira onda, que surgiram na dcada de 1970 e se fortaleceram na dcada de
1980, foram beneficiadas pela modernizao da comunicao e da expanso do setor
urbano59. Essa onda teve o seu incio com a Igreja Universal do Reino de Deus e com a Igreja
Internacional da Graa de Deus, as quais foram fortes propagadoras do neopentecostalismo
nascente.
A conceituao de Freston a respeito das ondas faz-se entender numa idia
de periodizao, no entanto, olhada na perspectiva das experincias religiosas histricas.
Verifica-se que h bastante mobilidade naquele perodo, porquanto o pentecostalismo
altamente criativo e verstil. Contudo, uma onda que se desmancha e se dilui no pode
descrever a solidificao no Brasilda Assemblia de Deus, que se tornou a maior
denominao pentecostal brasileira, mas pode enfatizar claramente aspectos da no-fixidez
do pentecostalismo.
58 FRESTON, Paul. Protestantes e Poltica no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 66. 59 FRESTON, Paul. Protestantes e Poltica no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 66.
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H tambm um grande vcuo na conceituao do pentecostalismo quando se
trata do Movimento Pentecostal baseado na idia das ondas, porquanto Freston no descreveu
as igrejas do Movimento de Renovao Espiritual constitudas na dcada de 1960, e
tampouco narrou acerca das comunidades crists que surgiram na dcada de 1980. Em sua
tese, Freston dedicou um captulo ao qual chama de carismatismo brasileiro de classe
mdia, e, nesse intento, dividiu-o em Renovao Carismtica Protestante e
Comunidades Carismticas, porm, mesmo assim, o autor deixa de situar as igrejas que
fazem parte desses carismatismos na tipologia edificada a partir da idia referente s
ondas.
Pode-se dizer que h uma grande dificuldade de classificao de um
movimento religioso brasileiro atribuindo- lhe um rtulo que aplicado no exterior. H
semelhanas entre o Movimento Carismtico Americano e o Movimento de Renovao
Espiritual ocorrido no Brasil. No entanto, o lugar onde esses pentecostalismos ocorreram so
distintos. Uma tarefa difcil escolher outra terminologia para designar o movimento
brasileiro, pois o termo carismatismo mais apropriado para o protestantismo estrangeiro e,
no estando no linguajar dos pregadores da Renovao, no reflete seus ideais de
reconstituio das denominaes histricas em formato de expresses pentecostais.
Mariano, lanando mo da tipologia de Freston, intentou nomear cada uma
das ondas, mesmo tendo repetido as igrejas relacionadas por Freston, que compunham a
primeira e a segunda onda. Para a primeira manteve o nome de clssicas, contudo, no que
tange segunda, classificou-as como neoclssicas 60.
O modelo da conceituao atravs das ondas de pentecostalismo um
emaranhado conceitual pertencente a uma tipologia utilizada para explicar a realidade de um
protestantismo aos moldes anglo-saxes e no aos moldes brasileiros. H uma tentativa
vlida de adaptao de tal tipologia; entretanto, somente a primeira onda do pentecostalismo
brasileiro coincide com a do pentecostalismo americano, no que se refere aos aspectos
doutrinrio e temporal.
A segunda onda do pentecostalismo brasileiro, embora coincida
temporalmente com a segunda onda do pentecostalismo americano, insinua-se de forma
diferenciada, pois nos Estados Unidos, em boa parte das experincias, o dom de lnguas no
a evidncia do batismo no Esprito Santo e os pentecostais so mantidos no mbito das
igrejas histricas. Nas concepes de Freston e de Mariano, na manifestao pentecostal no
60 MARIANO, Ricardo. Neopentecostalismo: os pentecostais esto mudando , p. 22.
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Brasil, referente segunda onda, a qual se procedeu na dcada de 1950 e de 1960, o
pentecostalismo continua acreditando no dom de lnguas como evidncia do batismo no
Esprito Santo, mas enfatiza veementemente as curas divinas.
Encontram-se, portanto, vantagens e desvantagens em se fazer abordagens a
partir da concepo da tipologia que denota as ondas de pentecostalismo, pois no se pode
entender a realidade da experincia religiosa vivenciada no Brasil a partir dos movimentos
que tiveram origem nos Estados Unidos, conquanto alm de similaridades, h distines
marcantes entre os pentecostalismos. Segundo Freston, h uma justificao para a tipologia
baseada na idia de ondas:
A vantagem dessa maneira de colocar ordem no campo pentecostal que ressalta, de um lado, a versatilidade do pentecostalismo e sua evoluo ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, as marcas que cada igreja carrega da poca em que nasceu. 61
evidente que, para fazer um trabalho historiogrfico da narrativa das
experincias religiosas, precisa-se trabalhar com determinados perodos, nos quais constatam-
se as manifestaes experienciais. Nisto a periodizao das ondas algo pertinente e
proveitoso.
H, nas caractersticas pentecostais, inmeras maneiras de fazer e viver
experincias religiosas, porm, levando em considerao que o formato da idia de ondas
pressupe uma caracterstica de no-fixidez, realmente o locus pentecostal da experincia
religiosa bastante instvel por conta da insero do sujeito na experimentao do Esprito
Santo.
Os pentecostais, como sujeitos histricos que vivenciam uma experincia
religiosa, constituem mil prticas pelas quais, como usurios, se reapropriam do espao
organizado pelas tcnicas de produo sociocultural no mbito das igrejas histricas.
Ressalte-se tambm que houve uma reapropriao das conceituaes para atualizadas
produes religiosa, heurstica e teolgica62.
Freston, como fora dito, abordou os determinados Carimatismos de
Classe Mdia, mas deixou de dizer quais seriam as igrejas que representariam a
Renovao Caristmtica e as Comunidades Carismticas e, alm do mais, os aludidos
grupos foram identificados demasiadamente com os protestantismos estrangeiros. Onde 61 FRESTON, Paul. Protestantes e Poltica no Brasil: da Constituinte ao Impeachment, p. 66. 62 CERTEAU, Michel. A Inveno do Cotidiano, p. 41.
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estariam, de fato, as igrejas do Movimento de Renovao Espiritual? Qual seria o seu locus
no grande e fragmentrio mar de ondas?
As operaes quase que microbianas proliferaram-se no seio da estrutura
pentecostal, formando-se em tticas que so atuantes na impregnao dos detalhes
constitudos no cotidiano dos sujeitos religiosos. Essas maneiras sutis de fazer so
evidenciadas atravs das experincias religiosas, as quais so como ondas, pois carregam
consigo a caracterstica da no-fixidez de que se abordou63.
A importncia da idia de ondas est no fato de que ela auxilia na
periodizao; contudo, no se pode totaliz- la, pois, se esse fosse o intento de Freston, seria
muita pretenso devido imensurvel fragmentao do protestantismo pentecostal. O que se
pode constituir, a partir do pentecostalismo entendido atravs das ondas, seria uma noo da
no-fixidez da experincia religiosa, que se d no campo da sub jetividade humana. Certeau,
em A Inveno do Cotidiano, pretende abordar alguns procedimentos e astcias que, de
alguma forma e atravs das tticas articuladas sobre os detalhes, compem a rede de uma
antidisciplina64. Portanto, acha-se em questo no somente as ondas de pentecostalismos,
mas as ondas nos pentecostalismos, enquanto fenmeno plural e fragmentrio, bem como
experimental.
A antidisciplina das ondas nos pentecostalismos concede uma abordagem
bastante desconexa acerca da experincia religiosa e das aes dos sujeitos religiosos, pois
cada vivncia religiosa concebida num contexto especfico. Por isso, h uma necessidade de
se assumir que o sujeito que fala deve passar por um processo hermenutico a partir do lugar
de onde fala.
Michel de Certeau reporta-se a uma metfora muito pertinente sobre o
estabelecimento da inveno do cotidiano e dos relacionamentos existentes entre as pessoas
por meio dos procedimentos. Ele descreve acerca de uma viso do World Trade Center, no
110 andar, donde se pode visualizar uma determinada massa que se imobiliza sob o olhar.
H o estabelecimento de uma diferena gritante entre Nova Iorque e Roma, porquanto Nova
Iorque nunca soube o que envelhecer cu