Legislação ambiental brasileira e o caso condomínio residencial costão golf

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2010.1/2 [CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO] http://www.mackenzie.br/dhtm/seer/index.php/cpgau ISSN 1809-4120 109 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E O CASO CONDOMÍNIO RESIDENCIAL COSTÃO GOLF LOPES, GABRIEL BERTIMES DI BERNARDI; MESTRE; PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO “URBANISMO, ARQUITETURA E HISTÓRIA DA CIDADE” / UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA; FLORIANÓPOLIS; BRASIL; [email protected] PERES, LINO FERNANDO BRAGANÇA; PROFESSOR DOUTOR; PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO “URBANISMO, ARQUITETURA E HISTÓRIA DA CIDADE” / UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA; FLORIANÓPOLIS; BRASIL; [email protected]

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Gabriel B Di Bernardi Lopes e Lino F Bragança Peres

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LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E O CASO CONDOMÍNIO

RESIDENCIAL COSTÃO GOLF

LOPES, GABRIEL BERTIMES DI BERNARDI; MESTRE; PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO “URBANISMO, ARQUITETURA E HISTÓRIA DA CIDADE” / UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA; FLORIANÓPOLIS; BRASIL; [email protected]

PERES, LINO FERNANDO BRAGANÇA; PROFESSOR DOUTOR; PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO “URBANISMO, ARQUITETURA E HISTÓRIA DA CIDADE” / UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA; FLORIANÓPOLIS; BRASIL; [email protected]

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RESUMO

Este trabalho analisa a dinâmica geográfica e econômica instaurada no processo de apropriação de capital e domínio do espaço, efetivada por parte dos grandes empreendimentos turísticos de Florianópolis, utilizando o caso do Condomínio Residencial Costão Golf como objeto de estudo. São identificados os Princípios do Direito Ambiental, a Legislação Ambiental do Brasil, as fases de urbanização em Florianópolis, o surgimento dos grandes empreendimentos turísticos na capital catarinense e suas relações com as comunidades locais onde atuam. Ao final, são analisadas as relações dos grandes empreendimentos turísticos de Florianópolis com o poder público, que afrontam os Princípios do Direito Ambiental e a Legislação Ambiental do Brasil, possibilitando a contaminação do Aquífero Ingleses, mediante o manejo do gramado de um campo de golfe.

Palavras-chave: desenvolvimento sustentável; política nacional do meio ambiente;

impactos socioambientais; Aquífero Ingleses.

ABSTRACT

This study examines the geographic and economic dynamics established in the ownership of capital and space, effected by the large tourist Florianópolis, using the case of Residential Condominium Costão Golf as an object of study. They identified the Principles of Environmental Law, Environmental Law in Brazil, the phases of urbanization in Florianopolis, the emergence of large tourist in the capital of Santa Catarina, and their relations with local communities where they operate. At the end, we analyzed the relations of the large tourist beach with the Government, that violate the Principles of Environmental Law and Environmental Law in Brazil, allowing contamination of the Aquifer English handling of the lawn of a golf course.

Keywords: sustainable development; national policy on the environment; social and the

environmental impacts; Aquifer English.

RESUMEN

Este trabajo analiza la dinámica económica y geográfica establecida en el proceso de apropiación del capital y el espacio, efectuado por los centros turísticos grandes en Florianópolis, con el caso de Condominio Residencia Costão Golf como objeto de estudio.

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Contiene los principios de la Ley de Derecho Ambiental, del Medio Ambiente de Brasil, las fases de la urbanización en Florianópolis, la aparición de desarrollos turísticos de gran en la capital de Santa Catarina y sus relaciones con las comunidades locales donde operan. Al final, se analizan las relaciones de los centros turísticos más importantes de Florianópolis con el gobierno, que violan los Principios de Derecho Ambiental y Derecho Ambiental en Brasil, lo que permite la contaminación de lo Acuífero Ingleses por el manejo del césped de un campo de golf.

Palabras clave: desarrollo sostenible, la política nacional ambiental, impactos ambientales y sociales; Acuífero Ingleses.

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LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA E O CASO CONDOMÍNIO

RESIDENCIAL COSTÃO GOLF

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa analisa a falta de efetividade da legislação ambiental ante os interesses

econômicos, utilizando o caso do Condomínio Residencial Costão Golf como objeto de

estudo. Em muitos momentos, a legislação ambiental não é colocada em prática ou então a

influência do poder econômico sobre o poder público acaba alterando a legislação em

benefício do privilégio de determinados grupos econômicos, inviabilizando o

desenvolvimento sustentável.

O presente trabalho identifica os princípios do direito ambiental e suas origens, dando

destaque aos princípios da precaução, prevenção, participação e do desenvolvimento

sustentável na primeira seção. A legislação ambiental brasileira é verificada na segunda

seção, com destaque para a Política Nacional do Meio Ambiente, seus instrumentos e a

proteção constitucional. Na terceira seção, são identificadas as fases de urbanização em

Florianópolis, a gênese do setor de empreendimentos turísticos na capital catarinense, as

interações espaciais entre os grandes empreendimentos turísticos de Florianópolis, o poder

público e as comunidades locais onde atuam tais empreendimentos. O Caso Condomínio

Residencial Costão Golf é analisado na quarta e última seção.

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Analisa-se uma série de afrontas aos princípios do direito ambiental e a legislação

ambiental brasileira no caso em questão. Tais afrontas colocam em risco um dos principais

recursos hídricos de Florianópolis, o Aquífero Ingleses, que abastece 130 mil pessoas no

norte da Ilha de Santa Catarina.

O estudo de Geografia do Capital aqui proposto apoia-se em um referencial teórico-

metodológico que possibilita a compreensão das múltiplas determinações (Marx) —

políticas, econômicas, culturais, naturais. Dessa forma, utilizar-se-á como instrumento de

análise a categoria axial ao marxismo de formação socioespacial (SANTOS, 1977).

Essa categoria foi elaborada por Marx e Engels (O capital, Ideologia alemã, entre outras

obras) e desenvolvida por Lenin (Desenvolvimento do capitalismo na Rússia). Coube a

Milton Santos (1977), no artigo intitulado “Sociedade e espaço: formação social como

teoria e como método”, realçar a relevância de seu uso na geografia, pois, segundo o

autor, “a história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço,

ele mesmo é social”. Logo, demonstra a impossibilidade de dissociar a dimensão espacial

dessa categoria, configurando-se em perspectiva teórica essencial nos estudos geográficos.

Essa categoria envolve as noções de desenvolvimento desigual e da sobrevivência de

estruturas capitalistas das formações anteriores.

Conceitos como o de Desenvolvimento Sustentável, de Gilberto Montbeller-Filho, e o de

Segregação Urbana, de Flávio Villaça, também serão abarcados neste trabalho. Assim,

buscou-se ter uma visão de como uma pequena parcela da sociedade se apropria dos

recursos naturais e dos investimentos públicos, modificando de maneira perversa a

organização do espaço.

1. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL

Os princípios do direito ambiental, quando não estão presentes nas legislações, são

encontrados nas declarações internacionais assinadas em conferências sobre meio

ambiente promovidas pela ONU. Em 1972, na Suécia, aconteceu a Conferência de

Estocolmo, a primeira conferência internacional promovida pela ONU. O Relatório

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Brundtland, com diretrizes para o desenvolvimento sustentável, foi divulgado em 1987. A

segunda conferência internacional sobre meio ambiente ocorreu no Rio de Janeiro, a ECO-

92. Os princípios têm enorme importância para o ordenamento jurídico, atuando como

norma jurídica na ausência de uma legislação ambiental específica. Isto é verificado por

Antunes (2006), que afirma que o direito é uma ciência complexa estruturada sobre uma

grande diversidade de bases. Diferentemente do que pensa o leigo, o direito não se

confunde com as normas positivadas na legislação, pois essas formam apenas uma parte da

ordem jurídica.

Os princípios do direito ambiental orientam uma política global de preservação ao meio

ambiente. Eles aparecem primeiro na legislação ambiental alemã já na década de 1970,

após a Conferência de Estocolmo.

O princípio da precaução vai atuar inibindo uma ação impactante antes que ela aconteça.

Por isso, a precaução é importantíssima no caso de danos ambientais sérios, sobretudo

sendo esses irreversíveis. Essa importância é destacada por Leite (2006), porque o princípio

da precaução é utilizado quando o risco é alto. Esse deve ser acionado nos casos em que a

atividade pode resultar em degradação irreversível, ou nos casos em que os benefícios

derivados das atividades particulares são desproporcionais ao impacto negativo ao meio

ambiente.

Se houver dúvida a respeito de quais danos ambientais serão gerados por uma ação

antrópica, isso não qualifica a legalidade dessa ação. Justamente ao contrário, a dúvida

ante os danos ambientais coloca essa ação antrópica como uma afronta ao direito

ambiental, sendo necessária a proibição dessa iniciativa.

Diferente da precaução que pode atuar em casos de possíveis danos ambientais, a

prevenção atua com medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos ambientais já

comprovados. A medida mitigadora é tomada dentro da área do empreendimento e a

medida compensatória é efetuada fora.

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Sobre o princípio da prevenção, Antunes (2006) comenta que ele não se confunde com o

princípio da precaução. O princípio da prevenção estabelece um conjunto de nexos de

causalidades que seja suficiente para identificar futuros impactos sobre o meio ambiente.

O princípio da participação busca a preservação do meio ambiente, mediante a cooperação

entre os diversos segmentos da sociedade e o poder público. A falta de efetividade nas

ações promovidas pelo poder público leva a sociedade civil a ocupar um espaço maior na

tomada das decisões referentes a políticas públicas de meio ambiente.

A ação civil pública é um poderoso mecanismo de participação da sociedade civil. A

intervenção por parte das ONG não tem o objetivo de diminuir o poder de ação do poder

público, e sim, fortalecer a qualidade dos resultados obtidos.

Machado (2006) destaca que as ONG não têm por fim o enfraquecimento da democracia

representativa, e sim intervir de forma complementar, contribuindo para instaurar e

manter o Estado Ecológico de Direito.

Desenvolvimento sustentável é um princípio do direito ambiental que busca garantir a

preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Fiorillo (2006) diz que

o Princípio do Desenvolvimento Sustentável tem como objetivo a manutenção das bases

vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente

uma relação satisfatória entre os homens, e desses com o seu ambiente, para que as

futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que

temos hoje à nossa disposição.

O princípio do desenvolvimento sustentável coloca em contradição os interesses de

preservação ambiental e os interesses econômicos do modo de produção atual.

2. A legislação ambiental brasileira

Nesta seção, serão mostrados os objetivos gerais da Política Nacional do Meio Ambiente

(PLNMA) e a proteção constitucional.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, entre muitas finalidades, trouxe para o

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mundo do direito o conceito de meio ambiente como objeto específico de proteção em

seus diversos aspectos. Instituiu o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), que

oferece o planejamento de atividades integradas de múltiplos órgãos governamentais por

meio de uma política nacional para o setor. É destacado, pelo caput do artigo 2º da Lei n.

6.938/81, o objetivo da PLNMA, exposto por Sirvinskas (2008, p. 180):

[...] tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental

propícia a vida, visando assegurar no país, condições de desenvolvimento

socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da

vida humana.

Os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente são meios, medidas e

procedimentos pelos quais o poder público executa a política ambiental, focados sempre

em preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico de

acordo com o que assinala Séguin (2000). O artigo 9º da Lei n. 6.938/81 faz uso dos

Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, dos quais podemos destacar os

relatórios ambientais e as licenças ambientais.

O meio ambiente é destacado na Constituição Federal de 1988. A Carta Magna atual, em

seu artigo 225, caput:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum

do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O ponto primordialmente abordado por Antunes (2006) no que se refere ao artigo 225 da

CRFB/88 é o conteúdo do vocábulo todos. Da interpretação do seu significado concreto,

manifesta-se toda a concepção de Direito Ambiental (DA) e do seu papel na sociedade

humana. O termo Todos significa todos os seres humanos. O artigo mencionado buscou

estabelecer que mesmo estrangeiros não residentes no país, e outros que por diferentes

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motivos tenham tido suspensos os seus direitos de cidadania, são destinatários da norma

atributiva de direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Uma leitura

equivocada tem levado a interpretação de que todos teriam como destinatário todo e

qualquer ser vivo. A hipótese não se justifica.

3. A urbanização de Florianópolis e o surgimento dos grandes empreendimentos turísticos

Bastos (2000) divide a urbanização de Florianópolis em três fases, atreladas ao processo de

ascensão e decadência da pequena produção mercantil açoriana, e à divisão territorial e

social do trabalho impulsionada pelo desenvolvimento industrial do Brasil. As fases de

urbanização são as seguintes: 1ª fase — vinculada à condição de praça exportadora (século

XVIII até 1875); 2ª fase — vinculada à condição de praça importadora (1875 até 1960); 3ª

fase — vinculada à inserção no contexto capitalista industrial brasileiro (1960 aos dias

atuais), no caso da capital, referente à expansão do aparelho de Estado e comércio. Ainda

nessa fase, ocorre a expansão do turismo, em particular, como nova forma de acumulação

da circulação do capital, com o surgimento de megaprojetos de alto impacto ambiental,

com investimento privado nacional e internacional.

A primeira fase compreende a ascensão da pequena produção mercantil açoriana que,

beneficiada pela localização geográfica (entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires), na virada

do século XVIII para o XIX, tornou-se exportadora de gêneros alimentícios (farinha de

mandioca, peixe salgado, óleo de baleia etc.). Essa fase relaciona-se também ao

estabelecimento de milícias portuguesas no Brasil meridional para defesa do território e a

organização da função administrativa.

Já na segunda fase, Florianópolis se volta à condição de praça importadora destinada ao

atendimento das colônias de alemães e italianos instalados nos vales atlânticos

catarinenses. Essa fase de urbanização significou a substituição dos comerciantes açorianos

pelos alemães, Hoepcke, Mayer, Born, Muller etc., processo que levou à ampliação das

relações comerciais, sobretudo com a Europa, repercutindo na modernização do comércio

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e do porto. Não obstante, 55 anos após a instalação dessa fase, ocorre a perda de

vitalidade econômica de Florianópolis no contexto regional e nacional. Situação

impulsionada pelo processo de industrialização de outras regiões do Estado e o

estabelecimento do novo pacto de poder no cenário nacional, com desdobramentos

regionais, desencadeado com a Revolução de 1930, entre os latifundiários coloniais (e não

“feudais”) e a burguesia industrial, derrubando do poder os comerciantes export-import,

aos quais os capitais comerciais florianopolitanos estavam ligados.

E, por fim, a terceira fase de urbanização refere-se à inserção de Florianópolis no contexto

capitalista brasileiro, mesmo havendo forte resistência por parte dos capitais comerciais

locais, principais beneficiados nas fases precedentes. Nas fases mencionadas, os capitais

comerciais tradicionais foram substituídos por capitais comerciais nacionais, a exemplo de

Colombo, Arapuá, Pão de Açúcar e Ponto Frio, bem como regionais, como Cassol,

Imperatriz e Casas da Água. Os desdobramentos da fase fazem-se sentir na atividade

pesqueira (incentivos à pesca industrial via Sudepe), no processo de balnearização de

Florianópolis, modernização das instituições públicas por meio da instalação das

universidades públicas — Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade

para o Desenvolvimento de Santa Catarina (Udesc) — Eletrosul, Celesc, Besc, Telesc, DNOS,

DNER etc., bem como obras de infraestrutura, a exemplo da construção da BR 101, aterros

das baías sul e Saco dos Limões, as pontes Colombo Sales e Pedro Ivo Campos e diversas

outras obras, cujo montante de investimentos públicos per capita foi um dos mais elevados

do país no período militar.

Foi na terceira fase de urbanização que se iniciou a especulação imobiliária voltada ao

turismo em Florianópolis. Isso se dá a partir da década de 1970 e se intensifica na década

de 1990, acelerando o processo de transição do rural para o urbano na Ilha de Santa

Catarina, a exemplo de muitas localidades ao norte da capital, como a praia do Santinho.

Atualmente, grandes empresas ditam a organização do mercado imobiliário em

Florianópolis, em consonância com a desenfreada busca da elevação dos lucros em

detrimento da qualidade de vida do cidadão florianopolitano.

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Empresas como Costão do Santinho Empreendimento Turísticos e Costão Ville

Empreendimentos, do proprietário Fernando Marcondes de Mattos, enquadram-se como

representações dessa realidade estudada. Associado a esse mesmo complexo destaca-se a

execução de grandes empreendimentos turísticos, como o Condomínio Residencial Costão

Golf, ligado ao Costão do Santinho Resort, Marina do Costão, Vilas do Santinho, e de

outros, como Costão das Gaivotas, localizado na parte norte de Ingleses, Marina Porto da

Barra, do empreendimento da Porto Belo, situado na Barra da Lagoa (parte leste insular),

shopping centers como o Iguatemi (parte central insula) e Floripa Shopping (parte norte

insular) têm causado, em sua maioria e de forma irreversível, impactos socioambientais

sobre as comunidades que atuam, afrontando a legislação ambiental, ou utilizando

influência política para mudar a legislação, impondo um modelo segregador e impactante.

No processo de liberação dos shopping centers citados, o Ministério Público e a Polícia

Federal participaram do que se chamou de “Operação Moeda Verde”, que acabou

indiciando e até aprisionando políticos de influência e técnicos da prefeitura envolvidos em

tráfico de influência1.

Sobre as principais causas que poderiam ser enumeradas para explicar o vertiginoso

crescimento urbano dos municípios da orla atlântica catarinense, Bastos (2000) destaca: 1)

dinamismo econômico brasileiro e catarinense; 2) expansão da indústria do turismo; 3) a

reserva de valor na aquisição de imóveis em áreas desvalorizadas, mas com potencial

turístico; 4) a melhoria das infraestruturas urbana e rodoviária como força atrativa de

investidores, mão de obra, novos moradores e turistas. O vertiginoso crescimento da

população brasileira, e notadamente da orla marítima, entre 1970 e 2000 denuncia o

avanço urbano: enquanto a população urbana no Brasil multiplicou-se por 2,64 vezes, para

a população urbana de Santa Catarina e dos municípios do litoral catarinense tal

multiplicação foi respectivamente 3,7 e 4,6 vezes. Eis a representação do “fenômeno da

litoralização”, na verdade, presente desde sempre no Brasil (PEREIRA, 2007). Logo, trata-

1 Estes casos ilustram o que estamos analisando no presente artigo, como afrontas à legislação ambiental e que têm mobilizado, além do

Ministério Público, a sociedade organizada, como foram as manifestações públicas e populares de movimentos sociais ante a Polícia Federal, como foram os desdobramentos judiciais da Operação Moeda Verde.

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se de área que historicamente sofre demasiada pressão exercida pela ação antrópica, a

exemplo de Florianópolis, para a qual a transição do rural para o urbano significou danos

severos ambientais e sociais.

Villaça (1997), em sua obra Espaço intraurbano no Brasil, destaca a segregação urbana.

Para ele, a produção se dá a partir das relações de capital em escala regional, já o

consumo, que é o enfoque do presente artigo, ocorre no espaço intraurbano. Isso é

facilmente verificado nas relações dos grandes empreendimentos do setor turístico da

capital catarinense com o poder público e as comunidades onde estão localizados tais

empreendimentos. Acessos facilitados a empréstimos e alterações no Plano Diretor

representam exemplos de facilitação do poder público que beneficia os grandes

empreendedores do setor turístico. Essas relações se dão a partir da escala regional. Já os

impactos socioambientais se dão a partir da escala do espaço intraurbano.

Além de ter acesso ao capital e à terra, temos verificado que os grandes

empreendimentos turísticos e comerciais têm mantido um relacionamento com o poder

público muitas vezes de forma não transparente e até sob corrupção, como citamos no

caso da Operação Moeda Verde, aviltando a legislação ambiental. Porém, se o empresário

for político de carreira, poderá agravar ainda mais essa relação. O Senhor Marcondes de

Mattos, proprietário do grupo Costão Ville Empreendimentos, é um típico caso analisado,

em que o poder econômico se apropria da máquina estatal, para beneficiar seus interesses

privados, em detrimento da esfera pública2. Portanto, um bom relacionamento com o

poder público e com as comunidades locais, aqui entendido que não necessariamente essa

relação beneficia essas comunidades3, é necessário para facilitar a detenção dos fatores

2 Marcondes foi um dos fundadores do Partido da Frente Liberal (PFL) em 1984. Foi candidato a vice-

governador de Santa Catarina em 1986 também pelo PFL, sendo Vílson Kleinubing o candidato ao governo do

Estado eleito pelo partido. Assumiu a Secretaria de Projetos Especiais na Prefeitura de Florianópolis, em 1988,

no mandato de Esperidião Amim, momento esse de parceria entre PDS e PFL. Tomou posse da Secretaria do

Planejamento e Fazenda em 1990, convidado pelo então governador eleito pelo PFL, Vílsom Kleinubing, em

outra coligação com o PDS de Esperidião Amim.

3 Segundo Peres (2008), as Audiências Públicas, nas quais se têm discutido os empreendimentos, como foi o

debate público sobre o Costão Golf, o empresário proprietário levou todos os seus funcionários e parte da

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capital e terra, fundamentais no sucesso dos grandes empreendimentos turísticos em

Florianópolis.

4. O CASO CONDOMÍNIO RESIDENCIAL COSTÃO GOLF

No caso em tela, a União Florianopolitana das Entidades Comunitárias encaminhou ao

Procon em 26 de janeiro de 2005 um documento versando sobre o risco que a construção e

a operação de um empreendimento com um campo de golfe empregam ao Aquífero

Ingleses. Esse documento foi assinado pela Aliança Nativa, Associação Caeté Cultura e

Natureza, Associação de Moradores da Praia do Forte, Associação de Moradores de

Canasvieiras, Associação de Moradores do Rio Vermelho, Conselho Comunitário de Ingleses,

Fórum da Cidade, Fundação Lagoa, Movimento Ilhativa e União Florianopolitana das

Entidades Comunitárias.

Foi por meio dessa ação civil pública que o Ministério Público Federal tomou conhecimento

do risco que o Condomínio Residencial Costão Golf representa para a qualidade de vida da

população florianopolitana. De acordo com o EIA/Rima, em um parecer assinado pelo

professor doutor em Geologia Luis Fernando Scheibe, serão utilizados aproximadamente 30

mil quilos de agrotóxicos por ano na manutenção do campo de golfe que está sobre o

Sistema Aquífero Sedimentar Freático Ingleses, um aquífero tipo poroso, freático não

confinado e desprovido de uma camada impermeabilizante, e tem uma área total de 20,47

quilômetros quadrados.

comunidade, com ônibus pago, para apoiarem o empreendimento na audiência. Oposto a esse caso, ocorreu na

assembleia dos moradores do bairro do Santinho, vizinho ao Costão do Santinho, em 2000, quando, com a

presença em torno de 500 pessoas, se discutiu e se aprovou um Plano Comunitário alternativo ao Plano Diretor

da Prefeitura para a região, e que beneficiava em parte o empreendimento Costão do Santinho, com

construção de túneis de acesso sob dunas e outras obras. Nessa sessão, o empresário Marcondes de Matos

tentou controlar a reunião sem sucesso, tendo que se submeter ao que foi discutido e apreciado.

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Mesmo que as lagoas do campo de golfe sejam impermeabilizadas, a água seja

reaproveitada e o esgoto seja tratado e despejado em local propício, qualquer acidente

pode contaminar o aquífero, que, por ser sedimentar e superficial, faz que a infiltração

ocorra de forma direta, podendo comprometer o abastecimento de água do norte de

Florianópolis, pois o Aquífero Ingleses, segundo a Companhia de Abastecimento e

Saneamento de Santa Catarina (Casan) abastece de água 130 mil pessoas, além do risco de

contaminação por substâncias carcinogênicas que compõem os agrotóxicos.

O Condomínio Residencial Costão Golf, de propriedade de Fernando Marcondes de Mattos,

está associado a um campo de golfe profissional com nove buracos com 3.334 metros de

percurso. O condomínio é formado por 181 unidades residenciais com área média de 900

m2 cada, e 124 apartamentos de dois e três dormitórios, numa área contígua que será

interligada por um túnel subterrâneo para veículos, cruzando a Rodovia Estadual SC-406. O

empreendimento está situado em uma área de 571.984 m2 na localidade do Sítio Capivari,

Distrito de Ingleses, no norte da ilha de Santa Catarina. Faz limites com a estrada Dário

Manoel Cardoso ao norte, com os terrenos de Dauro Redaelli e Saul Bianco ao sul, com as

Dunas dos Ingleses a leste, e com a Rua Graciliano Manoel Ramos a oeste.

O campo de golfe terá apoio de uma sede social com área de 1.200 m2 e espaço coberto

para treinamento. O empreendimento terá infraestrutura viária, sistema de vigilância 24

horas, sistema de separação de lixo, e rede de energia elétrica subterrânea. O Condomínio

Residencial Costão Golf estará integrado ao Costão do Santinho Resort por meio de um

teleférico, numa distância aproximada de 1.200 metros, que cruzará as dunas que ligam as

praias do Moçambique e ingleses.

A “integração”4 é uma marca nos empreendimentos Costão Ville. Além do Condomínio

Residencial Costão Golf, a empresa possui o Costão do Santinho Resort, a Marina do

Costão, o Condomínio Residencial Vilas do Santinho e o Condomínio Residencial Costão das

Gaivotas. Todos os empreendimentos estão localizados nos bairros Ingleses e Santinho no

4 Termo utilizado pelo empreendimento como estratégia mercadológica.

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norte de Florianópolis. Os hóspedes e proprietários do Costão do Santinho, os proprietários

do Villes do Santinho e do Costão das Gaivotas, e os sócios da Marina do Costão terão

acesso livre a todos os equipamentos desses empreendimentos.

Apesar dos exaustivos debates no Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf)

e de duas sessões públicas na Câmara Municipal, foi aprovado, de forma negligente, em

dezembro de 2003, o Projeto de Lei Complementar 513 que prevê a construção do

Condomínio Residencial Costão Golf sobre o Aquífero Ingleses, concedendo também todos

os alvarás municipais necessários.

Em 17 de novembro de 2003, o Condomínio Residencial Costão Golf entrou com pedido da

Licença Ambiental Prévia (LAP), junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma),

sendo deferida a Licença Ambiental Prévia número 225 em novembro de 2004. Para deferir

a LAP, a Fatma aceitou um EIA-Rima que mais parece uma propaganda do

empreendimento. E o pior é que é feito por uma empresa aparentemente respeitada na

cidade, a Caruso Jr. Estudos Ambientais. É inadmissível o fato de o empreendedor poder

contratar a empresa que desejar para realizar o estudo e a Fatma deferir a LAP com um

EIA-Rima nesses termos.

Ainda em 2004, o Costão Golf entrou com o pedido da Licença Ambiental de Instalação

(LAI). A LAI número 083 foi deferida também em dezembro também de 2004, após analisar

o projeto de todas as medidas mitigadoras e compensatórias exigidas pela Fatma, que é

negligente ante a possibilidade de contaminação irreversível do aquífero.

Em abril de 2005, sob os cuidados da procuradora da República da área ambiental, Dra.

Analúcia Hartmann, foi impetrada ação civil pública, visando à paralisação imediata da

construção do Condomínio Residencial Costão Golf, argumentando-se possíveis danos ao

meio ambiente, mais especificamente ao aquífero, pela manutenção do gramado do campo

de golfe, que utilizaria agrotóxicos, como pesticidas, herbicidas e inseticidas.

A ação civil pública também destaca a afronta à legislação na alteração do zoneamento da

área, onde seria construído o condomínio. Isso comprova a íntima relação do

empreendedor com o poder público, que trata com descaso a possibilidade de impactos

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socioambientais perversos. Essa ação responsabiliza Fernando Marcondes de Mattos,

proprietário do Costão do Santinho Empreendimentos Turísticos e do CostãoVille

Empreendimentos Imobiliários, o ex-presidente da Fatma, Sérgio Grando, e o prefeito de

Florianópolis, Dário Berger.

No mês de junho de 2005 foram paralisadas as obras do Condomínio Residencial Costão

Golf por determinação da procuradora da República, Dra. Analúcia Hartmann, mesmo com

o parecer de dois agrônomos, professores doutores da Universidade Federal de Santa

Catarina, em química dos solos e fitopatologia, que concluem, conforme relato no livro de

Mattos (2007), que a manutenção do campo de golfe não colocará em risco o Aquífero

Ingleses.

Em dezembro de 2005, por determinação da Justiça Federal, o Ministério Público exigiu um

trabalho científico em hidrologia, com modelagem matemática, para avaliar o risco

toxicológico que a aplicação de agrotóxicos representaria para o aquífero. Para tanto, foi

contratada a Hidroplan, Hidrogeologia e Planejamento Ambiental, que constatou que a

utilização de agrotóxicos em níveis máximos no campo de golfe não oferecia risco de

contaminação do aquífero.

O plantio da grama do campo de golfe foi autorizado pela Justiça Federal em abril de

2006, modificando completamente a paisagem local, retirando a cobertura vegetal e

modificando o solo com aterros e terraplanagem. No ano corrente foram novamente

paralisadas as obras do Condomínio Residencial Costão Golf, a pedido da Justiça Federal.

Em 13 de dezembro de 2007, uma articulação política do bem relacionado empresário do

Costão Golf repercutiu no Estado catarinense, quando a 4ª Turma do Tribunal Regional

Federal, em Porto Alegre, ao julgar o Agravo de Instrumento interposto pelo Estado de

Santa Catarina, reconheceu, por intermédio de dois de seus três membros, a

incompetência do Foro da Justiça Federal para processar e julgar os assuntos inerentes ao

Costão Golf, declarando que a competência é da Justiça do Estado de Santa Catarina.

O senhor Marcondes de Mattos tinha total certeza que com a competência de julgamento

do caso Costão Golf nas mãos da Justiça do Estado de Santa Catarina, onde possui

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excelentes contatos na política pública, a obra seria autorizada. E de fato o

empreendimento foi inaugurado no mesmo mês.

O governador de Santa Catarina, Luis Henrique da Silveira, apoia cegamente o

empreendimento do Sr. Marcondes, sem levar em consideração os perversos e irreversíveis

impactos ambientais, projetados pela construção do Condomínio Residencial Costão Golf

sobre o aquífero e o cordão dunário.

De acordo com a ação civil pública referida, os Princípios da Prevenção e da Precaução

foram afrontados no caso do Condomínio Residencial Costão Golf.

Havendo o conhecimento científico sobre o dano ambiental, que é o caso se o aquífero for

contaminado pelos agrotóxicos, isso será irreversível. Assim, o Princípio da Prevenção tem

que ser aplicado.

O Princípio da Precaução também funciona como uma medida antecipatória, porém

aplicado no caso de falta de consenso científico sobre os possíveis danos ambientais. No

caso Costão Golf, não se tem certeza sobre o tempo demandado para contaminar o

Aquífero Ingleses; portanto, o Princípio da Precaução também TERIA que ser aplicado.

A Carta Magna atual também é afrontada em seu Artigo 225, pois sendo a água um bem

vital, o poder público e a coletividade têm a obrigação de preservar o Aquífero Ingleses

para as presentes e futuras gerações.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981 é afrontada com o licenciamento da

obra do Condomínio Residencial Costão Golf. Essa Lei já garantia o direito ao meio

ambiente, ecologicamente equilibrado, além de estabelecer a preservação e a restauração

dos recursos ambientais, mediante a difusão do manejo racional. O manejo do gramado do

campo de golf em questão provocará um desequilíbrio ecológico irreversível em um recurso

ambiental, vital e raro que é a água doce potável.

O Artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Provisórias da Constituição do Estado de

Santa Catarina, de 1989, proíbe os municípios a instituírem normas menos restritivas sobre

o uso do solo e das águas na orla marítima até a promulgação do Plano Estadual de

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Gerenciamento Costeiro. Dessa maneira, a Legislação Estadual é afrontada pelo

empreendimento Costão Golf que conseguiu aprovar uma Lei Municipal, autorizando-se a

construção do condomínio/teleférico/campo de golfe, em uma área que era classificada de

forma mais restritiva.

O Projeto de Lei Complementar 513 de 2003 alterou o zoneamento de áreas no distrito de

Ingleses do Rio Vermelho para favorecer a construção do teleférico (que vai retirar a

cobertura da restinga fixadora do cordão dunário) e do campo de golfe (que vai contaminar

de forma irreversível o aquífero), associados ao Condomínio Residencial Costão Golf.

Áreas, que eram de uso residencial exclusivo, tiveram o zoneamento alterado para uso

residencial predominante, ou seja, recategorizando, de forma menos restritiva, o uso do

solo, e afrontando diretamente o Artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais

Provisórias da Constituição de Santa Catarina.

Dessa forma, o empresário Marcondes de Mattos, por meio do Condomínio Residencial

Costão Golf, com seu campo de golfe e teleférico, utiliza o seu poder político junto ao

poder público e às comunidades, onde se encontram os seus empreendimentos. Sua ação

acumula terras, explora a mão de obra local e barata, e consequentemente acumula

capital, afrontando a Legislação Ambiental nos âmbitos federal, estadual e municipal,

projetando perversos danos ambientais irreversíveis a Florianópolis.

5. CONCLUSÃO

Historicamente os recursos naturais sempre estiveram ligados ao desenvolvimento

econômico global, servindo de combustível para sustentar esse crescimento. É preciso

equilibrar a relação entre a utilização dos recursos naturais e desenvolvimento econômico

para que as próximas gerações não paguem até mesmo com a vida pelos erros decorrentes

do mau uso de tais recursos.

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Muitas alterações no Plano Diretor de Florianópolis beneficiaram diretamente grandes

empreendimentos turísticos. Um bom exemplo é o Projeto de Lei Complementar n.

513/2003, que alterou o zoneamento de áreas em Capivari, no distrito de Ingleses do Rio

Vermelho. O empresário Fernando Marcondes de Mattos conseguiu essa alteração no

zoneamento para liberação da construção de um de seus empreendimentos, o Condomínio

Residencial Costão Golf. O zoneamento dessa área era em parte AER (Área de Exploração

Rural) e em sua maior extensão ARE (Área Residencial Exclusiva). Em razão de

favorecimento particular, alterou-se o uso do solo para ARP (Área Residencial

Predominante).

Esse empreendimento tem como atrativo o primeiro campo de golfe de Florianópolis, uma

obra de caráter privado, restrito aos proprietários do condomínio, aos hóspedes e

proprietários do Costão do Santinho Resort, aos proprietários do Villas do Santinho e do

Costão das Gaivotas, e aos sócios da Marina do Costão, todos empreendimentos de

Fernando Marcondes de Mattos.

O empreendimento em questão afrontou parte da legislação ambiental brasileira nos

âmbitos federal, estadual e municipal, mostrando que a efetivação da legislação ambiental

muitas vezes não acontece. A fiscalização realizada pelos órgãos competentes muitas

vezes é falha, necessitando que se discuta esse mecanismo na aplicação de nossa

legislação ambiental, para que crimes contra o meio ambiente não aconteçam.

Nesse caso, é nítida a falta de fiscalização do Plano Diretor Municipal, adequando-se a

interesses do empreendimento, alterando o zoneamento em detrimento do capital privado.

Os Planos Diretores acabam muitas vezes não garantindo a preservação dos recursos

naturais.

A construção do campo de golfe pode colocar em risco o abastecimento de água de 130 mil

moradores do norte da ilha, porque, segundo estudos, serão utilizados aproximadamente

30 mil quilos de agrotóxicos por ano na manutenção do campo, que está sobre o Sistema

Aquífero Sedimentar Freático Ingleses. Mesmo que o campo de golfe seja

impermeabilizado, qualquer acidente contaminará o aquífero, que por ser sedimentar e

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superficial faz que a infiltração ocorra de forma direta, podendo comprometer de forma

irreversível, e por vezes perversa5, o abastecimento de água do norte de Florianópolis, já

que a contaminação de aquíferos é de caráter irreversível.

Fica evidenciado uma contradição entre a apropriação do capital e o domínio do espaço,

em relação à preservação do meio ambiente e o desenvolvimento socioeconômico da

população local, explorada ainda como mão de obra barata6. Tal contradição leva a

questões como a impossibilidade de conciliar temas como o desenvolvimento sustentável,

que é um Princípio do Direito Ambiental, com o desenvolvimento econômico orientado por

fundamentos liberais e capitalistas.

Desvendar as relações existentes entre políticos e grandes empresários do setor turístico

em Florianópolis e compreender os mecanismos usados por eles para afrontar as leis e

promover danos ambientais enquadra-se na luta pela preservação do meio ambiente em

nossa cidade. Contudo, realçamos que desvendar as ações danosas ao meio ambiente,

provocadas pela falta de precaução e prevenção por parte dos grandes empreendimentos

turísticos e do poder público, não é suficiente se esses dados não forem divulgados e

discutidos junto à sociedade, para que, pela participação e pelo controle das

comunidades, se aglutinem forças para exigir do poder público responsabilidade na criação

e cumprimento das leis que irão garantir a qualidade de vida da população. Pretende-se

com a pesquisa contribuir com os debates sobre os rumos socioambientais de uma cidade

em uma ilha.

5 No sentido de que não considera o comprometimento do abastecimento de água para a população da região, cujo recurso hídrico é

patrimônio e bem público. O termo “perverso” é de que uma iniciativa pontual, empreendimento privado, em uma região de grande aglomerado populacional e social, tem movimento e lógica próprios de funcionamento por cima do interesse público, contando com a influência e até anuência dos órgãos públicos, como descrevemos neste artigo, distanciando-se de sua atribuição constitucional. Desveste-se de humanidade, pois não conversa com as populações vizinhas, mas voltado o empreendimento a uma clientela específica de al ta renda. É um enclave de maior potencial de externalidade negativa que positiva.

6 O comércio local é diversificado, tendo parte dedicada ao turismo (rede hoteleira de médio e pequeno portes e aluguel de temp orada em

casas particulares) e parte destinada ao consumo local. Há, também, o comércio informal de temporada. É estudado por alguns pesquisadores como Ouriques (2006), que o empreendimento de turismo de alta renda, como o do Costão Golf e Costão do Santinho, emprega baixíssima mão de obra local, o que desmente o discurso destes empreendimentos que gerarão empregos na região. Os impactos ambientais que geram são muito maiores que a compensação econômica e social de reversão local.

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