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Apostila de Legislação Aduaneira João Fernando de Moraes Sanches AULA 01 1. Introdução Histórica do Comércio. A palavra comércio advém do latim cumercium, que deu origem à palavra mercari, que significa “comprar para vender”, isto é, o ato da mercancia. Determinar o exato momento em que o comércio surgiu na história da humanidade, constitui-se numa missão impossível de ser realizada, entretanto, pode-se afirmar que a troca de bens naturais foi o marco inicial do mercantilismo, ainda que de maneira rudimentar. Essa transação direta de mercadorias denomina-se “escambo”, que nada mais é do que uma permuta, onde cada um dos interessados oferece um bem ou prestação de serviços em troca de receber da parte contrária, determinado produto ou mesmo, uma contraprestação de trabalho. Há inúmeros relatos históricos sobre a atividade do escambo na humanidade, o próprio rei Salomão ao edificar seu palácio contou como auxílio de Hirão rei de Tiro, o qual forneceu as madeiras necessárias (cedro) para o revestimento interior da obra, em troca, recebeu trigos e óleos. Este relato do Antigo Testamento (Reis I, 5, 1-11), nada mais foi do que uma operação pactuada na permuta de mercadorias, se constituindo na transação denominada escambo. Página 1

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Apostila de Legislação AduaneiraJoão Fernando de Moraes Sanches

AULA 01

1. Introdução Histórica do Comércio.

A palavra comércio advém do latim cumercium, que deu origem à

palavra mercari, que significa “comprar para vender”, isto é, o ato da mercancia.

Determinar o exato momento em que o comércio surgiu na história da humanidade,

constitui-se numa missão impossível de ser realizada, entretanto, pode-se afirmar

que a troca de bens naturais foi o marco inicial do mercantilismo, ainda que de

maneira rudimentar. Essa transação direta de mercadorias denomina-se

“escambo”, que nada mais é do que uma permuta, onde cada um dos interessados

oferece um bem ou prestação de serviços em troca de receber da parte contrária,

determinado produto ou mesmo, uma contraprestação de trabalho.

Há inúmeros relatos históricos sobre a atividade do escambo na

humanidade, o próprio rei Salomão ao edificar seu palácio contou como auxílio de

Hirão rei de Tiro, o qual forneceu as madeiras necessárias (cedro) para o

revestimento interior da obra, em troca, recebeu trigos e óleos. Este relato do

Antigo Testamento (Reis I, 5, 1-11), nada mais foi do que uma operação pactuada

na permuta de mercadorias, se constituindo na transação denominada escambo.

Quando Hirão, rei de Tiro, soube que Salomão fora ungido rei em lugar de

seu pai, enviou-lhe os seus servos, pois Hirão fora sempre amigo de

Davi.2. Salomão, de seu lado, mandou a Hirão a mensagem seguinte:

3.Sabes que Davi, meu pai, não pôde edificar um templo em nome do

Senhor seu Deus, por causa das guerras que teve de sustentar até o dia

em que o Senhor pôs os seus inimigos sob a planta de seus pés.4. Agora,

porém, o Senhor deu-me paz de todos os lados: não há mais inimigos nem

calamidades. 5. Por isso penso em edificar um templo em nome do

Senhor, meu Deus. O Senhor, com efeito, falara disso a Davi, meu pai,

nestes termos: Teu filho, que eu farei sentar em teu lugar no trono, este

edificará um templo em meu nome.6. Dá ordem, pois, aos teus servos,

que me cortem cedros do Líbano. Meus operários trabalharão com os

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teus, e pagarei a estes o salário que pedires, pois sabes que não há

ninguém entre nós que saiba cortar árvores como os sidônios.7. Hirão,

ouvindo a mensagem de Salomão, encheu-se de grande alegria, e disse:

Bendito seja o Senhor, que deu a Davi um filho cheio de sabedoria para

governar esse grande povo!  8.Em seguida, mandou responder a

Salomão: Recebi tua mensagem. Farei tudo o que desejas acerca das

madeiras de cedro e de cipreste.  9.Meus servos as descerão do Líbano

até o mar, e dali as farei conduzir em jangadas até o lugar que me

designares. Ali as desatarão, e tu as mandarás receber. De teu lado,

corresponderás aos meus desejos, fornecendo víveres à minha casa. 10.

Hirão deu, pois, a Salomão, tanta madeira de cedro e de cipreste quanta

ele quis. 11. E Salomão deu-lhe vinte mil coros de trigo para o sustento de

sua casa, bem como vinte coros de óleo bruto.

O escambo que como vimos se funda na troca direta e voluntária, foi

com o passar dos tempos sendo suprido pela forma da troca indireta de produtos

ou serviços, modalidade na qual um sujeito adquire certa mercadoria através de um

bem pretendido por todos, conhecido como Moeda-Mercadoria. Na antiguidade,

algumas mercadorias, pela sua utilidade, passaram a ser mais cobiçadas do que

outras, como foi o caso do gado, pois apresentava vantagens de locomoção

própria, reprodução e prestação de serviços. O sal, também teve seu papel como

mercadoria valiosa de permuta em razão da sua difícil obtenção e principalmente

porque era muito utilizado na conservação de alimentos. Na época, este

condimento de considerável valor, também foi utilizado como meio de pagamento

dos soldados romanos, tanto é que o vocábulo “salário” provém do latim salarium

que por sua vez se origina da palavra sal.

Com o passar dos tempos, essas mercadorias se tornaram impróprias

para as transações comerciais, devido às instabilidades de seus valores, pelo fato

de não serem fracionáveis e por serem facilmente perecíveis, não permitindo o

acúmulo de riquezas. Nesse momento, surge o metal, que mesmo em seu estado

natural, constituiu-se como o principal produto da mercancia, em razão da sua

durabilidade, beleza e raridade. Ferguson, em sua obra sobre “Ascensão do

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Dinheiro” esclarece a importância e os motivos nos quais as sociedades adotaram

os metais como matéria prima principal para fabricação das moedas:

É costume dizer que o dinheiro é um meio de troca, que tem a vantagem de eliminar

as ineficiências do escambo, uma unidade de valor, que facilita a avaliação e o

cálculo, e um recipiente de valor, que permite que as transações econômicas sejam

produzidas durante longos períodos e também a despeito das distâncias

geográficas. Para desempenhar todas essas funções da melhor maneira, o dinheiro

tem que estar disponível, e ser durável, fungível, portátil e confiável. Como

preenchem a maioria desses critérios, ao longo dos milênios os metais, como o

ouro, prata e bronze foram considerados como a matéria-prima monetária ideal

(FERGUSON, Niall, A Ascensão do Dinheiro, A História Financeira do Mundo.

Editora Planeta do Brasil, São Paulo, 2009. p. 28).

Nesse sentido, as atividades da oferta e da procura por mercadorias

ou serviços, foram facilitadas com o uso da moeda ou dinheiro através da troca

indireta, fato que colaborou na ascensão e no desenvolvimento do comércio nos

dias de hoje.

2. A regulação do comércio interno

A multiplicidade de indivíduos indubitavelmente ocasiona a interação

entre os partícipes deste denominado grupo social, em contrapartida, o

comportamento humano nem sempre é movido num objetivo comum. Quando

presente o impasse, o ser humano em busca de sua pretensão procura de certa

forma, excluir os desejos de seu concorrente, para isso, no momento em que o

diálogo não se mostra uma ferramenta eficaz de solução de interesses, muitos

recorrem historicamente à agressão, seja ela moral ou até mesmo física.

Os conflitos interpessoais são características próprias dos inúmeros

tipos de sociedade, pode-se afirmar que não há vida coletiva desprovida de

conflitos internos. É o que nos ensina Antonio Bento Betioli, ao afirmar que o

conflito social é, senão o maior, um dos maiores desafios a ser vencido:

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Em relação aos conflitos eles são fenômenos naturais a qualquer

sociedade; e quanto mais esta se desenvolve, mais se sujeita a novas

formas de conflito, tornando-se a convivência, se não o maior, certamente

um dos seus maiores desafios (BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao

Estudo do Direito, 5ª edição, editora Letras & Letras – São Paulo, 1995. p.

20).

Se os conflitos pessoais fazem parte da história da humanidade

desde os tempos mais remotos, não haveria vida coletiva se não houvesse algum

meio de regular esse choque de interesses individuais, assim, para dirimir que cada

indivíduo procedesse de acordo com anseios particulares em detrimento da

pretensão dos demais, criou-se uma forma de controle social visando à harmonia

da vida em sociedade.

Esse instrumento de controle social se fez presente através da

religião, das regras de trato social e posteriormente nas civilizações mais

avançadas por meio das leis que, sem dúvida foi o fomento para o sucesso das

relações pessoais. Nesse sentido, mais uma vez, destacam-se os valiosos

ensinamentos de Antonio Bento Betioli:

Esse processo de regulamentação da conduta em sociedade recebeu o

nome de “controle social”. E os meios de que se serve a sociedade para

regular a conduta de seus membros nas relações com os demais, são os

“instrumentos de controle social”: a Religião, a Moral, as Regras de Trato

Social e o Direito, por exemplo. (BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao

Estudo do Direito, 5ª edição, editora Letras & Letras – São Paulo, 1995. p.

21).

A função primordial de qualquer lei é de regrar o comportamento dos

indivíduos para um convívio social de bem estar coletivo. A lei persegue a

humanidade desde os seus tempos mais remotos, e com ela, vêm se

aperfeiçoando de acordo com as necessidades de seus integrantes, nesse sentido,

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dentre as inúmeras leis criadas pelo ser humano para regulação dos conflitos

individuais temos a famosa lei de talião, fundada no princípio “olho por olho, dente

por dente”.

Certamente que na tratativa do comércio, assim como os demais

interesses peculiares de uma sociedade, ocasiona também, conflitos entre os

partícipes dessa relação. Para combater a injustiça e regulamentar os atos da troca

seja na forma direta ou indireta, criou-se leis que disciplinam os mecanismos do

pacto comercial. Os primeiros surgimentos de uma regulação comercial por meio

de leis datam de 1850 e 1750 antes de Cristo com o Código de Hamurabi, na

Babilônia.

No Brasil, somente através da Carta Régia, promulgada em 1808 pelo

príncipe regente de Portugal Dom João de Bragança (documento que autorizava as

aberturas dos portos brasileiros para o comércio exterior entre países parceiros de

Portugal), é que surgem as primeiras manifestações sobre uma legislação

comercial.

Em 1850, entrou em vigor o primeiro código comercial brasileiro,

baseando-se na teoria dos atos do comércio, advinda do código francês

napoleônico. Portanto, estava regulamentada as atividades internas da mercancia

brasileira. Em 2002, o código comercial brasileiro, foi parcialmente revogado pelo

código civil que adotou a teoria da atividade empresarial, restando apenas às

regulamentações sobre o comércio marítimo.

Uma vez que a relação do direito comercial interno encontrava-se

devidamente formalizada, faltava dirimir as questões quanto ao comércio exterior,

pois o fenômeno da globalização se faz presente desde 1.450, momento em que as

grandes nações européias colonizaram os continentes americanos graças à

tecnologia da navegação. Cignacco, muito bem destaca o início desse período

histórico da interação do comércio intercontinental:

A mercantilista, que compreende o período de 1450 até 1850 e teve sua

expansão marcada no continente europeu pelas grandes navegações e

descobertas e pelas colonizações dos continentes americanos e africanos.

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(CIGNACCO Bruno Roque. Fundamentos de Comércio Internacional,

Saraiva-São Paulo, 2009. p. 01).

Sem dúvida que o estabelecimento das rotas atlânticas se concretizou

numa ferramenta de riqueza para os países navegantes, o domínio do oceano

atlântico surge como um marco da Revolução Comercial. Nesse sentido, Rodrigues

põe em relevo às necessidades dos europeus em captar novos recursos para

suprir os anseios do então mercado capitalista:

A conquista do Atlântico corresponde às necessidades da época, por isso

foram tão importantes e revolucionárias as suas conseqüências, marcando

o período com a denominação de Revolução Comercial. O Atlântico

transformou-se na mola propulsora do desenvolvimento capitalista, na

fonte principal de acumulação de riqueza (RODRIGUES, Waldemar.

Comércio Exterior Teoria e Gestão, Altas – São Paulo, 2ª edição, 2010. p.

10).

No Brasil, às relações exteriores do comércio é marcada inicialmente

pela política colonial, nesta época, a economia nacional assim como toda e

qualquer colônia, era organizada de acordo com os interesses da metrópole, no

nosso caso, Portugal. Assim, a fabricação de bens era direcionada às pretensões

do colonizador, se desprezado qualquer necessidade econômica interna.

Nesse sentido, a econômica mercantilista brasileira ingressou

basicamente no comércio exterior com as atividades de exportação de açúcar, pau-

brasil, tabaco e demais especiarias. Quanto à questão do comércio exterior na era

do Brasil - Colônia destaca-se mais uma vez, os ensinamentos de Rodrigues:

Um bom exemplo da política colonial mercantilista pode ser observado

pelo fluxo comercial entre Brasil colonial e a metrópole, nos séculos XVI e

XVII. Nesse período a produção brasileira de açúcar superou o que era

produzido pelas ilhas portuguesas no Atlântico até então, principalmente

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pela implantação de um novo modelo de produção baseado num sistema

empresarial, em que a “escala de produção e de investimento no trabalho

escravo, bens de capital e facilidades de transporte aumentou de forma

tão marcante” a produtividade agrícola (RODRIGUES, Waldemar.

Comércio Exterior Teoria e Gestão, Altas – São Paulo, 2ª edição, 2010. p.

21).

Portanto, o comércio interno brasileiro, iniciava suas atividades para

atender as carências do mercado consumidor estrangeiro, pois as transações com

mercado exterior através das trocas internacionais quer pela importação ou pela

exportação se constituem na base do crescimento de qualquer nação.

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3. O comércio exterior e a regulação das transações aduaneiras

O comércio exterior é impulsionado por diversos fatores, desde a

busca por recursos naturais até a tecnologia necessária para produção de bens ou

produtos. Nesse sentido, é impossível assegurar que um país contém ou até

mesmo produz todos os meios necessários para suprir as carências internas.

Assim, a transação internacional provém da abundância ou da falta de recursos, da

mão de obra especializada, do capital, do clima, etc.

Waldemar Rodrigues, com a costumeira lucidez ressalta que o

comércio exterior se baseia nas diferenças contidas entre os países, ferramenta

indispensável para o fomento das operações internacionais:

O comércio internacional decorre primeiramente das diferenças existentes

entre os diversos países, que buscam completar suas necessidades

internas com produtos e serviços de outras regiões do planeta onde

ocorrem com ambulância. (RODRIGUES, Waldemar. Comércio exterior,

Altas – São Paulo, 2ª edição, 2010. p. 21).

3.1 A queda do protecionismo brasileiro

A participação no mercado internacional é de grande importância para

qualquer país, desde os subdesenvolvidos como também para os mais

economicamente favorecidos, eis que a transação externa contribui para a

circulação de capitais e conseqüentemente para o desenvolvimento econômico.

Visando à inserção do País no mercado internacional, o comércio

brasileiro vem sofrendo nas ultimas décadas um intenso processo de reformas

econômicas, tanto que em meados dos anos 80 e 90, a economia nacional aderiu à

abertura comercial através de uma implantação de uma nova política de comércio

exterior como, por exemplo, a redução da alíquota do importo de importação.

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Aquiles Vieira destaca em sua obra que no início a quebra do

protecionismo brasileiro, ensejou grandes dificuldades para as empresas nacionais,

pois estas não se encontravam aptas para a concorrência dos produtos

estrangeiros:

É exatamente importante lembrar que, em grande parte, as empresas

brasileiras, quando do início da abertura da economia, por ter sido um

processo muito rápido, não estavam devidamente preparadas para

enfrentar a concorrência dos produtos importados. Nesse sentido, as

empresas não foram devidamente preparadas, principalmente com

financiamentos suficientes e a custo competitivo para adequação e

aprimoramento de seu parque industrial (VIEIRA, Aquiles. Importação

Práticas, Rotinas e Procedimentos. Aduaneiras – São Paulo, 4ª edição,

2011. p. 17).

A defesa do mercado interno brasileiro fundou-se basicamente nas já

conhecidas medidas protecionistas, tais como, a utilização indiscriminada de

barreiras tarifárias. A interferência estatal no tocante ao controle das operações do

comércio internacional atuando de forma regulatória ou até mesmo como agente

econômico, teve seu fim como visto nas décadas passadas.

Mesmo o Brasil tendo abandonado o protecionismo exacerbado que

constituía um verdadeiro comércio internacional desleal, ainda não se pode dizer

que em sentido contrário, adotou o Livre-cambismo, modalidade política que

apregoa o reconhecimento das trocas livres, sem a interferência do Estado nas

transações internacionais, pois ainda constitui o modelo brasileiro o uso de

barreiras econômicas, através dos decretos, regulamentos e portarias.

Com a abertura do comércio interno, e conseqüentemente a prática

costumeira dos “termos de troca” (relação entre os preços das importações e

exportações), casou inicialmente, um desequilíbrio na balança comercial, pois

diante da abolição do sistema protecionista, a empresa nacional encontrava-se

com níveis de produção e tecnologia inferiores aos países estrangeiros, fato que

certamente promovia os baixos preços de produtos importados.

A relação comercial entre países em condições econômicas

diferenciadas, como inicialmente foi o caso do Brasil, se contrapõe a uma operação

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justa apregoada pelo liberalismo. Nesse sentido, Caparroz, argumenta que os

“termos de troca” e suas conseqüências, são objetivos a serem suplantados pelo

livre-cambismo

Para o livre-cambismo, o primeiro grande desafio seria superar o

desequilíbrio causado pelos termos de troca, especialmente nas relações

entre países desenvolvidos e em desenvolvimentos (CAPARROZ,

Roberto. Comércio Internacional Esquematizado, Saraiva – SP, 2012. p.

48).

3. 2 A regulação das transações aduaneiras

Assim, certo de que o Brasil ingressara de vez no mercado

internacional e que as transações estrangeiras exigiam esforços significativos das

autoridades públicas para controlar a crescente entrada e saída de mercadorias,

criou-se uma legislação especifica consolidada num texto denominado de

Regulamento Aduaneiro. Regulamentado por decretos e normas surgiu pela

primeira vez em 1985, vigorando por aproximadamente dezessete anos quando em

26 de dezembro de 2002 surge um novo RA através do Decreto nº 4.543 de 26 de

dezembro daquele mesmo ano.

Por fim, em 2009 foi editado o Decreto nº 6.759 que incorporou a já

existente estrutura do RA/02, acrescentando a disciplina de leis esparsas e novos

acordos internacionais celebrados pelo País. Vale ressaltar que a busca por uma

legislação aduaneira remota desde os tempos do império, momento em que no

Brasil foi concebido o diploma normativo aduaneiro mais antigo da história

brasileira, trata-se da “Nova Consolidação das Leis Alfândegas e Mesas de Renda”

datado do ano de 1894.

De acordo com alguns relatos, essa consolidação fora feita por um

funcionário aduaneiro para seu uso pessoal, entretanto, ficara tão perfeita que o

governo que o Governo resolveu adotá-la. Posteriormente, ela foi atualizada,

chegando até nossos dias com o nome de Nova Consolidação das Leis das

Alfândegas e Mesas de Rendas, a famosa N.C.L.A.M.A.R. (fonte:

http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/aduana/evolucao/default.asp).

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Nesse sentido, o conceito de legislação aduaneira segundo Rodrigues

é “o conjunto de normas de controle e fiscalização de mercadorias procedentes do

exterior ou a ele destinadas, em território nacional, a título definitivo ou não”

(RODRIGUES, Waldemar. Comércio exterior, Altas – São Paulo, 2ª edição, 2010.

p. 21). Para Werneck, legislação aduaneira se compõe de todas as leis e

regulamentos que digam respeito aos tributos sobre o comércio exterior e às

normas referentes aos controles sobre a entrada e saída de mercadorias no

território nacional (WERNECK, Paulo. Comércio Exterior & Despacho Aduaneiro,

Editora Juruá-Curitiba, 4ª edição, 2009, p.137).

Assim, de acordo com os conceitos acima expostos, conclui-se que a

legislação aduaneira no Brasil compreende a Constituição Federal nos artigos

correlatos, no Código Tributário Brasileiro, nas portarias da Secretaria do Comércio

Exterior e principalmente no já citado Regulamento Aduaneiro.

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4. O Território Aduaneiro

O conceito de território aduaneiro é definido pelo art. 2 e completado

pelo art. 3 ambos do R.A. Assim, entende-se que o território aduaneiro abrange

toda região brasileira, sem qualquer distinção, dividido-se ainda em zonas

primárias e secundárias, zonas estas que se submeterão aos ditames da jurisdição

aduaneira.

Art. 2o  O território aduaneiro compreende todo o território nacional.

Nesse sentido, destacam-se os ensinamentos de Bizelli quanto ao

conceito de território aduaneiro

O território aduaneiro compreende todo o território nacional, estando

dividido, para fins de jurisdição dos serviços aduaneiros, em “Zona

Primária” e “Zona Secundária” (BIZELLI, João Batista. Importação,

Sistemática Administrativa, Cambial e Fiscal, editora Aduaneiras - São

Paulo, 2011. p. 160).

Uma vez definido o conceito sobre território aduaneiro, imprescindível

também é a identificação exata da denominada jurisdição. Eis que, como visto, a

jurisdição aduaneira é aplicada em toda área geográfica do território aduaneiro,

representado pelas denominadas zonas primárias e secundárias.

Art. 3o  A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se por todo o território aduaneiro e abrange:

I - a zona primária, constituída pelas seguintes áreas demarcadas pela autoridade aduaneira local:

a) a área terrestre ou aquática, contínua ou descontínua, nos portos alfandegados;

b) a área terrestre, nos aeroportos alfandegados; e

c) a área terrestre, que compreende os pontos de fronteira alfandegados; e

II - a zona secundária, que compreende a parte restante do território aduaneiro, nela incluídas as águas territoriais e o espaço aéreo. 

§ 1o  Para efeito de controle aduaneiro, as zonas de processamento de exportação, referidas no art. 534, constituem zona primária

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§ 2o  Para a demarcação da zona primária, deverá ser ouvido o órgão ou empresa a que esteja afeta a administração do local a ser alfandegado. 

§ 3o  A autoridade aduaneira poderá exigir que a zona primária, ou parte dela, seja protegida por obstáculos que impeçam o acesso indiscriminado de veículos, pessoas ou animais. 

§ 4o  A autoridade aduaneira poderá estabelecer, em locais e recintos alfandegados, restrições à entrada de pessoas que ali não exerçam atividades profissionais, e a veículos não utilizados em serviço. 

§ 5o  A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se ainda às Áreas de Controle Integrado criadas em regiões limítrofes dos países integrantes do Mercosul com o Brasil. 

Art. 4o  O Ministro de Estado da Fazenda poderá demarcar, na orla marítima ou na faixa de fronteira, zonas de vigilância aduaneira, nas quais a permanência de mercadorias ou a sua circulação e a de veículos, pessoas ou animais ficarão sujeitas às exigências fiscais, proibições e restrições que forem estabelecidas

§ 1o  O ato que demarcar a zona de vigilância aduaneira poderá:

I - ser geral em relação à orla marítima ou à faixa de fronteira, ou específico em relação a determinados segmentos delas;

II - estabelecer medidas específicas para determinado local; e

III - ter vigência temporária. 

§ 2o  Na orla marítima, a demarcação da zona de vigilância aduaneira levará em conta, além de outras circunstâncias de interesse fiscal, a existência de portos ou ancoradouros naturais, propícios à realização de operações clandestinas de carga e descarga de mercadorias. 

§ 3o  Compreende-se na zona de vigilância aduaneira a totalidade do Município atravessado pela linha de demarcação, ainda que parte dele fique fora da área demarcada. 

4.2 Da jurisdição

Primeiramente cabe esclarecer que a palavra empregada no art. 3 do

R.A “jurisdição”, constitui-se num grave erro conceitual, pois, entende-se por

jurisdição a atividade desempenhada pelo Estado através do Poder Judiciário, o

qual procura a resolução dos conflitos de interesse aplicando-se a lei as caso

concreto. Segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves, jurisdição “É uma das funções

do Estado, que se substitui às partes na solução dos conflitos de interesse”. (Novo

Curso de Direito Processual Civil, Vol. 01, Ed. Saraiva, pág.46). Sergio Pinto

Martins quanto ao assunto clarifica que “jurisdição é o poder que o juiz tem de dizer

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o direito nos casos concretos a ele submetidos, pois está investido desse poder

pelo Estado”. (Direito Processual do Trabalho, 22ª edição, Ed. Atlas, pág. 119).

Nesse sentido, sendo o Estado detentor do Poder Judiciário, somente

a ele cabe prestar a tutela jurisdicional, julgando o conflito de interesses e

aplicando a lei. Dessa forma, jurisdição é tarefa privativa do Poder Judiciário, assim

sendo, a Administração Aduana não detém a função jurisdicional e sim apenas

“competência” para regular, fiscalizar, lançar e arrecadar tributos no território

aduaneiro.

Folloni, em sua obra destaca com clareza a questão da jurisdição

aduaneira

Conclui-se que a Aduana não exerce propriamente “jurisdição” sobre todo

o território nacional, como erroneamente dispõe o Regulamento Aduaneiro

em vários preceitos” (FOLLONI, André Parmo. Tributação Sobre o

Comércio Exterior, editora Dialética – São Paulo, 2005. p. 85).

Sabbag, citando Cleide Previtalli Cais quanto ao ingresso ao Poder

Judiciário esclarece que

O acesso à justiça é princípio que “configura a explosão máxima do

Estado de Direito, outorgando o exercício do direito de ação, mediante o

preenchimento de suas condições, visando a aplicação da norma e a

conseqüente solução dos conflitos. Isso acontece mediante processo e o

exercício da jurisdição” (SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Trbutário,

editora Saraiva – São Paulo. 2011. p. 1090).

Portanto, uma vez esclarecido que terminologia adotada

erroneamente pelo Regulamento Aduaneiro, ou seja, jurisdição, na verdade deve

ser interpretada para o nosso estudo como “competência”. Deste modo, a

competência aduaneira ou jurisdição como descrito no art.3 do R.A, entende-se por

todo o território aduaneiro, assim entendido como a totalidade do território nacional

dividido em zonas primárias e secundárias.

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Apostila de Legislação AduaneiraJoão Fernando de Moraes Sanches

4.3 Zona Primária

A zona primária compõe-se dos portos, aeroportos e zonas de

fronteiras, todos devidamente alfandegados, ou seja, trata-se de locais onde se

constituiu uma Alfândega pela autoridade aduaneira, na verdade é a área na qual

se submete ao controle aduaneiro com presença permanente do fisco, além de

constituírem pontos de concentração de mercadorias.

Dessa forma, somente os portos, aeroportos e pontos de fronteira

alfandegados poderão proceder-se a entrada ou a saída de mercadorias

procedentes do exterior ou a ele destinadas (art. 5 e caput do art 8, ambos do R.A),

salvo quando a conferência aduaneira ocorrer em outros locais mediante prévio

consentimento da autoridade aduaneira competente ou no caso da conferencia

acontecer no estabelecimento do importador, como na hipótese de fiscalização ou

na complementação iniciada anteriormente em zona primária. (art. 565, parágrafo

único, inciso II e III do R.A.), entretanto, deve-se observar que em relação à

exportação ou importação de mercadorias conduzidas por linhas de transmissão ou

dutos, provenientes ao país estrangeiro, não se aplicará também, a regra dos

recintos alfandegados (art. 8, parágrafo único do R.A).

4.4 Zona Secundária

Entende-se por zona secundária, aquela composta pelo restante do

território nacional não abrangido pela zona primária dos portos, aeroportos ou

pontos de fronteiras alfandegados, por exemplo, os portos secos.

Portos secos são recintos alfandegados de uso público, localizados

na zona secundária, é o ambiente onde também são executadas operações de

movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias e de

bagagem, tudo mediante o devido controle aduaneiro.

Assim como na zona primária, a zona secundária para que possa

promover legalmente à movimentação, armazenagem e despacho (art.9, R.A),

através de um porto seco, deverá ser declarada antes como recinto alfandegado

pela autoridade aduaneira competente.

O recinto alfandegado significa o lugar competente onde se realizará

os atos aduaneiros de fiscalização da autoridade competente, bem como, também

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o controle aduaneiro da movimentação, armazenagem e despacho de mercadorias

proveniente do exterior, ou a ele destinado.

De acordo Werneck “... é o local onde deve ser realizado o trabalho

aduaneiro de controle fiscal de mercadorias, de modo a concentrar e otimizar a

fiscalização aduaneira” (WERNECK, Paulo. Comércio Exterior & Despacho

Aduaneiro, Editora Juruá-Curitiba, 4ª edição, 2009, p.140).

Oportuno também são os dizeres de Folloni, quanto à questão do

alfandegamento da zona primária e secundária contida no art. 13 do R.A

Na zona primária podem ser instalados, ainda, recintos alfandegados para

que nesses locais sejam realizados, sob controle aduaneiro,

movimentação, armazenagem e despacho de bens procedentes do

exterior ou a ele destinados (inclusive sob regime aduaneiro especial),

bagagem de viajantes procedentes do exterior ou a ele destinados e

remessas postais internacionais (RA, art 9, caput, I, II e III). Mas esses

recintos alfandegados podem ser instalados, também, em zona

secundárias (FOLLONI, André Parmo. Tributação Sobre o Comércio

Exterior, editora Dialética – São Paulo, 2005. p. 86).

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AULA 04

5.0 DA CLASSIFICAÇÃO FISCAL

 

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