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  • LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENORURAL E URBANO DO CEARÁ

  • EDUARDO CAMPOS

    Fortaleza1981

    LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENORURAL E URBANO DO CEARÁ

  • Deixai as flores que vêm do chão crescerE deixai as ervas naturais medrar.

    FERNANDO PESSOA,Cancioneiro

  • SUMÁRIO

    ESTRANHAS NOTÍCIAS .............................................................................. 9

    GENTES VEXADAS PELA GUERRA A NECESSIDADE DE PRODUZIR VIVENTES DOS SERTÕES

    MÃOS E PÉS COMEÇOS DA INTERAÇÃO MUNICIPALISTA ...................................... 11

    DIREITO COMUNITÁRIO O PRIVILÉGIO DOS AMERCEADOS RESTRIÇÕES EM BENEFÍCIO

    DOS GRANDES ................................................................................................ 21

    DIREITO COMUNITÁRIO O PRIVILÉGIO DOS AMERCEADOS PROCESSOS ICTIOTÓXICOS

    COMO MORRIAM OS PEIXES PLANTAS ICTIOTÓXICAS ............................................. 29

    O EXERCÍCIO DO TINGUIJAMENTO MEDIDAS COERCITIVAS ONDE ENTRA A CIÊNCIA DE

    FREIRE ALEMÃO A SAPONINA ......................................................................... 37

    A CIDADE DE FORTALEZA EM CRESCIMENTO SALUBRIDADE PÚBLICA TRIBUTAÇÃO

    SOBRE A PESCA O TINGUIJAMENTO OBSTADO ..................................................... 45

    CRIATÓRIO, INDICATIVO ESTATÍSTICO DE CIDADES QUE CRESCEM ONDE ENTRA A

    SABEDORIA DE CAPISTRANO DE ABREU AS OFICINAS AS PROIBIÇÕES DE

    SALGADEIRAS ................................................................................................. 53

    OS QUE TRABALHAVAM NAS FAZENDAS A LEGIÃO DOS POBRES PÉS DE POEIRA

    VIVEIRO DE LADRÕES O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO PROVIDÊNCIAS DO PRESIDENTE

    ALENCAR ....................................................................................................... 59

    A IMPORTUNADORA SAÚVA VIAJANTES QUE TESTEMUNHARAM A DESTRUIÇÃO PELAS

    FORMIGAS O IDEALISMO DE RODOLPHO VON IHERING EXIGÊNCIAS DE CÂMARAS

    MUNICIPAIS .................................................................................................... 77

  • OS CONTRASTES DA TERRA AS DIFICULDADES DÁGUA DESDE QUANDO A IDÉIA DE

    REPRESAR CORRENTES PROCEDIMENTOS AS ÁGUAS QUE DESCEM AS SERRAS O

    PROBLEMA DA AÇUDAGEM A CANALIZAÇÃO DO SÃO FRANCISCO ........................... 85

    O PROBLEMA DO DESAPARECIMENTO DE MATAS RIOS QUE CORRIAM ATÉ O MAR A

    DESÍDIA DO AGRICULTOR A QUEIMA DE ROÇADOS A PROIBIÇÃO DO CORTE DE

    ÁRVORES ..................................................................................................... 111

    OS GADOS; QUANDO COMEÇARAM A EXISTIR ENTRE NÓS A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS

    TRIBUTOS; MÚLTIPLOS O CEARÁ DESPOJADO DE GADOS POSTURAS MUNICIPAIS

    SOBRE O CRIATÓRIO CHASQUEADAS SOB INCENTIVO DADOS ESTATÍSTICOS .......... 123

    MEMÓRIA DE TRIBUTAÇÃO ANTIGA OS LOBOS, PENSÕES E SERVIÇOS A ENTREGA DE

    CABEÇAS DE PÁSSAROS DANINHOS, MORTOS O JULGAMENTO DA VACA VERSOS DE

    JUVENAL GALENO ......................................................................................... 137

    A CARIDADE E OS ÓRFÃOS A HISTÓRIA ACIDENTADA DE UMA COLÔNIA ORFANOLÓGICA

    O PRONUNCIAMENTO DE PRESIDENTES PROBLEMA DE DESMATAMENTO UM

    EQUÍVOCO AO LONGO DE DEZESSEIS ANOS ......................................................... 147

    JABORANDI, ARBUSTO MEDICINAL A PILOCARPINA, ALCALÓIDE IMPORTANTE QUANTO O

    CEARÁ EXPORTAVA DE FOLHAS DE JABORANDI O COMERCIANTE HENRIQUE THÉBERGE

    A LEI N.0 33, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1892

    O FIM DO JABORANDI ................................................................................... 155

    A PROCURADA FARINHA DE PAU CRISE DE FARINHA NO SÉCULO XVIII A

    OCORRÊNCIA DE SECAS E A FALTA DE FARINHA DE MANDIOCA A MANIPUEIRA

    PLANTADORES DE MANDIOCA E O COMÉRCIO DA FARINHA NA LEGISLAÇÃO

    PROVINCIAL DO CEARÁ .................................................................................. 163

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................ 173

  • ESTRANHAS NOTÍCIAS...

    A legislação nem sempre é uma seqüência de providên-cias autorizadas pelo poder cedente para a vida inteira. Asleis envelhecem, entram em desuso, como decorre com asResoluções do período provincial do Ceará. Ainda assim, dei-xam um rasto de informes ao qual o pesquisador, interessadoem relatar fatos históricos ou sociológicos como em nossocaso pessoal não os desmerece.

    Em mais uma oportunidade, repita-se: nossa permanên-cia administrativa em prédio onde funciona a Biblioteca Pú-blica Governador Menezes Pimentel ensejou-nos ter à mãocentenas de Resoluções, Decretos e Leis que vigiram a seutempo, e hoje, superados ou aperfeiçoados pelos legislado-res, nem por isso deixam de nos ofertar importantes subsídi-os em favor de problemas agora em voga, como o dapreservação de nosso ecúmeno rural.

    Trabalho modesto, sem dúvida alguma, porém anima-do do propósito sincero de contribuir com esclarecimentosabeberados a fontes fidedignas, que, de outra maneira, obri-gar-se-iam os estudiosos de tão variada e dispersa matéria amanuseio (cansativo) de múltiplos documentos, principalmen-te Relatórios de presidentes de Província, nem sempre disponí-veis ou identificados de maneira mais fácil.

    Mas mesmo assim, vendo o antigo, felizmente podemosredizer as palavras de Shakespeare: I can tell you strange news...

    E.C

  • 11LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    GENTES VEXADAS PELA GUERRA A NECESSIDADE DEPRODUZIR VIVENTES DOS SERTÕES MÃOS E PÉS

    COMEÇOS DA INTERAÇÃO MUNICIPALISTA.

    Famílias vexadas pela guerra, como nos vem dizer JoãoBrígido (Ceará, Homens e Factos, typ. Bernard Freire, Rio,1919, pág. 213 e seguintes), diante do holandês hostil, aca-bam por embrenhar-se no Ceará; gente quase toda ela proce-dente da Bahia, e outros da Paraíba, de Pernambuco, e demais lugares não esclarecidos.

    Parece-nos, admitidos esses fatos, que o enriquecimentorápido, conquanto à custa de trabalho árduo, valia mais doque mourejar em terra nem sempre propícia para agriculta-mento compensador. É quando se dá, pela metade do séculoXVIII, a corrida, ainda que frustrada, para a mineração na For-tuna, Barreiras, Morros Dourados, e em muitos outros pontos.

    Dispersadas essas pessoas como revela ainda JoãoBrígido já não havia mais um pedaço de terra devolutanaquelas paragens e a povoação congregada aplicou-se àagricultura e à criação de gados.

    Quem está perto de serras frescas, de brejos realimenta-dos por precipitações mais abundantes, não vê outra opçãosenão ficar; assim como vão demorar outros, não só para

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    cultivar a cana-de-açúcar (que acabaria reduzida ao fabricode rapaduras), mas para funde ar a lavoura algodoeira, estáinstintivamente ligada à nossa vocação pelo criatório.

    Não se reconheciam ainda os rumos do século XIX; eAracati, sem amargar os efeitos funestos da seca de 1792, (o.c., pág. 216) processa por ano a Carne de 20 a 25 mil bois,tornando-a charque.

    Dá-se, abundante, a presença de caprinos, aos quaisse arrancavam de 30 a 35 mil couros (ibidem, pág. 216),trabalho elaborado pelas fábricas sertanejas, ressaltado que,deste total de 2 a 3 mil tinham acabamento de pelica branca(camurça).

    Ante esse quadro de tão intensa produção, ou porquefossem muitos a participar do repasto, e poucos a produzir;ou porque não se atentara ainda seriamente para o descom-passo das alterações clímicas, é necessário o poder públicocompelir a que todos produzam, a mais freqüência, no cam-po agrário, ou, à força de lei sejam estimulados, como ocorrecom os jangadeiros na Capital, a sair ao mar, (se não fizessemganhariam 30 dias de cadeia), a capturar peixes para alimen-tar o povo, principalmente as autoridades administrativas.(Idem, págs. 224, 225)

    O procedimento de tornar o homem produtivo cadavez mais, no processo histórico da agricultura no Ceará, nãoserá acontecimento isolado. Vai-se repetir em várias resolu-ções presidenciais, aprovando posturas das câmaras munici-pais, ao século passado, quando o agricultor é obrigado aplantar, ocorrendo de se exigir deste, algumas vezes, o culti-vo de 2.000 e até de 4 000 covas de mandioca.

  • 13LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    Tais e outras exigências comunitárias correm necessaria-mente paralelas ao interesse patronal do Governo, de disci-plinar toda essa grei já ultrapassando os 60 mil viventes afeita ao exercício campestre, na dualidade do amanho daterra e do criatório, mas esquiva a prestar contas à autoridadecobradora de dízimos.

    E é a criatura interiorizada pelos sertões, distante doque se poderia mesmo impropriamente qualificar de civiliza-ção, que, de modo fatal, vai-se tornando um ser ligado àterra, aos seus silêncios, aos seus mistérios, ao seu fascínio,às suas mutações inusitadas, e também insólitas, desferidasquais formas de penalização por pecados que todos osdesses anos estão sujeitos na decorrência de sucessivasmancebias e distorções de um proceder sexual livre.

    No entanto, salvar-se-á tal criatura pelos momentos dereflexão a que a levam suas ações, circunstância a que pode-mos qualificar de estágio de dependência espiritual. E aquinão temos como não repetir a Joaquim Ribeiro (Folclore doAçúcar, MEC, 1977, pág. 99): É justamente quando exerce aatividade agrícola que o homem mais se identifica com aatmosfera e aí, naturalmente, busca os motivos de sua poesiae de sua linguagem.

    Acrescentamos: de suas emoções.Continuando: sobre esse vivente é que se derramam os

    ensinamentos de missionários, de padres nem sempre rigoro-samente bem intencionados, (que os há então corrompidospelos favores dos grandes senhores donos de engenho oucriadores abonados), fazendo despertar em cada um doshabitantes dos campos a idéia de que há outro inferno maisterrível a aguardar os decaídos; e que o céu, com dias defi-nitivamente mais amenos, não é o da moldura ecológica emque se insere o ser sofrido, rude, sonhador, bárbaro, lutador,

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    mas submisso por atavismo ao que não pode consciente-mente opor-se, ou explicar.

    Tempo de mãos rudes, mas importantes, nessa fase dolento desenvolvimento dos sertões, de terras que ficam distan-tes da Fortaleza. São elas que fincam os primeiros mourõesde currais, improvisam as primeiras faxinas e retiram dosdedos os estrepes agressivos do sabiá; que lavam a poucaroupa existente e que cavam o lugar da semente; tratam-na;regam-na ou é Deus que as molha, quando quer , até sercolhida a messe.

    Mãos que cerram o olhar sem ver dos que morrem, eque, carregados em rede, pendida de estaca linheira, assenta-da sobre o ombro dos mais íntimos (e poucos), alcançam aúltima morada que não pode ser mais no mato, em 1800 masem cova de 6 palmos, controlada pela fábrica das irmandades.

    São mãos que manejam as armas de defesa ou de agres-são; que fazem correr, ao entardecer, ou na hora de dormir, demodo maquinal, as esferas de rosários feitos com pétreos ereluzentos frutos do capim de contas (coix lacryma jobiL.); mãos ainda afeitas a ordenhar cabras e vacas; a lhes esticaros couros, ou os submeterem a salgamentos proibidos dentrodas cidades, e só permitidos em lugares mais afastados, para ofartum semi-apodrecido não incomodar o que se começa aentender por salubridade pública. Praticamente essas mãostambém concorrem para destruir a natureza; e acodem resolu-ções para impedir que não sejam abatidas tais e quais árvores,e que ninguém mais as derribe, particularmente se se tratar decarnaubeira, para cujo aproveitamento vem dizer o legislador,só lhe sejam colhidas as folhas: a palmeira de pé, viva.

    É interditado o situamento de gados em locais onde sejulga, numa antecipação merecedora de total reverência, se-rem estes, se utilizados indiscriminadamente, capazes de de-sequilibrar as relações do binômio homem-bicho.

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    E, quer abrindo caminhos, quer aperfeiçoando as artesque principiam a se efetivar, há mãos, sempre mãos, que emcontribuição importante só podem concorrer afinal com ospés, igualmente rudes, ásperos, extremidades adestradas auni muito andar herdado aos ex-donos desse chão, fatalmen-te espoliados.

    Pés que carregam o homem para longe, e que sabemquanto lhes é afável o contato com a natureza aqüífera dasestações invernosas; e quanto lhes confrange a aridez de so-lidões de rios pretéritos, por onde passaram, se perdendo, ospeixes que já não contentam a fome de mil bocas famulentas.

    Pois bem, a moldura ecológica em que se inserem mãose pés do homem que nos trouxe como somos até hoje, édesafio a algumas considerações que esperamos exprimir,certos de estar, conquanto de modo bastante rudimentar, in-formando a quem nos suceder algumas colocações de pro-blemas que prosseguem decorrentes da luta do homem coma terra.

    A esse exato instante, move-nos a intenção de mostrarao leitor menos exigente a presciência de regras e funções, etambém as disfunções, dos rudimentos do que um dia acabapor classificar-se de antecedentes da ecologia cearense, comimplicações de exercício agropecuário, tudo isso conforma-do à legislação municipal pouco analisada até hoje, e por nósagora aceita como dispositivos de direito comunitário quenão deixa de receber como se verá adiante influênciasbem flagrantes de nossas origens, as do outro lado do Atlân-tico, umas a se perderem na memória dos tempos.

    A rigor toda essa tentativa de abordagem de proble-mas, repetimos, é uni desafio a mais para uma interpretaçãoque passa a vigorar do Instante nitidamente de frustraçãohistórica o da malograda prospecção de minas, relatada aMartinho de Mello e Castro por Avellar (Notas para a Histó-

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    ria do Ceará, Guilherme Studart, Lisboa, 1892, pág. 405),como notícia de entregar-se ele a Investigações sobre a florada capitania, havendo encontrado três diferentes espécies dequina, uma variedade de ipecacuanha, desconhecida em Por-tugal, e madeiras várias, o umari, a tatajuba, o pau darco, opau branco, etc., indivíduos vegetais louvados principalmen-te por suas qualidades tintóreas.

    Quem diz essas coisas já é ouvidor, Avellar de Barbedo(o. c., pág. 405 e seguintes), seguido de Montaury, posterior-mente, a se agradar de objetos retirados da província, emque percebe, entre pedras raras e curiosas, azeviche, alambrebranco em bruto, pedras criadas pela natureza, a que parecem ballas de ferro, e mais ervas e um saco contendo Jericó;o pau carnaúba este acrescido da informação de que seusfrutos, como de uva , são de um grande recurso para ospobres, que dellas se sustentarão no tempo das seccas...

    Vai surgir o ano de 1792, e com ele, já no governo deFéo e Torres (ob. cit. pág. 419), a fátil presença da SecaGrande que, quanto ao nosso interesse objetivo, imediato,serve para demonstrar a precariedade das lavouras de algo-dão e mandioca, e o perecimento do criatório.

    A farinha de pão, custando 1.000 réis, não dá paratodos. E os que não sucumbem por esses dias de aflição, nalenta e sofrida didática migratória, mantêm-se comendo bi-chos, carcarás, ratos, couros de boi,... xiquexique, man-dacarus, mandioca brava. (Manoel Esteves de Almeida, 2.0 e30 trimestres, 1887, Revista do instituto do Ceará, ob. cit.págs. 42L, 421).

    Impõe-se-nos compreender o cenário de tragédiascomo esta, ao quase expirar do Século XVIII. Transcorreestranha epidemia, atribuída ao vento que vem soprado doPiauí (Barão de Studart, o. c., pág. 430). João Lopes CardosoMachado; à frente de comissão especial, quer saber porque

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    razão acontece o descompasso. Vê Acaracú e Sobral. E con-clui que a carne do Seará à falta de galinhas para aalimentação dos enfermos , quando ingerida faz recidiva adoença nos desnutridos.

    E quando cessam os períodos calamitosos, sem água,não demoram as febres malignas que principiáo no inverno(pág. 437). E se descobre então que a botica, a grande fonterestauradora, apesar de tudo, está no mato, conquanto nãofaça milagres.

    O espaço geográfico é mal ocupado. E se dá de faze-rem os pobres suas choupanas tão separadas uma das outras,que não se achão duas familias contiguas, distando léguasuma das outras, sem que se possam ajudar naturalmente.

    Diante de quadro como esse, repetido, ou à força denecessária formação urbana, em perspectiva, podemos dizerque o século que se segue, o XIX, é exatamente aquele quetornará o homem mais dependente de seu vizinho, mais pró-ximo dele, e por esse caminho vamos dizer civilizatório,sensível à formação de comunidades que ganham a noçãode que se faz precisa a obediência a determinadas regras deconvivência em comum.

    Está-se no limiar de uma interação municipalista, ain-da que incipiente. E do exercício do direito comunitário,não de todo desprovido daquele sentido supersticioso e tra-dicional instrumento institucional de defesa, vigilância e igual-mente punitivo.

    A rigor, pode-se afirmar que o homem, por intuição, noperíodo provincial entre nós, começa a ter a exata idéia deque é necessário adotar medidas que visem à defesa do espa-ço físico que ocupa, nem sempre melhor definido ou enten-dido no cumprimento desses objetivos. Algumas posturas doscódigos de câmaras municipais em sua linguagem original-mente portuguesa, traindo muita vez o espírito de leis que

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    decorrem das Ordenações do Reino, ou de outras, comodas chamadas Extravagantes, principiam no limiar do séculoXIX a concorrer para que a natureza, esse complexo especialque o cerca sem definição mais convincente, seja respeitadocom mais confrontações com as circunstâncias adversas.

    Quem se debruçar sobre esse tipo de legislação nitida-mente municipalista, mas de inspiração centralizada na sededo governo provincial e de ordinário discutida e sancio-nada pelo próprio presidente e seus pares perceberá que,conquanto assemelhada em sua concepção, quase sempreoferece alternativas de cumprimento, donde se poderá con-cluir que a lei de tal modo concebida pelo poder central,tende. via de regra, a aceitar as peculiaridades de áreas dife-renciadas entre si.

    É bem verdade que, em certos momentos, cabe o seafirmar: os artigos estatuídos são absolutamente equivalen-tes, tanto servindo para região puramente sertaneja (a exem-plo, Quixeramobim), como para outra, de formação orográfica(Baturité), a exigir procedimento diferenciado. No entanto,ver-se-á prevalecer um certo posicionamento de atitudes re-pressivas que definem, na exata, o comportamento de vida ede respeito à natureza fértil, alterada por maior ou menorasperidade do clima, ou em função de eventuais amenida-des, como será o caso de serras agradavelmente frescas aon-de vão ter os gados em refrigério, atitude interditada porposturas mais atentas em razão do prejuízo que o desloca-mento de rebanhos, para esses locais, pode comprometer aslides agrárias ali exercitadas.

    Vale ressaltar que o legislador não localiza sua atençãode censor, de disciplinador, apenas na área urbana de cadaVila, povoação ou cidade. Vai adiante; torna-se sensível aosproblemas de ecúmeno rural, notadamente nas localidadesmais afastadas. Codifica árvores que não podem ser cortadas.

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    Proíbe o extermínio de arbustos à margem dos cami-nhos; e se atém, com severidade, aos que indo queimar roça-dos, não preparam convenientemente os aceiros, assim comonão permite que se criem cabras, animais que acabam tendohorário para ser recolhidos, e outro, o de os deixarem ir aopasto, ao dia seguinte.

    Práticas indesejáveis, nocivas, como o tinguijamento depoços e rios, são condenadas, sendo reconhecida, por valio-sa, a utilização da água, principalmente quando esta, vindade fontes especiais, é manuseada para acudir a sede da comu-nidade.

    E tudo enfim organizado sob regras que talvez não se-jam rigorosamente obedecidas, mas prenunciam a vocaçãopara o exercício de legislação que, aos poucos, se vai ade-quando ao meio, até ser observada pela irreversibilidade desua importância, posteriormente aceita.

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    DIREITO COMUNITÁRIO O PRIVILÉGIO DOS AMERCEA-DOS RESTRIÇÕES EM BENEFICIO DOS GRANDES

    Fica desde logo esclarecido: o que se convenciona aquipor Direito é o somatório de providências coercitivas, legaisabeberadas na freqüência de usos e tradições, e que acabamse tornando obrigatórias para evitar que de seu cumprimentodivirjam alguns em prejuízo dos objetivos de integração co-munitária desejável, da maioria.

    A legislação que a seguir intentamos comentar, a doCeará provincial, particularizada em suas medidas disciplinado-ras que alertam os homens do campo para determinadas me-didas quanto ao uso do solo e defesa dele conquanto aintenção não encerre uma práxis definida como a que des-frutamos hoje, do que é ecologia, não pretende discutiraquele sentido que bem poderíamos dizer de juridicidade.

    Importa-nos, sobretudo, ou principalmente, o pensa-mento do legislador, nem sempre a se inspirar por si mesmopara o cumprimento da lei, que, quase todos os dispositivosordenadores a que terão de obedecer os habitantes, quer decidades, de vilas ou povoações, praticamente salvo raras etambém valiosas exceções, são compatíveis, assemelhadosentre si e explicitados em outros códigos de posturas.

    Uma certa maneira de pensar que acaba sendo o re-flexo de tradições, da estocagem de procedimentos, em al-guns casos herdados aos forais; providências tomadas àsOrdenações (ainda que atenuadas), e a outros códigos, sob

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    a necessidade de se solidarizar a administração pública commedidas que adotadas ao acaso, passam a se impor de formadecisivamente obrigatória em favor do bem-estar coletivo.

    O Direito, no nosso caso específico, pode ser uma usur-pação; pode estar inadequado ao comportamento coletivo;pode ser instrumento de força, não obstante manejado sobpresumível compreensão e aceitação da maioria.

    Diz William Graham Sumner (Folkways, estudo soci-ológico dos costumes, tomo I, Livraria Martins Editora, 1950pág. 100): A história do dogma dos direitos tem feito acre-ditar que os direitos são evidentes e existentes por si mesmose que predominaram especialmente nas sociedades primiti-vas. São também considerados como o oposto à força. Estasnoções provam apenas o antagonismo entre nossos mores eos das gerações anteriores.

    Para não haver dúvida quanto ao pensamento do antro-pólogo inglês: O direito sempre se originou da força; e se naforça incluirmos (como devemos incluir) as eleições e as deci-sões dos tribunais, é ainda a força que atualmente faz o direito.

    Adiante, e a citação vai-se alongar para melhor com-preensão dó paciente leitor que se anima a nos ler (o. c.,pág. 122); A servidão medieval se deveu à necessidade deempregar a força para manter em suas terras o camponêsquando a terra era realmente um peso para ele em vista dasobrigações que tinha de pagar. Se não fosse mantido pelaforça, o camponês fugiria. Nos fins da Idade Média, o vilãotinha valioso direito e propriedade sobre suas terras. Deseja-va então garantia de posse, de maneira que não pudesse serexpulso delas. A princípio, era obrigação do senhor matar acaça e proteger as safras do camponês. Mais tarde, caçar tor-nou-se direito e monopólio do senhor.

    Não nos vai interessar no presente ensaio explicar, pejomenos em nosso caso, o espírito político de reação dos incon-

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    formados a esse tipo de alteração de mores, quase sempreutilizada pelo Direito em favor da classe dominante, a queordena as normas legais.

    De verdade, as limitações não são obra do acaso; nãosão ocorrências eventuais. Elas se processam seguidamente,no tempo e no espaço, em todos os momentos. Os direitosdos proprietários tiveram sempre as suas restrições, como enatural, não sendo admissível, por exemplo, que a lavouradeixe as terras a monte em desprezo da sociedade, que, porseu turno, tem o dever de impedir os abusos e os crimes dequem, não sendo dono da terra, se limita a colher os frutosdas plantas veneradas pelos outros (Estudos etnográficosfilológicos e históricos, Augusto César Pires de Lima, Porto1950, pág. 136).

    A rigor, nem sempre quem obedece, quem está obriga-do a cumprir a lei e pelo século XVI cumprir a lei significapagar tributos cada vez mais escorchantes , vê-se desalentadoante os potentados. A própria ordenação filipina, de 1595,tem os foraes de cada logar para que nem a fazenda realfosse defraudada, nem o povo vexado (grifamos) contraseu foro (O Município no Século XIX, J. Félix HenriqueNogueira, Edição da Tipographia Francisco Luiz GonçalvesLisboa, pág. 53).

    Esse direito comunitário, já ao tempo das Ordenaçõesdo Reino, acaba sendo exercido pelos almotacés que cui-dam de limpeza da povoação e caminhos públicos. Cada mezfará a alimpar a cidade, ou villa, a cada um ante as suasportas das ruas, dos stercos, e maus cheiros. E farão tirar cadamez as sterqueiras do logar, lançal-as fora nas partes, ondefor ordenado pelos vereadores, em que serão postas stacas...E não consentirão que se lancem bestas, cães, gatos nemoutras cousas sujas, e de mão cheiro na villa... Outros si man-darão pregoar em cada mez, que cada um alimpe as testadas

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    de suas vinhas, e herdades, que vierem ter aos caminhospúblicos, sob certa pena. (Ord. (Tit. 68), o. c., pág. 65).

    E, nos anos do Ceará provincial, pelos fiscais ou correge-dores, ou inspetores de quarteirão, gente que percorre asruas das cidades, vilas, povoações e arredores, adentrandoaos municípios, indo cobrar a tributação imposta pela Lei.

    No campo específico de nosso interesse o agrário asproibições se sucedem ao longo dos séculos, desde os tem-pos passados, a datar remotíssimo.

    O direito comunitarista é manipulado sob interessespersonalísticos, imediatistas, alguns exagerados e outros ubica-dos a um exercício lógico, pré-ecológico, como o que sepode ler nas Ordenações, L. S. T. 88, Col. 1, n.0 2, em queestá afirmado ser prohibido atirar às perdizes com munição,vender esta, desmanchar os ninhos daquellas, etc., estatutolegal que corre assemelhado com o que firma Ferreira, (Prat.Crim. tom, 4. C. 3, n. 23) obstando a pesca de peixes (Notasdo uso practico, e Criticas e Addições, ilustraçoes, e Re-missões (à imitação de Muiler a Struvio) sobre todos ostítulos, e todos os §§ do Direito Civil Lusitano, ManoeldAlmeida e Sousa Lobão, Parte III, Imprensa Nacional, Lis-boa, 1885 pág. 134), em que é explicitado o lamento final:Ah! se elles se executassem, que abundâncias não teríamosde peixes nos nossos rios?

    É bem verdade que por esses dias, escravos, bois, caval-los, gados, e mais animaes que se movem nada mais são doque cousas (grifamos) assemelhadas a cadeiras, mesas, rou-pas de linho, etc. (O. c., pág. 71).

    Veja-se a exemplo o que se encontra dito por Manuel deAlmeida e Sousa, de Lobão, de Lisboa (AppendiceDiplomatico Histórico ao Tractado Practico do DireitoEmphiteutico, 1829, pág. 254): Hum lavrador, que he se-nhor precario de qualquer Arvore de seu predio, não só se não

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    anima a planta-las, mas até corta logo pelo pé as que nascemespontaneamente, para que não succeda, que tendo-a conser-vada muitos anos, e assombrado a lavoura do seu pão, em quepor isso sentiria deminuído, a veja levar pelo Senhorio, emrazão da Cláusula do seu Prazo. (Págs. 254-255).

    O Direito, ou que outro nome tenha a designação defazer cumprir obrigações de modo oficializado, sempre este-ve crivado de proibições, desde a de cortar árvore de fructo,crime que redundava em penna de açoute, e de degredo, ede pagar a estimação em tresdobro a seu dono, até o decortar 50-breira, carvalho, machieira pelo pé para fazer car-vão, ou cinza, intervenção de fato criminosa, que ocasiona-va penna de quatro annos de degredo para Africa, e pagarcem arpados. (Liv. 5, T. T., 75, § i.) das Ordenações e Leisdo Reino de Portugal Tomo F, A-C, V, Coimbra, Anno deMDCCLX YIXV, 1795, Lisboa).

    Em certos momentos o direito não passa de privilégioque algumas pessoas, amerceadas, têm de poder intrometer-se e caçar em prédio alheio (Portug. de Donat L. 3, C.9, no 13e 22, Lagunez de Fruct., 1, P.C., 12, n.0 69 (o. c., pág. 132), ou,indo mais adiante, desrespeitar os limites, guardas, de áreasinterditas à arte venatória.

    Dar-se-á, noutras circunstâncias, que a todos é proibidocarregar espingardas dentro dos limites dellas, ou legoa emeia (assim escrito), como possuir à mão, em ação venatóriacães, sabujos, ou cabras, sendo defeso não se entrar emdeterminados lugares com gado vacum, etc.

    As restrições se sucedem nos benefícios que os gran-des, os poderosos, acabam por conceder aos mais fracos,seus vassalos, aquiescendo ao uso de coutadas em montes erios, conquanto em muitos casos, de repente, estejam muitobem explicadas as dízimas (Reais dos Pescados), ficando re-gulado o tempo não só das ditas pescas como dos meios de

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    caçar, condenados os transgressores a penas assinaladas. (O.c., págs. 133 e 134).

    Toda essa legislação ancorada em mores, modificadaatravés dos anos que se sucedem, acaba por chegar aos diasdo Século XIX, ora expressada como simples iniciativa deproteção legal, ora como pura trasladação de normas apren-didas e obedecidas ao longo dos anos.

    E tudo, de repente, vai-se descobrindo como se algoperdido no tempo viesse novamente aos nossos dias, sobrefazimento legal, mas guardando aquela forma residual,importante e originária, que os manipuladores de forais exi-giam antes, alertados para circunstâncias que parecem vigirconquanto enriquecidas com o vocabulário ecológico (pelomenos assim) dos nossos dias.

    Plenk., citado por Manoel de Almeida e Souza, de Lobão,(Notas de Uso Prático, e Criticas, Lisboa, 1826, pág. 375) emcapítulo sobre alimentos (que bem poderia ajustar-se aos fa-bricantes de massas de agora), referia não ser bastante o pãoa copia de Padeiras, sendo necessário que Farine cerealesipsa cercaija, et leguinina nou sint corrupta, vel imatu-ra vel necrotica, vel corniculata. Impõe-se fazer-se o pãonão falsificado, bem cozido, e com pezo determinado. Ashortaliças non sint insectis conspurcata, aut plantisvenenatis intermixta. As frutas, sás, bem amadurecidas.Fungorum ven tio, nisi exanúnatorum à NundinarumInspectore sub gravi paena interdicatur. (Idem, pág. 376).

    A fartura dágua e uma das cousas mais necessárias paraos povos, afirma outro estudioso (Bovadilha), enquanto oque contamina, torna putrefata as ditas águas ou a próprianatureza, é condenado, informando Manoel de Almeida eSouza, a repetir Bovadilha (in Pollt., Livro 3 Capítulo 6): En-carregou Platão em suas Leis aos Edis, que erão os Censoresda limpeza, que a Cidade esteja limpidíssima: e que com as

  • 27LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    obras públicas, e particulares, não estejam ocupadas, e sujasas ruas.

    Tudo ainda como pela Resolução n.0 744, de 22 de outu-bro de 1855, da Vila de Baturité, impondo aos moradoresquer os próprios donos das casas, quer sejam inquilinos, aobrigação de conservarem a frente de suas moradas limpasde mattos, e imundicias que prejudiquem a formosura dasruas, e a salubridade pública, estando dito no art. 5, dessedispositivo, que ainda que estejam os moradores fora davila e as casas fechadas, o fiscal diligenciará o asseio, apresen-tando conta ao proprietário ou morador...

    Legislação que corre, paralela, com a da Vila da Granja(Resolução n.0 372, de 28 de agosto de 1846), a impedir se-jam lançados animaes mortos, ou outras imundices de na-tureza corruptível, tanto nas ruas, como nas lagoas, e poçosdo rio.

    As tantas precauções recomendadas aos almotacés ven-cem o tempo e chegam praticamente inalteradas ao séculopassado, como o não se dar por permitido que a rez a sersacrificada não seja antes corrida sem necessidade no corral,medida traduzida por rez cançada ou aperreada, interditade matar-se pela legislação provincial.

    No tocante à carne verde obtida para a população, semdúvida alguma regredimos quanto à boa prática antiga quan-do as carnes sob as ordens de César tinham a guarda naCarniceria, para ver quem excedia em os gastos da comida.(O. c., pág. 385).

    De certo, a esse exemplo, a Ordenação (Livro 1, T. 68,§ 4) preconizava dar a carne, e repartilla pelos ricos, epobres havendo cada hum como merece. E melhor, sob oponto-de-vista de igualdade societária, fosse repartido o pes-cado de tal maneira que os ricos e os pobres hajão todosmantimentos.

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    Observa Manoel de Almeida e Souza (escrevendo noprimeiro quartel do século passado) que se esta polícia Roma-na se praticasse rigorosamente não veríamos em Portugal humatal carestia de gados, e falta delles para as agriculturas. Masvejo ser irremediável omal (grifamos).

    Melancólico ou exagerado pessimismo, mas não muitolonge da realidade a que continuamos assistindo, com popu-lações de famintos, insatisfeitos, acrescidas de novos compa-nheiros de infortúnio.

    Entenda-se, para não irmos além com essas considera-ções; às vezes não é fácil precisar em análise imediata o queé circunstancialmente nosso, fruto da experiência ou esper-teza do homem diante do clima hostil. Em outros casos, tal-vez na sua maioria, o que existirá mesmo, firmado em estatutolegal, será a persistência de comportamentos que se perdemnas brumas do que se faz cada vez mais longe.

    Inexplicáveis, quase sempre.

  • 29LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    A SIMBOLOGIA DO PEIXINHO INOCENTE A PESCAPOR PROCESSOS ICTIOTÓXICOS COMO MORRIAM OS

    PEIXES PLANTAS ICTIOTÓXICAS

    O poeta Firmino C. de Figueiredo, a 23 de fevereiro de1868, pelas páginas do jornal Pedro II (n.0 122), com conviteà sua amada Elisa, Vamos, em versos, transcreve o mundodiferente do da cidade daqueles idos, e naturalmente já utó-pico ou puramente irreal. Não só pelo tom da poesia, desabor campestre, cheia de intenções amenas, mas pelo ritmode criatividade que acaba não dizendo a verdade como severá a seguir , vale a pena trasladar-se tão arrebatada quãoingênua inspiração:

    Elisa, vamos bem longeDesta cidade falaz,Entre a folhagem do matoBuscar o asilo da paz;Nos rumores da cidadeNão existe a felicidade.Nos desertos da florestaTem mais vida o coração,Bebendo a doce harmoniaNos cantos da solidão:Vem, Elisa, meus amores,Viver a vida das flores.

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    Quero mostrar-te os encantosQue tem a vida no mato:Mil florinhas perfumando,Bordando o manso regato,Que no seio transparenteCria o peixinho inocente (Grifamos)

    Pois bem, acometendo aos peixinhos desprevenidosnão diz o poeta quantos se preparam para, tonteando-os,trazê-los a seus bornais e enfileiras, a meia passada dofogo, à esteira estendida no chão, ao incremento de refei-ções de quantos nunca compreenderam, de modo maisresponsável, que o peixinho inocente um dia haveria defaltar. Já muito antes no entanto há quem perceba mesmosem saber, que dois ou três séculos depois a humanidadese debruçaria, interessada na preservação não apenas depeixes, mas da própria natureza, cientes de que não sepode realmente conspurcar de modo impune o seio trans-parente dos regatos, dos rios, jogando nele hervanços,arbustos, raízes e cipós que, intempestivamente, fazemsucumbir milhares de indivíduos desejáveis em perpetua-ção genética, natural. E tudo agora pretendido em benefí-cio de todos e não apenas dos barões.

    Já era norma legal, ao Quinto Livro das Ordenações,tit. 88, parágrafos 6 e seguintes, (in Repertório das Ordena-ções e Leis do Reino de Portugal, Tomo 1 A-C, Coimbra,MDC MDCCXXXV), que pessoa alguma não pescasse emRios, nem em lagoas de agoa doce com rede, covãos, nassas,tesões, nem per outro algum modo, nos mezes de Março,Abril e Maio, somente podendo fazê-lo à canna com anzol.

    Mais adiante o legislador fala de modo incisivo, a nãodeixar dúvida: pessoa alguma não lance nos rios e lagoasem qualquer tempo do anno (posto que seja fora dos ditos

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    trez mezes da criação), trovisco, barbasco, coca, cal, nemoutro algum material, com que se o peixe mata. E quem ofizer, sendo Fidalgo, ou Scudeiro, ou dahi para cima, polaprimeira vez seja degradado hum anno para Mrica, e paguetrês mil réis. E pola segunda haja a dita pena de dinheiro edegredo em dobro; e assi por todas as vezes que for compre-endido, ou lhe for provado. E sendo de menor qualidade,seja publicamente açoutado com baraço e pregão, e por qual-quer outra vez que nisso for compreendido, ou se lhe provar,haverá as mesmas penas, e será degradado do lugar, onde formorador. e dez legoa ao redor, por tempo de hum anno. Eassi havemos por bem, para que se não mate a criação dopeixe, nem se corrompão as agoas dos rios e lagoas, em queo gado bebe.

    Explique-se a tempo que aqueles que perseguiam ematavam os inocentes peixinhos nas águas doces dos riosportugueses tinham efetivamente um arsenal de hervançosmortíferos, mas não de molde a competir com o que vamosencontrar vigindo no Brasil. O barbasco, à disposição dosdestruidores lusitanos, é planta da família das escrofulariáceasde nossa terra. A cocca, o próprio nome explica: é coculusindicc. E trovisco, segundo vamos aprender ao Lello Univer-sal (Vol. Quarto, Porto, S. D., pág. 1085) é nome vulgar deuma planta arbustiva, venenosa, de folhas coriáceas elanceoladas pertencente à família das dafnáceas, sendo es-pontânea em todo o País e, ora conhecida por Trovisco fê-mea, ora por Travisqueira.

    Se se dá por verdadeira a Narrativa Epistolar de umaViagem e Missão Jesuíta (Pela Bahia, Ilhéus, Porto Seguro,Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, S. Vicente, (S.Paulo) etc. desde o anno de 1583 ao de 1590, indo por visita-dor o P. Cristovão de Gouvêa), como está incluída nos Tra-tados da Terra e Gente do Brasil, Padre Fernão Cardim, Cia.

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    Editora Nacional, 2a. edição, 1939), vamos descobrir que opeixe, em todo o percorrer da missão, aparece em cardumescomo os que são vistos ao mar, juntamente com baleias, dasjanelas do edifício onde os visitadores se albergaram. Nãofaltam aos visitantes as melhores iguarias, enquanto os meni-nos dançam com muitos molhos de frechas, cabendo dizerem português: louvado seja Jesus Christo. Há pregações,boa música, e patos, e leitões, e galinhas, e farinha, e beijúscom algumas raízes, e legumes da terra.

    O que espantou a esses peregrinos foi o número dosque andavam, algumas quarenta pessoas, sem cousa algumade comer, nem dinheiro, e aonde chegavam sempre erambem agasalhados, tendo disponíveis, para comer, carnes,pesca dos, mariscos, com tanta abundância, que não faziafalta a ribeira de Lisboa.

    E está na página 277;... os índios á tarde, para fazeremfesta ao padre, jogaram as laranjadas, fizeram os seus motinsde guerra, e foram a um rio de noite dar timgui, sc. barbascoao peixe, e ficarem bem providos, trouxeram tantos (deviamser muitos, informamos), que encheram duas grandesgamellas, que eram uma formosura de ver.

    Outros visitadores (De Algumas cousas Mais Notáveisdo Brazil (Narração dos jesuítas ao final do século XVI), inRevista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo94, vol. 148, Rio) naturalmente desatentos aos problemas doterrível massacre à fauna ictiológica, assistiram no Rio de Ja-neiro (pág. 477 e seguintes) a pesca de tainhas, peixes qcomumte ha porq os salgão e dão aos escravos. Os cardu-mes entravam pelo rio, vindos do mar, e não podiam voltar.Em escolhidos lugares estava unia tapagem de rama e estei-ras de canas. E quando ali se põe o peixe, a um determinadoinstante, as pessoas dão lhe em sima có o barbasco (o grifoé nosso) q he mto e grádes feiches e assi embebe dão e

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    depois o frecham có fisgas Redes e a mão os tomão e he tãtaa cantidade q matão ~ vi por vezes perto de duas mil pessoase ó canoas ao matar e fazere m diligecia po salgar.

    Ante o morticínio, é lamentado esse tipo de pescaria,por acabar-se perdendo muito peixe...

    O capuchinho Claude dAbbeville, que andou peloMaranhão em 1612, talvez por não ter prestado mais aten-ção a todos os modos de como pescavam os índios, nãorefere que os tupinambás se acudissem do barbasco paratontear os peixes. Porém relata com bastante precisão comoeram esses índios muito diligentes em usar anzóis, em fis-gar o peixe-boi, e a utilizar armadilhas feitas de pedras,madeira, galhos, erguidas na embocadura dos pequenosrios, apanhando os frutos do mar que ficavam presos pelorefluimento da mare. (História da Missão dos PadresCapuchinhos na Ilha do Maranhão, Livraria Martins Edi-tora, São Paulo, S. d., pág. 241).

    Os índios, contemplados pelo francês, usavam de todasas artimanhas possíveis para pescar. Faziam com que os pei-xes, assustados, saltassem dentro de suas embarcações. E nosconta, numa passagem, que nos leva a pensar aplicassem obarbasco: As vezes procedem de outro modo: batem náguapara que os peixes subam à tona; os outros então mergulhamjoeiras de peneirar farinha ou grandes cabaças vazias, e tãohabilmente fazem que apanham muitos peixes.

    Mas J. B. von Spix e C. F. P. von Martius (Viagem peloBrasil, Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1938), 3o volumepáginas 176 e 177) viram como nenhum outro visitante ilus-tre O ato de tontear, ou tinguijar o peixe. E já aqui não hácomo continuar falando na aplicação de barbasco. É o leitede uma euforbiácea, a Assucú, que os índios vão recolher empotes para lançar na porção dágua represada, onde se mexesaltitante, grande população de peixes. Esparramado o suco

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    leitoso, assim mesmo dito, em diversos lugares sobre a água,logo os silvícolas dão de mexer tudo com paus compridosApenas havia passado uns 10 minutos, os peixes todos, numainquietação cada vez maior iam e vinham de um lado para ooutro. Afluíam constantemente à tona, pondo a cabeça forada água, batiam com a cauda, e alguns dos maiores e maisfortes pulavam tão alto, fora do regato, que uma parte delescaia na margem, outros punham-se a salvo, com felicidadesuperando a represa...

    Encurtando: os peixes tinham as membranas das guel-ras todas abertas e pareciam inconscientes e inertes, pois dei-xavam-se agarrar pelos índios, que entravam na água. Antesde flutuarem completamente imóveis, virados de barriga paracima, revolviam-se tontos de um lado e de outro. Estranha-mos ver em todos os peixes, postos em seco, uma extraordi-nária dilatação das pupilas, condição que, pelo teor químicodo látex, nos fez deprender que o envenenamento, come-çando talvez com a perturbação do processo respiratório, secompleta afetando o sistema nervoso. Foram os peixes, afinalcomidos sem inconveniente algum.

    Estava-se longe de compreender possivelmente todo opoder mortífero das plantas ictiotóxicas. Não nos cabe aqui oaprofundamento do tema, mas vale referir todo o elenco des-sas terríveis plantas, cultivadas ou espontâneas, de nosso ter-ritório geográfico, portadoras dos mais variados tóxicos:sapotoxinas, rotenona, hidrato de degulina, toxicorol, rianinarianetina, etc.

    A quantidade de plantas ictiotóxicas à disposição dasgentes do Brasil sempre foi alentada, não ficando apenas notingui (Mascagnia Regida, Griseb; ou Bailliera aspera,Aubl.). De verdade (Veja-se, para maiores detalhes O Estadodo Pará, Paul le Conte, Cia. Editora Nacional, 1945), alinham-se como plantas tóxicas, de utilização em pescarias, o

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    Saboneteiro (Sapindus saponaria L.); Timbó macaquinho(Lonchocarpusnicon Aubi., Benth); Timbó-urucúLonchucarpus urucu Kitlip e Smith); Timbó-assú (Lerrisguianensis Benth); Timbó peixe (Paullinia pimenta L.);Conabi (Clibadium surianamense L.); Timbó do campo(Teplitosia brevipes, Benth.); Tingui (Balffiera aspera,AubL); Cunabi (Ichtyothera cunabi Mart.); Assacú (Hurabrasiliensis, Wil.); Conabi (Phyllanthus conani, Aubi.Mueil) Timbó venenoso do Pará (Lonchocarpusfloribundis, Benth); Timbó massa (Derris negreusis,Benth); Cipó cururú (Echites cururu, Mart.) e o Mata-ca-chorro (Ryania acumata, Eiche.), etc.

    No Ceará possuímos as seguintes plantas ictiotóxicas:Mata-fome (Panilinia elegans, Caub); Panilinia pinata,Linn); Sabonete (Sapindus saponafia, Linn.); (Sapindusmarginatus, Wildd.); Tingui (Magoni glabrata St. Hill.);Tingui da praia (Buddlela braslilensis, Jacq); (Buddlelacounata, Mart.) também conhecida por verbasco; Tinguiverdadeiro (Mascaglia cartacca, Lefg); (Macagnia rigida,Griseb.). (Anotações tomadas às Plantas do Nordeste, Es-pecialmente do Ceará, Renato Braga, Imprensa Oficial, For-taleza, 1953.)

    Acrescente-se que a legislação comunitarista no sé-culo passado proibia fossem jogadas ramas de Melão deSão Caetano (Mmordica Charantia, Linn.) em poços, a inu-tilizar-lhe as águas. Não é esclarecido se esse procedimen-to tinha por objetivo tornar mais difícil a respiração dospeixes, ou se decorria do excesso de zelo das lavadeirasao desejo de obterem roupas mais limpas (o que nos pare-ce discutível tamanha preocupação), usando aquelas ra-mas para alvejá-las.

    Mas se no meio rural as ditas ramas são aproveitadas nointerior das casas para afugentar as pulgas (Renato Braga,

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    o. c., pág. 356), por que não imaginá-las com algum efeitotambém iddiotóxico?

    De um modo genérico o estatuto legal dos municípios,no século passado, só se refere de preferência ao tingui, dan-do-o de uso interditado a poços, lagoas, rios, etc.

    Entende-se, no entanto, que era ele o ictiotóxico demaior aplicação, o que não quer dizer que, pelo menos entrenós não fosse usado o Assacú, o Mata-fome e o Sabonete.

  • 37LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    O EXERCÍCIO DO TINGUIJAMENTO MEDIDAS COERCI-TIVAS ONDE ENTRA A CIÊNCIA DE FREIRE ALEMÃO

    A SAPONINA

    Não se faz necessário maior esforço de raciocínio paraentender que a pesca, sob utilização predatória de plantastóxicas, era artifício de uso generalizado pelo menos nascomunidades que se cercavam delas, descobertas natural-mente ao acaso e admitidas na prática ictiotóxica até que, aum princípio mesmo instintivo de prevenir a mortandadeem excesso o legislador compreendesse a necessidade desuprir a autoridade com estatuto capaz de evitar osdesmandos cometidos.

    A prática abusiva, de uma maneira ou de outra, não seperdeu no tempo. Venceria a todos os obstáculos impostospela lei, chegando praticamente aos nossos dias.

    O Sr. Irineu Pinheiro (veja-se o artigo Poços dáguasPerenes e Pescarias por tinguijamento, in Revista do Cea-rá, Tomo LVI ano LVI, Empresa Editora Fortaleza Ltda., Forta-leza, 1942, página 240 e seguintes), contemporâneo nosso,revela que nos fins de ano, ao começo deste século, os quedispunham de poços que demoram no final das águas, costu-mam tinguijá-los para pescarias. Tenho assistido mais de umavez ao original processo por tinguijamento. Original e nocivo,por que mata, indistintamente os peixes grandes e pequenos.

    Adiante dá a descrição de como ocorre esse tipo de pes-caria: De manhã, muito cedo, antes do nascer do sol, entram

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    no rio os pescadores, cada qual a levar na mão esquerda umaCuia cheia dágua com raspas de raiz de tingui capeta, a agi-tar com a mão direita a mistura até fazê-la espumar.

    Atiram depois na superfície dos poços a espuma, seme-lhante à do sabão, espalhando-a cuidadosamente.

    Alguns dos pescadores caminham de vagar, a água aatingir-lhe a cintura, o peito; outros, numa rápida braçada,num nado curto, sempre a cuia à mão esquerda, atravessamuma parte mais funda para tomarem pé logo adiante.

    Após uma hora, mais ou menos, começa o peixe a be-ber, e a embebedar-se, isto é, a envenenar-se.

    Pegam-no à mão, ou em landuás, vasilhas formadas porum arco de cipó-de-rego, de uns cento e oitenta centímetrosde circunferência, ao qual se prende uma rede de malhas, àmaneira das de uma tarrafa. Essa rede, que é afundada e feitacom fios de algodão, mede cerca de meio metro de pro-fundidade.

    Explica linhas à frente: Não se deve confundir o tinguicapeta, no dizer popular, ou tingui glabrata cientificamente,uma árvore de porte elevado do mesmo nome, muito nocivoao gado, que dele se alimenta na época das estiagens.

    E faz outra revelação: a de que, na primeira décadade 1900, costumavam muitos cratenses, anualmente, assistirao tinguijamento dos poços do rio Canús, em Quixadá, dis-tante do Crato, cerca de doze léguas.

    Segundo o memorialista, dava-se o estranho exercíciopor motivo de reunião também social, ocorrendo danças en-tre os que simplesmente iam assistir ao tinguijamento e,como é óbvio, aproveitando a coleta de peixes que acabavapossibilitando divertido repasto.

    Tudo indica que até o ano de 1840, aproximadamente,não havia preocupação, por parte do legislador, em proibir otinguijamento de rios e poços.

  • 39LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    A resolução n.0 329, de 19 de agosto de 1844, por exem-plo, sancionada pelo presidente de província, José Maria daSilva Bitencourt, atinha-se a obstar a lavagem de roupa, oude qualquer objecto que concorresse para putrefação daságuas nos lugares que não teem esgotadouro..., assim comofazia proibidas as cercas e plantações em roda das agoadaspúblicas, bem como a edificação de casa, quando a distânciadas mesmas às margens não exceder pelo menos a 60 pal-mos. (artigos 71 e 72)

    Dois anos depois, o legislador provincial dá de se preo-cupar com a sorte dos peixes, talvez porque estes já nãoabundassem como antes nas refeições oferecidas às autorida-des que demandavam o interior.

    Algumas medidas coercitivas iriam ser tomadas logomais, como a que se insere no art. 22 da Resolução n.0 373,de 23 de agosto do ano em causa, ao tempo em que presidiaa Província Ignacio Corrêa de Vasconcellos:

    Proibe-se fazerem-se armadilhas de apanhar peixe, aque chamão Pary , ou tapagem, em qualquer dos riosdeste município (Granja); e só poderão fazer taes armadi-lhas nas partes que não distem mais de um quarto de legoadágua salgada...

    E, por volta de 1848, está interdito também o se dar debeber aos animais, cavallos, e fazer lavagem de roupa nasfontes públicas, principalmente quando desta é que se valemos habitantes para saciar a sede.

    Governa a Província o Sr. Fausto Augusto Aguiar. É ele,salvo a existência de documento em contrário, sancionandoa resolução n.0 474, de 19 de setembro desse ano, do códigode posturas da Vila de Canindé, quem estatui expressamenteno art. 19:

    Prohibe-se deitar tingui nas lagoas, ou poços de aguadoce em todo este município, assim como em tempo de secca,

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    desfazerem-se as furnas, que ficam em alguns poços, paratirar os peixes que nellas se ocultão.

    Os contraventores pagavam a multa de trinta mil réis.Daí por diante torna-se evidente a preocupação da au-

    toridade em manter defesos os peixes e livre de contamina-ção as águas de serventia pública, mas ainda sem a coragemde Suspender em definitivo a prática nocivo do tinguijamento.

    Tanto isso é procedente, que as posturas da Câmara mu-nicipal de Cascavel (Resolução n.0 502, de 28 de dezembro de1849), não obstante proibirem em seu artigo 44 o tinguijamentodas agoas das lagôas e possos (sic) dos rios deste município,abriam exceção para o uso do Cipó macaco, exigindo que osproprietários das terras onde estivessem tais possos, o permitissem.

    O cipó de macaco (Stenolobium coeruleum, Benth),leguminosa papilionada, é, segundo Renato Braga (o.c., pág.291) trepadeira alta, com flores azuis, pequenas, em racimoslongos. Pouco, sobre ela, acrescenta o agrônomo cearense,a não ser que no Ceará, é indivíduo vegetal frequente nasque bradas das serras secas.

    No entanto, na Enciclopédia Brasileira Mérito (Vol. 5Editora Mérito S.A., São Paulo, 1957, pág. 469), está dito obje-tivamente que o cipó de macaco é o Stenolobium velu-tinatum, Benth, planta de flores roxo-escuras, muitocompridas, tendo o fruto em forma de vagem. Considera-setóxico para os peixes. Também chamada timbó-das-pira-nhas e tingui-das-piranhas.

    Ao avançar do século, não demora o legislador em setornar mais atento ao problema. A partir de 1851 já não éconcedido favor a esse cipó, que talvez não fosse um ictiotóxicotão destruidor como o próprio tingui, isto é, a loganiacéaBuddleia coonata, Mart., também conhecida por verbasco.

    A resolução de n.0 546, do dia 13 de novembro de 1851da Câmara Municipal do Riacho do Sangue, ainda que desau-

  • 41LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    torize o tinguijamento em todos os poços, abre exceçãopara os asçudes (sic) que forem bem cercados, onde nãopossão beber animais vaccum, e cavallar.

    Aos poucos, vai-se encorpando disciplinador contrárioà utilização de tóxicos na pesca.

    Ao tempo em que presidia o Ceará o Dr. Joaquim Mar-cos de Almeida Rego (1852), é sancionada por S. Exa. a Reso-lução n.0 580 (15 de outubro), de posturas da Villa da Barrado Acaracú, bastante objetiva no art. 19: Prohibe-se deitaiTingui nas alagôas, e poços dagoa doce deste município. Oscontraventores pagarão a multa de 10$000 réis para o Conse-lho, ou 8 dias de prisão.

    O artigo seguinte explicitava mais que pessoa algumapoderia lavar-se, dar agoa, lavar animaes, roupa, e fazer pes-carias dentro das ipueiras, poços, tanques e cacimbas des-tinadas para bebida pública, e particular.

    A dita resolução, em razão da própria atividade pes-queira da região, exprime maiores e mais fundadas preocu-pações em torno da utilização de armadilhas, principalmenteo curral, que concorria para suprir a população de alimento.O art. 40 adverte que todo o pescador de curral de pesca,guardará entre uma e outra carreira a distância de 4 e 5 delégua pelo menos, tendo de espia o curral de terra 40 braças,e 30 de fundo. Seguia-se outro artigo, o de número 41, proi-bindo pescar-se de linha nos mezes de outubro até marçoentre uma e outra carreira de curraes, assim como nas espiasdos mesmos, em razão de espantar o peixe grosso que temde ser pescado nos curraes: os contraventores pagarão a multade 2$000 rs. para o Conselho, ou 4 dias de prisão.

    Adiante, o art. 43 completa esse elenco de interdições:Nenhuma pessoa poderá atravessar o rio dagoa doce navazante com cercas de varas para prohibir o commercio dopeixe, e retendo nos poços de seu domicilio, assim como

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    também não o poderá nas enchentes, a fim de não impedir ocurso do peixe que tem de entrar para os rios.

    Os transgressores pagavam 10$000 réis de multa... ouamargariam 8 dias de cadeia.

    Freire Alemão Sobrinho, em Relatório que encaminhouao Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, achegamais informações sobre plantas, de modo geral tóxicas, e, emparticular, das ictiotóxicas que nos interessam agora, con-forme transcrição que tomamos a Thomaz Pompeu de SouzaBrasil (Filho) O Ceará no Começo do Século XX, Fortale-za, 1909, pág. 133 valendo reproduzir-se antes o próprionarrar do autor a respeito de como se dava a pescaria complantas venenosas: Sendo usado o processo de pesca enve-nenando ou embarbascando as águas, empregam os Cearensesmuitas Plantas como tinguis. Fazem-se estas pescarias nosdepósitos dagua que ficam durante a secca pelo leito dosgrandes rios da província, ou nas lagoas, que com elles co-municam. E nos anos de aturado e vigoroso inverno (chuvascopiosas), que esses sitios se tornam piscosos. A razão é aseguinte. Quando as chuvas do tempo próprio têm alagadotodos os terrenos do Ceará, quando os rios correm com gros-so volume de aguas, as lagoas, os açudes sangram; e as mes-mas ypueiras, os banhados adjacentes poem-se emcomunicação com essas grandes esteiras fluviaes, que procu-ram as partes superiores dessas torrentes, chegando quasi atéàs suas nascenças. Peixes do mar, que habitam as barras ex-cessivamente pis. cosas dos rios da província, sobem para adesova, e quando de junho a julho as comunicações dosdifferentes depositos de agua se acham cortados, os açudes,as lagoas, os poços, os banhados conservam não só peixesde agua doce, como muitos do mar, que não descem a tem-po. É deste modo que todos os depositos da agua tanto dolitoral como do interior do Ceará se acham em condições de

  • 43LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    fazerem-se nelles productivas pescarias pelo decurso do ve-rão. Reservam o emprego dos tinguis para os banhados,ypueiras ou pequenos poços, seguindo nas grandes lagoasoutros processos menos nocivos (grifamos) de pescaria.

    Seguem-se as palavras do botânico: São estimados,como ichtiotoxicos energicos, a tintatúba ou tamboril (enterolobinm), cuja casca é a parte procurada: o araçá de tinguijar,especie de diospyros, de que tomam a rama. Menos activosse dizem o guardião (bryonia), o tatujá (sycios); a catáia, ocipó de macacos (stenolobinm velatinum, Bth.), denomi-nado tingui de piranhas por supporem-no affectar especial-mente aos serrasalmos; a casca do sapindus comestivel(pitombeira); a casca e fructos do saindus desvaricado; arama da jatropha, que produz a gomma elastica; a de umaespécie de canavalia (fava de rama). Em terceiro gráo deefficacia coilocam os Cearenses ao mossambê, a herva moira,e a uma espécie de polygonum, que chamam fumo bravo. Otingui de bolas passa por ter a propriedade de alimpar asaguas dos poços as quaes depois de seu emprego tornam-seclaras, límpidas e potaveis. Esta planta parece pois ter as qua-lidades do nirmuli da índia (strychnos potatorum. L. F).

    Como quase todos os ictiotóxicos produzem a saponina,indaga Freire Alemão Sobrinho (o. c., pág. 135): Será pois asaponina o principio toxico destes tinguis? E adiante escla-rece a tempo: A classificação de ichtyotoxico não deve fazersuppor que os tinguis sejam nocivos a toda a sorte de animal:mesmo aos peixes muitos delles, mesmo dos fortes, nãomatam e somente entontecem. Alguns tinguis são plantasforrageiras, como a maniçoba, a fava de rama. Os fructos dodiospyros, que são empregados para tinguijadas no Cearánão são comestiveis: ha porém uma outra especie do mesmogenero, cujo fructo denominado marmelada é appetecido pelagente dos Carvris. (o. e., págs. 135 e 136).

  • 45LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    A CIDADE DA FORTALEZA EM CRESCIMENTO SALU-BRIDADE PÚBLICA TRIBUTOS SOBRE A PESCA O

    TINGUIJAMENTO OBSTATO

    Quando a cidade da Fortaleza entra na década de 1860-69, impõe-se ao administrador a necessidade de dispor demelhor código de posturas para a ação de sua câmara muni-cipal, bem ordenado e diferindo de providências que, mes-mo em caráter oficial, eram antes tomadas de modo parcial.

    A cidade debate-se por esses dias numa moldura pro-vinciana, mas cresce a preocupação pela edificação de casasde um ou mais andares; preconiza-se a regulamentação donivelamento do calçamento sem rampa ou batente, de umacasa para outra; o alinhamento é exigido de modo perem-ptório, e proibido andar-se a cavallo pelas calçadas, assimcomo esquipar ou correr neles pelas ruas. Quem possuicarro de luxo, deve trazer lanternas acesas ao transitar; sãocondenados os costumes e salgadeiras fora dos lugares de-signados pela Câmara; e os confeiteiros eis aí estatutorealmente importante para o tempo não podem pintar osseus doces e massas com oxydos, ou saes de metaesdeleterios, como cobre, mercurio, chumbo e outros, assimcomo é interditado o lançar-se imundicias ou entulhos nostanques e aguadas públicas.

    Praticamente, a esse instante, o legislador principia a seinteressar pelas condições locais de abastecimento da po-voação. Há nítida preocupação pela defesa da saúde da co-

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    munidade, não sendo tolerada a estagnação das águas, comose vê pela Resolução n.0 1162, de 3 de agosto de 1865 (art.59), que pretendia desobstruído o Pajeú:

    Os moradores da rua do Mercado são obrigados a lim-par o riacho que corre pelos quintaes de suas casas, quandoforem avisados pelo Fiscal.

    A salubridade pública é então considerada pela autori-dade. Em artigo de n.0 44, não autoriza ninguém ter nas casasfornos de cozer ou torrar tabaco, fabricas de destillar aguar-dente, de sabão, azeite ou quaesquer outras, em que se tra-balhe com ingredientes que exalão vapores quecorrompem a atmosphera (Grifamos), e só serão permiti-das rios arrabaldes ou suburbios com licença da Camara.

    Em artigo posterior é explicitado: ferreiros, caldereiros,fundidores e latoeiros são obrigados a dar sahidas ao fumodas forjas, por canos ou chaminés que se alteiem sobre osedifícios visinhos, tanto quanto seja necessário para que avisinhança não seja encommodada.

    Também os comerciantes não podem mais manter ar-mazens e depositos de couros cortidos, carne e peixe salga-do e outros generos que possam infeccionar a atmosphera(grifamos), pois estes deverão ser arejados e conservadoscom limpeza.

    A 20 de novembro de 1870 é aprovado novo código deposturas para a câmara municipal da Capital, com 87 artigosem oito capítulos, seguido de regulamento com 2 capítulos e28 artigos, ato assinado pelo desembargador João Antônio deAraújo Freitas Henriques, presidente da Província.

    Há um zelo mais acurado, diga-se a tempo, pelo aspec-to do casario, a começar do que vai expresso no art. 15: Nomez de junho de cada anno todos os proprietarios mandarãocaiar as frentes de suas casas, ainda mesmo coloridas ouguarnecidas. Esta disposição se faz extensiva às casas já exis-

  • 47LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    tentes, cujas frentes não estiverem de conformidade com aspresentes posturas, isto é, com trapeiras, alçapões e aguasfurtadas na parte do telhado, desaguando para a rua, oucom portas, janelas, postigos e vidraças abrindo para foranos pavimentos terreos.

    No capítulo IV vêem-se normas estipuladas a favor dasalubridade das casas, quintais, ruas e esgotamentos, proi-bindo o criatório de porcos, medida que alcança a arrabaldese povoações, e que vai obstar a existência de cloacas e mon-turos nos quintaes das casas, desautorizando também o des-pejo de materiais fecais, a não ser na praia do porto dasjangadas para baixo, e da ponte de desembarque para cima.

    Quem pretender lavar roupa de pessoas acommettidasde molestias contagiosas terá de fazê-lo na foz do ribeiroJacarecanga.

    Seguem aprimoradas, no capítulo V., outras disposiçõesquanto à utilização de açudes, riachos, fontes, ou aguadas edistribuição dágua potável para consumo, indo-se ler ao art.49 que proprietários de terras do Alagadiço Grande, Urubu eJacarecanga são obrigados a ter sangradouro nos açudes outapagens com largura de um metro, e a conveniente pro-priedade, segundo a força do inverno e condições do açude.

    As levadas de toda e qualquer corrente dágua devemmanter-se limpa a enxada.

    Se na legislação anterior, desde que com condutor oupastor, era possível manter-se animal no perímetro urbano jáagora a exigência vai além, ficando proibidos os curraes devacas e bois dentro da planta da cidade, não se permitindoao menos o se crear ou conservar gados nem nos arrabaldes,povoações do municipio, logares alagadiços e serras.

    Em 1879 (Resolução n.0 1.818, 10 de fevereiro), conti-nuam os proprietários compelidos a mandar caiar ou rebo-car as frentes de suas casas; não sendo admitidas, desde ai,

  • 48 EDUARDO CAMPOS

    residências sem numeração. Pelo art. 64 torna-se termi-nantemente efetivada a interdição de se pintarem doces oumassas com acidos ou saes de metaes deleterios, como co-bre, chumbo, mercurio e outros, o que não inova muito oque restringia antes, a não ser, o que obriga a seguir, a nãoutilização de panelas e outras vasilhas de cobre sem seremestanhadas ou esmaltadas.

    Os currais de pescas estão à margem da lei. Há maiorcuidado em só se consentir o funcionamento de fabrica dequalquer natureza, cortumes, salgadeiras, serrarias e pren-sas de algodão a vapor (grifamos) ou por qualquer outrosistema aos lugares designados pela Camara.

    Menciona-se aí, a vez primeira, possível apropriação deequipamentos movidos a vapor, melhoria técnica que nemsempre acontece sem restrições.

    Nessa extensa resolução de 133 artigos, destaca-se o denúmero 30, que dá conta de existir na Câmara Municipallivro em branco, numerado, rubricado e encerrado devidamente, o qual será franqueado a quem for denunciar ou avi-sar a existência de qualquer imundícia afim de nelle se lançardactado e assignado denuncia ou aviso.

    Oito anos depois, ao fixar receita e despesa das CamarasMunicipais para o ano de 1887 (Resolução 2.134, de 22 dedezembro de 1886), já é evidente a existência de fábricas desabão, cerveja e licores, assim como as de charutos, cigarros,etc., não sendo raros equipamentos movidos a vapor, poisestes também são encontrados funcionando em Aracati, ondepagam, 5$000 réis de imposto; assim como em Maranguape,ali cobrados à razão de 10$000 réis por machina ou enge-nho, do mesmo modo acionado.

    A Câmara de Imperatriz taxa em 5$000 réis a maquinamovida a vapor; e igual taxa é cobrada pela Câmara de Mecejana,enquanto a de Soure se compaz com apenas 200 réis.

  • 49LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    Sucedem-se taxações bastante curiosas como a que ocor-re para o rendimento das praças do Ferreira e José de Alencar(na Capital), a saber: 40 réis por cuia, bandeja, cesto,taboleiro ou outro objeto que entrar nas ditas praças comgeneros de qualquer especie e nellas for exposta à venda:20 réis sobre cabeça de gado vaccum, cavallar ou muar,que ali estacionar (o grifo é nosso).

    A pesca, exercida quer na Capital, quer em muitos mu-nicípios do interior, não passa incólume à taxação. A Câmarade Acaraú cobra 5$000 réis de cada rede de arrasto; 2$000réis, de cada jangada de pescaria, e 80 réis sobre cada 15kilos de camorupim para consumo.

    A Câmara de Cascavel tem 200 réis de cento de peixede espinha virada e 40 réis sobre cada peixe grande, 4$000réis é o imposto de uma rede de arrasto, o mesmo que recaisobre jangada grande. Esta, sendo pequena; concorre ape-nas com a metade do imposto.

    Em dado momento, em algumas cidades, já não impor-ta apenas cobrar o imposto sobre o emprego de redes dearrasto. É como se dá em Aracati (Resolução n.0 1.391, de 2de janeiro de 1871), art. 19: Fica prohibida a pescaria derede de arrasto, curral ou outra qualquer armadilha, no rioPirangi, a começar da barra até o ponto que serve de limite aesta freguezia com a de Cascavel.

    Tem-se a impressão de que por esses anos o peixe nãomais existe farto como antes; ainda assim a carne verde pra-ticamente não é vendida para os habitantes do lugar, hábitoque vem até nós, como testemunhou Pierre Denis (O Brasilno Século XX, Editora José Bastos & Cia, S. d., pág 302): Osertão vende os seus bois para as serras, onde a população émais densa. Na serra, os açougues abundam. Coisa extranha,o sertão, região creadora de gado, não consome carne; naserra, região agrícola onde a creação de gado se desconhece,

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    é geral o seu uso. Do número de bois levados às feiras deBaturité, as mais importantes de todas, um terço vae para oabastecimento da capital, um outro terço segue em caminhode ferro até ao porto de Camocim, onde embarca com desti-no ao Pará; o terço restante é destinado à serra de Baturité.

    Se não é verdadeira a assertiva, mesmo porque é cons-tatada já no início do nosso século, tenha-se sob a atençãodevida as medidas acauteladoras de algumas câmaras munici-pais, como a de Cachoeira (Resolução n.0 1.532, de 7 deagosto de 1873): As pescarias no açude desta villa só po-derão ter lugar nas terças, quintas e sextas-feitas, e o pesca-dor só poderá pescar uma vez por dia, pela manhã ou àtarde Aos contraventores, dois mil réis de muita e o duplona reincidência.

    O legislador, entende-se, funcionava de acordo com osindicativos de abundância ou não de pescados. Em 1874, porexemplo, o Barão de Ibiapaba sanciona resolução de n.0 1.614cujo art. 10 é expressivo a respeito do que se comenta: Ficaderrogado o art. 7 da lei n.0 1.391 de 2 de janeiro de 1871,que prohibia pescarias com rede no rio Jaguaribe.

    Já se dá o contrário em 1890, no Município da União,quando é proclamada através de decreto (n.0 14, de 24 de abrilde 1870) art. 2:, a proibição de pescar-se no rio Jaguaribe, quandosuas aguas estiverem correntes. Os infractores serão multadosem 10$000 ou 10 dias de cadeia, e o dobro nas reincidências.

    Os parágrafos 1 e 3 interditam o uso de quaesquercercas no leito dos rios Jaguaribe e Campo Grande, quandoestes correrem.

    O tinguijamento é obstado, como lavagem de fatos ouintestinos de gados dentro do rio, bem assim, lançar no mes-mo entulhos ou matos que danifiquem as aguas.

    Verdade é que os indivíduos da fauna ictiológica vãorareando em alguns lugares. Moura Brasil, na Revista da Aca-

  • 51LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    demia Cearense, 1912, tomo XVII, pág. 152, transcreve par-te de documento, de João Baptista de Azevedo CoutinhoMontaury (Notícia Geral da Capitania do Seará Grande,extraído da coleção Studart: Havendo no Seará immensidadede tartarugas, de que a preguiça, ou talvez a negligencia dosHabitantes, os não deixa utilizar para o comercio, conten-tando-se conhecer o proveito, que da sua pescaria se podetirar, se augmentaria este ramo de comercio, e consequen-temente os Direitos Reais, que lhe poderiam impor.

    A tartaruga, tudo indica, por volta de 1870 ainda é pratoà disposição da mesa cearense. Pelo menos o mestre-cucaIgnácio Ferreira Sucupira, morando em Fortaleza, com tendade tartarugueiro, situada na rua do Cajueiro, n.0 6, pelaspáginas do Jornal da Fortaleza, de 23 de dezembro de 1869,aonde vamos buscar essa informação, avisa aos seus clientesque apronta trabalhos inherentes à sua profissão por preçosbaratos, promettendo brevidade no aviamento de qualquerencommenda que será feita com perfeição. Ceará, 9 de de-zembro de 1869.

  • 53LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    CRIATÓRIO, INDICATIVO ESTATÍSTICO DE CIDADES QUECRESCEM ONDE ENTRA A SABEDORIA DECAPISTRANO DE ABREU AS OFICINAS AS

    PROIBIÇÕES DE SALGADEIRAS

    O criatório, representado pelas fazendas de gado va-cum, que confluem com a parição de bezerros a assinalara estatística do desenvolvimento da região, sem dúvidaalguma a meados do século XIX é seguro indicador davida de cidades, povoações e vilas do Ceará, das quaismenos de dez, de seu total, poderão proclamar-se em evo-lução através de seus engenhos, como será o caso de Crato,ou de Fortaleza, onde os terrenos são próprios de agricul-tura, e os seus habitantes são na maior parte agrícola, sen-do limitada a criação de gado (grifamos). Pelo menos écomo está mencionado no Dicionário Geográfico e Es-tatístico da Província do Ceará, Thomaz Pompeu deSousa Brasil, Tip. Eduardo & Henrique Laemmert, Rio, 1861,pág. 38).

    Há cidades ainda, como Granja, de tríplice aplicaçãoprimária por esses tempos. A população divide suas ativida-des com a pecuária, a agricultura e a pesca. E se acaba saben-do que, em 1859, obtém exportação de couros da ordem de30.000 peças, (o.c., pág. 42).

    Mesmo quando se verifica maior aplicação industriai,como ocorre na vila de Lavras da Mangabeira, onde em 1858funcionam 44 engenhos de madeira fazendo açúcar e rapa-

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    dura, evidencia-se o se coletarem naqueles sítios 3.000 gar-rotes e 350 potros em 208 fazendas. (Ibidem, LIV).

    A História do Ceará está escrita com bastante nobrezade informação. Chega aos nossos dias construída sobre do-cumentos irrefutáveis, peças que muita vez, infelizmente, pordeficiência semântica pouco esclarecedora (ou minudente?)não aprofundam detalhes, com o passar dos anos exigidos.

    Capistrano de Abreu, em exatamente dez linhas, conse-gue tornar efetiva a nossa compreensão sobre o que o Brasiltodo passou a aceitar por civilização do couro: De couro eraa porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, emais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, aborracha para carregar água, o mocó ou alforge para levarcomida, a mala para guardar roupa, a mochila para milharcavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca,as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os banguêspara curtume ou para apurar sal; para os açudes, o materialde aterro era levado em couros puxados por juntas de boisque calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se taba-co para o nariz. (Capítulos de História Colonial 1500-1800) & Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil,5a. edição, Editora Universidade de Brasília, DF, 1963, pág.147). No entanto as dez expressivas linhas não explicam, datavenia, ou não contribuem, para dizer na exata como essatamanha determinante de situação nitidamente pastoril presi-diu em dado instante o nascimento, crescimento, e até a de-cadência de cidades e povoados.

    De verdade, em decorrência desse processo civilizatóriodo couro, passamos a dispor de ponderáveis condições, ine-vitáveis à formação de rudimentar urbanismo rural que se vai,aos poucos, apurando, se aperfeiçoando através de legislaçãonem sempre destituída de boa inspiração como transpareceem certos momentos e que chega a nos surpreender.

  • 55LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    Em tese para a postulação de livre docência (Universi-dade Federal do Ceará, disciplina História Econômica Geral)do prof. Geraldo da Silva Nobre (As oficinas de carnes doCeará: uma solução local para uma pecuária em crise,Gráfica Editorial Cearense, Fortaleza, 1976 (pág. 69 e seguin-tes) vê-se a evidência de pecuária desenvolvida sob rudimen-tos de industrialização, de tal modo pelos meados do séculoXVIII no Aracati, que faz com que o capitão-mor, Dom Fran-cisco Ximenes de Aragão, indo à presença de Sua Majestade,diga que naquelas paragens onde aportam os barcos que to-dos os anos, vão ali fazer carnes, assistisse um juiz ordináriocom um tabelião da Vila do Aquirás, enquanto os mesmosbarcos se detivessem naquele lugar (8 de janeiro de 1743), doque resultaria a ereção da própria vila, depois cidade.

    Não são mais de seis páginas esse valioso documentoem que contemplamos as providências urbanísticas, algumasde certo modo surpreendentes para o tempo, preconizandoa reedificação de prédios possivelmente arruinados, desdeque igualados todos ao perfil do casario, não se esquecendo,tomadas tais providências, de eleger locais para curral e ma-tadouro, tendo na escolha deles a reflecção de que fiquem asotavento da vila e junto ao rio para que não a ofendam omau cheiro, e poderem ter fácil vazão as imundícies (o.c.,pág. 71).

    São já casas de beneficiamento de carnes, formando oque se passou a entender por charqueadas ou oficinas, etudo o mais que de pronto vai se seguir antecipando a com-petição comercial, desenfreada, que eclode com as primeirasprovidências de zelo administrativo pela salubridade pública,esta aos poucos contemplada por estatutos legais enfeixadosem tradicionais resoluções que nada mais são, a dado instan-te, do que aclaradas e bem organizadas posturas de inspira-ção municipalista.

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    As oficinas ali instaladas, que inspiraram o historiadorGeraldo da Silva Nobre a elaborar lúcida quão expressivatese, ao final do século XVIII não resistem aos termos incisi-vos de auto de uma segunda audiência geral, requerida pelaVila do Aracati (ibidem, págs. 83, 84), responsáveis pelo ex-cesso de moscas que provocam (cobrindo a tudo em formade xusma) ,ao lado de efeitos dessa convivência negativa,causando condenáveis incômodos aos moradores não só noaseyo de Suas cazas e roupa, senão também na comida coti-diana que sempre he envolvida com moscas.

    Vai decorrer da apreciação da autoridade zelosa a or-dem por edital para que nenhúa pessoa introduza ossos nassuas casas, nem nellas fabrique manteiga, só se permitindoessa prática em locais que passam a ser designados. (ibidem,pág. 88).

    Pode-se perceber depois, em toda a legislação comunitá-ria do Ceará provincial, sempre assentes as disposições inter-ditando o trabalho de beneficiamento de couros ou o fabricode manteiga e outras gorduras no perimetro da planta decidades e povoações.

    Acrescente-se sem receio de cometer equívoco, que asoficinas acabariam por deixar saldo bastante favorável nainstitucionalização do zelo administrativo, municipal, em fa-vor da saúde das populações. Com elas chegam indiscutivel-mente à Província as normas mais severas e lúcidas de higiene,decorrentes de abusos cometidos.

    E já não é sem tempo, pois se vão tornando mais emvoga as salgadeiras. Aos couros de bois, curtidos de qualquerforma, em qualquer local, e depois postos a secar ao sol nafrente das casas, juntam-se também quantidades de peixesprecariamente salgados, procedimento que acelera odoresrealmente desagradáveis e insuportáveis à convivência dacomunidade em organização.

  • 57LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    As próprias câmaras municipais das grandes cidadestomam medidas restritivas à prática que se comenta, pelomenos é como vem dizer Gilberto Freyre (Sobrados eMocambos, Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1938, pág. 70),registrando que a Camara Municipal do Recife, nos primei-ros annos do Imperio (1833) limitava à rua da Praia a vendade carnes salgadas e peixes seccos, e o que está convertidoem estatuto legal, na Resolução n.0 1.162, de 3 de agosto de1865, da Câmara Municipal de Fortaleza, art. 34:

    É prohibido estender-se couros salgados nas ruas, epraças desta cidade, devendo ser estendidos somente na ruada Praia. O infractor incorrerá na multa de 8$000 réis, e omesmo nas reincidências.

    Na Secção II dessa Resolução (Dos cortumes, salgadei-ras, estabelecimentos de fabrica, depósitos, manufacturas, etudo que possa alterar a salubridade pública, e encomodar avizinhança.), tem-se obstado no artigo 41: Ninguém poderáestabelecer cortumes, salgadeiras, açougues e fabricas dequalquer natureza, sem previa licença da Camara. O art. 42proibe o funcionamento de cortumes e salgadeiras fora doslugares designados pela Camara, enquanto dispositivo se-guinte não permite no interior das casas, nas ruas desta ci-dade, deposito de sebo em rama, ou caldeiras para derretel-o,as quaes poderão trabalhar nos quintais das casas de modoque não encommodem a visinhanca.

    O sal não pode ser mais guardado no chão. Há de terestrado: aquele posto em cima deste, nunca a menos de 44centímetros do solo, distando a arrumação dois metros daparede do vizinho.

    De qualquer maneira já não Se admite por esses dias ocomprometimento do ar que se respire. O art. 47 é bastanteexplícito a respeito:... armazens e depositos de couros cortidos, carne e peixe salgados, e outros generos, que possam

  • 58 EDUARDO CAMPOS

    infeccionar a athmosphera, deverão ser arejados e conserva-dos com limpeza.

    Parágrafo único: Sendo encontradas mercadorias emputrefacção ou exalando mau cheiro, serão a juízo medico, ea custa de seus donos lançados ao mar ou enterradas.

    O infractor incorrerá na multa de 16$000 réis.As restrições ao manuseio livre, descuidado, do merca-

    do de carne, tomam corpo: começam a se afirmar em objeti-vos melhor orientados, por volta da década 1840-49.

    A Câmara Municipal da Vila do Crato, através de lei(199, de 22 de agosto de 1840) disciplina: as pessoas quecostumão matar gados para consumo desta villa, o deverãofazer no matadouro público, não podendo vender senão nodia seguinte ao em que fôr morta a rez...

    É também interditada a venda de carne salgada quenão tenha estado exposta ao sol pelo menos vinte e quatrohoras, incorrendo na multa de seis mil réis ou oito dias deprisão os que venderem taes carnes antes deste tempo.

    A autoridade vê com rigor os abusos cometidos, princi-palmente dos que, quer como marchante, quer como carni-ceiro, negociam carne verde ou secca com principio decorrupção ou podre.

    É de se entender que, anteriormente, esse tipo de comér-cio fazia-se de modo livre, sem restrições legais aos excessoscometidos. Uma ou outra vila, ou cidade, no entanto, já repu-diava o uso impróprio de poços, açudes, etc., para a lavagemde couros ou fatos de animais sacrificados em favor do abas-tecimento da população. A tanto prevalece lei de n.0 163, de31 de outubro de 1838, de Aquirás, dispondo em seu art. 14:

    Fica prohibida a lavagem de cavallos dentro do açudedesta villa no tempo em que elle não sangrar, assim comotambém botar-se couro de molho (grifamos) ou qualqueroutra cousa que torne a agua imunda...

  • 59LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO ECÚMENO RURAL E URBANO DO CEARÁ

    OS QUE TRABALHAM NUMA FAZENDA A LEGIÃO DOSPOBRES PÉS DE POEIRA VIVEIRO DE LADROES O

    PROBLEMA DA EDUCAÇÃO PROVIDÊNCIAS DOPRESIDENTE ALENCAR

    Charles Rybeyrolles (Brasil Pitoresco, 20 volume, 3o

    tomo, Livraria Martins, São Paulo, 1941, pág. 38), ao analisara situação das gentes que se empregavam na Casa Grande eno Campo detendo-se de modo especial na situação dosescravos, refere a existência numa fazenda, para múltiplasnecessidades operacionais, de tropeiros, amansadores (do-madores negros e mulatos que recordam os gaúchos); ra-ladores de mandioca, rendeiros, lavadeiras, mercadores,ambulantes, lenhadores, carreiros, condutores de liteira,vaqueiros, pescadores, caçadores e cesteiros. Uma grandefazenda é um mundo em estado primitivo. É o domínio e atribo dos velhos tempos. E que estranhas figuras, que curio-sos maltrapilhos!

    Não o disse apenas. Comprovou tão incômodas revela-ções mandando o leitor constatá-las nas estampas de VictorFrond, que lhe ilustrou o livro.

    João Brígido, o observador mais curioso da História cea-rense debruçou-se sobre ela muito interessado tambémquanto ao aspecto social do povo, usos e costumes, assinalan-do nas páginas atinentes às Modas, Folgares, Novidadesdo Tempo (o.c., págs. 239, 240 e 241) que a xila era um

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    algodão liso, fazenda muito popular para toda sorte de rou-pas, e que fuso e tear estão por toda parte, com o que nosdeu a entender, em tão parcimoniosas palavras, que, quemnão podia comprar tecidos comercializados, os urdia em casa,em sua própria choça.

    A falta de apreciações mais elucidativas, temos de acei-tar que numa população de quase 150 mil almas, a meadosdo século passado, houvesse no Ceará uma parcela de seupovo, deveras considerável, vestida pobremente. Muitos, co-bertos de andrajos, como os escravos.

    E deviam de suceder tais situações de penúria no trajar,pois em Resolução de n.0 533, de 18 de setembro de 1850, daCâmara Municipal do Icó, está dito no artigo 71: Ninguémpoderá mandar escravos a rua, sem que sejão vestidos deroupas, que lhes cubra o corpo, não sendo essas roupasesfrangalhadas (grifamos), sob pena de pagar o Senhor 1$000réis de multa.

    Essa postura municipal talvez se espelhasse na que ante-riormente era obedecida na cidade da Fortaleza (Resoluçãon.0 303, de 24 de julho de 1844), cujo artigo 69 especificava:Nenhuma pessoa livre ou escrava poderá entrar nesta Cida-de, ou percorrer suas ruas de camisa e seroula, pela imora-lidade e indecencia do trajo...

    Providência de indiscutível zelo policial, a favor do de-coro da comunidade, continuaria a vigir em redação maisadequada e procedente, em 1865 (Resolução n.0 1.162, de 3de agosto), art. 140: Ninguém poderá andar nesta cidadesenão vestido honestamente, trazendo pelo menos camisa ecalça, sem que deixe a vista parte do corpo que offenda amoralidade pública.

    A mesma indigência em todos os lugares. Os pés depoeira, aos quais se refere João Brigido, participantes dotroço de tropas que, ao aceno de qualquer conturbação polí-

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    tica, se formavam pelo interior da Província. Gente que nãosabe ofícios, não tem recursos, isto é, não tem dinheiro, enão pôde ter condições de renda para integrar-se na GuardaNacional. Gente para a qual o mais ativo dos presidentes,José Martiniano de Alencar, manda criar a Companhia deTrabalhadores (Auxiliadores da agricultura e obras públicas),regulamentada sob n.0 38, em ato do dia 2 de janeiro de 1858.

    Tentativa frustrada, naturalmente, mas muito bem in-tencionada, com dispositivos ajustados ao estado de parcaeconomia dos futuros servidores, sendo-lhes dispensados pormotivos óbvios o uso de qualquer tipo de uniforme.

    Antecipando-se ao princípio de acudir o homem emsua própria comunidade, só recentemente observado pelaSUDENE e governos estaduais do Nordeste achacados pelodescompasso climático, tinha expressivo art. 15:

    Os mesmos trabalhadores só poderão, em regra,ser empregados em serviço dentro do seu município,ou nos limitrophes (grifamos) salvo se voluntariamente seprestarem ou engajarem para trabalhos em quaesquer ou-tros; ou se o presidente da província, por motivos de mani-festa utilidade publica, e para dar impulso a alguma obraimportante, assim o determinar.

    Não vai cessar a atenção dos administradores pela sortedos desocupados, de quem não sabendo nenhum oficio, sim-plesmente se transformam em malandros, aumentando oscuidados da segurança policial.

    Tanto é verdade que, ainda em 1885, na vila do BrejoSeco (Resolução n.0 2.115, de 17 de dezembro), prossegue aatenção do poder público para esse tipo de problema, deci-dindo no Capitulo III Da Lavoura, Art. 17: Os habitantesdeste município que não tiverem outro meio de vida co-nhecido (grifamos) são obrigados a cultivar a terra pelo menosum roçado durante o inverno, que ocupe um terreno de 200

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    passos em quadro. Os infractores serão multados em 2$000réis e o duplo na reincidencia.

    A inquietante questão vem de muitos anos atrás, nãosendo raras as posturas autorizando providências que dêemcobro aos seus efeitos