Lei 11.645

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Lei nº 11.645

História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no Currículo

Como Trabalhar?

I- O QUE DIZ A LEI? Art. 1o

O art. 26-A da Lei no 9.394, da LEI Nº 11.645, DE 10/03/2008 e 20/12/1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 26-A

Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

II- TANTAS MENTIRAS QUE PARECEM VERDADES...

a) É índio ou são povos indígenas? A questão desse índio “genérico” impõe a necessidade de se conhecer a diversidade

cultural, étnica, histórica, lingüística e antropológica dos povos indígenas no Brasil. Não é “índio do Brasil”, mas são “povos indígenas no Brasil”. O Brasil é que surgiu, enquanto nação, após a anterior existência dos índios neste território ou nestes territórios. Há grupos étnicos que habitam mais de um país, como os Guarani, que ocupam não só o Brasil, mas a Argentina, o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai.

Devemos nos referir aos Terena, aos Kaingang, aos Pankararu, aos Fulniô, aos Saterê Mawê, etc. (e não aos “índios”), que são completamente diferentes uns dos outros: na língua, na religião, na cultura, nos modos de sobrevivência, no processo histórico de contato com a sociedade não indígena,na cosmovisão, etc.

b) Foi descoberta ou invasão? É necessário proceder a uma revisão histórica das “grandes navegações” (a

globalização de outrora) e a conseqüente “descoberta” do “novo” mundo. Os povos indígenas já aqui estavam e eram os verdadeiros donos destas terras. Os portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses, franceses, etc. é que invadiram a África, Ásia e América, que já tinham seus povos milenares.

Recentemente, novos estudos arqueológicos e históricos têm nos levado a re-

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escrever a nossa “pré-história”.

c) Os índios são aculturados? Do ponto de vista antropológico nenhuma cultura é “pura”, pois todas estão em

permanente contato e interação, dada a globalização, o que produz mudanças em todas as culturas. A questão é que algumas culturas, por serem produzidas por povos econômica, política e militarmente dominantes, subjugam as culturas produzidas por povos em situação econômica, política e militar inferior. O que se produz então é a hegemonia de determinadas culturas – no caso, ocidentais – em especial, as européias e americana, sobre as culturas minoritárias.

Todas as culturas se transformam e se influenciam permanentemente num processo que chamamos de interculturalidade. O problema é que a interculturalidade não é neutra. Há culturas que são hegemônicas e que tendem a abafar e destruir as culturas minoritárias, usando a língua, a religião, o mercado, a ideologia para se afirmar como a única cultura, a mais importante, ou a mais avançada

d) São povos do passado? Costuma-se ainda apresentar ou imaginar os índios como povos antigos, em

processo de extinção, que viviam nus, da caça e da pesca numa floresta exuberante, à beira de um caudaloso rio.

Nada mais fantasioso e longe da realidade dos povos indígenas reais do Brasil de hoje: eles estão em franca recuperação demográfica na sua grande maioria (fora da extinção, portanto); têm graves problemas de saúde, urgentes problemas de demarcação territorial; de subsistência, pois não possuem mais, na sua maioria, caça e pesca abundante para se manterem devido à devastação ambiental que produzimos; de educação, pois suas escolas (necessidade do contato) ainda possuem professores sem formação ou professores não indígenas, e infra-estrutura deficiente; tais problemas são resultado de uma ausência de políticas públicas sociais eficazes.

É destes povos “modernos” que devemos falar na escola: povos que precisam de postos de saúde, de escolas, de transportes públicos (como camionetes e barcos), de demarcação de terra, de expulsar de seus territórios invasores como mineradores, grileiros, madeireiros, fazendeiros, etc.

Mas também, falar da enorme riqueza presente na diversidade cultural deles: suas literaturas, suas artes, suas festas e cerimônias, suas línguas, seus modos de conceber o mundo diferente de nós, etc.

e) Tem muita terra pra pouco índio? Tal afirmativa esconde interesses econômicos nas terras indígenas e ignora as

diferentes formas de relação social com o trabalho. O trabalho indígena em alguns casos depende da relação com a floresta, com os rios, com o cerrado, com o sertão, com o campo, enfim, com a biodiversidade, pois há povos coletores, extrativistas, caçadores, agricultores, etc. A sobrevivência econômica, entretanto, não é a única condição de preservação de um povo. Está também em jogo sua reprodução cultural e simbólica, que depende da extensão de terra, onde historicamente esse povo nasceu e se reproduziu. Dele dependem a manutenção de seus cultos, hábitos, cerimoniais, etc.

Atualmente trabalha-se com o conceito de “territorialidades” para explicar as relações que os povos indígenas possuem com a terra, o que é levado em conta, em

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alguns casos de demarcação, como o foi em Raposa Serra do Sol. Em outros casos, o desrespeito é visível, como é o caso dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

f) Por que eles não trabalham, como nós? Nossa relação de trabalho é cultural e economicamente capitalista, ocidental e

cosmopolita, onde somos empregados de empresas (públicas ou privadas) ou autônomos e temos uma jornada diária de trabalho a cumprir, para assegurar uma remuneração mensal sob a forma de salário.

Os povos indígenas possuem uma enorme variedade de relações de sobrevivência, que vão desde a extração vegetal ou mineral, a cultura agrícola intensiva ou extensiva, a coleta e a caça, o artesanato, etc. Alguns povos indígenas, por não possuírem ainda condições de auto-sustentabilidade, trabalham como empregados temporários para não- indígenas, em fazendas, mineradoras ou construtoras.

A relação de trabalho deles, portanto, é muito diversa da nossa, pois depende da terra, dos rios, da colheita sazonal, da extração mineral ou vegetal, das chuvas, da produção familiar de artesanato, da plantação, enfim, de uma enorme variedade de condições sócio-cultural e econômicas que diferem da nossa.

III- FUNDAMENTOS TEÓRICOS

a) Antropológicos:

• Diversidade Cultural, que aponta para a necessidade de respeito à enorme variedade de culturas indígenas com línguas, religiões, modos de sobrevivência, economias e cosmovisões diferentes;

• Cognição, Aprendizagem e Conhecimento, que indica a existência de formas de construção de conhecimento específicas produzidas sócio-historicamente pelos povos indígenas;

• Processos de constituição da pessoa, que demonstra a variedade de processos sócio-históricos de concepção de sujeito e de sociedade existente entre os povos indígenas;

• Antropologia das Infâncias, que deixa claro a contribuição que a etnologia indígena e da sociologia da criança, aplicados às sociedades indígenas, podem trazer para nossa compreensão sobre as crianças.

b) Históricos: • A História na perspectiva das minorias étnicas e não só na perspectiva do

colonizador; • A noção de “Temporalidades”, que inclui o tempo mitológico e não só o tempo

cronológico cartesiano; • O futuro da Questão Indígena, que aponta para o atendimento urgente às

necessidades de auto-sustentação e autonomia destes povos, como: educação, saúde, geração de renda, demarcação de terras, etc.

c) Pedagógicos:

• Linguística Aplicada: as línguas indígenas trazem uma rica contribuição aos

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estudos lingüísticos, com sua variedade de estruturas, sintaxes, semânticas, etc.; • Bilinguismo de Transição ou de Resistência: que indica uma opção política a ser

feita aos programas de escolarização indígena que vêm sendo implementados no Brasil;

• Concepção de Infância: aponta para estudos de etnologia indígena, em especial, os de natureza etnográfica, que expressam uma lacuna ainda nos nossos estudos de Sociologia da Criança e Antropologia da Infância a ser preenchida por antropólogos em parceria com pedagogos;

• Concepção de Aprendizagem: a etnologia indígena mais recente tem indicado a existência de uma grande variedade de concepções de aprendizagem entre os povos indígenas, que acompanham suas distintas formas de conceber a construção da pessoa e assim, a constituição dos sujeitos, corentes com suas também distintas, cosmovisões;

• Pedagogias Indígenas: recentes estudos indicam que os povos indígenas, imersos em processos de escolarização, têm produzido pedagogias “híbridas”, o que nos interessa conhecer melhor. Ao se observar as aulas dos professores indígenas numa primeira e superficial leitura tem-se a impressão que são aulas reproduzidas do modelo da pedagogia tradicional não indígena. Entretanto, percebe-se que os professores incorporam e recriam elementos característicos da pedagogia escolar não indígena e os re- significam de forma criativa ao longo de suas aulas; transferem também elementos da educação tradicional indígena para o contexto das relações pedagógicas da sala de aula; assim como reproduzem elementos de nosso modelo não-indígena copiando nossa pedagogia. (Nobre, 2009)

• Processos de Escolarização: segundo o Censo Escolar, em 2006 já havia mais

de 174.000 alunos indígenas, distribuídos em mais de 2.400 escolas em Aldeias,

com mais de 7.000 professores.

IV- PROJETOS PEDAGÓGICOS POSSÍVEIS:

a) História: • Memória e História;

• Mito e História.

b) Literatura:

• Lendas e Mitos Indígenas.

c) Artes:

• Arte e Cultura Material Indígena;

• Artesanato Indígena;

• Pintura Corporal.

d) Matemática:

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• Etnomatemática;

• Sistemas de numeração.

e) Geografia:

• Território e territorialidades;

• Questão fundiária.

f) Língua Portuguesa:

• Etimologia de palavras indígenas;

• Literatura Indígena;

• Línguas Indígenas.

g) Ciências:

• Biodiversidade;

• Medicina Alternativa;

• Farmacologia Indígena.

V- FONTES DE CONSULTA:

• “A Temática Indígena na Escola.” Aracy Lopes da Silva e Luís Donisete Grupioni (Orgs.) MEC/MARI/UNESCO. 1995

• “Antropologia, História e Educação. A Questão Indígena e a Escola.” Aracy Lopes da Silva e Mariana Kawall L. Ferreira (Orgs.) FAPESP/Global/MARI. 2001

• “Práticas Pedagógicas na Escola Indígena.” Aracy Lopes da Silva e Mariana

Kawall L. Ferreira (Orgs.)

• “Idéias Matemáticas de Povos Culturalmente Distintos.” Mariana Kawall L. Ferreira (Orgs.) FAPESP/Global/MARI. 2002

• “Crianças Indígenas. Ensaios Antropológicos.” Aracy Lopes da Silva; Ana

Vera Lopes da Silva Macedo e Angela Nunes (Orgs.) FAPESP/Global/MARI. 2002

• “Antropologia da Criança”. Clarice Cohn. Zahar 2005

• “Educação Indígena e Alfabetização”. Bartomeu Meliá. Loyola. 1979

• “Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas”.Wilmar D´Angelis e Juracilda

Veiga (Orgs)ALB

• “Questões de Educação Escolar Indígena: da Formação do Professor ao Projeto de Escola.” Juracilda Veiga e Andrés Salanova (Orgs.) ALB/FUNAI.

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2001

• “Desafios Atuais da Educação Escolar Indígena.” Juracilda Veiga e Mª Beatriz R. Ferreira. (Orgs.) ALB/Min. Esportes.2005

• “Uma Pedagogia Indígena Guarani na Escola, Pra Quê?” Domingos Nobre.

Editora Curt Nimuendaju. 2009 (Ver como adquirir no site da editora)

• “Formação de Professores Indígenas: Repensando Trajetórias”. Luís Donizete B. Grupione (Org.) SECAD/MEC 2006 (Disponível no site do MEC)

• “O Índio Brasileiro: O que Você Precisa Saber Sobre os Povos Indígenas no

Brasil de Hoje.” Gersen dos Santos Luciano Baniwa. LACED/UFRJ/MEC 2006. (Disponível no site do MEC)

• “A Presença Indígena na Formação do Brasil” João Pacheco de Oliveira &

Carlos Augusto da Rocha Freire. LACED/UFRJ/MEC 2006. (Disponível no site do MEC)

VI-VIDEOS:

1- Série: “Índios no Brasil.” SEF/SEED/MEC

2- “Uma Aula Guarani Eté”. Domingos Nobre. Disponível no Youtube 3- Série: “Cineastas Indígenas”. Video nas Aldeias

4- Série: DOC TV Cultura: “Mbya Guarani, Guerreiros da Liberdade” e “Contos da

Terra Sagrada”

5- Série: “Xingu”. Rede Manchete

VII- SITES: CAIK – Centro de Assessoria Intercultural Kondo

www.aldeiaguaranisapukai.org.br

GEPI – Núcleo de Estudos e Pesquisas Indigenistas www.djweb.com.br/historia

CIMI – Conselho Indigenista Missionário www.cimi.org.br

Museu do Índio - FUNAI www.museudoindio.org.br

Portal Kaingang www.portalkaingang.org

Editora Curt Nimuendajú

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www.curtnimuendaju.com ISA - Instituto SócioAmbiental www.isa.org.br

Guarani Ñanduti Rogue www.uni-mainz.de/~lustig/hisp/guarani.html

Associação Guarani Nhe´ê Porá www.culturaguarani.hpg.ig.com.br

CPI-SP Comissão Pró Índio de São Paulo www.cpisp.org.br

NEPPI – Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas - UCDB – MS www.neppi.org

CTI – Centro de Trabalho Indigenista www.trabalhoindigenista.org.br

CCPY – Comissão Pró-Yanomami www.proyanomami.org.br

COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira www.coiab.com.br

CIR – Conselho Indígena de Roraima www.cir.org.br

Domingos Nobre

[email protected]