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A LEI COMPLEMENTAR N 95, DE 1998, E A TCNICA DE ALTERAO DAS LEIS: Incoerncias e Controvrsias Textuais na Legislao Federal Decorrentes do Procedimento de Alterao das Leis

Jair Francelino Ferreira

2009

CMARA DOS DEPUTADOS CENTRO DE FORMAO, TREINAMENTO E APERFEIOAMENTO PROGRAMA DE PS-GRADUAO

JAIR FRANCELINO FERREIRA

A LEI COMPLEMENTAR N 95, DE 1998, E A TCNICA DE ALTERAO DAS LEIS: Incoerncias e Controvrsias Textuais na Legislao Federal Decorrentes do Procedimento de Alterao das Leis

Braslia 2009

JAIR FRANCELINO FERREIRA

A LEI COMPLEMENTAR N 95, DE 1998, E A TCNICA DE ALTERAO DAS LEIS: Incoerncias e Controvrsias Textuais na Legislao Federal Decorrentes do Procedimento de Alterao das Leis

Monografia apresentada para aprovao no curso de Especializao em Instituies e Processos Polticos do Legislativo.

Orientador: Miguel Gernimo da Nbrega Netto

Braslia 2009

Autorizao Autorizo a divulgao do texto completo no stio da Cmara dos Deputados e a reproduo total ou parcial exclusivamente para fins acadmicos.

Assinatura: _______________________________________ Jair Francelino Ferreira Data: _____/______/______

Ferreira, Jair Francelino. A Lei Complementar n 95, de 1998, e a tcnica de alterao das leis [manuscrito] : incoerncias e controvrsias textuais na legislao federal decorrentes do procedimento de alterao das leis / Jair Francelino Ferreira. -- 2009. 63 f. Orientador: Miguel Gernimo da Nbrega Netto. Impresso por computador. Monografia (especializao) Centro de Formao, Treinamento e Aperfeioamento (Cefor), da Cmara dos Deputados, Curso de Especializao em Instituies e Processos Polticos do Legislativo, 2009. 1.Tcnica legislativa, Brasil. 2. Lei, alterao, Brasil. 3. Processo legislativo, Brasil. I. Ttulo. CDU 340.134(81)

A LEI COMPLEMENTAR N 95, DE 1998, E A TCNICA DE ALTERAO DAS LEIS: Incoerncias e Controvrsias Textuais na Legislao Federal Decorrentes do Procedimento de Alterao das Leis

Monografia Curso de Especializao em Instituies e Processos Polticos da Cmara dos Deputados 1 Semestre de 2009

Aluno: Jair Francelino Ferreira

Banca Examinadora:

____________________________________________ Miguel Gernimo da Nbrega Netto (Orientador)

____________________________________________ Nivaldo Ado Ferreira Junior

Braslia, 2 de maro de 2009.

A todos os que realizam o trabalho de compilao e divulgao da legislao, especialmente aos meus colegas da Seo de Reviso e Indexao (Edilce, Luzimar, Ronaldo e Uiara), que dividem comigo a responsabilidade de organizar e revisar as compilaes de legislao editadas pela

Coordenao de Publicaes da Cmara dos Deputados.

RESUMO A Lei Complementar n 95, de 26 de fevereiro de 1998, estabelece normas para a elaborao, redao, alterao e consolidao das leis. No obstante o avano que tal diploma legal representou em termos de tcnica legislativa, o procedimento de alterao das leis continua gerando incoerncias e controvrsias textuais na legislao. Este trabalho procura identificar as causas e apontar possveis caminhos para a soluo desse problema. No primeiro captulo, analisam-se as normas de tcnica legislativa previstas na Lei Complementar n 95/1998, especialmente quanto tcnica de alterao das leis. No segundo, faz-se o levantamento dos casos problemticos colhidos na legislao federal, confrontando-os com as normas de tcnica legislativa vigentes. No terceiro, abordam-se as alteraes no Regimento Interno da Cmara dos Deputados, considerado um caso emblemtico do problema em estudo. Conclui-se que tais incoerncias e controvrsias textuais resultam tanto de falhas no texto da referida lei complementar como da desobedincia s normas de tcnica legislativa que ela define. Portanto, a par de alteraes na Lei Complementar n 95/1998 para que sejam sanadas as lacunas e imprecises do seu texto, preciso haver um controle mais rigoroso e especfico quanto redao das leis e dispositivos alteradores a fim de assegurar-lhes no apenas a clareza e coerncia internas, mas tambm a harmonizao das alteraes propostas com o restante do texto legal no qual sero inseridas. A consolidao das leis federais, conforme prevista na Lei Complementar n 95/1998, parece ser o caminho mais vivel para a soluo dos casos de incoerncias e controvrsias textuais j existentes na legislao. Entretanto, as falhas de tcnica legislativa (legstica formal) representam apenas parcela pequena do problema. A questo principal o predomnio da cultura de se legislar de forma improvisada, sem reflexo e planejamento na elaborao das leis (legstica material), o que leva insegurana jurdica e coloca em xeque a prpria atividade de legislar. essa cultura que precisa ser combatida, e o ainda incipiente interesse do Parlamento nacional pelo desenvolvimento dos estudos de legstica representa uma esperana nesse sentido.

Palavras-chave: Lei Complementar n 95/1998; tcnica legislativa; alterao das leis; Regimento Interno da Cmara dos Deputados; incoerncias; controvrsias; consolidao; compilao.

SUMRIO INTRODUO ........................................................................................................................... 6 CAPTULO 1 A TCNICA LEGISLATIVA NA LEI COMPLEMENTAR N 95/1998 ............................. 10 1.1 Consideraes preliminares ........................................................................................... 10 1.2 A arte de elaborar leis .................................................................................................... 10 1.3 A consolidao das leis como objeto da tcnica legislativa ......................................... 16 1.4 A tcnica de alterao das leis ....................................................................................... 20

CAPTULO 2 INCOERNCIAS E CONTROVRSIAS TEXTUAIS NA LEGISLAO FEDERAL........... 27 2.1 Consideraes preliminares ........................................................................................... 27 2.2 Alteraes por revogao ............................................................................................... 27 2.3 Alteraes por nova redao ......................................................................................... 31 2.4 A questo do veto s alteraes ..................................................................................... 34

CAPTULO 3 AS ALTERAES NO REGIMENTO INTERNO DA CMARA DOS DEPUTADOS ... 40 3.1 Consideraes preliminares ........................................................................................... 40 3.2 Incoerncias decorrentes das alteraes ....................................................................... 40 3.3 A questo das adaptaes no texto consolidado ........................................................... 42

CONCLUSO ............................................................................................................................. 52

REFERNCIAS .......................................................................................................................... 55

ANEXO ........................................................................................................................................ 58

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INTRODUO A Lei Complementar n 95, de 26 de fevereiro de 1998, que estabelece normas para a elaborao, redao, alterao e consolidao das leis, um marco na tentativa de organizar o verdadeiro caos que reinava no processo legislativo brasileiro. Era praticamente impossvel saber com clareza quais dispositivos legais efetivamente permaneciam em vigor, tais eram as incongruncias nos textos das leis, ocasionadas por falhas de tcnica legislativa, especialmente quanto revogao tcita e alterao de dispositivos legais. Trabalhando desde janeiro de 2002 na Coordenao de Publicaes (Codep), editora oficial da Casa1, integrante da estrutura do Centro de Documentao e Informao (Cedi), tenho sido um dos responsveis pela reviso das publicaes da Casa, dentre as quais se destacam as edies que renem e tornam mais acessvel ao pblico interno e sociedade as normas mais relevantes e/ou demandadas do nosso arcabouo jurdico federal, com seus textos devidamente atualizados. Durante o trabalho de preparao e reviso dessas coletneas de legislao, pude notar a profuso de notas de rodap e posteriormente produzir mais algumas que buscam explicar incoerncias textuais frutos de alteraes mal feitas. Outras vezes nos deparamos com situaes em que h dificuldade para se definir qual efetivamente a redao atual de determinada lei, devido falta de clareza no enunciado da lei que a alterou. Os portais de legislao da Presidncia da Repblica, do Senado Federal e da prpria Cmara dos Deputados so boas fontes de consulta, mas no tm o carter de rgo oficial definidor de qual o texto que est vigorando, consideradas todas as modificaes pelas quais a lei tenha passado. So apenas trabalhos de compilao, sujeitos falha humana de quem os organizou. Tais casos so mais frequentes em relao a alteraes antigas, mas ainda ocorrem em relao a alteraes promovidas aps a edio da Lei Complementar n 95/1998, que estabelece critrios para a alterao das leis. Este, portanto, o problema que me propus a investigar: por que as falhas no procedimento de alterao das leis persistem apesar da existncia de uma lei disciplinadora deste procedimento?

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Atualmente a Codep utiliza o nome de fantasia de Edies Cmara, embora seu nome oficial ainda seja Coordenao de Publicaes.

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No obstante o efeito saneador da referida lei complementar, o procedimento de alterao das leis ainda causa problemas aos rgos pblicos que se incumbem de atualizar e publicar as normas em vigor, bem como aos profissionais do direito, o que coloca em risco a segurana jurdica da sociedade. Basta uma rpida consulta s edies da Cmara dos Deputados, organizadas pela Codep, para se perceber a profuso de notas de rodap que tentam explicar e corrigir as falhas e omisses nos textos legais em vigor, frutos de alteraes feitas com descuido da boa tcnica legislativa, mesmo aps o advento da Lei Complementar n 95/1998. No entanto, a literatura existente sobre a tcnica legislativa de acordo com as normas vigentes tem tratado apenas das tcnicas de elaborao e redao das leis, negligenciando questes especficas que surgem no procedimento de alterao do texto legal. essa lacuna que se pretende preencher com o estudo ora proposto. O objetivo geral deste estudo identificar as causas das falhas nos procedimento de alterao das leis e apontar possveis caminhos para a soluo do problema, a partir da anlise de casos de incoerncias e controvrsias textuais decorrentes de alteraes promovidas na legislao federal em vigor, aps a edio da Lei Complementar 95/1998. Com isso pretende-se contribuir para: a) aprimorar a tcnica de alterao de leis; b) simplificar o trabalho de compilao e publicao da legislao brasileira pelos rgos especializados; e c) facilitar o acesso dos profissionais do direito e do pblico em geral aos texto legais em vigor. Por incoerncia entenda-se a falta de nexo entre o que se diz num artigo e noutro da mesma lei. So comuns, por exemplo, as remisses, no corpo da lei, a artigos e outros dispositivos j revogados ou renumerados por lei alteradora. Com o termo controvrsias nos referimos a divergncias de interpretao quanto a qual seria efetivamente a redao atual de determinado dispositivo de lei. Um exemplo disso o texto da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleies. O art. 59 dessa lei, com nova redao dada pela Lei 10.740, de 1 de outubro de 2003, figura na edio da Codep com apenas sete pargrafos; j a compilao divulgada no portal de legislao da Presidncia da Repblica, numa interpretao

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divergente da lei alteradora, mantm o 8 do referido artigo, cujo teor idntico ao do 7 em sua nova redao. Com o levantamento e o consequente diagnstico de casos semelhantes aos exemplificados, pretende-se contribuir para o aperfeioamento do processo legislativo, alertando seus atores para que sejam mais ciosos da boa tcnica legislativa na redao de leis alteradoras, inclusive promovendo, se for o caso, as alteraes necessrias na Lei Complementar 95/1998 que cobam a ocorrncia das falhas apontadas. Na busca de uma explicao para o problema em estudo, partimos de duas hipteses: a) as alteraes que geram incoerncias e controvrsias de redao so feitas em desacordo com o que disciplina a Lei Complementar n 95/1998; e b) a prpria Lei Complementar n 95/1998 que, por determinao ou omisso, enseja as alteraes em desacordo com a boa tcnica legislativa. Embora aparentemente contraditrias, as hipteses no so excludentes, uma vez que em determinados casos pode ser o texto da lei que regula a tcnica legislativa, confuso ou omisso, que levou m redao do texto da lei alteradora; noutros as falhas na redao podem ter se dado em desobedincia a essas regras seja na proposio original, seja nas alteraes que a proposio sofreu durante sua tramitao as quais no foram percebidas nem corrigidas no procedimento de verificao da boa tcnica legislativa, que em ltima instncia cabe Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania (CCJC). A anlise recai, salvo algumas excees pertinentes, sobre casos de falha de tcnica legislativa em leis federais alteradas posteriormente edio da Lei Complementar n 95/1998 marco temporal deste trabalho e consequentemente sobre as leis que promoveram essas alteraes. Enfatizam-se as incoerncias e controvrsias textuais decorrentes dessas alteraes numa abordagem predominantemente lingustica, mas considerando-se que esses problemas tm origem no processo legislativo e trazem consequncias para o mundo jurdico. Este trabalho insere-se, portanto, no campo da legstica formal, ou seja, da tcnica legislativa termo que preferimos utilizar ao longo do trabalho, por ser o tradicionalmente utilizado no nosso ordenamento jurdico. No se pretendeu, porm, fazer o levantamento exaustivo de todos os problemas surgidos em todas as leis alteradas na vigncia da referida lei complementar, mas apenas uma amostragem qualitativa que permitisse apontar causas e possveis solues para os problemas detectados. O

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termo lei, neste contexto, est sendo usado genericamente para referir-se a qualquer uma das modalidades compreendidas no processo legislativo, conforme referido no art. 59 da Constituio Federal: emendas Constituio, leis complementares, leis ordinrias, leis delegadas, medidas provisrias, decretos legislativos e resolues. O corpus bsico para o levantamento dos casos de incoerncias e controvrsias textuais na legislao federal em vigor foram as edies mais recentes das compilaes de legislao editadas pela Codep. A escolha se justifica, entre outros motivos, pelo detalhamento das notas explicativas dessas edies, o que facilitou o rastreamento do histrico dos casos estudados. A partir desse levantamento, feita a anlise dos casos confrontando-se os textos compilados com os textos originais das leis alteradas e das leis alteradoras e, em alguns casos, com compilaes e interpretaes divergentes em edies eletrnicas da prpria Cmara e da Presidncia da Repblica ou em artigos publicados sobre o tema. O trabalho est dividido em trs captulos. No primeiro, analisam-se as normas de tcnica legislativa previstas na Lei Complementar n 95/1998, especialmente quanto tcnica de alterao das leis. No segundo, faz-se o levantamento e anlise dos casos problemticos colhidos na legislao federal, confrontando-os com as normas de tcnica legislativa vigentes. O ltimo captulo dedicado ao estudo das incoerncias e controvrsias em relao ao texto do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, que, no obstante as peculiaridades que envolvem o seu processo de emendas, um caso emblemtico do problema que nos propomos a estudar.

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CAPTULO 1 A TCNICA LEGISLATIVA NA LEI COMPLEMENTAR N 95/1998 1.1 Consideraes preliminares No Brasil, at 1998, a redao de projetos de lei e de outros atos normativos obedecia legislao de mbito restrito (leis estatuais ou municipais ) ou se regia por normas no escritas ou praxes adotadas em Casas Legislativas. A Lei Complementar n 95/1998 finalmente veio regulamentar o art. 59, pargrafo nico, da Constituio Federal, que assim determina: Lei complementar dispor sobre a elaborao, redao, alterao e consolidao das leis. O art. 1, pargrafo nico, da referida lei complementar explicita que as suas disposies tambm se aplicam a todos os atos normativos compreendidos no processo legislativo, conforme o art. 59 da Constituio (emendas Constituio, leis complementares, leis ordinrias, medidas provisrias, decretos legislativos e resolues), bem como, no que couber, aos decretos e aos demais atos de regulamentao expedidos por rgos do Poder Excutivo. Os avanos advindos dessa lei complementar em matria de tcnica legislativa so inegveis, principalmente se comparados com a situao anterior. Assim, este captulo enfatiza suas falhas e lacunas, especialmente quanto tcnica de alterao das leis, que contribuem para que ainda se mantenha o problema da proliferao de leis mal redigidas e incoerentes. 1.2 A arte de elaborar leis A preocupao com a arte no sentido de tcnica de elaborar leis remonta antiguidade clssica. Atenas possua o seu conselho de iniciados em arte to dficil. Os romanos atingiram nessa especialidade, perfeio suprema. (MORAES, apud FREIRE, 2002, p. 29). No Estado democrtico moderno, essa preocupao se faz presente desde o incio. Em Lsprit des Lois, obra de 1748, Montesquieu, alm da preocupao filosfica com o ato de legislar, aborda tambm aspectos concretos quanto redao da lei (TAVARES, 2007, p. 6) A maioria dos autores consultados para este trabalho tratam da tcnica legislativa como objeto da cincia do direito (FREIRE, 2002 e 2003; CARVALHO, 2003). Entretanto, com o aumento da importncia dada ao assunto, visto que h uma tendncia de proliferao da legislao como forma de regular as cada vez mais complexas relaes econmicas, polticas e

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sociais do Estado moderno, passou-se a falar em uma cincia autnoma cujo objeto seria o estudo da lei em suas vrias dimenses. Tal cincia, que Tavares (2007, p. 2) denomina teoria da legislao, englobaria saberes de vrias outras reas do conhecimento, como o direito, a sociologia, a cincia poltica, a economia e a lingustica.

portanto uma cincia interdisciplinar que tem objecto claro o estudo de todo o circuito da produo das normas e para a qual convergem vrios mtodos e diferentes conhecimentos cientficos. assim uma cincia normativa, mas tambm uma cincia de ao, que nos permite analisar o comportamento dos rgos legiferantes, as caractersticas, os fatos legislativos e identificar instrumentos teis para a prtica legislativa. (TAVARES, 2007, p. 2)

Entre os domnios dessa teoria da legislao figurariam a metdica da legislao (estudos do procedimento interno da lei) e a tcnica da legislao (relativa sistematizao, composio e redao da lei). Esses dois domnios compem o que hoje vem se convencionando chamar de legstica, subdividindo-se respectivamente em legstica material e legstica formal (TAVARES, 2007, p. 2-3). No Brasil, a legstica comea finalmente a despertar o interesse do Legislativo. A Assembleia de Minas Gerais promoveu em 2007 um congresso sobre o tema, contando com especialistas brasileiros e portugueses. Num dos textos de referncia do congresso, essa nova cincia assim definida:

A Legstica a rea do conhecimento que se ocupa de como fazer as leis, de forma metdica e sistemtica, tendo por objetivo aprimorar a qualidade desses atos normativos. A qualidade da lei definida em funo de diversos fatores, sendo os mais relevantes a utilidade, a capacidade de produzir os efeitos pretendidos, a harmonizao com o ordenamento vigente, o equilbrio entre custos e benefcios, a aplicabilidade e a efetividade da norma. (CONGRESSO, 2007)

Na Cmara dos Deputados, um dos defensores do desenvolvimento da legstica o deputado Osmar Serraglio, sob o argumento de que a produo legislativa do Parlamento, embora vasta, no resulta em benefcios expressivos para a sociedade:

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Entretanto, a nossa vasta produo legislativa resulta em muito pouco benefcio para a sociedade brasileira. [...] Lamentavelmente, muitos concebem a Cmara dos Deputados como uma espcie de fbrica de leis. Para esses, o problema que no se vota o suficiente. Nosso papel, entretanto, no , nem propor nem votar leis em demasia, mas sim propor e aprovar boas leis. Devemos medir a excelncia do nosso parlamento a partir do benefcio real das polticas pblicas que aprova e no pelos nmeros de uma produo legiferante divorciada das necessidades do cidado brasileiro. [...] A legstica emerge como o instrumento mais apropriado para ajustar o nosso trabalho parlamentar, hoje to voltado produo quantitativa, a uma concepo de produo legislativa caracterizada por uma ateno eficcia e qualidade. [...] A palavra legstica, em si, pode levar-nos a um entendimento bem mais limitado do conceito, como, por exemplo, a boa tcnica de se redigir atos normativos. Enquanto a tcnica da boa redao desses atos normativos faz parte da legstica, pois no pode haver boas leis se nelas no h clareza, coerncia e preciso, a tcnica redacional nem chega perto de exaurir a concepo da legstica. O termo compreende, alm da boa tcnica de redao, o emprego de avaliaes prospectivas e retrospectivas, a anlise de cenrios alternativos e consultas sociedade como forma de aprimoramento tcnico e de legitimao da norma a ser produzida. [...] Avaliar os possveis impactos de determinado projeto de lei, como suporte deciso parlamentar, ainda uma atividade muito incipiente nas Casas Legislativas do nosso Pas. Mas a conscincia que temos da necessidade de se aprimorar o trabalho legislativo, e, por consequncia, a qualidade da lei, guianos, sem dvida, para a adoo da legstica enquanto sistemtica de trabalho. (SERRAGLIO, 2008)

De fato, embora a Cmara tenha iniciado em 2008 o Projeto de Qualidade Legislativa Legstica (BRASIL, 2009, p. 43), a adoo da legstica como sistemtica de trabalho na Casa ainda um sonho distante. O que temos, na prtica, ainda a seguinte situao:

A multiplicao das lei fenmeno universal e inegvel [...] Contudo, essa multiplicao , antes de mais nada, fruto de sua transitoriedade. [...] Em vez de esperar a maturao da regra para promulg-la, o legislador edita-a para, da prtica, extrair a lio sobre seus defeitos ou inconvenientes. Da decorre que quanto mais numerosas so as leis tanto maior nmero de outras exigem para complet-las, explic-las, remend-las, consert-las... Feitas s pressas para atender a contingncias de momento, trazem essas leis o estigma de leviandade. [...]

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Com isso, o mundo jurdico se torna uma babel. A multido de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o cidado, desnorteia o juiz. A fronteira entre o lcito e o ilcito fica incerta. A segurana das relaes sociais, principal mrito do direito escrito, se evapora. [...]Quanto maior o nmero de leis que se editam, menor o respeito que cada qual inspira. Como reverenciar a lei se esta no despreza o ridculo? Como cultu-la se passa breve qual um meteoro? (FERREIRA FILHO, 2002, p. 1213).

Este trabalho insere-se, portanto, no campo da legstica formal, ou da tcnica legislativa termo que preferimos utilizar ao longo do trabalho por ser o tradicionalmente utilizado no nosso ordenamento jurdico , visto que, sem desconsiderar a origem poltica e as consequncias jurdicas das leis, concentra-se nos seus aspectos estruturais e lingusticos ao analisar as incoerncias e controvrsias textuais decorrentes das alteraes promovidas na legislao federal. Conforme define Carvalho ( 2003, p. 31), a tcnica legislativa consiste no modo correto de elaborar leis, de forma a torn-las exequveis e eficazes. Envolve um conjunto de regras e normas tcnicas que vo desde a necessidade de legislar at a publicao da lei. A elaborao de leis, portanto, um processo que s termina com a publicao da lei, englobando, tambm a sua redao:

A elaborao da lei um processo que se inicia antes mesmo da sua redao e envolve reflexo sobre a matria a ser tratada. A respeito dessa fase de concepo da lei, deve-se assinalar que hoje a doutrina recomenda e a prpria legislao brasileira prev que se leve em considerao a chamada check list, em que so feitas indagaes quanto necessidade do ato normativo, convenincia ou oportunidade de sua elaborao, sua identificao entre as espcies normativas, aos seus resultados ou reflexos na sociedade. [...] A redao a tarefa material de confeco, de montagem, de estruturao do texto legal. No exerccio dessa atividade, o legislador deve-se ocupar do adequado emprego das palavras, da articulao do texto, da sua diviso, da sua sistematizao, cuidando, enfim, de todos os aspectos relacionados com a formalizao da vontade legislativa. (FREIRE, 2003, p. 82)

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No entanto, o art. 1 da Lei Complementar 95/1998 refere-se elaborao, redao, alterao e consolidao das leis como se fossem etapas ou aspectos distintos da tcnica legislativa. No Captulo II Das Tcnicas de Elaborao, Redao e Alterao das Leis, embora Freire (2002, p. 79-83) pretenda justificar a distino feita pelo legislador entre redao e elaborao (que seria a parte de reflexo anterior redao), fica evidente a impreciso vocabular, j que, ao contrrio do que se poderia imaginar, no h uma seo nem mesmo um artigo que se refira especificamente elaborao das leis. Em vez disso, as sees tratam das partes que integrariam o processo de elaborao dos diplomas legais: Seo I Da Estruturao das Leis; Seo II Da Articulao e da Redao das Leis; e Seo III Da Alterao das Leis. Assim, para ser coerente, do ponto de vista gramatical e da tcnica legislativa, o captulo deveria se chamar simplesmente Da Elaborao das Leis. Entretanto, ainda que as alteraes se deem por nova lei que deve ser elaborada observando-se a tcnica prevista na referida lei complementar , a tcnica de alterao das leis um aspecto especfico da tcnica legislativa e mereceria ser tratado em captulo parte. Embora a Lei Complementar 95/1998 efetivamente j paute a elaborao dos atos normativos no mbito do Executivo e do Legislativo e seja referncia obrigatria em qualquer estudo ou manual sobre tcnica legislativa, a ressalva do seu art. 18, de que eventuais inexatides formais no contituem escusa para o cumprimento de norma aprovada mediante processo legislativo regular e a displicncia de redatores e legisladores permitem que do processo legislativo resulte ainda dispositivos legais redigidos de forma obscura e incoerente e at flagrantemente inconstitucionais2. Nem mesmo o prprio texto da referida lei complementar, apesar dos quase nove anos de tramitao, obedeceu totalmente s regras que preconiza para a elaborao da lei de modo a garantir-lhe a clareza e a eficcia. Veja-se por exemplo o art. 2 do ento Projeto de Lei Complementar n 123, de 1989, enviado a sano presidencial:

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Vide o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal Lei Complementar n 101/2000 , que teve vrios dispositivos suspensos cautelarmente pelo STF, identificados em notas de rodap na edio da Codep ( BRASIL, 2008c, p. 19-71, notas 19-22).

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Art. 2 As leis de contedo normativo e de carter geral sero numeradas em srie especfica, do tipo sequencial antecedidas da letra maiscula N. 1 As leis de efeitos concretos, bem como as de interesse restrito, de vigncia temporria, sero numeradas em srie prpria, seguidamente, antecedidas da letra maiscula R. 2 Na numerao das leis sero observados, ainda, os seguintes critrios: I as emendas Constituio Federal tero sua numerao iniciada a partir da promulgao da Constituio; II as leis complementares, as leis ordinrias e as leis delegadas tero numerao sequencial em continuidade s sries iniciadas em 1946.

Ao sancionar o projeto, transformando-o na Lei Complementar n 95/1998, o presidente da Repblica vetou o caput e o pargrafo 1 do referido artigo,conrome const com a seguinte argumentao:

Razes do veto As duas disposies inovam em matria de identificao das leis, adotando o critrio da numerao especfica de acordo com o seu contedo, classificando-as em duas categorias: uma de contedo normativo e outra de efeito concreto. Entretanto, a essa inovao se contrape disposio contida no seu 2, que consagra o sistema tradicional adotado desde 1946, que o da numerao sequencial independentemente do seu contedo, colocando-as em srie de conformidade com a sua categoria constitucional: leis ordinrias, leis delegadas e leis complementares. Em face da contradio apontada e considerando a possibilidade de que o modelo proposto venha a dar ensejo a grande insegurana jurdica, recomendase o veto por contrariedade do interesse pblico. (BRASIL, 1998)

Os vetos referidos foram mantidos pelo Congresso Nacional, fazendo com que justamente a lei que regula a tcnica legislativa apresente em seu texto a situao esdrxula de conter um artigo sem texto do caput. Tal possibilidade motivo de controvrsia jurdica, j que, conforme a prpria Lei Complementar n 95/1998 define (art. 11, III, c), devem ser expressos por meio de pargrafos os aspectos complementares norma enunciadas no caput do artigo e as excees regra por este estabelecida. Assim, se no h texto do caput, como pode viger um pargrafo que

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lhe deveria complementar ou indicar-lhe uma exceo? Embora seja uma questo controversa, sua soluo parece estar contida no 2 do art. 66 da Constituio Federal:

Art. 66. .................................................................................................................... ................................................................................................................................. 2 O veto parcial somente abranger texto integral de artigo, de pargrafo, de inciso ou de alnea.

Como se observa, o texto constitucional no prev a hiptese de veto a caput de artigo, mantendo-se os seus pargrafos. Esse foi o entendimento que prevaleceu, por exemplo, no texto da Lei Complementar n 13, de 3 de setembro de 1996, do Distrito Federal:

Art. 26. O veto parcial abranger somente texto integral de artigo, pargrafo, inciso, alnea ou nmero. ................................................................................................................................. Art. 71. O pargrafo a unidade complementar de articulao que expressa os pormenores necessrios apreenso do sentido do artigo ou as circunstncias que ampliem ou restrinjam sua inteno. 1 Como unidade dependente do caput do artigo, o pargrafo no subsiste sem ele.

1.3 A consolidao das leis como objeto da tcnica legislativa Alm da elaborao (includa a a redao) e da alterao, a Lei Complementar n 95/1998, obedecendo ao disposto no pargrafo nico do art. 59 da Constituio, tambm trouxe para o mbito da tcnica legislativa a definio de normas para a consolidao das leis:

No Direito brasileiro, a consolidao das leis , sem dvida, objeto da tcnica legislativa, pela razo primeira de estar prevista, no pargrafo nico do art. 59 da Constituio da Repblica, como um dos atos a serem disciplinados na lei complementar nele requerida, que veio a ser a Lei Complementar n 95, de 26 de fevereiro de 1998 [...] No decorresse do comando constitucional a caracterizao dos procedimentos de consolidao como afetos tcnica legislativa da mesma forma que os de elaborao, redao e alterao das leis , aquela decorreria do fato de a consolidao, segundo o modelo que veio a ser adotado na legislao brasileira,

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consistir em exame, triagem, seleo e posterior reunio de leis em coletneas, observados critrios preestabelecidos, com o objetivo de depur-las de disposies no mais vigentes ou de flagrantes impropriedades formais. (FREIRE, 2003, p. 84 )

No entanto, o texto original da Lei Complementar n 95/1998 era to precrio em relao s normas de consolidao que ensejou o surgimento da Lei Complementar n 107, de 26 de abril de 2001. A nova lei, que alterou tambm diversos dispositivos referentes elaborao e alterao das leis, originou-se do Projeto de Lei Complementar n 23/1999, enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional para dirimir contradies e controvrsisas das normas referentes consolidao das leis, conforme se l na justificao do projeto:

[...] Ocorre, no entanto, que o texto atual da referida lei complementar d azo a controvrsias, a par de no contemplar soluo para um problema que de fundamental importncia, relativo continuidade da fora normativa dos comandos legais revogados que tenham sido includos na consolidao. [...] Para deixar clara essa caracterstica da legislao consolidada, que no estar rompendo a continuidade normativa dos diplomas consolidados, necessria se faz a consignao expressa dessa circunstncia na Lei Complementar n 95/98 [...] Assim, para que no pairem dvidas sobre o que , ou no, possvel de ser feito em matria de consolidao, de forma a que as alteraes textuais no impliquem mudana no contedo normativo dos dispositivos consolidados, o projeto elenca, calcado na experincia do Direito Comparado, as espcies de alteraes admissveis, que preservam a substncia dos comandos normativos alterados. Outra questo que requer aperfeioamento do texto da Lei Complementar n 95/98 a relativa aos diplomas de consolidao. Se o objetivo do art. 59, pargrafo nico, da Constituio Federal foi o de obter uma consolidao de toda a legislao federal, conforme tambm expresso no art. 13 da referida Lei Complementar, no poderia o art. 14, a seguir, fazer ressalva legislao codificada e j consolidada como podendo estar fora do mbito dos trabalhos de consolidao que esto sendo realizados. Isto porque no faz sentido consolidar fora do cdigo a legislao extravagante que lhe est afeta. Nesse caso, teramos, ao final, dois diplomas legais necessitando uma aglutinao. (BRASIL, 1999, p. 24.797-798)

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Com a nova redao dada aos art. 13 e 14, que normatizam a consolidao da legislao federal, a matria passou a ter tratamento mais adequado e abrangente, uma vez que a Lei Complementar n 95/1998, em seu texto original, apenas definia critrios, prazos e procedimentos para a efetivao da consolidao, sem mencionar as alteraes admitidas nos projetos de lei de consolidao. Essas foram previstas, inicialmente, no Decreto n 2.954, de 29 de janeiro de 1999, que regulamentava a referida lei complementar no mbito do Executivo. Aps a aprovao da Lei Complementar n 107/2001, o referido decreto, que j havia sofrido vrias alteraes, foi substitudo e revogado pelo Decreto n 4.176, de 28 de maro de 2002, que especifica os novos procedimentos aplicveis consolidao e reviso de atos normativos do Poder Executivo, alm de orientar sobre a elaborao de projetos de lei e de consolidao a serem enviados ao Parlamento. Contudo, mesmo com as alteraes na Lei Complementar n 95/1998 e o reconhecimento da importncia da matria, a consolidao da legislao brasileira ainda uma realidade distante. Apesar da existncia de Grupos de Trabalho, no Legislativo e no Executivo, para elaborar os projetos de consolidao e de que seu processo de tramitao seja simplificado, at o momento nenhum deles foi votao no Congresso3. A tarefa realmente parece ser mais complicada do que possa fazer supor o texto da referida lei complementar.

Verifica-se que, em princpio, a consolidao consiste na reunio de leis em texto nico a matriz de consolidao , sem alterao de mrito. Isso no significa, no entanto, que, no decorrer do trabalho de consolidao, deixe de ocorrer dvida quanto a envolver ou no exame de mrito na modificao de determinados termos ou expresses constantes de dispositivos legais, pois no rara a ocorrncia de situaes em que alteraes efetuadas no texto com o objetivo nico de correo de forma impliquem mudana de contedo. No que se refere admissibilidade de supresso, do texto consolidado, de dispositivos no recepcionados pela Constituio, ou de revogao expressa de dispositivos tacitamente revogados, deve-se considerar a eventualidade de a questo no ser passvel de soluo no mbito poltico-legislativo, mas demandar pronunciamento judicial, por requerer exame jurdico de maior complexidade ou profundidade (FREIRE, 2003, p. 93).

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Conforme informao no portal de legislao da Cmara dos Deputados, (www.camara.gov.br/legislao link Consolidao das Leis, ) at janeiro de 2009 apenas sete projetos de consolidao foram enviados apreciao do Grupo de Trabalho criado para este fim, sendo que um deles refere-se a declarao de revogao de leis e outro a incluso de dispositivos e diplomas esparsos em lei preexistente (Cdigo Civil). Os outros cinco so consolidaes propriamente ditas (trabalho, educao, telecomunicaes e radiodifuso, crdito rural, e energia eltrica).

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Outro ponto controverso a vedao contida no 1 do art. 14 da Lei Complementar n 95/1998 e reproduzida no art. 31 do Decreto 4.176/2002 do Executivo: No sero objeto de consolidao as medidas provisrias ainda no convertidas em lei. Isso se d porque a medida provisria, embora esteja elencada entre os atos comprendidos pelo processo legislativo, pode desaparecer do ordenamento jurdico caso seja rejeitada pelo Parlamento ou perca sua validade por decurso de prazo. No entanto, conforme disposto no art. 2 da Emenda Constiuicional n 32, de 11 de setembro de 2001, as medidas provisrias j editadas e no votadas at ento ganharam eficcia de lei por tempo indeterminado, at que sejam apreciadas pelo Congresso. Na prtica, entraram definitivamente para o ordenamento jurdico, visto que no se vislumbra, salvo melhor juzo, nenhum interesse do Legislativo em coloc-las em pauta de votao. A Lei Complementar n 95/1998 no prev a consolidao por insero, modalidade prevista na Lei Complementar n 13, do Distrito Federal, de 3 de setembro de 1996, que consiste na incluso das alteraes determinadas pela leis alteradoras no corpo da lei alterada e a republicao do texto assim consolidado. No entanto, talvez prevendo a dificuldade da consolidao geral das leis federais, a Lei Complementar n 107/2001 incluiu o 3 no art. 14 da Lei Complementar n 95/1998, admitindo dois tipos especficos de projeto de lei de consolidao:

Art. 14 ..................................................................................................................... ................................................................................................................................. 3 Observado o disposto no inciso II do caput, ser tambm admitido projeto de lei de consolidao destinado exclusivamente : I declarao de revogao de leis e dispositivos implicitamente revogados ou cuja eficcia ou validade encontre-se completamente prejudicada; II incluso de dispositivos ou diplomas esparsos em leis preexistentes, revogando-se as disposies assim consolidadas nos mesmos termos do 1 do art. 13.

A redao do inciso II supracitado no muito clara. Ao que parece, trata-se de uma miniconsolidao ou consolidao parcial, que posteriormente poderia ser incorporada consolidao propriamente dita prevista no art. 13. No entanto, essa regra poderia servir para que se fizessem as consolidaes por insero. De qualquer forma, tais espcies de consolidao especficas, mais fceis de se proceder, diminuiriam sensivelmente o emaranhado de leis e

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tirariam dos rgos editoriais pblicos e editoras privadas que trabalham com a divulgao da legislao a incumbncia de definir ao preparar suas compilaes quais leis ainda esto em vigor e qual a efetiva redao de seus dispositivos alterados, j que, como veremos a seguir, a tcnica e o processo de alterao das leis o principal responsvel pelo caos no ordenamento jurdico brasileiro. 1.4 A tcnica de alterao das leis Em monografia de concluso do curso de especializao em Processo Legislativo, Barroso (2008) se ocupa dos dois eixos principais da Lei Complementar 95/1998: a parte que define as regras para a estruturao e redao (elaborao) das leis e a que preconiza as rotinas para a sua consolidao. Sintomaticamente, no abordou e disse-o expressamente a parte que trata da tcnica de alterao das leis, certamente por tambm considerar ou intuir que esta parte constitui um terceiro eixo que se relaciona, mas no se confunde com os outros dois. Como observa Freire (2003, p. 83), no processo de alterao das leis devem ser adotados procedimentos que visem preservar, tanto quanto possvel, a clareza, a preciso e a unidade do seu texto, suprindo lacunas e desfazendo ambiguidades que possam comprometer o sentido das suas disposies. No entanto, a literatura especializada tem negligenciado o tema da tcnica de alterao da leis. Quando trata do assunto, limita-se a reproduzir o texto da Lei Complementar n 95/1998, como se ele fosse autoexplicativo e suficiente para garantir que as alteraes sejam feitas de forma clara e coerente com o conjunto do texto ao qual vo se incorporar. Basta, porm, uma rpida consulta aos volumes da srie Legislao editada pela Codep para se perceber a profuso de notas de rodap que tentam explicar e corrigir as falhas e omisses nos textos legais em vigor, frutos de alteraes feitas com descuido da boa tcnica legislativa, mesmo aps o advento da referida lei. O fato que a Lei Complementar n 95/1998 dedicou apenas a Seo III do Captulo II que tambm trata da elaborao e redao das leis para tratar da tcnica de alterao das leis. Tal seo composta de um nico artigo, que foi profundamente modificado pela Lei Complementar n 107/2001, conforme quadro a seguir:

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LEI COMPLEMENTAR N 95/1998 Redao original Art. 12. A alterao da lei ser feita: I mediante reproduo integral em novo texto, quando se tratar de alterao considervel; II na hiptese de revogao; III nos demais casos, por meio de substituio, no prprio texto, do dispositivo alterado, ou acrscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras: a) no poder ser modificada a numerao dos dispositivos alterados; b) no acrscimo de dispositivos novos entre preceitos legais em vigor, vedada, mesmo quando recomendvel, qualquer renumerao, devendo ser utilizado o mesmo nmero do dispositivo imediatamente anterior, seguido de letras maisculas, em ordem alfabtica, tantas quantas forem suficientes para identificar os acrscimos; c) vedado o aproveitamento do nmero de dispositivo revogado, devendo a lei alterada manter essa indicao, seguida da expresso revogado; Redao dada pela Lei Complementar n 107/2001

II mediante revogao parcial;

a) revogado;

b) vedada, mesmo quando recomendvel, qualquer renumerao de artigos e de unidades superiores ao artigo, referidas no inciso V do art. 10, devendo ser utilizado o mesmo nmero do artigo ou unidade imediatamente anterior, seguido de letras maisculas, em ordem alfabtica, tantas quantas forem suficientes para identificar os acrscimos; c) vedado o aproveitamento do nmero de dispositivo revogado, vetado, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou de execuo suspensa pelo Senado Federal em face de deciso do Supremo Tribunal Federal, devendo a lei alterada manter essa indicao, seguida da expresso revogado, vetado, declarado inconstitutucional, em controle concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal, ou execuo suspensa pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da Constituio Federal; d) o dispositivo que sofrer modificao de d) admissvel a reordenao interna das unidades redao dever ser identificado, ao seu final, em que se desdobra o artigo, identificando-se o com as letras NR maisculas, entre artigo assim modificado por alterao de redao, parnteses. supresso ou acrscimo com as letras NR maisculas, entre parnteses, uma nica vez ao seu final, obedecidas, quando for o caso, as prescries da alnea c Pargrafo nico. O termo dispositivo mencionado nesta Lei refere-se a artigos, pargrafos, incisos, alneas ou itens.

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A quantidade de alteraes ocorridas na mesma legislatura em que a lei foi aprovada j reveladora da precariedade do texto original da Lei Complementar n 95/1998 no que tange tcnica de alterao disposta em seu art. 12. Porm, mesmo com as modificaes, esse artigo ainda contm vrias imprecises e lacunas Quanto ao disposto no inciso I do referido art. 12, s podemos consider-lo uma modalidade de alterao da lei se entendermos o termo lei de uma forma genrica, como snonimo de legislao ou norma em vigor, e no no seu sentido literal de diploma legal adotado ao longo do texto da Lei Complementar n 98/1998. No referido inciso, o que se determina que um novo diploma legal passar a regular a norma contida em lei anterior a ser revogada conforme previsto no art. 9 da mesma lei complementar. No se trata de alterao do texto da lei, no sentido literal, portanto, mas de sua total supresso do ordenamento jurdico. A ttulo de comparao, a Lei Complementar n 13/1996-DF, que trata da tcnica legislativa no mbito local, bem mais precisa ao definir as modalidades de alterao:

Art. 107. Alterao a modificao de dispositivo de lei. Pargrafo nico. A alterao ocorre por: I supresso; II acrscimo; III nova redao. ................................................................................................................................. Art. 111. Sempre que for considervel a alterao da lei anterior, ser elaborada lei nova disciplinando integralmente a matria anteriormente tratada.

Outra falha da redao do inciso I do art. 12 da lei federal a sua subjetividade (tambm presente no art. 111 da lei distrital), explicitada no uso da expresso alterao considervel. Ora, quanto uma alterao considervel? A Lei Complementar n 107/2001 altera seis dos dezenove artigos originais da Lei Complementar 95/1998 (alm de acrescentar-lhe o art. 18-A, cujo texto foi vetado) com profundas modificaes de mrito, principalmente quanto tcnica de alterao e consolidao das leis. O legislador no entendeu, entretanto, que tal quantidade de alteraes fosse considervel, j que permitiu fossem feitas no corpo da prpria lei alterada, conforme determina o inciso III.

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Quanto ao inciso II, sua nova redao passa a se referir especificamente revogao parcial, j que se percebeu que a revogao total j est implcita no inciso anterior. No entanto, a referncia revogao parcial dispensvel. Ela pode ser entendida no mbito dos outros casos previstos no inciso III, uma vez que essa revogao dever ser expressa na lei alteradora e passar a constar do texto da lei alterada. A redao do inciso III tambm problemtica, a comear pelo fato de que no h dispositivo na Lei Complementar n 95/1998 definindo expressamente que as alteraes so feitas por meio de uma lei alteradora. A ttulo de comparao, vejamos que a Lei Complementar n 13/1996-DF, ao tratar do mesmo tema, define claramente (art. 95) que a alterao em texto de lei considera-se lei nova. Como a lei federal apenas determina que as alteraes sero feitas no corpo da lei alterada, poder-se-ia pensar, que esta que tramitaria novamente com as alteraes sendo apresentadas como novas emendas que, aprovadas, passariam a fazer parte do texto a ser republicado. Na prtica, sabemos que, tambm no mbito federal, as alteraes so feitas por meio de uma nova lei, que necessita adequar o disposto em outra lei vigente ao tratar de matria conexa, ou que tenha sido redigida com o fito exclusivo de alterar determinados dispositivos da lei anterior. No segundo caso, temos o que Ives Gandra Martins Filho (2000, p. 2) chamou de leiagulha, pois introduz no tecido de outra lei a linha que ir bord-lo de forma distinta e, uma vez tendo passado, fica a linha e a agulha se vai, pois no mais necessria. No entanto, como a Lei Complementar n 95/1998 no determina a consolidao da lei alterada com a insero das alteraes no corpo do texto, as leis alteradoras mesmo as leis-agulhas continuam vigendo e sua consulta necessria para se ter certeza de quais as alteraes foram efetivamente introduzidas no texto da lei anterior. Como j vimos no tpico anterior, a consolidao das leis no direito brasileiro objeto da tcnica legislativa e deve ser feita mediante processo legislativo. As publicaes atualizadas, com a insero das alteraes, elaboradas pelos rgos administrativos do Executivo e Legislativo, no so propriamente consolidaes, mas meras compilaes, sem fora de lei:

No Direito Constitucional italiano, prevista delegao legislativa para a redao, em texto nico, de normas contidas em vrios textos da mesma natureza, mas expedidos em momentos diversos. H, entretanto, diferena

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fundamental entre textos nicos delegados, caso em que existe a faculdade no s de coordenao, mas tambm de modificao, de integrao e, eventualmente, de interpretao autntica, e texto nico de mera coordenao, ou seja, de simples compilao, no qual a fora de lei das normas singulares, nele reunidas, permanece sempre ancorada s leis das quais as mesmas normas so tiradas. (FREIRE, 2002, p. 203)

J o Decreto n 4.176/2002 que reproduz em seu art. 24 o disposto no art. 12 da Lei Complementar n 95/1998 assim determina em seu art. 25:

Art. 25. O projeto que alterar significativamente ato normativo existente conter, ao final de seu texto, artigo determinando a republicao do ato normativo alterado, com as modificaes nele realizadas desde sua entrada em vigor.

O primeiro ponto a se observar que esse artigo cria mais uma categoria subjetiva para as alteraes. Se considerveis, como previsto no inciso I da Lei Complementar, elabora-se nova lei; se apenas significativas, fazem-se as alteraes no corpo da lei alterada, republicando-a com as alteraes. O referido decreto porm no diz como diferenciar alterao considervel de alterao significativa. Poderamos nos perguntar ainda, valendo-nos da mesma subjetividade dos conceitos: se as alteraes no forem nem considerveis nem significativas, para que faz-las? O procedimento previsto no art. 25 do referido decreto j havia sido adotado anteriormente em relao Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quando de sua alterao pela Lei n 9.527, de 10 de dezembro de1997, que assim determinou: Art. 13. O Poder Executivo far publicar no Dirio Oficial da Unio, no prazo de trinta dias aps a publicao desta Lei, texto consolidado da Lei n 8.112, de 1990. O texto consolidado, porm, s veio a ser publicado no Diario Oficial da Unio de 18 de de maro de 1998. Freire (2003, p. 99) enxerga nessa praxe equivalncia com a modalidade de consolidao por insero, prevista na Lei Complementar n 13/1996-DF. No me parece seja exatamente o mesmo caso, porm, pois a republicao prevista no decreto federal s se dar em casos esparsos, quando for prevista na lei alteradora, assim como ocorreu com a Lei 8.112/1990, e se far apenas a insero das alteraes textualmente referidas na lei alteradora. J a consolidao por insero, prevista na lei distrital (arts. 121-123), de competncia privativa da Cmara Legislativa e

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determinada por decreto legislativo ou resoluo, conforme o caso; deve ser feita anualmente com todas as leis alteradas no perodo, permitindo-se adaptaes no texto para atualizar denominaes de rgos, cargos etc., bem como corrigir-lhe os lapsos de redao. Em ambos os casos, porm, no se trata de novas leis, tampouco h revogao das leis alteradoras, que permanecem no ordenamento jurdico. Portanto a fora de lei dos textos assim consolidados melhor seria dizer atualizados tambm permanece ancorada aos textos originais da lei alterada e de suas posteriores alteraes. Esse parece ser o entendimento da prpria Presidncia da Repblica, que, na publicao eletrnica do texto consolidado da Lei n 8.112/1990, apenas indica a data de publicao da consolidao no Dirio Oficial daUnio (DOU), mas afirma que aquele texto no substitui o texto original publicado no DOU de 12 de dezembro de 1990. Ainda em relao ao inciso III do art. 12 da Lei Complementar n 95/1998, cumpre destacar as consequncias da nova redao da alnea b, que passa a permitir renumerao dos dispositivos inferiores ao artigo. Isso determina a revogao da alnea a e a nova redao da alnea d. Na redao original da alnea d previa-se apenas a colocao de (NR) aps o dispositivo alterado. Como a lei no definia o que era dispositivo, o legislador no sabia se deveria colocar a sigla aps a subdiviso especfica alterada ou ao final do artigo todo. A identificao se tornava mais confusa ainda pela prtica de se substituir por pontilhado na lei alteradora as partes do artigo da lei alterada que no sofreram modificao. A nova redao, entretanto, no tornou o texto menos obscuro:Art. 12. .................................................................................................................... III ........................................................................................................................ d) admissvel a reordenao interna das unidades em que se desdobra o artigo, identificando-se o artigo assim modificado por alterao de redao, supresso ou acrscimo com as letras NR maisculas, entre parnteses, uma nica vez ao seu final, obedecidas, quando for o caso, as prescries da alnea c.

A primeira dvida, que se reflete na elaborao das leis alteradoras, se o (NR) deve constar aps todo artigo modificado por alterao de redao, supresso ou acrscimo ou apenas naqueles cuja alterao for feita com reordenao interna de suas unidades. A redao ambgua, mas a interpretao estrita do comando deveria levar ao segundo entendimento, com a expresso assim modificado significando modificado com reordenao interna, seguindo-se a indicao

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de como se pode fazer tal reordenamento. No entanto, o Decreto n 4.176/2002 preferiu a primeira interpretao, ao determinar que o artigo com alterao de redao, supresso ou acrscimo no caput ou em seus desdobramentos deve ser indentificado, somente ao final da ltima unidade, com as letras NR maisculas entre parnteses (art. 24, paragrafo nico, VII). Na prtica das leis alteradoras, entretanto, encontramos a norma sendo entendida de variadas formas: citao do artigo inteiro, contendo a redao do dispositivo alterado ou acrescido, pontilhados nas partes que permanecem inalteradas e (NR) ao final; com a citao apenas da subdiviso que sofreu a alterao, seguida de (NR); e, quando h realmente reordenamento das partes internas, com a reproduo de todo o artigo com sua nova redao, e a sigla (NR). Alm disso, s vezes indica-se que um dispositvo foi revogado no corpo da nova redao; noutro casos d-se a nova redao indicando por pontilhado determinado dispositivo (inciso, alnea), como se sua redao permancesse inalterada, o qual depois suprimido pela clusula de revogao. O mais curioso que, qualquer que seja a sua interpretao, o disposto na alinea d em relao ao uso do (NR) totalmente incuo. Seu objetivo seria identificar, na lei alterada, a alterao sofrida, evitando-se possvel equvoco de interpretao do direito ocasionado por remisso, em outra lei, redao original do dispositivo alterado. Porm, no nosso ordenamento jurdico o processo de alterao das leis se completa com a publicao no da lei alterada com as alteraes inseridas no texto, mas da lei alteradora com a indicao dos dispositvos a serem alterados. Colocar o (NR) na lei alteradora um procedimento redundante, visto que no texto da lei j est ou deveria estar explicitado de forma inequvoca o modo como os dispositivos sero alterados. Tampouco nos textos atualizados publicados pelos rgos do Legislativo e Executivo utiliza-se o (NR) aps as inseres dos dispositivos alterados. A orientao para no utilizar a referida sigla para indicar as alteraes nas compilaes publicadas no site da Cmara consta do Manual de Compilao da Legislao Brasileira (no publicado). Essas compilaes, assim como as do site da Presidncia da Repblica (o site do Senado no publica os textos atualizados), trazem entre parnteses informaes mais detalhadas do tipo de alterao sofrida no artigo, remetendo lei alteradora. J nas publicaes impressas da Cmara, elaboradas pela Codep, essas informaes em geral constam de notas de rodap.

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CAPTULO 2 INCOERNCIAS E CONTROVRSIAS TEXTUAIS NA LEGISLAO FEDERAL 2.1 Consideraes preliminares Vimos que, no sistema adotado no Brasil, as alteraes na legislao so feitas mediante nova lei, mesmo quando devam ser inseridas no corpo da lei alterada. O Legislativo no aprecia novamente a lei alterada, com as alteraes j inseridas no texto, e sim a lei alteradora, com a indicao das alteraes promovidas. Cabe aos rgos administrativos que editam as compilaes de leis a tarefa, nem sempre fcil, de inserir as alteraes no texto da lei alterada. nesse trabalho de compilao que se evidenciam as incorncias textuais ocasionadas por alteraes muitas vezes redigidas de forma imprecisa ou obscura, seja porque a Lei Complementar 95/1998 falha, seja porque os legisladores nem sempre obedecem aos seus preceitos quanto s tcnicas de elaborao e alterao das leis. As falhas nas lei alteradoras somadas possibilidade de veto aos dispositivos alterados tambm podem levar a controvrsias sobre qual efetivamente a redao atual das leis alteradas. Os casos analisados neste captulo so uma amostra dos problemas gerados pelas falhas no procedimento de alterao da legislao em vigor. 2.2. Alteraes por revogao Como foi ressaltado no captulo anterior, ao se entender lei no sentido de diploma legal, sob a forma de qualquer um dos atos normativos elencados no art. 59 da Constituio, s poderamos falar em alterao por revogao quando se tratasse de revogao parcial, de apenas alguns dispositivos de determinada lei. Entretanto, o previsto no inciso I do art. 12 da Lei Complementar n 95/1998 a alterao da norma pela substituio de uma lei (ato normativo) por outra, que passar a disciplinar a matria tratada no diploma legal anterior e o revogar totalmente. Ainda assim, o novo texto pode apresentar lacunas e gerar dvidas e controvrsias em relao norma vigente, principalmente quando no revoga expressamente a lei anterior. No caso das normas para cobrana de Imposto de Renda (IR) em 2006, a controvrsia se deu porque a Lei n 119, de 25 de maio de 2005, reajustou a tabela progressiva do IR, calculando o novo valor com base nas alquotas vigentes de 15% e 27,5%, mas no revogou a Lei n 10.828, de 23 de dezembro de 2003, que estabelecia a vigncia dessa alquotas apenas at 31/12/2005. Com base nesses dados, Lewandowski (2006, p. E2) defendeu a inexistncia de lei vlida para

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exigir a cobrana do IR das pessoas fsicas naquele ano. Como a nova lei no fez meno ao prazo de vigncia das alquotas nem revogou expressamente a lei anterior, a jurista argumentava tratar-se de leis que regiam matrias diferentes (alquotas e reajuste de tabela do IR), ambas em vigor e, portanto, o prazo de vigncia das alquotas de 15% e 27,5% havia expirado, no havendo lei que prevesse novas alquotas para se cobrar o IR em 2006. A Receita Federal, entretanto, cobrou o IR de 2006 com base nas alquotas citadas, sem a edio de uma nova lei, com base no entendimento de que a Lei n 119/2005, ao disciplinar as normas sobre cobrana de IR, revogara tacitamente a lei anterior que tratava da mesma matria, mantendo-se as alquotas vigentes por tempo indeterminado. Curiosamente, ao editar-se a Lei n 11.482, de 31 de maio de 2007, para reajustar novamente a tabela do IR, o legislador teve o cuidado de revogar expressamente a Lei n 119/2005, mas no fez meno Lei 10.828/2003, que, conforme consta no portal de legislao da Presidncia da Repblica, no possui at hoje revogao expressa. Outro caso de alterao por revogao mal resolvido o que envolve a Lei n 9.841, de 5 de outubro de 1999, que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Para regulament-la, foi editado o Decreto n 3.474, de 19 de maio de 2000, que, entre outros, estabeleceu os conceitos de microempresa e de empresa de pequeno porte para os efeitos da referida lei. Essa lei foi expressamente revogada pela Lei Complementar n 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte Simples Nacional. Porm no houve nova regulamentao em relao aos conceitos anteriormente definidos no Decreto n 3.474/2000. Aparentemente o que ocorre que o referido decreto permanece em vigor, e os conceitos que define se aplicam Lei Complementar n 123/2006, visto que o Decreto n 6.174, de 1 de agosto de 2007, que institui e regulamenta o Frum Permanente da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte previsto na nova lei, limita-se a revogar do decreto anterior apenas os artigos prejudicados pela criao do frum. A ser essa a interpretao jurdica, temos a situao esdrxula de uma lei regulamentada por um decreto que se refere expressamente a outra lei, j revogada4.

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Na edio preparada pela Codep, optamos apenas por listar entre outras normas de interesse o referido decreto como legislao correlata Lei Complementar n 123/2006, sem contudo reproduzir-lhe o texto (BRASIL, 2008b, p. 99).

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Em relao s revogaes parciais, o maior risco de surgirem incoerncias no texto alterado est em revogar-se determinado dispositivo mantendo-se outro que faz remisso quele revogado. o que ocorre no texto do Regimento Interno da Cmara dos Deputados, do qual trataremos no captulo seguinte. Esse, porm, no o nico tipo de incoerncia advindo de falha de tnica legislativa nessa modalidade de alterao das leis, como veremos nos exemplos a seguir. Julyver Araujo, em artigo que aponta diversas incoerncias textuais geradas pelas alteraes no Cdigo de Trnsito brasileiro, faz a seguinte observao a respeito da revogao do inciso II do art. 187 da Lei n 9.503, de 23 de setembro de 1997, pela Lei n 9.602, de 22 de janeiro de 1998:

O inciso II do art. 187 foi revogado, tornando o dispositivo um tanto quanto mutilado, j que no h mais razo para sua diviso, podendo a descrio da infrao constar unicamente do caput do art. 187, o que no ocorre (porque no foi assim mencionado na Lei 9.602/98). (ARAUJO, 2007, p. 3)

A observao do articulista procede, j que, com a revogao do inciso II, que previa infrao grave especificamente para caminhes e nibus, o art. 187 do Cdigo de Trnsito passou a determinar uma s regra para todos os tipos de veculos, no se justificando mais a subdiviso do caput, como ainfa ocorre no texto alterado:

Art. 187 Transitar em locais e horrios no permitidos pela regulamentao estabelecida pela autoridade competente: I para todos os tipos de veculos: Infrao mdia. Penalidade multa. II (revogado.)

Embora essa alterao tenha sido feita no ms anterior ao da publicao da Lei Complementar n 95/1998, o Cdigo de Trnsito j foi alterado diversas vezes aps a edio dessa lei, sem que o legislador se desse o trabalho de corrigir as incoerncias no texto. Em vez disso, as novas alteraes geraram outras incoerncias, de que trataremos na prxima seo.

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Um caso mais intrigante de revogao parcial se deu em relao ao Decreto-Lei n 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Cdigo de Processo Penal). A Lei n 11.719, de 20 de junho de 2008 entre as diversas alteraes que introduz no referido decreto-lei d nova redao ao artigo 395 na qual revoga-lhe o pargrafo nico:

Art. 395. A denncia ou queixa ser rejeitada quando: I for manifestamente inepta; II faltar pressuposto processual ou condio para o exerccio da ao penal; ou III faltar justa causa para o exerccio da ao penal. (Includo pela Lei n 11.719, de 2008). Pargrafo nico. (Revogado.)

A informao de que o pargrafo nico do artigo alterado foi revogado consta no s da clusula de revogao na lei alteradora como da prpria nova redao que a lei d ao artigo, indicada entre aspas seguidas de (NR). Entretanto, a redao anterior (original) do art. 395 do referido decreto-lei, que versava sobre outro aspecto do processo penal, no possua pargrafo.5 Ou seja, o pargrafo nico foi includo e revogado pela mesma lei alteradora! Alm disso, como se tratava de alterao do artigo com reordenamento interno, no havia necessidade de revogar o pargrafo, bastando to-somente indicar a nova redao do artigo, sem pargrafo, fechando-se aspas aps o ltimo inciso do caput e apondo a sigla (NR), conforme determina a alnea b do art. 12 da Lei Complementar n 95/1998. Nesse caso, s a tramitao da Lei n 11.719/20016 pode esclarecer o que ocorreu. Ao consult-la, verificamos que, na verso do projeto que a Cmara encaminhou ao Senado (Projeto de Lei n 4207/2001), a atual redao do art. 395 era dada ao art. 396. O substitutivo do Senado inverteu as redaes propostas aos art. 395 e 396, tendo o cuidado de suprimir a referncia ao pargrafo nico. Na volta Cmara, o relator da matria na Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania (Brasil, 2007, p. 20) ironicamente o rgo que deve zelar pela boa tcnica legislativa dos projetos , embra tenha considerado pertinente a inverso proposta pelo Senado,Art. 395. O ru ou seu defensor poder, logo aps o interrogatrio ou no prazo de trs dias, oferecer alegaes escritas e arrolar testemunhas.(redao original do Decreto-Lei n 3.689/1941). Quem me indicou esse e outros casos de incoerncia, especialmente os relacionados ao veto s alteraes, foi a colega Joana DArc, funcionria da Celeg e responsvel por fazer as atualizaes da legislao compilada no site da Cmara. 6 Disponvel no portal de legislao da Cmara dos Deputados (www.camara.gov.br/legislao)5

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ao adot-la em seu novo substitutivo ao projeto que deu origem referida lei, incluiu novamente a revogao do pargrafo inexistente. 2.3. Alteraes por nova redao O descuido do legislador ao fazer alteraes na lei sem atentar para o conjunto das normas ali disciplinadas muitas vezes leva a incongruncias entre os dispositvos da lei alterada. Alm disso, a falta de clareza no texto da lei alteradora, que nem sempre obedece ao previsto na Lei Complementar n 95/1998, pode gerar dvidas sobre qual seria a efetiva nova redao dada a determinado dispositvo. O problema pode ser evidenciado at mesmo nas emendas constitucionais que, como uma das espcies de atos normativos elencados no art. 59 da Constituio Federal, tambm deveriam seguir o disposto no ar. 12 da Lei Complementar n 95/1998, sobre a tcnica de alterao das leis. Assim, as alteraes propostas pelas emendas deveriam ser inseridas no prprio corpo da Constituio, substituindo-se a redao dos dispositivos alterados. Na prtica, porm, vrias emendas constitucionais acrescem normas Constituio na forma de legislao exorbitante, ou seja, no prprio artigo da emenda, sem fazer a alterao diretamente no texto da Carta por meio de nova redao aos seus dispositivos. Isso ocorre desde a Emenda Constitucional n 2, de 25 de agosto de 1992, que definiu, em seu artigo nico, a data e as normas de realizao do plebiscito sobre forma e sistema de governo. Posteriormente edio da Lei Complementar n 95/1998, essa prtica foi adotada diversas vezes, como na Emenda Constitucional n 19, de 4 de julho 1998, cujos artigos 25 a 31 e 33 fazem alterao Constituio, sem contudo inseri-las no prprio texto da Carta.7 A consequncia dessa prtica para a compilao do texto constitucional que as edies tm de trazer o texto das emendas anexados ao texto da Constituio propriamente dita, aumentando cada vez mais o volume da publicao. O trabalho do intrprete do direito tambm dificultado, pois, alm do texto constitucional compilado, ter de consultar os textos das emendas constitucionais no inseridos no corpo da Constituio para fazer a correta interpretao das normas constitucionais em vigor. A situao tende a piorar, pois a Emenda Constitucional n 45, de 30 de dezembro de 2004, incluiu o pargrafo 3 ao art. 5 da Constituio, determinando que7

A mesma prtica foi adotada em artigos das Emendas Constitucionais n 3, de 1993; nos 8 e 9, de 1995; n 17, de 1997; nos 19 e 20, de 1998; n 24, de 1999; nos 32 e 33, de 2001; nos 41 e 42, de 2003; n 45, de 2004; n 47, de 2005; nos 51, 52 e 53, de 2006; e 55, de 2007.

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as convenes sobre direitos humanos aprovadas com o mesmo rito das emendas constitucionais se equivalero a elas. Com isso, o nmero de anexos ao texto constitucional pode aumentar indefinidamente8 Mesmo quando o legislador inseriu as alteraes no corpo do texto constitucional, dando nova redao a determinado dispositivo, ainda por vezes no atentou para as regras de clareza e preciso caractersticas da boa tcnica legislativa. o que exemplifica o caso do art. 60 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias (ADCT), com redao dada pela Emenda Constitucional n 53, de 19 de dezembro de 2006, cujo texto do caput o seguinte:

Art. 60. At o 14 (dcimo quarto) ano a partir da promulgao desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municpios destinaro parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituio Federal manuteno e desenvolvimento da educao bsica e remunerao condigna dos trabalhadores da educao, respeitadas as seguintes disposies: [grifo meu]

Ora, essa a redao do artigo do ADCT, no da emenda constitucional, que no deveria ser referida no corpo do artigo. No entanto tal referncia feita na nova redao do art. 60 do ADCT no s no caput como tambm nos 2 e 3. De nada adiantaria, portanto, nesse e noutros semellhantes casos9, acrescentar meramente a sigla (NR) na republicao do texto compilado, pois preciso saber os dados da emenda que deu a nova redao para fazer a exata interpretao do artigo10. No caso do Estatuto do Desarmamento (Lei n 10.826/2003), os arts. 29, 30 e 32, sofreram alteraes sucessivas quanto aos prazos nele estabelecidos, em curto tempo de vigncia, evidenciando claramente a falta de previso dos efeitos e da aplicabilidade da lei, dois aspectos enfatizados nos estudos de legstica. Alm disso, as leis alteradoras no deram nova redao aos artigos para inserir os novos prazos no prprio texto da lei alterada, como determinam as regras de tcnica legislativa em vigor. Limitaram-se a informar em texto avulso que tais prazos estavamAt a concluso deste trabalho (fevereiro/2009) apenas a Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York em 30 de maro de 2007, foram aprovados nos termos do pargrafo 3 do art. 5 da Constituio (Decreto Legislativo n 185, de 9 de julho de 2008), tornando-se, para os efeitos legais, parte do texto constitucional. 9 Falhas idnticas ocorrem nos arts. 85 e 86 do ADCT, acrescidos pela Emenda Constitucional n 37, de 2002, e no art. 95, tambm do ADCT, acrescido pela Emenda Constitucional n 54, de 2007. 10 O texto compilado da Constituio Federal, no mbito do Congresso Nacional , organizado pelo Senado Federal, que no utiliza o (NR) aps as alteraes, mas informa entre parnteses a emenda, com nmero e ano, que fez a alterao. A publicao da Cmara dos Deputados utiliza os fotolitos do texto do Senado, mudando apenas a capa e as folhas tcnicas.8

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alterados. Ainda assim, a Lei n 11.191, de 2005, ltima a alterar o art. 32, menciona as leis alteradoras anteriores como se estas efetivamente tivessem dado nova redao ao artigo11. O j citado Cdigo de Trnsito (Lei n 9.503/1997) determina em seu art. 285 que o recurso previsto no art. 283 ser interposto perante a autoridade que imps a penalidade. Porm, como observou Julyver Araujo (2007, p. 3), o art. 283 foi vetado, e a previso do recurso, com o prazo a contar da data de notificao da penalidade, agora consta do pargrafo 4 do art. 282, que recebeu nova redao dada pela Lei 9.602/1998 para sanar a lacuna ocasionada pelo veto ao art. 283. Contudo, a lei alteradora omitiu-se quanto ao texto do art. 285, que continua fazendo remisso ao artigo vetado. Embora, como j dito na seo anterior, trate-se de alterao ocorrida um ms antes da publicao da Lei Complementar n 95/1998, o legislador j poderia ter se preocupado em corrigir tambm essa incoerncia numa das diversas alteraes posteriores a que o Cdigo de Trnsito foi submetido nos ltimos dez anos. Como j vimos na seo anterior, comum o legislador inserir no texto da nova redao a revogao de alguma unidade do artigo. Foi o que fez tambm a Lei n 10.165, de 27 de dezembro de 2000, ao dar nova redao ao art. 17-G da Lei n 6.938, de 31 de agosto de 1981, e substituir a antiga redao do seu pargrafo nico pela expresso revogado entre parnteses. Posteriormente, entretanto, a Lei n 11.284, de 2006, fez nova alterao no referido art. 17-G, acrescentando-lhe um pargrafo 2. No se teve o cuidado, porm, de transformar o antigo pargrafo nico em pargrafo primeiro. Assim, a compilao no site da Presidncia da Repblica registra a incoerncia textual no artigo que possui um pargrafo nico seguido de um 2. J na nova redao dada pela Lei n 10.740, de 1 de outubro de 2003, ao art. 59 da Lei 9.504, de 30 de setembro de1997 que estabelece normas para as eleies , adotou-se procedimento diferente: a lei alteradora reordenou os desdobramentos do artigo em apenas sete pargrafos, ao fim dos quais fecharam-se aspas seguidas de (NR), suprimindo-se assim o antigo pargrafo 8, sem mencion-lo como revogado. Poder-se-ia argumentar que tal procedimento deveria ser evitado, para que numa posterior alterao com o acrscimo de pargrafos no se reaproveitasse o nmero do pargrafo ora suprimido. No entanto a norma expressa no art. 12, III, d, da Lei Complementar n 95/1998 permite a reordenao interna das unidades em que se11

Como, na publicao da lei alterada, no h como inserir os novos prazos no corpo dos artigos, na edio da Codep informamos as alteraes de prazo em notas de rodap, remetendo s leis alteradoras (BRASIL, 2008a, p. 22-23, notas 10-13).

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desdobra o artigo, assim modificado por meio de substituio, acrscimo ou supresso de dispositivos, sem consignar que tal supresso deva ser feita por meio de revogao. O que se veda (art. 12, III, c) o reaproveitamento de nmero de dispositivo j revogado. Entretanto, provavelmente por no ter havido sua revogao expressa, o pargrafo 8 supracitado foi mantido na compilao da lei publicada no portal de legislao da Presidncia da Repblica, onde constam dois pargrafos idnticos no art. 59 da lei alterada, j que o atual pargrafo 7 reproduz literalmente o disposto no antigo pargrafo 8. Ainda que, nesse caso, a falha seja do compilador, ela motivada pela falta de clareza da norma e do procedimento do legislador em relao alterao as leis, e gera controvrsias e crticas sobre o efetivo texto da lei eleitoral em vigor, visto que a compilao da Presidncia da Repblica a principal referncia para os intrpretes do direito e os cidados em geral12. 2.4 A questo do veto s alteraes A Constituio Federal (art. 66, 2) determina que o veto parcial a projeto de lei encaminhado a sano presidencial somente abranger texto integral de artigo, pargrafo, inciso ou alnea, impedindo com isso o veto a expresses e palavras avulsas, como era possvel at ento. Ainda assim, o veto presidencial, mesmo na redao original das leis, motivo de incoerncias e controvrsias textuais, como evidencia o exemplo do art. 2 da prpria Lei Complementar n 95/1998, j comentado no primeiro captulo deste estudo. A situao se agrava quando se trata de leis alteradoras, e o veto incide no sobre um dispositivo integral da nova lei, mas sobre a nova redao de dispositivo da lei que se pretendia alterar. Isso possvel porque, na prtica legislativa, uma lei alteradora pode dar nova redao a diversos dispositivos de uma determinada lei a ser alterada simplemente relacionando-os na sequncia do caput do artigo alterador, sem nenhuma subdiviso em unidade menores. O exemplo extremo a Lei n 11.719, de 20 de junho de 2008, que, em seu art. 1, d nova redao a nada menos que 29 artigos do Cdigo de Precesso Penal (Decreto-Lei n 3.689/1941) alm de acrescentar-lhe mais um artigo. Em casos como o citado no pargrafo anterior, se a determinao constitucional fosse entendida como sendo o veto aplicado obrigatoriamente sobre um dispositivo integral da nova lei sob exame, o presidente da Repblica teria de vetar o artigo inteiro e, com isso, toda a alterao pretendida. Mas, uma vez que a norma constitucional omissa quanto peculiariadade das leis12

Na 4 edio da coletnea sobre legislao eleitoral publicada pela Codep, j consta a nova redao do artigo 59 da Lei n 9.504/1997, com a supresso do 8. (BRASIL, 2006b, p. 266).

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alteradoras, comum o veto presidencial incidir no sobre dispositivo da nova lei, mas sobre a nova redao proposta a determinado dispositivo da lei alterada. Ao fazer isso, abre-se margem para controvrsias sobre qual seria a efetiva redao atualizada da lei alterada. Segundo o Manual de Compilao da Celeg (no publicado), citando orientao da Consultoria Legislativa da Cmara dos Deputados, quando o veto incide sobre toda a nova redao proposta para o artigo, deve-se manter a redao anterior na compilao da lei que seria alterada. Quando o veto incide apenas sobre parte da nova redao do artigo, faz-se a substituio da redao na lei alterada, apondo-se a expresso vetado no lugar do texto dos dispositivos que sofreram o veto presidencial. Essa parece ser tambm a orientao adotada nas compilaes da Presidncia da Repblica em geral, com o que se resolve a maioria dos casos, do ponto devista da compilao do texto, embora juridicamente possa se questionar se a redao anterior no deveria ser retirada do ordenamento jurdico mesmo quando a nova redao integralmente vetada. De qualquer maneira, tais orientaes no resolvem todos os casos de controvrsias na compilao das leis cujas alteraes sofreram veto. O caso mais emblemtico o do art. 366 do j citado Cdigo de Processo Penal, cuja redao proposta na Lei 11.719/2008 alterava a redao do caput e revogava-lhe os pargrafos. Entretanto, o presidente da Repblica vetou a nova redao do caput, mas manteve a revogao dos pargrafos do referido artigo, conforme se v no art. 1 da lei alteradora:

Lei n 11.719, de 20 de junho de 2008Art. 1 Os arts. 63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 538 do Decreto-Lei n 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Cdigo de Processo Penal, passam a vigorar com a seguinte redao, acrescentando-se o art. 396-A: ................................................................................................................... "Art. 366. (VETADO) 1 (Revogado). 2 (Revogado)." (NR) ...................................................................................................................

A redao proposta ao caput e vetada determinava que a citao ainda ser feita por edital quando inacessvel, por motivo de fora maior, o lugar em que estiver o ru. Como o veto

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incidiu apenas em parte da nova redao, a atual redao do art. 366 do referido cdigo seguindo-se a praxe adotada para os casos de veto s alteraes deveria conter a absurda combinao de caput vetado desdobrado em pargrafos revogados. No entanto, na prpria mensagem com que se justifica o veto (BRASIL, 2008e), afirma-se que tal providncia visa a assegurar vigncia ao comando legal atual, qual seja, a suspenso do processo e do prazo prescricional na hiptese de ru citado por edital que no comparecer e tampouco indicar defensor. Anteriormente modificao proposta, o referido art. 366 tinha a seguinte redao:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, no comparecer, nem constituir advogado, ficaro suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produo antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar priso preventiva nos termos do disposto no art. 312. (Caput do artigo com redao dada pela Lei n 9.271, de 17/4/1996) 1 As provas antecipadas sero produzidas na presena do Ministrio Pblico e do defensor dativo. (Pargrafo acrescido pela Lei n 9.271, de 17/4/1996) 2 Comparecendo o acusado, ter-se- por citado pessoalmente, prosseguindo o processo em seus ulteriores atos. (Pargrafo acrescido pela Lei n 9.271, de 17/4/1996)

Assim, contrariando a praxe, tanto a compilao eletrnica da Cmara dos Deputados, organizada pela Celeg, quanto a da Presidncia da Repblica, mantm a redao anterior do caput do artigo, mas indicam a revogao aos 1 e 2 pela Lei n 11.719/2008. Alm da possvel controvrsia jurdica sobre a vigncia da redao anterior ao vetar-se a nova redao, tal procedimento trai a inteno do legislador e causa uma grave mutilao no texto ao manter-se a antiga redao do caput sem os seus desdobramentos explicativos que constavam dos pargrafos, os quais s foram revogados porque, na nova redao vetada, eles no fariam sentido. Controvrsia semelhante ocorre em relao ao art. 2 da Lei n 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que originalmente se desdobrava em apenas dois pargrafos. Na nova redao dada pelo art. 3 da Lei n 9.785, de 29 de novembro de 1999, alterou-se o pargrafo 2 do referido artigo e acrescentou-se-lhe os 3 a 6. Porm foram vetadas na lei alteradora a nova redao do pargrafo 2 e a redao proposta para o 3, sendo sancionadas as demais alteraes:Art. 3o A Lei n 6.766, de 19 de dezembro de 1979, passa a vigorar com as seguintes alteraes: "Art. 2o .......................................................................................................

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.................................................................................................................." " 2o (VETADO) " 3o (VETADO) 4o Considera-se lote o terreno servido de infraestrutura bsica cujas dimenses atendam aos ndices urbansticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe. 5o Consideram-se infraestrutura bsica os equipamentos urbanos de escoamento das guas pluviais, iluminao pblica, redes de esgoto sanitrio e abastecimento de gua potvel, e de energia eltrica pblica e domiciliar e as vias de circulao pavimentadas ou no. 6o A infraestrutura bsica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistir, no mnimo, de: I - vias de circulao; II - escoamento das guas pluviais; III - rede para o abastecimento de gua potvel; e IV - solues para o esgotamento sanitrio e para a energia eltrica domiciliar."

Como parte da nova redao foi sancionada, a praxe seria substiuir integralmente o texto do artigo na lei alterada, informando o veto nova redao do 2 e ao 3 acrescido. No entanto, na compilao eletrnica da Presidncia da Repblica manteve-se a redao anterior do 2, o que foi seguido pela Celeg na compilao eletrnica da Cmara dos Deputados13. Aqui talvez tenha prevalecido entendimento diferente por ser a alterao anterior s modificaes introduzidas pela Lei Complementar n 107/2001 na Lei Complementar n 95/1998, cuja redao original do art. 12, III, d, previa a aposio da sigla (NR) aps cada dispositivo alterado (no caso o pargrafo 2). Note-se que no h (NR) ao final do artigo. Assim, entendeu-se que houve veto total nova redao do pargrafo e, portanto, manteve-se a redao anterior. A Lei 9.985, de 18 de julho de 2007 deu nova redao ao art. 40 da Lei n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e acresceu-lhe o art. 40-A. A redao anterior do art. 40 era a seguinte:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto s Unidades de Conservao e s reas de que trata o art. 27 do Decreto n 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localizao:13

Conforme informao da colega Joana DArc, responsvel pelas compilaes da Celeg, a redao anterior do pargrafo 2 foi mantida porque assim procederam, alm da Presidncia da Repblica, outras editoras de compilaes de leis, como a Saraiva, a Magister e a Lex.

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Pena - recluso, de um a cinco anos. 1 Entende-se por Unidades de Conservao as Reservas Biolgicas, Reservas Ecolgicas, Estaes Ecolgicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, reas de Proteo Ambiental, reas de Relevante Interesse Ecolgico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Pblico. 2 A ocorrncia de dano afetando espcies ameaadas de extino no interior das Unidades de Conservao ser considerada circunstncia agravante para a fixao da pena. 3 Se o crime for culposo, a pena ser reduzida metade.

O que pretendia o legislador ao propor as alteraes era diferenciar as Unidades de Conservao de Proteo Integral (que continuariam a ser tratadas no art. 40) das Unidades de Conservao de Uso Sustentvel (a ser disciplinadas no art. 40-A). O presidente da Repblica, porm, vetou a nova redao do caput. do art. 40, bem como o caput do art. 40-A, mas manteve a nova redao dos pargrafos do art. 40 e os pargrafos do art. 40-A. Assim a redao atual (texto compilado) da Lei 9.605/1998 a seguinte:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto s Unidades de Conservao e s reas de que trata o art. 27 do Decreto n 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localizao: Pena - recluso, de um a cinco anos. 1o Entende-se por Unidades de Conservao de Proteo Integral as Estaes Ecolgicas, as Reservas Biolgicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refgios de Vida Silvestre. (Redao dada pela Lei n 9.985/2000) 2o A ocorrncia de dano afetando espcies ameaadas de extino no interior das Unidades de Conservao de Proteo Integral ser considerada circunstncia agravante para a fixao da pena. (Redao dada pela Lei n 9.985/2000) 3 Se o crime for culposo, a pena ser reduzida metade. Art. 40-A. (VETADO). 1o Entende-se por Unidades de Conservao de Uso Sustentvel as reas de Proteo Ambiental, as reas de Relevante Interesse Ecolgico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentvel e as Reservas Particulares do Patrimnio Natural. 2o A ocorrncia de dano afetando espcies ameaadas de extino no interior das Unidades de Conservao de Uso Sustentvel ser considerada circunstncia agravante para a fixao da pena.

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3o Se o crime for culposo, a pena ser reduzida metade. (Artigo includo pela Lei n 9.985/2000)

Como se pode notar, com a manuteno da redao anterior do caput do art. 40 e o registro de veto ao caput do art. 40-A, no faz sentido as especificaes dessas unidades de conservao serem disciplinadas em artigos distintos.

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CAPTULO 3 AS ALTERAES NO REGIMENTO INTERNO DA CMARA DOS DEPUTADOS 3.1 Consideraes preliminares Aprovado pela Resoluo n 17, de 21 de setembro de 1989, o Regimento Interno da Cmara dos Deputados (RICD) j sofreu diversas alteraes ao longo desses quase vinte anos de vigncia. Neste captulo, pretende-se evidenciar que o RICD um caso emblemtico do problema de que estamos tratando neste trabalho, no s pela quantidade de incoerncias textuais geradas pelas resolues que revogaram ou deram nova redao a alguns de seus dispositivos sem atentar para a boa tcnica legislativa, como pela soluo dessas divergncias por meio de adaptaes controversas nas compilaes editadas pela Coordenao de Publicaes (Codep), convalidadas, a partir da 7 edio, pelo Ato da Mesa n 71, de 14 de dezembro de 2005, conforme veremos adiante. 3.2 Incoerncias decorrentes das alteraes So muitos os dispositivos do texto original do RICD que j foram revogados ou receberam nova redao por meio de resolues alteradoras. Contudo, muitas vezes a resoluo alteradora no teve o cuidado de adaptar ao longo do texto outros dispositivos que fazem referncias redao anterior dos dispositivos alterados, gerando assim incoerncias textuais. Veja-se, por exemplo a redao do art. 90 e a observao de Mozart Foschet, numa edio comentada do RICD:

Art. 90. Se esgotado o Grande Expediente antes das dezenove horas, ou no havendo matria a ser votada, o Presidente conceder a palavra aos oradores indicados pelos Lderes para Comunicaes Parlamentares. Comentrio 88: H um evidente erro de redao no caput do art. 90: onde se l Grande Expediente, leia-se Ordem do Dia (FOSCHET, 2004, p. 105)

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Ocorre que o o texto citado coerente com a redao dada pela Resoluo n 3, de 1991, ao art. 66, caput, III, que previa o incio do Grande Expediente aps a concluso da Ordem do Dia, podendo estender-se at s dezenove horas. Entretanto, a Resoluo n 1, de 1995, deu nova redao aos incisos II e III do caput do art. 66, invertendo a sequncia entre essas partes da sesso. Determinou tambm as devidas alteraes nos arts 82 e 87, adequando-os nova redao do art. 66, mas omitiu-se em relao ao art. 90, gerando a incoerncia textual apontada. O caso mais notrio desse flagrante de falha de tcnica legislativa e que nos interessa diretamente, pois ocorreu j na vigncia da Lei Complementar n 95/1998 o da Resoluo n 25, de 2001, que instituiu o Cdigo de tica e Decoro Parlamentar da Cmara dos Deputados como parte integrante do RICD e fez diversas alteraes no texto do RICD. Entre outras, suprimiu os incisos e pargrafos do art. 244, dando-lhe nova redao que transfere para Cdigo de tica a definio das condutas contrrias ao decoro parlamentar e respectivas penas, bem como os procedimentos em caso de quebra de decoro parlamentar antes registrados nos arts. 245 a 248 do RICD, os quais revogou. Entretanto no fez as devidas correes nos arts. 17, I, f; 41,VIII; e 98, 6, que remetiam ao 1 do art. 244, nem a atualizao no art. 15, XV, que atribui Mesa a apenao de deputados com censura escrita ou perda temporria do exerccio de mandato, consoante o 2 do art. 245 e 2 do art. 46. Todos esses lapsos foram solucionados pela Mesa da Cmara, de forma controversa, com a republicao do texto do RICD consolidado no Dirio da Cmara Deputados, conforme veremos adiante. Outros, entretanto, ainda permancem no texto compilado pela Codep, em sua 7 edio. o que se pode observar no art. 104, 1, que remete ao art. 101, II, b, 1. Entretanto, na redao atual do art. 101, o inciso II no possui alneas. Ocorre que a Resoluo n 22, de 2004, deu nova redao ao art. 101, sem contudo fazer a devida adequao no art. 104, 1 que deveria remeter agora ao art. 101, I, a, 1. Outro caso curioso pode-se notar no art. 32, XVI, que contm a alnea m, contudo no possui a alnea l. O lapso tem origem na Resoluo n 20, de 2004, que deu nova redao a este artigo, conforme consta em nota de rodap da 7 edio do RICD, editada pela Codep (BRASIL, 2006a, p.55, nota 39).

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3.3 A questo das adaptaes no texto consolidado Freire (2002, p. 84) j observou que a consolidao das leis no direito brasileiro objeto da tcnica legislativa conforme previsto no art. 59, pargrafo nico, da Constituio Federal e disposto pela Lei Complementar n 95/1998 (art. 13 e 14)