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21 LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994 Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Fe- deral e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. 1. Lei Complementar nº 80/1994: a Lei Complementar que vamos estudar ingressou em nosso ordenamento jurídico em 12 de janeiro de 1994, com o objevo de organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, além de prescrever normas gerais para a organização das Defensorias Públicas nos estados. Trata-se de hipótese de legislação concorrente. Ao longo de seus mais de 15 anos de existência, a Lei Orgânica da De- fensoria Pública passou por algumas alterações legislavas, sendo a mais recente a LC n° 132, de 7 de outubro de 2009. LC 80/94 Organiza Defensoria Pública da União Defensoria Pública do Distrito Fede- ral e Territórios Normas gerais Defensoria Pública dos Estados Aplicação em concurso: DP/SE – 2012 – Cespe. Assinale a opção correta com relação às disposições constucionais acerca da DP. E) A organização da DP é definida de forma expressa na CF, compendo à União aparelhar a DPU, a DP do DF e as DPEs. Gabarito: o item está errado. 1.1. Emenda Constucional n. 69/2012: esse quadro normavo deline- ado pela LC n. 80/1994 tem por base a redação original da Constuição da República, que impunha à União a atribuição de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal. Ocorre que a União nunca de- sempenhou seu papel corretamente e, na práca, a defesa dos direitos do hipossuficiente no Distrito Federal foi desempenhada pelo Centro de Assistência Judiciária – Ceajur.

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Lei compLementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994

Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Fe-deral e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências.

1. Lei Complementar nº 80/1994: a Lei Complementar que vamos estudar ingressou em nosso ordenamento jurídico em 12 de janeiro de 1994, com o objetivo de organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, além de prescrever normas gerais para a organização das Defensorias Públicas nos estados. Trata-se de hipótese de legislação concorrente.

Ao longo de seus mais de 15 anos de existência, a Lei Orgânica da De-fensoria Pública passou por algumas alterações legislativas, sendo a mais recente a LC n° 132, de 7 de outubro de 2009.

LC 80/94Organiza

Defensoria Pública da UniãoDefensoria Pública do Distrito Fede-ral e Territórios

Normas gerais Defensoria Pública dos Estados

→ Aplicação em concurso:

• DP/SE – 2012 – Cespe. Assinale a opção correta com relação às disposições constitucionais acerca da DP.

E) A organização da DP é definida de forma expressa na CF, competindo à União aparelhar a DPU, a DP do DF e as DPEs.

Gabarito: o item está errado.

1.1. Emenda Constitucional n. 69/2012: esse quadro normativo deline-ado pela LC n. 80/1994 tem por base a redação original da Constituição da República, que impunha à União a atribuição de organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal. Ocorre que a União nunca de-sempenhou seu papel corretamente e, na prática, a defesa dos direitos do hipossuficiente no Distrito Federal foi desempenhada pelo Centro de Assistência Judiciária – Ceajur.

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Para contornar esse quadro, a Emenda Constitucional n. 69/2012 retirou a competência da União para organizar e manter a Defensoria Pública do Distrito Federal, bem como de legislar sobre a carreira. A União continua competente para organizar eventual Defensoria Pública nos territórios.

O art. 2º da Emenda afirma que “sem prejuízo dos preceitos estabelecidos na Lei Orgânica do Distrito Federal, aplicam-se à Defensoria Pública do Distrito Federal os mesmos princípios e regras que, nos termos da Cons-tituição Federal, regem as Defensorias Públicas dos Estados.” Portanto, o tratamento da Defensoria do Distrito Federal deve ser semelhante ao de uma Defensoria Pública estadual.

Por fim, o art. 3º determina que o Congresso Nacional e a Câmara Legis-lativa do Distrito Federal devem elaborar os projetos de lei necessários à adequação da legislação infraconstitucional.

Com a Emenda, a LC n. 80/1994 deverá ser alterada para se adequar ao novo parâmetro normativo. Nesse ponto, parece-nos que o § 1º do art. 134 da Constituição está parcialmente revogado. Afinal, consta daquele dispositivo que “Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados”. Na verdade, a União já não tem mais competência para legislar plenamente sobre a Defensoria Pública do Dis-trito Federal, mas tão somente – tal qual para as Defensorias Públicas es-taduais – prever normas gerais.

Além disso, deverá ser editada lei orgânica pelo Distrito Federal para regu-lamentar sua Defensoria Pública.

O novo quadro normativo seria o seguinte:

LC 80/94 �Organiza �

Defensoria Pública da UniãoDefensoria Pública dos Territórios

Normas gerais �

Defensoria Pública do Distrito FederalDefensoria Pública dos Estados

Como a LC n. 80/1994 ainda não foi alterada, mantivemos o quadro do item 1 em seu formato original, mas fica o alerta ao leitor para essa impor-tante mudança estrutural em nosso sistema jurídico.

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2. Divisão de artigos e temas na LC nº 80/94: a Lei Complementar em exame disciplina a Defensoria Pública como um todo. Para isso, traz disposições gerais, aplicáveis a quaisquer das suas Instituições, nos artigos 1° a 4°.

Em seguida, são apresentadas as normas pertinentes à Defensoria Pública da União nos artigos 5° a 51. A Defensoria Pública do Distrito Federal e Ter-ritórios é disciplinada nos artigos 52 a 96. Por fim, as normas gerais para as Defensorias Públicas estaduais estão previstas nos artigos 97 a 135. Os artigos 136 a 149 se referem a disposições finais e transitórias.

LC 80/94Tema Artigos

Disposições gerais 1º a 4ºDefensoria Pública da União 5º a 51Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios

52 a 96

Defensorias Públicas dos Estados 97 a 135Disposições finais e transitórias 136 a 149

TíTulo I DAS DISPoSIÇÕES PRElIMINARES

Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à fun-ção jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e ins-trumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação ju-rídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do in-ciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

1. Defensoria Pública na Constituição da República: a Constituição da Repú-blica de 1988 apresenta um extenso rol de direitos e garantias fundamen-tais em seu artigo 5°, com destaque para o inciso LXXIV, que estabelece o dever do Estado de prestar “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” Para atender a esse direito fundamental, a Constituição da República de 1988 previu expressamente a instituição da Defensoria Pública, outorgando-lhe a missão de prestar

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serviços jurídicos aos necessitados. Prevê o artigo 134 o seguinte: “A De-fensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5°, LXXIV.”

A redação do dispositivo constitucional traz importantes características acerca da Instituição. Primeiro, trata-se de instituição essencial à função jurisdicional, o que significa que sua criação e manutenção não são me-ras faculdades ou opções políticas dos governantes, que poderiam criar ou extinguir a Defensoria Pública, por conveniência e oportunidade. Pelo contrário, a criação da Defensoria Pública é dever, é imposição constitu-cional, de modo que o chefe do executivo que não cria, nem a equipa adequadamente, está violando a Constituição da República.

O § 1° do artigo 134 determina que cabe à Lei Complementar organizar a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal, bem como estabelecer normas gerais para as Defensorias Públicas dos Estados. Trata-se precisa-mente da LC n° 80/1994, objeto de nosso estudo. Como destacado acima, a EC 69/2012 modificou esse quadro normativo e, a nosso ver, revogou parcialmente o § 1º do art. 134, pois a organização da Defensoria do Distri-to Federal – e a legislação pertinente – agora estão a cargo do próprio DF.

Dito isso, é preciso ter em mente que, em prova objetiva que cobra tão somente a letra da lei, o § 1º do art. 134 continua plenamente válido e aplicável, uma vez que não foi expressamente revogado.

Com relação ao ingresso na carreira, o dispositivo constitucional exige a aprovação em concurso público de provas e títulos.

Ainda no § 1° do artigo 134, foi estabelecida uma garantia e uma vedação. O defensor público tem garantida constitucionalmente sua inamovibilida-de, o que se significa que não pode ser removido de seu posto de trabalho – ressalvadas hipóteses excepcionais. Além disso, foi vedado o exercício de advocacia fora das atribuições institucionais.

A disciplina constitucional da Defensoria Pública segue com o § 2° do ar-tigo 134, inserido pela Emenda Constitucional n° 45/2004, que promoveu a chamada Reforma do Judiciário. O § 2° garantiu às Defensorias Públicas dos Estados autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de sua proposta orçamentária – as Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal não foram contempladas com tais autonomias. Por sua

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vez, o artigo 168 determina que “os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, des-tinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Pú-blico e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos”.

A inserção desse dispositivo na Constituição significou conquista impor-tante para a Defensoria Pública, pois lhe garante independência para atu-ar somente com os olhos voltados a seu objetivo constitucional, que é a prestação de serviços jurídicos aos necessitados.

CARACTERÍSTICAS DA DEFENSORIA PÚBLICA NO PLANO CONSTITUCIONAL

Função essencial à Jurisdição;

Incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados (art. 5°, LXXIV);

LC organiza Defensoria Pública da União e Distrito Federal e estabelece normas gerais para as Defensorias Públicas dos Estados;*

Ingresso na carreira mediante aprovação em concurso público de provas e títulos;

Garantia da inamovibilidade;

Vedação de advocacia fora das atribuições institucionais;

Autonomia funcional e administrativa e iniciativa de sua proposta orçamentária (apenas para as Defensorias Públicas dos Estados, não para União e Distrito Fede-ral), devendo seus recursos ser repassados até o dia 20 de cada mês em duodéci-mos.

* Atenção: essa característica reproduz o texto normativo do § 1º do art. 134, que não foi expressamente revogado. No entanto, através de uma análise sistemática da Constituição, verificamos que, em razão da EC n. 69/2012, compete à LC organi-zar a Defensoria Pública da União e dos Territórios e estabelecer normas gerais para as Defensorias Públicas do dos Estados e do Distrito Federal.

→ Aplicação em concurso:

• DP/BA – 2010 – Cespe. A DP tem o monopólio da assistência jurídica integral e gratuita prestada pelo Estado.Gabarito: o item está certo.

1.1. Previsão constitucional da Defensoria Pública em doutrina: “Ren-te ao que foi desenvolvido no n. 14 do Capítulo 1, supra, a respeito do

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incentivo que a Constituição Federal de 1988 empresta para o hipossufi-ciente para tutelar-se juridicamente – noção mais ampla do que judicial-mente –, o art. 134 daquela Carta criou, inovando, no particular, com as Constituições anteriores, as Defensorias Públicas. [...] Trata-se de passo fundamental que foi dado pela Constituição Federal em prol da construção e aperfeiçoamento de um novo Estado Democrático de Direito para o país. Antes do art. 134, a tutela jurídica do hipossuficiente era não só incipiente mas, também, feita quase que casuisticamente pelos diversos membros da Federação. O dispositivo da Constituição Federal, neste sentido, teve o grande mérito de impor a necessária institucionalização daquela função, permitindo, assim, uma maior racionalização na atividade de conscienti-zação e de tutela jurídica da população carente, providência inafastável para o engrandecimento de um verdadeiro Estado e do fortalecimento de suas próprias instituições, inclusive as que mais importam para o desen-volvimento deste Curso, as relativas à “Justiça”. [...] O ideal, em termos de realização dos valores constitucionalmente assegurados, seria a Defen-soria Pública poder se estruturar e se organizar com total independência dos demais Poderes e funções públicas como meio, até mesmo, de bem alcançar seus objetivos.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, vol. I. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 236-237 – grifos do original)

2. Defensoria Pública – conceito e características: a norma prevista no art. 1º foi alterada pela LC n° 132/2009. A redação antiga era repetição da nor-ma constitucional, que prevê no artigo 134 o seguinte: “A Defensoria Pú-blica é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo--lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”

Já a nova redação do artigo 1° é: “A Defensoria Pública é instituição perma-nente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em to-dos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.”

O novo artigo 1° é mais extenso e traz uma série de características impor-tantes sobre a Defensoria Pública. Já se tinha claro, anteriormente, que se trata de instituição essencial à função jurisdicional, à qual incumbe a

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prestação de serviços jurídicos aos necessitados. Da nova redação, extra-em-se também três novos pontos que merecem destaque: expressão e instrumento do regime democrático; promoção dos direitos humanos; e defesa dos direitos individuais e coletivos.

Regime democrático é aquele que permite a ampla participação da po-pulação nas decisões políticas do país, seja de forma direta (plebiscito, referendo) ou indireta (eleições), mediante mecanismos de escolha trans-parentes, honestos e livres. A construção de uma sociedade democrática passa necessariamente pela constante vigilância social de nossos gover-nantes, através do controle de seus atos, de suas opções políticas. A busca por fazer valer um direito é, um última análise, uma forma de efetivar e reafirmar a Constituição da República e nossas instituições democráticas. Nesse ponto, o trabalho da Defensoria Pública é bastante significativo, porque, na medida em que presta a tutela dos direitos dos necessitados, leva democracia e cidadania aos marginalizados, àqueles que constante-mente estão alijados dos processos decisórios – sendo lembrados, lamen-tavelmente, quase sempre, apenas em época de eleições.

De igual modo, foi expressamente incluído no dispositivo a missão da De-fensoria de promover os direitos humanos. Essa alteração faz parte de um movimento político-legislativo já bastante claro de priorização da tutela dos direitos humanos. A aprovação da EC n° 45/2004 acrescentou o § 3° ao artigo 5° da Constituição para prever que: “Os tratados e convenções in-ternacionais sobre direitos humanos que foram aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos res-pectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” Além desse dispositivo, foi criado o incidente de deslocamento de competência da Justiça Estadual para a Federal em caso de violação dos direitos huma-nos (art. 109, V-A e § 5°). Mais uma vez, assim como na consolidação do regime democrático, a Defensoria Pública tem papel relevante na promo-ção dos direitos humanos, pois é a Instituição que lida diariamente com aqueles que mais sofrem com a violação de seus direitos.

No que se refere aos direitos individuais e coletivos, a alteração consagra definitivamente a questão da legitimação da Defensoria Pública para a tu-tela coletiva. A Lei n° 11.448/2007 já havia efetivado a alteração na Lei de Ação Civil Pública. Agora a questão passa a figurar expressamente da Lei Orgânica da Defensoria Pública.

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Ainda com o objetivo de consolidar a Defensoria Pública como único ente com atribuição constitucional e legal para prestar assistência jurídica ao necessitado, a LC n° 132/2009 inseriu o § 5° ao artigo 4°, que prevê o seguinte: “A assistência jurídica integral e gratuita custeada ou fornecida pelo Estado será exercida pela Defensoria Pública.”

→ Aplicação em concurso:

• DP/ES – 2009 – Cespe. A defensoria pública, na atual CF, é considerada como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado.Gabarito: o item está correto.

• DP/SP – 2009 – FCC. O direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, previsto constitucionalmente e instrumentalizado pela Defensoria Pública, compreende a:

A) atuação processual do Defensor Público do Estado até o segundo grau de jurisdição.Gabarito: o item está errado.

3. Conceito de necessitado: outro ponto de destaque trazido pela LC n° 132/2009 é a modificação da parte final do artigo 1°. Antes constava que a Defensoria Pública prestava assistência jurídica aos “necessitados, assim considerados na forma da lei.” O paradigma agora é constitucional, pois o dispositivo remete ao inciso LXXIV do art. 5° da Constituição, que prescre-ve: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que com-provarem insuficiência de recursos.” A insuficiência de recursos deve ser analisada com base no princípio da dignidade da pessoa humana, de as-sento constitucional (art. 1°, III). A atuação da Defensoria Pública é voltada para a prestação de assistência jurídica ao necessitado, assim entendido aquele que não tem condições de arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita (contratação de advogado e despesas processuais) sem prejuízo de sua subsistência.

A Lei n° 1.060/50, no parágrafo único do artigo 2°, apresenta um conceito legal de necessitado: “Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do pro-cesso e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.” Esse dispositivo contém conceitos jurídicos abertos, que permi-tem sua adequação a diversas situações concretas. Do mesmo modo, a LC n° 80/1994 não traz um critério objetivo de caracterização de necessitado.

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Até recentemente, era comum verificar na legislação estadual que trata da Defensoria Pública a fixação de parâmetros objetivos para caracteriza-ção da hipossuficiência. Era o caso da Defensoria Pública do Espírito San-to, cuja Lei Complementar n° 55/94 estabelecia, em seu artigo 2°, § 1°, o seguinte: “A insuficiência de recursos ou hipossuficiência, que coloca a pessoa física em situação de vulnerabilidade e, em relação à parte contrá-ria, é assim considerada desde que o interessado: a) Tenha renda pessoal mensal inferior a três salários mínimos; b) Pertença a entidade familiar cuja média de renda per capita ou mensal não ultrapasse a metade do valor referido na alínea anterior.”

Essa disposição não estava em consonância com a Constituição da Repú-blica, nem tampouco com a Lei Complementar n° 80/94. Afinal, é plena-mente possível que uma pessoa receba mais de três salários mínimos e, ainda assim, necessite dos serviços da Defensoria Pública. Basta pensar em pessoa com doença grave, cujas despesas médicas sejam altas, ou aquele que sustenta família de muitos membros. Nesses casos, a pessoa faz jus ao atendimento da Defensoria Pública. Qualquer fixação, a priori, de parâmetro objetivo para caracterização da hipossuficiência não atende a Constituição da República. A avaliação da hipossuficiência deve ser feita no caso concreto, sendo possível ao defensor público recusar o patrocínio.

Por fim, deve-se ter presente que esse entendimento é válido e pertinen-te para uma prova discursiva em que o candidato possa demonstrar sua linha de raciocínio. Em prova objetiva, vale a previsão legal. Se a legislação estadual possuir previsão de parâmetro objetivo, como a percepção de salário mínimo, e a questão fizer referência a esse assunto, o candidato deve pautar sua resposta pela disposição legal.

Ainda sobre o necessitado, atualmente há entendimentos que alargam o conteúdo do conceito para abarcar não só o carente financeiramente, mas também o juridicamente vulnerável. É o que se entende por necessitado jurídico, pessoa que está em situação inferior de vulnerabilidade frente à outra parte no processo.

→ Aplicação em concurso:

• DP/BA – 2010 – Cespe. Para fins da isenção do pagamento de custas e outras despesas processuais previstas na Lei de Assistência Judiciária, considera-se necessitado todo aquele que ganha até três salários-mínimos.Gabarito: o item está errado.

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• DP/AC – 2012 – Cespe. Presume-se hipossuficiente a pessoa natural cuja ren-da familiar seja inferior a dois salários mínimos vigentes.

• Gabarito. O item está errado.

4. Justiça gratuita X assistência judiciária X assistência jurídica: esses três conceitos não são sinônimos. A justiça gratuita se refere à isenção do pa-gamento das custas, taxas, emolumentos e despesas processuais. Por sua vez, a assistência judiciária engloba o patrocínio da causa por advogado e pode ser prestada por um órgão estatal ou por entidades não estatais, como os escritórios modelos das faculdades de Direito ou de ONGs. Esse conceito se limita à defesa dos direitos dos necessitados na esfera judicial. Por fim, o conceito mais amplo é o de assistência jurídica, que envolve não somente o patrocínio de demandas perante o Judiciário, mas também toda a assessoria fora do processo judicial – o que engloba desde pro-cedimentos administrativos, até consultas pessoais do necessitado sobre contratos (locação, financiamento, consumo).

A atuação da Defensoria Pública não se limita à assistência judiciária. A previsão constitucional do inciso LXXIV, do art. 5º, estabelece a assistência jurídica, e não judiciária: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O conceito de assistência jurídica é mais amplo do que assistência judiciária, pois com-preende a assessoria dentro e fora do Poder Judiciário. Atualmente, a atuação da Defensoria Pública inegavelmente transborda os limites dos processos judiciais, o que se justifica pelo aumento da utilização de ins-trumentos não-judicias de tutela de direitos. Pretensões que antes eram levadas ao Judiciário agora recebem outro tipo de tratamento e solução. É o que ocorre com o inventário e a partilha, bem como a separação e o divórcio consensuais, que podem ser realizados por escritura pública (respectivamente, artigos 982 e 1.124-A do CPC, com redação da Lei n° 11.441/2007). De igual modo, meios alternativos de solução de controvér-sias têm aplicação cada vez mais difundida, como a mediação e a arbitra-gem. Sendo a Defensoria Pública a instituição responsável pela prestação da assistência jurídica ao necessitado e sendo o conceito de assistência jurídica amplo, a conclusão é a de que a atuação da Defensoria Pública na tutela dos direitos deve ser a mais ampla possível. Inclusive, de forma expressa, o artigo 4°, inciso II, estabelece como função institucional a so-lução prioritariamente extrajudicial dos litígios.

Confira-se o seguinte gráfico.