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LEiitlfi-FÃTIMfi Órgão Oficial da Diocese

Ano III • N. Q 7 • Janeiro-Abril 1995

DIRECfOR AMÉRICO FERREIRA

CHEFE DE REDACÇÃO

VÍTOR COUTINHO

ADMINISTRADOR HENRIQUE DIAS SILVA

CONSELHO DE REDACÇÃO BELMIRA DE SOUSA

JORGE GUARDA

LUCIANO CRISTINO

MANUEL MELQUÍADES

SAUL GOMES

PERIODICIDADE

QUADRIMESTRAL

PROPRIEDADE E EDIÇÃO DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO SEMINÁRIO DIOCESANO DE LEIRIA 2400 LEIRIA • TELEF. (044) 32760

ASSINATURA ANUAL-1400$00

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Santo António e Leiria ........... ... .... ............ ................ 3

Instrução Pastoral para a Quaresma ................ .... .... . 5

Os Salmos, Escola de Oração e de Espiritualidade.... 7

Jornadas Catequéticas ........................ .... ............ .... .. . 15

Administração de Bens da Igreja .... ...... ..................... 23

Vida Eclesial............................................................... 25

Comunicado do Conselho Presbiteral .. .. .. .. .. .. .... .. .. .. .. 28

Corpo Nacional de Escutas ...... ........ .. ....................... 29

Movimento Católico de Estudantes .......................... 31

O Sacramento do Matrimónio .... .... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .... 33

Empenho e Responsabilidade Perante o Sofrimento . . 35

Testamento Vital ............ .... .. .. .. .. .. .. .. .... .. .... .... .... .. .. .. .. 40

Biblioteca Antiga do Seminário Diocesano de Leiria. 41

Porto de Mós Medieval.............................................. 45

Sé de Leiria de Setecentos........................................... 61

Museu de Leiria...................................................... 77

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SANTO ANTÓNIO E LEIRIA

1. No dia 8.11.1994 na sala de imprensa da Santa Sé, foi anun­ciado o programa do 82 Centenário do nascimento de Santo António. A todos os presentes foi distribuído um poster com imagem do "Mestre do Evangelho", obra de Donatello. Considero que entre os muitos títulos do Santo de Lisboa este é o mais nobre e o mais justo.

2. A Diocese de Leiria, a comemorar os 450 anos da sua funda­ção, recorda este monge agostinho, que, no caminho de Lisboa para Coimbra, repousou em Alpedriz e no Carrasca!. Aqui teve uma er­mida de seu nome para recordar esse facto. Rezava o Couseiro que era "muito frequentada de devotos". E diz agora "O Mensageiro" que "foi caindo em ruínas e lá se fez uma habitação" (n2 4016).

3. Estão calendarizados em Portugal actos solenes que começa­ram em 14.01.95 e vão até 13.06.96. Em Itália vão de 12.05.95 até 8.12.95. Por sua vez, a Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma Nota Pastoral com data de 20.12.94.

Dos diversos programas, destacarei a reedição dos sermões e estudos atinentes.

4. No Convento de S. Francisco, na Portela (Leiria), tive a honra de presidir no dia 16.01.95 à celebração eucarística que marcou o iní­cio das comemorações na nossa Diocese. Pedi e espero que os bons irmãos franciscanos assumam e diligenciem as celebrações antonia­nas na Diocese de Leiria-Fátima, recordando o passado e perspecti­vando o futuro. E o velho convento de Santo António dos Capuchos, que começou a ser habitado em 29.04.1657 e agora está abandonado, espera por alguém que lhe restitua a vida.

S. João Paulo II (Mensagem de 13.06.94) classificou Santo Antó­nio como "figura carismática, universalmente venerada e invocada". Em quase todas as igrejas, sobretudo na Europa, vemos imagens des­te Santo e os seus muitos devotos.

É "Doutor da Igreja", e dizemos que é o "português mais euro­peu" . . . Que o projecto da nova basílica de Santo António, ao cimo do Parque Eduardo VII em Lisboa, seja santuário e centro cultural para os portugueses da diáspora e para a União Europeia.

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SANTO ANTÓNIO E LEIRIA

6. Diz-se que é "santo milagreiro", porque ajuda a resolver pe­quenos problemas, a encontrar coisas perdidas e abençoa os casa­mentos. Também se diz, indevidamente, que é "santo popular"; a devoção é que é "popular"; e as celebrações festivas anuais são igual­mente populares, pois ocorrem no fim do equinócio da Primavera. Mas, Santo António, que tinha por lema "fugir da tranquilidade", é missionário austero, professor competente e pregador erudito.

7. Santo António é também Padroeiro de Portugal. Num dos seus sermões proclamou: "estamos cheios de palavras e vazios de obras". Vamos, pois, às boas obras! Proclamado "Doutor Evangéli­co" em 16.1.1946, Santo António continua a dar testemunho dos va­lores da vida e defesa dos mais pobres. Concluo com palavras dos Bispos de hoje: "A Igreja, que na sua missão de evangelizar procura novas formas e novos meios de a tornar eficaz, tem em Santo Antó­nio um modelo."

Leiria, 14 de Fevereiro de 1995

Festa de S. Cirilo e S. Metódio, Padroeiros da Europa.

t SERAFIM DE SOUSA FERREIRA E SILVA

P. HIGINO DUARTE

No dia 12 de Fevereiro faleceu em Lisboa o P. Higino Lopes Pe­reira Duarte, membro do Clero desta Diocese de Leiria-Fátima.

Nasceu a 13 de Janeiro de 1910 e foi ordenado presbítero a 24.07.1932 por O. José Alves Correia da Silva. Após a ordenação, foi nomeado professor e prefeito do Seminário Diocesano de Leiria. Em 1935 foi nomeado pároco da Barreira e em 1939 pároco da Marinha Grande, onde esteve até 1950. Neste ano passou a viver em Lisboa, foi pároco interino dos Jerónimos e, em razão deste cargo, capelão da Presidência da República.

Por motivos de saúde deixou as responsabilidades paroquiais, continuando a prestar alguma ajuda na igreja de S. João de Deus, em Lisboa.

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INSTRUÇAO PASTORAL PARA A QUARESMA

1. Com data de 7 de Setembro de 1994, o Papa escreveu uma Men­sagem para a Quaresma 1995 sobre o analfabetismo nas suas diversas formas e com múltiplos efeitos negativos.

Determinamos que o texto integral seja publicado no semanário diocesano "A Voz do Domingo" e recomendamos a sua leitura.

2. João Paulo II cita o seu predecessor Paulo VI, que diz assim na encíclica "Populorum Progressio": "a fome de instrução não é menos de­primente que a fome de alimentos; um analfabeto é um espírito sub-ali­mentado" (n. 35)

Efectivamente, o analfabetismo, quer dizer, a falta de instrução bá­sica, é causa e efeito de situações graves de "fome e doenças", pois difi­culta o conhecimento dos próprios direitos e deveres, assim como enfraquece a capacidade de adaptação.

Mesmo dentro de uma civilização que já ultrapassou o nível rural de sobrevivência, há sempre o imperativo do progresso, que exige novos métodos de trabalho. O analfabetismo gera atrasos e explorações, de que são vítimas os menos evoluídos.

3. A alfabetização, no sentido amplo de crescimento cultural, ajuda a que cada homem seja mais homem e que este possa ajudar os outros a serem, como diz o Papa, homens "mais autênticos e mais livres". De fac­to, acrescenta João Paulo II, a educação autêntica é "simultaneamente es­piritual e moral". Todo o problema humano é, pois, uma questão de educação.

A educação inclui a instrução e vai mais além. Saber ler e interpre­tar o que está escrito já é bom. Saber abrir-se ao Espírito, ler os sinais, captar as mensagens e viver a vontade de Deus é melhor. Quem aceita e vive o dom da sabedoria é mais rico do que o universitário que se fecha à fé. Aproveitar a escolaridade e o acesso à cultura para se valorizar e crescer, à luz da fé, faz-nos mais homens e mais irmãos. Recordamos que Cristo declarou "felizes os que têm fome e sede de justiça" (Mt 5,6) e prometeu o Reino aos que derem de comer a quem tem fome (cfr. Mt 25, 34--35).

4. Sabemos que a Quaresma é tempo de preparação da Páscoa, não apenas com o objectivo de uma comemoração histórica, mas sobretudo na perspectiva da nossa ressurreição.

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INSTRUÇÃO PASTORAL

Esta quarentena de dias (e sabemos que o número 40 na Bíblia é muito simbólico), para além das preceituadas obrigações do jejum e da abstinência, bem como das obrigações sacramentais da confissão e da eucaristia, deverá ser mais vivida na oração e na ascese. A ascese do je­jum e da abstinência consiste na renúncia a coisas legítimas, como sejam um café ou um espectáculo, e na privação voluntária do que se poupou ou mesmo de parte do supérfluo. Estas atitudes deverão ser habituais, todavia mais recomendadas no tempo quaresmal.

5. Entre a abundância e a suficiência há desigualdades injustas; mas abaixo da suficiência há casos gritantes e criminosos. Muitos esban­jam e outros não têm o suficiente.

Sim, há muita gente no mundo que sofre e morre de fome. Podere­mos dizer que é óptimo ter fome, isto é, ter apetite e poder saborear. E nesta sequência também poderemos pensar e dizer que é bom ter ou passar alguma fome, não exagerando a alimentação a ponto de causar o que se chama enfartamento ou de maneira semelhante. Mas, acrescente­mos: é mau sofrer a fome e é péssimo ou é crime morrer ou deixar mor­rer de fome. O que acontece. E quanto se gasta nos países ricos para se tentar emagrecer!

6. No ano passado, o fruto do contributo penitencial e da renúncia quaresmal na nossa Diocese de Leiria-Fátima foi partilhado com as Dio­ceses de Lichinga e Dili, que receberam o total de 4.340.303$00.

Este ano de 1995, o destino da soma das duas verbas distintas do contributo penitencial e renúncia quaresmal será, como foi decidido na reunião de Vigários da vara e já tornado público, o seguinte: 50% para o fundo diocesano e a outra parte para a Diocese de Uíge e para a Univer­sidade Católica no Maputo.

7. Permiti, caríssimos diocesanos, que vos faça três recomendações singelas:

-que vos valorizeis cultural e espiritualmente; -que pratiqueis a ascese de conversão e purificação permanentes; -que ajudeis os outros a crescerem na cultura e na fraternidade. São estes os nossos votos para a Quaresma de 1995.

Leiria, 11 de Fevereiro de 1995,

Memória de Nossa Senhora de Lourdes e Dia Mundial do Doente.

t SERAFIM DE SousA FERREIRA E SILVA, Bispo de Leiria-Fátima

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OS SALMOS ESCOLA DE ORAÇÃO

E DE ESPIRITUALIDADE R�zar não é dizer palavras nem simplesmente apresentar pedidos a

Deus. E colocar-se na presença de Deus com plena confiança e disponibili­dade para acolher a palavra que Ele dirige a cada um de nós e deixar-se in­vadir e conduzir pelo Espírito, que gera em nós os mesmos sentimentos que há em Cristo Jesus.

Os salmos bíblicos são uma autêntica escola de oração e de espirituali­dade: ensinam-nos o que rezar e como fazê-lo, revelam-nos quem é Aquele a quem nos dirigimos na oração e quem somos nós na presença do nosso Deus; aproximam-nos do Senhor, purificam-nos o coração e geram em nós o autêntico espírito do orante; iluminam-nos o olhar para vermos a nossa vida à luz de Deus e apontam-nos os caminhos por onde Ele nos convida a seguir;

Na Liturgia e na oração pessoal, usamos frequentemente os salmos. E preciso que rezemos verdadeiramente com eles. Não são para os lermos co­mo quem lê qualquer vulgaridade ou repete o que já conhece. Importa que penetremos no sentido daquilo que rezamos, das palavras que proferimos. Usando os salmos, rezamos com as palavras do próprio Deus. Então, rezar é sobretudo escutar o que o Senhor nos quer dizer naquele momento, é deixar­mos ressoar no fundo da nossa alma a palavra que nos comunica e revela o amor divino, nos ilumina, nos salva, nos consola, nos guia e nos impele a confiarmos.

1. Os salmos, oração do homem crente

Os salmos são oração. Colocam-nos perante o nosso Criador e Senhor. Exprimem o reconhecimento de que só existimos graças a Ele. Revelam que só vivemos na medida em que nos mantivermos na relação com Aquele que é a fonte da vida e com quantos como nós são criaturas divinas. São diálogo que Deus nos oferece. Vive quem reza, porque a oração é mergulhar as raí­zes em Deus, é receber d'Ele o espírito vital. Os salmos pôem-nos neste di­namismo da comunhão divina.

As orações bíblicas são expressão do homem. Nelas transparecem to­das as realidades da experiência humana: a vida e a morte, a alegria e o so­frimento, a confiança e a angústia, o bem e o mal, o pecado e a graça, a guerra e a paz, o amor e o ódio, a fome e a sociedade, a doença e a cura, a so­lidão e a companhia. Os salmos reflectem bem tudo o que habita no coração humano. Por isso, eles são composições muito variadas: hinos de alegria e lamentos, gritos de sofrimento e angústia e cânticos de júbilo, profissões de fé e confiança e súplicas por socorro, poemas de amor ou imprecações contra

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OS SALMOS

os inimigos . . . Mas nunca o salmista está só. Mesmo quando experimenta o abandono da parte dos homens ou até de Deus, a sua oração leva-o até ao Salvador de quem espera um gesto ou palavra de auxílio.

Os salmos são orações do homem crente. A confiança em Deus e o re­conhecimento d'Ele como Senhor e Criador constituem a base e uma caracte­rística inseparável destes textos bíblicos. O salmista dirige-se a Deus: louva-O, glorifica-O, canta as Suas obras e maravilhas, confessa a confiança n'Ele, lamenta a Sua ausência ou aparente passividade perante o sofrimento ou infortúnio dos Seus servos, suplica a Sua intervenção, confessa-Lhe os seus pecados e solicita o perdão. O homem, na sua dimensão pessoal e colec­tiva e em todos os aspectos fundamentais da vida, coloca-se em relação com Deus, de quem espera bênção e protecção. O orante reconhece que tudo lhe vem do seu Criador e tem consciência da sua fragilidade. Só em Deus encon­tra consistência e segurança, só por Ele e n'Ele vive. A oração é o meio para que a comunhão com Deus se actualize, se vivifique e se aprofunde.

Depois desta introdução, vamos fazer um exercício prático. Peguemos no salmo 115 (114) e vamos rezá-lo, procurando penetrar no seu significado e deixando-nos invadir pela Palavra de Deus que nele se exprime. Vejamos também como nele se reflectem as nossas experiências e aspirações. Abrimo­-nos para colher-nos através dele quanto Deus nos quer dizer. Notemos que um salmo não é oração da consciência individual. Tem por detrás um hori­zonte colectivo. O pessoal e comunitário fundem-se sem se confundirem, de tal modo que pode exprimir simultaneamente a consciência de um só crente ou o sentido e a alma de urna comunidade de fiéis.

2. Louvemos o Deus vivo com o salmo 115

"Não a nós, Senhor, mas ao vosso nome dai glória.". Com o salrnista começamos por nos centrarmos no Senhor. Rezar é isto

mesmo, e não o pensarmos em nós próprios e nos nossos interesses. Reco­nhecemos que só Ele pode glorificar o Seu nome. Deus é absolutamente livre e soberano, não depende em nada dos homens. Nós é que dependemos d'Ele. Age quando e corno entende, movido apenas pela Sua "bondade e fi­delidade", pelo Seu amor, pela Sua misericórdia. Assim o declara através do profeta Ezequiel, ao anunciar a purificação do povo e a renovação do seu co­ração pecador: "não é por causa de vós que faço isto, ó casa de Israel, mas por causa do Meu santo nome que vós profanastes entre as nações para onde fostes" (Ez 36,22b).

Deus glorifica o Seu nome agindo, manifestando-se no Seu poder em favor de Israel, do Seu povo, dos Seus fiéis. Assim fez derrotando o faraó no Egipto (Ex 14, 4.17) e libertando o povo da escravidão, exercendo a justiça contra Sidónia (Ez 28, 22). De novo, durante o exílio, o Senhor glorifica o Seu nome na promessa de libertar o povo, de o reconduzir ao seu país, purificá-

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OS SALMOS

-lo, fazê-lo frutificar e multiplicar-se. Então, todos "saberão que Eu sou o Senhor" (cfr Ez 36,24-38). Agora, como no passado, o Senhor glorifica o Seu nome pela sua acção. Também na vida de cada um de nós o Senhor realiza as suas obras como em Maria: "O Senhor fez em mim maravilhas: santo é o Seu nome!".

A glorificação divina incide sobre o povo e manifesta o nome divino "às nações", aos que não põem n'Ele a sua confiança: "Quero santificar o Meu santo nome, que vós aviltastes, profanastes entre as nações, para que saibam que eu Sou o Senhor,(. .. ) quando a seus olhos for santificado por vós" (Ez 36,23).

Ao rezarmos este versículo, invocamos o Senhor para que se manifeste como um Deus vivo e próximo, não por causa de nós, mas movido apenas pela Sua bondade.

"Porque hão-de dizer, onde está o Deus deles?" Na experiência da derrota e do exílio, Israel deixa de sentir a presença

do Senhor como acontecia antes. Ouvia com frequência dos gentios a per­gunta sarcástica: "onde está o vosso Deus?". Se é invisível, se não vos prote­ge, nem se manifesta, onde está ele? (cfr SI 79, 10; 42, 4.11). Esta é uma experiência que também nós fazemos: quantas vezes não ouvimos uma per­gunta como aquela ou surge dentro de nós mesmos uma certa dúvida sobre a existência e a acção de Deus na nossa vida, sobretudo quando não desco­brimo� a Sua presença em nós ou no nosso mundo?

E certo que o povo fiel sofre ao ouvir a pergunta provocadora. Toda­via, quem é posto em causa é o próprio Senhor. Pois é Ele que é_posto em dúvida, já que parece não haver qualquer sinal da Sua existência. E portanto do interesse de Deus agir, manifestar-se vivo. Os descrentes e agnósticos po­deriam rir-se de um Deus invisível e ineficaz. Çom as palavras do salmo a nossa oração centra-se no interesse do Senhor. E Ele que está em causa. Sen­do assim, é de esperar que a oração seja atendida e o Senhor se manifeste.

Mas, como Israel, sabemos que a glorificação do nome divino traz tam­bém a bênção para o povo, para quem confia no Senhor, já que é em nós e na nossa história que Deus se torna presente e se revela. Todavia os modos des­sa manifestação são deixados à Sua livre iniciativa. Não impomos nada a Deus, invocamos o Seu nome, esperamos n'Ele.

"O nosso Deus está nos céus: faz quanto lhe apraz". A dúvida dos descrentes sobre a presença e acção de Deus respondem

os fiéis com uma profissão de fé: o nosso Deus está nos céus, é invisível. Ele é transcendente, não é uma realidade do mundo, não O vemos nem O pode­mos tocar com as nossas mãos. Mas existe.

E "é mais que todos os deuses" (Sl135, 5b). Ele é omnipotente: faz tu­do quanto lhe apraz, nada escapa ao seu poder. O Senhor "criou tudo quan­to quis: nos céus e sobre a terra, nos mares e em todos os abismos" (SI 135,6).

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OS SALMOS

Intervém também na vida dos povos, agindo a nosso favor: "enviou sinais e prodígios ao meio de ti, ó Egipto, ... derrotou grandes nações e suprimiu reis poderosos ... e deu a terra deles em herança, em herança.a Israel seu povo" (Sl 135, 9a.l0.12).

A criação e a história de Israel constituem a base do credo que aqui professamos. A memória do povo documenta bem como é verdade que o Se­nhor é poderoso. O salmo dá-nos conta da acção contínua de Deus na histó­ria: cria, governa, abençoa, multiplica o povo, protege-o e lembra-se dele.

O agir de Deus, porém, não está condicionado pelos homens. Ele faz "quanto lhe apraz" e quando entende. Não está ao sabor da vontade dos ho­mens, nem de Israel, nem das nações. Não somos nós que com os nossos pe­didos, ofertas, necessidades ou de qualquer outro modo obrigamos Deus a fazer-se presente.

O Senhor é invisível, é certo, mas torna-se perceptível nas suas obras. Não acontece assim com os ídolos, os dos outros ou aqueles que nós mesmos criamos.

"Os ídolos deles são simples obras das mãos dos homens" Com uma forma hímnica e litânica, o nosso salmo reflecte a denúncia

profética que se faz na Bíblia sobre a nulidade e o absurdo da idolatria (Os 8,6; Is 40,18-24; Jer 10, 3-5; Bar 6; Hab 2, 18-19; Dn 14, 1-20; Sab 13-15). Quais são os nossos ídolos de hoje? Em que é que na vida quotidiana pomos nossa confiança? Será realmente em Deus?

Os ídolos - refere-se às imagens das divindades que eram adoradas nos santuários pagãos - são prata e ouro, materiais nobres. São portanto realidades do mundo, limitadas, manipuláveis. E, de facto, não passam de obras de mãos humanas, imagens que dependem de quem as forma. A ridi­cularizar tais imagens vem a litânia dos sete órgãos, próprios do corpo hu­mano - boca, olhos, ouvidos, nariz, mãos, pés e garganta. São semelhantes na aparência aos que possuem o homem, mas estão mortos, de nada servem ao corpo que os possui. São como os de um morto. A impotência de tais ór­gãos revela a verdadeira natureza da imagem que os possui: são objectos mortos. São menos do que o seu autor: constituem corpos mortos, não são carne nem possuem vida.

É expressiva a simbologia pessoal através da qual se põe claramente em contraste os ídolos e o Deus verdadeiro. O "nosso Deus" contrasta niti­damente com os "ídolos deles", Aquele que "faz quanto lhe apraz" opõe-se e reduz a nada as "obras das mãos dos homens", o Senhor e Salvador, o Deus vivo e verdadeiro revela a falsidade e ineficácia das "imagens inertes". Na verdade, "os ídolos dos pagãos são nada" (SI 96,4).

De um lado, temos as figuras visíveis dos ídolos. São semelhantes a corpos humanos pela forma e pelos órgãos que apresentam. Todavia, os ór­gãos não funcionam, não têm qualquer actividade e os corpos não passam de aparência, pois são de ouro e prata e não de carne e ossos como os huma-

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nos. São objectos impotentes, mortos, dependentes de quem os criou. Embo­ra visíveis, os deuses das nações são corpos mortos. Criando-os e pondo ne­les a sua confiança, o homem torna-se semelhante a eles. Os ídolos são "morte" para o homem. Do mesmo modo, podemos pensar nos ídolos que são certos valores tidos por supremos ou mesmo as nossas imagens huma­nas sobre Deus, obras fabricadas por nós, pelas nossas mãos ou pela nossa mente. Só nos trazem prejuízo e ilusão.

Do outro lado, temos Deus, sem corpo nem órgãos visíveis, mas pes­soa viva e activa: com nome, atitudes de aliança- bondade, fidelidade, me­mória, residência, actividade livre e criadora, capacidade de defender e de infundir vida e felicidade aos seus fiéis, aos homens. Mesmo invisível e transcendente, Deus é pessoa viva. E é Ele quem nos faz viver. Ligados ao Deus vivo estão os homens, como nós, que n'Eic confiam. Estes vivem, por­que do Senhor recebem a vida, participam da Sua glória. Com a bênção divi­na, o homem "fala", bendiz ao Senhor, "desde agora e para sempre", age sobre a terra que lhe foi confiada pelo Senhor, multiplica-se e prolonga-se de geração em geração.

"Israel, Aarão, vós que temeis o Senhor, confiai no Senhor". Depois de reconhecermos a nulidade dos ídolos e o engano que é pôr

neles a confiança, o salmo leva-nos, com Israel, Aarão e os tementes a Deus, a confiar no Senhor, pois "Ele é ajuda e escudo". Associando-nos ao convite feito ao povo do Senhor para que n'Eie confiemos, situamo-nos na corrente viva da fé de "quantos em Israel estão mais intimamente ligados ao Senhor e a Ele aderem com todo o seu coração e a prática da sua vida" .

Na nossa oração, hoje, todo o povo de Deus, a Igreja e todos os crentes, são convidados a confiarem no Senhor, isto é - como refere o SI 35,25 - a

serem corajosos e valentes no seu coração, já que esperam n' Aquele que é "sua ajuda e escudo".

"Ele é a sua ajuda e o seu escudo". Três vezes repetimos este pequeno credo. No todo ou em parte, pode­

mos encontrá-lo noutros lugares da Sagrada Escritura (SI 3, 4; 7, 11; 18, 3 -minha força, rocha, fortaleza, refúgio, abrigo, escudo, defesa, castelo; 282, 7; 33, 20; Dt 33, 29). Professamos a prontidão do Senhor em auxiliar os Seus fiéis. Com uma imagem de tipo militar, o escudo, afirmamos o carácter sal­vador de Deus: Ele é a nossa defesa e segurança, nada nem ninguém nos po­de ferir. Pondo n'Ele a nossa confiança, não temos medo do ataque dos inimigos.

Mesmo perante a provocação de quem nega a existência de Deus ou da dúvida que nos perturba, fazendo a profissão de fé, veremos os nossos ad­versários confundidos e as dúvidas dissipadas, pois o Senhor manifesta-se de maneira inconfundível e vem em ajuda dos seus fiéis, tornando-os firmes na fé e constituindo a sua força.

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OS SALMOS

"O Senhor tem-nos presentes e nos abençoa". Ter alguém presente é lembrar-se. Significa avivar a relação. De algu­

ma maneira, é colocar o outro na minha presença, tomá-I� significativo para mim, dar-lhe vida na minha memória e no meu coração. E como se eu o pu­sesse na minha frente e me tornasse disponível para ele. Há um recordar que suscita sentimentos de amizade e de simpatia, e outro que põe em movimen­to reacções de antipatia e de rejeição, conforme a experiência que vivemos no passado. Em qualquer caso, é sempre entrar em relação e dar vida a al­guém dentro de mim.

Esquecer-se, pelo contrário, é tirar alguém da minha vida e do meu co­ração, é ignorar o outro, torná-lo insignificativo, ser indiferente. Em sentido simbólico, é como se se desse a morte ou se mantivesse nela aqueles de quem não nos recordamos.

O Senhor lembra-se do Seu povo por causa da aliança (Sl 106, 45); pelo Seu amor, quando o povo estava na humilhação e no sofrimento, Deus re­cordou-se de Israel (dr SI 136, 23). Então, manifestou o Seu amor, decidiu agir na fidelidade à aliança, socorrendo e libertando o povo da opressão em que estava. Assim aconteceu em momentos significativos da história de Is­rael, especialmente, quando Deus olhou para a escravidão em que o povo vi­via no Egipto: "Lembrou-se da Sua palavra sagrada, que dera a Abraão, Seu servo, e fez sair o Seu povo na alegria e os Seus eleitos com gritos de júbilo" (SI 105, 42).

Agora, a lembrança do Senhor leva-o a abençoar os Seus fiéis. Quem O louva e está na Sua presença recebe os seus bens. A bênção <;lo Senhor e pro­messa. Leva consigo favor divino e multiplica a força vital. E fonte de vida e de fecundidade para todos, os pequenos e os grandes: todo o Israel, todos os tementes a Deus, independentemente da sua dignidade, condição ou fun­ções gozam do mesmo favor divino. "Todos, de facto, são importantes e agradáveis para Ele pela sua fé e todos têm necessidade d'Ele para a sua ra­dical miséria e para o seu pecado". A oração obtém-nos a bênção do Senhor, a Sua força faz-nos experimentar o Seu amor, dá-nos vida.

"O Senhor há-de multiplicar-vos ... ". Recitamos uma fórmula de bênção. Encontramos outra no Livro dos

Números (6, 24-27). Ali, a bênção é invocação da protecção, da manifestação e da benevolência divinas, para que o Senhor dirija o Seu olhar sobre o povo e lhe conceda a paz. Para a cultura agrícola e nómada, ambiente onde se for­ma a Bíblia, o sinal experimental da bênção está na fecundidade humana, mediante a qual se sucedem as gerações familiares, e se estende à fertilidade dos rebanhos e dos campos. Na Bíblia, desde a criação, a bênção divina so­bre o homem está ligada ao crescimento, à multiplicação e ao domínio da terra (Gn 1, 28; Dt 1,11; Is 49, 19-24; 51, 2; 54, 1-5). De facto, nela se afirma que "os filhos são bênção do Senhor" (Sl 127, 3).

Mediante a bênção sobre o povo, fazendo-o prosperar, Deus glorifica-

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OS SALMOS

va o Seu nome, tornando-se manifesto aos olhos das outras nações o poder do Deus de Israel, conforme vimos no início do salmo.

Como se manifestará a bênção do Senhor sobre nós e sobre a Igreja? Ele dá-nos a Sua paz e faz frutificar a nossa vida. Nos santos podemos ver claramente os efeitos da bênção divina sobre os Seus fiéis: sabedoria, obras de caridade, fé inabalável, esperança inconfundível... A sua vida e o seu exemplo tornam-se fecundas, suscitando novos crentes. Assim se multiplica a geração dos fiéis do Senhor e dos Seus servidores.

"O Senhor fez os céus e a ferra". Este elemento de profissão de fé repete-se em vários outros contextos

do saltério (121, 2; 124, 8; 134, 3; 146, 6). Com esta fórmula, concretizamos o que já antes professáramos de forma genérica e absoluta. O que é que Deus fez? - pode perguntar quem não acredita n'Ele. E nós com o salmista res­pondemos: criou os céus e a terra, deu origem a tudo o que existe. Ele é o criador e nas Suas criaturas manifesta-se o Seu poder e sabedoria.

Sendo o criador de tudo o que existe, é Ele a fonte de onde provém a vida. Ele é energia que fecunda, multiplica e faz crescer a vida, a dos ho­mens, a dos animais e a das plantas. Graças à Sua bênção, a nossa vida de­senvolve-se e teremos as condições de que necessitamos para viver. É Ele quem nos dá o "pão nosso de cada dia", como pedimos na oração que Jesus nos ensinou.

"Os céus são os céus do Senhor ... ". Os céus são a "residência" exclusiva do Senhor. Aquele que os criou é o

único Deus que nele habita. Não é portanto a habitação de uma multiplicida­de de deuses, como crêem os pagãos. E não está vazio, como pensam muitos dos homens e mulheres do nosso tempo. Deus não está à mão do homem.

A terra é o espaço em que vivemos nós, os homens. Foi-nos dada pelo Senhor: é um dom, para que a cultivemos e guardemos (cfr Gn 2, 15). Vive­mos assim em referência constante ao Criador e Senhor, de quem depende­mos não só na vida, mas também no espaço que habitamos. Não somos donos da terra que cultivamos. Somos responsáveis por ela diante do Cria­dor. Que poderíamos fazer sem a bênção do Céu? Não é de lá que vem a chuva que fecunda a terra e faz crescer as plantas e as árvores? Só com a bênção do Criador podemos cultivar e dominar a terra. Deus não anula o homem, dá-lhe espaço e responsabilidJ�de. O Senhor faz-nos participar do seu poder criador e da sua sabedoria. E por Ele que também podemos criar as nossas próprias obras. Mas não devemos pôr nelas a nossa confiança co­mo fazem os idólatras.

"Não são os mortos, mas nós, os vivos, que bendizemos o Senhor". Segundo a concepção simplificada tradicional da Bíblia, os mortos já

não louvam o Senhor: "quando chegar a morte, ninguém se lembra de vós;

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OS SALMOS

na mansão dos mortos quem vos louvará?" (Sl 30, 10; dr 88, 11-12; Is 38, 18). Eles vivem no "silêncio": não ouvem a palavra do Senhor, não conhecem os seus prodígios e não o louvam, a sua boca não se abre, nada diz. Vivem fe­chados numa fortaleza, numa torre, onde se bloqueia a palavra.

Mas há também os vivos que estão "mortos": os que fabricam ídolos e neles põem a sua confiança. Esses não louvam o Senhor. Descem ao silêncio total, como os seus ídolos que "têm boca, mas não falam".

Contrariamente, "os vivos são os que vos louvam como eu vos louvo agora" (Is 38, 19). A bênção dos fiéis para com o seu Senhor reflecte e corres­ponde à bênção que Ele lhes concedeu. De facto, é a bênção divina que nos faz viver e nos permite bendizer a Deus e dar-lhe graças "agora e para sempre".

Mediante a Sua bênção, concedida na oração, Deus glorifica o Seu no­me, fazendo-nos viver e prosperar. Assim manifesta a Sua presença. Reco­nhecendo, aceitando e vivendo na confiança do Senhor, glorificamos também nós o nome divino: vivemos na Sua presença "agora e para sempre". O acto de louvor é memorial do Senhor que se lembra do seu povo, é reconhecimen­to da fidelidade de Deus e ao mesmo tempo manifestação da confiança nele e renovação da adesão à sua aliança. Mediante a oração, louvamos o Senhor, porque estamos vivos. E sabemos que vivemos para louvar o Senhor. A ora­ção é expressão de vida, da vida de Deus em nós, e faz-nos viver n'Ele.

3. O salmo 115 na perspectiva da "oração do Senhor"

Na perspectiva cristã, os salmos, enquanto escola de oração e de espiri­tualidade, encontram a sua plenitude na "oração que o Senhor nos ensinou", o "Pai Nosso". Ele é, efectivamente o modelo da oração cristã: nela aprende­mos a rezar "em espírito e verdade", com aquele espírito filial que por Jesus recebemos de Deus Pai.

O nosso salmo liga-se ao Pai Nosso. O "não a nós, Senhor, mas ao vosso nome dai glória" completa-se no "santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu". O "nos­so Deus está nos céus" explicita-se na invocação inicial "Pai nosso que estais nos céus". A relação de Deus com os homens aparece agora mais íntima: Ele é Pai. A Sua transcendência não anula a Sua proximidade, o Seu amor p�los ho­mens. Estes não são criahtras ao mesmo nível das outras: são filhos. E da pa­ternidade divina que brota a Sua bênção e protecção sobre os homens, Seus filhos: Ele "abençoou-nos com todas as bênçãos espirituais em Cristo". Mas também concede a todos os Seus filhos a bênção do "pão nosso de cada dia".

Rezando os salmos no Espírito de Cristo, encontramos neles um meio eficaz para alimentarmos a comunhão com Deus e caminharmos constante­mente na Sua presença.

P. Jorge Manuel Faria Guarda

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JORNADAS CATEQUETICAS

I- APRESENTAÇÃO

É de suma importância, na catequese, intensificar o esforço de colaboração entre os catequistas e os pais e vice-versa. Foi partindo desta necessidade, que o Secretariado Diocesano da Educação Cristã da Infância e Adolescência propõs às paróquias desta diocese de Lei­ria-Fátima que reflectissem sobre esta problemática e trouxessem para as Jornadas Catequéticas o resumo da sua reflexão.

Realizámos duas Jornadas: uma em Leiria e outra em Fátima, com a participação de 1 7 paróquias de oito vigararias. Pareceu-nos muito válido este trabalho. Este é o resumo da reflexão destas paró­quias, que quiseram aceder a este apelo de partilha das preocupações catequéticas e catequísticas.

Transcrevemos com a devida licença e os sinceros agradecimen­tos, a introdução às jornadas feita pelo Dr. José de Jesus Maria e sua esposa, professora Maria Alice Dias Cardoso.

II - INTRODUÇÃO ÀS JORNADAS

1. Formação sistemática

Todo o Educador, hoje, sente, como imperativo da sua própria actividade, e como exigência social, a necessidade de formação especí­fica e permanente.

Embora seja já um lugar comum falar-se de especialização, o ca­tequista precisa, sob pena de cair no descrédito, de formação teológica e antropológica. Não deixa de ser oportuno dizer que só amamos ver­dadeiramente aquilo que conhecemos.

Não podemos deixar-nos dominar pelo cientismo, mas a ciência deverá servir para nos abrirmos mais facilmente à fé. A fé sem ciência facilmente cai na crendice; não podemos, entretanto correr o risco de tudo querer reduzir à ciência. O que é certo é que a fé adulta tem o do­mínio das razões porque acredita

Podemos comparar entre o Conhecer e o Amar. Um não interfere no outro, mas um pode ajudar a fundamentar o outro. Como posso eu dizer que gosto, ou amo aquilo, ou aquele que desconheço?

A própria busca do saber é já uma manifestação de amor. Eu procuro aquilo que amo; quero conhecer, porque essa é uma forma de ser. Na procura do saber manifesta a sua fé e, ao mesmo tempo, a rea-

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jORNADAS CATEQUÉTICAS

liza e dá testemunho aos outros. O grande entusiasmo do Ser Cate­quista revela-se na sua ânsia do saber, porque ama Aquele em Quem acredita.

Se a formação espiritual deve ocupar um lugar privilegiado na vi­da de cada um, a formação doutrinal mostra-se hoje cada vez mais ur­gente, não apenas para aprofundar a fé, mas também pela exigência de racionalizar a esperança, perante o mundo e os seus problemas gra­ves e complexos.

No contexto da formação integral é particularmente importante o crescimento pessoal no campo dos valores humanos.

2. Responsabilização das Comunidades: Paroquial e Familiar

Como poderão os Catequistas responsabilizar as comunidades, Paroquial e Familiar?

- Promover uma catequese para adultos. Como podem as mesmas Comunidades assumir as suas respon­

sabilidades? -Antes de mais pelo testemunho coerente. Os pais são os primeiros modelos dos filhos. Ora, não sendo a

Catequese uma Escola, não se resumindo a um conjunto de aulas, nem se limitando a uma mera transmissão de conhecimentos, mas preten­dendo ser um testemunho vivo da Fé que vive o Catequista na sua co­munidade e pela qual orienta a sua vida, que crédito merece o Catequista, se o saber por ele transmitido, não corresponde à prática da sua vida e dos pais?

O Catequista tem por missão esclarecer e iluminar a vida com o Evangelho, mas aos Pais cabe iniciar e dar continuidade e sentido ao que o Catequista transmite.

Quanto aos Pais, muitos enviam os filhos à catequese e levam uma vida de indiferença e às vezes mesmo de hostilidade, guiando-se pelos preconceitos sociais. Eles são os principais responsáveis pela in­diferença futura dos filhos. Não raro são os mais exigentes para com a Igreja e muito pouco exigentes para consigo mesmos; quem não exige de si próprio, não tem direito a exigir dos outros.

E preciso denunciar a contradição de vida em que muitas famí­lias são envolvidas. Denunciar, mas com o respeito e a dignidade que merece toda a pessoa humana.

Importa interpelar os pais, no sentido de os levar a pensar que a catequese não é uma escola de saber teórico, mas de um saber que desperta a fé e leva a um compromisso de vida na comunidade, em

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coerência com o que se aprende. Pais e filhos devem dispôr-se a uma preparação de que resulte idêntico compromisso de vivência pessoal.

Se a Catequese vai associando um compromisso na Comunidade Eclesial que se traduz em momentos altos de vida cristã, como é a recep­ção dos Sacramentos, é importante que as famílias vão sendo sensibiliza­das, pelas próprias crianças, no sentido de acompanharem a integração dos filhos na Igreja, participando nos actos litúrgicos em que os filhos são chamados a participar pelo facto de frequentarem a catequese.

Como motivar os Pais a acompanhar os filhos? Eis a grande questão e a grande contradição com que os filhos se debatem. São obrigados, pelos pais, a fazer aquilo que eles mesmos não fazem. Quando crescerem querem ser adultos como os pais. E um sinal de ser já adulto, é não ir à catequese. Isso é uma coisa para crianças ...

Um desafio à criatividade do Catequista: Conseguir que Crianças e Adolescentes motivem os Pais para uma prática coerente, com aqui­lo que eles próprios vão aprendendo na Catequese. Não há melhor testemunho do que aquele que é dado por quem recebe a mensagem. Ser Amigo é convidar o outro a participar em algo de que gosta.

3. Renovação da Catequese Paroquial: COERÊNCIA

Acaso, já nos perguntámos das razões porque tantas crianças vão à Catequese e, depois, atingindo um certo grau de formação, viram costas? Porquê, não faltam à catequese, e não têm qualquer prática re­ligios�?

E evidente que os pais sabem que podem mandar os filhos à ca­tequese, mesmo não ligando nada à prática religiosa, porque a assu­mem como uma escola gratuita onde sempre podem aprender alguma coisa, quanto mais não seja, que é preciso respeitar os pais. Os pais, por vezes, mandam os filhos à catequese, por mero interesse próprio: porque querem ser respeitados sem ter que se impor. Mas quando se trata de actividades que comprometem os próprios pais, e eles não cumprem, então perdem a autoridade para mandar os filhos, porque aqui o que conta é o exemplo e não o que se diz. (Vg. ir à Missa, ou outra actividade religiosa).

Como há-de ir o filho, se os pais não vão? Como agir, perante es­tas e outras situações concretas?

O esforço de renovação só terá êxito, na medida e� que for tra­duzido em acções concretas para problemas concretos. E preciso, an­tes de mais, fazer o levantamento das situações e problemas, e de seguida planear acções concretas que visem despertar as pessoas para

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a fé, levando-as a encarar como um convite e um desafio de vida de resposta a Deus, e não uma perseguição ou condenação.

Deus chama cada um a seu modo. O importante é que cada um responda com fidelidade e alegria. A Catequese deverá ser, antes de mais, uma Liturgia da Palavra, em que Cristo se torna Mensagem que cativa, interpela e move ao comp�omisso.

III- FAMÍLIA E EDUCAÇÃO NA FÉ

Respostas apresentadas pelas paróquias

RESPOSTAS DOS PAIS 1. Que esperais da catequese ao inscrever os vossos filhos?

1 - Apoio e ajuda na formação e educação cristã, moral, religio­sa, social e cultural dos filhos

2 - Integração na comunidade e inserção na sociedade dos fi­lhos;

3- Complemento do que se ensina em casa e continuidade à educação cristã já recebida

4 - Uma aprendizagem mais aprofundada da Palavra de Deus para que se possa viver, no quotidiano, o Evangelho

5 - Desenvolvimento, aprofundamento e crescimento da fé cristã

6- Ajuda no crescimento, com Jesus, no amor a Deus e aos amigos

2. a) De que maneira tendes acompanhado os vossos filhos ao lon­go da catequese?

a) Pelas folhas de pais - esclarecimento de dúvidas - levando-os à catequese - ensinando-lhes as fórmulas fundamentais - participando nas reuniões, celebrações e outras actividades - dialogando com os catequistas - falando sobre os temas tratados na catequese - através dos cânticos aprendidos na catequese - interesse pelo que vão aprendendo e pelo seu comportamento - acompanhamento no estudo e na oração

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b) b Quais os assuntos da catequese que têm sido ocasião de diálo­go com os vossos filhos?

- questões relacionadas com o céu, o inferno e com Deus - a Igreja na vida - os mistérios que envolvem a Bíblia - o princípio do mundo - mistério da morte de Cristo - memorização de algumas fórmulas Há pais que dizem não estar preparados para dialogar com os fi­

lhos sobre certos assuntos.

3. Achais que a catequese contribui positivamente para a vida da vossa família? Em que aspectos?

1 - Contribui para que a educação familiar seja mais perfeita 2 - Suscita, motiva e gera condições de diálogo familiar 3- Motiva e provoca a oração 4- Chama a atenção para as atitudes, em família, que estão em

desacordo com o que aprenderam na catequese 5 - Transmitem-nos valores morais, religiosos e reforçam os já

existentes 6- Contribui para a união, harmonia e amor da família 7- Os catecismos proporcionam novos conhecimentos não

aprofundados no nosso tempo 8- Há filhos que, em casa, explicam a catequese aos pais, le­

vando-os a uma vida mais cristã 9 - Desperta os pais adormecidos na prática da vida crista

4. Que propostas fazeis aos catequistas?

1 - Que se aperfeiçoem mais nos estudos e cuidem da sua for· mação catequética

2 - Sejam ministros da Palavra 3- Mais diálogo e mais encontros activos e criativos entre os

pais e os catequistas, e não apenas só por altura dos Sacra· mentes

4- Que se criem actividades complementares da catequese, como são as recreativas e os convívios

5 - Que a mensagem seja transmitida de forma simples e transparente

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6 - Procurem dar testemunho de vida cristã, vivendo o que transmitem

7 - Que saibam manter o respeito, na catequese, com sabedo­ria

8 - Persistência, compreensão, carinho, tolerância e muita pa­ciência. Que nunca desanimem

9 - Que sejam exigentes, com verdade e amor 1 0 - Ajudem as crianças a participar na Missa e incentivem-nas

à prática da confissão frequente 1 1 - Façam catequese duma maneira simples, harmoniosa, cati-

vante e de acordo com a idade das crianças 1 2 - Que não façam da catequese uma escola 1 3 - Ajudem as crianças a crescer para Deus 1 4 - Eduquem para o civismo 1 5 - Evitem os conceitos negativos e pessimistas 1 6 - Ensinem a descobrir em Deus um Pai e Amigo, que ama e

perdoa 1 7 - Preparem as crianças e adolescentes, a nível de cânticos e

leituras para participarem mais activamente na Missa.

RESPOSTAS DOS CATEQUISTA$

1. Quais os valores que tem encontrado nas famílias dos seus cate­quizandos?

1 - Interesse pela educação cristã dos filhos 2 - Disponibilidade para colaborar em festas da catequese 3 - Participação nas reuniões, celebrações e outras actividades 4 - Responsabilidade, dedicação, empenho, compreensão, cari-

nho simpatia, solidariedade, apoio 5 - Colaboração monetária 6- Diálogo 7 - Consciência de primeiros e principais responsáveis pela

educação dos filhos 8 - Preocupação pelo comportamento dos filhos, dando conti­

nuidade à vida cristã que receberam 9 - Ensinam e rezam com os filhos

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JORNADAS CATEQUÉTICAS

2. No relacionamento com as famílias, como tem utilizado os seguin­tes meios: - visitas, diálogos, folhas de pais, reuniões, celebrações, festas ...

1 - Visitas sempre que se julgue necessário 2 - Diálogos ocasionais (saída da Missa da catequese ... ) 3 - Reuniões pedidas pela catequese ou de preparação de festas 4 - Reuniões trimestrais por grupos de catequese 5 - Folhas de pais 6 - Cartas, convites ... 7 - Contactos pessoais e pelo telefone 8 - Participação nas celebrações e festas

3. Quais as iniciativas da paróquia que mais uniram a Catequese e Família?

1 - Festas do Natal, do Pai Nosso, do Perdão, da 1 ;1 Comunhão, da Profissão de Fé, da Palavra, das Bem-aventuranças

2 - Celebrações conjuntas: pais, catequistas e crianças 3 - Reuniões de Pais 4 - Dia Paroquial da Catequese 5 - Campanhas quaresmais 6 - Encontro inter-paroquial da catequese.

4. Propostas para melhorar a colaboração com os pais.

1 - Visitas periódicas às famílias 2 - Mais diálogo 3 - Mais festas e celebrações 4 - Mais reuniões por grupos e centros de catequese 5 - Valorizar mais as reuniões em vez de multiplicá-las 6 - Participação de pais na catequese dos filhos 7 - Sensibilizar os pais para se assumirem como primeiros e

principais responsáveis pela educação cristã dos filhos 8 - Ajudar a renovar a mentalidade dos pais para uma cate­

quese que leve à vida de Fé e opção por jesus Cristo 9 - Melhor preparação dos catequistas para orientar as reu­

niões 1 0 - Organizar festas/ convívios para toda a família paroquial

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JORNADAS CA TEQUÉTICAS

1 1 - Enviar às famílias dos catequizandos uma mensagem, pe­las Festas Litúrgicas mais importantes, como são o Natal e a Páscoa

12 - Enviar aos pais, por escrito, o convite de participação nas reuniões, celebrações ...

1 3 - Encontros de formação e reflexão cristã entre catequistas e pais

IV - DESAFIOS

1 - O Amor vence todas as barreiras

Nada supre a competência; mas o Amor, com o pano de fundo do estudo, conduz os catequizandos pelo caminho da realização e da salvação.

Quando os pais amarem verdadeiramente os seus filhos, não por egoísmo, e quando os catequistas acolherem bem os catequizandos, a catequese será um caminho de fé, natural e assumido.

Amar é dar-se: a melhor forma de o fazer é preparar-se bem pa­ra ser amigo a caminhar com os catequizandos.

2 - A esperança toma-nos capazes do impossível

Não há paróquias a trabalhar a cem por cento, mas há comunida­des a manifestar que têm esperança, situando-se num presente histó­rico, a exigir resposta de vida também para os mais novos.

Quando os catequistas deixarem de se lastimar pela falta de cola­boração dos pais e derem a sua vida em atitude de serviço, e quando os pais se aproximarem mais dos filhos, ajudando-os com a vida, tudo mudará. E a catequese também.

3 - A Fé centra-nos na realidade: O Espírito Santo é a Alma da Igreja

É Deus que salva. É o Espírito Santo que anima e é o Senhor, Ros­to visível de Deus, que caminha com os que se dispõem a deixar o su­pérfluo e o periférico e a fazer opção pelo essencial.

Fazer opção por uma catequese renovada, ao serviço da pessoa humana, é acreditar na Trindade Santíssima, que se revela na Igreja, Comunidade de Vida, ao serviço de todos.

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ADMINISTRAÇAO DE BENS DA IGREJA

O REGULAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO DE BENS DA IGREJA NA DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA, publicado em Dezem­bro de 1993, começou a entrar em vigor, "de maneira experimental e livre", a partir de Janeiro de 1995. Até ao fim do ano de 1997, vigora­rá em regime não obrigatório, de acordo com o decreto de promulga­ção d e 1 . 12.93. Após 1 d e Janeiro d e 1998 será d e aplicação obrigatória.

Este Regulamento pretende exprimir a renovação realizada nos diversos âmbitos da vida da Igreja que se operou na sequência do II Concílio do Vaticano, concretizada no campo da evangelização, dos estudos bíblico-teológicos, do ecumenismo, na liturgia e também na administração dos bens eclesiásticos.

É uma renovação que já foi ou está a ser feita em muitas dioce­ses de todo o mundo e que se inspira nos princípios de justiça e cari­dade, que devem estar subjacentes a toda a vida interna da Igreja bem como ao testemunho de clareza e partilha que as instituições eclesiais devem dar à sociedade contemporânea.

Uma adequada aplicação deste Regulamento começará indubi­tavelmente por um leitura atenta e reflectida do texto que lhe serve de base, oportunamente publicado e ainda ao dispor dos interessa­dos. Protagonistas imprescindíveis deste estudo são certamente to­dos o s membros dos conselhos económicos paroquiais e das comissões das igrejas.

O novo Regulamento supõe um novo espírito e, em muitos ca­sos, uma nova prática, que passará por uma partilha de bens mais efectiva entre as comunidades e instituições e dentro delas próprias. É claro que esta partilha começa a nível pessoal, quando cada cris­tão toma consciência da sua responsabilidade na participação eco­nómica d a v i d a d a Igreja, a fim d e que ela possa realizar eficazmente a sua missão. Sem o contributo pessoal de cada cristão não é possível à Igreja realizar as suas actividades de evangelização, de celebração, de assistência social e sustentar as pessoas que estão ao seu serviço.

Contribuir para uma instituição que nos serve é um dever de justiça, semelhante ao que se verifica nos impostos para o Estado, a

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ADMINISTRAÇÃO DE BENS

que, em consciência, não devemos fugir. Neste caso, está incluído ainda um dever de caridade, que se marúfesta na partilha de bens a que este Regulamento dá elevada importância.

Estamos confiantes de que os presbíteros e leigos mais respon­sáveis pela vida da Igreja acolherão o novo espírito deste Regula­mento e porão em prática as suas determinações concretas. Acreditamos que esta é uma iniciativa inspirada pelo Espírito de Deus, que sempre ajuda a Igreja a encontrar os meios mais adequa­dos para cada tempo e lugar.

Nota da Secretaria Episcopal Leiria, 1 5 de Dezembro de 1994

"VIDA DOS PRESBÍTEROS" A Congregação para o Clero enviou ao Bispo de Leiria-Fátima uma

carta que se refere à iniciativa dos Presbíteros desta Diocese aprofundarem alguns aspectos do ministério sacerdotal. Transcrevemos o texto, que pode ser motivo de estímulo para um maior aprofundamento deste estudo.

Através do jornal A Voz do Domingo, desta Diocese, a Congre­gação para o Clero tomou conhecimento da recente reunião de V. Ex­cia Revma, seu Revmo Vigário Geral e os Vigários da Vara, no passado dia 7 de Outubro, durante a qual foi deliberado, por maio­ria, dedicar o tempo de estudo das reurúões vicariais dos sacerdotes a uma leitura reflectida do Directório para o Mirústério e a Vida dos Presbíteros, que esta Congregação publicou neste ano.

Desejo manifestar-lhe todo o apreço por esta iniciativa, que ma­nifesta sentimentos de efectiva comunhão com a Sé Apostólica e, ao mesmo tempo, sensibilidade pastoral em vista de uma renovada vi­talidade da identidade e da espiritualidade presbiterais, que o Direc­tório procura incentivar, e para a qual deseja contribuir eficazmente.

Com votos sinceros de pleno êxito para a iniciativa, que, oxalá, pudesse ser estendida a todas as Dioceses portuguesas, desejo, na sua pessoa, saudar com apreço o Clero desta Igreja particular ( . . . ).

Mons. Sepe Crescenzio

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VIDA ECLESIAL

CONSELHO PASTORAL DIOCESANO

N dia 18 de Fevereiro realizou-se a primeira reunião do Conselho Pas­toral Diocesano. A criação deste órgão já estava planeada há vários anos e ti­nha sido anunciada na última assembleia diocesana.

É um órgão de consulta do Bispo Diocesano, com o objectivo de reflec­tir sobre as questões mais importantes da vida dos cristãos e de ser uma re­ferência para a planificação pastoral da Diocese.

Este Conselho é composto por membros natos, ligados às principais instituições diocesanas, membros representativos das diversas áreas geográ­ficas, dos diversos sectores de pastoral e dos diferentes grupos, e membros designados pelo Bispo.

A agenda de trabalhos incluía a preparação de futuros estatutos, uma reflexão sobre a realização de um sínodo diocesano e a eleição de um secre­tariado permanente.

SEMINÁRIO MENOR

Na Diocese de Leiria-Fátima, o Seminário Menor tem sido quase a úni­ca fonte de vocações para o Seminário Maior.

Durante o presente ano lectivo, o Seminário Menor é composto por 46 alunos. Para acompanhamento destes rapazes existe uma equipa de cinco padres formadores.

Nota-se que cada vez mais surgem jovens provindos de ambientes pou­co cristãos, desprovidos dos elementos essenciais da catequese e também com carências de formação humana. Estes e outros factores constihtem uma difi­culdade adicional que provoca uma constante revisão do trabalho realizado.

CORRESPONSABILIDADE ECLESIAL

''Teologia da Igreja Diocesana" e "Corresponsabilidade na comunida­de cristã" foram os temas que estiveram na base das jornadas teológicas que se realizaram em 28 e 29 de Janeiro.

Foram organizadas pela Escola Teológica de Leigos com o objectivo de provocar uma reflexão de todos os agentes diocesanos no sentido de preparar o início da caminhada sinodal que já foi anunciada pelo Bispo da Diocese.

ÓRGÃO NA SÉ DE LEIRIA

Motivado pelas comemorações do 4502 aniversário da criação da Dio­cese, o Senhor Bispo de Leiria-Fátima, em Outubro de 1993, atribuiu ao Ca-

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VIDA ECLESIAL

bido da Sé de Leiria a tarefa de conduzir o processo de aquisição e instalação de um grande órgão de tubos para a igreja catedral. Para que este processo decorresse de forma segura, o Cabido pediu ao Rev. Cónego Ferreira dos Santos, da Diocese do Porto, que orientasse os primeiros contactos e ajudas­se a decidir as questões técnicas.

Em Novembro de 1993 escolheu-se o local que pareceu ser mais ade­quado para a instalação do órgão. Ainda que a tribuna lateral da capela-mor apresentasse as melhores condições acústicas, dado que o órgão se destinará prevalentemente para animar as celebrações litúrgicas, optou-se pelo espaço coincidente com a capela de Nossa Senhora das Dores.

No decorrer destas diligências, uma firma alemã propôs a oferta de um órgão de tubos já construído, para a Sé de Leiria. No entanto, visto que este instrumento não tinha sido estudado para o espaço físico desta catedral, tor­nava-se impróprio do ponto de vista acústico e arquitectónico. Foi decidido, assim declinar esta oferta.

Contactou-se a Firma Orgelbau Georges Heintz, de que eram conhecidos alguns órgãos. O organeiro fez um estudo pormenorizado do espaço da igre­ja e aceitou a proposta de o órgão poder vir a ser instalado no espaço previa­mente indicado. Foi-lhe sugerido que apresentasse o orçamento e o projecto para um órgão de inflexão cultual, sem esquecer a possibilidade de realizar concertos exigentes.

O projecto, apresentado em Abril de 1994, contempla dois tipos de ór­gão. O primeiro inclui 33 registos, o segundo dotado de 40/41 registos. For­nece a estrutura funcional do órgão, refere a qualidade do material, estabelece as condições do contrato, prazos de entrega, exigências na monta­gem e garantias.

Surgiu entretanto outra proposta de uma segunda firma, que foi devi­damente analisada e estudada. Foi escolhida a proposta da Firma Orgelbau Georges Heintz para o órgão de 33 registos. A sua concepção do perfil arqui­tectónico integra-se melhor no contexto da catedral, as suas possibilidades sonoras são as que melhor se adaptam à nossa sensibilidade e a constituição interna deste instrumento garante maior gama de possibilidades acústicas. Os preços eram sensivelmente equivalentes.

O Senhor Bispo aprovou esta iniciativa e deu orientações no sentido de que este instrumento corresponda a um amplo desejo generalizado e contribua para a solenização das celebrações, sem esquecer a componente cultural de eventuais concertos. Manifestou ainda a intenção de que este órgão de tubos possa possibilitar a formação de futuros organistas e orga­neiros nesta Cidade e Diocese. A 16 de Dezembro de 1994 foi assinado o contrato entre a Diocese de Leiria-Fátima e a empresa construtora, que se comprometeu a montar e a pôr em funcionamento o órgão até ao fim do ano de 1997.

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VIDA ECLESIAL

ENCONTROS SHEMÁ

Entre 300 a 400 jovens têm-se reunido periodicamente para rezar juntos. O Secretariado Diocesano da Juventude e o Secretariado Diocesano das

Vocações têm animado já há um ano uma série de encontros mensais de ora­ção, dirigidos e participados preferencialmente por jovens.

Pretende-se com esta actividade proporcionar uma experiência pro­funda de encontro com Deus. O esquema destes encontros tem como centro a Palavra de Deus, a que se segue um tempo de silêncio e de partilha. Diver­sos gestos e sinais aompanham o canto, de modo a favorecer uma atitude de resposta à Palavra escutada.

O nome destes encontros, "shemá", que significa "escuta" no hebraico, corresponde à dinâmica usada, que privilegia o silêncio, a escuta da Palavra e a interiorização.

Desde Janeiro de 1994, em que estiveram 60 pessoas, que o número tem vindo a crescer progressivamente. Já com mais participantes, estes en­contros continuam a realizar-se nas primeiras sextas-feiras de cada mês, nu­ma sala junto à capela da Quinta da Ma tinha - Marrazes.

CAES

CAES (Centro de Apoio ao Ensino Superior) é uma iniciativa pastoral que pretende acolher e acompanhar os estudantes do Ensino Superior de Leiria.

Numa primeira fase tem privilegiado os contactos com as associa­ções de estudantes para apresentação de propostas de actividades diver­sas. Entretanto surgiu um grupo dinamizador, que já organizou um encontro de reflexão e convívio na Páscoa de 1994, e que está a preparar novas sugestões.

Durante este ano lectivo tem proporcionado encontros semanais, à quarta-feira, junto à Sé. É um espaço aberto para todos os estudantes que quiserem participar, é acompanhado pelo P. Armindo Janeiro e a definição de temas e actividades depende dos interesses de quem participa.

Nos seus objectivos, o CAES inclui a criação de um espaço central para estudantes, onde possa haver um atendimento e acolhimento personalizado, com lugar para estudo, convívio e reflexão.

A preocupação deste grupo é promover momentos de reflexão sobre as questões que vão passando pelo mundo juvenil e que desafiam a fé para novas respostas. No fundo, trata-se de ajudar a fazer uma leitura crente da vida e dos acontecimentos.

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COMUNICADO DO CONSELHO PRESBITERAL

O Conselho Presbiteral da Diocese de Leiria-Fátima reuniu nos dias 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1995. Ao introduzir os trabalhos, o Sr. Bispo re­feriu, numa perspectiva teológica, o tema "A Tolerância", escolhido pela ONU para o ano de 1995, e reafirmou a sua esperança no Conselho Diocesano de Pastoral, que terá a sua primeira reunião no dia 18 de Fevereiro próximo.

O representante do Cabido apresentou em projecto o programa das co­memorações dos 450 anos da criação da Diocese e o Conselho acentuou a ne­cessidade de nele se conciliarem as vertentes histórico-cultural, eclesial e pastoral. Sobre a mesma efeméride o Sr. Bispo propôs-se a publicar uma no­ta pastoral. As Jornadas sobre o compromisso cristão na Igreja Diocesana, promovidas pela Escola de Formação Teológica de Leigos e realizadas nos dias 28 e 29 p.p. foram avaliadas como muito positivas.

A catequese e a sua orgânica, a nível paroquial, vicarial e diocesano, foi também tema de diálogo, concluindo-se que assunto tão importante deve ser objecto de estudo na próxima sessão do Conselho.

Sobre alguns aspectos do Regulamento da Administração de Bens da Igreja na Diocese de Leiria-Fátima, os conselheiros, fazendo-se eco dos respec­tivos círculos, manifestaram algumas dificuldades, realçaram o espírito eclesial imprescindível à sua correcta aplicação e a necessidade de evangelizar as co­munidades de modo a despertar em cada cristão a consciência da sua identida­de e corresponsabilidade na Igreja. Complementarmente, sublinhou-se a urgência em dinamizar as comissões e proporcionar uma formação adequada aos seus membros, bem como a necessidade de clarificar a administração dos bens da Igreja. Alguns puderam já testemunhar a sua adesão ao novo sistema e partilharam as primeiras experiências e o caminho percorrido pessoalmente, pelos conselhos económicos e pelas comunidades. A Comissão de Aplicação do Regulamento disponibilizou-se mais uma vez para prestar esclarecimentos e ajuda, nomeadamente aos conselhos económicos das paróquias.

O Sínodo Diocesano em perspectiva mereceu grande destaque. Tendo por base a proposta de calendarização apresentada pela Comissão prepara­tória, uma longa reflexão permitiu concluir pela necessidade de se avançar decididamente, sem descurar a informação e a motivação das pessoas, come­çando pelo próprio clero, e acentuar a urgente disponibilização de um padre a tempo inteiro. Neste sentido, propôs-se a convocação de uma assembleia geral do clero para o próximo dia 14 de Março. A esperança nos frutos dos tempos sinodais que se anunciam, alicerça-se na força dinamizadora do Es­pírito e conta com a correspondência generosa e entusiasta de todos os mem­bros da Igreja diocesana, e a colaboração de quantos se mostrem sensíveis à proposta de uma caminhada solidária.

A próxima reunião do Conselho Presbiteral ficou agendada para os dias 8 e 9 de Maio do corrente ano.

Leiria, 1 de Fevereiro de 1995.

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CORPO NACIONAL DE ESCUTAS A Sé Apostólica, através do Conselho Pontifício para os Leigos,

publicou, em Abril de 1 992, o "Anexo à Carta Católica do Escutis­mo". Nele se afirma: " (. .. ) a Igreja reconhece e apoia concretamente a educação realizada pelo Movimento Escutista e as propostas de expressão da Fé que ele faz aos jovens; a Igreja vela, também, para que a identidade católi­ca permaneça determinante em todas as expressões da sua vida".

Este documento pontifício, dirigido aos Presidentes das Confe­rências Episcopais, para além do reconhecimento e apreço manifesta­do pelo trabalho educativo realizado em favor das gerações mais novas, encoraja-nos a aprofundar, cada vez mais, a riqueza do escu­tismo, pois é um caminho válido para a formação integral dos jo­vens, também no que se refere à educação para a fé.

Num momento em que, não obstante a recta intenção, se torna evidente a fragilidade pastoral deste sector, importa olhar com luci­dez para as virtualidades deste movimento que, segundo o fundador Baden Pawell, pretende acompanhar o rapaz e a rapariga, desde a sua infância até às opções da juventude, ajudando-os a tornarem-se protagonistas do seu próprio desenvolvimento e construtores de um "mundo melhor".

Hoje, a Igreja deposita todas as suas expectativas e orienta to­das as suas energias, para o esforço da Nova Evangelização, não que tenha outra boa nova - pois a notícia é antiga e sempre nova - mas porque são outros os homens e as mulheres deste final de século e outras são as condicionantes sociais e culturais.

Também no horizonte do itinerário educativo das novas meto­dologias escutistas, está o ideal do "Homem Novo e o Projecto das Bem­-aventuranças ", proposto aos caminheiros (18-22 anos). O C.N.E trabalha para que, ao chegar o momento da partida - por volta dos 22 anos - todo o (a) caminheiro(a) possa assumir, com alegria, criativida­de e esperança, o seu lugar na Sociedade e na Igreja e possa oferecer, em es­pfrito de serviço, o contributo pleno de todas as suas capacidades.

Por isso, é nossa convicção ser o C.N.E não só uma preciosa aju­da aos pais na educação dos filhos - que vai muito além da ocupa­ção de tempos livres - como um ponto de encontro privilegiado, entre o mundo dos jovens e o novo anúncio de Jesus Cristo que a Igreja está empenhada em realizar, por todos os meios que estiverem ao seu alcance.

Tudo isto o Escutismo faz, não de uma forma teórica, mas par­tindo dos centros de interesse e dos dinamismos dos jovens, onde radica,

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CORPO NACIONAL DE ESCUTAS

precisamente, o método do projecto: escolha - preparação e realização - ava­liação e celebração.

A nossa convicção sobre a adequação do escutismo a uma pastoral da juventude ajustada aos dias de hoje aumenta quando nos apercebemos que os valores a que os jovens são sensíveis pertencem ao património espiritual do escutismo, quando vemos o constante crescimento dos agrupamentos e das regiões, quando o movimento se torna espaço de diálogo entre gerações e espaço de comunhão dentro da comunidade paroquial, quando leva a outros ambientes um rosto novo de Igreja e traz à comunidade os dinamismos da cul­tura de hoje.

Actualmente, a nossa Diocese conta com 13 agrupamentos já for­mados e 17 em formação, 6 dos quais começaram neste ano pastoral.

Para manter e aumentar a qualidade da proposta educativa, a nossa Região tem investido na formação de dirigentes: desde cursos de iniciação, aprofundamento prático, animação local, pedagogia da fé, até formação para formadores de dirigentes. Outros espaços, como seja a chamada "formação contínua" mensal e dois fins de semana por ano, completam o leque de propostas.

Em ligação com este plano de formação para dirigentes, a Re­gião tem também um conjunto de acções de formação para os escuteiros, em especial para os que guias ou chefes de equipa.

Neste contexto, não podemos deixar de valorizar a nova sede, espaço de apoio a todo o projecto escutista regional.

P. Armindo Janeiro

DIOCESE DE LEIRIA-FÁTIMA A Diocese de Leiria-Fátima tem uma área de 1.700 Km2, com

uma população aproximada de 284.000 habitantes, dos quais 273.000 se declaram católicos.

É constituída por 73 paróquias, agrupadas em 10 Vigararias. Abrange a totalidade dos cinco concelhos de Leiria, Marinha

Grande, Batalha, Porto de Mós e Ourém; e parte dos concelhos de Pombal, Alcanena e Alcobaça.

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MOVIMENTO ,

CATOLICO DE ESTUDANTES O Movimento Católico de Estudantes (M.C.E.), como outros movi­

mentos similares, nasceu para afirmar e desenvolver a vocação específica e indispensável dos leigos na missão que Cristo confiou à Igreja.

Pelo Baptismo, todos participam da solicitude salvífica de Deus Pai por toda a Humanidade, mediante a eleição em Cristo para anunciar a proximidade do Reino de Deus e reconhecer, em tudo o que é bem e verdade, a presença do Espírito do Pai e do Filho.

A Igreja, que existe somente para servir este Projecto Trinitário em favor da Humanidade inteira, sabe-se peregrina pelos caminhos da Histó­ria e das culturas, para anunciar, na alegria e na comunhão, a Boa Nova do Reino e mostrá-Lo já presente nos corações dos homens de boa vontade.

O M.C.E. elege a escola e o mundo estudantil como o lugar do reco­nhecimento da presença deste Reino, através das palavras e gestos de Cristo Ressuscitado, e faz aos jovens estudantes do ensino secundário e superior uma proposta concreta de trabalho e testemunho em favor de outros jovens.

O Movimento procura descobrir e revelar esta Presença segundo a Pedagogia do Acontecimento, isto é, não se trata de reflectir sobre ideias, mas de reconhecer a relação íntima entre os factos históricos e a Palavra de Deus; não partimos d'ü abstracto, mas da vida quotidiana: procurando aprofundar os horizontes de compreensão, ajudando a sistematizar har­moniosamente toda a informação recebida e formando para uma real consciência crítica, segundo uma leitura crente da existência humana.

No M.C.E. não se trata de formar primeiro para agir depois, mas de formar pela acção, de aprender todos os dias o que significa ser cristão, quais os apelos concretos que Deus faz a cada estudante. Por isso, o M.C.E. está ao serviço de uma verdadeira síntese entre a fé e a vida, entre a experiência crente e o compromisso transformador, para que se ultra­passe o dualismo e/ou a privatização da fé.

O processo educativo, desenvolve-se pela acção-reflexão-{lcção, a que chamamos revisão de vida e tem três momento: ver , julgar e agir. Deste modo, todo o movimento é um atelier da vida e para a vida.

Como espaço de fronteira, está aberto a todos, porque todos podem falar da sua experiência. Apenas se exige a vontade de fazer caminho no aprofundamento das razões de viver .

O Movimento está dividido em dois sectores: o Básico e Secundário (antiga JEC ) e o Superior e Universitário (antiga JUC ). Na nossa Diocese existem os dois sectores: o primeiro com dez equipas e o segundo com quatro.

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MOVIMENTO CATÓLICO DE ESTUDANTES

Por sua vez, as equipas dividem-se em equipas base e equipas de iniciação. Actualmente temos quatro equipas base e as restantes estão, co­mo o nome indica, em fase de iniciação. Todas as equipas são acompanha­das por um assistente.

Do ponto de vista do alargamento, atingimos os nossos objectivos para este ano pastoral. Mas o grande desafio neste momento consiste, em ajudar as equipas, em especial as que estão em iniciação, a entrar na dinâ­mica da revisão de vida. Para isso, alguns elementos do Executivo Dioce­sano têm visitado as equipas; preparámos dois encontros de iniciação, um para cada sector; os coordenadores participaram também em espaços de formação a nível nacional.

Este ano, o sector secundário está mais voltado para as questões liga­das ao acesso à cultura e à educação e o sector superior está mais envolvi­do nas "deseconomias do progresso", procurando uma cultura para o desenvolvimento.

P. Armindo Janeiro

CLERO DIOCESANO O Clero da Diocese de Leiria-Fátima (em Março de 1995) é constituí-

do por 115 elementos distribuídos da seguinte forma:

- 2 bispos (um residencial e um emérito) - 111 presbíteros - 2 diáconos

A situação deste mesmo Clero apresenta esta distribuição:

- em serviço paroquial: 65 - em serviços diocesanos: 31 - em serviço fora da Diocese: 7 - em situação de reforma: 9 - sem exercer habitualmente: 3

A média etária do Clero diocesano é de 56,7 anos de idade:

- com 60 ou mais anos: 51,3% (59) - de 50 a 59 anos: 22,6% (26) - de 40 a 49 anos: 6% (7) - de 30 a 39 anos: 7,8% (9) - de 24 a 30 anos: 12,1% (14)

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O SACRAMENTO ,

DO MATRIMONIO O último Curso de Formação Permanente do Clero teve como tema o

Sacramento do Matrimónio. Pretendeu apenas ser o in(cio de uma reflexão que se espera poder ser mais alargada, concretizada e partilhada.

A s(ntese que agora se apresenta não pretende resumir as lições de to­dos os cursos, mas apenas as intervenções dos grupos que, nas últimas ma­nhãs, sublinharam aspectos mais específicos.

Namoro No âmbito da pastoral familiar, o namoro surge como uma dimensão

habitualmente ausente de um acompanhamento e discernimento cristãos. A espontaneidade característica deste período torna difícil uma abertura dos namorados para uma inserção em estruturas pastorais.

A preparação cristã para o namoro e o acompanhamento dos pares de namorados faz parte da pastoral juvenil e da formação cristã em geral, im­plicando igualmente a Pastoral familiar.

Na preparação para o Matrimónio está em causa toda a educação para o amor e a sexualidade, cujo ambiente privilegiado é a família e, comple­mentarmente, a catequese e a escola.

A ausência de uma perspectiva cristã durante o namoro é devida a conflito de padrões de comportamento e a preconceitos sobre o amor e a se­xualidade.

Preparação dos noivos A preparação cristã para o Matrimónio tem-se limitado quase exclusi­

vamente aos encontros do CPM. O meio privilegiado de divulgação dos encontros de CPM parece que

têm sido e continuarão a ser os pares de noivos que os frequentam. A experiência de alguns párocos demonstrou que é de grande utilida­

de uma reunião de esclarecimento prévia à participação nos CPM, a fim de preparar para a dinâmica e para os temas dos encontros. Neste primeiro contacto, é importante não apenas a presença do pároco, mas também a de casais, já que a eles compete um testemunho naturalmente mais directo.

Verificando-se que, de um modo geral, os participantes nos encontros de CPM se têm mostrado satisfeitos, sentiu-se que a formação cristã para o Matrimónio não se pode limitar a este momento. Relativamente ao seu fun­cionamento interno, talvez seja necessário apontar para uma maior fidelida­de à pedagogia dos CPM e revitalizar algumas equipas . . . A estrutura temática pode ser enriquecida . . .

Uma correcta compreensão dos objectivos e métodos dos CPM, passa­rá também por um adequado uso de termos, corrigindo o hábito de chamar cursos ao que efectivamente se designa por encontros.

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O SACRAMENTO DO MATRIMÓNIO

Acolhimento aos noivos O acolhimento dos noivos, na paróquia, pode ser enriquecido se não

for da responsabilidade exclusiva do pároco, mas tiver também o contributo de casais devidamente preparados. Muitos pares de namorados poderiam aceitar de forma mais positiva as propostas pastorais, após contacto com um casal que os introduza na dinâmica dos CPM. Seria conveniente, para isso, que houvesse em cada paróquia casais a que os noivos se pudessem dirigir.

Nos casos em que os noivos não participam nos encontros de CPM, impõe-se naturalmente um acolhimento mais preparado e demorado.

A preparação da celebração do Matrimónio continua a ser o elemento fundamental no encontro que antecede proximamente o Casamento.

O dia do Casamento Num esforço de auto-crítica construtiva percebeu-se que é necessária

por parte dos sacerdotes uma atenção particular a alguns aspectos importan­tes e por vezes imperceptíveis: homilias demasiado longas e desadequadas, linguagem desfazada, excesso de avisos, deficiente preparação . . . Os atrasos habituais dos noivos não deveriam ser obstáculo a uma presidência serena.

Convém que algumas orientações práticas, nomeadamente no tocante à sobriedade no adorno da igreja, à importância da celebração relativamente à boda, ao papel dos fotógrafos, sejam motivo de uma reflexão prévia com os noivos. Os encontros de C.P.M .. podem ser uma ocasião privilegiada para educar os jovens casais no sentido de uma certa moderação nas "partidas" de que são vítimas os noivos, já que noutras oportunidades eles mesmos se­rão também convidados.

Pastoral Familiar A pastoral familiar, a nível paroquial ou diocesano, antes de ser um

conjunto de acções dirigidas aos casais e às famílias tem que ser uma dimen­são de toda a pastoral, que passa por um envolvimento das famílias nos di­versos sectores pastorais e actividades eclesiais.

A nível paroquial, as equipas de SAF, que não estão devidamente di­vulgadas, poderiam ser a estrutura base de organização da pastoral familiar nas paróquias.

Uma breve reflexão sobre o funcionamento do Centro Diocesano de Apoio à Fanu1ia, concluiu que a primeira causa da sua pouca rentabilidade está no qua­se total desconhecimento por parte das comunidades cristãs. Pensado para apoio das famílias às famílias e dos casais aos casais, sobretudo em ordem ao crescimento na conjugalidade das vidas (diálogo), na gestão da fecundidade do casal, na vivência consciente e responsável da paternidade e no desempe­nho da vocação de educadores, o Centro é proposto aos casais, e também aos pastores que nele podem ter não ape!)aS um apoio e ajuda, mas também uma imprescindível complementaridade. E necessário que tanto os pastores como os casais o conheçam, o dêem a conhecer e aprendam a utilizá-lo.

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EMPENHO E RESPONSABILIDADE PERANTE O SOFRIMENTO

Uma das últimas recolecções mensais pam o Clero, em Fátima, foi orienta­da pelo P. Clemente Dotti, dos Silenciosos Operários da Cruz. Nas suas inter­venções centrou a reflexão sobre a Pastoml da Saúde e o ministério do Padre em relação ao doente. Pedimos-lhe que nos sintetizasse uma parte da sua exposição. É esse contributo que aqui disponibilizamos.

1. Conhecer melhór o valor do sofrimento

Toda a actividade humana encontra o seu valor na graça de Deus. O sofri­mento apesar de ser em si mesmo uma negatividade, adquire o seu valor quando é vivido no amor e em união aos sofrimentos de Cristo. É um valor tão grande que leva o doente a viver na alegria a própria doença e com a força de Deus tor­na-se apóstolo entre os colegas. Mas vamos analisar os vários pontos, e iria fazê­-lo com palavras mais autorizadas do que as minhas.

"A medida que o homem toma a sua cruz, unindo-se espiritualmente à Cruz de Cristo, vai-se-lhe manifestando mais o sentido salvífico do sofrimento. O homem não descobre o sentido segundo o seu nível humano, mas segundo o nível do sofrimento de Cristo. Do plano em que Cristo se situa desce ao nível do homem o sentido salvífico do sofrimento e torna-se, de algum modo, a sua res­posta pessoal. É então que o homem encontra no seu sofrimento a paz interior e mesmo a alegria espiritual." (Salvifici Doloris, 26)

Aos padres está-lhes especialmente confiado o empenho de ajudar os doentes da sua paróquia, ou os que lidam com os doentes, a experimentar esta paz e esta alegria interior.

Ajudar o doente a ser útil na Igreja e na sociedade, ultrapassando o senti­mento de solidão e de inutilidade. "Torna-se fonte de alegria superar o sentido da inutilidade do sofrimento, sensação que, por vezes, está profundamente arrei­gada no sofrimento humano. Isto, não só desgasta o homem por dentro, mas pa­rece fazer dele peso para os outros. O homem sente-se condenado a receber ajuda e assistência da parte dos outros, enquanto a si próprio se considera inútil. A descoberta do sentido salvífico do sofrimento em união com Cristo, transforma esta sensação deprimente. A fé na participação nos sofrimentos de Cristo traz consigo a certeza interior de que o homem que sofre, ( . . . ) serve, como Cristo, para a salvação dos seus irmãos e irmãs. Portanto, não só é útil aos outros, mas presta­-lhes ainda serviço insubstituível." (Idem, 27)

O tempo do sofrimento é o tempo mais propício e precioso para Deus falar e entrar no coração do doente.

No dia 10 de Dezembro, falando aos doentes presentes no Santuário de Lo­reto, o Papa João Paulo II disse: "Em todos os lares entra, mais cedo ou mais tar­de, de modo mais ou menos grave, o sofrimento, a doença. Ela é certamente uma

provação, mas pode tornar-se um tempo extraordinário de crescimento, e, por

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EMPENHO E RESPONSABILIDADE PERANTE O SOFRIMENTO

vezes, também de resgate de determinados egoísmos e incompreensões. Estar próximo de um familiar enfermo, além de exprimir um testemunho concreto de amor, pode ser inclusive um maneira para lhe dizer: esqueçamos os nossos dissa­bores e reconciliemo-nos. E tudo isto sem pronunciar qualquer palavra, somente com o gesto da proximidade e da assistência solícita e afectuosa." Fala nos fami­liares, mas penso que pode ser válido para todos.

O doente pode até ser apóstolo entre os seus colegas, se encontrar uma aju­da no seu não fácil caminho.

Neste últimos anos temos dado, e justamente, muita importância à pastoral litúrgica, à catequese das crianças, à pastoral da família, dos jovens; nem sempre temos demonstrado igual interesse na pastoral da saúde. Talvez seja por causa da mentalidade moderna. Estamos a viver no mundo da eficiência que dá valor às pessoas conforme produzem. Quem não produz nem pode dar apoio não me­rece interesse. Tais são os doentes, os idosos, os deficientes. Vem daqui o descui­do pela pastoral da saúde, às vezes deixada para quem tem tempo ou está vocacionado para isso. Outra causa, é a falta da parte dos fiéis do sentido comu­nitário. A paróquia ainda é vista como estrutura jurídica e administrativa ou lu­gar onde se fazem actos religiosos. Os fiéis ainda não têm consciência da verdadeira natureza da paróquia como comunidade e como família. Eis o porquê do convite que o Papa faz para uma "acção pastoral renovada" no campo da saú­de. Se os doentes foram os privilegiados por Jesus, os preferidos na Sua missão de Salvador, tais deveriam ser na comunidade paroquial que quer ser fiel a Cris­to. Os cuidados para com os enfermos, ou melhor, a pastoral da saúde, deve ser "assumida em primeira pessoa", quer dizer de maneira preferencial, pela família paroquial, não pode ser vista e considerada uma actividade facultativa, ou de eleição, ou de especial vocação.

É muito fácil pensar que os doentes são pessoas que somente recebem dos outros e da comunidade. O Papa afirma com clareza: "Também os doentes são enviados como operários na vinha do Senhor (. .. ) porque Deus os chama a viver a sua vocação humana e cristã e a participar no crescimento do Reino de Deus de maneiras novas, também mais preciosas" (C.L.53). Esta tarefa e missão, se for compreendida e actuada, torna os doentes e os deficientes da paróquia os prota­gonistas escondidos, silenciosos, mas eficazes da vitalidade religiosa, do cresci­mento espiritual da paróquia, da vitória do bem sobre o mal e da abertura à graça que transforma as almas.

Na audiência aos doentes, no dia 23 de Maio de 1987, João Paulo II afirma­va: "O sofrimento é uma vocação a amar mais, (. .. ) de maneira especial hoje, na sociedade moderna, percebe-se o imenso valor do sofrimento cristão e cada co­munidade local deve realizar a pastoral do sofrimento, inserindo plenamente os que sofrem nas várias iniciativas e actividades apostólicas. Cada um de vós, que­ridos doentes, é chamado a ser um apóstolo para os homens de hoje. Do alto da Cruz, Jesus diz a cada um dos que sofrem física ou moralmente: lembra-te que o teu sofrimento é evangelizador ... é santificador .. . é redentor."

O que depois foi declarado na Christifideles Laici no número 54: "É neces-

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EMPENHO E RESPONSABILIDADE PERANTE O SOFRIMENTO

sário que esta preciosíssima herança que a Igreja recebeu de Jesus Cristo médico do corpo e do espírito, não só não esmoreça, mas se valorize e enriqueça cada vez mais com a recuperação e o decidido arrojo de uma acção pastoral em favor dos doentes e dos que sofrem. Deve ser um acção capaz de garantir e promover atenção, proximidade, presença, escuta, diálogo, partilha e ajuda concreta ao ho­mem, nos momentos em que, por causa da doença e do sofrimento, são postas à prova não só a sua confiança na vida, mas também a sua fé em Deus e no Seu amor de Pai ... Um dos objectivos fundamentais desta renovada e intensificada acção pastoral, que não pode deixar de envolver, e de forma coordenada, todos os componentes da comunidade eclesial, é considerar o doente, o diminuído físi­co, o que sofre, não simplesmente objecto do amor e do serviço da Igreja, mas sim, sujeito activo e responsável da obra de evangelização e de salvação" (54).

2. Assumir em si próprio cada sofrimento dos irmãos

Na sociedade de hoje não há lugar para a "compaixão", quer dizer o "so­frer com quem sofre" de S. Paulo. Mas isto não deve acontecer na comunidade dos seguidores de Cristo. Quer dizer compreender quem sofre e fazer-se compa­nheiro de viagem. Compreender por meio da escuta dos seus problemas. No mundo, hoje, fazem falta pessoas que saibam escutar. Tudo é a correr, de pressa, e não se consegue encontrar tempo para os outros; e a nossa experiência nos diz quão preciosa é uma pessoa que sabe escutar. Por vezes pode-se encontrar um doente que nos diz sempre as mesmas coisas; deveríamos pedir ao Senhor a vir­tude da paciência para escutar, ou com delicadeza mudar a conversa. Escutar e depois dizer poucas palavras, mas que saibam encorajar e levantar os olhos aci­ma do próprio sofrimento, para o Alto, e olhar para o sofrimento dos outros, pa­ra encarar o próprio.

O doente espera de nós, padres, que sejamos para ele um bom samaritano. E o Papa na Carta Apostólica Salvifici Doloris, diz que o "Bom Samaritano é todo o homem sensível ao sofrimento do outro, o homem que se comove diante da desgraça do próximo. Se Cristo, conhecedor do íntimo do homem, põe em realce esta comoção, quer dizer que ela é importante para todo o nosso modo de nos comportarmos diante do sofrimento alheio. É necessário portanto cultivar em si próprio a sensibilidade do coração que se manifesta na compaixão por quem so­fre. Por vezes a compaixão acaba por ser a única ou a principal expressão do nos­so amor e da nossa solidariedade com o homem que sofre" (n. 28). Continuando, sublinha as qualidades necessárias para termos a verdadeira compaixão para com o doente: "Bom Samaritano, portanto, é todo aquele que presta ajuda no so­frimento, seja qual for a sua espécie; ajuda, quanto possível, eficaz. Nela põe todo o seu coração sem poupar nada, nem sequer os meios materiais. Pode-se mesmo afirmar que se dá a si próprio, o seu próprio eu ao outro. Tocamos aqui um dos pontos chave de toda a antropologia cristã. O homem não pode encontrar a sua própria plenitude a não ser no dom de si mesmo. Bom Samaritano é exactamente o homem capaz do dom de si mesmo" (idem). Viver uma tal doação não é nada fácil; é exactamente o contrário do que o nosso egoísmo quer. Jesus dá-nos a re-

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ceita para curar tal egoísmo, como dizíamos: "A não ser com a força da oração e do jejum".

Como é que a oração e o jejum nos podem ajudar na relação com o doente? A preocupação do padre é levar a Deus as almas, de todo o rebanho, para que as salve. É Ele o Redentor, nós somos somente ministros. Entregar a Deus pela nos­sa opção os problemas de todas as pessoas, primeiramente os que não consegui­mos resolver: o problema do doente do qual não há mais nada a fazer e o da família, o problema daquela família que tem um filho que anda metido na droga, o problema dos jovens que andam desnorteados por não encontrar o caminho de Deus, o problema das crianças e da sua educação na fé, o problema dos que an­dam longe de Deus e não se querem reconciliar, e muitos outros que nós não so­mos capazes de resolver. Entregar a Deus que tudo pode, rezar com fé, como Ele próprio nos convidou a fazer, faz parte da nossa tarefa de padres e de pastores. Os meio de salvação são as coisas maiores que Deus entregou nas nossas mãos. Eis porque a contemplação tem um valor muito superior ao da acção. É muito mais importante na nossa missão a oração, a união com Deus do que tudo. A ora­ção deve ter o primeiro lugar na nossa vida. Narra-se na vida do santo fundador dos padres Paulistas que falando aos primeiros padres da congregação dizia: "se quiserdes ter êxito em qualquer actividade da vossa vida de padres, lembrai-vos que é preciso rezar muito, pelo menos, quatro horas por dia".

· É preciso dedicar mais tempo à oração e não apenas reduzi-la à reza do breviário e à celebração da missa. Há um pecado na nossa vida de padres que ho­je em dia é muito frequente: o activismo. Andamos preocupados e atarefados com muitas coisas e não conseguimos encontrar tempo para estar com o nosso Deus, não temos tempo para O escutar. É necessário, para sermos homens de Deus, passar um tempo considerável a adorar este Deus, do Qual somos minis­tros e representantes. Quando as nossas igrejas ou capelas estão vazias, talvez se­ja melhor ir ao Sacrário e parar à frente d'Ele, em vez de entrar em crise, e pensar que também Jesus Cristo não teve sempre sucesso. Quando Jesus falou da Euca­ristia em Cafarnaúm, os discípulos retiraram-se. A própria Eucaristia que cele­bramos é para nós empenho a nos identificarmos com o Cristo imolado, para nós também sermos com Ele imolados: e imolar-se quer dizer entregar toda a riqueza da nossa oferta, do nosso ser, quer dizer, entrega total da nossa pessoa.

Falávamos de oração e de jejum. Para compreender os que sofrem é preciso compartilhar um pouco a situação deles. O nosso sacrifício pessoal, até o verda­deiro jejum, pode ser a nossa participação na Cruz de Cristo.

3. Proximidade com quem sofre

Entre as tarefas do ministério pastoral está a visita aos doentes. Dizia João Paulo II no dia 12 de Agosto de 1990: "O sacerdote é chamado a seguir o exemplo de Cristo e a levar aos doentes toda a simpatia do Salvador. Ele pode dar confor­to moral e espiritual que os pode ajudar na prova, pode dar respostas da fé às in­quietantes perguntas que suscita, às vezes, a doença e a solidão".

O terceiro ponto que gostaria de referir é a concreta proximidade com os

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necessitados. Falo da visita aos doentes, às pessoas que de qualquer maneira so­frem, no corpo ou na alma; visitar os doente em casa ou no hospital. A queixa mais frequente que tenho encontrado é a de muitos doentes que quereriam re­conciliar-se c receber a sagrada comunhão mais vezes, e só encontram o pároco na altura da Páscoa.

Por vezes ouve--se dizer que por serem doentes não têm pecados, não sen­do necessário que se confessem. Encontram-se entre os doentes pessoas santas, mas também o doente é pecador e sente as tentações como todos os outros e, por vezes, mais do que os outros; por isso precisa da graça de Deus que lhe é dada por meio dos Sacramentos. Seria uma oportunidade para contactar muitas famí­lias que nem sempre estão disponíveis para receber o padre.

Surge um problema: o encontro com o doente. Escreve um padre deficiente num seu livro: "Aquele padre que vai visitar os doentes, cuide como fala com eles. Se não tem sofrido na sua pele, tenha cuidado porque às vezes é maior o da­no do que o bem que provoca". Penso que esta palavra é verdadeira, mas posso acrescentar que se alguém for capaz de assumir em si os sofrimentos dos outros, de ter a verdadeira compaixão, será capaz de falar com doentes. Com eles não podemos ter palavras bonitas, que não correspondem à verdade, porque o doen­te percebe bem a sua situação. Falamos-lhe em Cristo que também sofreu, em Cristo que o quer, por meio do seu sofrimento, tornar participante do mistério da Redenção.

4. A ajuda de Nossa Senhora

Será uma grande ajuda termos diante dos olhos a imagem de Nossa Senho­ra que sofre, olhando para Ela não só no momento em que recebe nos braços o Fi­lho morto, mas ao longo de toda a vida dEle: desde que recebeu o anúncio do Anjo até à Sua morte na Cruz. Maria apercebeu-se logo que iria ser a Mãe do Ser­vo sofredor, como foi descrito por Isaías. Logo a seguir ao nascimento, ouviu as palavras de Simeão que Lhe falava de uma espada que Lhe iria trespassar a alma. Ela sempre está presente com Cristo. Ela quer que também nós sejamos com-par­tícipes do sofrimento dos nossos irmãos. Por pouco que sejamos capazes de fazer, se vamos oferecer os nossos cansaços a Ela, nós tornamo-nos daqueles que levam uma alegria imensa. Talvez, o Senhor nos deixe penar um pouco por algum tem­po sem prémio, mesmo porque Ele quer fazer crescer em nós as virtudes.

"O Redentor confia Maria a João, na medida em que confia João a Maria. Aos pés da Cruz, teve o seu início a especial entrega do homem à Mãe de Cristo, que ao longo da história da Igreja foi posta em prática e expressa de diversas ma­neiras. Maria torna-se Mãe da Igreja e, portanto, nossa Mãe. A dimensão maria­na da vida de u m discípulo d e Cristo exprime-se, de modo especial, precisamente por meio da entrega filial em relação à Mãe de Cristo" (R.M. 45). Ela ajudar-nos-á a realizar mais profundamente esta missão, e também a realizar em pleno o nosso sacerdócio, que é empenho para levar todas as pessoas a Deus.

P. Clemente Dotti

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TESTAMENTO VITAL No debate alargado sobre ética da saúde e sobre eutanásia, surge a

questão de saber até que ponto e em que termos pode ser admissível o chama­do "testamento vital".

Se por "testamento vital" se entende o mandato feito a outra pessoa para que acabe com a nossa pr6pria vida em caso de grave doença ou fortes dores, tal testamento é nulo, porque nada pode obrigar outro a tirar uma vi­da, nem por acção nem por omissão.

Se por "testamento vital" se entende a expressão da vontade de uma pessoa renunciar a que lhe sejam aplicados meios deproporcionados para lhe prolongar artificial ou mecanicamente a agonia quando já não seja posível salvar-lhe a vida, tal testamento é eticamente válido.

Como exemplo concreto de um "testamento vital", válido e admissível, é o que a Conferência Episcopal Espanhola aprovou e cujo texto aqui apre­sentamos:

À minha farrúlia, ao meu médico, ao meu pároco e ao meu notário: Se chegar o momento em que eu já não puder exprimir a minha

vontade acerca dos tratamentos médicos que me queiram aplicar, dese­jo e peço que esta declaração seja considerada como expressão formal da minha vontade, e que seja respeitada como se se tratasse de um tes­tamento.

Considero que a minha vida neste mundo é um dom e uma bên­ção de Deus, mas não é um valor supremo e absoluto. Sei que a morte é inevitável e põe fim à minha existência terrena, porém pela fé acredito que me abre o caminho para a vida que não tem fim, junto de Deus.

Por isso, eu, abaixo assinado .. . . . , peço que, se por doença chegar a esta situação crítica irrecuperável, não me seja mantida a vida por meio de tratamentos desproporcionados ou extraordinários; mas não se me aplique a eutanásia activa, nem se me prolongue abusiva e irracional­mente o meu processo de morte; que me administrem os tratamentos adequados para diminuir os sofrimentos.

Peço também ajuda para assumir cristã e humanamente a minha morte. Desejo poder preparar-me para este acontecimento final da mi­nha existência, em paz, na companhia dos meus entes queridos e o con­solo da minha fé cristã.

Subscrevo esta declaração depois de madura reflexão. E peço a to­dos os que tiverem de cuidar de mim que respeitem a minha vontade. Estou consciente de que vos peço uma grave e difícil responsabilidade. Precisamente para a compartilhar convosco e para atenuar qualquer possível sentimento de culpa, redigi e assino esta declaração.

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BIBLIOTECA ANTIGA ;

DO SEMINARIO DIOCESANO DE LEIRIA

Esboço da sua história

Tem vindo a ser, desde há alguns anos, preocupação da Direcção deste Seminário, a organização da sua Biblioteca.

Ao longo dos tempos foram-se acumulando nas estantes, através de compras, permutas, ofertas ou outros meios de aquisição, as espécies biblio­gráficas que, durante gerações e gerações, apoiaram o estudo de todos quan­tos passaram por este estabelecimento. Um conjunto de livros, porém, causava maiores preocupações, dado que, aliado à sua preciosidade, andava um outro factor: a sua exígua consulta levava inevitavelmente a um contí­nuo adiar do tratamento bibliográfico e, consequentemente, a um certo es­quecimento; havia, contudo, a plena consciência de que se tratava de um fundo muito rico, o que ainda aumentava mais a preocupação dos responsá­veis.Acresce ainda que, se alguns dos cimélios mais antigos se encontravam guardados em lugar à parte, a grande maioria das espécies dos séculos XVII e XVIII estava mesclada com o restante acervo bibliográfico o que, com o tempo, poderia vir a redundar nas conhecidas e inevitáveis consequências de contaminação.

Por uma feliz conjugação de acasos, fui em determinada altura contac­tada para me encarregar do tratamento catalográfico deste fundo antigo, ta­refa que levei a cabo, interpoladamente, durante cerca de dez meses. Neste trabalho contei com a atenta colaboração do Colega Dr. Miguel Jerónimo, re­sidente na cidade de Leiria e com a prestimosa ajuda de três jovens semina­ristas, Luís Miguel Oliveira, Pedro Duro e Paulo Mota, que procederam à seriação dos livros antigos no acervo geral, à sua limpeza cuidada e final­mente prestaram um grande serviço na catalogação de parte dos livros, no que revelaram excelentes qualidades. Para tal êxito não será de estranhar o facto de estes jovens dominarem a língua latina, factor imprescindível na ca­talogação deste tipo de obras e ainda o grande entusiasmo que imprimiram a tal tarefa, aparentemente fastidiosa para gente tão jovem.

Uma das grandes dificuldades que se depara a quem tem de proceder à organização de um tão grande número de espécies (cerca de 8.300) é a reu­nião dos diferentes volumes de que se compõe uma obra e que se encontram dispersos no meio da amálgama geral. Foi esta a primeira tarefa a que se procedeu e, se pensarmos que nem sempre as encadernações dos diversos volumes são iguais, pode imaginar-se o enorme trabalho que esta primeira fase exigiu.

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Simultaneamente procedia-se a uma outra tarefa: a da adaptação da sala destinada a albergar este fundo e que, na circunstância apresentava uma outra· sala anexa, de menor dimensão, que se revelou de extrema utilidade quando, posteriormente, se decidiu aí colocar o fundo bibliográfico do sécu­lo XIX. Tal resolução decorreu da verificação de que as obras do século pas­sado, também de reduzida consulta, iriam ocupar um precioso espaço junto dos livros mais recentes, de consulta permanente; e se pensarmos que esta­mos no limiar do século XXI, podemos facilmente constatar o acerto desta decisão.

Foram escolhidas estantes metálicas que, se não são as mais bonitas pa­ra albergar este tipo de cimélios, são decerto aquelas que mais garantias dão de uma melhor conservação e fácil limpeza, factor essencial ao bom estado de qualquer fundo bibliográfico. De realçar que as referidas estantes, de côr castanha escura, se harmonizam perfeitamente com as lombadas de pele or­namentadas a ouro.

Análise temática do fundo

O fundo antigo desta Biblioteca resultou, como já foi referido, de um acumular de obras necessárias ao estudo de gerações e gerações de semina­ristas, doações, compras ou outros modos de aquisição. Como acontece fre­quentemente, ao longo dos anos e por necessidades de ordem pedagógica, foram sendo adquiridas obras que se prendem com as ciências religiosas, co­mo de resto seria de esperar:

Tratados de Teologia Dogmática e Moral, Sagrada Escritura, Direito Canónico e Civil, Liturgia, História da Igreja, Oratória Sagrada, Obras de Devoção, Parenética, etc., que constituem o corpo central e mais antigo do fundo. De referir que por vezes há edições sucessivas da mesma obra; a maior parte das quais foram impressas no estrangeiro, avultando Lyon, Pa­ris, Roma, Madrid e Salamanca como os centros impressórios de maior acti­vidade.

Não podemos deixar de referir a presença dos clássicos; os autores portugueses também estão presentes; deles destacamos a edição de 1598 dos "Poemas Lusitanos" de António Ferreira, as "Epanáforas de vária História Portuguesa" de D. Francisco Manuel de Melo na edição de IG78, "E! Maior Pequeno" do mesmo autor (ed. de 1647), a P ed. do "Condestrabre de Portu­gal" de Rodrigues Lobo (1640), a "Historia da vida do Padre Francisco de Xavier" de Lucena (1600); igualmente notável é a colecção completa dos Ser­mões de Vieira e 9as Constituições Sinodais dos bispados do Algarve, Braga, Coimbra, Elvas, Evora, Guarda, Lamego, Leiria, Lisboa, Portalegre, Porto e Viseu em várias edições. Igualmente preciosa é a numerosa colecção das Crónicas de Ordens Religiosas e das Crónicas dos Reis de Portugal.

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Dos autores espanhóis assinalamos a existência de uma "Crónica de Espana" de 1547, uma belíssima edição da "Introduccion dei símbolo de Ia Fé" de Luís de Granada impressa em Saragoça em 1583, entre outros.

A numerosa colecção de Bíblias e Missais também apresenta interesse e dela destacamos uma Bíblia hebraica de 1668 e um Missal Cisterciense de 1741 com encadernação "à l'éventail" da mesma época.

Do século XIX há que destacar essencialmente a magnífica colecção de legislação portuguesa que vai (sem interrupção) de 1750 a 1873 e que perten­ceu a Nogueira Pimentel, cuja assinatura autógrafa apresenta e que ofereceu muitas outras obras igualmente assinaladas pelo seu punho.

Falando de antigos possuidores, não podemos deixar de referir a valio­sa contribuição dos Viscondes da Pesqueira, cuja biblioteca legada ao Semi­nário lhe trouxe uma componente que de outro modo estaria decerto ausente neste conjunto: referimo-nos essencialmente às obras de História de Portugal e de outros países, obras sobre História de Arte, costumes, viagens e descrições, estas últimas magnificamente ilustradas e revestidas com so­berbas encadernações "art nouveau".

Do século XIX, época tipograficamente pobre no nosso país (e é de ori­gem portuguesa a grande maioria das obras deste século ) não há grandes raridades a assinalar, excepção feita às obras referidas; houve, contudo, uma grande produção de obras destinadas ao ensino dos clássicos que, adopta­dos como eram no ensino do Seminário para a aprendizagem da língua lati­na, surgem nesta biblioteca em grande número, frequenemente em exemplares repetidos. Há também uma grande colecção de opúsculos de de­voção e obras de História.

Tratamento técnico

No tratamento técnico destas espécies seguiu-se um critério rigoroso de descrição baseado nas Regras Portuguesas de Catalogação, ISBD(A) (Des­crição Bibliográfica Internacional Normalizada para Livros Antigos), as re­gras Anglo-Americanas e os documentos dimanados da Biblioteca Nacional de Lisboa no que respeita a catálogos de autoridade.

Deste modo, as obras são encabeçadas pelo nome do Autor ou, no caso de obras anónimas, pela primeira palavra ou palavras do título. Há que refe­rir que foram adoptados os encabeçamentos recomendados pelas Regras in­ternacionais no que respeita a obras dimanadas da autoridade religiosa, civil ou legislação, que têm entradas especiais; transcreve-se em seguida o título completo ou elementos essenciais do mesmo (no caso de este ser muito lon­go houve por vezes necessidade de o truncar), a menção ou menções de res­ponsabilidade, edição e menção de responsabilidade a ela relativa, pé de imprensa (lugar, editor e data), colação, isto é, o número de volumes ou pá-

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ginas (no caso de se tratar de uma obra num só volume), ilustrações e de­mais material acompanhante. Segue-se a zona de notas de exemplar que foi contemplada apenas nas obras até aos finais do século XIX, data considerada como limite do chamado "livro antigo"; estas notas referem a existência, ou seja, se o exemplar se encontra truncado ou com falta de volumes, o estado de conservação (manchas de acidez, humidade, manuseamento, rasgões, fal­tas de encadernação, deterioração por micro-organismos, traças, ou mutila­ções de qualquer espécie).

Cabe aqui um parêntesis para assinalar o bom estado de conservação dos exemplares, tanto mais de admirar quanto se trata de obras antigas ma­nuseadas por muitas pessoas e que são provenientes de várias bibliotecas. De referir igualmente a preciosa colecção de encadernações originais que os exemplares apresentam e que, justamente por serem muito frequentes, nos dispensámos de descrever.

Numa outra zona da descrição são referidas as notas manuscritas e por fim as menções de posse ou "pertences", quer assumam a forma de simples assinaturas ou de carimbos, ex-libris, etc, tentando descrevê-los por ordem cronológica, segundo a letra e a tinta.

Finalmente, cada uma das obras foi indexada, para o que houve o cui­dado de estabelecer uma lista de termos. A colocação das obras obedeceu, essencialmente, a factores de ordem prática: os exemplares de maiores di­mensões nas tabelas do fundo da estante e os menores em cima; no entanto, e para facilitar o acesso às espécies que apresentavam tamanhos regulares, foram colocadas juntas algumas obras sobre o mesmo assunto: é o caso das Constituições, Legislação, Parenética, Livros de viagens, de História da Igre­ja, Crónicas de Ordens Religiosas, Colecções de Documentos Pontifícios e Régios, Crónicas dos Reis de Portugat etc.

Após este tratamento técnico, procedeu-se à verificação das rubricas uniformes de autor e entradas de autoridade, determinação exacta do núme­ro de volumes de cada uma das obras, trabalho levado a cabo em Coimbra onde residimos; para tal, foram consultadas as obras de referência usuais -caso de Barbosa Machado, Inocêncio, Palau, Catálogo da Biblioteca Nacional de Paris e da Biblioteca do British Museum, que permitiram a uniformização dos cabeçalhos de autor e a descrição exacta das espécies.

Conclusão

De todo este trabalho resultou um conjunto de milhares de fichas que, numa última fase, deverão ser inseridas na Base Nacional de Dados Biblio­gráficos, permitindo, em qualquer parte do país ou do mundo, aceder a este belíssimo fundo antigo.

Maria de Graça Pericão

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TEMAS E PROBLEMAS SOBRE PORTO DE MÓS MEDIEVAL

A PROPÓSITO DA HISTÓRIA ORAL LOCAL 1 - Há cidades e centros urbanos que se afirmam no imaginário

nacional pela sua personalidade histórica, pela sua paisagem monumen­tal, pelos costumes dos seus habitantes, pelas excepções ao que é a gene­ralidade do todo nacional. Há ainda povoações em que nada disto parece verificar-se. Porto de Mós, seguramente, integra-se no primeiro grupo. De facto, a aproximação do visitante oriundo do norte ou do sul é premiada com o encantamento da sua mancha urbana, fortemente con­trastante com a envolvência poderosa das serranias, na qual pontifica o belíssimo castelo-palaciano que os condes de Ourém ou a casa de Bra­gança tanto transformaram desde finais da Idade Média.

A primeira impressão é, portanto, a duma vila onde o legado me­dieval se afirma como a marca mais prestigiante, individualizadora e promotora duma qualidade de imagem paisagística fortemente indivi­dualizada. Por este testemunho, poderemos pressentir que na história do concelho, os tempos medievais devem ter sido duma extrema impor­tância, ou pelo menos com suficiente capacidade para se constituírem como pólo referencial da vila mais de quinhentos anos após o seu fim. Esta ideia torna-se bem mais significativa se pensarmos que a vila se ca­racteriza hoje em dia sobretudo por uma monumentalidade estabelecida nos séculos modernos, de cariz barroquizante nos seus elementos mais funcionais (Convento do Bom Jesus I S. Pedro, St2 António, Misericór­dia, S. João; edifícios solarengas). No entanto, parecem ser os horizontes da medievalidade que dão a unidade essencial a uma leitura urbanística da vila, da sua paisagem construída, e que nos definem Porto de Mós co­mo um espaço possuído de quadros referenciais medievos.

A evocação da medievalidade em Porto de Mós é igualmente acen­tuada pelo conjunto de lendas locais, que fazem parte da história oral, -área científica que nos últimos tempos tem merecido uma importante aten­ção aos historiadores (1) - onde se evidenciam como mais interessantes as

(1) Trata-se duma bibliografia já muito abundante. Citemos, entre outros, os estudos de: Joseph GOY, "Orale (Histoire)", La Nouvel/e Hisfoire (Dir. Jacques Le GOFF), Paris, Retz, 1978, pp. 446-448; AA VV, Fazer História. 3. Novos Objectos (Dir. Jacques Le GOFF e Pierre NORA), Lis­boa, Bertrand, Peter BURKE, O Mundo como Teatro. Estudos de Antropologia Histórica, Lisboa, Difel, 1992, passim; James FENTRESS e Chris WICKHAM, Memória Social. Nouas Perspectivas Sobre o Passado, Lisboa, Teorema, 1994, passim; Littérature Ora/e Traditionnel/e Popu/aire, Actes du Colloque (Paris, 20-22 Novembre 1986), Paris, Fondation Calouste Gulbenkian- Centre Cul­turel Portugais, 1987, passim, José MATTOSO, A Escrita da História. Teoria e Métodos, Lisboa, Estampa, 1988, passim.

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PORTO DE MÓS MEDIEVAL

evocativas de D. Fuas Roupinho, para o período fund�cional da vila, e mesmo as relacionadas com o conde de Ourém, D. Nuno Alvares Pereira.

Se a minha hipótese for correcta, poderemos pensar que quer no campo material dos monumentos e do urbanismo, quer no domínio da oralidade, o passado medievo portomosense mantém-se como um eixo secular identificador e securizante do imaginário local contemporâneo. Poderemos mesmo defender que estamos perante dois factores dinâmi­cos da identidade cultural local contemporânea, particularmente signifi­cativos se pensarmos Porto de Mós, ao longo do século XX, como um foco de grande intensidade emigracional dos seus naturais e, por conse­quência, fortemente fragilizado no que respeita às suas bases humano­-sociais ancestrais. Mas o fenómeno é tanto mais interessante quanto sabemos que os fortes ritmos emigracionais têm sido tendencialmente atenuados pela vinda de novos residentes para o concelho, particular­mente após o virar dos meados da presente centúria, possuidores de cate­gorias culturais específicas e estranhas à vernacularidade portomosense.

Explicar-se-á, porventura, neste contexto, a sobrevivência do inte­resse local pela cultura do histórico, do ancestral, pelo reavivar dos mo­delos lendários e míticos locais, que encontram na Idade Média o tempo inicial, o espaço fundacional e unificador das diferenças entre os mora­dores. Diferenças de origens geográficas e de estatutos sociais que eram particularmente reais nos primeiros tempos da vida comunitária nesta terra, atenuando-se com o passar das gerações e com a formação dum corpus cultural cujos modelos favoreciam a identidade do grupo, da co­munidade concelhia, da personalidade portomosense.

Uma área interessante do estudo do passado local, mormente o medieval, encontra-se no legado da história oral, no corpus das narrati­vas, contos, lendas e mitos populares ou mais ou menos eruditos que pretendem estabelecer e fixar exemplos valorativos no quotidiano dos comportamentos comunitários. As lendas populares portomosenses ao evocarem tempos paisagísticos medievos, ou outros, constituem precio­sos elementos de estudo e de conhecimento das origens específicas da comunidade (2).

Trata-se dum campo metodológico ainda muito pouco explorado pela historiografia portuguesa contemporânea, que faz um indispensável apelo à inter-disciplinaridade com outras ciências como sejam a Antro­pologia, a Sociologia e mesmo a Psicologia. Tem-se dado algum relevo ultimamente, para o conhecimento da Idade Média portuguesa, ao estu-

(2) Consiglieri PEDROSO, Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e Outros Escritos Etnográficos, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1988, passim.

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do dos adágios e ditados populares, na medida em que resultam de qua­dros mentais e culturais originários de espaços e de tempos medievais (3). Mas o estudo das lendas históricas ou de aparência simbólica mais universal nem sempre tem merecido a devida atenção e prospecção.

Não me refiro tanto ao corpus de lendas de âmbito nacional que recebem aqui alguma especificidade e certas variantes. Esse nível faz parte dum outro sistema de problemas histórico-culturais que exigem um outro momento de reflexão. Em grande parte derivam dum processo homogeneizador que a proliferação da escolaridade e do livro impresso próprio dos Estados contemporâneos tem promovido, em favor duma nacionalização dos próprios corpora mitológicos regionais (•).

Interessa, agora, reflectir mais pormenorizadamente sobre as dife­renças e especificidades locais portomosenses. Sobretudo no sentido de encontrar elementos definidores duma personalidade cultural global­mente marcada pelo legado do mundo medieval. Um legado formal e monumental, antes de mais e sem dúvida, porque mais visível e palpá­vel; mas também um legado ao nível das estruturas do imaginário, da antropologia do simbólico medieval que, por via erudita ou por via mais popular, foi sendo vivificado e recordado no passar dos séculos, atingin­do a actualidade de modo nem sempre muito puro, cheio de interferên­cias e de esforços de racionalização "urbana" que desvirtuaram em parte o sentido original da construção lendária ou mitológica.

Isto é tão mais interessante quanto sabemos que as comunidades ao escolherem símbolos e objectos significantes para representarem a sua identidade, traçam neles sentidos de representação que são sempre justificáveis e credíveis para aqueles que os reproduzem ou assimilam.

Uma observação reveladora desta leitura pas�a, por exemplo, pelo conhecimento dos símbolos heráldicos concelhios. A semelhança do que aconteceu noutros concelhos circunvizinhos, Porto de Mós deve ter pos­suído selo municipal desde meados do século XIII (o caso mais antigo documentado, na região, é o de Leiria, na década de 1240) (5) .

(3) José MATTOSO, Os Provérbios Medievais Portugueses, Lisboa, INCM, Col. "O essencial sobre", 1987.

(4) AA VV, A Memória da Nação (Org. Francisco BETHENCOU e Diogo Ramada CURTO), Lis­boa, Sá da Costa, 1991, passim; AAVV, Portugal; Mitos Revisitados (Coord.Yvette Kace CEN­TENO), Lisboa, Salamandra, 1993, passim; João MEDINA, "O Sebastianismo - Exame crítico dum mito português", História de Portugal dos Tcmpas Pré-Históricos aos Nossos Dias (Dir. João Medina), Vol. VI, juda(smo, Inquisição e Sebastianismo, Lisboa, Ediclude, 1993, pp. 251-··386.

(5) Vd. Alda Sales Machado GONÇALVES, Heráldica Leiriense, Leiria, Câmara Municipal, 1992, pp. 169 e segs ..

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Nesse primitivo selo deveriam constar os principais elementos que ainda hoje surgem no brasão concelhio. A representação mais antiga do brasão municipal, que conheço, contudo é bastante mais tardia, de 1685, devendo-se a Francisco Coelho, no seu livro Tesouro da Nobreza. Nele aparecem todos os elementos principais existentes no actual brasão. A única excepção vai para as aves que não são pica-peixes (como actual­mente surge) nem mesmo corvos (como se tem defendido com boas ra­zões históricas e de leitura antropológica), mas antes serão garças brancas ou então galeirões, aves pernaltas cujo alimento principal é o peixe de rios e lagoas. Mas o castelo com as três torres, emergindo arbus­tos ou pinheiros das laterais junto dos quais aparecem duas estrelas de oito pontas, é igualmente rodeado por mós postas na vertical. No terço inferior surgem três flores-de-lis.

[Reprodução do Brasão de Porto de Mós (1685), segundo o livro "Tesouro da Nobreza", de Francisco Coelho]

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Não podemos defender, contudo, que a representação de Francisco Coelho esteja totalmente certa. Pode haver faltas. Isso mesmo acontece quando representa o brasão de Leiria de forma bastante surpreendente e sincopada. A discussão sobre o problema das aves representadas na braso­nária local não gratuita. Trata-se dum elemento significante demasiado sensível para poder fornecer leituras opostas sobre a história do município.

Isto se concordarmos que a brasonária municipal deriva, nesta re­gião estremenha, dos antecedentes medievais, situação que se verifica em praticamente todos os elementos heráldicos concelhios. O autor que mais reflecte sobre o problema é Serra Frazão na sua monografia dedica­da a Porto de Mós. A tradição oral recolhida pelo autor é clara ao afir­mar que o brasão portomosense tinha dois corvos representados sobre as mós, "os corvos que estavam defendendo o castelo."(•)

Infelizmente a lenda não nos é explicitada. Mas parece-me impor­tante sublinhar que já por 1937 surgiam dúvidas sobre os elementos herál­dicos portomosenses, - o que prova uma certa perda da memória local sobre os elementos identificadores da personalidade histórica concelhia ­subsistindo na imaginária popular não erudita a ideia de se tratar de cor­vos. Em Porto de Mós havia ainda o costume de se recorrer a ditos anto­nomásicos onde o elemento corvo volta a estar implicado. Era o caso de, para designar uma mulher feia se dizer que era "linda como a estrela de um pinhal", isto é, que, na verdade, era negra e feia como um corvo.

Os elementos indicados, no entanto, são suficientes para estabele­cer uma paridade com outros brasões estremenhos. Lembremos, em pri­meiro lugar o de Leiria, onde sobre dois pinheiros aparecem dois corvos, associados à lenda da retomada da fortaleza leiriense por D. Afonso Henriques pelos anos de 1140. Em segundo lugar recordemos o brasão de Lisboa, onde os corvos também surgem como elementos funcionais protectores e defendedores das relíquias de S. Vicente. O elemento corvo aparece ainda noutros brasões como é o caso de Abrantes.

Vejamos então porque é significativo este aparente pormenor que não se fica a dever apenas a questões de paisagem ecossistémica local, antes se integrando em quadros explicativos do domínio da história das mentalidades e dos símbolos da cultura política histórica portomosense.

Estudos recentes feitos sobre as narrativas dos milagres de S. Vi­cente de Lisboa, de fins do século XII, permitiram verificar que o seu au­tor, Mestre Estêvão, cónego da Sé lisboeta de origens nortenhas, se refere com uma certa estupefacção ao facto de terem sido corvos, aves

(6) Serra FRAZÃO, Porto de Mós. Breve Monografia, (Revista e Anotada por Maria Madalena Rodrigues TABAU), Porto de Mós, Câmara Municipal. 1982, pp. 28-30.

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negras e de mau prenúncio nos modelos culturais dos cristãos setentrio­nais, surgirem em torno do santuário do Cabo de S. Vicente e na viagem da trasladação das suas reliquías para Lisboa, como aves protectoras. Is­so parece dever-se a facto de, nos modelos culturais meridionais, mor­mente mediterrânicos, o corvo ser interpretado, justamente ao invés dos do norte, como um elemento benfazejo, revelador de bons presságios e augúrios (7).

Parece, assim sendo, que estamos perante um caso de assimilação dum elemento simbólico positivo dentro das estruturas devocionais his­pânico-moçárabes, justamente aquelas em que se manteve vivo o culto por S. Vicente e por outros mártires da Hispânia. Em Leiria, como se sa­be, a lenda local apresenta os corvos como interlocutores dos soldados cristãos, pressagiando-lhes o momento do assalto ã fortaleza a fim de ser recuperada para os seus legítimos construtores (�).

Este tipo de lendas-mitos não parece surgir nos concelhos seten­trionais, cujo povoamento se processou em modelos completamente di­ferentes ou díspares dos da Estremadura e Ribatejo. A elas anda associado um modelo cultural comum, que deriva de ambientes cristãos seguramente moçárabes. Ora, sabemos que O. Afonso Henriques ao pro­mover a ocupação e povoamento desta região recorreu fortemente a gru­pos de cavaleiros coimbrãos moçárabes, bem como ãs deslocações massivas de grandes contingentes populacionais trazidos das razias fei­tas em territórios meridionais muçulmanos.

É conhecido o episódio em que o primeiro rei português foi re­preendido por S. Teotónio quando ao chegar a Coimbra levava mais de mil famílias de moçárabes como escravos de guerra. Trata-se dum epi­sódio simbólico que os cronistas de Stª Cruz de Coimbra, mosteiro que senhoreou longo tempo do priorado de Leiria - onde Porto de Mós, se­guramente, chegou a estar incluído durante algum tempo no século XII - não podiam deixar de elucidar, paladinos que eram dum relaciona­mento pacífico das tradições religiosas moçárabes coimbrãs com as no­vas correntes triunfantes da ortodoxia gregoriana (9).

Deve ter sido um fenómeno extremamente corrente na região a vinda de famílias moçárabes para promoverem o povoamento desta re-

(7) Aires NASCIMENTO e Saul GOMES, S. Vicente de Lisboo e seus Milagres Medievais, Usboo, Didaskalia, 1988, pp. 8-18; Lídia FERNANDES, "O Culto Vicentino na Formação do Reino Português", Arqueologia Medieual, 3, Porto, Afrontamento, 1994, pp. 221-231.

(8) João CABRAL, Anais do Municfpio de Leiria, Vol. 3, Leiria, Câmara Municipal, 1994, p. 220.

(9) José MATTOSO, "Os Moç�rabes", Fragmentos de uma Composição Medieval, Lisboa, Estampa, 1987, pp. 19-34.

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gião, cujo centro de organização se encontrava em Leiria, fundada em 1135. Com elas, vieram estruturas devocionais e modelos culturais não só linguísticos. Entre eles teremos de incluir esta permanência afectiva por elementos simbólicos positivos e de significado crístico como era o caso do corvo, ave que protegia as sagradas reliquías dos mártires hispâ­nicos, que apoiava as acções militares dos soldados henriquinos contra os infiéis mouros.

É neste campo que deveremos inserir o significado da inclusão dos corvos na heráldica municipal, mais do que por meras razões de foro científico-ornitológico e ecológico que explicam que os corvos tenham um habitat de eleição em zonas de pinhal. Os próprios brasões de Leiria e, porventura, o de Porto de Mós ainda nos deixam uma certa denúncia desta particular convivência.

Nas deslocações de contigentes populacionais oriundos do norte, ou trazidos por força sob a orientação régia, do sul para esta região in­cluíam-se grupos de mouros, na maior parte escravos· confiados aos ca­valeiros vilãos, às Ordens Militares como era o caso de Templários, Hospitalários e Avis-Calatrava, às próprias instituições eclesiais (v.g. Alcobaça, Stª Cruz de Coimbra, Mitras de Coimbra e de Lisboa) que os deslocavam para tarefas agrícolas ou domésticas, sendo utilizados como hortelãos, vinicultores, apicultores, etc., bem como nas áreas da constru­ção civil (carpintaria, olaria, alvenaria) e noutras actividades mesteirais como eram os curtumes, as ferrarias, a alfaiataria ou o calçado.

O povoamento local fez-se pelo contributo de diferentes gentes, com origens geográficas diversificadas. Num estudo que realizei há al­guns anos sobre Porto de Mós, verifiquei que ainda em finais de Duzen­tos, momento expansivo nas sociedades europeias, se detectam alguns elementos antropo-onomásticos na vila de origem franco-provençal ('0).

Mas nos primeiros tempos, os elementos moçárabes, muçulmanos e cris­tãos sententrionais, bem como uma minoria de hispânicos e pirenaicos foram os mais significativos. A eles se fica a dever a onomástica local de origem linguística arábica (casos de Alcaria ou de Alqueidão), que cons­titui uma percentagem minoritária em relação à maioria de topónimos latino-visigodos, mas nunca Alvados (latim) e, sobremodo, certos topó­nimos híbridos como a vizinha Aljubarrota, porventura Alpentende, e, como exemplo mais elucidativo, Leiria (").

(10) Saul Gomes SILVA, Porto de Mós Medieval (Breves Subsfdios Documentais para o seu Conheci­mento), Porto de Mós, Câmara Municipal, 1985, p.19.

(11) Saul GOMES, Introdução à História do Castelo de Leiria, Câmara Municipal. 1995, Cap''s II a V (no prelo).

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Porto de Mós, aliás, comunga do processo colonizador organizado a partir de Leiria de cujo espaço concelhio se terá libertado por volta da década de 1170 ou 1180. Por isso encontramos tantos pontos de contacto entre estas povoações estremenhas na sua história de tradição oral.

2 - Lembremos, por exemplo, que a própria estrutura lendária de D. Fuas Roupinho, que o faz intervir na redescoberta da milagrosa imagem de Nossa Senhora da Nazaré, assenta num correlativo modelo moçárabe em que se recupera toda a carga lendária desenvolvida pelos moçárabes durante o domínio muçulmano da Península Ibérica, desde 711, em torno do desaparecimento do rei D. Rodrigo. Numa dessas versões, particularmente alargada pelos historiógrafos do Mosteiro de Alcobaça, D. Rodrigo, por cujos pecados se perdera a Hispânia cristã para o poderio árabe, teria peregrinado por estas paragens, tendo en­contrado um ancião-eremita na zona da actual Nazaré, ao qual acaba­ria por confiar a miraculosa imagem da Mãe de Deus, da invocação de Belém (12).

Os tópicos de nebulosidade, de fuga nocturna, de escuridão, que a lenda do rei Rodrigo envolve, a sua própria tragédia que o fez recolher­-se à escuridão duma gruta onde seria devorado por uma maligna ser­pente, não deixa de coincidir nalguns aspectos com a lenda de D. Fuas Roupinho, persecutor do gamo-diabólico, em hora de denso nevoeiro. Salvo na iminência do desastre no abismo do oceano, D. Fuas obteve a graça por invocação de St� Maria de Nazaré, culto mariano que deve es­tar igualmente relacionado com as ambiências devocionais moçárabes e com prováveis circuitos de navegação costeira de âmbito supra-local, nomeadamente os de transporte de peregrinos e cruzados do norte da Europa para a Terra Santa e percurso de retorno (13).

Sem duvidar dos aspectos miraculosos de Nossa Senhora da Naza­ré, não deixa de ser perturbador verificar que foi um alcaide-fundador da vila que levou para uma zona fora do domínio institucional e admi­nistrativo do concelho a redescoberta dum culto tão rico e significativo como se tornou rapidamente o caso de Nossa Senhora da Nazaré. Antes

(12) Fr. António BRANDÃO, Monarquia Lusitana, Parte III, Lisboa, INCM, 1973, fls. 258v-259v"; Maria Antónia Graça MACHADO e João Saavedra MACHADO, "Nossa Senhora da Nazaré na Iconografia Mariana", Nossa Senlwra da Nazaré na Iconografia Mariana. Exposição Comemora­tiva do Vlll Cmtenário de Devoção a· Nossa Senhora da Nazaré, Nazaré, Museu Etnográfico e Ar­queológico do Dr. Joaquim Manso, 1982, pp.13-20.

(13) Cf. Fernanda ESPINOSA, "Da actividade marítima portuguesa na primeira dinastia" e "Roupinho (Fuas)", Escritos Históricos, Porto, Porto Editora, 1972, pp. 37-134, 215-218; A. H. de Oliveira MARQUES, Hansa e Portugal na Idade Média, 2' ed., Lisboa, Presença, 1993, pp. 25-41.

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de tudo, lembremos que o alcaide se caçava, o deveria fazer em territó­rio sob seu domínio e jurisdição, e não invadir o couto alcobacense, con­tra os direitos e privilégios do mesmo. Isso mesmo ajudaria a encontrar um espaço mais normativo para os acontecimentos dentro do alfoz por­tomosense e, sendo assim, não se explica de forma muito clara porque é que não se desenvolveu antes um culto em torno, por exemplo, de Nos­sa Senhora dos Murtinhos, com sede na igreja matriz da vila. Trata-se dum problema não tão gratuito quanto poderá parecer numa primeira abordagem, porque constitui, nesta perspectiva, uma área da maior im­portância na história local de Porto de Mós.

Não descurando, ainda, os aspectos espirituais e religiosos que o santuário de Nossa Senhora da Nazaré levanta, - não debatemos aqui problemas de Fé, mas tão só uma análise histórica liberta dessas proble­máticas, constatamos realidades e problemas históricos, não teológicos - surge-nos como algo perturbador esta incapacidade de transposição do culto mariano para uma área da jurisdição portomosense. Porque não sucedeu assim? Porque se relativizou o culto de Nossa Senhora dos Murtinhos e resplandeceu, a partir do episódio do alcaide portomosen­se, o Santuário da Nazaré?

A questão aqui não é meramenbte circunstancial, derivada do lo­cal do pretenso milagre. Trata-se dum problema histórico que passa por verificar que o clero local parece não ter conseguido organizar e institucionalizar de forma controlada um culto de grande expressão re­gional. Ora, o fenómeno parece-nos ter sido compreendido, senão mes­mo desenvplvido, pelos cistercienses estabelecidos na rica abadia de Alcobaça. E a eles, efectivamente, que se deve o estabelecimento dum corpus escrito sistematicamente actualizado que propagandeava o San­tuário nazareno. Isto, refira-se, num contexto institucional em que os moradores do concelho da Pederneira não reconheciam autoridade ju­risdicional aos monges alcobacenses, reclamando a jurisdição episcopal secular do bispo de Lisboa sobre a freguesia religiosa como a única le­gal e canónica ('•).

No entanto, foi em torno de O. Fuas Roupinho que se sedimentou a redescoberta do Santuário nazareno. Se a personagem do alcaide porto­mosense foi assim tão significativa para promover o surto de peregrina­ções àquele Santuário, isso mesmo poderia ter sido (re)conduzido para uma área religiosa dentro da influência eclesiástico-administrativa. por­tomosense. Não sucedeu assim, e a lenda se pressupõe raízes moçára-

(14) Fr. Fortunato de S. BOAVENTURA, Historia Chronologica e Critica da Real Abadia de Alcobaça (. .. ), Lisbo�, Impressão Régi�. 1827, pp. 35-52; Pedro BARBOSA, Povoamento e Estrutura Agrf­cola na Estremadura Central, Lisbo�. INIC, 1992, pp. 100-152.

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bes, assim como a própria sensibilização e abertura de O. Fuas Roupinho - não interessa agora discutir da sua veracidade ou enfabulação - para um culto certamente vivificado pelas comunidades moçárabes portugue­sas, acabou por se desenvolver e afirmar em território não portomosen­se, favorecendo a afirmação dum grande Santuário mariano de peregrinação supra-regional nos limites doutra entidade político-admi­nistrativa.

Este problema, decerto, merece uma reflexão e estudo mais atem­pados e oportunos, nomeadamente no sentido de esclarecer possíveis in­fluências do papel de D. Fuas Roupinho como "almirante" da frota naval portuguesa da época, como informam as Crónicas tardo-medie­vais. Apenas o deixamos, por agora, enunciado.

3 - Em Porto de Mós, encontramos ainda outros elementos lendá­rios cuja tipologia os aproxima do grupo de narrativas-mitos arábico­-moçarabizantes, nomeadamente os do ciclo das lendas sobre as panelas, cálices, animais como bezerros ou caprinos, entre outros objec­tos de ouro encontrados debaixo de lajes, no interior de algares ou no meio de penhascos e serranias ('5).

Algumas delas evidenciam mesmo um quadro geográfico que faz entrar Santarém em cena, o que nos parece revelador do lugar ancestral ocupado por esta cidade no imaginário local e que, porventura, denun­ciarão origens de populações migrantes que se estabeleceram em Porto de Mós. Detecta-se também que é nas freguesias serranas, ligadas muito fortemente à pequena pastorícia, onde mais peso se dá a este tipo de mi­tologias populares.

Encontramos um outro ciclo de lendas sobre as moiras encantadas, subdivididas em jovens ou velhas, sempre como entidades propiciado­ras de riqueza e de bons acontecimentos familiares. Normalmente a rela­ção que estabelecem com os seus interlocutores passa pelo pedido de água, pão ou broa posto que sempre sem sal, favores que retribuiriam normalmente com presentes de ouro. Acreditava-se ainda que se se lhes tocasse com sal na língua perderiam o seu encantamento. As lendas que lhes respeitam são particularmente frequentes nas áreas paroquiais de Serro Ventoso, Mendiga, Arrima! e S. Bento. Na freguesia de Pedreiras recolheu-se uma narrativa sobre arbustos que andam que não pode dei­xar de se aproximar da lenda leiriense sobre o mesmo título, posto que passada entre o alcaide mouro de Leiria e a sua filha.

(15) Recorremos ao levantamento efectuado por António Martins CACELA, Porto de M6s e seu Tem1o, Torres Novas, [ed. do autor), 1977, passim; cf. Consiglieri PEDROSO, Omtribuiçijes pa­ra uma Mitologia ... , dt., passim.

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Encontram-se também outros grupos de lendas de mais difícil identificação quanto às respectivas origens geo-cronológicas. Nelas si­tuaremos as relativas ao mundo animal-telúrico (casos das lendas dos lobisomens, dos cobrantes, e ainda as lendas-mitos dos "fantomens" e dos "gatos compridos" ou gatos pretos (têm muito interesse as das fre­guesias da Mendiga e S. João)) e, ainda, a das bruxas e fantasmas.

Estes dois grupos parecem ter uma origem cronológica mais recen­te, relacionando-se com os tardios ambientes modernos de caça às bru­xas promovidos pelas estruturas inquisitoriais modernas, ou com a própria história dos gatos enquanto animal doméstico que conheceu desde finais da Idade Média um grande progresso no relacionamento com o homem europeu. Em desfavor do gato selvagem, a história euro­peia pós-medieval começa a encontrar no gato um animal útil e domes­ticável. O resultado foi o gato do borralho (lembremos os contos do gato das botas altas e da gata borralheira) com direito a figurar como galã nas histórias de encantar contadas às crianças ou de aparecer na pintura dos ambientes cortesãos dos séculos XVII a XX ('").

São relativamente raros os mitos-lendas locais que referenciam ju­deus ou elementos culturais associados. Na freguesia de S. Bento encon­tra-se a lenda do "boi, manta e cachorro no algar judeu", cuja trama denuncia o horizonte da imaginária muçulmano-moçárabe.

4 - Uma fase histórica individualizadora no processo de afirma­ção de Porto de Mós como concelho autónomo tradicionalizante, poderá delimitar-se desde meados de Duzentos. Essa fase verificar-se-á tam­bém ao nível da formação da história oral local.

Enquanto que em Leiria se alicerçou todo um complexo conjunto de lendas e narrativas populares relacionadas com D. Dinis e a rainha St� Isabel, que se encontram em povoações como Monte Real, Maceira e Leiria, já não verificamos esse fenómeno em Porto de Mós. Isto tendo mesmo em conta que D. Isabel de Aragão senhoreou igualmente esta vi­la. Encontramos uma certa paridade, neste nível de análise, apenas com algumas das lendas direccionadas para as ambiências corte�ãs da casa de Ourém, mormente na lenda do hóspede ilustre, D. Nuno Alvares Pe­reira (ou D. João I, noutra versão) e dos camponeses pobres, recolhida por António Martins Cacela, em Alvados ('7).

(16) Orest RANUM, "Os refúgios da intimidade", História da Vida Primda, Vol. 3, Do Renascimen­to ao Século das l.uzes, (Dir. Philippe ARlES e G. DUBY) Porto, Afrontamento, 1990, pp. 211--215; A lain CORBIN, "Os bastidores", História da Vida Primda, Vol. 4, Da Revolução n Grande Guerra, (Dir. Philippe ARlEs e G. DUBY) Porto, Afrontamento, 1990, pp. 482-485.

(17) Saul GOMES, "Mito e Lenda -A Propósito de Monte Real", O Mensageiro, 26.VIII.1993.

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As lendas e/ ou mitos que temos vindo a reflectir recolhem-se no quadro da tradição oral, e num tempo muito distante da sua formação. Formação cuja estrutura pressupõe mesmo a ignorância de quadros tem­porais precisos, vivendo das possibilidades estruturais, das certidões de nascimento em épocas cujo conspecto é conhecido dos historiadores de forma global. Seria interessante interrogarmo-nos sobre a existência de contos e lendas locais fixadas na própria documentação medieval. A fal­ta de documentação não o permite e só com algumas reservas podere­mos aceitar da narrativa de Fernão Lopes - retomada na Crónica de D. Afonso Henriques, de inícios de Quinhentos, por Duarte Gaivão - so­bre a defesa de Porto de Mós contra uma incursão almoáde, episódio de cerca de 1 178-80, em que D. Fuas Roupinho se evidenciou pela sua inte­ligência militar ao armar uma cilada às tropas inimigas.

Narra Fernão Lopes que:

"hum Rey daquela terra, onde ora he Caçeres e Valemça, que cha­mauom Gamjm e hum seu jrmão, coreo toda a terra dos Christãos, ata que chegou a Porto de Mos, de que era Senhor hum cavaleyro que cha­mauom D. Fuas Roupinho.

E quando soube que aquele Rey Mourro vinha pera aly, sayse do castelo e leixou nele gemtes que o pudesem defender e diselhes que se defendesem, que ele não ya, senão por seu socorro.

E como de aly sayo, meteose em syma da sera que chamauom da Memdiga, da parte de hu naçee o ryo de Porto de Mos. E desque aly foy, fez esconder os seus, e mamdou recado a Alcanede e a Samtarem, como aquel Rey Mouro era aly vindo a que viesem, que com ajuda de Deos averjom pera ele boã andamça. E entom lhe vierrom peça de jemtes, na­que! dia que os Christãos chegarrom.

E e!Rey Ganim com todas suas gemtes chegarom sobre Porto de Nos, e virom ho castelo pequeno, e pemsarom que o filhasem Ioguo. E forom todos a combatello e deromlhe combate bem ate noyte, e forom dos Mouros ferjdos e mortos, e dos Christãos essomedes.

E quando os Christãos que estauom com D. Fuas Roupynho virom combater o castelo, desiom que lhe fosem acorer. E el respondeo e dise:

"Amjgos, como quer que nos aquy sejamos muytos e bons, pero eu vos roguo, que vos regajs por meu conselho, e prazera a Deus, que vossos desejos serão compridos e aueredes vitorja destes Mourros. E vos sede bem çertos que aqueles que eu leyxey no castelo são tamtos e tajs que se defenderão muy beem. E quando a noyte vyer, que am de partir o combate, o que eu pemso que eles não leyxarão ata noyte, os

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Mouros ficarão camsados e dormjrão. E nos antre menham daremos so­bre eles que dormjrão, e asy averemos deles a vitoria com a ajuda de Deus."

E asy foy que quando veyo a menham de madrugada, derom os Christãos sobre eles. E aly omde pousauom, que era amtre o ryo e o cas­telo, porque o lugar era angosto e eles camsados e ferjdos, forom loguo desbaratados. E foy preso Rey Ganim, com seu jrmão, e outrros muytos ataa çimquoemta deses mjlhores. E leuou os D. Fuas a e!Rey D. Afonso a Cojnbra. E eiRey o reçebeo muy bem, e mandou meter o Rey Mouro em prisão, com todolos que com ele yom. E a D. Fuas fez grandes merçees, e aqueles que com ele forom na batalha. E este desbarato dos Mouros foy aos XXII dias de mayo da Era de M.CC.XVIII." ('").

É possível que esta narrativa tenha tomado em conta aspectos da história oral local, mantida viva em Porto de Mós ainda na época de D. João I, porventura em círculos aristocratizados, como parece plausível defender tendo em atenção a informada descrição geográfica do local, do castelo pequeno e do largo espaço que o separava do rio.

Mas pode derivar igualmente dos textos historiográficos disponí­veis no cartório de Stª Cruz de Coimbra, onde o feito do alcaide porto­mosense, cavaleiro tipicamente de segunda categoria na hierarquia linhagística _nobiliárquica portuguesa de finais do século XII, e por isso posto à frente dum "pequeno castelo", ficaria registado devido ao pro­fundo eco que teve, motivando mesmo "grandes mercês" a D. Afonso Henriques. Lembremos que, desde esse feito, aliás, D. Fuas aparecerá a desempenhar importantes missões nomeadamente na área da marinha de guerra portuguesa da época ('•).

Devemos referir, a propósito deste excerto, e dentro do esquema metodológico que temos vindo a desenvolver na linha duma história oralizante, que nos situamos perante uma narrativa que assenta sobre o próprio testemunho oral do cavaleiro-herói. Evidentemente trata-se du­ma recriação literária de Fernão Lopes, mas que atesta o alto conceito em que se tinha a história oral e biográfica, em que se atribui a palavra aos "actores-autores" do acontecimento histórico como meio privilegiado de serem eles próprios a escreverem a sua história. Mas aqui, o testemu­nho oral individualizado deixa-se permear pelo contexto da memória de grupo ou até popular.

(18) Cr6nicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal - Cr6nica do Rei D. Afonso Henriques, (ed. crítica por Carlos da Silva TAROUCA, S.).), Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1952, Vol. I, Cap• XXXV, pp. 125-127.

(19) Fernão LOPES, ibidem.

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A história da defesa vitoriosa do castelo de Porto de Mós, por D. Fuas Roupinho, representa também um tema literário certamente muito apreciado nas cortes nobiliárquicas ou régia de Quatrocentos (seja a de Ourém, seja as dos Infantes de Avis), na medida em que eleva à tipolo­gia de exemplos, atitudes guerreiras merecedoras de louvor pela sua ca­pacidade de feito de cavaleiro virtuoso que, sendo de origem familiar um tanto secundária, não deixava de ser possuidor de coragem, de força e de inteligente audácia, categorias morais do maior apreço na sociedade cortesã medieval. Ao narrar o episódio, Fernão Lopes dá espaço no re­gisto escrito a mais um caso num tipo de narrativas e exemplos literários bastante apreciados no seio da sociedade política portuguesa que saiu vitoriosa da Batalha Real de 1385, travada nos vizinhos campos de S. Jor­ge, e cujos dois principais panteões dinásticos da realeza se erguiam jus­tamente nesta região próxima (Alcobaça e Batalha) (20).

5 - A exemplaridade virtuosa de D. Fuas Roupinho, tal como era vista no Portugal da dinastia de A vis, servia aos ideais morais duma ci­vilidade cortesã. tanto quanto os mitos-lendas populares antes apresen­tados serviam à comunidade enquanto categorias reguladoras de sistemas de comportamentos colectivos, ou, então, como elementos agenciadores de quadros mentais colectivos essenciais para a compreen­são do passado local, para a memória popular dos sítios e dos lugares que faziam parte do quotidiano local e que, por esses esquemas imaginá­rios, se assimilavam como entes referenciais para a conduta dos próprios portomosenses.

Se é verdade que, em parte, se têm de inserir em estruturas univer­sais mais vastas, também resulta importante sublinhar que a sua com­preensão passa pelo respec�ivo estudo em termos de micro-caso, da história dos micro-espaços. E nestes que essas estruturas mentais, esses utensílios culturais das comunidades rurais ou urbanas adquirem senti­do e originalidade, exprimindo atitudes perante problemas tão significa­tivos como a noite, a escuridão, a luz, os metais preciosos, o espaço serrano e natural concreto ou, ainda, o Além-túmulo.

Essas lendas populares podem ainda transmitir modelos educati­vos defensáveis ou, ao contrário, denunciar atitudes reprováveis. Escre­ver-se-á que são mensagens culturais criadas e mantidas pelas sociedades que traduzem não somente a respectiva capacidade inventi­va perante factos ou acontecimentos episódicos e circunstanciais que im-

(20) Saul GOMES, "Percursos em Tomo do Pante�o Quatrocentista de Avis", Biblos, Revista da Fawldade de Letras, LXX (1994), Coimbra, pp. 197-242.

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portava registar no espaço da memória colectiva, posto que de forma universal e inconcreta, como ainda ajudam a manter os padrões de com­portamento e os valores morais desses mesmos grupos.

A psicologia colectiva exprime-se duma forma muito rica nas len­das e nos mitos, muito embora de forma distinta e não unívoca, con­soante o grupo social a que servem. Quando são apropriados por franjas socio-culturais mais élitistas podem adquirir uma formalidade mais simbólica e erudita. Torna-se assim mais plausível explicar como ele­mentos estruturais universais da comunidade passam a fazer parte dos símbolos e utensílios simbólicos que os grupos que controlam e detém os poderes administrativo e judicial locais, casos das bandeiras ou estan­dartes, da heráldica municipal, associativa ou pessoal dos habitantes da comunidade, cujo inventário constitui um importante material de refle­xão para historiadores, antropólogos ou outros estudiosos interessados no conhecimento do Homem e no das suas visões do mundo.

Interessaria prosseguir a nossa reflexão sobre temas que possam derivar das relações entre a pastoral religiosa católica local, ao longo dos séculos pretéritos e mesmo no presente, e as estruturas culturais da po­pulação portomosense que se caracterizam por um maior peso da rurali­dade e onde elementos ancestrais pagãos se misturam e confluem com heranças moçárabes, mouriscas, setentrionais, entre outras (africanas, coloniais, occitânicas) elas próprias fruto de condicionantes e da sua es­pecífica (a)temporalidade histórica. O estudo dos santuários locais, das festividades, dos cultos e das invocações religiosas, bem como as suas originalidades, pertence a um domínio da sociologia da religão que sur­ge como um dos filões mais ricos para a pesquisa do historiador-soció­logo ou mesmo do antropólogo.

O mesmo se poderá aplicar ao conhecimento das lendas de carácter religioso e/ou miraculoso, podendo inserir-se nalgumas das categoriais atrás enunciadas as que respeitem a mártires hispânicos. Um caso muito interessante, posto que já fora de Porto de Mós, encontra-se na Torre (freg�. Reguengo do Fétal, c. Batalha), com a narrativa hagiográfica local sobre St� Iria (21).

6 - Esta "visão do mundo" faz-nos retornar ao ponto de partida, justamente através da recuperação do discurso inicial duma vila que se afirma ao visitante como um espaço de ambiências culturais que evocam imagens medievalizantes, rapidamente confirmadas pela memória oral que se veicula no centro urbano ou no espaço rural envolvente sempre

(21) João CABRAL, op. cil., Vol. III, pp. 221-222.

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que os seus naturais são solicitados a darem informações sobre o passa­do local.

Procurar-se-á hoje em dia urna informação histórica do passado local estabelecida segundo critérios científicos seguros, objectivos e in­formados. Há muito a fazer neste campo, nomeadamente proceder à in­ventariação e publicação das respectivas fontes documentais rnedievas ou modernas guardadas nos arquivos nacionais. Parece consensual que isso é urna tarefa prioritária se se procurar conhecer a história do passa­do local e, através desse conhecimento, compreender as linhas gerais da evolução do concelho. O porquê do presente corno os porquês do futuro.

Não porque a história seja divinatória, mas tão só porque o conhe­cimento do passado ajuda, perdoe-se a ,metáfora, a identificar a rnedica­rnentação correcta para o paciente. E cada vez mais no quadro, do passado histórico que as grandes opções político-sociais se tornam. E no passado que encontramos as linhas de orientação duma Europa profun­damente empenhada num processo de redescoberta de si própria, recu­perando soluções que se revelaram boas no passado e cujos princípios continuam aplicáveis no presente.

Se a História nos ajuda a compreender que o processo da evolução da humanidade sofre avanços e retrocessos, que o progresso não é uni­forme nem igual em toda a parte, que não há impérios eternos porque todas as construções humanas evoluem para a transformação, que o fac­to de até agora as coisas funcionarem corno funcionam não obriga a que tenha de ser sempre assim, então poderemos concordar que a História não é urna inutilidade. O seu conhecimento faz parte da formação inte­gral do Homem.

Se a consciência deste facto escapa a muitas instâncias socio-políti­cas, ajudando a compreender a quase que "apagada e vil tristeza" das saídas profissionais actuais para os licenciados nas áreas das ciências so­ciais e humanas, isso é apenas a denúncia duma situação de crise, sem que se negue com isso o papel fundamental que os humanistas, corno os cientistas das ditas ciências exactas, continuam a desempenhar na mo­dernização de Portugal, da Europa e do Mundo.

A história ensina que o homem é sempre um ser inteligente que age de acordo com a formação que recebe, na medida e na razão das suas necessidades, disponibilidades e possibilidades . . . Oxalá toda a so­ciedade possa compreender esta lição da História.

Saul António Gomes

(Palestra proferida em Porto de Mós, em 16.05.1994, integrada no ciclo "Semana da História", da Escola Preparatória de Porto de Mós)

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ALGUMAS EMPREITADAS ARTÍSTICAS

NA SE DE LEIRIA DE SETECENTOS

1 - O embelezamento da catedral leiriense foi uma atitude cons­tante ao longo dos séculos. Desde a sua construção, iniciada em 1557/59 e globalmente concluída por 1574, sob a égide prelatícia de D. Fr. Gaspar do Casal, até à actualidade, a Sé de Leiria suscitou permanentes obras de manutenção, de enriquecimento artístico ou, simplesmente, de reforma ('). Conjunturalmente, no entanto, faziam-se sentir renovadas necessida­des de enriquecimento artístico da catedral.

Por 1620, o Cabido queixar-se-ia junto do Rei, denunciando o des­vio das verbas tradicionalmente consagradas a obras de beneficiação no Templo citadino em favor das despesas da Mitra. A situação arrastava­-se desde 1603, o que significa que tocava em particular às prelaturas de D. Martim Afonso Mexia (1605-1615) e de D. Fr. António de Santa Maria (1616-1623) (2) .

Em documento de 1721, refere-se que a capela-mar da catedral es­tava com "muita falta de ornato" estando o coro canonical recheado de "pobres cadeiras da Comunidade." A situação agravava-se mais ainda com a falta de legislação sobre o cerimonial do culto divino "sendo tudo huã mera confuzão e desordem por ficar ao arbítrio de cada hum obrar o que quiser." (3)

(1) Vd. S.1ul GOMES, "Para Uma História Leiriense - XI-M a Xl-O, A propósito da barbaci'í", in Região de Leiria, 31.Vlll.1984 a 21.IX.l984; Idem, "Leirenae", in ]amai de Leiria, 10.Il.l988.

(2) "[1620, Novembro, 3) Foi-Me representado que erigindo o Papa Paulo III. á instancia do Se­nhor Rei D. João III. a Igreja Collegiada de N. Senhora de Leiria em Cathedral, dotando-a de tudo o necessario; sendo depois Prelado della o Bispo D. Gaspar mandou edificar a Sé nova, e lhe accrescentou para sua Fabrica mais bens de sorte que é uma das fabricas que nesse Reino tem maior rendimento: e ordenando as Bulias da creação da mesma Igreja que o rendimento da fabrica se deposite em um Cofre de Ires chaves, que terão o Bispo, o Chantre, e o Thesou­reiro, e que haja Escrivilo da Receita e Despesa, tudo para o fim de os Bispos não despende­rem o dito rendimento sem parecer dos Adjuntos, o qual Estatuto se observou por mais de 70 annos até o tempo do Bispo D. Pedro, os que lhe succederão de 17 annos a esta parte o não guardilo; antes despendem o dinheiro da Fabrica como se fora da Mesa Episcopal, sem adver­tirem que é destinado meramente para o culto Divino e os sobejos para o sustento dos pobres; e porqll<1nto quero saber o fundilmento com que isto se faz, ordenareis iiO Desembargo do Pa­ço que com informação do Corregedor da Comarca consulte o que parecer, de que com o vos­so Me avisareis. Dsb. L v. deste anno fi. 455" (Manuel Borges CARNEIRO, Resumo Chrouologico das Leis mais uteis no foro e uso da uida ciuil, publicadas até o presente atllro de 1819 ( ... ), Lisbo.1, To­mo II (1612-1649), 1819, pp. 304-305).

(3) Saul GOMES, "A Sé de Leiria em 1721", O Mensageiro, 13.IV.1989.

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O período após 1755 caracterizou-se por uma intensa actividade de restauro dos estragos provocados pelo famoso sismo ocorrido naquele ano. Da fachada quinhentista apenas restariam os formosos pórticos re­nascentistas, sendo os vãos de iluminação constituídos por amplos jane­Iões barrocos que jorram para o interior do edifício uma luminosidade farta e abundante (').

Templo matricial da Diocese, a catedral consolida todo o valor simbólico de centro da vida diocesana, nela se guardando o sólio epis­copal, elemento visível da unidade duma Igreja diocesana com uma identidade histórica multi-secular. Enquanto símbolo religioso, a cate­dral representa a arca segura da Lei de Deus, a nave salvífica do pa­triarca Noé, o centro divino essencial. A sua dedicação a St'! Maria, Mãe de Cristo, testemunha ainda a sua simbologia enquanto lugar ma­ternal de toda a congregação dos fiéis. Não espantará, assim sendo, que os leirienses de antanho procurassem incutir a este Templo um ca­rácter de manifesto artístico revelador da Glória de Deus e que, nesse espírito, todas as obras nele executadas tivessem sido realizadas ut maiorem gloriam Dei . . .

2 - Ao longo do século XVIII, encontramos diversos testemunhos documentais que nos comprovam algumas empreitadas artísticas de be­neficiação da catedral. Por eles sabemos que nem sempre se encontra­vam na área geográfica do bispado de Leiria os artistas e artesãos suficientemente aptos para satisfazerem as exigências dum erudito pú­blico consumidor, onde avultava o estrato eclesiástico e nobiliárquico. Havia, assim sendo, necessidade de encontrar mestres-de-obras, mes­tres-entalhadores ou mestres-ourives noutras regiões.

Em Leiria, consoante as épocas e as disponibilidades económicas dos mecenas, as encomendas episcopais e canonicais parecem preferir os mercados artísticos disponíveis em Lisboa, no que respeitava a pintura ou mesmo à arquitectura, enquanto a paramentaria e a ourivesaria tinha os seus fornecedores no norte do País. Já ao nível da escultura, a docu­mentação parece indiciar uma certa continuidade de mestres-imaginá-

(4) A bibliografia sobre a Sé de Leiria é extensa. Entre as fontes históricas avulta a notícia descriti­va da Sé, datada de 1721, atribufvel � pena do Pe. Francisco Gomes da Silva Pereira. Encontra­-se publicada por Saul GOMES, "A Sé de Leiria em 1721", O Mensageiro, 13.1V.l989 a 27.VII.1989. Entre a bibliografia, ve�1-se, como estudos principais, Afonso ZÚQUETE, Leiria ­Subsfdios para a His/6ria da sua Diocese, Leiria, Gráfica, 1943, pp. 97-122; O Couzeiro ou Memorias do Bispado de Leiria, 2' edição (org. ). ln�cio de MATOS), Leiria, Typographia leiriense, 1898, Opúsculo 1, pp. 425 e segs.; Virgolino F. JORGE, "A Arquitectura da Sé de Leiria. Perspectiva Semântica, Histórica e Artística", Co16quio Sobre a His/6ria de Leiria e da sua Região, Leiria, O­rnara Municipal, 1991, pp. 31-55.

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rios leirienses onde avultou, em Setecentos, Mestre Manuel Ferreira (5). Para empreendimentos de significado mais humilde e paroquiaC recor­ria-se às oficinas locais ou, quando estas não podiam fornecer o produto requerido, requisitavam-se mestres oriundos das áreas geográficas pró­ximas, como se documenta para a do Vale do Tejo.

3 - Em 1742, a catedral receberia, no lado da nave de S. Bento (Evangelho), um novo órgão cujo coreto, caixa e tribuna foram entregues ao lavor de José Gomes, mestre-entalhador, residente em Lisboa, pelo elevado preço de 6500 cruzados (•) [Apêndice, Doe. 1 ]

Mais imponente foi, decerto, o órgão que o bispo D . Miguel de Bu­lhões e Sousa contratou, em 1772, com Manuel Machado, mestre-orga­neiro, oriundo de Braga, pelo preço de 3500 cruzados. Este órgão deveria possuir 21 registos, num total de 2135 vozes, perfeitamente defi­nidas no teor do contrato assinado em Leiria. [Apêndice, Doe. 2] Deste órgão subsistirão, cremos, a bacia do coreto e tribuna que se encontram na capela-mor da Sé, com obra assinalável de talha dourada. No remate da caixa da tubagem (desaparecida) ainda se encontra o brasão de D. Miguel de Bulhões. Dentro dum espírito barroco, executou-se obra gé­mea no lado oposto. Satisfazia-se, assim, o gosto setecentista pelas sime­trias correspondentes.

A acção socio-cultural profundamente reformadora que o bispo D. Manuel de Aguiar (1790-1815) incutiu na diocese revela-se, naturalmen­te, no campo artístico. De 1799, data o contrato que o prelado mandou realizar com Manuel da Silva Tavares, ourives do Porto, para a feitura de 4 lâmpadas de prata com 185 arráteis e 10 onças de peso. [Apênd., Doe. 3] Em 1800, este prelado encomendaria a Francisco José de Araújo Pereira, mercador de Leiria, o fornecimento de damasco (encarnado, branco e roxo), de galões e de franjas a aplicar na nova ornamentação da catedral. O damasco teria de ser de boa seda, cor fina e "qualidade do

(5) Saul GOMES, "Frandsco Gomes, mestre-<:le-<Jbras da Misericórdia de Leiri� e António Perei­ra, mestre das obras de N' Sr' da Nazaré, em 1717", O Mwsngeiro, 15, 22, 29.11 e 5, 12 e 17.1V.1990; ldem,"Nótula Sobre o barroco em Leiria", O Mensageiro, 22.XI.1990 e 13.XII.1990; Idem, "S. Paulo de Amor e o Barroco Leiriense", O Mensageiro, 28.11.1991, 7, 14, 21.1!1. e 4.1V.l991; Idem, "António Pereira, mestre-<>nt..1lhador da Batalha Setccentist�", O Mensageiro, 16.1., 20.11.1992; Idem, "Da T�lha Barroca no Mosteiro da Batalha", O Mensngeiro, 16 e 23.1X.1993; Idem, "O espírito artístico barroco na igreja de N. Sr' da Gaiola das Cortes (Lei­ri�)", fomal dns Cortes, 7.V.1990; Idem, "Pedro Lopes, mestre-pedreiro d�s Cortes por 1725--1726",/onrn/ dns Cortes, S.X., S.XI. e 10.XII.1990; Idem, "José da Silva Coelho, mestre-<:le-<Jbras da igreja dos Milagres - Elementos inéditos", O Mensageiro, 6, 13 e 27.X. e 3.XI.1994.

(6) Saul GOMES, "José Gomes, Mestre-<>ntalhador de Lisboa e autor dum órgão da Sé de Leiri�, em 1742", O Mtmsngeiro, 24.V.1990 e 7.VI.l990.

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melhor espanhol". As obras consistiam em cortinados "para todos os Ar­cos, janellas e frestas da Sê que ha de ser do Damasco emcarnado; Roxo para Nixos e Arco do Coro, e Duceis; Branco para Paramentos para as Missas", tudo no preço contratado de 860 réis cada côvado e a olandilha a 140 réis o côvado. [Apênd., Doe. 4].

No mesmo ano, estabeleceu-se o ajuste com João Craveiro de Faria, fundidor de sinos, residente em Figueiró dos Vinhos, para a feitura de seis sinos para a Torre Sineira de Leiria, "sendo o primeiro hum ponto abaixo do Sino grande que estâ na dita Torre, o segundo que faça huma terçeira maior com o primeiro, o terceiro huma quarta, o quarto huma quinta, o quinto huma setima maior, e o sexto huma outava do sino grande". [Apênd., Doe. 5].

Em 1802, procedia-se à reforma do adro da Sé, contratando-se a execução duma formosa balaustrada com os canteiros João de Oliveira e Miguel de Oliveira ('). [Apênd., Doe. 6] Ao episcopado de D. Manuel de Aguiar, pertence também a reforma do retábulo e trono da capela de N� Sr� da Soledade, dentro da Sé, cujas obras de talha foram ajustadas entre o Pe. Quartanário António José Ribeiro das Neves, fabriqueiro da Sé, e o mestre-entalhador José Claro, residente em Cós, pelo preço de 600 mil réis. [Apênd., Doe. 7].

Os estragos irremediáveis provocados pelas Invasões Francesas (1808-1 810), empobreceram inexoravelmente o pingue recheio artístico da catedral leiriense. O século XIX afirmava-se como um tempo de pro­funda crise para a Igreja diocesana, que só após 1917/18 se conseguiria ultrapassar, reencontrando-se uma identidade histórica perdida com a Restauração da Diocese.

Saul Ant6nio Gomes

(7) Saul GOMES, "A Balaustrada da Sé de Leiria", O Mensageiro, 13 e 27.1X.1990.

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DOCUMENTO 1

1 742, Abril, 2, Leiria - Contrato estabelecido entre o Provisor do bispado de Leiria e José Gomes, mestre entalhador, morador em Lisboa, para a feitura dum coreto e da caixa e tribuna dum órgão, a colocar na catedral, do lado da nave de S. Bento (Evangelho).

Arq. Distrital de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-D/20, fls. 30-31 v• Obs.: documento em mau estado

Fora - Escriptura de Comtrato e ajuste e obrigação que Fazem o reuerendo Doutor Poruizor com Jozeph Gomes Mestre em talhador e morador na Corte e çidade de Lisboa.

Saybam quantos Este publico Jnstromento de Carta de Com trato ajuste e obriga­ção ou como em direito melhor Lugar haja e dizer se possa Virem que No anno do Nasdmento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e setesentos e quarenta e dois <mnos aos dois dias do Mes de Abril do dito anno Nesta çidade de Leyrea em o passo episco­pal della aonde eu tabalião ao diante Nomeado vim e ahy estauão prezentes de huma parte o Munto Reuerendo Doutor Rodrigo Lourenço de Carualho prouizor e gouerna­dor deste Bispado e da outra Jozeph gomes Mestre emtalhador e Morador na Corte e Cidade de Lisboa pesoas conhecidas das testemunhas ao diante Nomeéldéls e asigna­das e Logo pello dito Mestre emtalhador foi dito em minha prezença e das testemu­nhas que hera uerdade que elle se hauia ajustado e comtratado com Exm• e reuerendissimo senhor Bispo Dom Aluardo de AbrC�nches orél asistente ni'l Corte e çi­dade de Lisboél e Bispo deste dito Bispado pC�ra efeito de fazer " obra c arquitectura e em talhe e mais apetrexos I I [FI. 30v•] Apetrexos tudo na forma do risco que para o di­to se fez e que do risco que se fez para a obra do orgam que se hade de asentar Na san­ta SSe Caterdal desta dita çidade de Lejria cujo risco vinha asignado pello Exm• Senhor Bispo e pello seu criado Luis Jozeph de Faria como taobem pello dito Mestre Jozeph Gomes cuyos signais eu tabaliam reconhecy cujo risco se acha em poder do Exm• Munto Reuerendo Doutor provizor deste Bispado tudo em persso de seis mill e qui­nhentos curzados Brancos da moedél ora corrente neste reyno de Portugal e que esta escriptura seria asignada pello dito Munto Reuerendo Doutor Provizor e o dito Mestre em talhador asy (?) como dito he dante elle dito Jozeph Gomes Mestre em talhador que a ella se obrigaua por sua pesoa e todos os seus bens moueis e de rais hauidos e por hauer de qualquer genero e comdição que seya e aonde quer que lhe forem achados a fazer a dita obra na f digo obra do orgam na forma do risco que para ella se acha e com talento do seo ofiçiante que pede a altura do orgam para asim se conhecer e distinguir cada huma de suas pessas todo com Madeira de bordo e o uigamento de gorssas uigas em as quais entrarão as que se achão na SSe desta dita cidade e que para a Mais digo esta e Mais Madeira que for Nesesaria para o emmadeiramento e pernas de escada e para o mais NesesC�reo que teri'l a mesma sirsconstancia e outrosim i'IS portas serão de Madeiri'l de bordo as quaes peças todas serão vistas e exzaminadas antes de serem asentadas e não estando capazes e conforme o dito <risco> e comdisoins desta escrip­tura sera obrigado elle dito Mestre a fazer outras a sua Cl,lsta sem que possa pedir Mais alguma couza mais do que ho dito preço que nesta escriptura se declélrél fazendo tudo com a perfeição que pede a architectura pondo todo o referido elle dito Mestre todas as madeiras Nesesarias déls cualidades nesta declaradas e C�sentada todél " dita obra com toda a segurC�nÇél na dita SSe em seu lugar tudo a custo e aa conta do mesmo Mes-

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tre e que outrosim despois de asentada a dita obra esta em parte ou em todo tiver al­gum defeito sera elle outrosim obrigado a desbança lia e a po lia outra vez capaz c su­fiçiente comforme o dito risco a sua propria custa e que outrosim daria asentada toda a obra da caxa e baçia do orgam na forma do risco e comdisoins neste declaradas the ao mez de Agosto uindouro deste prezente anno [sob] penna de que não dando pronta e asentada toda a dita obra na dita Se como dito fica pagar a sua custa toda a perda que ao mestre organista como a seus ofeçíais tiverem com a demora da dita obra paçado o dito tempo e a vista de todo o comtheudo na escriptura elle dito Munto Reuerendo Doutor Prouizor de Nouamente e com o comsentimento do Exm• Senhor Bispo se ajus­tava com o dito Mestre Jozeph Gomes a dar lhe os ditos seis mil e quinhentos cruzados dando elle cabal satisfação a todo o contheudo nesta escriptura como tãobem na forma do risco que se acha feito pera a dita obra e SSe se obrigélvél M digo obrél elle dito Mun­to I I [FI. 31] Munto reverendo Doutor Porvizor se obrigaua pellos bens e rendéls di! fa­bricél deste digo di! fabricél e SSe destél dita cidade a por prontos quatro mil e quinhentos curzados que com dois mil curzados que o dito Mestre Jozeph Gomes em minha prezença e das mesmas testemunhas comfesou ter recebido todos a soma e quantia dos ditos seis mil e quinhentos curzados preço e ajuste por que se obrigou a fa­zer a dita obra na forma que nesta escriptura uaj declarado cuya emportançia se lhe ha de emteira [d<!r] nos bens e rendas da dita fabrica contra a dita obra e outrosim logo ao asignar [ . . . ] Doutor poruizor do thezouro da fabrica [ . . . ] Meses de Junho e Julho lhe mandaria em [ . . . ] sentos e sincoenta mil reis para pagamento [ . . . ] elle dito Mestre mandaria receber Nos [ . . . ] de Lisboa a seus rogo e risco e declararão que [ . . . ] da pes­petiua que mostra o risco da parte da Naue de [. . . ] fica e pespetiua Nas costas da Naue de Sam Bento [ . . . ] na fabricil que mostra o risco Na frente prinçipal e sso [ . . . ] Mostran­do os mesmos Castellos e simalhas e todos os peloros,, com suas mulduras e filetes e todos os castello(s) com seu(s) remates de [ . . . ] com trauezas e lado e basia por baixo forrada e com suas mulduras [. . . ] nellas e tudo da mesma madeira de Bordo obrado com toda [ . . . fa] ção da Arte e que todas élS madeiras Nesesélrias para as oçadas e [ . . . ] da obra de talha serão de bordo e por conta delle dito Mestre com [ . . . ] todas as ferra­gens Nesesarias e que sobmente o emuigamento e emfolhado execuçam da primeira oçada serãao por conta da fabrica da dita se e que [se obrigava] elle dito Mestre a fazer hum coreto de dez palmos de altura nouo fixo bem folhado da parte da Naue de Sam Bento que fixara de Culuna a Culuna e que o resto do dinheiro que tem reçebido e for reçebendo para o pagamento das mesmas se lhe satisfara prontamente logo finda que seya e asentada e exzaminada e aprouada a dita obra e que o risco asima declarado se lhe emtregaua para por elle exzecutar a dita obra o qual logo o dito Reverendo Doutor Poruizor lho emtregou despois de asignar taobem com o dito Mestre na prezença das mesmas testemunhas e em fee e testemunho de uerdade asim o diserão e outrogarão e mandarão fazer este publico jnstromento de Carta de Comtrato e ajuste e obrigação nesta Nota e della dar os treslados nescsarios que comprirem deste theor que aseitarão e eu tabalião como pesoa publica estipulante e aseitante o aseitej e estipullej em Nome da pesoa ou pesoas a que tocar auzentes tanto quanto o dereito me permite e forão tes­temunhas a todo prezentes perante as quais esta por mim lhes foi lida e que com elles aqui asignarão o Reuerendo João de oliueira de minde esmuller do dito passo e Ma­noel de Faria Lobo escriuam da Camara do dito passo. Domingos Pereyra Pimentel I I [FI. 31 v•] Domingos Pereyra Pi mente! [publico tabaliam das Notas que o escrevy].

a) Rodrigo Lourenço de Carvalho. a) Revd• João de Oliveyra. a) Jozeph Gomes. a) Revd• Manoel de Faria Lobo. I I

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DOCUMENTO 2

1 772, Junho, 27, Leiria - Contrato e ajuste estabelecido entre D. Miguel de Bu­lhões e Sousa, bispo de Leiria, e Manuel Machado, mestre organeiro, para a feitura dum órgão com vinte e um registos, num total de 2135 vozes, na Sé de Leiria, por 3500 cruzados.

Arq. Distrital de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-E/15, fls. 128 v"-130

Livro a fi. 92. F[ora] l. - Escriptura de Contrato Convençam ajuste e obrigaçam que fazem o

Exm• e Reuerendissimo Senhor Bispo Dom Frey Miguel de Bulhoiz e Souza como Ad­ministrador da Fabrica da sua Sé Cathedral desta Cidade e Manoel Machado Teixeira da Cidade de Braga.

Saibam Quantos Este publico lnstromento de Carta de Contrato Convençam ajuste e obrigaçam ou como Em direito mais valido Seja Virem que no anno do Naci­mentos de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos setenta e doiz aós vinte e sete diaz do mes de Junho do dito anno nesta cidade de Leiria e Cazas da Reuerenda Fabrica da Sé Cathedral della aonde Eu Tabeliam ao diante nomeado e asinado vim por Destribuiçam ahy sendo prezentes de huma parte o Muito Reucrendo Doutor Pe­dro Paullo de Barros Pereyra Prouizor deste Bispado Como Procurador para Este ef­feito Bastante do Excellentissimo e Reuerendissimo Senhor Dom Frey Miguel de Bulhois e Souza Bispo do mesmo Bispado e Administrador da Fabrica da sua Sé Ca­thedral desta dita Cidade Como me fes certo por huma procuraçam do dito Exm• e Reuerendissimo Senhor Bispo por elle asignada cuja Letra Eu Tabeliam Reconheço a qual no fim desta Nota hirá trasladada e nos traslados que della sahirem e Bem assim o Muito Reverendo Deam Francisco Xauier de Figueiredo e o Muito Reuerendo Chan­tre Joam Manoel Correya de Menezes e Miranda Deputados da mesma Reuerenda Fa­brica e de outra parte EstaVa lambem prezente Manoel Machado Teixeira natural da Cidade de Braga e Morador no Lugar e Couto de Aguim vezinhança da Anadia do Bispado de Coimbra todoz pessoaz conhecidas de mim Tabeliam e das Testemunhas ao deante nomeadaz e asignadaz pello qual Manoel Machado Teixeira me foy logo di­to perante as mesmas Testemunhas que Era verdade que elle se achaua ajustado e Contratado Com o dito Exm• e Reuerendissimo Senhor [r] Bispo como Administrador da dita Reuerenda Fabrica e com os maiz Deputados della de fazer para a Sé Cathe­dral desta Cidade hum Orgão Nouo de vinte e quatro com toda a Fabrica a elle com­petente e conforme os Ajustamentos seguintez =

Mam Esquerda = Primeiro Registo = Flautado de vinte e quatro aberto com os primeiros sinco canos de páo, e o maiz de Estanho = Segundo Registo = Flautado de doze aberto todo de Estanho = Terceiro Registo = Flautado de doze tapado todo de páo = Quarto Registo = Flautado de seiz aberto todo de Estanho = Quinto Registo = Flautado de seiz tapado de Estanho = Seisto Registo = Duzena = Setimo Registo = Quinzena duaz vozes vniss = Outauo Registo = Corneta de quatro vozes = Nono Re­gisto = Desenouena de duaz vozes = Dessimo Registo = Clarão de sinco vozes = Vn­dessimo Registo = Vinte e Duzena de Ires Vozes = Dessimo Segundo Registo = Simbala de quatro vozes = Dessimo Terceyro Registo = Sobre Sim bala de trez vozes = Dessimo quarto Registo = Nazardo de trez vozez = Dessimo Quinto Registo = Trom­beta Real = Dessimo Seisto Registo = Baixam zilho = Segundo Orgam de Cadeiretas para piannoz ecchoz digo para pianoz e échoz e acompanhar solos = Dessimo Setimo

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Registo = Flautado Violam = Dessimo Outauo Registo = Outaua Real = Dessimo Nono Registo = Quinzena de duaz vozes = Vigesimo I I [FI. 129) Vigessimo Registo = Cor­neta de tres vozes = Vigesimo primeiro Registo = Reduçam de pianoz =

Mam direita = Primeiro Registo = Flautado de vinte e quatro = Segundo Registo = Flautado de doze = Terceiro Registo = Flauta Franceza = Quarto Registo = Outaua Real = Quinto Registo = Flautina Italiana = Seisto Registo = Dozena duaz vozez = Seti­mo Registo = Quinzena tres vozes = Outauo Registo = Corneta Real = de sete vozes = Nono Registo = Vóz Vmana de duaz vozez = Dessimo Registo = Corneta Inglesa de sinco vozes = Vndessimo Registo = Pisam de trez vozez = Dessimo Segundo Registo = Simbala de sinco vozez = Dessimo Terceiro Registo = Recimbala de quatro vozez = Dessimo quarto Registo = Nazardo de duaz vozez = Dessimo Quinto Registo = Trom­beta MagM = Dessimo seisto Registo = Clarim = Segundo Orgam de cadeiretaz para pianoz e eccoz e acompanhar solos = Dessimo setimo Registo = Flautado de doze Aberto = Dessimo Outauo Registo = Outaua Real de duas vozes = Dessimo nono Re­gisto = Corneta de Eccoz de sinco vozes = Vigesimo Registo = Clarim de Eccoz = Vige­simo primeiro Registo = Reducçam de Eccoz =

O qual Orgam seria com outaua Larga em ssima athe D. La Sol ré e leuaria doiz Tamborez hum em D. La sol ré e outro em A La mi ré e seiz folez de noue palmos de cumprido e quatro e meyo de largo e as maiz particularidadez necessariaz com o que veria a ter na máo esquerda quarenta e huma vozez por ponto e na mam direita qua­renta e noue vozes por ponto que juntas todaz com as dos Tambores fariam a soma de duaz mil cento e trinta e sinco vozes e que em toda esta obra por este publico instro­mento se obrigaua a toda a Manufactura della pagando a sua custa aos Officiaiz que o ajudacem a faze lia dando lhe para esse fim a mesma Reuerenda Fabrica todoz os Ma­teriaiz precizos E necessarios como sam madeiraz, Estanho, Chumbo, pregos, pelicaz, Crudes, ferragenz, aramez, pepeiz e tudo o maiz que persizo for de Materiaiz para a Referida obra, porquanto elle dito Manoel Machado so se obrigava a todo o trabalho de Máons na factura doz Sumeiroz, conductas, follez, cana ria de pá o e de Estanho, Te­cladoz, reducçoiz, e tudo o maiz que for persizo fazer se athe dar feito assentado e aca­bado todo o Orgão donde se lhe para isto fcctaz a tempo competente as cayxas, Coretoz, Caza dos follez, porque nestaz Coizaz Exteriorez somente se obrigaua a fazer o Risco, dar as medidaz aos officiaiz e ser o inspector de tudo o que respectiuamente a dita Obra se fizer advertindo porem que depoiz de lhe darem acabadas caza de follez, caixa, e obra doz coretoz ficaria lambem com obrigaçam de fazer a sua custa todaz as Cadeyretas por dentro da Caixa para assento dos Sumeiroz Sarilhoz Conductaz e Ca­naria Solta, e lambem as cadeiretaz na Caza dos follez para assento dos mesmos follez com suas Alçapremaz dando se lhe como dito fica todaz as madeiras, prégos e ferra­gens que para isto forem persizaz e que com estaz condiçoiz assima ditas disse elle di­to Manoel Machado Teixeyra se obrigaua a fazer a Referida obra por preço de trez mil e quinhentoz cruzados a conta dos quais confessaua ter ja recebido a quantia de du­zentos e onze mil trezentos e sesenta reiz e que o Restante do dito preço lhe seria pago e satisfeito pello modo seguinte a saber =

Doze mil reiz cada més para a sua persiza sustentaçam e Em cada anno para a sua vestia ria e aluguerez de Cazaz trinta mil reiz e alem destaz quantiaz a que neces­saria for para a satisfaçam das feriaz dos officiaez que troxer na dita obra ficando para o fim della os lucroz de seu trabalho; E tambem maiz cem mil reiz que no ajuste fica­rám sujeitoz a condiçam de que ficando a obra a contento do I I [FI. 129v•] A Contento do dito Exm• E Reverendíssimo Senhor Bispo foy o mesmo Senhor Seruido prometer de lhe mandar dar com a dita condiçam e que com todaz Estaz Clarezas assima ditaz

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se obrigaua a dar dita obra acabada dentro do tempo de Anno e meyo que teria seu principio da factura desta Escriptura por diante do qual tempo comessariam a Currer as Referidaz Mezadaz com a comminaçam porem de que todo o tempo que passacé e Excedesse do Referido anno e meyo officiaiz que troxer e somado o Em porte daz suas feriaz no tempo que trabalharem alem do Estipullado para se lhe abater no preço ajus­tado acabando a dita obra inteiramente a sua custa E sendo assim multado Em outra tanta Quantia como Emportar a despeza dos offiçiaíz que continuarem despoiz de completo o tempo do referido anno e meyo cuja conta só se não fará a respeito do tra­balho delle dito Empreiteiro pello qual outrossim foy dito que na perfeyçam e ap­prouaçam da dita obra se subjeitaua á censura e approuaçam dos milhorez Organeyroz e organistaz e dos milhorez Mestrez de carpcntaria os quaiz seriam aquellez que ellegesse o mesmo Exm• e Reverendíssimo Senhor Bispo para Examinar a prefeiçam ou defeitos do trabalho daz Madeyras, E tambem se a obra do Referido Orgam comcordaua Em tudo com os Apontamentoz nesta Escriptura mancionados sujeitando-se e obrigando-se elle dito Empreiteiro a fazer á Sua custa toda a Emenda ou perfeiçam e advertencia que pelloz ditoz Reuizorez lhe for apontada sendo Esta Reconhecida por Dezapaxonada Solida e verdadeyra como tambem a nam pedir os lu­crus de seu trabalho sem que a dita obra fosse vista e Examinada pellaz ditas pessoaz inteligentez e Estaz julgarem que Em tudo Estaua feita conforme os Apontamentoz e condiçoiz nesta Escriptura declaradaz e a nam poder pedir couza alguma alem do preço estepulado por qualquer acrescentamento que Na dita obra fizesse alem do que nos ditoz apontamentos se conthem E que sendo outrossim cazo que por Este princi­pio ou por elle dito Empreiteiro falecer o que Deos nosso Senhor não permita se verifi­casse que a Reuerenda Fabrica tinha algum danno qualquer que elle fosse se sujeitaua e obrigaua a Reçarzir lhe toda a perda E prejuízo que tiuere por sua pessoa e todos os seuz Benz assim mouenz como Raiz hauidos E por hauer de qualquer genero e condi­çam que sejão e onde quer que lhe forem achadoz que a todo o Referido E as maiz Cláuzollas e Condiçoiz desta Escriptura disse que hauia por hipotecadoz E que as pennaz a que elle dito Empreiteiro se obrigaua no Cazo de asi nam acabar a obra no tempo ajustado do dito anno E meyo só teriam lugar quando se lhe nam promptificas­sem em tempo habil os materiaíz E se lhe não continuassem com as despezas declara­das ao tempo que as pedisse E quando sucedesse ou por falta de condiççoiz ou por outra qualquer couza não lhe prompteficarem os referidos materiaiz se tarem nas que houesse sobre o tempo de acabar a dita obra e quando ellaz chegassem a tanto que por esta couza parasse de todo a obra se lhe daria sempre a sua comedoria E se lhe aten­deria o tempo que por Esta cauza perdesse mandando o Excelentíssimo E Reuerendis­simo Senhor Bispo satizfazer lho como ao seu Arbítrio bem lhe parecesse E logo pellos ditoz Muito Reverendos Doutor Prouizor como Procurador do dito Exm" e Reveren­díssimo Senhor Bispo Administrador da dita Reuerenda Fabrica e Deputadoz della foy dito perante mim Tabeliam e das mesmaz Testemunhaz que Ellez aceitauão Esta Escriptura com todaz as clauzollaz tudo condiçoiz penaz e obrigaçoiz nellas declara I I [FI. 130) Declaradaz tudo sob obrigaçam das Rendaz da mesma Reuerenda Fabrica e Em fe e testemunho de Verdade assim o disseram e outorgaram e Mandaram fazer Este publico Intromento Nesta Nota e della dar os trasladoz necessarioz que cumpri­rem deste theor que aceitaram e Eu Tabeliam pelloz auzentez a que tocar possa quan­to Em direito devo E posso E o traslado da dita procuraçam o seu theor hé o seguinte,

Dom Frey Miguel de Bulhoens e Souza da Ordem dos Pregadorez por Mizeri­cordia Divina Bispo de Leiria do Concelho de Sua Magestade Fidelissima ect• Pello prezente Aluará de procuraçam Fazemos nosso Bastante procurador ao Reverendo

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Doutor Pedro Paullo de Barroz Pereyra Prouizor do nosso Bispado para que por nós e em nosso Nome e Como Admenistrador que somos das Rendaz da Fabrica da Nossa Cathedral possa asignar huma Escriptura de contrato sobre digo de Contrato que hauemoz celebrado sobre a factura de hum Orgam para a mesma nossa Cathedral com Manoel Machado Mestre Organeiro assistente nesta Cidade para que lhe damos todoz os poderez em direito necessarios, E o Obrado petlo Referido nosso procurador a Este Respeito o haueremos por firme e ualido debaixo da Obrigaçam daz Rendaz da mesma Fabrica Dada Em esta Cidade de Leiria Sob nosso Signal e Sei! o Mayor de nos­saz Armas aos seiz de Junho de mil setecentos setenta e doiz, Fr. Miguel Bispo de Lei­ria, Lugar do Sello De mandado de Sua Excellencia Reverendíssima, Luiz Theotonio Soarez do Amara li,

E trasladada assim a dita procuraçam com ella disseram que outorgauam Esta Escriptura sendo a tudo Testemunhaz prezentez perante as quaiz Esta por mim lhes foy lida e que todoz aquy asignaram Antonio Joze carpenteyro do Bairro doz Anjos desta cidade e Joze de oliueyra Rebello solicitador de cauzaz desta mesma cidade. Joa­quim Antonio daz Neuez publico Tabaliam de Notaz que o Escreuy.

a) Como Procurador: Pedro Paulo de Barros Pereira. a) Francisco Xavier de Figueiredo. Recebi a propria procuração. a) João Correia de Menezes e Miranda. a) Manoel Machado Teyxeira. a) Jozé de Oliueira Rebello. a) António Jozep. I I

DOCUMENTO 3

1799, Maio, 1, Leiria - Escritura de contrato firmado entre D. Manuel de Aguiar, bispo de Leiria, por procurador, e Manuel da Silva Tavares, ourives do Porto, para a feitura de quatro lâmpadas de prata, para cujo fim lhe entregava 185 arratéis e 10 on­ças do dito metal.

Arq. Distrital de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-EI39, fls. 170-170v�

D[istribuid]a fi. 2 F[ora] 2. - Escritura de com trato que faz o Excelentíssimo e Reverendíssimo D.

Manuel de Agiar Bispo desta cidade com Manuel da Silva Tavares ourives da cidade de Porto.

Saibão quantos este Publico Instromento de contrato e comdição virem que sen­do no Am1o do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil setesentos noventa e nove annos ao primeiro dia do mes de Maio do dito anno nesta cidade de Leiria e ca­za da Fabrica da Se desta cidade aonde eu Ta bel iam ao diante nomeado vim ahi apa­reserão prezentes de huma parte o Reverendo Antonio Joze Ribeiro Neves e Administrador dos bens e rendas da Fabrica da Se da mesma cidade como me fes cer­to pella Procuraçam que me aprezentou a qual no fim desta Nota hira copiada e da outra parte Manuel da Silva Tavares ourives asistente na rua das flores da cidade do Porto pessoas conhesidas das Testemunhas ao diante nomeadas e asignadas pello dito Reverendo procurador me foi dito perante etlas que se achava justo com o sobredito em lhe emtregar a prata da mesma Fabrica para haver de fazer quatro alampadas com a dita prata na forma seguinte,

que elle resebia a prata e com effeito a tinha resebido em minha prezença e das

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mesmas Testemunhas de que dou fe a seis mil e quatrocentos o Marco e que se obriga­va a emtregar as alampadas feitas da dita prata que elle resebido tinha para o que fica na caza da mesma Fabrica da dita Sê para se tocar averiguar se as Alampadas forão da mesma huma porcão de prata Irmã da mesma e que a prata que elle tinha resebido do dito Reverendo Procurador pezava cento outenta e sinco arates e dês oncas a qual se obrigava a fazer quatro Alampadas a saber Ires de çem Marcos cada huma e huma de quarenta e sinco Marcos e que esta seria feita na forma do risco que se lhe aprezentou a resebeo o qual deve executar fielmente e que as outras tres serião feitas pello mesmo risco porporcionando todos os lavores, comprimento altura, e largura das mesmas a fim de que fiquem bem porporcionadas e que estas se havião de achar promtas e em­tregues na caza da dita Fabrica athé ao dia treze de Agosto do prezente anno dando to­da a obra bem executada e da dita prata em o dito termo [sob) pena de que não o fazendo asim não se lhe aceitarem as ditas Alampadas e ficar obrigado a pagar toda a emportancia da dita prata que resebeo pello presso de seis mil e quatrocentos o Marco como lambem as despezas que se fizerem no transporte e comdução da dita prata para a cidade do Porto e que para inteiro cumprimento e satisfacão deste com trato e pagua­mento da importancia da referida prata no cazo de faltar a alguma das comdiçoens elle se obrigava por sua pessoa e bens para o que os epotecava geralmente e que no e<tzo de ser demandado para observancia do comtrato ou paguamento da dita prata cedia e renunciava a previlegio do seu foro o[u) outro qualquer a fim de poder ser demanda­do perante as Justissas desta cidade de Leiria E pello dito Reverendo Procurador foi dito que elle se obrigava em virtude da dita Procuraçam pelos da dita Fabrica a pagar os transportes e comducção transporte e aviamentos nesessarios para a boa comduc­ção das ditas Alampadas da cidade do Porto para esta de Leiria e que no acto da em­tregua elle se obrigava da mesma forma a pagar ao dito Manuel da Silva Tavares pelo feitio das ditas alampadas a dous mil e duzentos por cada Marco pelo presso da Lei e que no cazo que a dita Fabrica desta Sse lhe pagaria a dinheiro e para satisfação deste com trato obrigava os bens e rendas da mesma Fabrica na forma da Procuração e em fe e testemunho de verdade asim o disserão e outorgarão e mandarão fazer este Publico Instromento nesta Notta que aceitarão e eu Tabeliam pellos Auzentcs quanto o Direito me permite e o theor da dita Procuraçam he pella forma Seguinte,

Dom Manoel de Aguiar Bispo desta cidade de Leiria do Conselho de Sua Ma­gestade que Deus Guarde Pello prezente Alvara de Procur[aç)ão como Administrador dos bens e rendas da Fabrica da Sê desta cidade Faco meu Procurador ao Reverendo Antonio Joze Ribeiro Neves para poder asignar a escriptura de comtrato com Manuel da Silva Tavares ourives da cidade do Porto sobre a {atura das A tampadas da mesma Sê podendo emtregar a prata para a dita factura e asignar as mais comdiçoens nases­sarias para o que lhe dou todos os poderes que por Direito me sam comcedidos e tudo o que for obrado pella dita forma haverei por firme e valido debaixo da obrigaçam dos bens e rendas da mesma Fabrica Leiria o primeiro de Maio de mil setesentos no­venta e nove, Bispo de Leiria,

E tresladada a dita Procuraçam como ditto he com ella disseram estas partes que outorgavam esta espritura digo este Instromento I I [FI. 170v�) lnstromento sendo a tudo Testemunhas prezentes perante as quaes esta por mim lhe foi lida que todos aqui asignaram o Reverendo Quartanario Faustino Joze Pereira e Joze de Azevedo ou­rives ambos desta ditta Cidade e Eu Joze de Mattos Falcam e Faria da Silva digo de Mattos Falcam e Faria Publico Taballiam de Nottas que o escrevj.

a) Como Procurador recebi a propria: Antonio Joze Ribeiro das Neves. a) Manoel da Silva Tauares. a) Faustino Joze Pereira. a) Joze de Azevedo. I I

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DOCUMENTO 4

1800, ]alleiro, 11, Leiria- Contrato estabelecido entre D. Manuel de Aguiar, bis­po de Leiria e administrador nas rendas da Fábrica da Sé, e Francisco José de Araújo Pereira, mercador da mesma, para o fornecimento de damasco (encarnado, branco e roxo), galões e franjas a aplicar na ornamentação da catedral.

Arq. Distr. de Leiria- Reg. Notariais: Leiria, 9-E/40, fls. 55-SSv•

D[istribuida] fl. f[ora]l - Escritura de comtrato e obrigação que fas o Excelentíssimo e Reve­

rendíssimo Senhor D. Manuel de Aguiar Bispo desta cidade e Administrador das Ren­das da Fabrica da Sê da mesma por seu Procurador com Francisco Joze de Araujo Pereira Mercador da mesma.

Saibão quantos este Publico Jnstromento de carta de obrigaçam e comtrato ou como em Direito melhor lugar haja virem que sendo no Anno do Nascimento de Nos­so Senhor Jezus Christo de mil e outocentos annos aos onze dias do mes de Janeiro do dito anno nesta cidade de Leiria e caza da Fabrica da Sê desta dita cidade aonde eu Tabeliam ao diante nomeado vim por destribuição ahi sendo prezentes o Reverendo Antonio Joze Ribeiro Neves desta dita cidade Procurador que para este effeito mos­trou ser bastante do Excelentíssimo e Reverendíssimo D. Manuel de Aguiar Bispo des­ta dita cidade e Administrador das rendas da Fabrica da Sê da dita cidade o que me fes certo pella Procuração que me aprezentou a qual vai adiante copiada, e de outra parte estaua tanbem prezente Francisco Joze de Araujo Pereira Mercador desta mesma cidade ambos pessoas conhesidas de mim Tabeliam e das Testemunhas ao diante no­meadas e asignadas pello dito Francisco Joze de Araujo Pereira foi dito perante mim tabeliam e das mesmas Testemunhas que elle se obrigava a por promto nas Cazas da Fabrica da Sê desta cidade todo o damasco nasessario para as obras da mesma Sê tan­to cmcarnado como branco e Roxo Galoens e Franjas: Sendo o Damasco de Hespanha de seda bom, cor fina e qualidade do melhor Espanhol cujas obras consistem em corti­nado para todos os Arcos Janellas, e frestas da Sê que ha de ser do Damasco emcarna­do: Roxo para Nixos e Arco do Coro, e Duceis Branco para P[a]ramentos para as Missas pello presso de outocentos e sacenta reis cada covodo e a Olandilha a cento, e quarenta reis o covado resebendo elle dito Francisco Joze de Araujo Pereira algum di­nheiro adiantado e completando o paguamento em paguamentos ou quarteis sendo o primeiro paguamento em o Mes de Marsso deste prezente anno todo o dinheiro que puder ser e para o mes de julho outro paguamcnto e não estando pagua toda a quan­tia se lhe satisfará logo que a dita Fabrica tenha dinheiro sendo tudo em metal e que quanto ao presso dos galoens, e franjas seria tudo pello presso de vinte reis de ganho em cada vara livre de todas as despezas tanto do galão como da franja e que se obri­gaua por todos os seus bens a satisfazer a todas as comdiçoens declaradas: E pello dito Reverendo Procurador foi dito que aceitava a dita obrigaçam e com trato na dita forma e se obrigava pellos bens e rendas da dita Fabrica a emtregar ao sobredito Francisco Joze de Araujo Pereira por Marsso do prezente Anno a maior quantia de dinheiro que pudese adiantar por conta do paguamento e se obrigava emquanto fosse Fabriqueiro da dita Fabrica a comcluir todos os paguamentos deste comtrato com a comdicão de serem os Damascos examinados por duas pessoas inteligentes huma da parte da Fa­brica e a outra pella parte do dito Francisco Joze de Araujo Pereira E em fe e testemu­nho de verdade asim o disseram e outorgaram e mandarao fazer este Publico

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Jnstromento nesta Nota que aceitaram e eu Tabaliam pellos auzentes quanto o Direito me permitte e o theor da dita Procuraçam he pella forma seguinte,

O. Manoel de Aguiar Bispo de Leiria e do Conselho de sua Magestade Pello prezente Alvará constituo meu bastante Procurador ao Reverendo Padre Antonio Joze Ribeiro das Neves Fabriqueiro da Sê desta cidade para que em meu nome como Ad­ministrador dos bens e rendas da Fabrica da I I [FI. ssv•] da Fabrica da mesrna Sê possa celebrar huma escritura de comtrato com Francisco Joze de Araujo Mercador desta cidade sobre o Damasco nasessario para as obras da Jgreja da Sê para a qual lhe comcedo os poderes em De rei to nascssarios como tambem de obrigar as rendas da Fa­brica para a satisfação do dito comtrato fazendo se com as clauzulas e comdiçoens a bem da mesma Fabrica e tudo o que for obrado na dita forma haverei por firme e vali­do debaixo da obrigaçam dos bens e rendas da mesma Fabrica. Leiria dous de Janeiro de mil e outocentos, Lugar do Sei! o, Bispo de Leiria,

E tresladada a dita Procuraçam com ella disserão que outorg;wam esta escritura sendo a tudo Testemunhas prezentes perante as quaes esta por mim lhe foi lida que to­dos aqui asignaram Manoel Dias Joze Netto desta ditta Cidade ambos creados da dita Fabrica e Eu Joze de Mattos Falcam e Faria Publico Taballiam de Nottas que o escreuj.

a) Francisco Joze de Araujo Pereira. a) Corno Procurador recebi a propria: Antonio Joze Ribeiro das Neves. a) + Da Testemunha Joze Netto. a) + Da Testemunha Manuel Dias. I I

DOCUMENTO 5

1800, Agosto, 27, Leiria - Contrato feito entre o bispo de Leiria, O. Manuel de Aguiar, por seu procurador, e João Craveiro de Faria, fundidor de Sinos, de Figueiró dos Vinhos, para a feitura de seis sinos para a Torre Sineira de Leiria.

Arq. Distrital de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-EI 41, fls. Sv•-6)

D[istribuid]a fl. F[ora] l - Escritura de Comtrato que faz por seu Procurador o Excelentíssimo

e Reverendíssimo O. Manuel de Aguiar Bispo desta cidade com João Craveiro de Fa­ria fundidor de Sinos da Villa de Figuero dos Vinhos.

Saibão quantos este Publico lnstromento de carta de comtrato virem que no An­no do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e outocentos annos aos vinte e sete dias do mes de Agosto do dito anno nesta cidade de Leiria e cazas da Fabrica da Sê da mesma cidade aonde eu Ta bel iam ao diante nomeado vim por Destribuição ahi sendo prezente o Muito Reverendo Antonio Joze Ribeiro das Neves desta dita cidade Fabriqueiro da dita Fabrica e pessoa conhesida de mim Tabeliam e das Testemunhas ao diante nomeadas e asignadas Procurador que mostrou ser do Excelentíssimo e Re­verendíssimo O. Manuel de Aguiar Bispo desta dita cidade pella Procuraçam que ao diante vai copiada por elle me foi dito perante as mesmas Testemunhas que elle esta­va justo e contratado com I I [Fl. 6] João Craveiro de Faria fundidor de sinos da Vila de Figueiro dos Vinhos para elle fazer seis sinos para a Torre da dita Sê sendo o pri­meiro hum ponto abaixo do Sino grande que esta na dita Torre o segundo que faça huma terceira maior com o primeiro, o terceiro huma quarta o quarto huma quinta o quinto huma setima maior, e o sexto huma outava do sino grande sendo todos a pro-

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SÉ DE LEIRIA DE SETECENTOS

vados pello Mestre da Cappella da dita Sê e não sendo algum delles afinado comfor­me o ajuste para huma perfeita Armonia de todos os outo será fundido a sua custa asim como lambem serâ a custa do mesmo toda a despeza exceto as lenhas que forem precizas: E que lhe daria a dita Fabrica de feitio por cada huma Arouba a quantia de tres mil e seiscentos reis sendo todos os Metaes a custa da dita Fabrica E que os paga­mentos se lhe farão em tres quarteis o primeiro logo que a obra for aprovada e o se­gundo dahi a seis Mezes o terceiro dahi a hum Anno E que se obrigava pellos bens e rendas da dita Fabrica na forma da Procuraçam a satisfação deste comtrato: E sendo prezente o dito João Craveiro de Faria fundidor de Sinos da Vi lia de Figueiro dos Vi­nhos e pessoa conhesida das mesmas Testemunhas por elle me foi dito perante ellas que elle aceitava todas as comdiçoens deste comtrato e se obrigava por todos os seus bens aonde quer que lhe forem achados a satisfação de todo o referido e em fe e teste­munho de verdade asim o disserão e outorgarão e mandarão fazer este Publico Instro­mento nesta Nota que aceitarão e eu Tabeliam pellos auzentes quanto o Direito me permite e o theor da Procuraçao he pella forma seguinte,

O. Manuel de Aguiar Bispo de Leiria por merce de Deus e da Santa Sé Apostoli­ca e do Conselho do Princepe Regente que Deus Guarde pello prezente Alvará de Pro­curação constetuimos hosso bastante Procurador ao Reverendo Antonio Joze Ribeiro das Neves Fabriquciro da Fabrica da Sê desta cidade para que possa asignar huma es­critura de comtrato que fazemos com João Craveiro de Faria da Vila de Figueiro dos Vinhos fundidor de Sinos; para a fatura de seis sinos para a Torre da Sé e porê todas as clauzullas e comdiçoens que forem percizas c obrigara as rendas da dita Fabrica a satisfação do dito comtrato e tudo feito pelo dito Procurador haveremos por firme e valiozo debaixo da obrigaçam dos bens e rendas da mesma Fabrica Leiria vinte e sete de Agosto de mil e outocentos, Lugar das Armas, Bispo de Leiria,

e copiada a dita Procuraçam com ella outorgarão esta escritura sendo Testemu­nhas prezentes que aqui asignarão o Reverendo Quartanario lgnacio de Souza Pereira e Joze Neto ambos desta dita cidade e eu joze de Mattos Falcam e Faria Publico Tabe­liam de Notas que o escrevj.

a) Como Procurador recebi a propria: Antonio joze Ribeiro das Neves. a) João Craveiro de Faria. a) Ignacio de Souza Pereira. a) + Da Testemunha Joze Netto. I I

DOCUMENTO 6

1802, Maio, 17, Leiria - Contrato e ajuste entre a Fábrica da Sé de Leiria e os can­teiros João de Oliveira e Miguel de Oliveira, seu filho, para a execução da balaustrada do adro da catedral leiriense.

Arq. Distrital de Leiria -Reg. Notariais: Leiria, 9-E/42, fls. 30-30v• (?)

Obs.: Este livro encontra-se em mau estado, muito fragmentado e incompleto; o canto superior direito encontra-se deteriorado impossibilitando a leitura do número do fólio, com segurança absoluta.

f{ora) l - Escritura de ajuste de obra, e obrigação que fazem João de Oliveira e seu filho Miguel de Oliveira Canteiros desta cidade a Reverenda Fabrica da Sê da mesma.

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SÉ DE LEIRIA DE SETECENTOS

Saibão quantos este Publico lnstromento de carta do ajuste de obra, e obrigação virem que no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil outocentos e dous annos aos dezasete dias do mes de Majo do dito anno nesta cidade de Leiria e cazas da Fabrica da Sê da mesma aonde eu Tabeliam vim ahi sendo prezentes João de Oliveira e seu filho Miguel de Oliveira Canteiros desta dita cidade e pessoas conhesi­das de mim Tabeliam e das Testemunhas abaixo asignadas per elles me foi dito peran­te ellas que elles estão justos com o Muito Reverendo Antonio Jose Ribeiro das Neves desta dita cidade Fabriqueiro da dita Fabrica a fazerem huma Ballaustrada de Pedra Lios para o Audro da dita Sê na forma seguinte,

Que os Ballaustres serão medidos cada hum de per si superficialmente tudo quanto se lavrar por pressa de duzentos e vinte reis cada palmo superficial asim como os Pillares serão medidos pello mesmo modo e pelo dito pressa,

Que as Bazes, e Currimoens serão medidos da mesma forma porem se lhe dará por cada palmo duzentos reis cuja obra será toda revista por Mestre inteligente de Camtaria, e medida antes de se acentar com a comdição porem de que não estando a dita obra asima declarada com todo o aseio, limpeza, e medidas certas ficão elles ditos outorgantes obrigados a fazerem o que se lhe reprovar á sua custa sem que possão pe­dir por esse trabalho couza alguma a sobredita Fabrica,

Que a dita Fabrica será obrigada a fazer lhes pagamentos todos os Mezes da quantia de trinta mil reis e metendo elles outorgantes mais officiaes I I [FI. 30v• (?)] Officiaes alem dos que actualmente trabalhão se lhe dará os mesmos ditos trinta mil reis a porporção dos opera rios que tiverem e que só no cazo de doensa elles outorgan­tes deixarião de trabalhar comtinuadamente na dita obra porque faltando sem motivo legitimo a dita Fabrica poderá meter officiaes a custa delles outorgantes por todo o tempo que faltarem sem cauza

E que por esta forma diserão elles outorgantes que se obrigavão por todos os seus bens a f[azer] a dita obra na forma declarada: E sendo prezente o dito Muito [Re­verendo An] Tonio ]oze Ribeiro das Neves desta dita cidade e pessoa conhesida de mim Tabeliam e das mesmas [testemunhas] foi dito que elle aceitava este ajuste com for­me as comdiçoens mencionadas e obrigava os bens, e rendas da dita Fabrica a satisfa­ção dos ditos; trinta mil reis todos os Mezes e Em fe e testemunho de verdade asim o disserão e outorgarão e mandarão fazer neste Publico Instromento nesta Nota que acei­tarão e eu Tabeliam pellos auzentes quanto o Direito me permitte sendo a tudo Teste­munhas prezentes perante as quaes esta por mim lhe foi lida que todos aqui asignararn Domingos da Silva carpenteiro desta cidade e Joze Netto Mosso da dita Fabrica da mes­ma cidade e eu ]oze de Mattos Falcam e Faria Publico Tabeliam de Nottas que o escrevi.

a) Antonio Joze Ribeiro das Neves: Fabriqueiro da Se Cathedral. a) João de Oliveira. a) Miguel de Oliveira. a) Domingos da Silva. a) + Da testemunha Joze Netto. I I

DOCUMENTO 7

1806, Outubro, 6, Leiria - Escritura de ajuste estabelecido entre o Revd" Quarta­nário António José Ribeiro das Neves, fabriqueiro da Sé de Leiria, e José Claro, de Cós, para este executar o retábulo e trono da capela de Nossa Sr' da Soledade, na dita Sé, conforme o risco que lhe era dado, por seiscentos mil réis.

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Arq. Distr. de Leiria - Reg. Notariais: Leiria, 9-EI43, fls, 178v"-179

F[ora] l - Escritura de ajuste de obra que fas o Muito Reverendo Quartanario Antonio Joze Ribeiro das Neves Fabriqueiro da Fabrica da Sé desta cidade com Jaze Claro asistente na Vi lia de Coz.

Saibão quantos este Publico lnstromento de Carta de ajuste de obra virem que no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil outocentos e seis annos aos seis dias do mes de outubro do dito anno nesta cidade de Leiria e cazas da Fabrica da Sê da dita Cidade aonde eu Tabaliam vim ahi sendo prezente o Muito Reverendo Quarta I I [FI. 179] Quartanario Antonio Jaze Ribeiro das Neves Fabriqueiro da Fabrica da Sê e pessoa minha conhesida e das Testemunhas abaixo assignadas por elle me foi dito pe­rante ellas que elle Como Fabriqueiro da dita Fabrica queria mandar fazer de Madeira o Reta bolo, e Trono da Capella de Nossa Senhora da Soledade na dita Sê a que se achava justo em a dar de Empreitada a Joze Claro asistente na Villa de Côs toda a obra de mãos do dito Reta bolo e Trono dando lhe elle dito Muito Reverendo Quartanario Fabriqueiro todas as Madeiras que forem perçiozas, e tudo debaixo das comdiçoens seguintes,

Que elle dito Joze Claro será obrigado a pór em execução todo o risco que se lhe aprezentou para a dita obra a exceção dos sarafins com todo o Céu e seguransa perci­za sem que lhe falte a mais leve couza debaixo de todas as Medidas e porporçoens se­gundo aponta o mesmo risco,

Que pella dita obra de mãos se lhe dara a quantia de seiscentos mil reis na for­ma seguinte, Que no cazo de comcluir a obra dentro em hum anno reseberá logo que principiar a trabalhar trinta mil reis cada Mes trabalhando com tres officiais, e não acabando a dita obra não poderá pedir mais algum paguamento Mensal e só reseberá comcluida a obra,

Que depois de feita a mesma obra será revista e examinada por hum Mestre ou official inteligente e Capas e no Cazo de haver alguma Couza que não esteja Comfor­me ao risco, e mal segura se lhe reterá o paguamento athe fazer tudo que lhe for repro­vado, e como dos paguamentos fica a restar a maior porçam dos seiscentos mil reis poderá o dito Joze Claro reseber o que se lhe restar no fim da dita obra depois de aprovada e se lhe darão os ditos seiscentos mil reis em Metal,

E que debaixo destas comdiçoens lhe dava a dita obra de empreitada e se obriga­va pellos bens e rendas da dita Fabrica a satisfaç�o dos ditos paguamentos. E sendo pre­zente o dito Jaze Claro pessoa minha Conhesida e das mesmas Testemunhas por elle me foi dito perante ellas que elle aceitava a dita obra de empreitada debaixo das Com­diçoens declaradas, e pello dito presso dos seiscentos mil reis sem que a nada faltase pois a tudo se sugeitava tanto por sua pessoa como pellos mesmos paguamentos: e ou­trosim mais comcordar�o neste mesmo ajuste o Muito reverendo Cobrador da dita Fa­brica, e os Muito Reverendos Deputados da mesma que ouvirão ler esta escritura e em fe e testemunho de verdade asim o diserão e outorgarão e mandarão fazer este Publico Instromento Nesta Nota que aceitarão e eu Tabeliam pellos auzentes quanto o direito me permitte sendo a tudo Testemunhas prezentes perante as quais esta por mim lhe foi lida que todos aqui asignaram Joze Netto, e Joaquim das Neves Mossos da Fabrica des­ta dita Sê e Eu Joze de Mattos Falcam e Faria Publico Tabeliam de Notas que o escrevj.

a) O Quartanario Antonio Joze Ribeiro das Neves: Fabriqueiro da Se Cathedral. a) Jaze Claro. a) Joaquim das Neves. a) + Da Testemunha Jaze Netto. I I

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MUSEU DE LEIRIA Ultimamente tem-se falado e escrito muito, e ainda bem, sobre o Mu­

seu de Leiria, seus objectivos, perspectivas de concretização e locais aceitá­veis para a sua implantação definitiva.

Movido tão somente pelo desejo de colaborar na promoção cultural da nossa Cidade, permita-se-me uma despretenciosa achega sobre o mes­mo assunto.

Leiria dispõe de dois corpos museológicos significativos: o do Muni­cípio e o do Seminário Diocesano. Conheço suficientemente bem o acervo de cada um, já porque fiz parte da Comissão Instaladora do Museu da Ci­dade quando se pensou na sua transferência para o castelo, já porque fui o impulsionador e quase único organizador do museu de arte sacra do Semi­nário. Embora ambos os corpos possuam documentos de indiscutível va­lor, cada u m de per si, a funcionar, isolado d o outro, em espaços desintegrados, não terá capacidade para concitar o entusiasmo turístico de estranhos nem mesmo conseguir diluir a apatia acumulada das gentes de Leiria. O mesmo não direi, caso esses dois corpos museológicos constituam um único núcleo e a instalar num único espaço físico. Se isso vier a concre­tizar-se, estou certo de que eles virão a enriquecer substancialmente o nos­so património citadino, constituindo atractivo irrequieto não só para os leirienses mas também, e sobretudo, para os estrangeiros, designadamente peregrinos de Fátima, que, nos seus itinerários, verão integrar Leiria e seu Museu como sítio obrigatório de visita.

Todos nós sabemos que o espólio do Museu de Leiria, presentemente "enclausurado" no castelo, não é vasto nem rico, como rico não é o museu do Seminário. Este, além de incluir estatuária sacra dos séculos XV a XVIII, painéis de azulejos figurativos e decorativos do século XVII e XVIII, telas do início do século XVII, proporciona ao visitante documentos que projec­tam o nosso povo no seu passado longínquo desde o período eneolítico e da idade do bronze até às estações romanas do termo de Leiria com as suas moedas, tégulas, cipos funerários, pondos, fíbulas, para não falar no nosso "artesanato" religioso, ali prodigamente representado.

O espólio de ambos os museus, uma vez reunido em espaços vizi­nhos e integrados, sublinharia a alma das tradições culturais do nosso pas­sado comum e identificar-nos-ia com a nossa mesma Casa: com o que herdámos, o que estamos a viver e o que queremos legar aos nossos vin­douros. Não seria apenas a voz silenciosa da cultura do passado, mas so­bretudo a a lma d o nosso hoje a vivenciar-se através da criação diversificada e fecunda de todos nós. Desejaríamos que o Museu de Leiria fosse o documento vivo da cidade que habitamos e somos. O designado "museu vivo" perspectiva-se nos nossos horizontes de realização museo­lógica.

O único espaço que julgamos adequado para responder às exigências

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MUSEU DE LEIRIA

dum museu do nosso tempo, dentro da actual museologia, coincide com as áreas conjuntas do edifício do convento de Santo Agostinho e do edifício e logradouros do antigo Seminário de Leiria (DRM). Os dois edifícios, de si, pela sua história e traça arquitectónica, já são "museu", afirmações altas do passado cultural de Leiria: o de Santo Agostinho, casa de formação con­ventual, desde O. Frei Gaspar do Casal, finais do século XVI até 1834, data em que transitou para a posse do Estado; o do antigo Seminário (DRM), ca­sa de formação sacerdotal e primeiro liceu de Leiria desde 1674 até 1911, ano em que passou para a posse do Estado. Nesta casa, em certo sentido, se sintetiza a alma cultural da nossa cidade: candidatos ao sacerdócio e jovens que optariam por profissões liberais que por ali passaram sustentaram a nossa identidade intelectual e cultural por mais de duzentos anos.

Só o espaço físico destes dois edifícios poderá responder e proporcio­nar um núcleo museológico suficientemente razoável. O Museu de Leiria só poderá ser instalado capaz e proficientemente naqueles dois edifícios, ainda que constituindo uma única unidade: no convento de Santo Agosti­nho e no antigo Seminário. Aquele "monstro" arquitectónico, inquietado­ramente erguido entre aqueles dois edifícios, verdadeiro atentado à arte, à estética, à beleza citadina - o espúrio edifício da Cruz Vermelha -, de­molir-se-ia sem mais e o seu espaço destinar-se-ia a acolhimento aos visi­tantes, a cais de carga e descarga, a serviços de apoio ao museu a necessitar sempre de ambientes tranquilos e a que o nosso rio, sussurrante, não enjei­ta encantos mil.

E urge uma pergunta: Porque não integrar num único edifício, v. g., o de Santo Agostinho, os dois corpos museológicos: o da cidade e o de arte sacra?

Sabemos que as peças que constituem o museu de arte sacra não são propriedade exclusiva do Seminário, mas pertencem, na sua maioria, a pa­róquias e instituições religiosas que ali as depositaram, a título de emprés­timo, para serem defendidas e preservadas. Consultadas que foram essas instituições sobre uma possível futura transferência desse recheio para um outro edifício, todas elas se pronunciaram pela indisponibilidade para a autorização. Consenti-lo-iam, tão somente, se esse espólio fosse transferi­do para outro edifício, propriedade da Igreja. E este problema tem de ser reflectido, a sério, antes de se pretender qualquer solução definitiva.

A partir de reiteradas pronúncias de alguns membros do clero, veicu­ladas no sentido de pretenderem dialogar o património da Igreja com a Ci­dade e o Mundo, julgamos poder interpretar esse desejo não como oposição a um projecto de museu único para a cidade, antes pelo contrário. Ainda que a transferência efectiva do museu de arte sacra para outro sítio exija a posse dum edifício próprio, propriedade sua, isso, contudo, não im­plica que haja necessariamente dois museus, na cidade. O espólio de cada museu, o da Cidade e o do Seminário Diocesano, poderia ser instalado em

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MUSEU DE LEIRIA

qualquer dos edifícios citados, em núcleos comuns, de acordo com a sua caracterização no tempo ou consoante o género artístico. Por exemplo, to­do o património referente à romanização poderia instalar-se num ou nou­tro edifício, indistintamente, e bem assim outras colecções. É óbvio que estas acções conjuntas de integração em qualquer dos edifícios supõe ne­cessariamente conversações abertas entre a Autarquia e a Diocese e até pa­ra precisar os termos do protocolo a estabelecer, a fim de poder ficar salvaguardada a propriedade de cada entidade. E que dizer, se o protocolo a definir contemplasse uma única directoria, conservadoria, administração e gestão dum único museu?

CONCLUSÃO

Desejamos um museu para a nossa cidade, que deve ser o intérprete de toda a tradição cultural das nossas gentes, que, sendo cidadãos, são, ao mesmo tempo, herdeiros dum rico e vasto e denso património religioso.

Queremos que o nosso museu não seja apenas repositório frio e iner­te dum passado distante, adormecido. Queremos um museu que seja, ao mesmo tempo, a alma viva das aspirações, criações e projectos dos homens de hoje, um museu vivo.

Julgo que outras soluções de instalação as não conseguiremos encon­trar, a não ser nos edifícios em referência. E não se terçam armas a defen­der o único espaço do convento de Santo Agostinho. Ali instalado, apenas poderia ser uma parte da alma de Leiria . . . porque a "alma" religiosa, de que é depositário o museu do Seminário, ficaria irremediavelmente ausen­te por impossibilidade absoluta de integração . . . e a alma religiosa identifi­ca-se indelevelmente com a identidade histórica da nossa Cidade.

A única solução viável, globalizante, simples, será a instalação do Museu de Leiria naqueles dois edifícios, quase contíguos, mas muito liga­dos pelas gavinhas culturais e religiosas, e mansamente beijados pelas águas murmuradoras do mesmo rio.

Para mim, o nosso museu perfila-se exequível c capaz de aglutinar todas as boas vontades dos leirienses. Mas ainda dependente dum gesto de boa vontade por parte dos poderes públicos: a entrega, pura e simples, do edifício do antigo Seminário à Diocese, para nele se poder instalar o Museu de Leiria.

Fazemos votos por que nenhum interesse de ordem administrativa, política ou social possa condicionar e, muito menos, hostilizar esta preten­são justa, solidamente justificada, e a bem de Leiria.

P. Américo Ferreira

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mestral, que arquiva decretos e pro­

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