Leila Andressa Dissenha Arbitragem e Conflitos Trabalhistas ......2007/04/04  · 2. Breve Análise...

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0 Leila Andressa Dissenha Arbitragem e Conflitos Trabalhistas Panorama Nacional e Experiência Comparada DISSERTAÇÃO DE MESTRADO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS Programa de Pós-Graduação em Direito Curitiba, janeiro de 2007

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Leila Andressa Dissenha

Arbitragem e Conflitos Trabalhistas Panorama Nacional e Experiência Comparada

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS Programa de Pós-Graduação em Direito

Curitiba, janeiro de 2007

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Leila Andressa Dissenha

Arbitragem e Conflitos Trabalhistas Panorama Nacional e Experiência Comparada

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Roland Hasson

Curitiba

janeiro de 2007

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Leila Andressa Dissenha

Arbitragem e Conflitos Trabalhistas Panorama Nacional e Experiência Comparada

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCPR. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Roland Hasson Orientador

Departamento de Direito – PUCPR

Prof. Marco Antônio César Villatore Instituição PUCPR

Prof.ª Aldacy Rachid Coutinho Instituição UFPR

Curitiba, 15 de fevereiro de 2007.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, da autora e do orientador.

Leila Andressa Dissenha

Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em 2003. Prêmio Marcelino Champagnat de Mérito Acadêmico. Primeira Colocação no Desafio de Conhecimentos Jurídicos da PUCPR de 2003. Membro do Grupo de Pesquisa "Direito do Trabalho: Análise Crítica" da PUCPR, desde 2004. Especialista em Direito do Trabalho pela PUCPR, em 2005. Professora convidada do Centro Universitário Positivo (UnicenP), em 2006. Autora de diversos artigos publicados na área de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. Advogada Trabalhista, inscrita na OAB/PR sob o nº. 37.809, militante em Curitiba.

Ficha Catalográfica

Dissenha, Leila Andressa D613a Arbitragem e conflitos trabalhistas : panorama nacional e experiência 2007 comparada / Leila Andressa Dissenha ; orientador, Roland Hasson. – 2007. 230 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007 Inclui bibliografia 1. Arbitragem trabalhista. 2. Relações trabalhistas. 3. Poder judiciário. I. Hasson, Roland. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título. Dóris 4. ed. – 341.6642 341.256

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A Deus,

fonte de toda Sabedoria e Justiça.

À minha Família, fonte infinita de carinho e incentivo.

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Agradecimentos

Aos amigos, colegas e professores do Programa de Pós-Graduação em Direito

da PUCPR, especialmente aos membros do Grupo de Pesquisa "Direito do

Trabalho: Análise Crítica", pelas sugestões e críticas sempre construtivas.

Aos alunos da Especialização em Direito do Trabalho da PUCPR (turma 2005)

e do Curso "Atualidades do Direito do Trabalho" da UnicenP (turma 2006),

pela paciência em ouvirem minhas idéias e me mostrarem as reais dimensões

deste trabalho.

Ao meu orientador Professor Roland Hasson, pela paciência e confiança e ao

Professor Marco Antônio César Villatore, pelos ensinamentos e pelo incentivo.

À PUCPR por oportunizar a realização do sonho de estar cursando o Mestrado

através do Prêmio Marcelino Champagnat.

A todos aqueles que de alguma forma me ajudaram e incentivaram a realizar

este estudo.

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Resumo

Dissenha, Leila Andressa; Hasson, Roland. Arbitragem e os conflitos trabalhistas: panorama nacional e experiência comparada. Curitiba, 2007. 230p. Dissertação de Mestrado – Centro de Ciências Jurídicas e Sociais. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

A harmonia da relação capital/trabalho (empregado/empregador) é

elemento crucial para o desenvolvimento da atividade econômica e da própria

sociedade. Por ser uma relação complexa e historicamente conflituosa, exige

uma forma de solução que seja capaz de atender suas peculiaridades,

ponderando os aspectos econômicos e sociais que envolvem seus conflitos. O

Estado, através do Poder Judiciário, consolidou a Jurisdição como principal

meio de solução de conflitos, mas ante as dificuldades apresentadas por este na

realização de sua função pacificadora, hoje, torna-se necessário buscar meios

de solução mais eficientes. Nesta dissertação buscamos analisar a viabilidade

da aplicação da arbitragem como alternativa adequada à solução dos conflitos

trabalhistas. Essa aplicação, porém, não é assunto pacífico entre os operadores

do Direito, merecendo análise mais cuidadosa. Assim, partindo da análise

crítica do Poder Judiciário frente às peculiaridades do conflito laboral e a

constante metamorfose da realidade que o envolve, procuramos delinear um

panorama sobre o tratamento da arbitragem, no Brasil, passando por seu

desenvolvimento histórico, aspectos gerais, análise legislativa, exposição dos

argumentos e contra-argumentos referentes à sua aplicação aos conflitos

coletivos e individuais trabalhistas, trazendo uma breve análise sobre a

experiência comparada acerca da arbitragem laboral na Espanha, na Itália, no

México, no Paraguai e em Portugal. Por fim, destacamos as vantagens e

desvantagens que podem advir da arbitragem laboral e o desafio cultural de

implantá-la, definitivamente, na realidade brasileira, a começar por uma

necessária e profunda mudança de mentalidade no meio judiciário.

Palavras-chave :

Arbitragem, Conflitos Trabalhistas, Soluções Extrajudiciais, Acesso à Justiça,

Poder Judiciário.

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Abstract

Dissenha, Leila Andressa; Hasson, Roland (Advisor). Arbitration and labor conflicts: national panorama and compared experience. Curitiba, 2007. 230p. MSc. Dissertation – Programa de Pós-graduação em Direito Econômico e Social, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

The harmony of the capital/labor relationship (employee/employer) is a

crucial element for the development of the economical activity and of the own

society. For being a complex and historically conflicting relationship, it

demands a solution form to be capable to assist its peculiarities, considering the

economical and social aspects that involve its conflicts. The State, through the

Judicial Power, consolidated the Jurisdiction as principal way of conflicts

solution, but in the face of the difficulties presented by it in the

accomplishment of its pacifier function, nowadays, it becomes necessary to

look for more efficient solution ways. In this dissertation, it tried to analyze the

viability of the application of the arbitration as appropriate alternative to the

solution of the labor conflicts. This application, however, it is not a peaceful

subject among the operators of the Law, deserving a more careful analysis. So,

starting for the critical analysis of the Judicial Power front to the peculiarities

of the labor conflict and the constant metamorphosis of the reality that involves

it, it tried to delineate a prospect on the treatment of the arbitration in Brazil,

going by its historical development, general aspects, legislative analysis,

exhibition of the arguments and counter-arguments regarding its application to

the labor collective and individual conflicts, bringing an abbreviation analysis

about the compared experience concerning the labor arbitration in Spain, in

Italy, in Mexico, in Paraguay and in Portugal. Finally, the advantages and

disadvantages that can occur of the labor arbitration and the cultural challenge

of implanting it, definitively, in the Brazilian reality, beginning for a necessary

and deep mentality change in the judicial branch, were outstanding.

Keywords

Arbitration; labor conflicts; extrajudicial solutions; access to the justice;

Judicial Power.

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Sumário

1. Introdução

11

2. Breve Análise do Poder Judiciário e do Acesso à

Justiça

14

3. Conflitos e Alternativas 38

3.1. O Conflito Trabalhista 38

3.2. Principais Meios Alternativos de Solução de Conflitos 40

3.2.1. Conciliação 41

3.2.1.1. Comissões de Conciliação Prévia 44

3.2.2. Mediação 49

3.2.3. Negociação Coletiva

57

4. Arbitragem 53

4.1. Breve Relato Histórico 53

4.2. Aspectos Gerais 73

4.2.1. Definição e Natureza Jurídica 73

4.2.2. Classificações 79

4.2.3. Legislação 82

4.3. Lei da Arbitragem (Lei nº. 9.307/96) 83

4.3.1. Disposições Gerais 84

4.3.2. Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos 93

4.3.3. Dos Árbitros 111

4.3.4. Do Procedimento Arbitral 121

4.3.5. Da Sentença Arbitral 128

4.3.6. Do Reconhecimento e Execução de Sentenças

Arbitrais Estrangeiras

129

4.3.7. Disposições Finais 144

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5. Arbitragem e Conflitos Trabalhistas 147

5.1. Arbitragem e Conflitos Coletivos Trabalhistas 148

5.2. A Arbitragem e Conflitos Individuais Trabalhistas 151

5.2.1.Argumentos e Contra-argumentos quanto à

Inaplicabilidade da Arbitragem aos Conflitos Individuais

Trabalhistas

152

5.2.1.1. Da Omissão da Constituição de 1988 152

5.2.1.2. Da Afronta ao Princípio da Inafastabilidade

do Poder Judiciário

153

5.2.1.3. Da Ofensa aos Princípios do Juiz Natural, do

Devido Processo Legal e do Duplo Grau de

Jurisdição

157

5.2.1.4. Da Indisponibilidade e Irrenunciabilidade dos

Direitos Trabalhistas

158

5.2.1.5. Da Hipossuficiência do Trabalhador 174

5.3. Arbitragem Trabalhista no Direito Comparado 177

5.3.1. Espanha 178

5.3.2. Itália 182

5.3.3. México 190

5.3.4. Paraguai 193

5.3.5. Portugal 197

5.3.6. MERCOSUL 202

5.3.7.União Européia 207

5.4. Vantagens e Desvantagens da Arbitragem Laboral 209

5.5. Desafio Cultural 212

6. Conclusão

221

7. Referências Bibliográficas

226

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"Por derradeiro, amigos de minh'alma, por derradeiro, a última, a melhor lição da minha experiência. De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas sete palavras: Não há Justiça onde não haja Deus."

(Rui Barbosa in Oração aos Moços)

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Introdução

O trabalho representa uma das faces mais relevantes do fenômeno

empresarial por sua abrangência social. A relação produção-trabalho sempre

foi conflituosa, haja vista o desenvolvimento dos modelos escravocratas e

servis no início das civilizações. Entretanto, foi com a Revolução Industrial

que essa relação se mostrou mais tensa, onde a profunda exploração do

trabalhador determinou a intervenção Estatal. Assim, surge o Direito do

Trabalho responsável, até nossos dias, pelo desenvolvimento harmônico das

dimensões econômica e social presentes nas relações de trabalho.

Esse Direito, todavia, requer um aparato de fiscalização e aplicação para

tornar-se realmente eficaz. Ao proibir a autotutela, o Estado chamou para si a

responsabilidade de solucionar os conflitos, tarefa que, atualmente, encontra

diversos obstáculos e vem trazendo demasiados prejuízos, seja ao trabalhador,

seja para a empresa, encontrando-se ambos à mercê da lentidão e do caos

instaurado no Judiciário, para resolver seus conflitos.

Diante deste contexto, torna-se imprescindível o estudo de outras formas

de soluções dos conflitos laborais, capazes de cumprir com excelência a função

da harmonização das relações trabalhistas, hoje comprometida pela ineficácia

do Poder Judiciário.

Ciente da necessidade de buscar alternativas à Justiça do Trabalho, este

estudo apresenta uma análise sobre a viabilidade de aplicação de um instituto

milenar que vem ganhando espaço na doutrina e na legislação em diversos

Países: a arbitragem.

Neste estudo, em um primeiro momento, apresenta-se uma crítica à

atuação do Poder Judiciário, destacando suas origens e as principais

dificuldades que vem enfrentando para o desenvolvimento da atividade

jurisdicional, como a sobrecarga de processos e falta de estrutura adequada à

solução dos mesmos e as conseqüências da lentidão na solução das demandas,

especialmente aos trabalhadores.

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Em um segundo momento destaca-se o conflito trabalhista e suas

peculiaridades; a necessidade de um meio de solução das controvérsias que não

ignore a magnitude dos interesses envolvidos, que, em última análise,

representam os pilares que sustentam o desenvolvimento da atividade

econômica de toda Nação. Ressalta-se o desenvolvimento e a aplicação da

conciliação e da mediação na solução de conflitos laborais, incentivada,

inclusive, pelo Poder Judiciário, revelando o reconhecimento por ele mesmo da

necessidade de alternativas para a distribuição da Justiça.

Na terceira parte deste estudo, busca-se delinear um panorama geral

acerca da arbitragem, enfatizando seu desenvolvimento histórico, definição,

natureza jurídica, classificações e a legislação brasileira pertinente, que, hoje,

consiste, especialmente na Lei nº. 9.307/96, cuja análise é também apresentada

comentando-se cada um dos seus artigos.

Por derradeiro, apresenta-se uma análise acerca da viabilidade da

aplicação da arbitragem aos conflitos trabalhistas, ressaltando a divergência

existente sobre o assunto que se revela através dos argumentos e contra-

argumentos quanto à inaplicabilidade da arbitragem em sede laboral, dentre os

quais se destacam: a questão da hipossuficiência do empregado, o caráter

indisponível de alguns direitos e a possível ofensa a princípios constitucionais.

Esses são apenas alguns dos questionamentos enfrentados neste estudo para se

afirmar a possibilidade ou impossibilidade da aplicação da arbitragem laboral.

Apresenta-se, também, a análise legislativa de cinco Países acerca da

arbitragem laboral: Espanha, Itália, México, Paraguai e Portugal, destacando

seus principais aspectos, reconhecendo pontos de aproximação e afastamento

com a legislação brasileira.

Ainda, enumeram-se as vantagens e desvantagens que podem advir da

arbitragem laboral e o desafio cultural para implementá-la, já que é pouco

divulgada, até mesmo, entre os operadores do Direito que a vêem envolta em

preconceitos e receios infundados. Se assim é no meio jurídico, com muito

mais propriedade, dela se afastam os cidadãos, especialmente a classe

trabalhadora que, geralmente, desconhece a existência do instituto em questão.

Assim, considerando o trabalho como dimensão primordial da dignidade

humana, este estudo se propõe a analisar a arbitragem como alternativa e sua

viabilidade de aplicação ao âmbito laboral, almejando apresentar uma forma

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mais eficaz de promoção da harmonização das relações laborais e pacificação

social, fim do Direito, base para a construção de uma sociedade mais justa e

solidária.

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2

Breve Análise do Poder Judiciário e do Acesso à Jus tiça

A convivência dos homens em sociedade implica, na sua essência, a

coexistência de uma pluralidade de interesses, nem sempre convergentes,

diante da qual os conflitos são praticamente inevitáveis. Os interesses estão

relacionados às necessidades materiais e imateriais para a sobrevivência de

cada ser humano. À medida que o grupo social aumenta, as necessidades

multiplicam-se e, por conseqüência, o interesse pelos bens e os conflitos.1

Quando uma pessoa pretende determinado bem para si e não pode obtê-

lo, seja porque aquele que poderia satisfazer sua pretensão não o faz, seja

porque o direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão, está-se diante do

conflito. O conflito não solucionado tem por conseqüência a insatisfação que

desencadeia a instabilidade social sendo "fator de sofrimento e infelicidade"

que deve ser necessariamente superado.2

Para que se restabeleça a harmonia e a paz social, o conflito de interesses,

qualificado pela pretensão resistida de um dos interessados – a lide, segundo

1 Neste sentido, SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 41. "Nas lições tradicionais de sociologia e filosofia, o homem é um ser gregário. Deveras, o homem não simplesmente existe, mas coexiste. Sim, o homem meramente não vive, mas convive! [...] Deste modo, da vida em sociedade brotam muitos interesses, aos quais, via de regra, são conflitantes. Ocorre que o anseio do homem é viver de maneira pacífica. Para isto, criam sistemas de solução de conflitos." (ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Arbitragem: Questões Polêmicas. Disponível em: <http://www.jus.com.br>. Acesso em: 01 dez. 2006). 2 CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 20. Tradução Livre."El conflicto de intereses consiste en su incompatibilidad, en el sentido de que la satisfacción de la necesidad que corresponde a uno de los intereses, excluye o por lo menos limita la satisfacción del otro. Cuando los intereses pertencen a personas distintas (conflicto intersubjetivo), su incompatibilidad constituye un peligro, pero no todavía un daño para la paz, ya que puede ocurrir o que uno de los interesados tolera la insatisfacción o entre ellos medie un acuerdo. El peligro se transforma en daño cuando, no verificándose ninguna de las hipóteses recién imaginadas, los interesados pasen a ser contendientes, en cuanto cada uno de ellos exige que se satisfaga su interés." (CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Proceso Civil. vol. I, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América. Coleccion Ciencia del Processo nº. 36, 1973, p. 25).

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Carnelutti3 – , deve ser solucionado.

A história da humanidade é marcada pela busca incessante de meios

capazes de solucionar esses conflitos, a fim de permitir uma existência digna e

pacífica. Neste contexto, o Direito é elemento essencial, tendo a função de

ordenar a convivência humana coordenando interesses, solucionando os

conflitos através, não apenas da instituição das leis, mas, principalmente,

assegurando a observância destas e sua efetiva aplicação.4 Como coloca Enrico

Tullio LIEBMAN, a função do Direito de ordenar a convivência humana e de

compor os conflitos "não resta, todavia, cumprida com a formação das leis [...]; com

efeito, tem que individualizar, declarar e fazer observar estas regras caso a caso e, se

for necessário, impor sua observância com meios coercitivos".5

Portanto, a existência do Direito, por si só, não garante a paz social. É

necessária uma via adequada para que ele possa efetivar-se, encontrando meios

de superar os conflitos, apaziguar os ânimos e restabelecer a harmonia que

permite a continuidade da convivência.

Da Autotutela à Jurisdição, a humanidade trilhou um caminho árduo para

encontrar o melhor meio de superar seus conflitos, e hoje dá mais um passo

nesta caminhada: reconhece a necessidade de realização plena de valores

humanos, do bem comum. Como oportunamente assevera Antônio Carlos

Araújo CINTRA [et al.], reconhece-se, enfim, que "não basta pacificar, é

necessário pacificar com Justiça".6

3 "La litis, por tanto, puede definirse como um conflicto (intersubjetivo) de intereses cafilicado por uma pretensión resistida (discutida). El conflicto de intereses es su elemento material, la pretensión y la resistência son su elemento formal". (CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Proceso Civil. vol. I, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América. Coleccion Ciencia del Processo nº. 36, 1973, p. 28). 4 Neste sentido, CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 19. 5 Tradução Livre. "La función del derecho, que es la de dar orden a la convivencia entre los hombres y la de componer los conflictos que entre ellos puedan surgir, no queda todavía cumplida con la formación de las leyes que dispongan las reglas de conduta a las que los coasociados deben ajustarse; em efecto, hay que proveer a individualizar, a declarar y a hacer observar estas reglas caso a caso y, si es necesario, a imponer su observancia con medios coercitivos." (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Derecho Procesal Civil. Tradução Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America. Coleccion Ciencia del Proceso nº. 68, 1980, p. 5). 6 CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Op. cit., p. 25. Com relação aos meios de solução de conflitos, Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR classifica a evolução histórica em quatro etapas: A autotutela, o arbitramento facultativo, o arbitramento obrigatório e a justiça pública, as quais serão detalhadas adiante. (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 25).

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Nos tempos mais remotos,7 os conflitos eram solucionados através da

autotutela, caracterizando a fase da vingança privada. Diante da ausência de

uma organização estatal e mesmo de leis postas, aquele que pretendesse algo

haveria de obtê-lo com sua própria força. Nas palavras de Isabele Jacob

MORGADO:

"As partes resolviam seus litígios através da autotutela ou da autocomposição, ou seja, por elas mesmas. A pessoa que se sentia ofendida, por si só ou com a ajuda do grupo, buscava a tutela do seu direito, ou vingava uma lesão sofrida. Como a justiça era feita 'com as próprias mãos', ocorria que sempre prevalecia a lei do mais forte ou mais esperto".8

A necessidade de garantir bens essenciais, em especial alimentação e

abrigo, era a principal causa dos conflitos que eram resolvidos, via de regra,

pelo desforço físico, a forma encontrada, portanto, para garantir a

sobrevivência.9 Como coloca Antônio Carlos de Araújo CINTRA [et. al.]:

"Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares; [...] Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força

7 "Ao remontarmos aos primórdios de nossos dias, da era do homem da caverna, notaremos que não se pode precisar entre as formas utilizadas para se chegar ao Estado-Juiz. Não existe um marco na história que separe as formas anteriores de composição de conflitos e o momento em que o Estado chamou a si essa composição. Nas civilizações anteriores, primitivas, à medida em que os grupos foram crescendo e o interesse pelos bens existentes foi se multiplicando, os conflitos entre seus componentes começaram a surgir." (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 41). 8 Neste sentido, MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 24. "Desde os primórdios, o homem tem o intuito de solucionar os conflitos de interesse, e a mais rudimentar forma de fazê-lo é a autotutela. Em apertada síntese, autotutela é fazer justiça pelas próprias mãos. Essa modalidade de solução dos conflitos de interesse foi muito difundida no passado, entre os povos incivilizados, que desconheciam um Estado organizado e onipresente. A autotutela é marcada por dois traços principais. O primeiro é que as partes envolvidas resolvem suas questões sem a presença de terceiros, como um árbitro, por exemplo. A segunda é que sempre uma vontade se impõe, via de regra pela força, a outra vontade." (ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Arbitragem: questões polêmicas. Disponível em: <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). 9 "Nas civilizações primitivas, as necessidades eram poucas, pois nossos irmãos conheciam os bens essenciais, como a alimentação, a moradia e o vestuário, que na época era escasso. Nessa fase, quando surgiam conflitos entre os componentes do grupo, estes eram resolvidos pela forma mais primária que conhecemos e que, até hoje, ainda encontramos consagrada, residualmente em nossa legislação: o desforço físico." (SOUZA, Zoraide Amaral. Op. cit., p. 42).

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e na medida dela, tratar conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão".10

A humanidade vivenciou duas fases da vingança privada: a vingança

privada não regulamentada – traduzida no "fazer justiça com as próprias mãos"

– e a fase da Lei de Talião, que disciplinou a vingança, tornando-a

proporcional, o que significou um avanço, sendo uma das primeiras formas de

humanização do Direito. Nas palavras de Cesar FIUZA:

"Com a progressiva organização do Estado, surgem regras disciplinando a vingança privada, que passa a ser regulamentada. É a fase da Lei do Talião: por tal ato, tal outro; tal por tal. Daí o nome talião, derivado do pronome tal. A vingança deveria ser proporcional ao ato que a ensejasse".11

Da mesma forma que o grupo social passa a se organizar, essa forma de

solução é paulatinamente colocada em desuso, e passa-se a buscar uma nova

forma de resolver os conflitos. Surge a arbitragem facultativa, com a entrega do

conflito nas mãos de uma terceira pessoa, que poderia ser um ancião – que

detinha a sabedoria dos ancestrais – , um sacerdote – que tinha ligação com os

Deuses12 – , enfim, pessoas que tentavam fazer Justiça de acordo com suas

convicções. Como coloca Isabele Jacob MORGADO:

"Com o passar do tempo sentiu-se a necessidade de um meio de solução mais justo e equilibrado. Foi então que se entendeu mais correto escolher uma terceira pessoa, alheia ao conflito e de confiança das partes, para solucioná-lo de forma imparcial. Surge, assim, a arbitragem facultativa".13

Posteriormente, desenvolveu-se a fase da arbitragem obrigatória,

perceptível, por exemplo, nos sistemas das legis actiones e per formulas de

Roma. A legis actiones é contemporânea à Lei das XII Tábuas e vigorou por

toda a República. Tendo por características o rigor e o formalismo, apresentou-

se com bipartição do processo: in iure – o que se desenvolvia perante um

tribunal, com o magistrado a organizar atos preliminares do processo – , e o

apud iudicem, que se desenvolvia perante um cidadão comum, que, como um

10 CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 21. 11 FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 66. 12 Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 24. 13 MORGADO, Isabele Jacob. Op. cit., p. 24.

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juiz privado, após analisar a causa, proferia a sentença.14 Mais tarde, com a

expansão do Império Romano, surge o per formulas visando a articular as

pretensões de acordo com determinadas fórmulas – o escrito redigido pelo

magistrado in iure, com a indicação do conflito a ser dirimido pelo árbitro

particular.15

Por fim, os conflitos passam a ser dirimidos perante o Estado,

consignando a quarta fase: a Justiça Pública, como o cognitio extra ordinem -

processo extraordinário – de Roma que suprime a fase arbitral, entregando ao

magistrado o poder de dirimir os conflitos. Como explica Cezar FIUZA, "nesse

momento, surgem os primeiros traços de verdadeiro Poder Judiciário, com

funções autônomas e específicas".16

A partir de então, a distribuição da Justiça passa a ser identificada com a

figura do governo, do Estado, que tem em suas mãos a difícil tarefa de

solucionar os conflitos que lhes são apresentados, buscando a paz social.17

O Estado desempenha essa tarefa através do Poder Judiciário que,

segundo, Horácio Wanderlei RODRIGUES, é a "organização criada com o

objetivo de viabilizar concretamente a jurisdição, ou melhor, o conjunto de

juízos e tribunais destinados ao exercício dessa função estatal".18 O Poder

Judiciário, embora exerça funções secundárias – como o autogoverno

concernente à sua organização – e funções anômalas – como a fiscalização da

atividade advocatícia na ausência de subseções da OAB – , tem por função

primordial assegurar a aplicação do direito objetivo, exercendo a atividade

14 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 26. 15 Conforme FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 68 e FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Op. cit., p. 26. 16 FIUZA, Cezar. Op. cit., p. 69. 17 Neste sentido CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 24. 18 RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. pp. 9 e 10. "O Estado moderno, então, assumiu para si o encargo e o monopólio de definir o direito concretamente aplicável diante das situações litigiosas, bem como o de realizar esse mesmo direito, se a parte recalcitrante recusar-se a cumprir espontaneamente o comando concreto da lei. [...] Para desempenho da função acima, estabeleceu-se a jurisdição, como o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, 32ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 30).

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jurisdicional.19 O Poder Judiciário é, assim, o aparato que permite viabilizar a

atuação da Jurisdição.

A definição de Jurisdição, por sua vez, é bastante controvertida. Segundo

Giuseppe CHIOVENDA, Jurisdição é:

"...função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva".20

Francesco CARNELUTTI coloca que a essência da Jurisdição no

processo contencioso está na justa composição da lide - justa porque deve ser

feita segundo o direito ou segundo a eqüidade -, enquanto a prevenção da lide

se impõe como fim do processo voluntário.21 Enrico Tullio LIEBMAN vê essas

duas definições como complementares. Nas suas palavras:

"As duas definições [...] podem ser consideradas como complementares: a primeira representa uma visão puramente jurídica do conteúdo da jurisdição enquanto estabelece a relação entre a lei e a jurisdição; enquanto a segunda considera a atuação do direito como o meio para alcançar uma finalidade ulterior (a composição do conflito de interesses)".22

Todas essas definições, embora sejam alvos de críticas, procuram

explicar a Jurisdição, a qual, para este trabalho, é considerada o poder-dever

por meio do qual o Estado, através do Poder Judiciário, aplica o direito

objetivo, solucionando os conflitos que chegam até ele, visando à paz social e à

possibilidade de convivência social harmoniosa.

19 SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. vol. I, 5ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 52 e 53. 20 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direitos Processual Civil. Tradução J. Guimarães Menegale. vol. II, 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1969, p. 3. 21 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Proceso Civil. vol. I, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América. Coleccion Ciencia del Processo nº. 36, 1973, pp. 43 e 45. 22 Tradução Livre. "Las dos definiciones [...] pueden considerarse hoy complementarias: la primeira representa una visión puramente jurídica del contenido de la jurisidicción em cuanto establece la relación entre la ley e la jurisdicción; mientras la segunda considera la actuación de derecho como el medio para alcanzar uma finalidad ulterior (la composición del conflicto de intereses)." (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Derecho Procesal Civil. Tradução Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America. Coleccion Ciencia del Proceso nº. 68, 1980, pp. 5 e 6).

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A Jurisdição consolidou-se como sistema de solução de conflitos a partir

do momento em que o Estado tomou para si tal função. Ela visa, na sua

atuação, a atingir escopos sociais, políticos e jurídicos. A pacificação é seu

escopo social por excelência, somando-se a ela a educação para o exercício dos

próprios direitos e respeito aos direitos alheios. O escopo político refere-se à

preservação do valor liberdade e à oferta de meios de participação nos destinos

da Nação e do Estado, além da preservação do ordenamento jurídico e da

autoridade deste; por fim, o escopo jurídico consiste na atuação da vontade

concreta do Direito que visa à paz social.23

Contudo, o Poder Judiciário vem encontrando dificuldades para cumprir

sua função, especialmente no que se refere à Justiça do Trabalho. Como citado

acima, os conflitos de interesses aumentam à medida que a sociedade cresce e

se inter-relaciona – as relações laborais que sempre tiveram um caráter

conflituoso, o qual, inclusive, deu origem ao próprio Direito do Trabalho, hoje,

apresentam conflitos muito peculiares que exigem uma estrutura adequada de

soluções.24

Todavia, o que se pode perceber é que o Poder Judiciário, especialmente

a Justiça do Trabalho, não acompanhou a evolução social e, hoje, não apresenta

uma estrutura capaz de solucionar todas as demandas que lhe pedem solução,

comprometendo sua eficiência e credibilidade frente aos cidadãos.25 Nas

palavras de Horácio Wanderlei RODRIGUES:

"A burocratização do Poder Judiciário, os longos prazos que transcorrem entre o ingresso em juízo e o resultado final dos processos e a inadequação de muitas de suas decisões aos valores sociais fazem com que, em muitos momentos, haja um sério questionamento de sua legitimidade e efetividade. [...] Para que haja

23 Neste sentido, CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 24. 24 "As relações entre esse dois personagens [capital e trabalho], alías, sempre foi complicada. Geraram grandes conflitos. Mas os conflitos sempre acabaram por provocar grandes mudanças. Os fundamentos do Direito do Trabalho sugiram no século XIX, quando se tentou eliminar os vícios do 'laissez faire'..." (ROMANO, Sylvia. A Morte da Justiça do Trabalho: Comissões de Conciliação. Campinas: Minelli, 2002, p. 58). 25 "A máquina da Justiça do Trabalho, como bem admitem seus dirigentes, além de obsoleta, está emperrada – esta afirmação já perdeu toda sua dramaticidade, porque há tempos virou lugar comum. Os fatos e os números também perderam dramaticidades, de tanto serem repetidos. Mas continuam trágicos. Os meios de comunicação freqüentemente mencionam que o tempo médio para o trâmite de uma causa trabalhista é de aproximadamente 8 anos. O número é aterrorizante, embora o país tenha se rendido a ele. O funcionamento da Justiça do Trabalho é uma tragédia, mas o país se acostumou a ela." (ROMANO, Sylvia. Op. cit., pp. 65 e 66).

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realmente a possibilidade da efetividade processual, faz-se necessário repensá-lo".26

Para resgatar a eficiência do Poder Judiciário, este mesmo autor sugere a

implantação de um programa de qualidade total, à semelhança do que ocorre

nas empresas da iniciativa privada através das chamadas "reengenharias" –

"metodologia voltada ao refazimento completo dos processos produtivos

arcaicos, obsoletos e onerosos, transformando em plenamente eficazes, com

melhorias drásticas, medidas pelos fatores de custos, qualidades e

atendimento", como forma de satisfazer o cliente: o jurisdicionado.27

Certamente a implantação de qualquer forma de melhoria, no desenvolvimento

da atividade Jurisdicional, é válida, mas isso não pode ser tomado como única

medida. Não basta o esforço dos servidores para a implantação de um

programa de qualidade total se, somado a ele, não estiver a injeção de recursos

financeiros e, quiçá, reformas mais profundas na própria organização Judiciária

e no processo.

A expressão "efetividade", no Dicionário, significa: "qualidade de

efetivo; atividade real; resultado verdadeiro; realidade; existência".28 Aplicada

ao contexto do Poder Judiciário, esta expressão resume o que dele se almeja:

que, no cumprimento de sua função, sejam empregados todos os esforços para

que esta se realize verdadeiramente, solucionando os conflitos dentro dos

parâmetros legais, observando as garantias constitucionalmente postas, de

forma acessível e tempestiva.29 Todavia, esta efetividade só pode ser alcançada

26 PINHEIRO, José Rodrigues. A Qualidade Total no Poder Judiciário. Porto Alegre: Sagra Luzzatto. 1997, pp. 57, 73 e 164. 27 "É imperioso que busquemos implantar programas de qualidade total no Judiciário, para que o nosso cliente principal, o cidadão, seja atendido no tempo oportuno, sem atropelos, sem que seja submetido a processos celeríssimo e de duvidosa constitucionalidade e, assim, satisfeito, certamente passará a defender a desnecessidade de qualquer mecanismo de controle externo. [...] Obviamente que, em se tratando de serviços forenses, existem regras impostas pela lei, das quais não podemos nos afastar, sob pena de perda completa do serviço, com a declaração de nulidade dos atos praticados. Entretanto, dentro dos limites legais, atendendo aos direitos das partes, existe uma considerável faixa de flexibilidade da forma como se praticam os atos do processo." (RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002, pp. 48 e 49). 28 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio. Versão Eletrônica. Multimídia, 2000, CD-ROM. 29 Neste sentido, SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque [coord.]. A Efetividade do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p. 44.

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dentro de uma organização que propicie sua concretização, como coloca

Wanderlei Horácio RODRIGUES:

"Sem a existência de um Judiciário independente, célere, devidamente aparelhado e com um corpo de pessoal técnico-administrativo e de magistrados altamente qualificados e bem remunerados, que seja realmente instrumento para o acesso à Justiça, não há possibilidade de efetividade do processo como instrumento de legítima atuação do Direito".30

A efetividade da distribuição da Justiça pelo Judiciário passou a sofrer

questionamentos mais incisivos nas últimas décadas e, não sem motivo31: estas

foram marcadas por profundas transformações em todos os setores da vida

humana. A revolução, nos meios de comunicação, a suavização de fronteiras, a

maior interdependência econômica dos países, os avanços da tecnologia, a

difusão das empresas transnacionais, a integração dos povos diante de um

mercado mundial são apenas alguns dos traços que caracterizam a era global

que se vivencia.32

Essas transformações vêm influenciando, significativamente, no fluxo de

demandas a serem examinadas pelo Poder Judiciário. A difusão de

informações, proporcionada pela revolução nos meios de comunicação, leva a

30 RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002, pp. 48 e 49. 31 José Eduardo Faria explica que os problemas referentes ao Poder Judiciário tornaram-se mais polêmicos nas últimas décadas, especialmente nos países da América Latina onde a industrialização acelerada provocou uma diferenciação sócio-econômica complexa e contraditória que levou à maior atuação de associações populares preocupadas não apenas com os conflitos clássicos da produção/distribuição de recursos e bens materiais, com uma conduta ativa destes novos movimentos e associações, enfatizando o envolvimento e a participação dos cidadãos a partir de valores comunitários, correndo paralelamente à ruptura da idéia de contrato e autonomia da vontade e ao desenvolvimento da crise estrutural das instituições governamentais. (Conforme FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito: os Juízes em Face dos Novos Movimentos Sociais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, pp. 11 e 12). 32 "Como numa simples e elementar operação matemática, representam as mais naturais das conseqüências oriundas de importantíssimas alterações globais, políticas, econômicas e sociais que se agitaram no final do milênio e passaram a retratar um mundo completamente novo e diverso daquele que nossos pais jamais supuseram ou sonharam. [...] Muitas razões colaboraram para o aparecimento do fenômeno da globalização, aparecido no final do milênio e expandindo-se vertiginosamente na primeira década do terceiro milênio. Há um fator histórico que desencadeou a crise atual, e que, está identicamente retratado dentro do Direito, pela dimensão estratosférica de enormes proporções. A eliminação da bipolaridade entre comunismo/socialismo e capitalismo é, sem dúvidas, responsável pela explosão social, política, racial, lingüística e religiosa, a qual, somada às grandes alterações da economia, mudam sua característica intrínseca." (ROMANO, Sylvia. A Morte da Justiça do Trabalho: Comissões de Conciliação. Campinas: Minelli, 2002, pp. 23 e 36).

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um número cada vez maior de pessoas o conhecimento de seus direitos33 – o

que é um dado positivo –, mas, auxilia, também, na formação de uma “cultura

de litigância” onde todos são convocados a “buscar seus direitos” numa

estrutura despreparada para efetivá-los. A estrutura familiar sofreu

significativas modificações tendo em vista, principalmente, a entrada da

mulher no mercado de trabalho, gerando conflitos a serem solucionados pelo

Judiciário.34 Com a abertura dos países ao mercado mundial e a expansão das

empresas transnacionais, a realidade empresarial sofreu consideráveis

impactos, especialmente, as empresas nacionais que têm que sobreviver em

meio ao um mundo de gigantes, superando crises de demanda, de tecnologia e

de recursos, estando mais sujeitas às crises e à inadimplência.35 O

reconhecimento de novos direitos difusos e coletivos tiveram por conseqüência

a maior atuação de organizações sociais – associações, sindicatos, ONGs de

forma geral – para sua defesa. A assistência judiciária às populações carentes

passou a fazer parte da pauta de discussões sociais das últimas décadas,

destacando-se o trabalho de instituições de ensino jurídico frente a escritórios

modelo, e a dispensa do advogado para o pleito de determinadas causas, a fim

de incentivar a aproximação do cidadão do Poder Judiciário.

No âmbito laboral, temos situações ainda mais específicas que levam à

reflexão sobre a explosão de litigiosidade: a crise das empresas, especialmente

33 "Os conflitos e processos judiciais cada vez mais vêm crescendo na Justiça do Trabalho. Se, por um lado, esta situação decorre de um maior esclarecimento dos trabalhadores sobre seus direitos, por outro lado, e isto é mais significativo, a causa do aumento de boa parte destes processos pode ser atribuída à situação mencionada, ou seja, legislação arcaica reguladora de relações de trabalho inseridas em uma realidade dinâmica e marcada por aceleradas e permanentes transformações tecnológicas, além da sua inadequação ao universo das mais variadas e díspares atividades econômicas e profissionais que a ela se pretendem submeter." (ROMANO, Sylvia. A Morte da Justiça do Trabalho: Comissões de Conciliação. Campinas: Minelli, 2002, p. 185). 34 "A integração das classes trabalhadoras (operariado e nova pequena burguesia) nos circuitos do consumo foi acompanhada e em parte causada pela integração da mulher no mercado de trabalho, tornada possível pela expansão da acumulação que caracterizou este período. Em conseqüência, o aumento de rendimentos familiares foi concomitante com mudanças radicais nos padrões do comportamento familiar (entre cônjuges e entre pais e filhos) e nas próprias estratégias matrimoniais, o que veio a constituir a base de uma acrescida conflitualidade familiar tornada socialmente mais visível e até mais aceite através das transformações do direito de família que entretanto se foram verificando. E esta foi uma causa do aumento do litígios judiciais." (SANTOS, Boaventura Sousa. Pela Mão de Alice: O Social e o Político na Pós-Modernidade. 10ª. ed., São Paulo: Cortez, 2005, p. 166) 35 Como citamos em outro estudo: DISSENHA, Leila Andressa. Sobrecarga de Processos na Justiça do Trabalho. In: Jornal do 45º. Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, pp. 60 -61.

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da micro e pequena empresa nacional, leva, num primeiro momento, à

necessidade de cortes de despesas que se dão, geralmente, através de duas

formas: as despedidas e/ou o aumento da cobrança de resultados. As

despedidas, no Brasil, são incentivadas pela ausência de um sistema de

estabilidade, de motivação destas, já que os custos para a rescisão de um

contrato de trabalho são relativamente baixos. Contudo, muitas empresas,

devido às dificuldades financeiras, não têm condições de adimplir, nem mesmo

as verbas rescisórias, deixando tal pagamento para ser feito em ação trabalhista

perante o Judiciário. A pressão por maiores resultados do trabalhador, por

outro lado, tem por conseqüência, tanto os acidentes de trabalho e doenças

ocupacionais decorrentes da sobrecarga de trabalho, quanto o fenômeno do

assédio moral, ambos cernes de demandas trabalhistas.36

Tem-se, também, de ser considerado, o fenômeno da precarização do

mercado de trabalho.37 A concorrência imposta pela nova ordem mundial

requer a máxima produção a custos mínimos, exigência que levou a introdução

de novos métodos de produção, cuja característica essencial é horizontalização

da empresa que passa a atuar através de empresas menores, nas quais está

36 "Vale notar que entre as reclamações trabalhistas há um volume cada vez maior de ações movidas por portadores de doenças profissionais que, demitidos, buscam a reintegração, pois que esta se torna, com a crescente falta de emprego, um meio do trabalhador continuar no setor formal. A reclamação trabalhista, por isso, está se tornando uma alternativa de renda, ou seja, uma versão improvisada de seguro-desemprego." (BARROS, Cássio Mesquita. A Regulação Da Arbitragem Trabalhista Brasileira. Disponível em <http://www.arbitragem.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). Sobre o tema do Assédio Moral: HASSON, Roland; VILLATORE, Marco Antônio César. [coord.]. Direito do Trabalho: Análise Crítica. Curitiba: Juruá, 2006, p. 147. 37 Neste sentido, SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica. Curitiba: Juruá, 2004. "Uma vasta rede de microempresários vem se formando. As pessoas, cada vez mais se tornam empresários de si mesmas. Ligam suas atividades às atividades de outros – ou mesmo a pequenos e médios empresários – como forma de escapar de complicações indesejáveis da legislação trabalhista. O fenômeno está nitidamente em expansão e é conhecido como 'terceirização'. Tanto empresários como trabalhadores têm buscado, de forma crescente, livrar-se da interferência do Estado em suas relações de trabalho por meio desse mecanismo." (ROMANO, Sylvia. A Morte da Justiça do Trabalho: Comissões de Conciliação. Campinas: Minelli, 2002, p. 61). "Impende observar, também, que o fenômeno da globalização da economia e a automatização dos métodos de produção têm provocado a segmentação da classe trabalhadora e profundas modificações nas relações de trabalho. É atualmente, bastante significativa a participação da mão de obra periférica ocupante de funções facilmente substituíveis ou em regime de emprego precário, no mercado de trabalho, tendência que se acentua com a terceirização de serviços. A arbitragem, dentro do atual contexto, revela ser o instrumento adequado para decidir os diferentes impasses decorrentes dessa nova realidade, cada vez mais distantes da nossa ultrapassada Consolidação das Leis do Trabalho e do congestionado Judiciário Trabalhista." (GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 87).

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formalizada a grande massa de empregados. Ocorre que o vínculo entre essas

empresas terceirizadas e a empresa central é muito tênue e "precário". Via de

regra, essas empresas têm como único ou principal contrato a prestação de

serviços à empresa central. No caso de rompimento do contrato, toda massa de

trabalhadores fica à mercê dos recursos da empresa terceirizada para receber

seus direitos, valendo-se do Poder Judiciário para receber suas verbas e, muitas

vezes, pleitear o vínculo com a empresa central – em razão de fraudes feitas no

intuito de escapar à imposição das obrigações trabalhistas. Em outras palavras:

eis mais uma fonte de litigiosidade.

É de se mencionar, igualmente, que mais da metade dos empregos no

Brasil está na informalidade – resultado, principalmente, dos altos encargos

sociais referentes ao contrato de trabalho no Brasil –, sendo a Justiça do

Trabalho a via procurada pelo (des)empregado informal para regularizar tal

situação e receber suas verbas de direito.38

Por fim, o Brasil enfrenta uma das mais sérias crises de desemprego já

vivenciadas.39 Essa crise, agravada pela má distribuição de renda a pelos

problemas econômicos já mencionados, faz com que o ajuizamento de uma

ação trabalhista represente uma esperança de alívio financeiro, na busca de

receber direitos inadimplidos durante o vínculo, que garantam subsistência até

que se consiga uma novo trabalho e, por conseqüência, outra fonte de renda,

como coloca João Luís Vieira TEIXEIRA, para quem está desempregado e

"...sem receber os últimos salários a que tinha direito, um salário mínimo, que seja, já é grande coisa, e pode garantir a sua subsistência até que consiga um

38 "O desemprego desempenha na informalidade um papel óbvio. Pais de família desempregados, pessoas desesperançadas, lançam-se à economia informal como o náufrago ao tronco de árvore. O tronco não salva o náufrago, mas permite-lhe continuar vivendo por algum tempo. [...] É sentimento comum no empresariado, faz mesmo parte do inconsciente coletivo do povo brasileiro, a idéia de que não é possível competir sem sonegar [...] Tributos e encargos inviabilizam qualquer negócio. O empresário honesto, consciente dos seus deveres, está fadado à concordata, à falência e ao fechamento de suas portas com desonra." (HASSON, Roland. Desemprego e Desproteção. Curitiba: Juruá, 2006, p. 75). "Os próprios trabalhadores, aos poucos, deixam de se sentir atraídos por salários formais, registrados na Carteira de Trabalho. É só fazer as contas: um trabalhador formal custa às empresas quase o dobro do valor que lhe é efetivamente pago. Os 'encargos' acabam estourando qualquer folha de pagamento." (ROMANO, Sylvia. A Morte da Justiça do Trabalho: Comissões de Conciliação. Campinas: Minelli, 2002, p. 61). 39 A taxa de desemprego, no Brasil, foi de 9,5% no mês de novembro de 2006. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 10 jan. 2007.

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novo emprego ou, quando menos, assegurar a alimentação e o sustento de sua família por mais alguns dias ou mesmo, semanas. Já se disse, com grande acerto, aliás, que a Justiça do Trabalho é uma Justiça de desempregados".40

Se por um lado o mundo laboral passou a reger-se por uma nova

orientação, adequada à realidade hi-tech que exige a sobrevivência e a

eficiência, mas que acaba desrespeitando direitos essenciais para alcançar estes

objetivos – gerando motivos de sobra para o desenvolvimento da chamada

"explosão de demandas" –, por outro, tem-se um Poder Judiciário que não

conseguiu acompanhar a evolução da sociedade e suas necessidades, defasado,

onde faltam recursos financeiros e humanos, além do que, a partir de um

processo lento, burocrático, eivado de procedimentos e recursos de eficácia

questionável, tenta-se distribuir a Justiça e promover a paz social. Como coloca

Iara Alves Pacheco CORDEIRO:

"O crescimento da população e do número de demandas, mormente numa sociedade de economia globalizada, superou qualquer tipo de incremento na organização do Poder Judiciário. Este não tem condições de oferecer a prestação jurisdicional de forma adequada, e a capacidade de aceitação das partes chegou ao limite".41

Diante disso, o Direito do Trabalho, da mesma forma que os demais

ramos do Direito, torna-se ineficaz ante a ausência de instrumentos capazes de

aplicá-lo, adequadamente, às demandas que requerem sua intervenção.

Vários são os problemas enfrentados pelo Judiciário, no cumprimento de

sua função pacificadora, mas um sobressai aos demais por atingir de forma

singular os jurisdicionados: a lentidão com que os conflitos são solucionados.42

Nas palavras de Zoraide Amaral SOUZA:

40 "Em virtude das atuais dificuldades por que passa o país, com os graves e preocupantes problemas de desemprego, má distribuição de renda, salários defasados, etc., o ajuizamento de uma ação trabalhista pode representar, para a maior parte da população, a única saída para um certo 'alívio' financeiro. [...] A Justiça do Trabalho é a tábua de salvação para grande parte dos trabalhadores pátrios. Logo, não é de se estranhar a celebração de transações, em processos judiciais, por valor muito inferior ao que seria devido ao trabalhador." (TEIXEIRA, João Luís Vieira. Comissões de Conciliação Prévia Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2003, p. 22). 41 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 16. 42 “O aspecto temporal, que está diretamente ligado à noção de processo, tem se constituído, há muito tempo, como um dos principais motivos de crise da justiça, já que a excessiva dilação temporal dos conflitos intersubjetivos, outra coisa não é do que a própria denegação da justiça.” (LIMA, Ênio Galarça. O Acesso à Justiça do Trabalho e Outros Estudos. São Paulo: LTr, 1994, p. 31).

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"Nos dias atuais, todos se encontram voltados para a busca de um caminho que permita ao cidadão exercer o seu direito, o direito de o Estado, no momento em que chamou para si a composição dos conflitos de interesse, solucioná-los em tempo hábil, sem delongas, pois a justiça demorada não é justiça, já que é ineficaz para todos aqueles que pretendem resolver seus litígios".43

A morosidade é motivo de descrédito para o Poder Judiciário44 e deve-se

a diversos fatores, mas, principalmente, a dois: a falta de estrutura para atender

ao grande número de demandas e o excessivo formalismo inerente ao processo,

meio pelo qual a Jurisdição procede à composição das lides. Não é sem causa

que a preocupação com esse problema refletiu na Reforma do Poder Judiciário,

trazida pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, que acrescentou ao artigo 5º. o

inciso LXXVIII, transformando em garantia fundamental o direito a todos, no

âmbito judicial e administrativo, da razoável duração do processo e dos meios

que garantam a celeridade de sua tramitação.45

O problema da falta de estrutura do Poder Judiciário á algo notório,

vivenciado dia-a-dia pelos profissionais do Direito e sentido pelos

jurisdicionados: a falta de instalações adequadas, planejadas para o

atendimento do volume de demandas locais; a ausência do número adequado

de serventuários para agilizar o atendimento e o andamento dos processos; a

falta de recursos financeiros que permitam a aquisição de materiais necessários

para o desenvolvimento da atividade.46 Todos são, ainda, características da

realidade de muitas Varas e Tribunais em todo País. Por mais boa vontade e

empenho que o Juiz e demais serventuários tenham para bem administrar a

43 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 21. 44 "A morosidade gera a descrença do povo na justiça; o cidadão se vê desestimulado de recorrer ao Poder Judiciário quando toma conhecimento da sua lentidão e dos males (angústias e sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela morosidade da litispendência." (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 3ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 36). 45 Neste sentido, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Atualizando uma Visão Didática da Arbitragem na Área Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 46 José PASTORE e Hélio ZYLBERSTAJN, em 1987, já se faziam a seguinte consideração: "Enquanto não emergem novos mecanismos de resolução de conflito, os juízes têm toda razão em reivindicar a duplicação ou triplicação da atual máquina judiciária, pois não só é exagerada a sua carga de trabalho, como também é injustificável tamanha lentidão na Justiça do Trabalho. Afinal, Justiça retardada é Justiça negada". (PASTORE, José.; ZYLBERSTAJN, Hélio. A Administração do Conflito Trabalhista no Brasil. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1987, p. 115).

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distribuição da Justiça, não é possível exigir resultados expressivos enquanto

não for administrado, primeiro, o caos da falta de recursos humanos e

financeiros frente à crescente demanda.

Por sua vez, a necessidade de formalidades no processo está ligada

diretamente à aplicação das garantias constitucionalmente postas, como a

legalidade, a imparcialidade, o contraditório e o devido processo legal.

Entretanto, o excesso de formalidades, somado a um número considerável de

recursos, sem dúvida toma tempo e influencia na efetividade do serviço

prestado.47 É preciso, portanto, encontrar o equilíbrio entre garantias

processuais e agilidade para tornar a Justiça tempestiva e eficaz.

Na Justiça do Trabalho, a lentidão leva a um caminho ainda mais

tortuoso: os "maus acordos", aqueles em que direitos – inclusive indisponíveis

– são mitigados face à necessidade do (des)empregado que não pode esperar

meses, ou até anos para ter suas verbas deferidas.

Assim, diante das colocações acima, não há outra conclusão senão a de

que a demora, na solução dos conflitos pela Justiça Laboral, acaba por

beneficiar a parte economicamente mais forte e, muitas vezes, devedora, já que

o trabalhador, diante da necessidade e sob o argumento da demora na

efetivação de seu direito, sucumbe ao acordo em valores significativamente

menores que os realmente devidos, quando não transige direitos indisponíveis,

47 Neste sentido, CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 26. "O processo tradicional - que se funda na soberania, ou poder incontrastável do Estado - impõe a solução do conflito. [...] Impõe os juízes o que as partes não escolhem. Com temor de erro de julgamento - o erro judiciário é um fantasma, sempre! - a própria Constituição cerca a Justiça estatal de garantias. Só se pode julgar pelo alegado e provado. E a prova deve ser lícita. Há que se obedecer aos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, com todos os recursos a ele inerentes, da igualdade das partes. O processo é, necessariamente, formal. Ora! As formalidades demoram, o processo necessariamente se alonga no tempo, o acesso à Justiça é retardado e... denegado." (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem - Conciliação - Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 49). Por outro lado, vale confrontar o seguinte posicionamento: "Não é razoável, admissível imaginar um processo que seja efetivo sem que haja respeito às regras sistêmicas disciplinadoras do iter processual. No domínio dos desatinos, o pior deles é conceber a possibilidade de, em prol de uma decisão rápida, atropelar todo os postulados informativos do processo que, mediata ou imediatamente, decorrem do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição). [...] Sem reverência ao devido processo legal não há como se falar em efetividade do processo." (SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque [coord.]. A Efetividade do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, p. 64).

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sem qualquer questionamento do Estado.48

Luiz Guilherme MARINONI acusa a falta de vontade política para

acabar com o problema da demora processual. Segundo ele, há interesses

escusos quanto à questão da lentidão do Judiciário. Nas suas palavras:

"Tal demora, segundo alguns, não seria meramente acidental, mas fruto de vários interesses, até mesmo o de limitar o afluxo de litígios ao Poder Judiciário. [...] Essa questão, obviamente, passa por uma dimensão muito mais profunda, ou seja, pela própria ideologia que permite que o Poder Judiciário seja o que é". 49

Estão relacionados à crise do Poder Judiciário, ainda, outros fatores que

merecem ser mencionados, como: a precariedade do ensino jurídico – que leva

à formação de Juízes e Advogados despreparados para enfrentar a realidade

48 "Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito." (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 20). "A morosidade do processo atinge muito mais de perto aqueles que possuem menos recursos. A lentidão processual pode ser convertida num custo econômico adicional, e este é proporcionalmente mais gravoso para os pobres. [...] A lentidão pode favorecer a parte economicamente mais forte em detrimento da menos favorecida; a demora da justiça pode pressionar os economicamente mais débeis a aceitar acordos nem sempre razoáveis. O que ocorre na justiça do trabalho é extremamente expressivo, já que, não raro, o trabalhador, por não poder suportar a espera daquilo que lhe é devido, aceita conciliar em condições favoráveis à parte reclamada." (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 35). "O Judiciário Trabalhista recebe mais de duas milhões de novas ações por ano, recepcionadas em 1.100 Juntas do Trabalho em todo o país. As audiências são designadas para quase um ano depois e a intervalos de cinco minutos. Quem já teve a experiência de percorrer os corredores da Justiça do Trabalho terá a impressão, no mínimo, que está num manicômio judiciário. Os acordos são alinhavados fora das salas de audiências, apregoados como em leilões, direitos são aquinhoados em cifras." (LEMES, Selma Ferreira. O Uso da Arbitragem nas Relações Trabalhistas. Disponível em <http://mundojuridico.com.br>. Acesso em: 20 dez. 2004). "Em muitas situações, o empregado não pode esperar o final do julgamento, pois, ao chegar a decisão, de nada servirá, ou porque já passou por tantas privações, anos e anos a fio, ou então porque já faleceu. Assim, é conduzido a assinar um acordo, em muitos casos, de montante bem inferior ao que, na realidade, teria direito a receber, e assim, as suas esperanças de acesso à justiça com uma prestação jurisdicional justa encerram-se ali mesmo, na sala de audiências, no momento em que assina o termo de acordo." (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 22). 49 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., pp. 32 e 33.

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forense50; o questionável número de recursos disponíveis às partes que, muitas

vezes, têm caráter inquestionavelmente protelatório; a prevalência do

procedimento ordinário, marcado pela burocracia e formalismo exacerbado; a

falta de repensar a própria Organização Judiciária, que poderia atender às

demandas de forma mais especializada e célere, se para isso fosse planejada; a

corrupção de membros que compõem o Poder Judiciário, denunciada

continuamente nos noticiários, que aumentam o descrédito e o desprestígio de

sua estrutura.51 Todos estes problemas levam à formação de um abismo, cada

vez maior, entre a Justiça e os jurisdicionados, como coloca Lídia Miranda de

Lima AMARAL:

"Certo é que a sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos processos, seu elevado custo, a burocratização da Justiça, dentre outros fatores, induzem à inevitável congestão das vias de acesso à Justiça e ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e seus usuários...".52

A Justiça intempestiva não é Justiça. Este é quase um consenso entre os

que se dedicam ao assunto: fazer o cidadão esperar anos para fazer valer seu

direito é o mesmo que negá-lo. A efetiva aplicação do Direito exige

imediatidade e, para que se realize, é necessário que o Poder Judiciário,

enquanto extensão do Poder Estatal, tome como questão de honra a

identificação e eliminação dos fatores que levam à lentidão na solução dos

50 "Outro aspecto a ser destacado [...] é a ausência de um conhecimento de melhor qualidade sobre o fenômeno jurídico, oriunda da má qualidade de ensino existente nas escolas de Direito, e que leva os magistrados, em diversos momentos, a agirem como servos da lei, omitindo-se ou encobrindo os conflitos existentes entre o Direito e os dogmas que efetivamente aplicam. Isso gera a ausência de respostas – a presença de respostas insuficientes ou equivocadas – por parte do Judiciário, a muitos dos conflitos existentes e emergentes. [...] Exemplo disso é a não utilização, por muitos juízes, de uma série de poderes que a legislação lhes confere e que serviriam como instrumentos de agilização dos processos." (RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 46). 51 "São apresentados como problemas estruturais e históricos ligados ao Poder Judiciário e que interferem diretamente na questão do acesso à justiça: a morosidade existente na prestação jurisdicional; a carência de recurso materiais e humanos; a centralização geográfica de suas instalações, dificultando o acesso de quem mora nas preferias; o cooperativismo de seus membros; a corrupção muitas vezes vigente entre os funcionários dos cartórios e os oficiais de justiça, bem como entre os próprios membros da magistratura; o nepotismo; a ausência de autonomia efetiva em relação ao Executivo e Legislativo; a inexistência de instrumentos de controle externo por parte da sociedade; a má qualidades da formação jurídico-dogmática e teórica de muitos magistrados." (RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. Op. cit.,p. 42). 52 AMARAL, Lídia Miranda de Lima. Mediação e Arbitragem: uma Solução para os Conflitos Trabalhistas no Brasil. São Paulo: LTr, 1994, p. 9.

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conflitos. Enquanto isso não acontece, faz-se necessário que estudantes,

juristas, advogados, promotores, procuradores, servidores, juízes e

jurisdicionados não se calem frente a esta situação e exijam uma atitude. O

silêncio leva à banalização do problema e acaba por justificar a inércia

daqueles que podem resolvê-lo.

Um exemplo da importância da reação diante da crise da administração

da Justiça foram as discussões desencadeadas, a partir da década de sessenta,

acerca do acesso à Justiça, responsável por grande parte das tentativas de

aperfeiçoamento do Poder Judiciário.53 O acesso à Justiça significa a ampla

possibilidade das pessoas reivindicarem seus direitos e solucionarem seus

litígios perante o Estado, de forma a que as decisões sejam justas, tanto sob a

ótica individual como social.54

No Estado Liberal, o acesso à Justiça não era uma preocupação, pois era

reconhecido como um direito natural que não necessitava de proteção Estatal.

Pela ideologia Liberal, todo cidadão tinha o direito de ingressar em juízo,

cabendo a ele, e somente a ele, arcar com os ônus decorrentes do exercício

desse direito, como colocam Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH:

"A justiça, como outros bens, no sistema do laissez faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva".55 A passividade do Estado resultava, assim, num "acesso formal, mas não

efetivo à Justiça", tal como a igualdade formal, utópica, que caracteriza o

Estado Liberal do laissez faire, laissez passer.56

53 "A expressão 'acesso à justiça' é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico - o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos." (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 8). 54 Conforme CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., pp. 31-37. 55 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 9. 56 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 28. "O liberalismo do século XVIII pregava um Estado alheio à área econômica, que, quando muito, seria árbitro nas disputas sociais, consubstanciado na frase clássica laissez faire, laissez passer, laissez aller." (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 19ª. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 39.)

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Com as transformações advindas do Welfare State, dotando os indivíduos

de novos direitos que precisam ser efetivados, a influência da filosofia marxista

e, até mesmo, das Encíclicas Papais, que contribuíram para o reconhecimentos

de novos direitos objetivos e impulsionaram conquistas sociais, o acesso à

Justiça passou a ser encarado pelo Estado com mais seriedade, fazendo com

que este adotasse uma postura mais ativa na sua defesa, orientada não mais

pela igualdade formal, mas pela igualdade material e efetiva.57

Boaventura Sousa SANTOS coloca que o problema do acesso à Justiça,

no âmbito mundial, não é uma discussão recente. Segundo ele, no princípio do

século XX, tanto na Áustria como na Alemanha, foi denunciada a discrepância

entre procura e oferta da Justiça, levando à reforma do processo civil austríaco

pelo Estado e à promoção dos centros de consulta jurídica pelos sindicatos

alemães. Foi após a segunda Guerra Mundial, entretanto, que a questão tomou

maiores proporções. Nas palavras do autor:

"A consagração constitucional de novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado-Providência transformou o direito ao acesso efectivo à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais".58

Diante deste quadro de discussões, o acesso à justiça passa a ser

considerado o direito por excelência, aquele, sem o qual todos os demais

direitos perdem sua razão de existir, como coloca Horácio Wanderlei

RODRIGUES:

"O direito ao acesso à Justiça, então, tem sido progressivamente reconhecido como sendo de vital importância numa sociedade democrática. Por meio dele há modos de controle de abusos e ilegalidades praticados pelo Estado. Não basta somente sua capitulação nos textos-base, pois perdem sentido os direitos se desprovida fica a população de meios para reivindicá-los".59

57 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 29. 58 SANTOS, Boaventura Sousa. Pela Mão De Alice: O Social e o Político na Pós-Modernidade. 10ª. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 167. 59 RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 63. "O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado com o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos." (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 12). Neste sentido, também, SOUZA, Zoraide Amaral. Op. cit., p. 29.

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O questionamento sobre a efetividade do Poder Judiciário, que no século

XX se consolida como principal instrumento de garantia da eficácia de direitos

fundamentais e de pacificação social, leva ao reconhecimento e à necessidade

de se eliminarem as diversas barreiras que impedem o ingresso dos cidadãos

em juízo.

Contatou-se que, para chegar ao processo, o meio de composição de sua

lide, o cidadão encontra barreiras econômicas, geográficas e burocráticas que

se traduzem nos custos judiciais, na falta de aparato judiciário disponível em

todos os recantos e na falta de recursos financeiros e humanos para o

aparelhamento do Judiciário.60

Posteriormente, essas reflexões levam à conclusão de que não basta

apenas eliminar essas barreiras, mas que, igualmente, é necessário dar amplas

condições ao cidadão de defender seus direitos adequadamente e possibilitar

que direitos antes não pleiteados, como os que envolvem pequenos valores e os

interesses difusos, encontrem uma via adequada para tanto. Nas palavras de

Antônio Carlos Araújo CINTRA e outros:

"Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo. […] O acesso à justiça é, pois, a idéia central a que converge toda a oferta constitucional e legal desses princípios e garantias".61

Muitas reformas advieram dessas reflexões sobre o acesso à Justiça,

como novos modelos de assistência judiciária, novas ações visando à defesa de

interesses de massa, novas estruturas para atender demandas de menor valor.

Reconhecem-se, porém, as limitações da eficácia das medidas instituídas

60 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 31. Neste mesmo sentido, Araújo Cintra e outros apontam quatro pontos sensíveis que constituem os óbices à efetividade do processo: a) a admissão ao processo que exige a eliminação de dificuldades econômicas e requer a oferta de assistência jurídica integral e gratuita, constitucionalmente garantida e a facilitação da defesa de interesses supra-individuais; b) o modo-de-ser do processo com o respeito, em seus atos, dos princípios do devido processo legal e do contraditório; c) a justiça das decisões que deve pautar a atuação do juiz ao apreciar a prova, enquadrar os fatos às normas e ao interpretar os textos de direito positivo; d) por fim, a utilidade das decisões, no sentido de dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter. (CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 34 - 35). 61 CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Op. cit., p. 26.

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visando ao maior acesso à Justiça.62 Tais reformas são, inquestionavelmente,

conquistas construídas a partir do desejo de tornar a Justiça algo ao alcance de

todos, mas, enquanto não houver uma estrutura adequada para sua realização,

os problemas do Judiciário continuarão a fazer parte da realidade da literatura

especializada, do dia-a-dia dos profissionais do Direito, das angústias do

jurisdicionado.

A preocupação com a eficiência do Poder Judiciário e a discussão sobre o

acesso à Justiça revelam-se, de forma clara, numa breve análise da evolução do

Direito Processual. Esta apresentou três fases metodológicas: na primeira,

consolidou sua independência em relação ao direito material; na segunda, dita

autonomista ou conceitual, afirmou sua autonomia científica; e hoje, encontra-

se na terceira fase, dita instrumentalista, cuja marca característica é a crítica, e

o objetivo consiste na ampliação do acesso à Justiça.63 Nesta fase, apresentam-

se as chamadas três "ondas renovatórias".64

62 "O fato de reconhecermos a importância dessas reformas não deve impedir-nos de enxergar os seus limites. Sua preocupação é basicamente encontrar representação efetiva para interesses antes não representados ou mal representados. O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. [...] Inicialmente, como já assinalamos, esse enfoque encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo alterações nas formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juizes quanto como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios. Esse enfoque, em suma, não receia inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de representação judicial." (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 12). 63 Conforme LORENTZ, Lutiana Nacur. Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2002, p. 21 e CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 42. "A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos." (CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Op. cit., p. 43). 64 "O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso - a primeira "onda" desse movimento novo - foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses "difusos", especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente "enfoque de acesso à justiça" porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo." (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit., p. 31).

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A primeira desas ondas consiste nos estudos para melhoria da assistência

judiciária aos necessitados, possibilitando a igualdade de todos no acesso à

Justiça, não permitindo que pela falta de conhecimento, de recursos, ou, até

mesmo, por temor, os cidadãos deixem de recorrer ao Judiciário. A segunda

onda refere-se à tutela de interesses supra-individuais, como mencionado

anteriormente.

Horácio Wanderlei RODRIGUES coloca que, no Brasil, as influências da

primeira "onda renovatória" podem ser percebidas no próprio texto da

Constituição de 1988, traduzindo-se na criação das defensorias públicas, na

elevação da Justiça gratuita à categoria de direito fundamental e na criação dos

juizados especiais para atender demandas de menor complexidade, ao dizer:

"Essas medidas demonstram a intenção do constituinte de resolver o histórico

problema da falta de acesso à Justiça das classes menos favorecidas, que, pela

impossibilidade do exercício dos seus direitos, se viam excluídas, na prática, da

cidadania garantida no papel".65

Jairo Lins de Albuquerque SENTO-SÉ, por sua vez, destaca a

abrangência, pela Constituição de 1988, de importantes instrumentos na defesa

de direitos coletivos e difusos, como a ação civil pública e a previsão de novas

atribuições ao Ministério Público, especialmente o Ministério Público do

Trabalho, no intuito de proteger interesses supra-individuais, seguindo, assim,

as influências da chamada segunda "onda renovatória".66

A terceira "onda renovatória", por fim, volta-se para o modo de ser do

processo, a busca de sua simplificação e racionalização.67 Esta onda, segundo

Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH, abrange, primordialmente, a questão

da utilização de mecanismos privados de solução de conflitos, como a

arbitragem, a mediação e demais meios apaziguadores de solução de

65 RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 72. 66 SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque [coord.]. A Efetividade do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1999, pp. 21 e 22. 67 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 22 e CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 43.

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conflitos.68

Neste contexto, tem-se o ressurgimento de meios alternativos para

solução dos conflitos, não para substituir a Jurisdição, mas cooperar na busca

da excelência na distribuição da Justiça.69 Contudo, a indispensabilidade do

Poder Judiciário, especialmente para a apreciação de questões mais complexas

e mesmo para garantir a observância dos ditames constitucionais, é algo

inquestionável. Nas palavras de Zoraide Amaral SOUZA:

"Verifica-se, pois, que os meios alternativos de composição devem ser praticados e privilegiados sem, no entanto, abrir mão da Justiça Estatal, a qual deve ser reservada para as questões em que se discutam situações que envolvam temas de alta indagação jurídica".70

A crise do Poder Judiciário, fato reconhecido em todo o mundo71, fez

nascer a necessidade de incentivar a criação e a implementação de meios

extrajudiciais de solução de conflitos capazes de garantir, de forma eficaz, a

pacificação social, como coloca Antônio Carlos Araújo CINTRA e outros:

"O extraordinário fortalecimento do Estado, ao qual se aliou a consciência de sua essencial função pacificadora, conduziu, a partir da já mencionada evolução do direito romano e ao longo dos séculos, à afirmação da quase absoluta

68 "Tal como foi enfatizado pelos modernos sociólogos, as partes que tendem a se envolver em determinado tipo de litígio também devem ser levadas em consideração. Elas podem ter um relacionamento prolongado e complexo, ou apenas contatos eventuais. Já foi sugerido que a mediação ou outros mecanismos de interferência apaziguadora são os métodos mais apropriados para preservar os relacionamentos. [...] É necessário, em suma, verificar o papel e importância dos diversos fatores e barreiras envolvidos, de modo a desenvolver instituições efetivas para enfrentá-los. O enfoque de acesso à Justiça pretende levar em conta todos esses fatores. Há um crescente reconhecimento da utilidade e mesmo da necessidade de tal enfoque no mundo atual." (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1998, p. 71). 69 "As conseqüências da morosidade e da dificuldade do acesso à Justiça vêm sendo o crescente desenvolvimento, por parte da sociedade civil, de formas alternativas de solução de conflitos, tanto sob a forma de verdadeiras instituições paralelas, especialmente nos locais em que a atuação do Estado não é muito efetiva, quanto pela utilização de procedimentos como a mediação e a arbitragem." (RODRIGUES, Horárcio Wanderlei [et. al]. O Terceiro Poder em Crise: Impasses e Saídas. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. pp. 9 e 10). 70 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 25. 71 Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 42: "A crise do Judiciário não é exclusiva do Brasil, mas um fato real em quase todos os países do globo. Isso fez com que o mundo, recentemente, percebesse a necessidade da criação e implementação de mecanismos judiciais e extrajudiciais, alternativos, mais eficazes de composição de litígios e pacificação social."

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exclusividade estatal no exercício dela. A autotutela é definida como crime, seja quando praticada pelo particular ("exercício arbitrário das próprias razões" art. 345 CP), seja pelo próprio Estado ("exercício arbitrário ou abuso de poder", art. 350). A própria autocomposição, que nada tem de anti-social, não vinha sendo particularmente estimulada pelo Estado. A arbitragem, que em alguns países é praticada mais intensamente e também no plano internacional, é praticamente desconhecida no Brasil, quando se trata de conflitos entre nacionais. Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista".72

Assim, torna-se evidente que a Jurisdição, embora seja a forma

prevalentemente utilizada para a busca de soluções de conflitos, não é a única

capaz de fazê-lo, uma vez que outras formas se mostram eficazes nesse intento.

As pessoas despertam para a capacidade de solucionar seus conflitos sem a

necessidade de intervenção direta do Estado.73

Assim, diante deste contexto, visa este trabalho a analisar uma das

principais alternativas extrajudiciais na busca da racionalização da distribuição

da Justiça: a arbitragem.74 Almeja-se destacar seus principais aspectos

históricos, legislativos e práticos, além de ressaltar suas possibilidades de

sucesso ou insucesso como meio capaz de cumprir a função pacificadora, tão

necessária à sociedade.

72 CINTRA, Antônio Carlos Araújo [et al.]. Teoria Geral do Processo. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 26. 73 "O Judiciário, hoje, é um reflexo da crise social, não podendo ele funcionar como rendentor. As pessoas devem começar a se conscientizar sobre o potencial que têm, elas próprias, de pacificamente chegarem a um consenso em relação aos seus conflitos, antes de invocarem o Judiciário." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 101). 74 "No âmbito da arbitragem trabalhista vislumbramos uma vasta planície, recheada de peculiaridades e de conceitos arraigados que precisam ser repensados, para que possamos ampliar e aperfeiçoar nosso deficiente leque de opções de solução de conflitos. [...] É absolutamente impossível ignorar a atual avalanche de processos trabalhistas que congestiona a Justiça do Trabalho e menos ainda supor que seria razoável ampliar sua estrutura para absorver as 6.000 mil novas ações que diariamente batem às suas portas. É preciso privilegiar os meios de autocomposição, favorecendo o instituto da transação extrajudicial no âmbito trabalhista, e propiciar a solução dos conflitos através dos parceiros sociais, através da arbitragem pactuada em normas coletivas." (GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 97).

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38

3 Conflitos e Alternativas

3.1 O Conflito Trabalhista

A relação capital/trabalho, como mencionado acima, sempre foi marcada

por uma grande tensão, por uma estrutura desigual, que mereceu a proteção do

Direito sob uma forma específica e requer um sistema de solução para seus

conflitos que considere sua peculiaridade.

Não sem razão, o artigo 170 da Constituição de 1988 fixou como

fundamentos da Ordem Econômica Nacional a "livre iniciativa" e a

"valorização do trabalho humano". Um expressa o princípio básico da atividade

empresarial e do capitalismo e, o outro, representa o trabalho, elemento

essencial da dignidade humana, cuja valorização foi colocada meta a ser

atingida no desenvolvimento da atividade econômica.75

75 "A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil." (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 762). "Em nosso texto constitucional podemos inferir, claramente, que a valorização do trabalho humano decorre do imperativo de emprestar dignidade ao homem. Ambos podem ser tipificados como princípios políticos constitucionalmente conformadores, espelhando, de um lado, a opção ideológica eleita para o Estado e, de outro, apontado as metas que devem ser seguidas pelas políticas públicas no campo do trabalho." (SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A Valorização do Trabalho como Princípio Constitucional da Ordem Econômica. Curitiba: Juruá, 2004, p. 141). "Escolheu, o legislador, as pedras básicas sobre as quais se apoiaria a República e o Estado Democrático de Direito. Dentre outras, buscou na dignidade da pessoa e nos valores sociais do trabalho, a Pedra entre as pedras. Aquela que seria a pedra angular de toda a construção. Percebe-se que uma não vive sem a outra. O entrelaçamento é evidente. A dignidade da pessoa está intimamente ligada aos valores sociais do trabalho. Pode-se afirmar que o legislador pretendeu dizer que a pessoa só tem dignidade, quando estiver de posse do trabalho e dos valores a ele inerentes." (FINATI, Claudio Roberto. O Valor social do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região,1996, p. 29).

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O conflito trabalhista advindo dessa relação capital/trabalho, pedra

angular da Atividade Econômica, requer uma solução condizente com a

magnitude dos interesses que gravitam ao seu redor, ou melhor, uma solução

que considere suas peculiaridades e reconheça seus valores essenciais.

O conflito trabalhista apresenta, via de regra, duas partes desiguais: uma

detentora de uma estrutura onde concilia fatores de produção para a elaboração

de um resultado final que se almeja positivo; outra, isolada ou como um

elemento de sua categoria, integra um destes fatores manipulados pela outra

parte para a realização de sua atividade. Separam-nas, não só fatores

econômicos, como também fatores culturais e, quase sempre, o conflito

trabalhista traz, em sua essência, uma reivindicação, cujas causas, via de regra,

são as constantes transformações sociais e econômicas que interferem no

equilíbrio da relação trabalhista, gerando novas necessidades e interesses para

as partes, exigindo adequação à nova realidade.76

Os dissídios trabalhistas podem ser individuais – aqueles que tem por

objeto interesses concretos de pessoas determinadas, sejam eles simples ou

plúrimos -, ou coletivos, cujo objeto consiste em interesses abstratos de pessoas

indeterminadas, que integram o grupo representado diante do conflito ou que

venham a fazer parte deste grupo na vigência do instrumento jurídico que o

solucionar.

O dissídio coletivo, ainda, pode ser de interesse, quando visa à criação ou

revisão de norma ou condição de trabalho, ou de direitos, quando visa à

interpretação de norma legal, regulamentar ou convencional, aplicável ao

grupo e sobre a qual haja controvérsia.77

Tendo em vista as peculiaridades que envolvem os conflitos laborais, é

possível indagar: qual seria a melhor forma de solucioná-los? Diante da

evidência de que a Jurisdição não é capaz de solucionar a todos os conflitos

dessa natureza com a eficiência necessária, como foi exposto no Capítulo

anterior, torna-se imprescindível cogitar alternativas.

76 MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 14. 77 Conforme SÜSSEKIND, Arnaldo. Tribunais do Trabalho no Direito Comparado e no Brasil. Revista do TST, v. 65, n. 1, 1999, p. 115.

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40

3.2 Principais Meios Alternativos de Solução de Conflit os

Existem diversas formas de solução de conflitos trabalhistas, que

admitem inúmeras classificações. Por uma questão de didática, este estudo

adota a classificação apresentada por Amauri Mascaro NASCIMENTO,

segundo a qual os conflitos são solucionados através da autodefesa, da

autocomposição e da heterocomposição.78

Na autodefesa, as próprias partes defendem seus direitos - numa

referência aos tempos primitivos –, sendo que o conflito só será solucionado

quando uma parte ceder à imposição da outra.79 A greve é citada como exemplo

desse meio, apesar de ser, hoje, considerada, mais um meio de pressão que de

solução.80

Na autocomposição, as partes chegam à solução sem interferência de um

terceiro, podendo ser unilateral – quando uma parte renuncia sua pretensão –,

ou bilateral, – quando ocorre a transação através de concessões recíprocas das

partes.81

No Direito do Trabalho, têm-se, como exemplos de formas

autocompositivas de solução de conflitos, os acordos e as convenções coletivas

através da negociação coletiva.82

Por fim, há a heterocomposição, quando a solução advém da

interferência direta de um terceiro, como na mediação, na arbitragem e na

jurisdição.

78 Muitas são as classificações apresentadas, assim, mister se faz adotar apenas uma a fim de permitir uma abordagem mais clara e simplificada do assunto, sem desmerecer, por obvio, os demais entendimentos a respeito. (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 21ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 3). 79 "Trata-se da forma mais primitiva, em que o conflito é solucionado pela imposição de uma das partes à outra. Um dos litigantes consente no sacrifício do seu próprio interesse ou impõe o sacrifício do interesse alheio. Hoje a autotutela, em regra, é proibida, sendo substituída pela autoridade do Estado, que define como crime o "exercício arbitrário das próprias razões", consoante o art. 345 do Código Penal." (PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 12). 80 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 72. Também o lock-out é citado, sendo, hoje, proibido no ordenamento brasileiro. 81 MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 18; MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., p. 72. 82 MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., p. 73.

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41

Nas últimas duas décadas, em razão de reformas legislativas decorrentes

do contexto cultural, apresentado no Capítulo anterior, com as necessárias

"ondas renovatórias", dois meios de solução de conflitos ganharam evidente

destaque: a conciliação e a mediação. Estas passaram a populariza-se, sendo

incentivadas, inclusive, pelo próprio Poder Judiciário, como se poderá observar

adiante.

Assim, antes de adentrar-se ao tema da arbitragem laboral, é válido

destacar alguns dos principais aspectos desses procedimentos e suas

implicações na solução dos conflitos trabalhistas, a fim de diferenciá-los e

ressaltar sua importância para o desenvolvimento de um novo paradigma na

solução desses conflitos.

3.2.1 Conciliação

Presente desde as Ordenações Portuguesas83, a conciliação, atualmente, é

exaltada como uma das melhores formas de solução de conflitos em todos os

ramos do Direito, como coloca Iara Alves Pacheco CORDEIRO:84

"Na concepção moderna de processo, a utilização da conciliação prévia, mormente a judicial, é valorizada, visto que com ela tem-se melhor possibilidade de alcançar a paz social ou harmonia entre as partes, o que normalmente não acontece com uma decisão imposta".85

Trata-se de um meio informal, no qual existe um terceiro atuando como

um elo entre as partes e o litígio, na intenção de levá-las a um entendimento,

identificando o problema e possíveis soluções. O conciliador é um terceiro que

apenas aproxima as partes, possibilitando a elas chegar à conciliação, como

83 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 13. 84 Cite-se, com exemplo, a implantação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais que têm como um dos seus princípios a conciliação. 85 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Op. cit., p. 13.

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explica Sergio Pinto MARTINS: "Coordena o conciliador as tratativas, ouve e

ajuda as partes, mas não faz propostas." 86

Zoraide Amaral de SOUZA aponta como principais qualidades do

conciliador a independência, a imparcialidade, a dedicação, o conhecimento do

sistema de relações de trabalho, a compreensão da atividade na qual esteja

atuando e a capacidade para valorar as informações que lhe são transmitidas

pelas partes.87

A vantagem do procedimento conciliatório, conduzido por alguém que

possua as qualidades antes descritas, está na possibilidade de viabilizar a

negociação entre as partes que se sentirão capazes de encontrar uma solução

para o seu conflito de interesses. Uma conciliação bem conduzida é capaz de

potencializar a capacidade de negociação das partes.88

A conciliação pode ser judicial ou extrajudicial. O legislador brasileiro

privilegiou a conciliação, especialmente a judicial, o que vem sendo recebido

com entusiasmo por muitos.89

A CLT prevê a conciliação em vários artigos90, e no curso do processo

impõe a tentativa dela em dois momentos: antes da contestação e após as

razões finais.91

A própria Constituição estabelece no artigo 114 a competência da Justiça

do Trabalho para tentar a conciliação.

A conciliação pode resultar na renúncia ou transação, cabendo ao juiz

indeferir o acordo pretendido, caso este atente contra preceitos de ordem

pública.92

86 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 73. 87 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 60. 88 SOUZA, Zoraide Amaral. Op. cit., p. 60. 89 "Não resta dúvida, portanto, de que no processo judicial trabalhista impera o princípio da conciliabilidade, o que só merece aplausos, já que as relações entre os cidadãos, mesmo que estes estejam em campos aparentemente opostos, deverão percorrer uma trilha que os leve a um acordo e não a uma demanda, necessitando que um terceiro por eles solucione problemas que, em muitos casos, são tão pequenos que sem um esforço maior podem lograr solução amigável." (SOUZA, Zoraide Amaral. Op. cit., p. 199). 90 Cite-se, como exemplos, os artigos 764, 846 e 850 da CLT. 91 A natureza jurídica da conciliação obrigatória prevista na CLT é, de certa forma, questionável se seria ela, realmente, uma modalidade de conciliação ou um instituto peculiar, em razão da forma com que é imposta às partes a sua tentiva e pela ausência de liberdade para que estas escolham o conciliador. 92 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 14.

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O Poder Judiciário vem sendo o principal incentivador da conciliação nos

conflitos trabalhistas. Exemplo disso é o "Movimento pela Conciliação"

promovido pelo Conselho Nacional de Justiça. Tal Movimento foi lançado em

23 de agosto de 2006 visando à divulgação, fortalecimento e aprimoramento do

instituto. Sob o lema "Conciliar é legal" o Movimento visou a conscientizar

cidadãos e operadores do Direito das vantagens do diálogo como forma de

redução dos conflitos litigiosos. No dia 8 de dezembro, Dia Nacional da

Conciliação – e Dia da Justiça –, foram realizadas, no Estado do Paraná, nas

Varas do Trabalho do TRT da 9ª. Região, 1550 audiências que resultaram em

830 acordos. Além das audiências, foram realizados painéis de debate voltados

à difusão do instituto.93

Embora apresente vantagens significativas, a conciliação também é

passível de críticas, especialmente, quando envolve direitos trabalhistas.

Ocorre que, na conciliação, via de regra, direitos disponíveis e indisponíveis

são renunciados ou transacionados sem que haja qualquer questionamento por

parte do Poder Judiciário, o qual, inclusive, homologa-o nos casos de

conciliação judicial.

Da conciliação pode resultar um "mau acordo" no qual o trabalhador

receba valor consideravelmente inferior ao que realmente tem direito, ou,

ainda, no qual a empresa pague valor que não deve para não ter que sustentar

uma demanda judicial. Essa realidade, agravada diante da realidade precária do

Poder Judiciário, no qual uma demanda trabalhista pode levar anos para ser

solucionada, é severamente criticada Jorge Souto MAIOR.

Segundo o autor, embora a conciliação seja um bom meio de solução de

conflitos, na realidade laboral, onde a maioria das ações trabalhistas visa ao

recebimento de verbas rescisórias, o acordo significa que o trabalhador

receberá menos do que lhe é devido e, o pior, dando quitação geral de tudo

quanto possa decorrer do contrato de trabalho. Nas palavras do autor:

"A homologação de um acordo em tais condições desmerece o processo como técnica de solução justa de conflitos, aniquila o direito do trabalho e com ele a já abalada dignidade do trabalhador, incentiva essa prática por certos

93 Conforme dados do site <http://www.trt9.gov.br>. Acesso em 10 dez. 2006.

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empregadores, desmerece o bom empregador, que busca, às vezes a duras penas, cumprir as obrigações trabalhistas e desacredita o Judiciário".94

3.2.1.1

Comissões de Conciliação Prévia

As Comissões de Conciliação Prévia surgiram com a Lei nº. 9.958/00,

acrescentando os artigos 625-A a 625-H à CLT e autorizando a criação das

mesmas. Como coloca Valentin CARRION, essa Lei representa uma resposta

aos anseios dos operadores do Direito e uma tentativa de diminuir o número de

demandas no Judiciário, através da solução destas pela conciliação ainda no

âmbito da empresa ou do sindicato.95

As Comissões de Conciliação Prévia visam, conforme Altamiro J. dos

SANTOS, a estabelecer um novo paradigma de comportamento para a solução

pacífica entre trabalhador-empregador, permitindo a conviviologia, que,

segundo o autor, é:

"...o bem-estar e harmonia social em suas relações nas dimensões da vida pessoal, familiar, econômica, social, cultural e científica. Objetivam prevenir controvérsias perante o Poder Judiciário do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, reservando-os para conflitos de maior complexidade...".96

94 "Não nego que a conciliação possa ser uma boa solução para um conflito, mas tudo depende do tipo do conflito. Na nossa realidade, mais da metade das reclamações trabalhistas tem origem do interesse do ex-empregado em receber suas verbas rescisórias, para dar entrada no seguro-desemprego e levantar o FGTS, pois seu ex-empregador é um dos muitos que adotou a prática disseminada de somente acertar as contas do trabalhador na futura reclamação trabalhista por este movida. Ora, fazer um acordo na justiça do trabalho sobre tais verbas pressupõe receber menos do que é direito líquido e certo do trabalhador e ainda com o efeito perverso de dar quitação de tudo o que demais possa decorrer do contrato de trabalho." (SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Arbitragem em Conflitos do Trabalho: a Experiência Mundial. Revista Síntese Trabalhista, n. 157, jul. 2002, p. 143). 95 "A inovação legal já é anseio de muito tempo e objetiva desafogar a Justiça do Trabalho, emprestado maior celeridade à solução dos conflitos sociais, antes mesmo de serem trazidos aos órgãos jurisdicionais, seguindo a sistemática já adotada pela CF/88, art. 114, para os dissídios coletivos." (CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 29ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 471). 96 SANTOS, Altamiro J. dos. Comissão de Conciliação Prévia: Conviviologia Jurídica e Harmonia Social. São Paulo: LTr, 2001, pp. 11 e 165: "O instituto da conciliação prévia trabalhista exerce nobre função social ao possibilitar prevenir conflitos ou controvérsias jurídicas que normalmente produzem um ambiente de hostilidade animosidade entre os sujeitos da relação de emprego, alcançando todas as dimensões da vida de cada um deles.

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45

Como coloca Arnaldo SUSSEKIND, as Comissões de Conciliação Prévia

"se justificam pela possibilidade de solução rápida e consensual da divergência,

sem o acirramento de ânimos que uma contenda judicial naturalmente provoca.

Por efeito decorrencial, contribui para desafogar a máquina judiciária".97

As empresas e sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação com

composição paritária, formada por representantes dos empregados e dos

empregadores.98

Os conciliadores e demais membros da Comissão devem adotar técnicas

para favorecer o diálogo entre as partes, cumprindo seu papel com observância

da clareza, objetividade, lealdade e segurança com relação às partes. Sua

conduta será fundamental para o sucesso ou insucesso da tentativa de

conciliação.99

Cabe ao conciliador100 criar um ambiente livre de animosidade, favorável

ao diálogo e ao entendimento, e isso deverá iniciar na sua própria atitude

97 SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1316. 98 "São compostas por representantes dos empregados e dos empregadores; no âmbito de empresa, terão, no mínimo, dois e, no máximo, dez membros, metade indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, fiscalizado pelo sindicato da categoria profissional; haverá tantos suplentes quantos forem os representantes titulares. O mandato de seus membros é de um ano, permitida uma recondução. É vedada a dispensa dos representantes de empregados, membros da Comissão, titulares e suplentes, até um ano após o final do mandato, salvo se cometerem falta grave." (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 29ª. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 621). 99 "O conciliador e demais membros integrantes da Comissão de Conciliação Prévia Trabalhista devem adotar técnicas e princípios que possam servir de bússola para apontar o rumo mais adequado em cada quadro fático ou caso concreto para favorecer maior sucesso nas metas desejadas às partes figurantes e destinatárias do resultado que se quer alcançar. A arte do diálogo entre os agentes produtivos do binômio trabalho-capital deve ser cultivada para vender desafios. O princípio básico é falar pouco e dizer bastante com inteligência. Deve-se, outrossim, tratar das pessoas com clareza, lealdade, objetividade, criatividade e segurança. O mesmo princípio reitor é aplicável entre os interlocutores sociais da relação conciliatória." (SANTOS, Altamiro J. dos. Comissão de Conciliação Prévia: Conviviologia Jurídica e Harmonia Social. São Paulo: LTr, 2001, p. 179). 100 "O conciliador como ser humano é titular de uma personalidade, sentimento e emoções que devem ser alinhados à função que exerce como mediador das partes. Estas devem encontrar um ambiente favorável ao diálogo, à conviviologia e harmonia com os interesses que serão objeto de discussão e solução. Certamente, a figura do conciliador poderá influir decisivamente no resultado final. Se ele produzir um ambiente de hostilidade, animosidade emocional, agressividades ou desrespeitosos, sem a menor dúvida o resultado será o reflexo do ambiente objetivamente. Entretanto, se ele criar, desde o início, um ambiente respeitoso, com firme equilíbrio emocional urbanidade, segurança, observando a dignidade de todos os protagonistas que se encontrem no mesmo local da audiência extrajudicial, certamente o resultado será positivo e com sucesso." (SANTOS, Altamiro J. dos. Comissão de Conciliação Prévia: Conviviologia Jurídica e Harmonia Social. São Paulo: LTr, 2001, p. 179).

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46

perante as partes, que será pautada no respeito, equilíbrio emocional e

urbanidade.

Embora sua constituição não seja obrigatória, uma vez constituída,

conforme o artigo 625-D da CLT, a passagem por ela é obrigatória antes do

ajuizamento da demanda no Judiciário. Diante dessa obrigatoriedade, tem-se

uma nova condição da ação, fato que gerou grande controvérsia sobre a

constitucionalidade da Lei.101

O artigo 5º., XXXV, da Constituição, garante o acesso ao Judiciário.

Argumenta-se que a obrigatoriedade da passagem pela Comissão seria uma

barreira imposta àquele que deseja ajuizar sua demanda. Diante disso, há quem

defenda a inconstitucionalidade por violação do princípio da inafastabilidade

do Poder Judiciário, como Jorge Souto MAIOR e Lutiana Nacur LORENTZ.

Neste sentido, os autores defendem que a apresentação do conflito

perante a Comissão de Conciliação Prévia não é condição da ação, pois, se

fosse, estaria violando os termos do art. 5º., XXXV, da Constituição. Assim,

colocam que o trabalhador não está obrigado a passar pela tentativa de

conciliação perante a Comissão para interpor sua ação trabalhista. 102

Por outro lado, João de Lima TEIXEIRA FILHO e Zoraide Amaral

SOUZA, por exemplo, defendem a constitucionalidade da Lei, reconhecendo

na obrigatoriedade de passagem pela tentativa de conciliação perante a

Comissão uma condição da ação peculiar à ação trabalhista, da mesma forma

que a negociação coletiva é pressuposto para a interposição do dissídio

coletivo. Nas palavras de João de Lima TEIXEIRA FILHO, esse

condicionamento "é razoável, não afrontando a garantia de inafastabilidade do

101 Conforme MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 78. 102 "Souto Maior é um dos poucos doutrinadores que pensa que a apresentação da lide perante as CCP's tanto não é condição de ação, porque a lei assim não estipulou, quanto se fosse considerada como condição de ação, seria inconstitucional, em face dos claros termos do art. 5º, inc. XXXV, da Constituição do Brasil de 1988. Este autor defende que o empregado não está obrigado a apresentar primeiro sua lide diante das CCP's, para, só depois, poder recorrer à Justiça do Trabalho. Caso as partes queiram recorrer diretamente perante a Justiça do Trabalho, apesar de existir CCP's na localidade onde o empregado trabalha, elas podem fazê-lo. Este trabalho concorda com este doutrinador..." (LORENTZ, Lutiana Nacur. Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2002, p. 78).

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Judiciário, cujo comprometimento pressupõe exacerbações para o exercício do

direito público subjetivo, inocorrentes neste caso, a nosso juízo".103

Altamiro J. dos SANTOS defende que nem mesmo há a obrigatoriedade

de levar a demanda à Comissão. Para ele, a melhor interpretação dos artigos

625-A e 625D da CLT é a de que há a faculdade ou a opção de os sujeitos da

relação de emprego recorrerem à Comissão de Conciliação Prévia. Caso

contrário, se a ausência de passagem levasse à exclusão da apreciação pelo

Poder Judiciário da lesão ou ameaça a direito, a constitucionalidade da

disposição legal seria questionável. Destaca que as partes não estão, de forma

alguma, obrigadas a proceder à conciliação e que, a própria instituição da

Comissão é uma faculdade das empresas e sindicatos. Nas palavras do autor:

"...a interpretação a se dar deve ser mesmo a de faculdade na utilização da Comissão de Conciliação Prévia, por atenção ao princípio instituído no inciso XXXV do art. 5º. Constitucional, que prevê claramente que 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ao ameaça de direito'". 104

Fica dispensada a passagem pela Comissão de Conciliação Prévia em

caso de inexistência desta no âmbito da empresa ou do sindicato e por motivo

relevante a ser indicado.

As Comissões de Conciliação Prévia podem ser instituídas, na empresa,

no sindicato, por grupos de empresas ou ter caráter intersindical.105

A Comissão analisará a postulação relativa à relação de emprego, sendo

que a demanda pode ser formulada por escrito ou reduzida a termo, não sendo

obrigatória a presença de advogado.

103 "O art. 625-D da CLT não afronta a garantia constitucional de acesso do cidadão ao Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF). O exaurimento prévio da via conciliatória, timidamente posto nos parágrafos do citado artigo, constitui autêntica condição da ação, como tal entendido o conjunto de requisitos que a ação deve atender para que o Estado-Juiz nela profira uma sentença de mérito. As condições da ação podem ser genéricas e específicas. As primeiras, comuns a todas as ações, consistem na possibilidade jurídica do pedido, na legitimidade das partes e no interesse processual (art. 267, VI, do CPC). As segundas são peculiares ao tipo de ação. Assim como a negociação coletiva é pressuposto específico do dissídio coletivo, a tentativa prévia de conciliação, onde instituída a Comissão, é requisito particular da ação trabalhista, individual ou plúrima." (SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1320). 104 SANTOS, Altamiro J. dos. Comissão de Conciliação Prévia: Conviviologia Jurídica e Harmonia Social. São Paulo: LTr, 2001, pp. 242 e 243. 105 Conforme PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 115.

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Conforme o disposto no artigo 625-F da CLT, o prazo para a realização

da sessão de tentativa de conciliação é de dez dias da provocação do

interessado. Caso esse prazo se esgote sem a realização da sessão, deverá ser

fornecida declaração para que o interessado possa ajuizar a ação trabalhista.

Aceita a conciliação, será lavrado um termo que se torna título executivo

extrajudicial e com eficácia liberatória geral, salvo com relação às parcelas

expressamente ressalvadas, de acordo com o artigo 625-E da CLT.106

A informalidade e a presteza devem ser a tônica do funcionamento da

Comissão. O termo de conciliação ou de sua tentativa frustrada é o toque de

formalismo necessário em razão dos efeitos decorrenciais: a) comprovação do

exaurimento da instância prévia perante o Judiciário, para evitar extinção da

ação sem julgamento de mérito; b) execução do título executivo extrajudicial;

c) aferição dos limites da quitação.107

Conforme o artigo 625-G da CLT, o prazo prescricional suspende-se a

partir da provocação da Comissão, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a

partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo de dez

dias.

3.2.2 Mediação

A mediação é o processo pelo qual um terceiro aproxima as partes e

conduz as negociações, a fim de que aquelas encontrem a melhor solução para

o seu conflito. Nas palavras de João de Lima TEIXEIRA FILHO:

"A medição é o processo dinâmico de convergência induzida ao entendimento. Visa à progressiva redução do espaço faltante para o atingimento do ponto de

106 Esta previsão legal é importante para o estudo dos princípios da indisponibilidade e irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, uma vez que, dada a quitação em razão do acordo – que nada mais é do que a renúncia ou transação de direitos - não poderá o trabalhador pleitear qualquer verba decorrente daquele contrato de trabalho, salvo as expressamente ressalvadas. Trata-se de uma previsão legal que evidencia a fragilização dos princípios acima mencionados. 107 SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1320.

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equilíbrio em torno do qual o consenso das partes se perfaz, livrando-as do impasse ou retirando-as da posição de conflito".108

Lutiana Nacur LORENTZ destaca que a figura principal deste processo é

o mediador, cuja maior virtude é a condução do diálogo109, dependendo da sua

forma de agir o êxito ou fracasso do procedimento. Diversamente do

conciliador, o mediador tem uma intervenção mais ativa em relação ao

conflito. Também não possui semelhança com o árbitro, ou com o juiz, já que

estes impõem uma decisão, enquanto o mediador apenas propicia às partes as

condições necessárias para que cheguem à melhor solução, conduzindo as

negociações.110

O mediador, como profissional do conflito, deve ter a sensibilidade

necessária para aproximar as partes e instigá-las ao diálogo e à ponderação,

como coloca Áureo SIMÕES JÚNIOR:

"...como profissional do conflito, tem que conhecer essas realidades humanas e aproveitar-se para tentar como um terceiro facilitador, instrumentalizar um crescimento, alterar e clarear os entendimentos, clarificar as emoções e a compreensão".111

A mediação, via de regra, é extrajudicial. Trata-se de um procedimento

pacífico e não adversarial, voluntário, informal, onde não importa ganhar ou

perder a demanda, mas estabelecer soluções que possam atender

satisfatoriamente às necessidades de cada parte.112

108 SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1185. 109 Conforme LORENTZ, Lutiana Nacur. Métodos Extrajudiciais de Solução de Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2002, p. 35. 110 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 62. 111 SIMÕES JÚNIOR, Áureo. Curso de Formação de Mediadores. Curitiba: SESCAP-PR, 2000, p. 8. Em sua obra, o autor trata especialmente da necessidade do mediador trabalhar com as emoções, observando, inclusive, expressões faciais e corporais, aperfeiçoamento das formas de comunicação além de um brevíssimo código de ética voltado ao bom desempenho da atividade e ao aprimoramento da credibilidade do instituto. 112 "A mediação é conduzida por um terceiro, estranho às tratativas interrompidas. Sua atribuição é mover as partes da posição em que se encontram, fazendo-as afunilar para uma proposta aceitável. Para tanto, as tentativas formuladas pelo mediador de eliminação da distância que separa as partes, são despojadas de efeito vinculante sobre os mediados e decorrentes da evolutividade própria do processo. Esses características tornam o mecanismo extremamente flexível e de fácil redirecionamento." (SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1185).

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Apresenta por principais características a privacidade, a economia

financeira e de tempo, a oralidade, a busca da reaproximação das partes e a

autonomia das decisões - já que a decisão tomada pelas partes perante o

mediador não precisa de homologação judicial para ter validade. A principal

vantagem da mediação é que, da mesma forma que os demais meios

autocompositivos, ela soluciona o conflito entre as partes e também contribui

para que estas retornem ao convívio harmônico – o que dificilmente ocorreria

após submeterem-se a uma disputa judicial.113

O artigo 616 da CLT dispõe que o Delegado Regional do Trabalho pode

ser mediador nos conflitos coletivos, tendo o poder de convocar as partes, a fim

de que compareçam à mesa-redonda para tentativa de negociação e

possibilidade de acordo.114

A mediação115, na negociação coletiva, possuía suas regras no Decreto

nº. 1.572/95. Em 2001 foi publicada a Lei nº. 10.192, na tentativa de prevenir o

113 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Op. cit., pp. 62 e 70: "A arbitragem rege-se pelo princípios da necessidade e do interesse dos participantes envolvidos no conflito, da imparcialidade, confidenciliadade, autodeterminação e voluntariedade." 114 "Essa mediação não é obrigatória para a propositura do dissídio coletivo. Obrigatória é a tentativa de conciliação. A Portaria nº 3.097, de 17-5-88, estabelece as regras para a mediação. A função mediadora nas negociações será exercida pelos Delegados Regionais do Trabalho, que poderão delegá-la a servidor do Ministério do Trabalho, mesmo no curso das negociações. As partes que requisitarem a mediação o farão por escrito, em duas vias, indicando a pauta a ser discutida. A mediação será feita pelo órgão do Ministério do Trabalho em relação a interesses coletivos de categorias ou de empregados de uma ou mais empresas. Após autuado o pedido, será expedida notificação postal aos interessados com a designação do dia, hora e local para a reunião conciliatória. Na ocorrência de greve, a convocação será feita de ofício tão logo o Delegado Regional do Trabalho tome conhecimento do fato. O sindicato será re-presentado na reunião por seu presidente ou por diretores e a empresa por seu titular, diretor ou preposto com plenos poderes para negociar, inclusive por advogados." (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 75). 115 "O Decreto n° 1.572, de 28-7-1995, estabeleceu regras sobre a mediação na negocia-ção coletiva de natureza trabalhista. O art. 2° declina que o mediador poderá ser escolhido pelas partes. Quando não houver a escolha, as partes poderão solicitar, ao Ministério do Trabalho, a designação de mediador [...] A parte que se considerar sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio, participar de negociação direta, poderá, desde logo, solicitar ao Ministério do Trabalho a designação do mediador, que convocará a outra parte. O mediador poderá ser uma pessoa cadastrada no Ministério do Trabalho, desde que as partes concordem quanto ao pagamento de honorários do referi-do profissional ou servidor do quadro do Ministério do Trabalho, em que não haverá ônus para as partes. A indicação do mediador será feita pelo Delegado Regional do Trabalho, quando se tratar de negociação de âmbito local ou regional, ou pelo Secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, na hipótese da negociação ser de âmbito nacional. [...] O mediador designado terá o prazo máximo de 30 dias para a conclusão do processo de negociação, salvo acordo expresso com as partes interessadas." (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 76.)

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ajuizamento de dissídio coletivo, prevendo, no seu artigo 11, que, frustrada a

negociação entre as partes, promovida diretamente ou através do mediador,

poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo, podendo as partes solicitar ao

Ministério do Trabalho e Emprego a designação de um mediador. Este terá o

prazo de 30 dias, a partir de sua designação, para finalização dos trabalhos,

salvo acordo com as partes.116

3.2.3 Negociação Coletiva

A negociação coletiva, em todos os níveis, é vista de modo positivo pela

Organização Internacional do Trabalho, pelas vantagens que pode trazer às

partes litigantes, reduzindo a incidência de greves e confrontos:117

"Uma negociação bem conduzida produz resultados equilibrados e estáveis, porque saem as partes satisfeitas com suas conquistas, e, se preciso for reabri-las, o espírito e os bons resultados da primeira negociação tendem, naturalmente, a gerar uma ambiente favorável a novos desfechos exitosos".118

Todavia, o êxito da negociação coletiva119 requer a participação de

sindicatos fortes, cientes da importância de sua atuação, preparados para

116 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 217. 117 A greve apresenta-se em algumas classificações como meio de solução de conflitos. Entretanto, há uma tendência em considerá-la mais como meio de pressão. Conforme MARTINS, Sérgio Pinto. Op. cit., p. 72. 118 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Negociações Coletivas. São Paulo: LTr, 1994, p. 161. 119 "As negociações têm tudo de um processo de elaboração normativa. Há um poder normativo dos grupos. É o poder de criar normas e condições de trabalho que serão obrigatórias em todo o grupo. Trata-se de um procedimento de auto-elaboração normativa. Esse aspecto revela, particularmente, toda a importância das relações coletivas de trabalho, na medida em que desempenha um papel instrumental, contratual, coletivo, do grupo, vinculado, mediante enlaces jurídicos reconhecidos pelo ordenamento de cada país, os sujeitos coletivos pactuantes. [...] As convenções coletivas de trabalho devem ser valorizadas porque, entre outras razões, cumprem, efetivamente, uma função econômica como meio de distribuição de riquezas numa economia crescente ou um meio de concessões sindicais, numa época de crise. Cumprem, também, uma função social, de garantia de participação dos trabalhadores no processo de decisão empresarial sobre interesses que dizem respeito aos assalariados e que, sem a participação destes, seriam resolvidos à margem da esfera sindical. Cumprem, ainda, uma função jurídica, como técnica de composição de conflitos coletivos e de criação de vínculos normativos destinados a reger direitos e deveres de empregados e empregadores." (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 29ª. ed., São Paulo: LTr, 2003, pp. 531 e 536).

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celebrar acordos capazes de oferecer soluções eficientes para os conflitos

presentes e medidas de prevenção para conflitos futuros.

Feita esta explicação inicial, passa-se a uma análise mais apurada dos

principais aspectos da arbitragem, meio alternativo de solução de conflitos,

objeto deste estudo.

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4 Arbitragem

4.1 Breve Relato Histórico

Considera-se essencial a apresentação de um estudo histórico, ainda que

breve, para melhor esclarecer o entendimento de determinados institutos e

também para apontar os novos rumos de sua evolução. Isso se justifica porque,

como esclarece Carlos MAXIMILIANO:

"Direito não se inventa, é um produto lento da evolução, adaptado ao meio; com acompanhar o desenvolvimento desta, descobrir a origem e as transformações históricas de um instituto, obtém-se alguma luz para compreender bem".120

Como citado no início deste estudo, a humanidade experimentou diversas

formas de solução de conflitos. Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR classifica-as

como: "a autotutela, o arbitramento facultativo, o arbitramento obrigatório e a

justiça pública", as quais serão detalhadas adiante.121

A Arbitragem é a primeira forma heterônoma de solução de conflitos,

sendo anterior à Jurisdição Estatal, sucedendo a autotutela, significando um

considerável avanço em relação a esta.

A solução do conflito era confiada a uma terceira pessoa que buscava

fazer Justiça de acordo com suas convicções pessoais, como coloca Zoraide

Amaral de SOUZA:

"A figura do árbitro ou o sistema arbitral foi tendo lugar, por meio da liderança, seja por laços sangüíneos, seja pela supremacia física ou intelectual. [...] O árbitro, ao decidir, não se detinha em outro ideal, que é o da segurança. Não havia um sistema prévio e compulsório de normas de conduta. Tentava-se, apenas, fazer justiça de acordo com as convicções do árbitro".122

120 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 137. 121 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 25. 122 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 43.

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A origem da arbitragem é tema bastante controvertido. Há os que a

remetem à Mitologia Grega123 e os que destacam sua utilização em 3000 a.C.

entre cidades-estado da Babilônia;124 outros, porém, defendem que a

arbitragem teria surgido na Grécia Antiga,125 enquanto outros colocam que a

primeira manifestação do instituto da arbitragem ter-se-ia dado na Roma

Antiga.126

O Hebreus e Egípcios teriam utilizado a arbitragem para solucionar

litígios de direito privado através dos chamados "doutores da lei" – três árbitros

com qualificações técnicas para solucionar os mais diversos litígios.127

Também na Assíria e em Kheta a arbitragem teria sido utilizada.128

Paulo FURTADO informa que, no Direito Grego, há registros da

utilização da arbitragem e, até mesmo, da existência de tribunais arbitrais, aos

quais cabia a solução de conflitos entre cidades gregas. Nas palavras do autor:

"No Direito Grego, os contenedores podiam submeter suas controvérsias a árbitros privados e se tem notícia de que a alguns tribunais (ligas enfitônicas) era reservada competência para dirimir conflitos entre cidades gregas, como verdadeiros juízes arbitrais, distintos dos então chamados árbitros públicos".129

123 Conforme FURTADO, Paulo. Juízo Arbitral. 2ª. ed., Salvador: Nova Alvorada, 1995, p. 48; e MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 24. "É, pois, a arbitragem instituto tão antigo, que na mitologia grega, já encontra-se o lendário Páris, filho de Príamo e Hácuba, no monte Ida, funcionando como árbitro entre Atena, Hera e Afrodite, que disputavam a maçã de outro destinada pelos Deuses à mais bela." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 7.) 124 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 38. 125 Neste sentido, MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 21. 126 "A arbitragem teria tido sua primeira manifestação na Roma antiga, tendo vigorado como única forma de solução de conflitos até a implantação do processo extraordinário. Possuía regras especiais, destacando-se duas espécies de processo: legis actiones e a per formulas ou processo formular. [...] O que diferencia, basicamente, a legis actiones do per formulas é que a primeira era um processo rígido, formalista e legalista, enquanto que o segundo dava ao julgador poder para decidir por equidade, daí porque este foi paulatinamente substituindo aquela." (MORGADO, Isabele Jacob. Op. cit., p. 25). "O instituto que ora analisamos, o juízo arbitral, de tamanha importância, encontrou não só na prática como na legislação e, em especial no Digesto, disposição expressa, sob a epígrafe de 'De receptis' (Liv. IV, Tit. 8; Cod. Liv. II, Tit. 55)." (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 52.) 127 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 8. 128 MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., p. 21. 129 FURTADO, Paulo. Op. cit., p. 48.

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Segundo Tânia Lobo MUNIZ, a arbitragem seria um reflexo da religião

grega, já que a própria Mitologia fazia referência ao uso desse instituto, que

teria evoluído, a princípio, dentro dos limites de cada cidade e, posteriormente,

ter-se-ia estendido aos costumes, leis e tratados firmados entre as cidades

gregas. A unidade de crença religiosa – Mitologia – teria sido fator

preponderante para o desenvolvimento do instituto entre as cidades gregas,

expandido-o, juntamente com a expansão de suas fronteiras, através de

contratos e tratados, sendo que seu prestígio permaneceu mesmo após a

instituição do julgamento por juízes togados, como coloca a referida autora:

"No decorrer da história grega, mesmo depois da criação e aperfeiçoamento do julgamento por juízes togados, árbitros públicos instituídos pelos Poder Público, a arbitragem particular não perdeu sua força, coexistindo com a jurisdição estatal e persistindo até o século II antes de Cristo, quando da dominação romana".130

Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO também destaca a

importância da unidade de raça, tradição e cultura como elemento propulsor da

arbitragem na Grécia Antiga e cita, como exemplo, o Tratado de 445 a.C., entre

Atenas e Esparta, o qual continha cláusula compromissória expressa,

remetendo as partes à utilização da arbitragem em caso de disputa. Segundo a

autora, nas cidades-estado, havia a figura do árbitro que decidia o conflito de

forma sucinta pelo "sim" ou "não", tendo a faculdade de julgar por eqüidade,

distanciando-se da figura do juiz por estar este vinculado ao julgamento

conforme a lei. O Sistema Judiciário de Atenas e demais Repúblicas Helênicas

foi modificado por Péricles que transferiu o poder judicante do Aerópago

(Tribunal Supremo de Atenas) para os Arcontes (membros) da Heliaea (Cortes

Populares), o que diminui a rapidez com que eram solucionados os conflitos.

Diante disso, surgiu a figura da arbitragem interna, sendo os árbitros escolhidos

por sorteio para proceder à tentativa de conciliação prévia e posterior

julgamento na ausência de acordo ou apenas para proceder ao julgamento,

cabendo às partes, em quaisquer dos casos, recorrer às Cortes Populares.131

130 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 22. 131 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 8.

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Walter Vieira do NASCIMENTO coloca que "no sistema grego,

evidentemente mais evoluído, prevalecia o princípio de que, para intentar a

ação, era necessário que o litígio já tivesse sido apreciado por um árbitro".132

Segundo Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR foi em Roma que o instituto

consolidou-se, pois Roma teria conhecido "as quatro fases evolutivas dos

mecanismos empregados para a solução dos conflitos": convivendo com a fase

de Talião, que caracterizou a vingança privada; permitindo a solução de

conflitos através de árbitros; desenvolvendo os sistemas das legis actions e per

formulas que caracteriza a terceira fase, e, por fim, apresentando o sistema da

cognitio extraordinaria, encerrando a quarta fase.133

A fase arbitral estava presente no sistema da legis actiones, que é

contemporânea à Lei das XII Tábuas e vigorou por toda a República. Como

coloca Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO, nesta fase ainda era

prevalente o repúdio a qualquer ingerência do Estado, sendo pequena a

participação deste na esfera de liberdades individuais – a Justiça era privada,

vigorando o caráter contratual – ; entretanto, já havia a possibilidade de o

Estado impor soluções aos conflitos que lhe eram apresentados através da legis

actiones.134 Tal sistema tinha por principal característica o formalismo. O

processo se desenvolvia inicialmente perante um tribunal, onde o magistrado

organizava seus atos preliminares (in iure); após, o processo era encaminhado

ao um cidadão comum que, como um juiz privado, proferia a sentença (apud

iudicem).135

132 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. 8ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 143. 133 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 25. 134 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 9. 135 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Op. cit., p. 26. "A instância começava pela citação do réu, promovida pessoalmente pelo autor. Em seguida, sob pena de nulidade, o autor, por si mesmo, formulava sua pretensão perante o magistrado, empregando as palavras apropriadas. O réu podia confessar ou, simplesmente, não se defender, quando o processo não chegava a se concretizar, concedendo o magistrado o direito. Se o réu contestasse, o processo in iure se encerrava, e a causa era entregue pelo magistrado ao particular escolhido pelas partes. Iniciava-se aí o processo apud iudicem, quando, então, era proferida sentença pelo particular, denominado iudex, arbiter, recuperator ou tribunal permanente, dependendo da natureza da causa. Prolatada a sentença, o autor deveria providenciar-lhe a execução, muitas vezes de forma violenta, e sobre a pessoa do réu." (FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 67).

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A arbitragem surge como uma extensão dos poderes do juiz. Surgido o

conflito, as partes o levavam para o pretor (magistrado, in iure), podendo

celebrar compromisso em que levavam a causa a um terceiro de sua confiança

(o árbitro); este recebe o encargo de decidir a causa do pretor, formando a

litiscontestatio e finalizando a primeira fase (in iure); a segunda fase (apud

iudicem) se desenvolvia perante o árbitro, que conhecia e decidia a

controvérsia. A ordo iudiciorum privatorum – ordem dos processos privados –

desenvolvia-se, portanto, em dois estágios: um perante o magistrado ou pretor,

cônsul, edil, ou seja, o indivíduo revestido de imperium; outro perante o árbitro

ou iudex escolhido em uma lista de nomes de cidadãos comuns idôneos que

julgavam livres de fórmulas, pronunciando um julgado sem caráter público,

cabendo às partes estabelecerem penas pecuniárias pelo seu

descumprimento.136

Cabe ressaltar a diferença entre o iudex, o arbiter, o recuperador e os

tribunais permanentes,137 presentes na segunda fase do processo romano: o juiz

(iudex) era um jurado, um particular convocado para julgar um caso

determinado, geralmente, escolhido pelas partes; o árbitro, arbiter, que podia

ser uma ou mais pessoas, era encarregado de decidir determinada questão – o

juiz era sempre singular, mas, os árbitros, poderiam ser vários; recuperadores

eram juizes, em número de três ou cinco que decidiam, principalmente,

questões entre romanos e estrangeiros – aos recuperadores cabia, através do

tratado de paz, instituir uma jurisdição especial a fim de recuperar os bens

tombados pelo inimigo; os tribunais permanentes, por sua vez, eram

136 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 9 e 10: "O processo das legis actionis reunia três características principais: a) era judiciário, pois desenvolvia-se primeiro perante o magistrado e depois perante o árbitro; b) era legal, porque regulamentado em lei e não como os antigos processos do Direito pretoriano baseados em costumes; c) formalista, pois se assentava em solenidades rígidas. Havia até a história do jurisconsulto Gaio, onde alguém teria perdido a ação por ter empregado a palavra videira no lugar de árvore, como prescrevia a lei, muito embora se tratasse especificamente de uma videira." 137 Conforme CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. 14ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, pp. 409 e 410 e FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 65. "Com o avanço do Império Romano, por grandes territórios, surgiram novas e complexas relações jurídicas, cujas soluções não mais se comportavam nos acanhados limites das legis actiones. Aboliram-se, por isso, as ações da lei ficando o magistrado autorizado a conceder fórmulas de ações que fossem aptas a compor toda e qualquer lide que se lhe apresentasse." (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, 32ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 10).

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responsáveis por decidir uma categoria de processos, diferenciando-se dos

demais por não se dedicarem a um caso determinado. Assim, pode-se concluir

que em Roma existiam diversas espécies de julgadores, conforme a categorias

de conflitos a serem solucionados.

O formalismo exacerbado do processo das "ações da lei" foi o principal

motivo que levou a busca de um novo tipo de processo. Assim, surgiu o per

formulas, permitindo o julgamento por eqüidade, aplicado inicialmente àqueles

que não tinham legitimidade para usar a legis actiones ou os que não

encontravam tutela para a matéria de seu interesse nesta.138 Neste processo

ainda era decisiva a presença do árbitro, já que se mantinha a bipartição do

processo (in iure e apud iudicem). Nas palavras de César FIUZA:

"As partes, como na fase anterior [...] expõem ao magistrado suas pretensões. Este redige fórmula, em que descreve o caso, apontando o devido procedimento. As partes, em seguida, elegem particular como árbitro, assinando acordo nesse sentido (litis contestatio). Aí se encerra o processo in iure. A fórmula é, então, entregue ao árbitro, iniciando-se o processo apud iudicem".139

Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO informa que, nesta fase,

a Compilação de Justiniano atribuiu eficácia aos compromissos ratificados sob

juramento, pelas partes e pelo árbitro, dando caráter obrigatório aos

pronunciamentos deste. Contudo, em razão de abusos provocados pela

corrupção e ignorância dos árbitros, Justiniano acabou proibindo o

compromisso sob juramento, voltando-se ao sistema anterior quanto à eficácia

dos pronunciamentos.140

Vítor Barboza LENZA explica, também, que o desenvolvimento da

arbitragem foi favorecido em Roma, especialmente, quando das dominações e

conquistas territoriais, pois diante da recusa de sujeição dos dominados às leis

dos dominadores, era preferível recorrer-se à intervenção de terceiros para

138 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 26. 139 FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 68: "Devido, principalmente, ao formalismo cego, o processo das legis actiones vai sendo paulatinamente substituído pelo processo formular. Não se pode precisar data para seu surgimento, mas supõe-se que tenha começado a se delinear, mais ou menos, um século antes de Cristo, concretizando-se com as Leges Iuliae, promulgadas no tempo de Augusto, em 17 a.C., ou seja, no início do Alto Império que começara, há pouco, em 27 a.C. Essas leis revogaram definitivamente as antigas legis actiones". 140 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 11.

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dirimir os conflitos existentes.141 Tânia Lobo MUNIZ corrobora esta afirmação

colocando que a política imperialista de Roma permitia a manutenção dos usos

e costumes dos povos dominados e, como a arbitragem já fazia parte da

tradição grega, teve continuidade e foi aperfeiçoada pelas normas do Direito

Romano. Nas palavras da autora:

"A contribuição romana para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do instituto se deve, em relação à arbitragem entre particulares, principalmente à política romana e ao desenvolvimento do comércio entre os povos que compunham o Império".142

A arbitragem só perdeu seu espaço em Roma com o surgimento do

processo extraordinário em fins da República, o cognitio extra ordinem, no

século III d. C, o qual encerra as duas estâncias anteriores, desenvolvendo-se o

processo somente perante o órgão Estatal, cabendo ao pretor o conhecimento

do mérito dos litígios e prolação de sentença.143 Tinha por características a

redução do formalismo, o incremento à participação estatal e a conseqüente

diminuição da intervenção das partes.144 A partir de então, a distribuição da

Justiça passa a ser identificada com a figura do Estado, como coloca Moacyr

Amaral SANTOS, o cognitio extra ordinem representa:

141 "A arbitragem, entendida como meio de composição de litígios, é anterior à jurisdição pública, e esse instituto era bastante utilizado em tempos remotos das dominações territoriais pela conquista, pois os dominados se recusavam à sujeição às leis dos dominadores e, assim, socorriam-se de terceiros para que se dirimissem seus conflitos, dando lugar à caracterização da arbitragem consensual. Desta forma, até a implantação dos processo extraordinário, entre os romanos, eram eleitos os árbitros para resolver os litígios das partes..." (LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 8). 142 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 22. 143 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 11. 144 "Ao iniciar o período do Principado, aparece um novo tipo de processo, chamado de cognitio extra ordinem, diferenciando-se das anteriores formas de processo ordinário, denominadas ordo iudiciorum privatorum; que se tornou, após a idade pós-clássica a única forma de processo civil romano. Suas principais características são o abandono do formalismo residual do processo formular e o incremento à participação estatal, com relativa abolição da separação das duas fases, diminuição da intervenção das partes e redução da defesa privada." (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 27.) "Como vimos, a ordem era a existência de duas instâncias. A primeira, in iure, presidida pelo magistrado; a segunda, apud iudicem ou in iudicio, presidida por árbitro particular. O processo extraordinário não respeitava essa ordem, daí seu nome, extra ordinem, ou seja, além da ordem, fora da ordem. Nele não havia mais duas instâncias. O processo romano perde, então, seu caráter arbitral, privado, tornando-o público, pois o próprio magistrado decidia as pendências." (FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 69).

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"...atribuição pelo governo imperial das funções judiciárias a funcionários do Estado, aos quais incumbia, por solicitação dos interessados, presidir e dirigir o processo, desde a sua instauração, proferindo a sentença e dando-lhe execução. Resulta, portanto, da criação do juiz oficial, em substituição do juiz privado do procedimento formulário".145

Como coloca Vítor Barboza LENZA, este sistema foi utilizado por

séculos, sendo aperfeiçoado a partir de 1789, com a Revolução Francesa,

quando recebeu os princípios da ampla defesa, da publicidade dos atos judiciais

e da igualdade aplicada ao contraditório, os quais vigoram até os dias atuais.146

Porém, é inegável a influência da arbitragem no processo civil Romano diante

do papel significativo e preponderante que exerceu, até então, na solução dos

litígios.147

Embora tendo sua importância suprimida, a arbitragem era ainda

utilizada através do compromisso – a convenção das partes sobre a

possibilidade de levarem seus conflitos para serem decididos por um árbitro. O

compromisso não tinha força obrigatória, por isso, recorria-se à formalização

de um contrato – stipulatio – ou à utilização de uma pena convencional.148

Com a queda do Império Romano do Ocidente e o início da Idade Média

tem-se uma nova fase no desenvolvimento do instituto da arbitragem. O

Judiciário sofreu os reflexos, tanto da queda do Império Romano quanto da

145 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. vol. I, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 43. 146 LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 7. 147 Neste sentido SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 15. 148 "O compromisso - compromissum - era, assim, no sistema romano, um dos modos de pôr fim às contestações jurídicas. Apesar disso, como não passava de um simples pacto, as obrigações dele oriundas consideravam-se naturais, a não ser que as partes lhes dessem força de obrigação civil, imprimindo à convenção o caráter de contrato. [...] Como dizíamos, para dar ao compromisso caráter de contrato, portando, de obrigação civil, poder-se-ia revesti-lo com a roupagem de estipulação - stipulatio. [...] Mas esse procedimento era pouco utilizado, em virtude do caráter ambíguo e impreciso da prestação. Recorria-se, habitualmente, à pena convencional - stipulatio poenae - que as partes deviam pagar, no caso de não cumprirem as obrigações decorrentes do compromisso. [...] Todavia, Jutiniano reputou útil criar meio direto de execução, para o caso de haver sentença validamente prolatada, após compromisso. Publicou, para tanto, duas constituições imperiais, em virtude das quais a parte vencedora podia pleitear, por meio da in factum actio ou condicio ex lege, a execução do julgamento arbitral, se estivesse assinado por ambas as partes, ou se não fosse contestado, nos dez dias que seguiam seu pronunciamento." (FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, pp. 70 – 72).

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ascensão da Igreja Católica.149 A distribuição da Justiça passou às mãos dessa

poderosa organização e dos Senhores Feudais, com base em normas do antigo

Direito Romano e do Direito Bárbaro. O instituto da arbitragem foi robustecido

com a Idade Média, especialmente a arbitragem internacional, em razão da

requisição dos Países ao Papado para solucionar conflitos.150 Como coloca Joel

Dias FIGUEIRA JÚNIOR:

"...a Idade Média está repleta de casos de arbitragem entre cavaleiros, entre barões, entre proprietários feudais e entre soberanos distintos, além de ter surgido nesta mesma época a arbitragem comercial [...] Merece ainda registro a prática da arbitragem no seio da Igreja".151

Mais tarde, tem-se o desenvolvimento do Comércio e das corporações de

mercadores, exercendo uma jurisdição própria, através de cônsules dos

comerciantes, eleitos em assembléia, que alcançava seus membros e demais

pessoas que a buscavam em razão da credibilidade de seus componentes.152

Como destaca Cezar FIUZA, tais corporações eram juízos arbitrais, instituições

de caráter privado que faziam suas próprias leis e as aplicavam. Enquanto o

Poder Estatal se encontrava "enfraquecido, incapaz de oferecer prestação

jurisdicional, eficiente e justa, a própria sociedade buscou alternativas,

surgindo, assim, as corporações. [...] São verdadeiras instâncias arbitrais com

traços herdados diretamente do Direito Romano com o juramento dos cônsules,

149 "A Idade Média foi um período de grande sucesso da arbitragem. Ela já vinha difundindo-se entre os cristãos com a participação, de forma acentuada, da Igreja Católica. A influência da Igreja devia-se tanto à sua ingerência nas questões dos Estados e soberanos, quanto aos tratados que lhe davam tal poder ou, até mesmo, aos decretos dos suseranos que reconheciam aos enviados, ou representantes do Papa, o direito de atuarem como árbitros para resolverem litígios públicos ou particulares nas mais variadas formas de solução de controvérsias (entre soberanos, sobre questões de território, de sobre partilha, parentesco, tutela etc.)." (MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 23). 150 Conforme FURTADO, Paulo. Juízo Arbitral. 2ª. ed., Salvador: Nova Alvorada, 1995, p. 49. 151 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 30. 152 "Nas relações comerciais, que não conhecem fronteiras, os comerciantes passaram a utilizar a arbitragem por ser um meio rápido, ante a possibilidade da aplicação dos usos e costumes comerciais, mais confiável, por ser julgado por um terceiro escolhidos pelas partes, e informal, uma vez que o árbitro não se prendia nem aos procedimentos legais, nem às leis pessoais das partes envolvidas, fator de grande relevância diante da característica do sistema personalista que funcionava à época, pelo qual, na existência de pendências, a parte invocava a sua lei pessoal, sendo obrigado o juiz togado a aplicá-la, causando transtornos pela dificuldade e demora no julgamento dos litígios." (MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., p. 24).

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à semelhança dos editos dos magistrados."153 Cristiane Maria Henrichs de

Souza COUTINHO, acerca deste tema, informa a presença marcante da

arbitragem, no comércio, nas feiras e nos tribunais marítimos locais, instalados

nos portos, como as Guildas, no século XIV, que promoviam a arbitragem

entre os negociantes a ela filiados.154

Grande também foi a contribuição do Direito Canônico para o seu

desenvolvimento. Neste sentido, a opinião de Zoraide Amaral SOUZA:

"Com relação à Igreja Medieval, a prática da arbitragem representava a força espiritual de toda uma época e era mais compatível com a organização eclesiástica. [...] No período medieval, graças aos esforços da Igreja, a arbitragem foi utilizada não só no plano internacional, como no interior da Igreja, da sociedade feudal e entre os comunas".155

Destaca-se a importância do desenvolvimento da arbitragem obrigatória,

nesta época, elemento responsável pelo maior prestígio do instituto, como

coloca Valéria Maria SANT'ANNA:

"Ao final da Idade Média surgiu uma nova forma de arbitragem chamada obrigatória onde as partes eram obrigadas a cumprir a determinação dos árbitros, mesmo embora estes fossem pessoas privadas. Assim, por algum tempo a arbitragem voluntária conviveu com a obrigatória".156

Com o Estado Moderno, as Corporações, fundamentais na evolução do

instituto da arbitragem, perderam força até serem extintas, como ocorreu na

França através da Lei le Chapelier de 1791. Contudo, a arbitragem manteve

seu prestígio após a Revolução Francesa, encontrando lugar de destaque na

legislação francesa, ganhando status constitucional.157

153 FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 82. 154 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 13. 155 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 54. 156 SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 16. 157 Conforme FIUZA, Cezar. Op. cit., p. 86: "Uma das características da legislação francesa era a impossibilidade de apelar da sentença arbitral, salvo se as partes houvessem, anteriormente, acordado neste sentido". "Na França, após a Revolução Francesa, a arbitragem foi estimulada e consagrados casos em que se tornava obrigatória (arbitragem forçada)". (FURTADO, Paulo. Juízo Arbitral. 2ª. ed., Salvador: Nova Alvorada, 1995, p. 49).

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A concentração do poder decorrente do advento do Estado Moderno, com

a idéia de que a Lei é resultado da soberania que deve ser aplicada

exclusivamente pelo poder dominante, dentro de seus limites territoriais, acaba

sendo fator de retrocesso da arbitragem. Mesmo diante deste quadro de

limitações, a arbitragem, sobreviveu paralelamente à Jurisdição Estatal, nos

usos e costumes da Sociedade Moderna.158

No final do século XVIII, a criação de organismos internacionais e a

assinatura de tratados visando à estabilidade da Sociedade Internacional

trouxeram novo alento à arbitragem em âmbito internacional, onde, até nossos

dias, é bastante prestigiada.159

No século XIX, em razão da influência napoleônica na Europa,

predominaram as idéias de processualização da arbitragem e estatização

absoluta da distribuição da Justiça, fazendo com que o instituto perdesse parte

de sua força jurisdicional.

Todavia a expansão econômica e mundial do comércio impulsionada

pelo processo de globalização, além da necessidade de buscar meios

alternativos frente à ineficiência do Judiciário fizeram com que a arbitragem,

assim como os demais meios extrajudiciais de solução de conflitos,

recuperassem seu prestígio em grande parte das Nações.160

No Brasil, as primeiras referências à arbitragem remetem ao Período

Colonial, onde vigiam as Ordenações Portuguesas - Afonsinas, Manuelinas e

Filipinas - que tiveram aplicação até que leis nacionais surgissem, em período

158 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 24. 159 "A arbitragem se estabeleceu como mecanismo capaz, eficiente e prático de manutenção do equilíbrio, estabilidade e desenvolvimento das relações internas e internacionais, quer entre particulares, quer entre entes públicos, quer entre estes e particulares. E, por tudo isso, é a arbitragem considerada pela maioria como o meio, por excelência, para o desenvolvimento das relações comerciais, principalmente, no que se refere ao campo internacional." (MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., pp. 25 e 26). 160 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 17 e 18: "A partir da década de setenta, muitos países compreenderam a imperiosidade da criação de mecanismos mais eficazes de composição de desavenças, como premissa para a integração ao processo de globalização econômica e em razão da necessidade de atrair negócios, investimentos nacionais e estrangeiros, coma segurança e efetividade que os mecanismos tradicionais não têm apresentado. A solução encontrada na Europa, Estados Unidos e agora também no Brasil, foi a de reanimar, dar nova roupagem ao velho Juízo Arbitral".

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posterior à Independência.161

Segundo Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR, o instituto da arbitragem já

estava presente no Direito Lusitano mesmo antes de Portugal ser elevado à

condição de Reino. Posteriormente, D. Afonso II publicou uma norma sobre

juyzes aluydires. Nas palavras do autor:

"Na monarquia lusitana, D. Afonso II publicou norma sobre juyzes aluydores. [...] Em seqüência, com algumas melhoras, o instituto passou a ser regulado pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, esta última com aplicação em terras brasileiras mesmo depois da Independência". 162

A arbitragem era tratada no título XVI do Livro II, das Ordenações

Filipinas, denominado "Dos Juízes Árbitros". Conforme coloca Vítor Barboza

LENZA, caracterizava-se tal legislação pela possibilidade de recurso da

sentença arbitral ainda que as partes tivessem avençado o compromisso com

disposição expressa de cláusula "sem recurso", justificando-se tal possibilidade

sob o argumento de conferir maior segurança jurídica às partes, uma vez que, a

sentença arbitral, à época, não se sujeitava à homologação judicial;163

Cezar FIUZA164 elenca, também, como característica das Ordenações em

relação à arbitragem, a desnecessidade de homologação judicial, e a distinção

feita entre juízes árbitros e arbitradores – sendo que os primeiros eram os

verdadeiros juízes que se pronunciavam sobre a matéria de fato e de direito,

161 "No Brasil já se ocupara da matéria o Assento de 10 de novembro de 1644 e o Decreto nº 353, de 12 de julho de 1845. Mas foi o Regulamento nº 737, de 1850, que, à base do art. 160 da Constituição do Império, se propôs a lhe dar forma e desenvolvimento. Decreto nº 3.900, de 26 de julho de 1867, tratou minudentemente do assunto, abolindo a obrigatoriedade do Juízo Arbitral. As primeiras leis federais e os Códigos Estaduais de Processo o regularam, sendo, dentre estes últimos, apontados como os mais complexos os de São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio Grande do Sul." (FURTADO, Paulo. Juízo Arbitral. 2ª. ed., Salvador: Nova Alvorada, 1995, p. 49). 162 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32: "No direito lusitano medieval, mesmo antes de Portugal ser elevado à condição de Reino, o instituto da arbitragem já estava presente, tendo em vista que o Forum Iudicum representou o direito vigente na península hispânica". 163 LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 9. 164 FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 172. "A respeito destas Ordenações, sabe-se que em seu texto, traziam de negativo a possibilidade de recurso contra a decisão do árbitro, ainda que as partes tivessem incluído no compromisso a cláusula 'sem recurso'. Por outro lado, de boa técnica havia a distinção entre Juízo Arbitral (cabia ao árbitro julgar) e a atividade dos arbitradores (cabia a eles avaliar e estimar)." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 29).

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enquanto os segundos se pronunciavam apenas quanto à matéria de fato, como

peritos.

A Constituição de 1824 previu a arbitragem nos seguintes termos: "Nas

cíveis e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes

Árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o

convencionarem as mesmas Partes".165 Nesta última parte do artigo, tem-se

uma modificação de suma importância em relação às Ordenações Filipinas,

pois, nestas, como visto, mesmo que as partes houvessem convencionado a

impossibilidade de recurso no compromisso, era possível a submissão da

sentença a recurso, enquanto na Constituição, a impossibilidade de recurso,

desde que convencionada pelas partes, era respeitada, como coloca Zoraide

Amaral SOUZA:

"Na Constituição do Império de 1824, houve uma alteração no sistema de recursos previsto nas Ordenações. As sentenças proferidas pelos Juízes Árbitros seriam executadas sem recurso, desde que as partes assim o convencionassem".166

Expõe Vítor Barboza LENZA que, com o texto Constitucional, ocorreu a

jurisdicionalização da arbitragem, em razão da equivalência entre a sentença

arbitral e a sentença judicial. Ressalta, igualmente, que o texto legal deixa clara

a distinção entre o juízo arbitral e a atividade dos arbitradores, sendo um marco

da evolução do instituto no Brasil.167

Dois documentos legislativos se destacam no desenvolvimento do

instituto da arbitragem no Brasil: as Leis de 1831 e 1837 que instituíram a

obrigatoriedade do juízo arbitral para demandas acerca de seguros e locação.168

Essa obrigatoriedade foi estendida a todos os conflitos de natureza mercantil,

com o advento do Código Comercial – Lei nº. 556, de julho de 1850 -, como

coloca César FIUZA:

165 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 20. 166 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 54. 167 LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 10. 168 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32.

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"Com a promulgação do Código Comercial, fica instituída a arbitragem necessária no Brasil. O art. 294 do referido Código determina se submetam, obrigatoriamente, a juízo arbitral as questões havidas entre sócios, quer seja durante a vida da sociedade, quer durante seu processo de extinção". 169

O artigo 302 do Código Comercial tratou da possibilidade de inserção de

cláusula compromissória, como cláusula não essencial, no contrato social, para

indicar a forma de nomeação dos árbitros.170

Ainda em 1850, surge o Regulamento nº. 737, distinguindo a arbitragem

voluntária da arbitragem necessária, no seu artigo 411, fornecendo parâmetros

para a atuação dos árbitros.171

Em 1866, surgiu a Lei nº. 1.350, o primeiro diploma legal a dispor sobre

arbitramento.

Em 1867, promulgou-se uma Lei para regulamentar o processo arbitral;

também neste ano, originou-se o Decreto nº. 3.900 que prevê o julgamento por

eqüidade mediante acordo neste sentido expresso no compromisso, extinguindo

a arbitragem obrigatória prevista no Código Comercial172, determinando que a

cláusula arbitral sobre litígios futuros tinha valor de mera promessa, como

coloca Tânia Lobo MUNIZ:

"Em seu artigo 9º, de suma importância para o desenvolvimento da doutrina brasileira referente à arbitragem, estabelecia que a cláusula compromissória possuía valor de promessa, sendo inadmissível sua execução coercitiva".173

169 FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 172: "Ademais, trata o art. 302, 5, do mesmo Código, da cláusula compromissória, incluindo-a no conteúdo do contrato social, que deveria indicar a forma de nomeação dos árbitros, tal cláusula não era, entretanto, essencial, porquanto em sua falta não ficariam os sócios impedidos de realizar o compromisso". "O Código Comercial (Lei 556, de 1850) dispunha sobre o juízo arbitral no art. 254, quando tratava da locação mercantil, e no art. 294, a respeito das questões entre sócios. Esses dois dispositivos, que definiam a arbitragem como forma obrigatória de solução desses conflitos...foram revogados pela Lei 1.350, de 1866, e o art. 739, que versava sobre as questões decorrentes de naufrágios, foi revogado pela lei 7.542 de 1986." (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 33.) 170 Conforme LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 10. 171 Conforme PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 20. "O famoso Regulamento 737, de 1850, foi disciplinador do processo comercial. Fez perfeita distinção entre a arbitragem voluntária e a arbitragem necessária, impôs limitações ao poder dos árbitros que deveriam julgar de acordo com as normas comerciais e cláusula do compromisso." (LENZA, Vítor Barboza. Op. cit., p. 10). 172 Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 26 e FIUZA, Cezar. Op. cit., p. 172. 173 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 43.

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Esta Lei, segundo Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO, foi

uma resposta à reação de renomados juristas que requeriam a extinção da

arbitragem obrigatória em razão, principalmente, de sua oposição ao princípio

da autonomia da vontade, essencial ao instituto da arbitragem.174

No início do Período Republicano, a Constituição de 1891 omitia-se

acerca da arbitragem privada, prevendo sua utilização, no seu artigo 34, II,

apenas como meio de evitar a guerra. O mesmo dispunha a Constituição de

1934 e 1946, sendo que a primeira fazia referência à arbitragem comercial no

seu artigo 5º., XIX, "c", como competência da legislação federal.175

Todavia, a Constituição de 1891 previu a possibilidade dos Estados-

Membros passarem a editar seu próprio Código Processual. Alguns obtiveram

destaque como o de Minas Gerais, o da Bahia e, principalmente, o de São

Paulo, que tratou da arbitragem em 17 artigos, inspirando o Código Processual

de 1939.176

Nessa época, Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO informa

que já há registros de diversas soluções de disputas envolvendo Estados

Soberanos e de diversos Tratados firmados pelo Brasil, em âmbito

internacional, convencionando a submissão à arbitragem de determinadas

matérias – especialmente acordos com o Chile (1899), Estados Unidos, França,

Grã-Bretanha, China, Espanha (1909) e Suíça (1924). Em 1932, o Brasil

firmou o Protocolo de Genebra sobre Arbitragem Comercial Internacional,

promulgado através do Decreto nº. 21.187 – por um lado, o Brasil era o único

País Sul-Americano, à época, a aderir a esse Protocolo; por outro lado, era o

174 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 30. 175 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 42. 176"Com o advento da República, os Estados mantiveram em seus respectivos Códigos de Processo Civil o instituto da arbitragem, com algumas variações, enquanto o Código nacional ou unificado em 1939 passou a tratar da matéria no Livro IX, Título Único (Do juízo arbitral), em dezesseis dispositivos (art. 1.031 usque 1.046). O Código Buzaid, até então, dispunha sobre o tema no Livro IV, Título I (Dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa), Capítulo XIV (Do juízo arbitral), em trinta artigos (art. 1.072 usque 1.102)." (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 33).

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único também a não reconhecer a eficácia da cláusula arbitral, situação que

vigorou até 1996, com a edição da Lei de Arbitragem (Lei nº. 9.307/96).177

Posteriormente, outros documentos legais trataram, ainda que

indiretamente, sobre a arbitragem, como relata Cezar FIUZA:

"A Lei 221, de 1894, repetiu o texto da Lei 1.351/1866, ao organizar a Justiça Federal, sendo regulamentada pelo Decreto 3.084 de 1898. Neste assentou-se que seria livre às partes, sob sua responsabilidade, apelar da sentença arbitral, não obstante a cláusula sem recurso. Ao STF competia julgar o cabimento do recurso".178

O Código Civil de 1916 também trouxe referências sobre a arbitragem,

colocando-a no seu Capítulo X, Título II, Livro III, artigos 1.037 a 1.048 (com

alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo 3.725, de 1919), como meio

de extinção de obrigações; disciplinou o compromisso arbitral, sem, no

entanto, mencionar a cláusula arbitral.179

O Código de Processo Civil de 1939 também tratou do procedimento

arbitral em dezesseis artigos. Com as disposições do Código de Processo Civil

de 1939, a cláusula arbitral passou a ser ineficaz, o que desestimulou,

consideravelmente, a aplicação do instituto, até mesmo em razão da dificuldade

em se firmar um compromisso arbitral diante da existência de um conflito e da

expressa inoperância da cláusula arbitral anterior.180

A Constituição de 1967, com a Emenda nº. 1 de 1969, previu no seu

artigo 7º. que os conflitos internacionais deveriam ser solucionados por

177 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 31. 178 Conforme FIUZA, Cezar. Teoria Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 173 :"A apelação só se admitia caso fosse nulo o compromisso ou estivesse extinto; caso conferisse o compromisso excesso de poder aos árbitros; ou caso houvesse preterição de formas, o que aliás, foi mantido pelo Código Civil. Afora essas hipóteses, o STF não conheceria da apelação. Logicamente, sendo julgado improcedente o recurso, ficaria o recorrente sujeito a pena. A Consolidação das Leis Civis apenas um artigo trazia acerca da arbitragem. Era o art. 394, que admitia pudessem as partes estipular fosse a sentença dos árbitros executada sem recurso". 179 Conforme FIUZA, Cezar. Op. cit., p. 172. 180 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 32. Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO informa que a vigência do CPC de 1939, posterior à promulgação do Protocolo de Genebra sobre Arbitragem Comercial Internacional gerou discussões acerca do conflito entre as fontes - lei interna e ato internacional – em razão do Código não reconhecer a eficácia da cláusula arbitral. Tendo em vista julgamento de 1992, do STJ, a autora conclui pela prevalência da aplicação do Protocolo, em razão do critério da especialidade, aplicando-se à arbitragem internacional. (Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 33).

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negociação direta, arbitragem e outro meios pacíficos, sendo relevante para o

desenvolvimento do instituto em âmbito internacional, já que não mais limitava

sua utilização à guerra e, sim, referia-se a todo e qualquer litígio

internacional.181

Em 1973, tem-se um novo Código de Processo Civil, que revogou as

disposições constantes no Código Civil a respeito da arbitragem, tratando o

assunto em trinta e um artigos (Capítulo XIV, Título I, Livro IV, artigos 1.072

a 1.102) que pecaram, principalmente, pela falta de inovação. A aplicação da

arbitragem era dificultada por tais dispositivos, especialmente por exigirem a

homologação judicial do laudo arbitral, o que desestimulava a procura pelo

instituto da arbitragem,182 uma vez que, diante dessa imposição, era preferível

dirigir-se diretamente ao Judiciário, como coloca Joel Dias FIGUEIRA

JÚNIOR:

"A superada arbitragem do Código de 1973 era muito pior do que os mecanismos oferecidos pelo Poder Judiciário à solução de conflitos, a ponto de influenciar (negativamente) o espírito dos jurisdicionados que, em quase absoluta unanimidade, 'optavam' pela justiça estatal".183

Carlos Alberto CARMONA também destaca tais dificuldades na seguinte

passagem:

"Basicamente eram dois os grandes obstáculos que a lei brasileira criava para a utilização da arbitragem: em primeiro, legislador simplesmente ignorava a cláusula compromissória [...]; ao depois, o diploma processual, segundo a tradição de nosso direito, exigia a homologação do laudo arbitral".184

181 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 42. 182 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 176 e COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 31. 183 "Outro aspecto desfavorável à utilização da arbitragem no sistema do Código de Processo Civil era a ineficácia obrigacional de observância da cláusula compromissória, porquanto, em que pese fosse estipulada entre as partes contratantes, não assumia qualquer feição impositiva, tendo em vista que havia um distanciamento abismal entre o compromisso arbitral a instituir o regime da arbitragem e a cláusula em si mesma. [...] o Código Buzaid deixou, por timidez e temor infundado, de inovar com profundidade o juízo arbitral, mantendo-se na contramão da história e alheio às transformações que já se operavam nesta matéria em alguns países da Europa Continental e nos Estados Unidos." FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 98. 184 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 17.

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Dentre as parcas inovações trazidas por esse Código, pode-se citar a

possibilidade de as partes fixarem prazo máximo para que o árbitro profira seu

laudo, e o fim da proibição de estrangeiros atuarem como árbitros.185

Vale destacar que em 1975 houve o Decreto Presidencial nº. 1.902, de 9

de maio, promulgando a Convenção Interamericana sobre Arbitragem

Comercial Internacional, instrumento importante para uma época de pouco

prestígio para o instituto.186

As deficiências legais só contribuíram para a estagnação e desuso do

instituto da arbitragem. Somadas aos problemas de eficiência do Poder

Judiciário, essas deficiências levaram a sociedade à exigência de respostas

mais eficientes às suas necessidades de solucionar seus conflitos. Nas palavras

de Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO:

"As leis tradicionais ordinárias têm revelado desconhecimento do instituto, preconceitos inadmissíveis e não percebido a importância desta forma de acesso à justiça. A procura de meios alternativos para a solução dos conflitos levou a sociedade a exigir mecanismos mais eficazes do que o processo tradicional, para dirimir seus conflitos".187

Posteriormente, outros documentos legislativos passaram a contribuir

para a tentativa de efetivação da aplicação da arbitragem, como a Lei nº. 7.244,

de 1984, que criou os Juizados Especiais de Pequenas Causas, preconizando

que, se não obtida a conciliação, ficaria a arbitragem a cargo de um advogado

que solucionaria o conflito. A Lei nº. 9.099, de 1995, que criou os Juizados

Especiais Cíveis e Criminais, revogou tal Lei e adotou a arbitragem nos seus

artigos 24, 25 e 26, dando a opção da arbitragem na ausência de conciliação,

sendo que os árbitros serão escolhidos entre juízes leigos.188

Dois documentos legais importantes trouxeram expressa previsão a

respeito da arbitragem: a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº. 6.404/76), que

dispõe nos seus artigos 118 e 129 a possibilidade da utilização da arbitragem

sobre o quórum de deliberações e sobre o acordo de acionistas, no que se refere

185 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 34. 186 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 34. 187 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 35. 188 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 98.

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à possibilidade de promoção da execução específica da obrigação assumida -

referindo-se à cláusula arbitral, e a Lei nº. 7.203/84 referente ao Direito

Marítimo.189

Cristiane Maria Henrichs Souza COUTINHO destaca que, em meio a

tantas dificuldades legislativas anteriores à Lei de Arbitragem – Lei nº.

9.307/96 –, destaca-se o papel relevante da jurisprudência. Coloca a autora que

as manifestações do STJ nesse período que precede a referida Lei a arbitragem

foi sempre reconhecida como meio de solução de conflitos, mesmo diante das

dificuldades do sistema legal.190

Em razão do pouco prestígio da arbitragem e diante das dificuldades

impostas para sua aplicação, legisladores e estudiosos do Direito reuniram

esforços que resultaram em diversos Anteprojetos de Lei, entre os anos de

1981 e 1988, sendo que nenhum conseguiu êxito.

Em 1991, por iniciativa do Instituto Liberal de Pernambuco, foi lançada a

"Operação Arbiter", visando a oportunizar as discussões acerca do tema com

representantes de vários seguimentos da sociedade, como a FIESP, o Instituto

Brasileiro de Direito Processual, professores da Faculdade de Direito da USP e

Faculdade de Direito Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, advogados de

diversas áreas, dentre outros, que resultaram num novo Anteprojeto de Lei191,

elaborado por uma comissão relatora formada pelos juristas Carlos Alberto

Carmona, Pedro Antônio Batista Martins e Selma M. Ferreira Lemes, tudo

apresentado, em sua versão final, no Seminário Nacional sobre Arbitragem

Comercial, realizado em Curitiba, em abril de 1992192. Ainda nesse ano, o

Anteprojeto tornou-se o Projeto de Lei nº. 78, de iniciativa do então Senador

Marco Maciel. Em 1996, depois de aprovado tal Projeto, nas duas casas

189 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 98. 190 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 34. 191 "Foi em 1991, em novembro, precisamente, de acordo com Carlos A. Carmona, por iniciativa do Instituto Liberal de Pernambuco, que foi lançada a 'Operação Arbiter', com a idéia de elaborar um novo anteprojeto de lei, aproveitando-se o que fosse possível dos anteriores. A comissão relatora formada por Selma M. Ferreira Lemes, Pedro Antonio Batista Martins e Carlos Alberto Carmona, foi nomeada e recebeu várias contribuições do mundo científico, interessado que estava em encontrar uma solução para o problema do acesso à justiça e da efetiva prestação jurisdicional, seja de uma justiça estatal, seja de uma justiça privada." (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 177). 192 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 22 e 23.

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Legislativas, finalmente, surgiu a Lei nº. 9.307, que revogou os artigos 1.072 a

1.102 do Código de Processo Civil, sendo um marco relevante no tratamento

das soluções extrajudiciais de conflitos, como destaca Nádia de ARAÚJO:

"Esta lei é o marco para a radical mudança em relação á situação anterior. [...] Em síntese, procurou modernizar o instituto da arbitragem, conciliando a reticência histórica verificada contra a arbitragem no Brasil com a utilização de mecanismos eficazes de preservação e garantia de procedimento".193

Em 2002, tem-se um Código Civil, através da Lei nº. 10.406, que

também reserva espaço para o instituto da arbitragem, principalmente, no seu

artigo 852, que veda o compromisso para solução de questões de estado, direito

pessoal de família e outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.

A arbitragem, atualmente, vem ganhando espaço no âmbito do Direito

Internacional que lhe dedica diversos estudos, especialmente com relação às

questões relativas ao comércio internacional, sendo historicamente reconhecida

sua eficiência no trato dessas questões.194

193 "Entre outras inovações favoráveis à utilização da arbitragem, equiparou a cláusula compromissória ao compromisso, que são agora denominados, genericamente, convenção de arbitragem. Também atribuiu força obrigatória à sentença arbitral - designação do laudo arbitral -, dotando-a dos mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário e qualificando-a como título executivo judicial, independente de qualquer homologação. Prestigiou, ainda, a autonomia da vontade das partes, conferindo aos contratantes ampla liberdade de escolha das normas aplicáveis, tanto ao procedimento, como ao fundo da causa, e a eleição dirigida aos usos e costumes do comércio internacional." (ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 417). 194 O Brasil, por várias vezes, recorreu à arbitragem para dirimir questões de ordem internacional, sendo citada, com relevo, pela doutrina a "Questão Christie": "A primeira vez que o Brasil recorreu à arbitragem foi na célebre "Questão Christie", com a Inglaterra, em caso envolvendo oficiais da Marinha Britânica, tripulantes da fragata "Forte", na cidade do Rio de Janeiro, detidos por autoridades policiais brasileiras, o laudo arbitral, favorável ao Brasil, foi proferido a 18.6.1863, pelo Rei Leopoldo, da Bélgica." (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 172). A doutrina ainda traz outros casos como o referente ao "Território das Missões" que envolveu a Argentina e teve como advogado dos interesses brasileiros, o Barão do Rio Branco, questão solucionada por laudo arbitral do então Presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland; da mesma forma, a disputa pelo território do Amapá, solucionada por laudo arbitral e a disputa com a Grã-Bretanha por terras da Guiana Inglesa, solucionado pelo laudo de Roma de 1904. (Conforme FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Ttrabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 10). "Já em 1988 os governadores do Acre e Rondônia aceitaram a proposta do Ministério da Justiça para formação de Juízo Arbitral, no sentido de por fim a um potencial confronto armado entre as polícias desses Estados e decidir sobre a disputa de 5 mil Km² de área fronteriça." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 31 e 32).

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Diante deste breve relato histórico, pode-se concluir que, desde os

tempos mais remotos, a arbitragem é uma opção viável de solução de conflitos,

sendo que hoje renasce para o século XXI com todas as suas vantagens e

desvantagens, cabendo àqueles que buscam o aprimoramento das instituições

jurídicas adaptar esse instituto milenar às necessidades e conflitos atuais.

Da mesma forma, é possível dizer que não foi por falta de previsão legal

que a arbitragem não teve tradição no Brasil. Ao contrário, desde sua

colonização, vem sistematizando-se a possibilidade de sua aplicação. Hoje,

diante dos problemas de nossa sociedade, emergindo a necessidade de buscar a

distribuição da Justiça, esteja onde ela estiver, a arbitragem ganha novos

contornos e renova sua importância na busca da pacificação social, entretanto,

desde já, é possível deduzir que será necessária uma grande mudança de

paradigma, especialmente sob o ponto de vista dos operadores do Direito, para

que a arbitragem, ou qualquer outro meio extrajudicial de solução de conflitos,

venha a ganhar prestígio no Brasil. 195

4.2 Aspectos Gerais

4.2.1 Definição e Natureza Jurídica

Torna-se imprescindível para o desenvolvimento deste estudo trazerem-

se algumas noções acerca da definição e da natureza jurídica da arbitragem,

embora não haja a intenção de se aprofundar nesses dois aspectos, mas destacar

posicionamentos que se mostrem mais relevantes. Dentre as muitas definições

195 "Como se pode perceber, a situação por que passam o Judiciário e as novas realidades sociais e empresariais exige que se deixem de lado as soluções do tipo convencional e se busquem novas fórmulas, novos caminhos, capazes de trazer a esperada melhoria do sistema. Daí porque o reconhecimento da arbitragem não dependerá apenas da nova lei, mas de mudanças profundas na mentalidade de todos os operadores do Direito. [...] dependerá de mudança cultural dos operadores do Direito e da sociedade, em geral." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 38).

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encontradas196, destaca-se uma por sua completude:

Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial - é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.197

Esta definição apresenta os principais elementos que caracterizam a

arbitragem: a convenção anterior das partes no sentido de utilização da

arbitragem, fixando-lhe os parâmetros procedimentais; a figura do árbitro como

terceiro alheio ao conflito; a ausência de intervenção estatal direta; a descrição

dos efeitos da sentença arbitral; e a limitação dos conflitos que podem ser

solucionados por esta via - patrimoniais e disponíveis. É possível acrescentar a

esta definição, dentro do contexto brasileiro, a voluntariedade do

196 Destacamos, igualmente, os conceitos trazidos por Cláudio Vianna de Lima: "Arbitragem é prática alternativa, extrajudiciária, de pacificação (ante do que de solução) de conflitos de interesses envolvendo direito patrimoniais e disponíveis, fundada no consenso (princípio universal da autonomia da vontade), através da atuação de terceiro, ou de terceiros, estranhos ao conflito, mas de confiança e escolha das partes em divergência, por isso denominados árbitros (expressão advinda de arbítrio, ou livre exercício da vontade)". (GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 5); Tarcísio Araújo Kroetz que define a arbitragem em sentido amplo como "todas as vezes que um conflito de interesses for solucionado através de decisão de um terceiro que não esteja investido das funções de Magistrado"; a arbitragem jurisdicional - frente à sua função jurisdicional que decorreria de lei; e a arbitragem contratual - em que as partes confiam ao árbitro o regramento de um litígio sob a forma de uma dupla promessa, o com-promissum - nos moldes desenvolvidos no Direito Romano. (KROETZ, Tarcísio Araújo. Arbitragem: Conceito e Pressupostos de Validade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 21 - 49) e as considerações de Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos de que "das conceituações tiramos que são caracteres da arbitragem: a) conflito de interesses, atual ou potencial, entre dois ou mais sujeitos; b) indicação de um terceiro, alheio à contenda; c) solução do conflito vinculante para os interessados, desde que estes se submetam voluntariamente à decisão do terceiro, com o que a decisão se torna obrigatória em virtude da vontade dos contendores, que aceitam expressamente a solução dada ao conflito pelo árbitro nomeado". (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 23) Cita-se, por fim, a definição posta por Sérgio Pinto Martins, que enfoca principalmente a questão da voluntariedade do procedimento arbitral: "A arbitragem é uma forma de solução de um conflito, feita por um terceiro estranho à relação das partes, que é escolhido por estas, impondo a solução do litígio. É uma forma voluntária de terminar o conflito, o que importa em dizer que não é obrigatória". (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 85.) 197 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 44 .

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procedimento, já que a arbitragem é produto da vontade das partes.198

A natureza jurídica da arbitragem, por sua vez, é questão bastante

controvertida, ensejando várias teorias para explicá-la. Itália e França

contribuíram para a o desenvolvimento do debate a respeito do tema, como

coloca Pedro A. Batista MARTINS:

"Apesar de a Itália ter contribuído, substancialmente, com o estudo sobre a natureza jurídica da arbitragem, diz-se que foi da França onde a controvérsia em torno se fez sentir, em razão da necessidade prática de definir os limites da atuação do árbitro, os efeitos e alcance da decisão ou determinação por ele proferida [...]".199

Iara Alves Cordeiro PACHECO destaca a existência de, pelo menos, três

teorias sobre a natureza jurídica da atividade do árbitro: a teoria contratualista

198 Apenas por uma questão de esclarecimento, vale distinguir a arbitragem de algumas "figuras próximas". A arbitragem distingue-se do arbitramento que é simples modalidade de liquidação de sentença judicial; também não se confunde com a perícia técnica que é modalidade de prova realizada por profissional qualificado para exame da matéria objeto da perícia. A arbitragem diferencia-se, também, da mediação, pois aquela é forma heterônoma de solução de conflitos em que o terceiro decide a causa, ao passo que nesta, cabe ao terceiro apenas aproximar as partes, debatendo os pontos de divergência e sugerindo-lhes consenso sobre uma solução. Também distingue-se a arbitragem da transação, já que esta ocorre somente entre as partes que põem fim a um litígio através de concessões mútuas, sem interferência de um terceiro. Por fim, distingue-se da Jurisdição em que, embora também seja a causa solucionada por um terceiro, esta solução ocorre "mediante intervenção do Estado, através do Judiciário, que aplicando o Direito, põe solução ao litígio, transformado em lide no corpo de um processo formal." (Conforme DELGADO, Maurício Godinho. Arbitragem, Mediação e Comissão de Conciliação Prévia no Direito do Trabalho Brasileiro. Síntese Trabalhista, nº. 159, set. 2002, p. 9). 199 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 37. Carlos Alberto Carmona cita a importância das teorias italianas para o desenvolvimento do debate no Brasil, especialmente sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 que exigia a homologação do laudo arbitral, ato cuja natureza jurídica também era questionável: "Chiovenda sugeria que a questão fosse resolvida através do recurso ao ato jurídico complexo, de modo que o laudo arbitral integrasse a sentença do juiz togado, formando com ela uma unidade; Carnelutti basicamente aceitava a concepção chiovendiana, enquanto Calmandrei acreditava ser necessário, para a constituição de uma sentença subjetivamente complexa, 'que as diversas manifestações de vontade ou os diversos juízos que compõem a sentença tenham todos caráter público, ou seja, derivem todos de órgãos do Estado', concluindo: 'o fenômeno que se apresenta aqui não faz parte daquele da complexidade da sentença, mas sim de outro fenômeno, que poderíamos denominar de preparação privada da sentença, no qual não há qualquer fracionamento de poder jurisdicional entre os órgãos diversos, porque o fato de valer-se o juiz, ao decidir, de elemento lógicos preparados por particulares não exclui que a atividade jurisdicional comece apenas onde inicie o trabalho do juiz sobre os materiais predispostos'". (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 190).

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ou privatista; a teoria jurisdicional ou publicista; a teoria mista. Vale destacar,

também, que há quem não aceite nenhuma delas.200

A teoria contratualista201 explica a arbitragem como um instituto de

natureza jurídica puramente contratual, como manifestação da vontade das

partes que decidem que o conflito será solucionado por um terceiro, como

coloca Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO:

"Esta doutrina admite a arbitragem como "de natureza puramente contratual, considerando que as partes, ao firmarem o compromisso, se obrigam a cumprir o laudo, em virtude do princípio da obrigatoriedade dos contratos; o seu descumprimento obriga as partes a buscarem a chancela estatal, pois ausente no árbitro poder jurisdicional".202

A teoria jurisdicional ou publicista coloca a arbitragem como instituto de

natureza jurídica jurisdicional, considerando-a verdadeira atividade sucedânea

e complementar do Poder Judiciário, ressaltando os efeitos da sentença arbitral

e o reconhecimento da ordem jurídica Estatal à autoridade do juízo arbitral.203

Alguns, porém, conferem à arbitragem natureza jurídica mista,

reconhecendo nela duas fases: uma fase contratual, expressão da vontade das

partes, e uma fase jurisdicional, em que o árbitro decidirá o conflito, como

coloca Sérgio Pinto MARTINS:

"A natureza jurídica da arbitragem é mista, envolvendo o contrato e a jurisdição, em que as partes contratam com um terceiro para dizer quem deles tem o direto. A primeira fase da arbitragem é contratual, tendo por base a cláusula compromissória, que decorre de acordo de vontade. A segunda fase é jurisdicional, em que o árbitro irá dizer o direito aplicável ao caso".204

Neste sentido também se posiciona Tânia Lobo MUNIZ:

"Consideramos mais adequada ao instituto a corrente híbrida. [...] Devemos encarar a arbitragem olhando-a em seu todo: sua fase pré-arbitral, onde encontramos a convenção arbitral, de natureza contratual; e sua fase arbitral

200 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 33. 201 Conforme PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Op. cit., p. 33. 202 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 31 e 32. 203 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., pp. 31 e 32. 204 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 87.

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propriamente, que se inicia com a instituição do juízo arbitral e termina com a sentença arbitral, de natureza jurisdicional". 205

A corrente privatísta reúne vários argumentos: uns defendem que a

arbitragem é atividade completamente desvinculada da função estatal de julgar,

tendo por fundamento o pacta sunt servanda e a idéia de que a arbitragem é,

antes de tudo, resultado do consenso entre as partes; outros vendo o árbitro

como elemento de determinação da vontade privada (manifestada

indeterminadamente no compromisso); outros, ainda, referem-se à arbitragem

como derrogação da função jurisdicional, reconhecendo-lhe natureza privada

em razão da ausência do poder de coação dos árbitros; há, ainda, os que se

opõem ao caráter jurisdicional da arbitragem em razão da falta de

obrigatoriedade e da força executiva do laudo arbitral.206 Vale salientar que a

teoria contratualista tinha maior prestígio antes da Lei nº. 9.307/96, em razão

da necessidade de homologação judicial do laudo arbitral, como coloca

MUNIZ, Tânia Lobo:

"[...] a fundamentação dos contratualistas acerca da coercibilidade possuía maior força antes da vigência da Lei de Arbitragem. Os adeptos desta corrente baseavam-se em que o laudo arbitral não se constituía com força obrigatória, sendo, até sua homologação, mero parecer ou opinião técnica".207

A corrente jurisdicionalista ou publicista, por sua vez, vê na arbitragem o

próprio exercício da atividade jurisidicional, contendo o compromisso aspectos

processuais, conferindo ao árbitro o poder de dizer o direito – configurando o

caráter de substitutividade do Juízo Arbitral. Como coloca Pedro A. Batista

MARTINS, o poder Estatal é uno, mas o seu exercício é distribuído por órgão

pré-estabelecidos por Lei, para otimizar a atividade de pacificação; a Lei

205 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 38. 206 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 16, e MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., p. 42. 207 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., p. 35. "Acreditamos que com o advento da Lei de Arbitragem o entendimento de que a arbitragem seja apenas um contrato com uma atividade que 'lembre' a do juiz deva cair por terra. Durante a vigência da legislação anterior tinha-se o respaldo da necessidade de homologação judiciária do laudo arbitral para se firmar na posição de que a arbitragem nada mais era do que um contrato; todavia agora já não existe mais esse requisito para sua validade. O entendimento de que a jurisdição dos árbitros é um serviço público, semelhante ao da justiça deve prosperar." (SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 16).

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permite que o árbitro seja investido no cargo de julgador através de ato de

caráter privado, mas o exercício dessa atividade é de interesse Estatal, sendo

expressão de caráter público.208 Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS,

que adotam a corrente publicista, explicam que ela vê: nos árbitros, verdadeiros

juízes; no compromisso, uma ampliação da jurisdição; no laudo, uma

verdadeira sentença; na responsabilidade dos árbitros a mesma

responsabilidade dos juízes. Há, ainda, aqueles que colocam a atividade do

árbitro como função pública ou serviço público, sem que aquele perca sua

qualidade de particular, e, em razão disso, o laudo por ele proferido seria

verdadeira sentença.209 Tânia Lobo MUNIZ explica também que a corrente

jurisdicional defende a evolução do conceito de Jurisdição, apegando-se mais a

uma visão teleológica, voltada à sua finalidade política e social, argumentando,

também, a possibilidade de aceitação e participação popular na administração

da Justiça (incluindo a arbitragem). Sob este argumento, cabe à Jurisdição fazer

atuar o Direito ao caso concreto e a arbitragem também apresenta essa

finalidade, só fazendo-o com a participação do indivíduo definidor das normas

e o juiz que decidirá a questão.210 Carlos Alberto CARMONA também adota

esta corrente, argumentando que a questão foi encerrada quando da edição da

Lei nº. 9.307/96, que declarou o caráter jurisdicional da arbitragem ao arrolar a

sentença arbitral condenatória entre os títulos executivos judiciais e não entre

os extrajudiciais. Esta corrente vem sendo mais prestigiada, como coloca Pedro

A. Batista MARTINS:

208 Conforme GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 38 e 39: Pedro A. Batista MARTINS defende a corrente publicista afirmando que "se o Estado ainda remanesce com a exclusividade de exercitar a coertio e a executio, através do Poder Judiciário, ao árbitro é assegurado os demais componentes da jurisdição, a notio – faculdade de conhecer da causa, vocatio – faculdade de fazer intervir em juízo tudo o que se faça útil ao conhecimento da verdade e, principalmente, o judicium – direito de judicar e de pronunciar a sentença, que é a síntese e o componente relevante da jurisdição". 209 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 15. Estes autores defendem o caráter jurisdicional da arbitragem, como pode ser verificado na seguinte passagem: "É incontestável que, como ato institucionalmente destinado a integrar-se com a providência de homologação do juiz togado, a qualidade de ato público, e até de ato jurisdicional, é visível no ato dos árbitros. [...] Instituído o juízo arbitral, com a nomeação do árbitro e com a aceitação deste, estão incluídos os juízes estatais. A eles, árbitros, conferem as partes e a lei o poder de dizer o direito". (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 17). 210 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 34.

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"É a corrente jurisidicionalista que tem sido melhor reconhecida, com o crescente aumento de adeptos, e cada vez mais fortalecida por entendimentos jurisprudenciais e por modificações introduzidas nos sistemas jurídicos [...]".211

A definição da natureza jurídica de um instituto como a arbitragem é

assunto complexo e de grande importância para sua compreensão, pois está

intrinsecamente relacionado às suas características e ao espaço que ocupa no

interior do sistema jurídico. 212

Neste estudo, acredita-se que a arbitragem tenha natureza jurídica mista,

uma vez que, em virtude da ausência de hipótese obrigatória de utilização da

arbitragem no Brasil, a convenção das partes, para a utilização da arbitragem,

pressupõe um acordo de vontades, e, por outro lado, tendo em vista as

disposições da Lei nº. 9.307/96, ao equiparar o laudo arbitral à sentença

judicial, conclui-se que se está diante de um procedimento cujo resultado

supera, em muito, a força executiva de um simples contrato.

4.2.2 Classificações

A doutrina apresenta diversas classificações para a arbitragem, mas, de

forma geral, a arbitragem pode ser classificada da seguinte forma:

a) quanto ao modo, tem-se a arbitragem obrigatória e a arbitragem

voluntária (facultativa); esta segunda modalidade é a utilizada no Brasil e é

211 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 38. 212 "...a natureza jurídica deve refletir a verdadeira expressão ontológica da matéria em estudo, levando-se em consideração os seus elementos constitutivos: qualquer esboço classificatório dependerá sempre da prévia e antecedente fixação da natureza jurídica do fenômeno, instituto ou instituição jurídica analisada." (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 152). "A discussão da natureza jurídica é campo fértil para as considerações jurídicas e de suma importância para o entendimento do instituto. Aliás, para a explanação e compreensão de qualquer conceito jurídico devemos pensar o direito de forma sistemática, sendo que esta sistematização pressupõe uma análise dos valores e fins das normas e dos princípios jurídicos e a existência de ligações entre os institutos que o compõem, relacionando-os entre as diversas categorias jurídicas e o conjunto de normas de acordo com a determinação de suas características essenciais. Essas características compõem sua natureza e determinam sua localização e relação com as demais normas integrantes do sistema jurídico." (MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 30).

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recomendada pela OIT conforme a Convenção nº. 154, de 1981, e

Recomendação nº. 92, de 1951.213 Carlos Alberto CARMONA ressalta que a

arbitragem obrigatória, presente ainda em alguns Países, está em franco desuso,

sendo preferível a utilização de tribunais ou juízos especializados.214

b) quanto ao espaço, a arbitragem pode ser internacional ou interna;

arbitragem internacional, segundo Georgenor Sousa FRANCO FILHO é aquela

caracterizada pela divisão do contrato, no qual cada parte pode ser regida pela

Lei de um determinado País; Tânia Lobo MUNIZ a define como aquela

emergente das relações jurídicas internacionais, que entram em contato com

sistemas jurídicos diferentes, sendo critérios para sua caracterização "a

nacionalidade ou domicílio; o lugar; a lei aplicável; e o objeto do litígio",

sendo predominante o objeto. Explica a autora, entretanto, que perante a Lei

Brasileira, o critério predominante é o do local da prolação da sentença; assim,

arbitragem internacional é aquela sentenciada em território estrangeiro.215

Segundo Georgenor Sousa FRANCO FILHO, a arbitragem interna, por sua

vez, é aquela onde há a incidência de um único Sistema Jurídico.216 Mas, como

dito acima, o critério legal é o local de prolação da sentença, por isso, é

considerada arbitragem interna aquela "sentenciada em solo brasileiro", como

coloca Tânia Lobo MUNIZ.217

c) quanto à forma de surgimento, tem-se na própria letra da Lei a

distinção entre a arbitragem institucional e a arbitragem ad hoc. A arbitragem

institucional é aquela verificada quando as partes se reportam a uma entidade

arbitral ou órgão especializado para realizá-la, enquanto a arbitragem ad hoc é

aquela criada para um caso específico, com árbitro escolhido pelas partes

independentemente de estar vinculado a alguma entidade, sendo o

procedimento determinado pelo compromisso arbitral.218

d) quanto às normas a serem utilizadas, também se acrescenta, com base

no texto legal, a distinção entre arbitragem de Direito e a arbitragem de

213 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 17. 214 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 46. 215 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 28. 216 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Op. cit., p. 17. 217 MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., p. 28. 218 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Op. cit., p. 17.

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eqüidade, sendo que na primeira são utilizadas normas jurídicas escolhidas

pelas partes, e, na segunda, a noção de Justiça generalizada inerente à

eqüidade.

e) quanto à liberdade do árbitro para decidir, Isabele Jacob MORGADO

apresenta a arbitragem livre ou convencional - aquela em que o árbitro tem

plena liberdade para solucionar o conflito, da forma que achar conveniente; e a

arbitragem de ofertas finais, em que o árbitro decide optando por uma das

propostas apresentadas pelas partes.219

f) quanto às pessoas envolvidas, Tânia Lobo MUNIZ classifica a

arbitragem como pública ou privada. Arbitragem pública é aquela destinada a

dirimir conflitos entre entes públicos ou entre esses e particulares, relativas a

atos de império do Estado. A arbitragem privada, por sua vez, é aquela

referente à solução de conflitos entre particulares ou entre esses e entes

públicos, desde que o objeto destas não esteja vinculado a atos de autoridade

destes entes.220

g) a arbitragem também admite variações, que embora não previstas

legalmente, podem surgir da vontade das partes. Carlos Alberto CARMONA

destaca três destas variações:221 a med/arb que estabelece uma mediação prévia

que, caso não surta resultados, autoriza o mediador a agir como árbitro e

proferir uma decisão vinculante; a high-low arbitration modalidade na qual as

partes estabelecem, previamente, limites mínimo e máximo para a autoridade

do árbitro; e a arbitragem não vinculante, na qual, se a decisão é aceitável para

219 Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 36. 220 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 26. 221 "Embora não se confundam arbitragem, conciliação e mediação [...], convém lembrar que existem hoje, graças à popularidade que vêm alcançando os meios alternativos de solução de controvérsias, variações que devem ser levadas em consideração no momento de escolher o mecanismo que mais convenha aos litigantes para a solução de seus conflitos. Assim, especificamente quanto à arbitragem, três variações vêm sendo empregadas com sucesso: a primeira, denominada med/arb, leva os litigantes a estabelecer as premissas para uma mediação que, não produzindo resultados, autoriza o mediador a agir como árbitro e proferir uma decisão vinculante; a segunda, conhecida como high-low arbitration, procura reduzir os riscos de um laudo inaceitável, estabelecendo as partes, previamente, limites mínimo e máximo para a autoridade do árbitro; a terceira variação leva as partes a optarem por uma arbitragem não vinculante, ou seja, se a decisão é aceitável para os litigantes, eles a cumprirão; em caso contrário, poderão utilizar o laudo em suas negociações futuras." (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 45).

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partes, elas a cumprirão, senão poderão utilizar o laudo em suas futuras

negociações.

4.2.3 Legislação

Além de ser reconhecida constitucionalmente como meio de solução de

conflitos, a arbitragem tem, no Brasil, como principal instrumento de

regulamentação, a Lei nº. 9.307/96, cujos principais aspectos serão adiante

analisados.

Em âmbito internacional, o Brasil é parte do Protocolo do MERCOSUL

sobre a Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial,

Trabalhista e Administrativa – Las Leñas, 1992. Ratificou a Convenção

Interamericana sobre Arbitragem Internacional – Panamá, 1975; a Convenção

Interamericana sobre a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos

Arbitrais Estrangeiros – Montevidéo, 1979; a Convenção da ONU sobre

Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras – Nova York,

1958 –, com vigência a partir de 2002.222

O Brasil também ratificou, em 1992, Convenção nº. 154 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), que apresenta regras referentes ao incentivo à

negociação coletiva e demais meios de solução privada de conflitos laborais. A

OIT também possui a Recomendação nº. 92, que privilegia a conciliação

voluntária como meio de prevenção e de solução de conflitos trabalhistas e

trata da arbitragem voluntária ao estabelecer que:

"...se um conflito for submetido à arbitragem, com o consentimento de todas as partes interessadas, para sua solução final, dever-se-ia estimular as partes para que se abstenham de recorrer à greve e ao lock out enquanto dure o procedimento da arbitragem e para que aceitem o laudo arbitral".223

222 Conforme ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 417. 223 Conforme VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, , 2000, pp. 77-105.

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Como destaca Cássio Mesquita BARROS, a OIT há mais de 20 anos,

vem incentivando a utilização de métodos extrajudiciais de conflitos

trabalhistas, o que se reflete na Convenção nº. 154, de 1981, e na

Recomendação nº. 92, de 1951.224

4.3 Lei da Arbitragem (Lei nº. 9.307/96)

Como já mencionado, o sistema normativo anterior apresentava vários

obstáculos para o desenvolvimento e aplicação do instituto da arbitragem no

Brasil. Diante disso, a Lei nº. 9.307/96 surgiu como uma promessa de

modernização do instituto, e realmente transformou-se num marco no

tratamento das soluções extrajudiciais de conflitos, sendo resultado da

convergência de diversos interesses expostos por vários seguimentos da

sociedade que tiveram espaço para opinar em sua elaboração.

A Lei de Arbitragem trouxe uma verdadeira teoria geral do instituto,

buscando retirar todos os entraves presentes, no sistema anterior, como coloca

Marco Maciel, um dos principais responsáveis por sua existência:

"Constitui-se, na verdade, em uma legislação avançada sobre arbitragem, estirpada de empecilhos e formalidades inúteis, e estribada no que de mais moderno a respeito dos princípios e garantias dos litigantes. Essa lei trará sensível benefício à sociedade, pois colocará à sua disposição um meio ágil de fazer resolver controvérsias com árbitros por aqueles próprios escolhidos"...225

A referida Lei é composta por quarenta e quatro artigos divididos em sete

capítulos: I - Disposições Gerais (artigos 1º. e 2º.); II - Da Convenção de

224 Conforme BARROS, Cássio Mesquita. A Regulação da Arbitragem Trabalhista Brasileira. Disponível em <http://www.arbitragem.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 225 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 14. "A Lei n. 9.307 de 23.09.1996, Lei de Arbitragem (LA), conhecida como Lei Marco Maciel em homenagem ao seu patrono no Senado Federal, que regula a solução extrajudicial de controvérsias referentes a direitos patrimoniais disponíveis, em vigor há 9 anos, propiciou que passássemos da era da pedra lascada para a era virtual, representando avanço considerável na regulamentação do instituto jurídico da arbitragem, que contribui para efetiva distribuição da Justiça." (LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem: Um Visão Pragmática do Presente e do Futuro. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006).

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Arbitragem e seus Efeitos (artigo 3º. ao artigo 12); III - Dos Árbitros (artigo 13

ao artigo 18); IV - Do Procedimento Arbitral (artigo 19 ao artigo 22); V - Da

Sentença Arbitral (artigo 23 ao artigo 33); VI - Do Reconhecimento e

Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (artigo 34 ao artigo 40); VII -

Disposições Finais (artigo 41 ao artigo 44). Disso tudo, passamos à análise dos

principais aspectos:

4.3.1 Disposições Gerais

"Art. 1º. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem

para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis."

Podem utilizar-se da arbitragem, como forma de solução de conflitos,

todas as pessoas capazes de contratar, conforme dispõe o artigo 1º., da Lei nº.

9.307/96. Pessoas capazes de contratar, segundo Belizário Antônio de

LACERDA, são aquelas que têm capacidade de direito - personalidade jurídica

que lhes dá a capacidade de contratar - , e a capacidade de fato - serem sujeitas

de direito e obrigações.226

226 Conforme LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 39. "Mas quem pode beneficiar-se da arbitragem? Apenas as pessoas capazes. E se explica: é que no ordenamento jurídico pátrio participam de relações obrigacionais as pessoas que possuem capacidade processual (CPC, art. 7º). Essa capacidade processual, também chamada capacidade de estar em juízo ou, ainda, legitimatio ad processum, não deve ser confundida com a capacidade de ser parte (CC, art. 2º) e com a capacidade postulatória (CPC, art. 36, e Lei n. 8.906/94, art. 4º). Também não é a mesma coisa de legitimidade para a causa (legitimatio ad causam), que consigna uma das condições da ação. [...] Convém frisar que o juízo arbitral é um negócio jurídico processual e devem utilizá-lo, unicamente, as pessoas capazes de contratar. Jamais poderão celebrá-lo os que tenham, apenas, poderes da administração, nem tampouco os absoluta ou relativamente incapazes, ainda que representados ou assistidos." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 28 e 29). "A capacidade aqui referida é a civil, regulada pelo Código Civil nos artigo 2º a 10º, entendida conforme a regra do art. 9º, indicando a capacidade de fato, de exercício ou de ação. Nesse sentido, é capaz aquele que se acha em pleno exercício de seus direitos." (MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 98).

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Antônio Corrêa dispõe que, apesar do silêncio da Lei, a arbitragem, por

óbvio, pode ser utilizada não apenas por pessoas naturais, mas também, por

pessoas jurídicas. Nas palavras do referido autor:

"A lei afirma que a arbitragem está facultada às 'pessoas capazes de contratar', levando o intérprete a acreditar que se volta exclusivamente para as pessoas naturais, mas em verdade abrange também as pessoas jurídicas".227

Carlos Alberto CARMONA defende que entes despersonalizados

(universalidades dotadas de representação ativa e passiva, como condomínios

em edifícios, massas falidas, espólios, sociedades de fato) podem valer-se da

arbitragem, em razão de tais entes terem "capacidade de ser parte e de estar em

juízo", nada impedindo que disponham de seus direitos. Contudo, o autor

ressalva a impossibilidade de recorrerem à via arbitral aqueles que têm tão

somente poderes de administração, e os incapazes, ainda que representados ou

assistidos. Esclarece que o inventariante, por exemplo, não pode, sem

permissão, submeter nenhum conflito à arbitragem, devendo obter autorização

judicial para celebrar a convenção arbitral. Da mesma forma, o síndico só

poderá utilizar a arbitragem mediante autorização da assembléia geral de

condôminos para tanto.228

Conforme Georgenor de Sousa FRANCO FILHO, estão legitimados a

utilizar a arbitragem, na esfera trabalhista, o trabalhador, o sindicato, a empresa

e o grupo de empresas.229

O artigo 1º., da Lei nº. 9.307/96, dispõe que a matéria discutível através

da arbitragem restringe-se àquelas que envolvam direitos patrimoniais

227 CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 24. "Podem valer-se da arbitragem as pessoas capazes de contratar (art. 1º.). Pessoa, na linguagem jurídica, indica todo indivíduo suscetível de direitos e obrigações, seja física ou natural (o homem, desde o seu nascimento com vida, independente de sua vontade ou consciência), seja pessoa jurídica (agrupamento de várias pessoas naturais ou de bens personalizados, com certo fim social e comum, devidamente registradas e reconhecidas pelo Poder Público competente, operando como uma unidade distinta das pessoas que a compõem). Como a lei não fez distinção, pode ser utilizada por ambas." (MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 98). 228 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 47. 229 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 25.

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disponíveis. Aqui reside um dos motivos principais de controvérsia acerca da

aplicação da arbitragem aos dissídios trabalhistas, o que será detalhado adiante.

Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS entendem o artigo 1º. como

a regra de ouro da Lei de Arbitragem, pois se trata do mandamento nuclear

que traça o âmbito e os casos de aplicação da arbitragem.230 De fato, o artigo

1º. revela-se essencial, pois vincula todos os demais artigos à sua diretriz.

Art. 2º. A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º. Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º. Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO dispõe que o artigo 2º.

da Lei de Arbitragem deu especial destaque ao princípio universal da

autonomia da vontade, refletindo a admissão, pela ordem jurídica, de que as

pessoas, por atos voluntários – atos jurídicos –, possam criar, modificar,

transferir e extinguir direitos. Nas palavras da autora, tal princípio "se baseia

no acordo de vontades no caso da arbitragem, para se resolver conflitos e

também na concordância em se submeter ao pactuado (Pacta Sunt Servanda),

envolvendo, desse modo, o princípio da boa fé". 231

No Brasil, a utilização da arbitragem é uma faculdade das partes e, por

isso, a escolha por esse meio de solução de conflitos deve ser realmente

voluntária, sendo a vontade das partes isenta de qualquer vício que possa eivar

de nulidade a convenção por estas firmada. Nas palavras de Tânia Lobo

MUNIZ:

230 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 27. 231 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 53. "Contrariando a alternativa acolhida pela lei de Introdução ao Código Civil, o legislador prestigiou, no que se refere à arbitragem, o princípio da autonomia da vontade, que – na visão dos internacionalistas – caracterizaria a possibilidade de exercerem as partes, livremente, a escolha da legislação à qual queiram submeter-se, limitada tal escolha, de um lado, pela noção de ordem pública e, de outro, pelas leis imperativas. Resta claro que as partes podem escolher a via arbitral não apenas para evitar a solução judicial dos conflitos, mas especialmente para poderem selecionar a lei material aplicável na eventualidade de litígio, o que é especialmente importante no campo do comércio internacional." (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 61).

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"A escolha da via arbitral é voluntária, e por isso, a vontade das partes deve estar livre de qualquer vício que possa tornar nulo seu consentimento, ou seja, as partes podem, ou não, se obrigar através de cláusula compromissória, basta que queiram e manifestem livre, expressamente e por escritos sua vontade"...232

No seu artigo 2º, a Lei nº. 9.307/96 confere às partes a possibilidade de

escolher entre a arbitragem de Direito e a arbitragem de Eqüidade, tendo por

limites a ordem pública e os bons costumes.

Os bons costumes233 estão relacionados às idéias de honestidade,

dignidade e decoro social. Como explica Carlos Alberto CARMONA,234 bons

costumes são "princípios de conduta impostos pela moralidade média do povo

(considerada indispensável para a manutenção da ordem social e para a

harmonia das relações humanas)". A definição de ordem pública já é bem mais

232 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 98. 233 "O conceito de ordem pública é controvertido, mas, no direito interno, pode-se dizer que uma lei tem essa natureza sempre que o acordo entre as partes não possa afastar suas conseqüências, ou quando estas sejam inarredáveis, ainda que as partes diretamente interessadas no litígio o desejem... Por ordem pública entende-se um conjunto de princípios, implícita ou explicitamente conhecidos na ordenação jurídica, que, considerados fundamentais, impõem-se imperativamente, excluindo qualquer validade a relações jurídicas volitivas que lhe sejam contrárias." (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 23.) "Bom costume é a observância geral, constante e uniforme de uma conduta pelos membros do grupo social, sendo integrado por dois elemento: um objetivo e outro subjetivo. O elemento objetivo, material, fático ou externo revela-se pela repetição de um procedimento – seria o usus. Já o elemento subjetivo, psicológico ou interno resulta da convicção generalizada de sua exigibilidade, da crença de que a obrigatoriedade da norma é indispensável – trata-se da opinio juris et necessitatis, que consiste na certeza de que a observância da norma consuetudinária equivale a uma aquiescência jurídica, disso resultando a sua obrigatoriedade. [...] Ordem pública, por sua vez, é noção difícil de precisar, desafiando o pensamento dos juristas. Mesmo assim, existe um consenso, quase generalizado, de que o termo, designado pelos alemães de gute sitten, é a exteriorização do próprio ordenamento jurídico vigente em um certo período histórico. Abarca uma generalidade de fatores, inclusive subjetivos, imprescindíveis à vida social, como o bem-estar, a atmosfera de paz, a incolumidade da prosperidade humana, a existência digna, saudável e fraterna do homem. Em certo sentido, é o mesmo que ordem social, porque agrega valores, tais como as tradições, as concepções morais, espirituais, políticas, econômicas, refletindo hábitos, praxes, convenções, costumes arraigados de um determinado povo, assentado em território e regido por um governo independente ou soberano." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 27). "As normas de ordem pública são aquelas que estabelecem os princípios cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos de direito. Trata-se, assim, de um conjunto de regras e princípios, muitas vezes fugidios e nebulosos, que tendem a manter a singularidade das instituições de determinado país e a proteger os sentimentos de Justiça e de Moral de determinada sociedade em determinada época." (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 64). 234 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 64

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controvertida, estando relacionada aos valores indispensáveis à convivência

social.

Na arbitragem de Direito, as partes optam pelas regras de Direito que

melhor se adaptem à solução de seu conflito, sejam elas normas do Direito

Pátrio, sejam elas de Direito Estrangeiro. Feita a escolha por esta modalidade,

estão as partes vinculadas às regras eleitas. Conforme coloca Antonio

CORRÊA, o Direito a que se refere o artigo 2º. da Lei, é o direito legislado

nacional ou estrangeiro:

"...são leis em geral, devidamente operantes pela sua aprovação pelo Poder Legislativo, sanção, promulgação e publicação pelo Poder Executivo. Direito, segundo o dispositivo, equivale a 'norma jurídica'. Esta é 'direito positivo', escrito, que vigora no momento em que ocorreram os fatos ou atos jurídicos."235

Carlos Alberto CARMONA também destaca o prestígio do princípio da

autonomia da vontade pela Lei de Arbitragem e ressalta as regras de direito a

que se refere o art. 2º., § 1º. da Lei, são tanto de direito material quanto

processual; facultando-se às partes que criem regras processuais específicas

para solucionar o litígio, reportem-se às regras de um órgão arbitral

institucional ou, ainda, adotem as regras procedimentais de outro Ordenamento

Jurídico, "desde que sejam respeitados os princípios da ampla defesa,

contraditório, imparcialidade, igualdade das partes e livre convencimento do

árbitro".236

A faculdade conferida pela Lei às partes de escolher as normas jurídicas

a serem aplicadas é destacada por Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo

BULOS, como uma grande vantagem do procedimento arbitral, especialmente

nos casos que envolvem matéria comercial internacional, em que há uma

grande dificuldade em definir qual é a norma jurídica aplicável. Diante da

permissão legal, tal dificuldade poderia ser solucionada com a simples

confecção da convenção arbitral definindo a norma aplicável.237

235 CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 29. 236 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 28. 237 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 32.

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Na arbitragem por Eqüidade, as partes conferem ao árbitro a

discricionariedade para solucionar o conflito. A Eqüidade, por sua vez, está

relacionada à idéia comum do bem predominante em determinado espaço e

tempo, como coloca Carlos MAXIMILIANO:

"... é um conjunto de princípios imanentes, constituindo de algum modo a substância jurídica da humanidade, segundo a sua natureza e o seu fim, princípios imutáveis no fundo, porém cuja forma se adapta à variedade dos tempos e países. Fruto de condições especiais de cultura, noção de justiça generalizada na coletividade". 238

A Eqüidade, reconhecida pelo Ordenamento Jurídico como critério de

hermenêutica para o suprimento de lacunas na legislação, como colocam os

artigos 4º. e 5º. da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), na arbitragem

desenvolve papel mais relevante, sendo o próprio critério de julgamento, como

expõe Valéria Maria SANT'ANNA:

"...julgar com equidade significa interpretar as normas existentes no direito positivo para dirimir a contenda; todavia, no julgamento por equidade o árbitro atua como se fosse o legislador, criando uma regra mais compatível com o seu senso de justiça para o caso em concreto, mesmo que seja contrária à regra jurídica vigente já existente."239

Explicam Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS que "a eqüidade

confere ao árbitro uma discricionariedade, mas não arbitrariedade; afinal ele

atua por livre escolha, pelo comum acordo das partes, através de uma

autorização delas para apreciar interesses e fatos que lhes dizem respeito".240

238 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 173. 239 SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 35. 240 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 31. Os autores apresentam a seguinte conclusão acerca da Eqüidade na Arbitragem: "Através da Eqüidade pondera-se, compreende-se, sopesam-se e estimam-se os resultados práticos que a aplicação da norma produziria em certas circunstâncias. Se o resultado prático está concordando com as expectativas das partes, tal norma deverá reger a hipótese concreta. Ao invés, caso a norma suscetível de aplicação, perante a hipótese intersubjetiva litigiosa, contrariar os valores, os anseios e as expectativas dos sujeitos envolvidos no compromisso arbitral, o árbitro jamais deverá aplicá-la". Neste sentido, citam o artigo 25 da Lei nº. 9.099/95 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o qual manda o árbitro conduzir o processo com os mesmos critérios do juiz, podendo decidir por eqüidade, considerando às máximas da experiência comum ou técnica. (Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 31).

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Na arbitragem por Eqüidade, decide-se com base no bom senso. Segundo

Goergenor Sousa FRANCO FILHO, essa modalidade é passível de aplicação

no Direito do Trabalho por força do disposto no artigo 8º. da CLT.241

Se, por um lado, a decisão por Eqüidade representa um perigo diante da

ampla liberdade do árbitro para criar um direito alternativo, por outro, pode

representar a forma mais célere e eficiente de solução de determinados

conflitos. Apresenta, portanto, vantagens e desvantagens, que devem ser

ponderadas pelas partes diante de sua escolha. 242 A respeito, vale transcrever a

colocação de Carlos Alberto CARMONA:

"... não se pode deixar de notar que a arbitragem ex aequo bono submete as partes a sérios riscos, pois o que parece justo a elas pode não parecer ao árbitro (e vice-versa). Assim, podendo ser negligenciadas limitações legais e regras de direito material, a decisão assemelha-se a um verdadeiro barril de pólvora sobre o qual placidamente resolvem sentar-se as partes"!243 Assim, pela ampla liberdade que confere ao árbitro, tal modalidade só

pode ser utilizada quando expressamente autorizada pelas partes.244

O artigo 2º. oferece, ainda, a opção de mais três outros meios para a

realização da arbitragem: os princípios gerais do direito; os usos e os costumes;

as regras internacionais do comércio (lex mercatoria).

Os princípios gerais do Direito são mandamentos nucleares que estão

explícitos ou implícitos na Ordem Jurídica. Como explicam Paulo FURTADO

e Uadi Lammêgo BULOS, tais princípios são:

"...cânones que se encontram explícitos ou implícitos no ordenamento jurídico. Alguns têm existência própria; outros, não. São qualificados de gerais porque se

241 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 26. 242 Neste sentido LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 42: "... a permissividade de que a arbitragem reja-se pela eqüidade, conquanto perigosa, eis que dá ensancha à criação de um verdadeiro direito alternativo; por outro lado permite que o árbitro ou árbitros decidam a controvérsia sem as técnicas às vezes incômodas da lei, ou ainda lhe permite ou lhes permite o conforto de decidir, não raras vezes, sem a existência daquela mesma lei". 243 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 62). 244 Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 16.

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aplicam à unanimidade dos problemas"...245

Os usos e costumes são definidos por Cristiane Maria Henrichs de Souza

COUTINHO como "atitudes ou valores sociais, consagrados pela tradição, que

se impõem aos indivíduos de um grupo e se transmitem através das gerações",

sendo aplicáveis ainda que colidam com as regras do Direito Nacional.246

As regras internacionais de comércio, por sua vez, são os tratados,

convenções, acordos, pactos, etc., que estipulam regras próprias dirigidas às

atividades do comércio internacional. Nas palavras de Cristiane Maria

Henrichs COUTINHO, tais regras traduzem-se na chamada lex mercatoria:

"...princípios e normas cuja prática reiterada lhes tornou de observância obrigatória, não obstante desvinculados das ordens jurídicas nacionais e que geram a existência de uma ética, governando os negócios internacionais aos quais se subordinam as comunidades nacionais".247

245 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 36. "Consideram-se Princípios Gerais do Direito o substrato das regras contidas no ordenamento jurídico, como os valores que determinam a formação do Direito, sem, entretanto, encontrarem-se expressos neste ordenamento." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 57). " ...a liberdade que as partes concedem ao árbitro ao submeter o julgamento aos princípios gerais do direito não difere dos poderes conferidos a tais julgadores com a cláusula de eqüidade, sendo importante lembrar que os princípios gerais do direitos não estão necessariamente ancorados a um ordenamento nacional, de tal sorte que o árbitro, diante do caso concreto, pode desprezar a norma que seria obrigatoriamente aplicável, por estar ela em desacordo com princípios ligados, por exemplo, à boa-fé que deve reger os contratos internacionais, ou à justa causa que deve estar à base dos negócios jurídicos." (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 68). 246 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 57 "Os costumes [...] consignam a observância geral, constante e uniforme de uma conduta pelos membros do grupo social. [...] O uso consiste, pois, no elemento objetivo do costume, devendo ser uniforme, constante, público e geral. Uniforme e constante, porque revela a atitude de se agir sempre do mesmo modo, sem qualquer interrupção. A uniformidade e a constância do uso não seriam possíveis sem o exercício, por período razoavelmente longo, capaz de autorizar a convicção da existência de uma norma estável (diuturnitas temporis); público, haja vista que deve obrigar a todos; e geral, porquanto colima alcançar todos os atos, pessoas e relações que realizam os pressupostos de sua incidência na norma consuetudinária." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., pp. 36 - 37). "Julgando de conformidade com os usos e costumes (em especial aqueles do comércio internacional), está o árbitro dispensado de aplicar as regras estritas de direito nacional. Por isso mesmo, poderá ocorrer que o costume aplicado colida frontalmente com regras de direito nacional, sem que isso possa ser motivo de questionamento do laudo." (CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 68). 247 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs. Op. cit., p. 57. "Na arbitragem as regras internacionais de comércio desempenham papel importantíssimo, porque por meio delas as partes têm o caminho aberto para solucionar seus conflitos, sem a necessidade de apelar para a autoridade jurisdicional. Daí dizer-se que se aplicam em todos os litígios internacionais dos últimos trinta anos, constituindo forma de solução pacífica de pontos de vista divergentes." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 41).

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Este dispositivo é elogiável frente à nova realidade mundial, tendo em

vista o prestígio das modalidades de arbitragem internacional e comercial.

Neste sentido, expõe Alex Oliveira Rodrigues LIMA:

"O legislador, vislumbrando a importância da globalização e a integração do direito em vários países, apresenta no § 2º. a total compatibilidade da Lei de Arbitragem com o direito internacional, tratados, convenções, pactos, declarações e legislações internacionais".248

Este dispositivo legal consagrou, definitivamente, o princípio da

autonomia da vontade, em matéria de arbitragem, conferindo às partes a

liberdade para que se afastem das normas do Direito quando for conveniente à

solução do conflito, como discorrem Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo

BULOS, o árbitro "poderá, de acordo com a vontade das partes, escolher

livremente o caminho para solucionar a pendência entre elas, desligando-se,

inclusive, do ordenamento jurídico".249 Este artigo afasta, até mesmo, o

disposto no artigo 9º. da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) que dispõe

que, "Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se

constituírem". Carlos Alberto CARMONA afirma a derrogação deste artigo

pela Lei de Arbitragem em relação às causas submetidas a esta. Tal derrogação

da rígida norma geral é considerada pelo autor como conveniente,

especialmente, para a formação e execução de contratos internacionais, tudo,

porém, dentro dos limites da ordem pública e dos bons costumes.250 Cristiane

Maria Henrichs de Souza COUTINHO explica que o artigo 9º. da LICC, sendo

248 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 17. 249 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 29. 250 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 63: "A lei de arbitragem, que preconiza maior autonomia da vontade das partes, supera a rigidez do diploma de 1942, derrogando-o no que diz respeito às causas submetidas ao juízo arbitral. Por conseqüência, enquanto o juiz togado estará atado pelos preceitos do Decreto 4.657/42, o árbitro poderá ter outros parâmetros para julgar. E é conveniente que assim seja, pois não são poucos os contratos celebrados entre brasileiros no exterior (ou entre brasileiros e estrangeiro, no exterior) para execução no Brasil, de tal sorte que a aplicação de Lei de Introdução exigiria a aplicação da lei estrangeira para reger o contrato, o que talvez (rectius, muito provavelmente!) contrarie a vontade dos contratantes. De outra parte, o dispositivo servirá para tranqüilizar os estrangeiros que vierem a contratar no Brasil: poderão, eles também, evitar a aplicação da lei brasileira (que quiçá não conheçam), apontando desde logo a lei material que será empregada para qualificar e reger as obrigações que aqui assumirem".

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norma de conexão de natureza imperativa – regras próprias criadas para

determinadas categorias de situações conectadas a mais de um sistema jurídico

- deveria ser aplicado. Todavia, o artigo 2º. da Lei de Arbitragem permite às

partes escolher livremente a lei que regerá seus contratos, sem necessidade de

utilizar normas de conexão.251 A autora ainda observa que o respeito aos Bons

Costumes e à Ordem Pública só se refere ao § 1º. do artigo, mas entende ser

correta sua observância também nos casos do § 2º. Concorda-se com tal

entendimento até por uma questão de interpretação sistemática.

Quanto às questões trabalhistas, Georgenor FRANCO FILHO coloca a

impossibilidade de aplicação deste último meio. Nas suas palavras:

"Na lei brasileira de arbitragem, há uma terceira previsão que ficou à conta do § 2º, havendo indicação de três meios opcionais para realizar a arbitragem: os princípios gerais do direito, os usos e costumes e as regras internacionais do comércio. As duas primeiras são aplicáveis à arbitragem trabalhista".252

4.3.2 Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos

"Art. 3º. As partes interessadas podem submeter a solução de seus

litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a

cláusula compromissória e o compromisso arbitral."

A utilização da arbitragem é, necessariamente, convencionada pelas

partes através da chamada convenção de arbitragem, de que trata o artigo 3º. da

Lei nº. 9.307/96, que abrange a cláusula compromissória – estipulando a

utilização da arbitragem para dirimir eventuais e futuros conflitos - e o

compromisso arbitral, onde as partes concordam em submeter um conflito já

251 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 56. 252 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 26.

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existe à arbitragem. 253

Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. § 1º. A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira. § 2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

É a própria Lei, através do artigo acima referido, que define a cláusula

compromissória (ou cláusula arbitral) como "convenção através da qual as

partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que

253 "Convenção de arbitragem é cláusula compromissória e o compromisso arbitral por meio dos quais as partes submetem a solução de seus litígios ao juízo arbitral. Conquanto possa a convenção arbitral denotar a idéia de um contrato em si, tecnicamente não passa de uma mera cláusula e compromisso. Tal conceito bem demonstra a natureza informal do instrumento eletivo da convenção de arbitragem, a qual poderá ser estipulada por simples cláusula compromissória seguida do compromisso arbitral. Destarte, para instituição do juízo arbitral basta que as partes interessadas na solução do litígio instituam por meio de uma cláusula, onde se comprometem a submeter à decisão do juízo arbitral as questões surgidas de um determinado contrato, nomeando e tomando o compromisso do árbitro ou árbitros." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 47). Tânia Lobo MUNIZ aponta as seguintes diferenças entre cláusula compromissória e compromisso arbitral: a) o aspecto tempo, já que a cláusula é futura e o compromisso é presente; b) a questão da permanência, pois a duração do compromisso é a mesma do litígio enquanto a da cláusula é a do contrato; c) a autonomia entre si; d) e a exigência de formalidade específicas para a formação do compromisso. (Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 96). Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS também apontam os principais pontos de contato entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, destacando que ambos são fontes de processo arbitral e afastam a jurisdição ordinária através da alegação de exceção de arbitragem; que além da diferença temporal – a cláusula dirigida ao conflito futuro, e o compromisso para o conflito presente –, recordam que a o compromisso dirige-se a submeter apenas uma controvérsia à arbitragem, enquanto a cláusula submete todas as controvérsias que possam surgir da relação jurídica à que se aplica, podendo dar origem a vários juízos arbitrais ou nenhum; ambas têm a mesma natureza jurídica de convenção ou acordo, submetendo-se às normas de direito privado; o compromisso é um ato totalmente independente, enquanto a cláusula remete-se uma relação jurídica; o compromisso origina uma obrigação pura e simples – a submissão à arbitragem -, enquanto a cláusula origina uma obrigação condicional – se surgirem conflitos, será aplicada. (Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 29).

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possam vir a surgir, relativamente a tal contrato".254

Carlos Alberto CARMONA opina no sentido de que antes da Lei nº.

9.307/96, com raras exceções trazidas pela Convenção de Genebra de 1923255,

o juízo arbitral só poderia ser utilizado mediante a celebração do compromisso

arbitral. A cláusula compromissória não tinha o poder de afastar a competência

do Poder Judiciário.256 Sua força restringia-se a obrigar a parte a celebrar o

compromisso arbitral. Essa diferenciação, todavia, foi suprimida com o

advento da Lei de Arbitragem que permite a ambos os instrumentos afastarem

a atuação da Jurisdição. Estipulada a cláusula arbitral, passa-se imediatamente

à instauração da arbitragem. Com a Lei de Arbitragem, a cláusula

compromissória deixa de ser uma promessa de celebração de compromisso

arbitral para ser uma promessa de instituição da arbitragem, como deixa clara a

redação do artigo 4º.257

254 "Em palavras simples, cláusula compromissória, cláusula arbitral ou pactum de compromittendo é uma convenção celebrada entre os contratantes, através da qual fica estipulado que as divergências que vierem a surgir entre eles a respeito de um dado negócio jurídico (normalmente acerca da execução ou interpretação de um contrato) serão resolvidas por meio da arbitragem." (LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 55). "No compromisso arbitral, uma obrigação definida é assumida por duas ou mais partes, inserindo no instrumento a abdicação do exercício do direito de acesso jurisdicional, escolhido previamente o arbitral para a solução de controvérsias em torno do negócio jurídico objeto do contrato. Na cláusula compromissória acordam os contratantes submeter a decisão a árbitros a serem nomeados, na previsão de que possam surgir questões que tenham de ser solucionadas. Constitui, segundo a doutrina, um pacto preliminar, uma promessa de realização de um compromisso, no caso de vir a surgir uma dúvida ou controvérsia..." (CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 41). 255 "O Pacto de Genebra de 1923 permitia aos países signatários estabelecer reserva, limitando sua extensão apenas às obrigações comerciais, assim entendidas de acordo com cada legislação nacional. O Brasil utilizou da reserva, de sorte que a convenção vigora apenas em relação aos contratos comerciais internacionais." (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 63). 256 Neste sentido se manifesta, também, Tânia Lobo MUNIZ: "Embora se reconhecesse a validade da cláusula, seus efeitos não afastavam a competência da jurisdição estatal para a apreciação do litígio, tendo em vista que, na vigência da legislação anterior, considerava-se a cláusula compromissória como mera promessa de contratar o compromisso e, devido à ausência de norma que previsse a execução específica, no caso de seu inadimplemento, a obrigação resolvia-se em perdas e danos". (MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 96). 257 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., pp. 72 e 73: "Em síntese apertada, a convenção de arbitragem tem um duplo caráter: como acordo de vontades, vincula as partes no que se refere a litígios atuais ou futuros, obrigando-as reciprocamente à submissão ao juízo arbitral; como pacto processual, seus objetivos são os de derrogar a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição dos árbitros. Portanto, basta a convenção de arbitragem (cláusula ou compromisso) para afastar a competência do juiz togado, sendo irrelevante estar ou não instaurado o juízo arbitral".

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Valéria Maria SANT'ANNA posiciona-se de forma diversa ao afirmar

que a cláusula compromissória é apenas "a previsão de um futuro compromisso

como meio de solucionar eventuais litígios durante a execução de um negócio

jurídico, representando apenas a promessa de pactuar eventualmente o

compromisso", que "pode não chegar à meta do juízo arbitral se não houver

acordo entre os litigantes para tanto". Sua opinião tem por base o disposto no

artigo 7º. da Lei de Arbitragem que permite à parte interessada dirigir-se ao

Judiciário para requerer a citação da outra parte para formalizar o compromisso

arbitral.258

Tânia Lobo MUNIZ afirma que a cláusula compromissória não é mera

promessa mas, contrato preliminar, através do qual as partes podem buscar

intervenção judicial para constituir a arbitragem

"...estabelecendo o compromisso arbitral e enviando as partes ao julgamento de árbitros; ou, se em descumprimento ao acordado, uma das partes iniciar ação perante o Judiciário, pode a outra defender-se invocando-a, e, comprovando sua existência, deve o juiz remetê-las aos árbitros".

Em razão deste poder, conferido pela Lei, à cláusula arbitral de afastar a

Jurisdição Estatal, a autora destaca a importância de, na confecção da referida

cláusula, estabelecer o maior número de informações possível sobre a

instituição da arbitragem para que sejam observadas posteriormente.259

Há, assim, uma dissonância de opiniões com relação ao poder da cláusula

compromissória, tendo em vista a redação do artigo 4º. - que a coloca como

meio apto para submeter os litígios à arbitragem – e do artigo 7º. - que permite

à parte voltar-se ao judiciário para exigir que a outra parte remitente venha a

firmar o compromisso e, ainda, a hipótese prevista nos parágrafos 3º. e 4º.

desse artigo, que obriga o Juiz a considerar os termos da cláusula arbitral para

258 SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 32. 259 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, pp. 87 e 88: "Devido a esta propriedade, outorgada pela nova lei a cláusula compromissória, de excluir a jurisdição estatal, é que, apesar de não ser requisito legal, deve conter o maior número de normas referentes à instituição e instalação da arbitragem, evitando que surjam controvérsias na elaboração do compromisso arbitral e facilitando o conhecimento da vontade das partes, se houver dificuldades na sua contratação, pois, se for fixada por sentença, seu conteúdo deverá respeitar o estabelecido, suprindo a vontade das partes somente naquilo que não foi acordado anteriormente, neste caso, a designação do objeto do litígio quando e se surgir".

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a nomeação dos árbitros e instauração do procedimento, caso as partes não

concordem sobre os termos do compromisso.

Carlos Alberto CARMONA enfrenta os argumentos acima afirmando

que tanto a cláusula como o compromisso são aptos a afastar a Jurisdição

Estatal e a instituir a arbitragem, insistindo que:

"...não há mais obrigatoriedade de firmarem os litigantes um compromisso arbitral; e apesar da redação conservadora – e em certa medida ambígua - do art. 7º da Lei que continua a amparar-se no binômio cláusula-compromisso, como se aquela devesse necessariamente desembocar neste".

Para ele, a redação do artigo 5º. não deixa dúvidas a respeito do tema,

pois demonstra que é possível passar diretamente da cláusula para a

instauração da arbitragem.260

A razão parece estar com ele, uma vez que o próprio artigo 7º. da Lei de

Arbitragem determina ao Juiz que, não havendo acordo das partes quanto aos

termos do compromisso, sejam verificadas e aplicadas as disposições da

cláusula compromissória quanto à instauração do procedimento arbitral.

Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS destacam a importância da

cláusula compromissória e afirmam que seu nome se justifica por estar

inserida, geralmente, nos contratos, mas que outras relações jurídicas podem

ser objeto de arbitragem, como uma relação de vizinhança, por exemplo.

Destaca que, embora sua denominação seja "cláusula", esta não tem um caráter

acessório como esse vocábulo poderia indicar e, sim, é um negócio jurídico

distinto, resultado de distintas manifestações de vontade e, por esta razão, a

cláusula compromissória não pode ser interpretada sistematicamente com as

demais cláusulas do contrato, além dos vícios destas não afetarem aquela.261

Carlos Alberto CARMONA explica que antes da Lei de Arbitragem não

havia qualquer documento legislativo nacional que se dedicasse à

regulamentação da cláusula arbitral, restando alguns tratados internacionais

260 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 71 e 72. 261 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 46.

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para nortear o tema, como o Pacto de Genebra (1923), a Convenção de Nova

York (1958) e a Convenção do Panamá (1975).262

Há exigência legal no sentido de que deve a cláusula ser feita por escrito,

no contrato ou separado deste, desde que faça remissão expressa a ele. Como

coloca Tânia Lobo MUNIZ, em face dessa exigência legal, pode ser

considerada a cláusula feita no próprio contrato ou em documento apartado, da

mesma forma que aquele feito por carta, telegrama ou fax, desde que faça

referência ao contrato. Pode estar contida num único documento ou em vários,

e "as partes podem estabelecer normas referentes à instituição da arbitragem na

própria cláusula ou em documento distinto".263

O Legislador demonstrou sua preocupação com a hipótese de inserção da

cláusula compromissória, em contrato de adesão, condicionando sua validade,

neste caso, à iniciativa do aderente ou à sua concordância expressa com a

instituição da arbitragem, desde que o faça "por escrito em documento anexo

ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula".

Essa preocupação justifica-se na proteção do aderente que, via de regra, não

tem poder de negociação diante dessa forma contratual, como coloca Belizário

Antônio de LACERDA:264

262 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 75 - 78: Pelo Pacto de Genebra, nas causas resultantes de contratos comerciais internacionais celebrados entre os Países signatários, a cláusula arbitral era apta a instituir o juízo arbitral, afastando a competência do Poder Judiciário. A Convenção de Nova York também se posicionava neste sentido, porém, não foi firmada pelo Brasil. A Convenção do Panamá, por sua vez, declarou ser válido o acordo de vontades que determine a submissão de controvérsia atual ou futura ao juízo arbitral, entretanto, não estabeleceu que tal acordo teria força para desde logo afastar a competência do Poder Judiciário, não tratando a questão com a clareza necessária para solucioná-la. 263 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 89. 264 LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 49. "Colocou-se uma restrição à inserção da cláusula para evitar abusos e a banalização da utilização do instituto. Pela característica destes contratos que fogem do tipo tradicional onde há livre discussão das cláusulas, neles inexiste essa liberdade, há tão somente o consenso e um dos contratantes impõe ao outro a sua vontade, e por haver a necessidade da autonomia da vontade na opção pela via arbitral, sua validade neste tipo de contrato vai depender da manifestação do aderente para que se instaure o juízo arbitral, ou seja, a cláusula compromissória só produzirá efeitos caso a parte aderente tome a iniciativa de instituir o juízo arbitral ou concorde, de maneira expressa (por escrito e em documento anexo, em negrito, dando visto ou assinatura específica para essa finalidade), demonstrando que aceita as cláusulas contratuais." (MUNIZ, Tânia Lobo. Op. cit., p. 89).

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"Tal cuidado da lei se justifica pela interpretação in bona partem que a hermenêutica impõe em favor do contratante-aderente nos denominados contratos de adesão. Nesses contratos ou o contratante-aderente submete-se às regras preestabelecidas do contrato ou perde a utilidade que esse possa a vir oferecer-lhe".

Tais contratos não se enquadram na forma convencional por não

permitirem, normalmente, a livre discussão pelas partes das cláusulas neles

inseridas, restringindo à aceitação de uma parte às cláusulas apresentadas pela

outra. Em razão dessa limitação da liberdade das partes a Lei, a fim de proteger

o aderente, fixou parâmetros diferenciados para a inserção da cláusula arbitral,

garantindo a liberdade que é seu pressuposto elementar.265

Tal disposição tem fundamental importância para a aplicação da

arbitragem às relações de consumo. Vale destacar que o Código de Defesa do

Consumidor veda a arbitragem compulsória, conforme seu artigo 54, VII,

modalidade inexistente, atualmente, no Brasil.266

Art. 5º. Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.

Assim como as partes podem adotar a arbitragem ad hoc, cujos árbitros e

regras são escolhidos e determinados com exclusividade pelas partes para a

solução de seu conflito, podem, também, adotar a arbitragem institucional,

prevista no artigo 5º. da Lei de Arbitragem. Trata-se da possibilidade das

partes, na cláusula compromissória, elegerem um órgão arbitral institucional ou

entidade especializada para dirimir o conflito, sujeitando-se às suas regras.

265 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 53 266 "A utilização da arbitragem nas relações de consumo é meio hábil para dirimir controvérsias e vem sendo aplicada universalmente; inclusive, a própria lei do consumidor, através dos princípios informadores da Política Nacional das Relações de Consumo, propugna e incentiva mecanismos alternativos de solução de conflitos da espécie, conforme se extrai do disposto no art. 4º, inciso V, in fine e art. 5º, inciso IV, da referida Lei nº 8.078/90 (CDC). O que esta lei veda é a utilização compulsória da arbitragem." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 58).

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Há a possibilidade legal de as partes de, na própria cláusula ou em

documento apartado, estabelecerem a forma para a realização da arbitragem. 267

O objetivo dessa previsão legal é, não somente fomentar a criação de

entidades especializadas, como, também, fazer com que as partes se

comprometam com as regras da instituição escolhida.268

Este dispositivo é a autorização necessária para a criação de órgãos

especializados, na aplicação da arbitragem, tanto na esfera privada quanto na

esfera pública, como esclarece Valéria Maria SANT'ANNA:

"Aqui a lei abre margem para criação de órgãos especializados em arbitragem, inclusive na esfera governamental. Esperamos que essa possibilidade venha dar maior segurança àqueles que optarem pela arbitragem, bem como não surjam problemas burocráticos que tirem a característica de celeridade da convenção".269

Irineu STRENGER destaca que essa previsão legal traduz a realidade

prática, na escolha da arbitragem, para a solução de conflitos, uma vez que

discutir os pormenores do procedimento arbitral na elaboração da convenção

não é algo extremamente fácil às partes, sendo, em diversas situações, mais

prático e conveniente delegar essa tarefa a um órgão especializado. Nas

palavras do autor:

"...é muito raro ver as partes discutindo ponto por ponto as disposições necessárias à consumação do procedimento arbitral [...] Seria muito difícil elencar um acordo final, com a adoção desse método para elaboração do

267 "Ademais, prevê o artigo que as partes podem, na cláusula compromissória, ou separadamente, dispor sobre a forma para a arbitragem ser instituída. Releva notar, nesse ponto, a importância da redação da cláusula compromissória ou do documento específico que remeta à arbitragem futura, a fim de que os termos e as palavras sejam claras, não suscitando interpretações divergentes ou duplo significado." (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 31). 268 Conforme LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 49. "Objetiva o presente artigo a prestigiar e ao mesmo tempo fomentar a criação de órgãos arbitrais institucionais ou entidades especializadas, permitindo às partes que se louvem nas regras daquelas instituições por meio da cláusula compromissória, podendo ainda as partes estabelecer nessa mesma cláusula ou em documento à parte a forma combinada de instituir a arbitragem". (MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 89). 269 SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 32.

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compromisso. Assim será muito mais conveniente a remissão a terceiro para completar esse desígnio".270

Art. 6.º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral. Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º. desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.

O artigo 6º. trata da forma de promover a arbitragem a partir da iniciativa

de uma das partes, na inexistência de ajuste anterior, ou seja, a parte

interessada em solucionar o conflito, por meio da arbitragem, comunicará sua

intenção por via postal ou outro meio de comunicação que comporte

comprovante de recebimento, convocando a parte para firmar o compromisso.

Todavia, como expõe Alex Oliveira Rodrigues de LIMA, não há como

negar ser possível que uma das partes se arrependa de ter firmado a cláusula

compromissória e recuse-se a solucionar o conflito pela via arbitral. Diante

dessa realidade a Lei prevê a possibilidade de imposição judicial da celebração

do compromisso, pois "havendo firmado a cláusula arbitral no escopo do

contrato, nenhuma das partes pode desistir da arbitragem, pois os tratos devem

ser cumpridos (princípio do pacta sunt servanda)".271 Eis o fundamento que

justifica tal disposição legal. Vale lembrar que o artigo fixa a competência para

tanto: o Juízo competente para julgar a causa objeto do compromisso.

Essa imposição judicial é alvo de críticas por parte da doutrina, como

expõe Irineu STRENGER:

"... o amparo externado neste parágrafo deve ser evitado o quanto possível, pois as interferências do Poder Judiciário nas contendas arbitrais são, de certa forma, um contra-senso, já que a opção por esse desiderato leva as partes a

270 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 57. 271 Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 22.

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submeterem-se a todas as inconveniências dos processos judiciais".272

Art. 7º. Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim. § 1º. O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória. § 2º. Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral. § 3º. Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei. § 4º. Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio. § 5º. A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito. § 6º. Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único. § 7º. A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.

O artigo 7º., por sua vez, de suma importância para a análise da natureza

jurídica da cláusula compromissória, como visto acima, trata do trâmite

referente à resistência à instituição da arbitragem, quando da existência de

cláusula compromissória.

272 STRENGER, Irineu. Op. cit., p. 56. Ainda com relação a este dispositivo, vale transcrever a opinião de Georgenor Sousa FRANCO FILHO: "Esse dispositivo deve ser afastado de aplicação em questões trabalhistas. E por quê? Porque a Constituição contempla apenas a arbitragem facultativa, opcional e, conseqüentemente, decorrente da vontade comum das partes que estão divergindo. Não deve, então, um sindicato de trabalhadores comparecer à Justiça do Trabalho e requerer que o Presidente do Tribunal correspondente inste o sindicato patronal (ou a empresa ou grupo de empresas) a firmar o compromisso arbitral. Se isso ocorrer, transformar-se-á em obrigatória a arbitragem que, dessarte, irá ferir frontalmente a própria Carta Magna". (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 31). Com relação à facultatividade defendida na citação acima, tem-se a seguinte colocação feita por João de Lima Teixeira Filho: "Com espeque no direito posto (Lei n. 9.307/96), ousamos discordar do ilustre magistrado paraense. A facultatividade da cláusula compromissória reside na deliberação de celebrá-la, não em sua execução, uma vez pactuada. O cumprimento forçoso pelas partes que nela aviram está nítido no artigo 7° da lei, mediante interferência do poder Judiciário, instado pela parte interessada em fazer valer o acordado. [...] Embora essa impositividade não se compadeça com a gênese da arbitragem, antes examinada, é demonstração inequívoca de que a cláusula compromissória, devidamente pactuada é inescusável. Pode até parecer defeito de concepção do comando legal - não um vício". (SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1206).

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Como explica Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO, o

processo judicial previsto nesse artigo é especialíssimo e de cognição reduzida.

É especialíssimo porque é um processo de conhecimento com rito próprio,

fixado em Lei especial, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil;

é de cognição reduzida devido à autonomia da cláusula compromissória e à

competência reconhecida legalmente ao árbitro para análise da existência,

validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato. Diante disso, a

análise do Juiz Estatal "restará limitada à verificação da existência da cláusula

compromissória e aos motivos da resistência pela parte ré na ação arbitral".273

Assim, a parte interessada requer a citação da outra para comparecer em

juízo a fim de lavrar o compromisso em audiência, indicando o objeto da

arbitragem e instruindo seu pedido com o documento que contém a cláusula

compromissória. Esse documento, como explicam Paulo FURTADO e Uadi

Lammêgo BULOS, terá por base a "possibilidade, economicidade e

determinabilidade dos requisitos objetivos da arbitragem", ou seja, seu objeto

deve ser material e formalmente possível, o caráter econômico deve estar

presente, lembrando que a arbitragem se restringe aos direitos patrimoniais

disponíveis e o objeto precisa ser determinável quanto ao gênero, de forma a

não deixar dúvidas quanto à sua caracterização. 274

Na audiência, será tentada a conciliação acerca do conflito. Como indica

Alex Oliveira Rodrigues de LIMA, a tentativa de conciliação, neste caso, é

fundamental, pois:

273 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 63: "Esta ação do art. 7º da LA tem sofrido algumas críticas por parte da doutrina, alegando ser o seu procedimento previsto por demais complexo. Afirmam que no caso da cláusula compromissória simples, assim entendida a que não contenha a nomeação prévia dos árbitros, bem como os outros elementos necessários à formação do Juízo Arbitral, seria mais eficaz a notificação através do cartório de títulos e documentos, demonstrando a intenção de instalar a arbitragem e já indicando o árbitro. À outra caberia concordar com a indicação, ou nomear outro árbitro, quanto então se resolveria a situação pelo art. 13, § 2º, da LA. No caso da parte notificada permanecer silente, caberia ao árbitro indicado pelo notificante requerer ao juiz estatal a nomeação de uma segundo árbitro, procedendo-se, assim, novamente na forma do art. 13, § 2º, da LA. Alegam que esta medida simplificaria, sobremaneira, a ação do art. 7º da LA, tornando-a inclusive bem mais rápida (não haveria audiência), uma vez que a Interferência do poder judiciário se mostraria, ainda menor, ou seja, seria apenas a de nomear árbitro e não de redigir cláusulas contratuais". 274 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 57.

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"...o litigo deve ser evitado ao máximo, já que em sua continuidade surgirão figuras impostas pelo magistrado, do vencedor e perdedor – o que não é bom para os contratantes, que devem chegar a um acordo satisfatório e mútuo sobre o compromisso arbitral".275

Restando infrutífera a tentativa de conciliação, caberá ao juiz conduzir as

partes a celebrarem o compromisso. Não sendo isso possível, o juiz decidirá

após a oitiva do réu. Caberá ao juiz a nomeação dos árbitros após a oitiva das

partes, caso a cláusula nada disponha a respeito. Eis a importância, já

ressaltada, de que a cláusula arbitral contenha o maior número de informações

possível sobre a instituição do procedimento arbitral.276

Se o autor não comparecer à audiência, o processo será extinto sem

julgamento do mérito. Caso o autor justifique sua ausência através de conteúdo

probante de justo motivo, será agendada nova audiência.277 Na ausência do réu,

caberá ao juiz, ouvido o autor, dispor a respeito do conteúdo do compromisso,

nomeando árbitro único, e a sentença que julgar procedente o pedido valerá

como compromisso arbitral, suprindo a omissão de manifestação de vontade do

réu.

Alex Oliveira Rodrigues de LIMA repugna esse artigo, afirmando que

"tal preceito jamais deveria ser utilizado, pois a arbitragem em sua essência

275 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 23: "Uma questão se faz necessária: - Por que, na assinatura do contrato com cláusula compromissória, as partes anuíram, e depois, no surgimento da controvérsia, voltam atrás? Tal comportamento pode levar a crer na existência de um resquício de má-fé, no posterior descumprimento do previamente pactuado". 276 "A hipótese de insucesso do acordo entre as partes conduz as mesmas a celebrarem, de comum acordo, através da intermediação do juiz togado, o compromisso arbitral. Este compromisso terá as características de um contrato, sendo, pois, típico (previsto em lei), puro (não se funde em dois ou mais contratos), bilateral (gera direitos e deveres recíprocos), de execução diferida (celebra-se num momento, mas realiza-se noutro), negociado e acessório (tem sua existência baseada noutro ato jurídico)." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 57). "Para evitar a aplicação deste parágrafo [§ 4º.], é imprescindível que as partes elaborem uma cláusula arbitral bem detalhada, e que contenha os pressupostos para a nomeação de um árbitro. No caso da opção pela arbitragem institucional, em que uma entidade externa irá nomear o árbitro, devem ser seguidos os dispositivos da mesma." (LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Op. cit., p. 24). 277 Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 25. "Temos neste dispositivo [art. 6º., § 5º.] uma das causas que leva à extinção do processo sem julgamento do mérito, na arbitragem. Basta que o autor, sem qualquer justificativa da sua ausência, não compareça à audiência marcada para lavrar-se o compromisso arbitral." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 58).

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requer a solução do conflito por árbitros particulares e não por juízes

estatais".278

Tal artigo é também criticado por Irineu STRENGER279 e Georgenor

Sousa FRANCO FILHO que, no âmbito trabalhista, não recomenda sua

aplicação:

"... o artigo 7º. da Lei n. 9307/96, ao permitir que, havendo recusa, a outra parte requeira ao juiz do Estado que imponha a celebração do compromisso e que instaura o juízo arbitral, fere o caráter facultativo da arbitragem trabalhista, contrariando, portanto, pelo menos no caso trabalhista, do ponto de vista coletivo, o comando constitucional."280 Selma Ferreira LEMES destaca a importância da atuação dos operadores

do Direito na fase de confecção da cláusula arbitral e do compromisso arbitral,

para evitar que seus clientes tenham que recorrer à via Judicial, como lhes

permite esse artigo, para esclarecer pontos da convenção que poderiam ter sido

observados anteriormente.281

Art. 8º. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória. 282

278 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 22. 279 "Embora seja bom haver mecanismos de amparo à parte prejudicada, do ponto de vista da natureza e objeto da arbitragem, será sempre preferível fugir da interferência judiciária, pela sua sobrecarga de serviço e pela complexidade dos dispositivos processuais aplicáveis." (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 57). 280 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 33. 281 Conforme LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem: Visão Pragmática do Presente e do Futuro. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 282 "Considera-se, normalmente, que as partes estipularam dois contratos, isto é, o contrato principal e um contrato à parte, que regula a controvérsia daí derivada. Portanto, surgindo controvérsia, seja ela relativa à nulidade ou menos, a autônoma convenção arbitral continua válida e deverá sobre a mesma pronunciar-se o árbitro." (STRENGER, Irineu. Op. cit., p. 66). Também com relação a este artigo: "O dispositivo, se interpretado corretamente, permitirá entender que a utilização da expressão '... não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória...' permite inferir que também esta, em situações especiais ou excepcionais, é atingida pelo vício e, portanto, também é nula de pleno direito." (CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 60).

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A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato a que se

refere, conforme dispõe o artigo 8º. da Lei de Arbitragem. Assim, a nulidade

deste não implica, necessariamente, a nulidade daquela.

Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO coloca que essa

autonomia da cláusula arbitral, cuja inserção foi inspirada nas legislações mais

modernas da Europa e na lei-modelo da UNCITRAL, pode ser questionada,

pois se houver "solidariedade entre as cláusulas, a nulidade do contrato

impostará na ineficácia da cláusula compromissória nele inserida, embora esta

não seja a regra".283

A Lei confere aos árbitros, portanto, a competência para decidir acerca da

existência, validade e eficácia da cláusula e do contrato, além da própria

convenção de arbitragem. Tal disposição, segundo Paulo FURTADO e Uadi

Lammêgo BULOS, tem por finalidade facilitar o trabalho do árbitro, evitando

situações que possam protelar o andamento do feito. Nas palavras dos autores:

"Isto justifica o fato do árbitro [...] dever, de ofício, ou quando provocado, proferir decisão a respeito da existência, validade e produção de efeitos da convenção arbitral e também do contrato que tiver cláusula compromissória. Busca-se, assim, solucionar a lide de modo seguro, econômico, sem a interferência, na medida do possível, da máquina judiciária do Estado".284

Em sede trabalhista, Georgenor Sousa FRANCO FILHO entende ser tal

artigo plenamente aplicável ao Direito do Trabalho:

"A regra do parágrafo único é compatível com a arbitragem trabalhista. Reconhece a competência do árbitro para decidir acerca da existência, da validade e da eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória,

283 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 67. 284 FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 58. Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO informa que o parágrafo único do artigo 8º., da Lei de Arbitragem, refere-se ao princípio Kompetenz-Kompetenze, princípio este que se vincula à noção de independência do Juízo Arbitral em relação ao Poder Judiciário, permitindo aos árbitros decidir sobre sua própria competência. Da análise do artigo 8º., segundo a autora, retira-se a conclusão de que almejou-se evitar ao máximo a intervenção judicial. "O que ocorria, mesmo nos países onde a cláusula arbitral já valia independentemente do compromisso, era que se insira tal cláusula nos contratos e, quando surgia o conflito, a parte que não mais queria submeter-se à arbitragem, alegava vício de nulidade do contrato, afirmando que a cláusula era acessória e, portanto, sofria os mesmos efeitos que o contrato principal". Tal situação já não corre o risco de ocorrer no Brasil. (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Op. cit., p. 69).

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competência que lhe é atribuída pelo caráter autônomo da cláusula, e do próprio compromisso"...285

Art. 9º. O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. § 1º. O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda. § 2º. O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.

O compromisso arbitral está previsto no artigo 9º. da Lei, classificando-o

em judicial - quando já há uma lide instaurada, caso em que será celebrado por

termo nos autos, e extrajudicial, celebrado por escrito particular, com duas

testemunhas ou por instrumento público. Até a vigência da Lei de Arbitragem,

a legislação pátria limitava-se a discriminar alguns requisitos mínimos de

validade nos artigos 1.074 e 1.075 do CPC e 1.039 e 1.041 do CC.286

A natureza jurídica do compromisso é controvertida. Irineu STRENGER

explica que alguns qualificam o compromisso como contrato de direito privado

material, enquanto outros destacam o conteúdo processual do compromisso,

classificando-o como ato unilateral complexo, no qual as partes acordam retirar

a controvérsia do juiz estatal para remetê-la a um juiz privado por elas

escolhido, um ato de cooperação voltado à obtenção de um resultado: a solução

do conflito; o autor, entretanto, considera o compromisso um contrato de

efeitos processuais cujo único fim é a " a derrogação normal da competência

judicial".287

Valéria Maria SANT'ANNA destaca que, embora haja o entendimento de

que o compromisso é um contrato dirigido ao afastamento da Jurisdição, o

compromisso é entendido como um meio extintivo de obrigações, um pacto

que "aponta a forma pela qual se extinguirá uma pendência".288

Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS dispõem que o

compromisso não é apenas uma relação jurídica entre as partes, mas, além

disto, é um negócio jurídico arbitral, uma relação jurídica entre os

285 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 34. 286 Conforme SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 30. 287 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 70. 288 Conforme SANT'ANNA, Valéria Maria. Op. cit., pp. 29 e 30.

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compromitentes e o árbitro, que põe fim a uma controvérsia. Para eles, o

compromisso é um instituto de direito material, diferentemente do juízo arbitral

que é matéria do direito processual.

Vítor Barboza LENZA afirma que o compromisso é um negócio jurídico

plurilaterial, como o contrato de sociedade, onde as vontades das partes

convergem para a submissão do conflito à solução do procedimento arbitral.

Em razão disso, justifica ele que não se admite no procedimento arbitral a

intervenção de terceiros, já que a convenção arbitral não tem o poder de obrigar

terceiros a nele comparecer, salvo se os mesmos o fizerem espontaneamente.289

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; III - a matéria que será objeto da arbitragem; e IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

No compromisso, devem constar requisitos obrigatórios, conforme

dispõe o artigo 10 da Lei nº. 9.307/96, quais sejam: a qualificação das partes

(nome, profissão, estado civil e domicílio); a qualificação dos árbitros (nome,

profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a

identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros); a

individualização do objeto, a identificação da matéria que será objeto da

arbitragem; o lugar em que será proferida a sentença arbitral. Este último

requisito tem fundamental importância para definir a nacionalidade da

sentença, já que a Lei Pátria considera como nacional a sentença proferida em

território brasileiro, exigindo a homologação das demais para seu

reconhecimento e execução.290

Estes requisitos são essenciais, conforme comenta Belizário Antônio de

LACERDA:

"O artigo 10 e seus itens impõem os requisitos essenciais do compromisso arbitral [...] são aqueles que fazem com que o compromisso arbitral tenha a verdadeira natureza jurídica de um compromisso arbitral. Isto quer dizer que omitindo o compromisso quaisquer dos requisitos enumerados, o mesmo perde a

289 Conforme LENZA, Vítor Barboza. Cortes Arbitrais. Goiânia: AB, 1997, p. 54. 290 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 93.

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natureza jurídica de compromisso arbitral e, por isso mesmo, é nulo de pleno direito".291

Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: I - local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; II - a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for convencionado pelas partes; III - o prazo para apresentação da sentença arbitral; IV - a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; V - a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e VI - a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentença.

O artigo 11 elenca os requisitos facultativos do compromisso arbitral,

aqueles cuja ausência não implicará a sua nulidade, mas que são recomendados

às partes para esclarecer o maior número possível de detalhes do procedimento,

visando a dar mais segurança e agilidade a este.292 Trata-se da indicação do

local onde se desenvolverá a arbitragem – uma vez que as partes podem

designar mais de um local para proceder à arbitragem, de acordo com a

necessidade de coleta de dados e da complexidade da matéria;293 a autorização

para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se for o caso; o prazo

para apresentação da sentença; a indicação da Lei ou das regras corporativas

aplicáveis à arbitragem, se for o caso; a declaração da responsabilidade pelo

291 LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 59. "Neste artigo, temos quatro incisos que apresentam as formalidades legais de eficácia plena do compromisso arbitral. Uma vez celebrado, surgem duas ordens de relações jurídicas: a) as partes devem acatar a decisão, cumprindo-a de acordo com os termos do compromisso; b) os árbitros assumem o ônus de proferir a sua sentença de acordo com os limites." (LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 29). 292 "São apenas subsídios mais detalhados para a elaboração do compromisso arbitral. Estes não são taxativos, podendo conter o máximo de informações possíveis, visando evitar omissões que podem fazer com que o compromisso seja levado à interpretação judicial, o que oneraria desnecessariamente as partes. Trata-se de elementos opcionais, destinados a elucidar os termos compromissórios e esclarecer quais as normas que deverão ser observadas pelo árbitro, partes e terceiros porventura envolvidos." (LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Op. cit., p. 31). 293 Conforme MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 93.

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pagamento dos honorários e despesas com a arbitragem; a fixação dos

honorários do árbitro, ou dos árbitros.294

Este último elemento mostra-se relevante. Constando no compromisso

arbitral a fixação dos honorários, este constituirá título executivo extrajudicial.

Caso não tenham as partes convencionado a respeito, poderá o árbitro recorrer

ao Poder Judiciário para que fixe os honorários por sentença, constituindo uma

garantia ao árbitro de que será remunerado após cumprir seu mister.295

Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral: I - escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto; II - falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.

O compromisso arbitral extingue-se pelos seguintes motivos, conforme o

artigo 12 da referida Lei: a escusa de qualquer dos árbitros antes de aceitar a

nomeação, desde que as partes tenham declarado expressamente não aceitar

substituto - modalidade que, segundo Belizário Antônio de LACERDA,

"constitui prova inequívoca da natureza personalíssima do compromisso

arbitral"296; o falecimento de algum dos árbitros ou sua impossibilidade de dar

seu voto, desde que haja declaração expressa das partes no sentido de não

aceitar substituto; ou quando expirado o prazo estipulado no compromisso para

apresentação da sentença arbitral, desde que a parte interessada tenha

294 "Esses dispositivos são fundamentais para que o compromisso arbitral possa ter validade. São os aspectos extrínsecos do documento. O art. 10 contempla os requisitos indispensáveis, obrigatórios, aqueles sem os quais o compromisso ficará desprovido de qualquer validade. O art. 11 contém elementos complementares, facultativos, destinados a elucidar melhor os termos da avença e, sobretudo, esclarecer as regras e os comandos que deverão ser observados tanto pelo árbitro, como pelas partes e também por terceiros". (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 37). 295 "O árbitro tem direito a receber a quantia honorária estabelecida, em comum acordo, pelas partes, pela prestação dos seus serviços. Cabe às partes, pois fixar os honorários no compromisso arbitral. Caso inexista tal estipulação, o Poder Judiciário, quando provocado pelo árbitro, deverá fixar via sentença, que valerá como título executivo, o quantum devido ao árbitro. Determinando as partes os honorários arbitrais e deixando elas de efetuar o pagamento, o árbitro poderá ajuizar ação de cobrança." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 62). 296 LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 64.

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notificado o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo

de dez dias para a apresentação. A explicação para a existência desta

modalidade reside na celeridade, uma das principais razões de existência do

compromisso arbitral.297

Valéria Maria SANT'ANNA destaca que a lei não previu o falecimento

de uma das partes, deixando herdeiro incapaz, nem a divergência entre os

árbitros em relação à escolha do terceiro árbitro como causas de extinção do

compromisso, hipóteses que eram previstas como tal no art. 1.077 do CPC.298

4.3.3

Dos Árbitros

Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. § 1º. As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes. § 2º. Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei. § 3º. As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada. § 4º. Sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do tribunal arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso. § 5º. O árbitro ou o presidente do tribunal designará, se julgar conveniente, um secretário, que poderá ser um dos árbitros. § 6º. No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. § 7º. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral determinar às partes o adiantamento de verbas para despesas e diligências que julgar necessárias.

297 Conforme LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 64 e MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 94. 298 SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 37.

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O artigo 13 trata de um dos elementos mais importantes do instituto: a

figura do árbitro.299 São exigidos apenas dois requisitos para o exercício dessa

função apenas dois: ser capaz e ter a confiança das partes.300

O árbitro deve gozar de plena capacidade para prática de atos da vida

civil. Diante dessa exigência legal, conclui-se que não podem ser árbitros os

relativamente incapazes. O texto legal também leva a concluir que somente

poderão ser árbitros pessoas físicas e isto se justifica, como analisa Cristiane

Maria Henrichs de Souza COUTINHO, porque os:

"...árbitros devem decidir com base no seu livre convencimento, a partir da apreciação das provas; existe aí, uma voluntariedade que só é admissível advinda de um ser humano (pessoa física), dotado de consciência e sentimentos, e não de uma pessoa jurídica, pois que, despida de tais atributos".301

Valéria Maria SANT'ANNA destaca que a nomeação de analfabetos para

o exercício da arbitragem não foi expressamente proibida, como era na

299 Victor Barboza LENZA resume, de forma bastante clara, quem é o árbitro perante a Lei nº. 9.307/96: "O árbitro é a pessoa natural, tecnicamente preparada e qualificada que, sem estar investida na magistratura estatal, é juiz de direito e de fato e é escolhido por duas ou mais pessoas, quer físicas ou jurídicas, sempre em número ímpar, para dirimir controvérsias entre elas, proferindo sentença arbitral de mérito com força de título executório. São equiparados, no exercício de suas funções ou em decorrência delas, aos funcionários públicos, para os efeitos penais, e aos magistrados, para as exceções de impedimentos e suspeição do artigo 134 e 135 do Código de Processo Civil". (LENZA, Vítor Barboza. Op. cit., pp. 56 e 57). 300 "Para ser árbitro ou árbitros a única conditio sine qua non exigida por lei é ser capaz. Essa capacidade a que a lei se refere é a capacidade de ser juiz de fato. Isso quer dizer que, além da capacidade de ser juiz de fato, isto é, de ser capaz de conduzir a sua própria pessoa e administrar seus próprios bens, o árbitro ou árbitros não pode ter qualquer impedimento ou suspeição que o iniba de julgar a questão objeto do compromisso arbitral." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 68). 301 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 71: "O fato da lei admitir a arbitragem institucional não modifica isso, uma vez que estas serão entidades, dotadas de normas procedimentais próprias, que terão colocado à disposição dos interessados um corpo de árbitros e constituídas, exatamente, para o exercício da arbitragem." "O artigo 13 da LA externa enunciado singelo e sábio: pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. A capacidade é a civil e para decidir a matéria. A confiança está ligada à honradez. Cícero, o herói da liberdade na Roma antiga, com toda a sabedoria advertia na sua obra De Officiis que a honestidade decorre de quatro fontes: a primeira é o conhecimento (sabedoria), a segunda o sentimento da comunidade humana (justiça), a terceira a magnanimidade (alma nobre e generosa) e, a quarta, a inclinação para a moderação (temperança). Qualquer pessoa que possua essas qualidades pode ser indicada como árbitro. Não necessita ter diploma de curso superior. Necessita ser independente, ser imparcial e ser pessoa de bom senso. Nunca necessitou em lugar nenhum do mundo de regulamentação, pois não é profissão." (LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem: Visão Pragmática do Presente e do Futuro. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006).

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legislação anterior (artigo 1.079 do CPC). Todavia, entende a autora que,

embora diante da exigência do artigo 26 da Lei de Arbitragem de que o árbitro

assine a sentença arbitral, seja possível questionar a nomeação de árbitro

analfabeto e este possa apresentar dificuldades para se inteirar do

procedimento, é possível a sua nomeação.

Poderão ser nomeados um ou mais árbitros pelas partes para solucionar

os conflitos, sempre em número ímpar e, querendo, elegerão seus suplentes.

Caso as partes tenham nomeado árbitros em número par, os árbitros eleitos

estão autorizados a nomear mais um árbitro; se, no entanto, não houver acordo

com relação a essa nomeação, recorrerão as partes ao Poder Judiciário, mais

precisamente, ao juízo que seria competente para julgar a causa objeto da

arbitragem, para que nomeie mais um árbitro.302

Valéria Maria SANT'ANNA explica que perante a legislação anterior, no

caso de nomeação dos árbitro em número par e ausência de consenso entre

estes para a nomeação de mais um árbitro, ocorreria a inviabilização do

julgamento arbitral, com a extinção do compromisso, de acordo com a antiga

redação do artigo 1.077, V do Código de Processo Civil, o que hoje não mais

ocorre.303

Os árbitros poderão ser escolhidos pelas partes ou estas poderão adotar

regras prontas com relação a essa escolha, no caso da arbitragem institucional.

Sendo eleitos vários árbitros, estes, por maioria, escolherão o presidente

do tribunal arbitral, ou, não havendo acordo nesse sentido, será designado

presidente o árbitro mais idoso. Este já era o entendimento da antiga redação

do artigo 1.085, § 1º., do Código de Processo Civil.304

A Lei autoriza o árbitro ou o presidente do tribunal a nomear um

secretário, escolhido dentre os árbitros ou não, para lavrar termos, atas de

302 "O § 1º como é comum em todas as legislações estabelece permissão para as partes nomearem quantos árbitros quiserem, sempre em número ímpar, possibilitando a nomeação de suplentes, vale dizer tratar-se de suprimento por meio de substituto nas hipóteses de impedimento. Isto significa ser a convenção das partes que regula livremente a constituição do tribunal arbitral, sem necessidade de referência a uma lei estatal..." (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 93). 303 Conforme SANT'ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei nº. 9.307 de 23-9-96. São Paulo: Edipro, 1997, p. 39. Confira a redação do antigo artigo 1.077, V do CPC: "Extingue-se o compromisso: [...] V – divergindo os árbitros quanto à nomeação do terceiro (art. 1.076)". 304 Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 35.

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reuniões, transcrever declarações de testemunhas ou partes, e demais atividades

neste sentido.305

São deveres inerentes à função do árbitro: a imparcialidade; a

independência; a competência; a diligência e a discrição, que garantem a

credibilidade ao instituto. Conforme Alex Oliveira Rodrigues de LIMA, o

árbitro deve ser:

"...imparcial para não favorecer uma das partes. Independente, não se sujeitando a qualquer pressão. Competente, por conhecer a matéria que está sendo discutida. Diligente, não medindo esforços para a busca da verdade e dos fatos. Discreto e sigiloso, mantendo para si as informações obtidas". 306

Além disso, deve respeitar o Código de Ética de sua profissão, se esta for

regulamentada.307 Caso algum desses deveres seja violado pelo árbitro, este ou,

até mesmo, o órgão institucional de arbitragem a que se vincula, será

responsabilizado pelos danos que causar. Sobre o tema, vale destacar a

colocação de Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO: "Ao mesmo

tempo em que é necessário ter o juiz tranqüilidade e liberdade para julgar, as

partes têm de estar resguardadas por algum tipo de proteção, para que

injustamente não sofram prejuízos além daqueles justificáveis por uma

eventual sucumbência. Este mesmo entendimento deve prevalecer quanto ao

árbitro no Juízo Arbitral".308

Caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral determinar a necessidade ou não

de adiantamento de verbas para despesas e realização de diligências. Como

coloca Alex Oliveira Rodrigues de LIMA, as verbas a que a Lei se refere neste

305 Neste sentido já dispunha a antiga redação do artigo 1.085, § 2º, do CPC: "O presidente ou o árbitro designará o escrivão". (Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 36). 306 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Op. cit., p. 36. 307 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Op. cit., p. 36. 308 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 78 e 76: "De acordo com o art. 13, § 6º, c/c o art.17 da LA, é possível caracterizar-se a responsabilidade civil do árbitro que tenha agido fora dos padrões legais, por danos causados a qualquer das partes, ou até mesmo responsabilizar o órgão institucional arbitral ou entidade especializada, que tenha assumido o encargo de realizar, de acordo com suas próprias regras, a arbitragem. Neste caso, tais entidades são responsáveis pela atuação dos árbitros que indicam, tendo depois direito de regresso contra os mesmos".

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artigo não se trata de honorário do árbitro ou de custas da arbitragem, mas, dos

valores necessários para que o árbitro exerça sua atividade.309

Vigora, durante o procedimento, o princípio da identidade física do

árbitro, o qual não poderá delegar seus poderes, como explica Cristiane Maria

Henrichs de Souza COUTINHO:

"Durante o processo prevalece o princípio da identidade física do árbitro e a ele cabe decidir, não podendo chamar nem transferir seus poderes, nem ser forçado e nem se submeter à opinião de terceiros, e nem mesmo deliberar com estes. A obrigação que ele assume com as partes é de cunho personalíssimo".310

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1º. As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. § 2º. O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando: a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação. 311

309 Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 37. 310 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 71. 311 Código de Processo Civil. "Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão; IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo".

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Os árbitros estão sujeitos às restrições previstas no Código de Processo

Civil no que tange à suspeição e impedimento, conforme dispõe o artigo 14 da

Lei nº. 9.307/96. Nas palavras de Isabele Jacob MORGADO:

"... os árbitros sujeitam-se aos impedimentos e suspeições de que tratam os artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil, conforme referência expressa da lei [...] Este preceito é perfeitamente aplicável ao processo trabalhista, por força do art. 769, da CLT, que determina a aplicação subsidiária do processo comum ao trabalhista".312

O artigo em questão atribui à pessoa indicada para ser árbitro, antes de

aceitar a função, o dever de revelar qualquer fato que implique dúvida quanto à

sua imparcialidade e independência.

A confiança é a qualidade essencial do árbitro. Se houver a confiança das

partes, até mesmo um parente ou amigo das partes, desde que assim se declare

e seja aceito por elas, poderá atuar como árbitro, derrogando a proibição deste

artigo, como coloca Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO:

"...a proibição contida no art. 14 da LA não é absoluta, podendo ser derrogada pela vontade das partes, no uso de sua liberdade de contratar, salvo na hipótese do art. 134, I, do CPC, já que não se pode admitir alguém que seja, ao mesmo tempo, parte e árbitro".313

O dever de revelar se justifica, segundo Cristiane Maria Henrichs de

Souza COUTINHO pelo fato de que os árbitros exercem outras atividades além

da arbitragem, diferentemente do juiz estatal que se dedica exclusivamente à

atuação julgadora sendo, inclusive, impedido por lei de exercer outras

312 MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 50. "Fazendo as necessárias adaptações, estará impedido de funcionar como árbitro aquele que se enquadrar em qualquer das hipóteses do art. 134 do CPC, especialmente se: 1. for parte no compromisso, ou como integrante da categoria profissional ou como membro do sindicato patronal ou titular da empresa ou grupo de empresas; 2. estiver atuando no procedimento arbitral, como advogado de uma das partes, cônjuge, ou parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta ou na colateral até o segundo grau; 3. quando for cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau. As hipóteses de suspeição de árbitro são as do 135, dentre outras, as seguintes: 1. for amigo íntimo ou inimigo capital das partes; 2. alguma das partes for seu credor ou devedor, ou de seu cônjuge ou de parente seu, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; 3. for herdeiro presuntivo, donatário ou integrar a direção da empresa ou do grupo de empresas; e, 4. possuir interesse no desfecho da demanda, sem isenção, favorável a qualquer das partes." (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 42). 313 COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 70.

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atividades que não o Magistério. Nas palavras da autora: "O árbitro tem o

dever de revelar pela integridade e justiça do processo".314

As partes podem recusar o árbitro por motivo superveniente à sua

nomeação, inclusive se verificada uma das hipóteses dos artigos 134 e 135 do

Código de Processo Civil. Entretanto, há duas exceções à regra da

possibilidade de recusa do árbitro por motivo posterior à nomeação: quando

não for nomeado diretamente pela parte ou quando o motivo para a recusa for

conhecido posteriormente à sua nomeação. A respeito, vale destacar a

colocação de Alex Oliveira Rodrigues de LIMA: "Antes de nomeado, inexiste

a figura do árbitro, portanto ele só poderá ser recusado se não foi indicado pela

parte, ou descobrindo-se um motivo capaz de inabilitá-lo para a arbitragem

imparcial".315

Art. 15. A parte interessada em argüir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes. Parágrafo único. Acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedido, que será substituído, na forma do art. 16 desta Lei.

O procedimento para a recusa do árbitro pelas partes está exposto no

artigo 15 da Lei de Arbitragem: a parte apresentará exceção, diretamente ao

árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, com suas razões e provas

pertinentes.

Se acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedido,

procedendo-se à sua substituição. A Lei nada dispõe a respeito do não

acolhimento da exceção. Georgenor Sousa FRANCO FILHO faz interessante

comentário a respeito:

"... em sendo rejeitada a exceção, parece que o melhor caminho seria o árbitro deixar esse papel, porque poderá pairar dúvidas quanto à sua independência e à sua imparcialidade. Não se trata de situação similar a do juiz, de que trata o § 1º

314 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 75: "Freqüentemente os árbitros são escolhidos, propositadamente, dentro da mesma atividade comercial ou industrial das partes, em face de conhecimentos específicos que os auxiliarão na tarefa de decidir. Daí a necessidade de revelares todo e qualquer relacionamento comercial passado e presente com qualquer parte na disputa". 315 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 40.

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do art. 138 do CPC. Aqui, o procedimento é privado, fora da atuação do Estado, o que importa em uma opção da parte na escolha"...316

Art. 16. Se o árbitro escusar-se antes da aceitação da nomeação, ou, após a aceitação, vier a falecer, tornar-se impossibilitado para o exercício da função, ou for recusado, assumirá seu lugar o substituto indicado no compromisso, se houver. § 1º. Não havendo substituto indicado para o árbitro, aplicar-se-ão as regras do órgão arbitral institucional ou entidade especializada, se as partes as tiverem invocado na convenção de arbitragem. § 2º. Nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista no art. 7º. desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, expressamente, na convenção de arbitragem, não aceitar substituto.

O artigo 16 da referida Lei trata dos casos em que se faz necessária a

substituição do árbitro: a escusa anterior à aceitação para a função ou após a

nomeação, o falecimento, a impossibilidade de exercício da função ou a recusa

pelas partes. Na ocorrência desses casos, o árbitro será substituído por um

suplente indicado no compromisso – caso este tenha sido omisso a respeito, se

a via eleita for a arbitragem institucional, aplicar-se-ão suas regras ao caso; não

sendo esta hipótese e não chegando as partes a um acordo quanto ao substituto,

salvo se declararam expressamente a sua não aceitação, poderão recorrer ao

Judiciário para solucionar esse ponto, nos termos do artigo 7º.317

316 "A fidúcia é essencial e indispensável. O bom senso recomenda que aquele que, indicado ou nomeado árbitro, tiver contra si apresentada exceção de recusa, em esta sendo inacolhida, deve afastar-se da arbitragem, a fim de garantir sua absoluta transparência. Trata-se, entretanto, de matéria altamente subjetiva, dependendo de cada pessoa e do caso concreto examinado." (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 44). "Recusada a exceção, não caberá, nesta fase, qualquer recurso ao Judiciário. A lei prevê apenas a hipótese de acolhimento da exceção, o que levará à substituição do árbitro, na forma prevista do art. 16. Havendo suspeita da idoneidade do árbitro, mesmo com a rejeição do pedido de exceção, restará subjetivamente eivado o procedimento arbitral, pois persistirão as dúvidas quanto à independência e imparcialidade do mesmo." (LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 43). 317 "No caso do árbitro não aceitar sua nomeação, for recusado por qualquer das partes, ou vier a falecer no decurso da arbitragem, observar-se-ão as regras de substituição previstas no art. 16, onde se constatam, basicamente, três hipóteses: na primeira, a convenção arbitral previu árbitro suplente, ou as próprias partes, em comum acordo, escolhem outro árbitro; na segunda, as partes aplicam as regras da instituição arbitral ou entidade especializada a que tivessem se reportado anteriormente; na terceira hipótese, a parte interessada requer ao Judiciário que nomeie árbitro substituto, na forma do art. 7º da lei, quando não tiver chegado a um acordo acerca da substituição, salvo se tiver sido expressamente convencionada a impossibilidade de designar substitutos, hipótese em que a arbitragem será desconstituída e, as partes, querendo, podem recorrer ao judiciário para solucionar seu conflito." (MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 50).

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Alex Oliveira Rodrigues de LIMA destaca que esta norma deve ser

interpretada analogicamente com o artigo 12, pois se o árbitro não for

substituído, extingue-se o compromisso arbitral.318

Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão

delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da

legislação penal.

Segundo o artigo 17 da Lei de Arbitragem, os árbitros são equiparados,

no exercício de sua função, aos funcionários públicos para os efeitos da

legislação penal. Assim, poderá o árbitro ser responsabilizado pela prática de

atos considerados criminosos em relação aos servidores públicos, tais como: o

peculato, a concussão, a corrupção ativa e passiva e a coação no curso do

processo, dentre outros. Este último tipo penal faz referência expressa de

aplicação ao juízo arbitral.

Trata-se de uma disposição de grande relevância para a credibilidade do

instituto da arbitragem, garantindo lisura ao procedimento arbitral. Há, porém,

quem se contraponha a este entendimento, como coloca Irineu STRENGER:

"A equiparação dos árbitros aos funcionários públicos é descabida e sua validade discutível, porquanto os árbitros, pela própria natureza de suas atividades, não estão investidos de nenhuma função pública, não podendo, por isso, engajar-se na responsabilidade do Estado, mesmo que seja somente para efeitos penais"... 319

Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não

fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Grande polêmica gerou o artigo 18 da Lei de Arbitragem ao afirmar que

o árbitro é "juiz de fato e de direito". Essa afirmação que levou ao

318 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 45. 319 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 117.

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questionamento da constitucionalidade do referido artigo, hoje é assunto

pacífico na doutrina e na jurisprudência. 320

Esse artigo foi questionado, dentre outros motivos, porque mesmo se

reconhecendo uma identidade entre a atividade do árbitro e do juiz – a solução

do conflito321 – não há uma identidade de poderes entre eles – falta ao árbitro o

poder de aplicar medidas coercitivas, medidas cautelares que são exclusividade

do juiz estatal, como coloca Irineu STRENGER:

"A equiparação encontra na prática alguns percalços, porquanto, dispositivamente, os árbitros não têm os mesmos poderes do juiz de direito, descabendo-lhe conduzir e ordenar medidas cautelares e faltando-lhes ainda imperium para compelir certas decisões incidentais ou interlocutórias. [...] A similitude se manifesta na missão jurisdicional do árbitro".322

320 "É indubitável que o art. 18 dessa lei seja um de seus artigos mais polêmicos. E tal ocorre porque afirma textualmente que o árbitro é juiz de fato e também juiz de direito. Como já se salientou nesses comentários, juiz de direito é o juiz natural previsto na Constituição Federal nos arts. 92 usque 100. Ademais disso, do juiz de direito, jamais se excluirá qualquer lesão ou ameaça a direito a teor da norma contida no art. 5º, item XXXV da Constituição Federal. Logo, se interpretada mais afoitamente, parece ser de duvidosa constitucionalidade a norma inserta no art. 18 retro, todavia, o que afirma o artigo é que não haverá recurso da sentença arbitral para o Poder Judiciário, como por exemplo, a apelação, e muito menos carece a sentença arbitral de homologação judicial, caso contrário constituiria a Lei de Arbitragem mera repetição do velho compromisso arbitral já existente no Código Civil e Código de Processo Civil, expressamente revogados pelo art. 44 da lei 9.307/96. Destarte, salvo melhor juízo e reverente a esclarecidas opiniões em contrário, entendo que é perfeitamente receptível pela Constituição Federal o referido art. 18 da lei 9.307/96." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 72). "... quando o art. 18 da LA afirma que árbitro é juiz de fato, quer com isso dizer que ele terá sido investido naquela função através do compromisso, para aquele caso especificamente, detendo o poder investigatório do conflito, de acordo com os fatos. É juiz de direito por ter se obrigado a dar uma solução ao caso concreto, ou seja, investido que está neste poder, poderá qualificar juridicamente os fatos, valorá-los segundo as regras de direito que entenda aplicáveis, proferindo a decisão que reconheça o direito subjetivo invocado por uma das partes." (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 79). 321 Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO faz o seguinte comentário a respeito do artigo 18: "... é exato afirmar que seu escopo de atuação será o de dar a solução do litígio com força de definitividade e imutabilidade, podendo-se, então afirmar que em sentido lato o árbitro tem jurisdição. [...] não se pode negar que a missão dos árbitros tem como fim dizer o direito ao caso concreto. Na realidade são juízes privados, dotados de jurisdição privada". (COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs. Op. cit., p. 79). 322 Também a respeito deste artigo, assim se manifesta Irineu STRENGER: "No que concerne ao artigo 18, a atribuição ao árbitro da qualidade de juiz de fato e de direito valoriza, sem dúvida, a função, mas se afigura exagerada e inconsoante com os principais sistemas vigentes. [...] A aproximação entre o juiz e o árbitro apresenta uma limitação importante. À diferença de um julgamento ordinário, a sentença deve revestir-se de condições de exequatur para ser executada. O árbitro tem o poder de dizer o direito (jurisdicitio), mas não aquele de apor sobre seu julgamento a fórmula executória, que só permite recurso às vias de execução. Assim sendo, os árbitros, juízes privados, não estão investidos de autoridade pública análoga àquela dos magistrados". (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 117.)

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Dispõe este artigo, também, a desnecessidade de homologação da

sentença arbitral pelo Judiciário, bem como a impossibilidade de recorrer da

sentença a este. Georgenor Sousa FRANCO FILHO destaca que essa é uma

"conquista das partes que buscam solução rápida e que atenda da melhor

maneira seu interesse", pois se assim não fosse, e pudessem as partes recorrer

da sentença arbitral ao Judiciário, toda busca de celeridade e eficiência perderia

sentido.323

Todavia, Cristiane Maria Henrichs de Souza COUTINHO alerta que,

embora a Lei preveja a irrecorribilidade frente ao Poder Judiciário, na prática a

possibilidade de proposição de ação de nulidade e de oposição de embargos à

execução, nos termos do artigo 33 da Lei de Arbitragem, terão efeito

semelhante ao recurso, além de que as partes podem estipular a recorribilidade

da sentença arbitral, porém, não ao Judiciário. Nestes casos, é inegável a perda

da principal qualidade do instituto: a celeridade.324

4.3.4

Do Procedimento Arbitral

Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários. Parágrafo único. Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral que há necessidade de explicitar alguma questão disposta na convenção de arbitragem, será elaborado, juntamente com as partes, um adendo, firmado por todos, que passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem.

323 Conforme FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 46. 324 Conforme COUTINHO, Cristiane Maria Henrichs de Souza. Arbitragem e a Lei nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 80: "... no que se refere à irrecorribilidade da decisão, nem sempre isto irá acontecer, uma vez que ela pode ser objeto de ação de nulidade nos casos do art. 33 da LA, e também objeto de ataque, nos casos de embargos à execução (art. 33, § 3º, da LA, c/c 741 do CPC), em todas as questões relativas à validade e à eficácia do compromisso e da sentença arbitral. [...] Em última análise pode-se dizer que como as partes escolhem o tipo de procedimento a ser utilizado, nada impede que elas estabeleçam algum tipo de recurso para a sentença arbitral. Entretanto, na realidade, estarão desvirtuando o instituto que se baseia, entre outras coisas, na celeridade. Este recurso será para uma câmara de arbitragem e não para o Judiciário, por ausência de competência funcional para tanto".

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A instituição da arbitragem dá-se com a aceitação das pessoas indicadas

para exercerem a função de árbitros, conforme dispõe o artigo 19 da Lei nº.

9.307/96. Com a aceitação dos árbitros tem início o procedimento arbitral. No

caso da escolha de mais árbitros, somente será tida por instituída a arbitragem

com a aceitação de todos.325

Carlos Alberto CARMONA lembra que a Legislação Brasileira não exige

qualquer formalidade para a aceitação do árbitro e em razão disso, cabe às

partes e aos entes institucionais, se for o caso, zelar para se tenha uma prova

concreta da aceitação do encargo pelo árbitro, já que essa será a única forma de

obrigá-lo a prolatar caso o mesmo se recuse alegando não se ter comprometido

com as partes.326

Havendo alguma questão a ser esclarecida com relação à convenção

arbitral, o árbitro pode convocar as partes para elaborarem um adendo a fim de

solucioná-la, o qual passa a fazer parte da convenção de arbitragem.Como

dispõe Irineu STRENGER, os apontamentos iniciais da arbitragem nem sempre

são muito claros, necessitando de complementos para definir de forma mais

precisa o desenvolvimento do procedimento.327 Assim, o legislador criou uma

325 Conforme FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 48. 326 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 194: "O Código Civil, embora se referisse à instituição do juízo arbitral, não explicitava como esta se operaria; o Código do Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo (art.1.140) dispunham que, instituído o juízo arbitral, seriam os árbitros convidados para declarar se aceitavam a nomeação (a instituição, portanto, não dependia da aceitação); o Código de Processo de 1939 (art. 1.032) cometia o mesmo lapso do Código Civil, referindo-se à instituição da arbitragem sem precisar exatamente o sentido da expressão. Foi apenas em 1973, com a edição do novo Código de Processo Civil, que a matéria recebeu tratamento técnico adequado. Neste diploma, o art. 1.085 (hoje revogado pela Lei de Arbitragem) dispunha que considerava-se instituído o juízo arbitral 'tanto que aceita a nomeação pelo árbitro, quanto apenas um, ou por todos, se forem vários'. A redação, melhorada foi reproduzida no art. 19 da Lei, de forma que pode-se hoje dizer, com tranqüilidade, que só haverá litispendência (lide pendente) após a constituição do tribunal arbitral, o que ocorrerá tão logo o árbitro único (ou o último dos árbitros do colégio) aceitar a indicação". 327 "A primeira vantagem desse adendo é precisar as questões sobre as quais os árbitros terão de se pronunciar. Os escritos iniciais das partes não apresentam sempre clareza desejável e o estabelecimento do adendo as constrange a formular suas pretensões de maneira concisa e completa. A segunda é enquadrar o desenvolvimento do procedimento permitindo aos árbitros e às partes se pronunciar em conjunto sobre certas questões essenciais ao funcionamento da arbitragem, além de fixar os limites aos direitos das partes de submeter ao tribunal novas demandas. Naturalmente as explicitações adotadas, com aprovação unânime, passarão a fazer parte integrante da convenção de arbitragem, possibilitando melhor desempenho dos árbitros." (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 120).

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oportunidade para que tais imperfeições sejam suprimidas, não restando

nenhuma dúvida sobre o objeto e procedimento da arbitragem.

Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem. § 1º Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa. § 2º Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.

Segundo o artigo 20 da Lei de Arbitragem, todas as questões referentes à

competência, suspeição, impedimento do árbitro e nulidade, invalidação e à

ineficácia da convenção arbitral devem ser argüidas na primeira oportunidade

de manifestação, após a instituição da arbitragem. Como coloca Belizário

Antônio de LACERDA, trata-se de "providência salutar e condizente com a

natureza do processo arbitral, cujo principal pressuposto é a celeridade do

julgamento". Cuida, portanto, de "limpar" o processo de qualquer questão que

possa prejudicar seu bom andamento.328

O árbitro, enquanto juiz de fato e de direito, está sujeito às mesmas

hipóteses de impedimento e suspeição, como mencionado anteriormente. A

competência a que se refere o legislador é, por obvio, a competência ratione

materie, disposta no artigo 1º. da Lei.329 Se acolhida a argüição de suspeição ou

impedimento, procede-se à substituição do árbitro nos termos do artigo 16; se

reconhecida incompetência, nulidade, invalidade ou ineficácia, remetem-se as

partes ao Judiciário. Contudo, não sendo acolhida a argüição, o procedimento

seguirá, normalmente, podendo a decisão vir a ser analisada pelo Judiciário,

328 LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 75. 329 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 84.

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nos termos do artigo 33330, que prevê a ação para decretação de nulidade da

sentença.331

Carlos Alberto CARMONA observa que, com relação a algumas

matérias, como a suspeição e impedimento do árbitro, é possível dizer que, em

razão de estarem no âmbito de disponibilidade das partes, a preclusão prevista

por esse artigo é perfeitamente possível; outras matérias, porém, por estarem

relacionadas aos princípios do processo, não estariam sujeitas à preclusão;

assim, se as partes deixarem de alegá-las no primeiro momento, não estarão

impedidas de promoverem a demanda anulatória, prevista no artigo 33 da

Lei.332

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. § 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo. § 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. § 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral. § 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.

330 Carlos Alberto CARMONA observa um pequeno erro de pontuação na redação do §1º do artigo 20. Segundo o autor, o referido parágrafo deve ser lido nestes termos: "Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei; reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa." Assim, com a substituição da vírgula que antecede a palavra "reconhecida" pelo ponto e vírgula, resta claro que há duas situações a serem consideradas: a primeira, referente ao acolhimento da exceção de suspeição ou impedimento que leva à substituição do árbitro e prosseguimento da arbitragem; e a segunda, referente ao acolhimento da alegação de incompetência ou da falha da convenção de arbitragem que leva à extinção do processo arbitral. (CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 195) 331 "Desacolhida a argüição de suspeição ou impedimento do árbitro, não fica preclusa a decisão, isto é, pode ser ainda examinada pelo Poder Judiciário a quem competirá a apreciação da causa por ocasião da propositura da ação, que reconhecer a nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta lei. Essa ação seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento. Essa decisão judicial que declara nula a sentença arbitral tem a mesma natureza rescisória prevista no Código de Processo Civil, diferindo apenas no rito, pois enquanto a rescisória comum tem procedimento especial, a rescisória da sentença arbitral tem rito comum." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 76). 332 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit, p. 198.

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O procedimento pelo qual se desenvolve a arbitragem pode ser livre e

previamente estipulado pelas partes ou estas podem reporta-se às regras de um

órgão arbitral, ou podem, ainda, delegar ao árbitro ou tribunal arbitral tal

encargo, nos termos do artigo 21 da Lei nº. 9.307/96. 333

Carlos Alberto CARMONA, ao analisar as possibilidades de escolha das

normas procedimentais pelas partes, dispõe que a possibilidade das partes

definirem o procedimento na cláusula arbitral é a menos usual, pois, nas

palavras do autor "é difícil imaginar que no fechamento do contrato estarão as

partes animadas a criar um procedimento a ser aplicado para a eventualidade de

surgir um litígio". Todavia, tal situação é mais provável de ocorrer no

compromisso arbitral, pois aí já será possível escolher um procedimento

adequado ao litígio existente, tendo em vista suas necessidades práticas, como

deslocamento, necessidade de produção de provas, dentre outros fatores.

Quanto à opção por normas institucionais, lembra o autor que a utilização

destas não está vinculada à arbitragem institucional; trata-se somente da

escolha das normas procedimentais a serem utilizadas, podendo estas ser

aplicadas por qualquer pessoa, que atuará como árbitro sem vinculação coma

instituição que editou as normas. Por fim, a opção de delegar ao árbitro a

determinação do procedimento é considerada pelo autor a grande inovação

acerca da matéria, mas revela-se uma opção temerária, já que as normas

escolhidas pelo árbitro podem, nas palavras do autor, gerar "surpresa e

insegurança" às partes.334

Importante ressaltar que, seja qual for o procedimento adotado pelas

partes, tal procedimento tem por regra a obrigatoriedade de observância dos

princípios do contraditório, da igualdade de partes, da imparcialidade do árbitro

333 "Este artigo traduz de maneira adequada o tratamento a respeito das opções possíveis no estabelecimento das convenções de arbitragem. Realmente, a maioria dos sistemas arbitrais vigentes reconhece uma grande liberdade na determinação das regras de procedimento. Admite-se até mesmo recurso a regras transnacionais resultantes de análises do direito comparado ou da observação da jurisprudência arbitral. Tem-se, inclusive, acatado combinar as disposições de diversas leis ou mesmo abster-se de determinar com antecipação regras ou um direito processual qualquer para permitir aos árbitros deslindar as dificuldades procedimentais que encontrarem à medida que as mesmas surgirem. Vale dizer que a colocação da presente disposição leva à conclusão de que se reconhece, às partes e subsidiariamente aos árbitros, uma grande liberdade nesse domínio." (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 123). 334 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 202.

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e de seu livre convencimento, conforme dispõe, ainda, o artigo 21 acima

referido, além da observância dos imperativos de ordem pública e bons

costumes.

Como expõem Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS, de nada

vale o procedimento que violar o princípio do contraditório, pois este é direito

constitucional que viabiliza o direito de defesa e os meios inerentes a ele; o

princípio da igualdade das partes é corolário do princípio do contraditório,

sendo necessário para o seu próprio exercício; por fim, o princípio da

imparcialidade, em que o árbitro se coloca acima das partes, é pressuposto

essencial para o desenvolvimento do procedimento e, acrescente-se, para a

confiabilidade do instituto; por fim, o princípio do livre convencimento permite

ao árbitro formar sua convicção apreciando livremente as provas, observando,

porém, os fatos e circunstâncias trazidas ao procedimento.335

No procedimento arbitral, é perfeitamente possível a participação dos

advogados das partes.

No início do procedimento, é prevista legalmente a tentativa de

conciliação que, como coloca Georgenor Sousa FRANCO FILHO, é

compatível com a arbitragem em matéria trabalhista, pois é da "essência do

processo do trabalho a tentativa de conciliação".336

Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS ressaltam que, embora a

conciliação deva ser tentada, de acordo com a prática vivenciada pelo Processo

Civil, a ausência das partes a ela ou a sua não realização não devem ser

335 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 86-87. "O princípio do contraditório, previsto constitucionalmente no art. 5º, inciso LV, determina que ninguém pode ser julgado sem que lhe seja assegurado o direito de ser chamado ao processo para ser ouvido e apresentar defesa. O princípio da igualdade das partes visa assegurar aos litigantes tratamento igualitário, de modo que todos possam exercer seus direitos nas mesmas condições. A imparcialidade do árbitro, pressuposto básico para a aplicação da justiça, é corolário do princípio da igualdade das partes. O árbitro não pode ser tendencioso ao apreciar as provas e as alegações das partes. Ao contrário, deve se colocar acima destas, deixar suas impressões pessoais de lado e tentar, ao máximo, manter-se imparcial para que possa solucionar a lide sem nenhum prévio juízo de valor, mas de forma mais justa possível. Por sua vez, o princípio do livre convencimento é aquele que assegura ao julgador liberdade para apreciar o litígio e proferir a solução sem nenhum tipo de coação ou ameaça, baseando-se, tão somente, no seu conceito pessoal de justiça. Isso não significa arbitrariedade, pois na sua decisão, da mesma forma que o juiz, terá o árbitro que demonstrar, com base nas provas apuradas, os elementos que formarem seu convencimento." (MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 54). 336 Conforme FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 51.

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consideradas causas de nulidade. No mesmo sentido se manifesta Carlos

Alberto CARMONA.337

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. § 1º. O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros. § 2º. Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem. § 3º. A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral. § 4º. Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa. § 5º. Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as provas já produzidas.

Os poderes do árbitro, na busca da melhor solução para o conflito

apresentado, estão inscritos no artigo 22 da Lei de Arbitragem. Ele poderá

proceder à instrução colhendo o depoimento das partes, ouvindo testemunhas,

determinando a realização de perícias e diligências necessárias, de ofício ou a

requerimento das partes, nos parâmetros fixados pelo artigo referido e seus

parágrafos.

Os árbitros, entretanto, não estão autorizados a proceder medidas

coercitivas ou cautelares, devendo, na necessidades destas, solicitá-las aos

Poder Judiciário. Irineu STRENGER critica essa limitação:

"Uma outra contradição caracteriza a arbitragem em nossos dias. Criada como um mecanismo destinado a evitar complicações de regras de processo nacionais em proveito de um pleito mais brando e menos constrangedor, ela está, cada vez mais submetida às mesmas imposições que sofrem os litígios diante das jurisdições estatais".338

337 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 202. "A conciliação deverá ser tentada, mas, em relação ao não-comparecimento das partes para ela intimadas, como relativamente à sua não-realização, o tratamento será o mesmo hoje dado pela jurisprudência para a conciliação em outros procedimentos judiciais. Não haverá nulidade a decretar." (FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 90). 338 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: LTr, 1998, p. 130.

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Relevante destacar que, ainda segundo o artigo 22, a revelia não impede

que seja proferida a sentença, não afetando, assim, o andamento do

procedimento arbitral.339

Havendo substituição de árbitro ou falecimento deste, as provas que

colher poderão ser aproveitadas pelo substituto, a seu critério, que poderá

repeti-las se entender necessário.

4.3.5 Da Sentença Arbitral

Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. Parágrafo único. As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.

A sentença, tal como na Jurisdição Estatal, é o ato principal do

procedimento. Como explica Carlos Alberto CARMONA, as sentenças

arbitrais também podem ser classificadas como definitivas e terminativas,

conforme o árbitro decida ou não o objeto do conflito. Da mesma forma,

segundo o autor, poderão ser classificadas em declaratórias, constitutivas ou

condenatórias.340

O prazo para apresentação da sentença arbitral poderá ser fixado pelas

partes - que poderão, inclusive, prorrogá-lo de comum acordo com os árbitros –

, sendo essa previsão uma conseqüência do poder das partes de

convencionarem o procedimento a ser adotado na arbitragem. Se nada foi

339 "Corroborando a dicção do § 2º acima comentado, o § 3º afirma que a revelia da parte, isto é, o não comparecimento da parte não obstará a prolação da sentença arbitral. É bom que se atente para o fato de que a revelia apenas não obstará a prolação da sentença arbitral, mas jamais implica na aceitação como verdadeiros dos fatos alegados pelo autor." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 81). 340 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 223. O autor entende que a alteração terminológica de "laudo" para "sentença" arbitral deve-se, em primeiro lugar, ao reconhecimento da natureza jurisdicional da arbitragem; em segundo lugar, deve-se à intenção de fortalecer o resultado prático do instituto, tendo esta intenção, segundo o autor, um caráter político.

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convencionado por elas, o prazo será de 6 meses a partir da instituição da

arbitragem ou da substituição do árbitro.

Art. 24. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito. § 1º. Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral. § 2º. O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em separado.

A sentença deverá ser apresentada por escrito, conforme dispõe o artigo

24. No caso de tratar-se de um tribunal arbitral, a decisão será tomada por

maioria, sendo que o discordante poderá declarar seu voto em separado. Não

havendo acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal

arbitral.

Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral. Parágrafo único. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem.

Conforme dispõe o artigo 25 da Lei nº. 9307/96, se, no curso da

arbitragem, argüida existência de direito indisponível e o julgamento depender

de sua solução, suspende-se o procedimento arbitral e remetem-se as partes ao

órgão do Poder Judiciário competente. Resolvida a questão, junta-se aos autos

a sentença ou acórdão com trânsito em julgado, e prossegue o procedimento

arbitral.341

Tal dispositivo se deve ao fato de que a arbitragem tem objeto legalmente

limitado: conflitos que envolvam direito patrimoniais disponíveis. Assim

341 "Se constatar no desenvolver da arbitragem controvérsia sobre direitos indisponíveis de cuja existência ou não dependerá o julgamento da questão, as partes serão remetidas pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral ao órgão do Poder Judiciário competente originariamente para o julgamento da prejudicial, suspendendo-se o procedimento arbitral. A remessa ao Poder Judiciário da prejudicial se dá por incompetência absoluta do árbitro ou tribunal arbitral para o julgamento em razão da matéria ou da pessoa, tanto é, que tal remessa far-se-á ex officio, isto é, independentemente de provocação das partes. A suspensão do procedimento é mero corolário do surgimento da questão de cuja existência ou não dependerá o julgamento da questão principal, eis que sem o acertamento da questão prejudicial não será possível o julgamento definitivo da questão de fundo do procedimento arbitral." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 87).

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sendo, se surgir durante o procedimento questão que envolva direitos

indisponíveis e, principalmente, influente para o julgamento do conflito, as

partes levarão a questão ao Poder Judiciário para solução e, só então, dar

continuidade ao procedimento arbitral.342

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade; III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV - a data e o lugar em que foi proferida. Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.

A sentença arbitral deve conter elementos essenciais, da mesma forma

que a Sentença Judicial: com relatório, fundamentação e dispositivo. Assim

determina o artigo 26 da Lei nº. 9.307/96, sendo que, no relatório, devem

constar, necessariamente, os nomes das partes e a descrição sucinta dos fatos,

revelando o conflito que foi apresentado ao árbitro, a fim de ser solucionado;

na fundamentação, tem-se a análise das questões de fato e de direito,

descrevendo os motivos que levaram o árbitro a decidir daquela forma - o

artigo faz menção ao árbitro que decidir por eqüidade, devendo fazer referência

expressa a esse fato na fundamentação; por fim, no dispositivo, o árbitro

resolve o conflito indicando sua solução e estabelecendo prazo para o

cumprimento da decisão.

Devem constar, ainda, a data, o local e a assinatura do árbitro no corpo da

sentença e, no caso de tribunal arbitral, se algum árbitro não quiser ou não

puder assinar, caberá ao presidente certificar tal fato.

342 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 100-104: "A situação apontada, no curso do procedimento arbitral, configura inequivocamente uma ação declaratória incidental.[...] Todas as características apontadas incidem na hipótese ventilada no art. 1.094 do Código de Processo Civil: a) da existência, ou não, do direito dependerá o julgamento (antecedente lógico da decisão final); b) questão que poderia ser objeto de ação autônoma (a controvérsia pode ser deduzida como pedido principal); c) existência de duas lides (pretensões resistidas distintas); d) extensão dos efeitos da coisa julgada a ambas as sentenças (o próprio legislador registra que, intentada a declaratória, suspende-se o procedimento arbitral e, resolvida a questão prejudicial, terá normal seguimento a arbitragem...)".

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131

Irineu STRENGER dispõe que a exigência de tais requisitos é

plenamente aceitável e justificável, pois são os requisitos necessários para

demonstrar que o árbitro deliberou sobre cada ponto litigioso, revelando a

qualidade da sentença prolatada.343 Neste sentido também se manifesta Carlos

Alberto Carmona:

"Tal qual a sentença estatal, também aquela arbitral deve apresentar-se segundo o modelo que permitirá aferir integralmente o trabalho dos árbitros, eis que a decisão, antes de mais nada, deve servir para o convencimento dos litigantes de que sua causa foi decidida com atenção, cuidado e justiça".344

Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver.

De acordo com as disposições da convenção de arbitragem, a sentença

deve conter referência a quem incumbirá o pagamento de custas, despesas e

eventual verba decorrente de litigância de má-fé, conforme dispõe o artigo 27

da Lei de Arbitragem. Quanto a este último ponto, a previsão da litigância de

má-fé, é possível encontrar duras críticas, como coloca Georgenor Sousa

FRANCO FILHO:

"... essa previsão não deveria ter sido incluída da lei, porque não se pode pretender aplicar a regra dos arts. 16 e seguintes do CPC ao procedimento arbitral. Afinal, a responsabilização pela litigância da má-fé cuida de dano processual [...] Ora, na arbitragem, tecnicamente, não há litígio, nem litigantes, e um de seus pressupostos é a boa-fé que leva as partes a buscar esse remédio".345

343 "A sentença não pode desobedecer a certas formalidades, sob pena de tornar-se ineficaz. E o papel dos árbitros é resolver o conjunto de pontos litigiosos e exprimir essa decisão em um ato submisso a certas exigências de forma: a sentença arbitral. O processo que permite aos árbitros chegar a tal decisão é a deliberação. Não poderá a sentença arbitral fugir, por qualquer motivo, aos requisitos de efetividade que a lei impõe, valendo no caso presente como condição que faculta ou não o exequatur, vale dizer que em qualquer hipótese não se faculta à expressão sentencial a desobediência aos pressupostos legalmente impostos, mesmo que sua origem esteja subordinada a regulamento institucional dispositivamente diferente. [...] Sem dúvida, as disposições contidas no presente art. 26 são plenamente aceitáveis, na medida em que funcionam como aperfeiçoamento da qualidade que deve ter uma decisão." (STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 152). 344 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 237. 345 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 57.

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Da mesma forma manifesta-se Antonio CORRÊA:

"Existe hoje uma fobia em querer punir por litigância de má-fé [...] Essa lei, elaborada certamente por pessoas pouco afeitas às atividades do foro, inseriu dispositivo dessa natureza, transplantado instituto processual jurisdicional para este eminentemente privado, sem justificativa aparente".346

Carlos Alberto CARMONA assevera que o legislador, ao mencionar a

necessidade da sentença decidir sobre "custas e despesas com a arbitragem",

utilizou essas duas expressões com a intenção de abranger o conceito maior de

custo do processo, ou seja, tudo quanto foi despendido por exigência do

processo, o que, segundo o autor, pode incluir, até mesmo, os honorários

advocatícios. Caberá ao árbitro, observadas as disposições da convenção de

arbitragem, fixar a responsabilidade das partes e os ônus decorrentes da

sucumbência, devendo valer-se, segundo o autor, do artigo 20, do CPC, caso as

partes nada tenham convencionado sobre essa questão.347

Art. 28. Se, no decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo

quanto ao litígio, o árbitro ou o tribunal arbitral poderá, a pedido das partes,

declarar tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do art. 26

desta Lei.

Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS criticam a redação desse

artigo, pois para eles o árbitro ou tribunal arbitral não poderá declarar o acordo

mediante sentença arbitral, mas, deverá fazê-lo, em razão da sentença ser o

título executivo necessário para exigir o cumprimento do acordo, caso alguma

das partes se recuse a fazê-lo. Por outro lado, entende que isso deve ser feito a

pedido de qualquer das partes e não somente por ambas. Por fim, em razão de a

sentença arbitral ser título executivo e por estar sujeita a posterior controle

formal do Judiciário, exige-se que ela contenha os requisitos do artigo 26.348

346 CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 118. 347 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 243 348 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 111.

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Assim, o que se pode apreender da redação do artigo é que as partes

podem, simplesmente, formar um acordo, criando um título executivo

extrajudicial, sem a interferência do árbitro. Podem, não obstante, pretendendo

maior segurança, requer ao árbitro que declare tal acordo em sentença

homologatória, onde se encontram limites nas disposições da convenção de

arbitragem.349

Art. 29. Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda, entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.

A sentença arbitral marca o fim do procedimento arbitral, sendo que sua

comunicação às partes, conforme preceitua o artigo 29 da Lei de Arbitragem, é

responsabilidade do árbitro ou tribunal arbitral, que deverá enviar-lhes cópias

da decisão, por via postal ou outro meio mediante comprovação de

recebimento, ou entregando-lhes pessoalmente mediante recibo.

As partes devem ter o cuidado de convencionar um meio adequado de

intimação que comprove, com clareza, a data em que esta ocorreu, uma vez que

marca o início do prazo de diversos procedimentos. Da mesma forma, quando

as partes são representadas por advogados, é interessante que a sentença seja

comunicada também a eles, devendo isto ser, também, um ponto considerado

pelas partes no momento de convencionar o procedimento.350

Art. 30. No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que: I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral; II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão. Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29.

O artigo 30 da Lei nº. 9.307/96 dispõe sobre a possibilidade de a parte

pleitear a correção de erro material ou esclarecimento acerca de obscuridade,

349 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 245. 350 Ibidem, p. 243.

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de dúvida, de contradição ou de omissão até 5 dias após o recebimento da

sentença, mediante comunicação a outra parte. O árbitro ou tribunal arbitral

tem o prazo de 10 dias para proceder à verificação, decidindo e/ou, se for o

caso, aditando a sentença, devendo comunicar às partes sua decisão.

Antônio Belizário de LACERDA critica o prazo legal concedido às

partes para requerem a correção. Nas palavras do autor:

"Cuidando-se de um processo informal e rápido como é o caso do juízo arbitral, é muito dilatado o prazo de cinco dias para a parte requerer novo pronunciamento aditivo da sentença, sendo mais que suficiente para o exercício dessa faculdade legal o prazo de 48 horas".351

Carlos Alberto CARMONA, porém, considera o prazo exíguo, e adverte

que o erro não inviabiliza o laudo, caso as partes deixem passar tal prazo,

podendo o juiz da execução proceder de ofício à correção do erro material

evidente.352

No segundo inciso, têm-se os embargos de declaração para sanar

obscuridade (falta de clareza na decisão, que não permite saber em que sentido

se pronunciou o órgão arbitral); a omissão (a falta de exame de questão

relevante à lide, sobre as quais deveria ter-se pronunciado a sentença); a dúvida

(decorrente de expressão obscura ou contraditória que não permite apreender o

sentido da decisão); e a contradição (presença de incoerência, o que se disse no

corpo da decisão não se concilia com o decidido).353

Diante dessas situações, os embargos de declaração são a forma de tornar

a sentença arbitral clara e inteligível.

351 "No prazo de cinco dias a partir do conhecimento da sentença arbitral, a parte interessada comunicando a outra parte, poderá requerer ao árbitro ou tribunal arbitral que se corrija eventual erro material na sentença arbitral, que se esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição, ou, então, pedir que a sentença pronuncie sobre ponto omitido e sobre o qual devia ter pronunciado a decisão. Sobre tais requerimentos das partes terá o árbitro ou o tribunal arbitral o prazo de dez dias, complementando a sentença arbitral e cientificando as partes comprovadamente nos termos do art. 29 desta lei. [...] Cumpre ainda observar que conquanto fale a lei que a complementação da sentença pode ser requerida pela parte interessada, pode acontecer também, e nenhum óbice legal existe para que a integração da sentença seja solicitada por ambas as partes, desde que aquela referida integração possa interessar a todas as partes engalfinhadas no processo arbitral, objeto da sentença a ser integralizada." (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 90). 352 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 243. 353 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 142.

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Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os

mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo

condenatória, constitui título executivo.

Os efeitos da sentença arbitral estão consignados no artigo 31 da Lei de

Arbitragem, equiparando-a à sentença proferida pelo Poder Judiciário e

considerando-a título executivo, quando de natureza condenatória.354 Assim,

além de pôr fim ao procedimento, a decisão arbitral de mérito faz coisa julgada

entre as partes, sem beneficiar ou prejudicar terceiros – nos termos do artigo

472 do CPC -, apenas podendo ser anulada através de ação própria prevista no

artigo 33 da Lei ou quando a nulidade for alegada em embargos do devedor, se

houver execução judicial.355

Trata-se de artigo de suma importância para o aprimoramento do

instituto, dando-lhe real sentido de existência, embora tenha sido alvo de duras

críticas, como explica Antonio CORREA:

"A sentença arbitral pretende-se que seja um símile de sentença judicial. Evidentemente que aqui reside uma antinomia com a Constituição. [...] Não há possibilidade e validade em querer equiparar a sentença arbitral à sentença judicial, que é ato estatal emanado do poder soberano e com efeitos diversos, inclusive acompanhado da coerção pela força".356

354 "As sentenças arbitrais apresentam natureza declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou executiva lato sensu. Na parte dispositiva da sentença, fará constar a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre a indenização decorrente da litigância de má-fé, se for o caso." (MOURA, Fernando Galvão; MELO, Nelma de Sousa. Arbitragem no Direito do Trabalho. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). 355 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 258 e FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 116. 356 "A lei da arbitragem [...] afirma de forma incisiva que 'a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário'. A sentença judicial efetivamente produz alguns efeitos, destacando-se os que recebem a denominação de efeitos objetivos e reflexos da coisa julgada. Entre eles há os princípios da imutabilidade da sentença, da preclusão máxima que é a coisa julgada e especialmente aquele da vinculação obrigatória das partes. A lei processual vai além, porque utiliza expressão onde a sentença produz efeito de 'lei entre as partes' evidentemente às quais foi proferida. A sentença arbitral pretende-se que seja um símile de sentença judicial. Evidentemente que aqui reside uma antinomia com a Constituição. Defendemos que o compromisso arbitral e o juízo arbitral são: o primeiro, um "negócio jurídico" e o segundo, a transferência ao particular de faculdade para decidir controvérsia oriunda de relação obrigacional entre partes capazes de contratar." (CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 132).

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A razão parece estar com Belizário Antônio de LACERDA ao afirmar

que "seria de todo inócuo o processo arbitral se, afinal, a sentença nele

proferida fosse despida dos mesmos efeitos de que são revestidos a sentença

judicial", justificando que:

"...se for declaratória a decisão, a certeza da declaração contida na sentença arbitral não poderá ser mais discutida por via judicial. Se for constitutiva, a nova situação criada pela sentença arbitral também não será suscetível de discussão judicial, e finalmente, se condenatória, a sentença arbitral constituirá título executivo".357

Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º., desta Lei.

O legislador, a fim de dar maior credibilidade ao instituto da arbitragem,

substituiu o procedimento de homologação pela ação própria de nulidade, que

oferece maior segurança e vantagens às partes, como lembra Carlos Alberto

CARMONA:

"Em poucas palavras: a demanda que o interessado pode promover, frente ao Poder Judiciário, para anular a sentença arbitral tem conteúdo muito mais amplo do que o procedimento homologatório revogado. Substituiu-se um mecanismo velho e bolorento (o da homologação) por outro, mais moderno e ágil (o da impugnação através de demanda própria), tudo de modo a tornar a solução arbitral de controvérsias mais atraente aos litigantes".358

A sentença arbitral é passível, assim, de nulidade, sendo razões para

tanto: a nulidade do compromisso (pois este é elemento indispensável para a

instituição da arbitragem); a emanação da sentença por quem não podia ser

árbitro (eis que a lei exige que este tenha capacidade e confiança das partes); a

357 LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 91. 358 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 259.

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ausência dos os requisitos previstos no artigo 26 da mesma Lei (pois é através

dos requisitos essenciais da sentença que se poderá aferir a qualidade do

procedimento realizado); a decisão fora dos limites fixados na convenção de

arbitragem (uma vez que o árbitro não tem poderes para decidir além do

pactuado pelas partes); a decisão parcial do litígio submetido à arbitragem (já

que a atividade do árbitro consiste num poder-dever ao qual está vinculado); a

comprovação de que a sentença foi proferida por prevaricação, concussão ou

corrupção passiva (em razão da necessidade de assegurar a credibilidade do

instituto da arbitragem); a decisão proferida fora do prazo (em respeito à

celeridade inerente ao procedimento); o desrespeito aos princípios de que trata

o artigo 21, § 2º. (em razão da obediência aos ditames Constitucionais). Trata-

se de um rol taxativo.359

Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei. § 1º. A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento. § 2º. A sentença que julgar procedente o pedido: I - decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e VIII; II - determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses. § 3º. A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial. 360

Diante da ocorrência de alguma das hipóteses arroladas acima, deve a

parte interessada dirigir-se ao Poder Judiciário, no prazo de até 90 dias após o

359 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 276. 360 "Escolheu o legislador fazer processar a demanda anulatória pelo procedimento comum ordinário, temeroso, talvez, de que a imposição de um procedimento mais veloz, especial, portanto, pudesse suscitar nos mais dogmáticos a sensação de que estivesse tentando subtrair algo á tutela judicial, com eventual perda de garantia do tão decantado due process of law. Tal opção, ao mesmo tempo em que tranqüiliza os conservadores, condena as partes às vicissitudes de um longo processo que enfrentará todas as conhecidas fases procedimentais: propositura da demanda, saneamento (fase ordinatória), instrução e decisão, tudo se prejuízo de, esgotada a atividade em 1ª instância (ou ainda durante a tramitação do feito em 1º grau de jurisdição), desfiar-se o rosário interminável de recursos ordinários e extraordinários que tornam o processo judicial uma atividade exasperante. E, ao final desta alucinante experiência, se o aludo for anulado, voltarão os demandantes à estaca zero." (CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 276).

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recebimento da notificação da sentença, para requer a sua nulidade através de

ação própria. Tal ação seguirá o procedimento comum do CPC. Se a parte

interessada deixar passar o prazo mencionado acima, só lhe restarão os

embargos de devedor para alegar a nulidade, isto se a questão for levada à

execução judicial.

A decisão que julgar procedente o pedido decretará a nulidade da

sentença arbitral nas hipóteses previstas nos incisos I, II, VI, e VII do artigo 32;

nos demais casos, determinará que seja proferida nova sentença arbitral.

A nulidade da sentença arbitral pode ser argüida, também, através de

embargos do devedor, nos termos do artigo 741 e seguintes do CPC.

Carlos Alberto CARMONA dispõe que o direito de impugnar o laudo é

irrenunciável. Embora a Lei nada diga a respeito, se as partes puderem

renunciar ao direito de impugnação, o direito de acesso ao Judiciário estaria

sendo violado, retirando todo e qualquer controle sobre a atividade dos

árbitros. Tal irrenunciabilidade, porém, é genérica e anterior à prolação da

sentença arbitral, pois depois desta a parte pode renunciar à utilização da via

impugnativa.

Destaca o autor, ainda, que, quando a nulidade do laudo não afeta a

convenção arbitral, a solução do conflito será devolvida à arbitragem; quando,

porém, a nulidade afetar a convenção ou a estrutura do procedimento arbitral,

esta resta destruída, cabendo à parte interessada buscar a tutela judicial. Da

mesma forma, ressalta que a interposição de ação visando à nulidade da

sentença, via de regra, não impede a execução da mesma, não se descartando a

hipótese de pedir tutela antecipatória, na ação anulatória, para evitar dano

irreparável em razão da execução. Se ação anulatória e ação de execução forem

propostas ao mesmo tempo, sugere o autor a reunião dos processos por

identidade de causas, uma vez que o conteúdo alegado pela parte, na ação

anulatória, será o mesmo apresentado nos embargos do devedor.361

361 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 272, 274 e 277.

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4.3.6. Do Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei. Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.

A sentença arbitral estrangeira, nos termos da Lei de Arbitragem, é

aquela proferida fora do território nacional. Esse é o critério legalmente

adotado. Para que ocorra sua execução, no Brasil, é necessário o seu

reconhecimento, dando-se em conformidade com os tratados internacionais que

tenham eficácia no ordenamento interno e, não havendo esses, em

conformidade com a Lei nº. 9.307/96, no seu artigo 34 e seguintes.

O sistema de homologação foi simplificado em relação ao anterior, pois

antes se exigia a dupla homologação da sentença arbitral: pelo Poder Judiciário

do País de origem e pelo Judiciário Brasileiro. Pelo novo sistema, basta a

homologação do STF para que a sentença tenha efeitos no Brasil.362

A importância dessa previsão se encontra no próprio contexto mundial

que tende, cada vez mais, a aproximar países, e com isso a circulação de

pessoas com aumento da complexidade das relações sociais, cujos conflitos

também atravessam fronteiras e precisam de solução, como evidencia Irineu

STRENGER:

"O reconhecimento de sentença no Brasil é de capital importância em face dos crescentes intercâmbios, principalmente comerciais, que têm gerado a movimentação dos tribunais, no sentido de permitir às partes vencedoras que façam valer a titularidade de seus direitos extraterritorialmente".363

Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral

estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal

Federal.

362 Conforme LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 77. 363 STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: Ltr, 1998, p. 168. Neste sentido também dispõe LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 77.

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Para que a sentença arbitral estrangeira seja reconhecida ou executada, a

única condição imposta é a homologação pelo Supremo Tribunal Federal.

Carlos Alberto CARMONA destaca a importância do advérbio "unicamente"

empregado pelo legislador, demonstrando não haver nenhuma hipótese além

das previstas, taxativamente, no artigo 38, como critérios a serem observados

pelo STF para que o laudo tenha sua homologação rejeitada, dispensando,

inclusive, a homologação do país de origem.364

Art. 36. Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de

sentença arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do

Código de Processo Civil.

Ao procedimento de homologação aplica-se, portanto, o disposto nos

artigos 483 e 484 do CPC. Tais artigos reiteram que a sentença proferida por

Tribunal estrangeiro só terá eficácia após a homologação do STF,

estabelecendo que a homologação seguirá o trâmite previsto pelo Regimento

Interno do STF (art. 483). Aplicam-se à execução da sentença estrangeira as

mesmas normas comuns de execução prevista às sentenças nacionais, sendo

que a execução será feita através de carta de sentença extraída dos autos da

homologação (art.484).

Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com: I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial; II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

A parte que pretende a homologação da sentença arbitral estrangeira deve

dirigir petição ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, qualificando as

partes, colocando como causa de pedir a existência de decisão sentença

estrangeira que deverá produzir efeitos no Brasil, qualificada como laudo

364 CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 287, 288.

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arbitral, requerendo, unicamente, sua homologação, atribuindo valor a causa de

acordo com o disposto nos artigo 259 a 261 do CPC, indicando as provas que

pretende produzir e, por fim, requerendo a citação do réu.365 Seguirá, portanto,

os requisitos essenciais determinado pelo artigo 282 do CPC para qualquer

petição. Exigem-se apenas dois documentos, sem os quais não haveria como

proceder ao exequatur: o laudo arbitral e a convenção de arbitragem. As

formalidades exigidas com relação a estes documentos – originais ou cópias

certificadas, autenticação do consulado, tradução oficial – são criticadas por

Carlos Alberto CARMONA: "Infelizmente a Lei de Arbitragem não conseguiu

livrar-se do formalismo cartorial que estorva nossa vida em sociedade".366

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que: I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem; V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória; VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Será denegada a homologação: se o réu demonstrar que as partes, na

convenção de arbitragem, eram incapazes; se a convenção de arbitragem era

inválida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou na falta de indicação,

em virtude da lei do país onde a sentença foi proferida; se não foi notificado da

designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado

o princípio do contraditório; se a sentença foi proferida fora dos limites da

convenção de arbitragem e não foi possível separar a parte excedente aquela

submetida à arbitragem; se a instituição da arbitragem não está de acordo com

365 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 291 e 292. 366 Ibidem, p. 293.

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a convenção arbitral; se a sentença não tiver ainda se tornado obrigatória para

as partes, ou tiver sido anulada ou suspensa por órgão judicial do país onde foi

prolatada, nos termos do artigo 38 da Lei de Arbitragem.

Esta é, de certa forma, a matéria de defesa a ser alegada pelo réu a fim de

impedir a homologação da sentença arbitral estrangeira à qual se acrescenta o

disposto no artigo 39 da Lei.

Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que: I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem; II - a decisão ofende a ordem pública nacional. Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Se o STF verificar que, segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é

suscetível de ser resolvido por arbitragem, ou se a decisão ofender a ordem

pública nacional, será denegada a homologação da sentença arbitral

estrangeira. 367 O presente artigo remete à disposição do artigo 1º. da Lei,

dispondo que somente direitos patrimoniais disponíveis são passíveis de

submissão à arbitragem. Se assim não fosse, abrir-se-ia margem para fraudes,

pois bastaria fixar o local de prolação da sentença fora do território nacional

para fazer valer convenção arbitral que tratasse de direitos indisponível. Com a

previsão do artigo 39, o legislador impede atitudes como esta.

A indicação prática de quais sejam os direitos patrimoniais disponíveis

não é assunto pacífico na doutrina. Diante desse impasse, amplia-se,

significativamente, a matéria de defesa a ser utilizada por aquele que requer a

homologação. Portanto, como evidencia Carlos Alberto CARMONA, a

367 "Ordem pública nacional é todo o complexo legal positivo de um país juridicamente organizado que lhe possa garantir o funcionamento de suas instituições e poderes constituídos, necessários e essenciais à sobrevivência do Estado e da própria coletividade. É de bom alvitre acrescer que a ordem pública nacional compreende também os bons costumes, isto é, os atos que não arrepiem o consenso médio de um povo, dentro de uma determinada época e de um determinado território" (LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários à Lei de Arbitragem. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 101).

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143

limitação desta matéria de defesa, dependerá, essencialmente, da interpretação

jurisprudencial a ser dada ao artigo 1º. da Lei.368

Art. 40. A denegação da homologação para reconhecimento ou execução

de sentença arbitral estrangeira por vícios formais não obsta que a parte

interessada renove o pedido, uma vez sanados os vícios apresentados.

É possível reiterar o pedido de homologação, quando a denegação der-se

em razão da presença de vícios formais, nos termos do artigo 40, depois de

supri-los. Carlos Alberto CARMONA explica que esta não seria tecnicamente

uma hipótese de denegação, mas de extinção do processo sem julgamento do

mérito, ao salientar que:

"...o pedido de homologação de sentença estrangeira deve vir convenientemente formulado e acompanhado dos documentos essenciais à propositura da demanda. Se a petição não preencher os requisitos exigidos pela lei ou se apresentar defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento, determinará o Presidente do Supremos Tribunal Federal a emenda ou complementação, sob pena de indeferimento. Não cumprida a diligência, será o processo extinto, sem julgamento do mérito".369

A importância das disposições acerca da homologação de sentença

arbitrais estrangeiras referentes à matéria trabalhistas, diante da nova realidade

global e do Direito do Trabalho, é destacada por Georgenor Sousa FRANCO

FILHO, nestes termos:

"... com a integração regional ganhando lugar de destaque na vida de todos, [...] é crível que possamos ter, futuramente, laudos arbitrais estrangeiros em matéria trabalhista trazidos ao Judiciário brasileiro. Na ocorrência, então, os dispositivos acima deverão ser aplicados à espécie porque compatíveis com o Direito do Trabalho".370

Vale destacar que a arbitragem não anula a possibilidade de acordo no

curso do procedimento, até porque as partes tratam de direitos disponíveis, e,

368 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 307. 369 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 312. 370 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 67.

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portanto, passíveis de acordo.371 Tal hipótese é prevista no artigo 28 da Lei de

Arbitragem, cabendo ao árbitro, na sua ocorrência, declarar o fato em sentença

arbitral.

Como dispõe Georgenor Sousa FRANCO FILHO, até o advento da Lei

nº. 9.307/96 era muito difícil o reconhecimento e a execução de uma sentença

arbitral estrangeira, em razão da falta de tradição quanto ao instituto da

arbitragem. Assim, havia um procedimento de dupla homologação da sentença

arbitral, sendo que o STF só homologava a sentença arbitral que, por sua vez,

homologava o laudo arbitral, conforme dispunha o artigo 584 do CPC, criando,

portanto, uma dupla barreira à efetivação da sentença arbitral estrangeira.372

4.3.7

Disposições Finais

Art. 41. Os arts. 267, inciso VII; 301, inciso IX; e 584, inciso III, do Código de Processo Civil passam a ter a seguinte redação: "Art. 267......................................................................... VII - pela convenção de arbitragem;" "Art. 301......................................................................... IX - convenção de arbitragem;" "Art. 584........................................................................... III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação;" Art. 42. O art. 520 do Código de Processo Civil passa a ter mais um inciso, com a seguinte redação:

371 "Nesse dispositivo a lei nada mais faz do que atender às partes que têm disponibilidade quanto ao direito discutido. Assim, vencidas as fases em que foram propostas a conciliação e a recusa, podem a qualquer instante, mesmo em andamento a arbitragem, cessar o seu curso por não lhes interessarem, já que preferem colocar fim ao conflito de interesses mediante cláusulas particulares". (CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 119.) 372 "Esse capítulo faz com que se possa considerar superadas as incríveis e injustificadas dificuldades que existiam no Direito brasileiro relativamente ao cumprimento em nosso território, de sentenças arbitrais estrangeiras. Até antes da Lei n. 9307/96, toda a simplicidade, a informalidade e a rapidez do procedimento arbitral esbarrava no excessivo rigor da legislação brasileira, pouco afeita à arbitragem. [...] A Lei n. 9307/96 afasta a dupla homologação. Mantém a competência do STF para homologar a sentença arbitral estrangeira diretamente (art. 35), afastando, de igual sorte, eventual divergência relativamente à competência de instâncias inferiores. O juízo de delibação continua, a medida em que o art. 39 permite o exame dos requisitos extrínsecos da sentença arbitral estrangeira." (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 66).

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"Art. 520........................................................................... VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem." Art. 43. Esta Lei entrará em vigor sessenta dias após a data de sua publicação. Art. 44. Ficam revogados os arts. 1.037 a 1.048 da Lei nº. 3.071, de 1º. de janeiro de 1916, Código Civil Brasileiro; os arts. 101 e 1.072 a 1.102 da Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil; e demais disposições em contrário.

Tais artigos trazem a revogação dos diplomas legais anteriores que

tratavam da arbitragem, especialmente o Código de Processo Civil, não tendo,

hoje, maior importância, em razão dos 10 anos de vigência da Lei.

A Lei nº. 9.307/96, trouxe inovações importantes, na busca de facilitar o

acesso ao instituto da arbitragem; muitos artigos foram questionados, o que

colocou em dúvida sua constitucionalidade, dúvida esta que a jurisprudência

vem se encarregando de solucionar no sentido da constitucionalidade.373

Mesmo com todo o aparato legal que envolve a arbitragem, a sua

utilização ainda é escassa. Muitos são os motivos apontados pela doutrina, mas

a razão parece estar com Iara Alves Cordeiro PACHECO374, que vincula a

pouca utilização do instituto a motivos de ordem cultural e econômica.

Segundo ela, a população, em razão da negligência do Estado para com a

Educação, apresenta um nível de esclarecimento pequeno; além disso, o

problema da falta de acesso à Justiça, no Brasil, é bastante evidente,

especialmente pelo desconhecimento de direitos; soma-se a esta situação a

chamada "cultura de beligerância" presente nas empresas e nos sindicatos, que

373 Cite-se o processo de Sentença Estrangeira 5206-8/246, oriunda da Espanha que tratou da arbitragem frente ao princípio da inafastabilidade do com trole jurisdicional. (Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 98). 374 "O primeiro é de fundo cultural. O nível de esclarecimento do povo brasileiro é pequeno porque o Estado nunca priorizou a educação. Não obstante os tribunais estejam abarrotados de processos, é sabido que o acesso à justiça, ainda deixa muito a desejar. Milhares de demandas não chegam a ser formuladas porque os trabalhadores desconhecem seus direitos. Assim, pode-se afirmar, sem margem de engano, que poucos têm idéia do que seja ao processo arbitral. O segundo é a "cultura da beligerância", típica de parte do empresariado - de parte das entidades sindicais profissionais, também, às vezes - , que vislumbra vantagens, que podem ser obtidas na verdade formal que se apura em juízo, dificulta essa busca por outros meios. O custo da arbitragem também constitui obstáculo..." (PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 36). "No final de 2001 existiam no Brasil 95 instituições de arbitragem privada - cerca de 20, atuando na área trabalhista. Entre 1996 e 2001, tais instituições receberam cerca de 14 mil casos trabalhistas, tendo solucionado 11 mil em poucos dias." (PASTORE, José. Arbitragem trabalhista. Síntese Trabalhista, nº. 157, jul. 2002, p. 151).

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prefere a verdade formal apurada em juízo, além dos custos da arbitragem que

não a impulsionam. Por fim, o fato por ela evidenciado de que "pode-se

afirmar, sem margem de engano, que poucos têm idéia do que seja o processo

arbitral".

Diante disso, pode-se concluir que ainda há um longo caminho a

percorrer até que a arbitragem se torne um meio "popular" de solução de

conflitos, pois sua aceitação depende de mudanças de velhos paradigmas que

requerem certo tempo para ocorrer.

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147

5

Arbitragem e os Conflitos Trabalhistas

A arbitragem foi prevista, pela primeira vez, em âmbito trabalhista, no

Decreto nº. 1.037/1907, que criou mecanismos para solucionar conflitos

trabalhistas através da conciliação e da arbitragem, sendo esta exercida pelos

sindicatos.375

Neste contexto, a aplicação da arbitragem torna-se bastante

controvertida. Por um lado, encontram-se aqueles que entendem ser concebível

a aplicação da arbitragem e vêem nela uma possibilidade de solução para os

problemas apresentados pelo Poder Judiciário – como relatado na primeira

parte deste estudo. É o caso de Zoraide Amaral Souza, que assim se posiciona

diante do tema:

"Tem-se, assim, que a aplicação da arbitragem em sede trabalhista é perfeitamente concebível, pois no país emergente em que vivemos, às portas da globalização e da modernidade, não se pode prescindir de evoluções e soluções alternativas na busca do aprimoramento e melhor distribuição da almejada justiça".376

Por outro lado, encontramos aqueles que se opõem veementemente à

aplicação da arbitragem, em matéria trabalhista, especialmente, em razão dessa

ausência de equilíbrio que envolve a relação trabalhista e por não acreditarem

375 Em 1932, a arbitragem foi abolida pelo Decreto nº. 21.396 e voltou a vigorar pelo Decreto 22.132 que dispunha sobre a arbitragem prevendo a forma facultativa e obrigatória. Em 1983, o Decreto 88.984 instituiu os Conselhos Federais e Regionais de Relações de Trabalho e o Serviço Nacional de Mediação e Arbitragem, estabelecendo a arbitragem e a mediação pública e facultativa como meios de solução de conflitos trabalhistas. (Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 27). "Vale a pena também lembrar que já chegou a ser instituído pelo então Ministro do Trabalho Murillo Macedo, através do Decreto 88.984, de 10 de novembro de 1983, o Serviço Nacional de Mediação e Arbitragem, com atribuição de manter um serviço de arbitragem composto de árbitros independentes cuja remuneração seria efetuada pelas partes interessadas. [...] A falta de tradição da arbitragem nos nosso país aliadas às barreiras procedimentais então existentes no rito arbitral (a fragilidade da cláusula compromissória e a necessidade da homologação judicial da sentença arbitral) cuidaram de pôr a pique a louvável iniciativa ministerial." (GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 90 e 91). 376 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 181.

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em sua eficiência como substituto jurisdicional, como esclarece Jorge Luiz

Souto MAIOR:

"... não significa que a arbitragem não possa existir como técnica de solução de conflitos, mas por outro lado, impede que se defenda como técnica eficiente e moderna para a solução de conflitos individuais do trabalho, suplantando a via processual. Além disso, sua validade está vinculada a uma análise bastante restrita, pois sua formação depende essencialmente da liberdade, e o trabalhador, seja no momento da contratação, seja no momento da dispensa, quando ainda não recebeu as verbas rescisórias, não está plenamente isento de pressões de natureza econômica para manifestar sua vontade sem qualquer vício presumido de vontade".377

É possível constatar que há divergentes opiniões a respeito da aplicação

da arbitragem ao Direito do Trabalho, sendo oportuno analisar tais opiniões em

relação aos conflitos coletivos e individuais separadamente.

5.1 Arbitragem e os Conflitos Coletivos Trabalhistas

O primeiro passo com relação ao conflito coletivo trabalhista consiste na

negociação coletiva, constituindo-se num procedimento em que as partes

discutem seus interesses, a fim de chegarem a uma solução. Diante do

insucesso desta tentativa, abre-se a faculdade às partes de solucionarem o

conflito através da via arbitral.

A Constituição de 1988 autorizou o uso da arbitragem aos conflitos

coletivos no seu artigo 114, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] § 1º. - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º. Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

377 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Arbitragem em Conflitos do Trabalho: A Experiência Mundial. Revista Síntese Trabalhista, nº. 157, jul. 2002, p. 143.

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§ 3º. Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Como se pode apreender da simples leitura do artigo constitucional, a

utilização da arbitragem é uma faculdade conferida às partes, como observa

João Lima TEIXEIRA FILHO:

"[No] Direito Coletivo do Trabalho, o espaço dentro do qual se modula o poder de disposição é cimentado pela negociação coletiva, protagonizada pelos atores sociais e demarcado pelas normas de ordem pública [...] O art. 7°, VI, XIII e XIV, da CF, versando sobre salário e duração do trabalho, bem ilustra quão intensa é a dispositividade coletiva, sob tutela sindical".378

Após a Constituição de 1988, outros dispositivos legais trataram da

arbitragem, em sede de direito coletivo, dentre eles, a Lei nº. 7.783/89 que

subordina a validade da greve à frustração da negociação coletiva e

subseqüente impossibilidade de recorrer à via arbitral. Inseriu, entre os

instrumentos coletivos que regeriam as relações trabalhistas, no período de

greve, o laudo arbitral.379

A Lei nº. 8.630/93, referente ao regime jurídico de exploração dos portos

organizados e das instalações portuárias, dispõe, no seu artigo 23, sobre a

possibilidade de utilização da arbitragem para solucionar conflitos decorrentes

da aplicação de seus artigos 18, 19 e 21.380

378 SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol II, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 1204. 379 "... a Lei nº 7.783, de 28 de janeiro de 1989 (Lei de Greve), fez duas referências à arbitragem: o art. 3º exige como condição para a paralisação do trabalho que "tenha sido frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral" e o art. 7º remete a regulamentação das relações obrigacionais no curso da greve ao que for determinado por acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho." (GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 90). 380 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 185. Isabele Jacob Morgado coloca como exemplo de aplicação desta previsão legal quando Medida Provisória n. 1.539/96, o impasse, após negociação coletiva, acerca da percentagem de participação dos trabalhadores nos lucros e resultados da empresa, referente ao ano de 1996, quando o SINTTEL/RO - Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de Rondônia, e a TELERON - Telecomunicações de Rondônia S/A, procuraram a Procuradoria Regional do Trabalho para que esta indicasse um árbitro para a solução do conflito, o que foi feito na pessoa do Dr. Gláucio Araújo de Oliveira, Procurador do trabalho, que solucionou o conflito. (Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 33).

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150

Da mesma forma, a Lei nº. 10.101/00, que disciplina a participação dos

trabalhadores nos lucros das empresas, coloca no seu artigo 4°. a possibilidade

de utilização da arbitragem para solucionar litígios.

A utilização da arbitragem, geralmente, é objeto das deliberações feitas

durante a negociação coletiva, convencionando os sindicatos, que se deve

resolver o conflito pela via arbitral.381

Em razão da previsão constitucional, a aplicação da arbitragem nos

conflitos coletivos não encontra significativa resistência, sendo, inclusive,

incentivada em razão de sua celeridade, elemento fundamental quando da

existência de dissídios coletivos, como expõe Iara Alves Cordeiro PACHECO:

"Se a demora é prejudicial na prestação jurisdicional, nos dissídios individuais, as conseqüências são ainda maiores nos dissídios coletivos, quando é atingida uma grande massa de trabalhadores, integrantes da categoria profissional envolvida".382

Márcio YOSHIDA destaca que, em razão da natureza voluntária –

conferida pela legislação brasileira –, o clima de cordialidade inerente à

arbitragem é uma vantagem inigualável na solução de conflitos coletivos. Nas

palavras do autor:383

381 "Depreende-se das regras contidas nos parágrafos 1° e 2° do citado art. 114 a intenção do constituinte em tutelar a liberdade de escolha das partes, acerca do meio de composição: a negociação coletiva, a arbitragem e a solução jurisdicional. [...] assim, frustrada a negociação direta, advém, para as partes litigantes, a possibilidade de, ou elegerem árbitros, ou uma delas ajuizar dissídio coletivo na Justiça do Trabalho. Destaca-se que essa faculdade constitucional, uma inovação trazida pela Carta de 88, afasta, por si só, o argumento de que a arbitragem seria atentatória ao princípio do juiz natural." (MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 32). 382 "É sabido que, na sua maioria, as cláusulas, mormente as econômicas, são pactuadas para duração de um ano. No entanto, a demora derivada do julgamento em primeira instância e aquela decorrente da apreciação do recurso ordinário perante o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, além do efeito suspensivo concedido por essa Corte, tornam ineficazes as normas coletivas, visto que concretizadas após o período de vigência, gerando novos conflitos em níveis individuais." (PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 37). 383 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 87. "Nos dissídios coletivos o instituto da arbitragem é perfeito como alternativa à Justiça Estatal, mesmo porque foi criado para resolver conflitos comerciais que envolvam valores, quantias muito elevadas, ou situações que não decididas com celeridade podem inviabilizar grandes negócios ou trazer enormes prejuízos, o que é condizente com o seu custo, ou seja, as partes podem pagar bem, devido à necessidade de uma decisão rápida".(MOURA, Fernando Galvão; MELO, Nelma de Sousa. Arbitragem no Direito do Trabalho. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006).

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"O delicado tecido das relações coletivas do trabalho muito ganharia com essa modalidade de solução de conflitos, pois bem sabem os sindicalistas, os trabalhadores e seus patrões quão difíceis de cicatrizar são as seqüelas deixadas por uma greve mal resolvida".

Zoraide Amaral SOUZA faz uma ressalva à aplicação da arbitragem aos

dissídios de natureza econômica, para os quais entende ser melhor a utilização

da mediação. Para ela é importante a distinção entre a utilização da arbitragem

de direito mais bem aplicada aos dissídios de natureza jurídica e a arbitragem

de interesses nos dissídios de natureza econômica, ao destacar:

"Para os primeiros [...], a arbitragem tem-se mostrado o meio adequado para a sua solução, enquanto que, para os dissídios de natureza econômica o seu uso não é o mais aconselhável, pois implica em delegação de prerrogativa sindical".384

Mesmo com a previsão constitucional e as vantagens que pode esta

oferecer, a arbitragem não vem sendo utilizada de forma expressiva na solução

de conflitos coletivos, em razão, principalmente, do descrédito na atuação dos

árbitros e no próprio instituto. Trata-se de uma barreira cultural que deverá ser

paulatinamente transposta, em benefício da própria sociedade.

Com a Emenda Constitucional nº. 45/2004, a solução dos conflitos

coletivos foi, de certa forma, prestigiada, uma vez que se dificultou a

interposição do dissídio coletivo ao exigir-se que esta seja feita de comum

acordo entre as partes.385

5.2

A Arbitragem e os Conflitos Individuais Trabalhista s

Ao contrário do que ocorre com a aplicação da arbitragem, nos conflitos

coletivos de trabalho, cuja autorização constitucional não deixa qualquer

margem de dúvida sobre a possibilidade de sua utilização, nos conflitos

384 SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 188. 385 Neste sentido BARROS, Cássio Mesquita. A Regulação da Arbitragem Trabalhista Brasileira. Disponível em <http://www.arbitragem.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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individuais de trabalho, a possibilidade ou não de aplicação da arbitragem é o

tema de um debate que demonstra uma das características mais marcantes e

admiráveis do Direito: o poder de argumentação, primeiro passo para o

aprimoramento das instituições jurídicas e engrandecimento do próprio Direito,

enquanto Ciência.

De uma forma bem simples, pode-se dizer que existem três grandes

correntes de opiniões com relação ao tema: os que defendem ser inaplicável a

arbitragem aos conflitos individuais do trabalho; os que defendem ser

totalmente aplicável; e, por fim, os que defendem tal aplicabilidade, mas com

ressalvas.

5.2.1

Argumentos e Contra-argumentos quanto à Inaplicabil idade da

Arbitragem aos Conflitos Individuais Trabalhistas

5.2.1.1

Da Omissão da Constituição de 1988

Dentre os muitos óbices que são colocados à aplicação da arbitragem aos

conflitos trabalhistas individuais, destaca-se o fato de que a Constituição, no

seu artigo 114, apenas previu, expressamente, a arbitragem como solução para

os conflitos coletivos de trabalho. Assim, como ressalta Iure Pedroza

MENEZES386, não seria possível a aplicação da arbitragem aos conflitos

individuais, em razão da impossibilidade de interpretação extensiva do Texto

386 "A CF só admite a arbitragem do Direito do trabalho nas questões coletivas. É o que diz o texto. Mas, poder-se-ia interpretar a Constituição extensivamente, para que a arbitragem pudesse abarcar os litígios individuais trabalhistas? A boa técnica leva à conclusão negativa. Isto porque a carta da república, na distribuição da jurisdição trabalhista, referiu-se à arbitragem como meio de solução das lides coletivas. Não tratou da individual. Ora, se o constituinte teve o cuidado de explicitar a lide coletiva, não cabe interpretação extensiva, para fazer possível a arbitragem nos litígios individuais. Se a CF/88 quisesse vislumbrar a arbitragem nas lides individuais trabalhistas, teria feito expressamente, assim como fez em relação às coletivas." (MENEZES, Iure Pedroza. Arbitragem no Direito do Trabalho e a Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.ambitojuridico.com.br>. Acesso em 20 dez. 2004).

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153

Constitucional que, ao mencionar apenas os conflitos coletivos, teria excluído

tacitamente a aplicação da arbitragem aos conflitos individuais.

A este argumento, corresponde o contra-argumento de que a omissão, por

si só, não é proibição, como explica Iara Alves Cordeiro PACHECO:

"A inexistência de menção não constitui obstáculo, uma vez que também não consta proibição. [...] Da mesma forma que a Constituição Federal não faz menção à arbitragem para a solução dos conflitos individuais, mas não a proíbe, também a Lei n. 9.307/96, não faz referência aos dissídios trabalhistas, mas também não estabelece proibição". 387

Márcio YOSHIDA também se manifesta contra-argumentando neste

sentido:

"Sustentam alguns juristas que a omissão [...] quanto à possibilidade de se arbitral conflitos individuais de trabalho equivaleria à sua proibição. Ledo engano pois a Constituição tampouco contém dispositivo autorizando a arbitragem de litígios cíveis e comerciais, e, é curial, nem precisa porquanto o princípio da legalidade prevê que as proibições não se presumem da omissão da lei". 388

Válida também é a observação feita por Isabele Jacob MORGADO a

respeito:

"Em relação à questão da previsão legal e constitucional, o que se pode dizer é que o art. 114 visou tão-somente estabelecer a competência material da Justiça do Trabalho, sem, todavia, excluir outras formas de solução de conflitos, até mesmo porque tal norma não possui caráter restritivo, mas apenas uma condição de admissibilidade da ação coletiva".389

5.2.1.2

Da Afronta ao Princípio da Inafastabilidade do Pode r Judiciário

Tendo em vista o disposto no artigo 18 – que afirma que o árbitro é juiz

de fato e de direito - e no 31 – que equipara a sentença arbitral à sentença

387 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 38. 388 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 91. 389 MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 64.

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154

judicial - da Lei nº. 9.307/96, acima analisados, argumenta-se na defesa da

inaplicabilidade da arbitragem não só aos conflitos individuais, mas a todo e

qualquer conflito trabalhista, por ferir, a arbitragem, o princípio da

inafastabilidade do Poder Judiciário.

Neste sentido, posiciona-se Antônio CORREA:

"...ao se afirmar que é título executivo judicial uma sentença arbitral, está sendo ferida a garantia que veda ao legislador criar empecilhos à via judicial para a tutela de direitos. Em sendo assim, acreditamos que a redação do dispositivo não foi feliz, porque a sentença arbitral é título executivo extrajudicial. É data venia, inconstitucional o dispositivo".390

Este argumento é rebatido com veemência por Isabele Jacob

MORGADO. Segundo a autora, tal argumento não pode prevalecer, em virtude

de terem as próprias partes convencionado, por um ato de vontade livre, levar o

litígio presente ou futuro à via arbitral; da mesma forma, argumenta que a

análise pelo Poder Judiciário, ainda que indireta, sempre será possível, mesmo

em embargos à execução; por fim, explica que a Jurisdição não é afastada em

razão do árbitro, enquanto juiz escolhido pelas partes a exercê-la de forma

restrita.391

Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR também contra-argumenta, defendendo a

aplicação da arbitragem em razão da faculdade que têm as partes de optarem

pela utilização dela para solucionar seus conflitos de ordem patrimonial. Nas

palavras do autor:

"O acesso à jurisdição estatal está garantido expressamente no art. 33 da lei em exame, porquanto torna juridicamente possível à parte interessada e prejudicada que se utilizou da arbitragem a propositura de demanda anulatória da sentença arbitral ou embargos à execução sempre que tenha ocorrido alguma nulidade ou algumas das circunstâncias assinaladas no art. 20, §§ 1º. e 2º.".392

390 CORRÊA, Antonio. Arbitragem no Direito Brasileiro: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 138. 391 MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 28. 392 "A inconstitucionalidade ocorreria, nesse particular, se os jurisdicionados estivessem sempre obrigados a buscar a solução de seus conflitos de natureza patrimonial por intermédio do juízo arbitral, o que significaria a inadmissível exclusão e, aí sim, a afronta ao art. 5°, XXXV da CF." (FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 160).

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Neste mesmo sentido, manifesta-se Sérgio Pinto MARTINS, ao afirmar

que a arbitragem não impede o acesso aos tribunais, sendo possível, segundo

ele, até o estabelecimento, por lei, da negociação e da arbitragem, como

condições da ação sem que houvesse ofensa ao artigo 5º. da Constituição, uma

vez que o controle jurisdicional, quanto à forma e à estrutura, pode ser feito

quando da execução do laudo. Nas palavras do autor:

"A lei de arbitragem permite o acesso do interessado ao Judiciário, em caso de vícios e efeitos graves do laudo arbitral (art. 33). O empregado pode provar que foi coagido a optar pela arbitragem, socorrendo-se do Poder Judiciário para tornar nulo o compromisso arbitral".393

Ainda neste sentido, também se manifesta Carlos Alberto CARMONA,

ao afirmar que a Constituição garante (e não obriga) o acesso ao Poder

Judiciário, não existindo qualquer óbice para que as partes resolvam seus

conflitos por outros meios lícitos, sendo que a própria Constituição os prestigia

quando dispõe, no seu artigo 114, a possibilidade de solução dos conflitos

coletivos através da arbitragem, ao relatar:

"Em síntese apertada, a norma inserida no Constituição Federal (art. 5º., inciso XXXV) encarta uma proibição dirigida ao legislador, e não àqueles que precisam resolver um litígio. Através da garantia constitucional fica protegido o cidadãos contra eventual abuso do legislador ou do Poder Executivo, constituindo 'erro grosseiro de direito dizer-se que a Constituição proibiu o juízo arbitral, quando no artigo 5º., XXXV, declara que a lei não poderá excluir do Poder Judiciário qualquer lesão do direito individual', eis que 'ao prever o juízo arbitral e ao discipliná-lo, não está a lei excluindo a lesão ao direito individual ou pessoal, da apreciação do Poder Judiciário. Está, apenas, oferecendo às pessoas mais um meio facultativo de acertarem suas relações".394

Diante destas opiniões, extrai-se: a liberdade das partes em optarem pela

via arbitral; o exercício da jurisdição pelo árbitro - para aqueles que

compreendem a arbitragem como instituto de natureza jurídica jurisdicional; a

possibilidade de recorrer ao próprio Judiciário para anular a sentença arbitral,

nos casos legalmente previstos, tudo isto como sendo os principais contra-

argumentos à afronta ao princípio da inafastabilidade da Jurisdição.

393 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 87. 394 CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 256.

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Desta forma se manifestou, também, o Supremo Tribunal Federal a

respeito, no sentido de que a Lei de Arbitragem não ofende o artigo 5º., XXXV

da Constituição, ao julgar agravo regimental no reconhecimento de sentença

estrangeira oriunda do Reino da Espanha, como pode ser verificado na seguinte

ementa:

SE 5206 AgR - Ementa: Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis - a existência e o montante de créditos a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento, por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua conseqüente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão

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judiciária da sentença arbitral (art. 31). (SE 5206 AgR / Reino da Espanha - AG.REG.NA SENTENÇA ESTRANGEIRA Relator: Min. Maurício Corrêa - Tribunal Pleno - DJ DATA-30-04-04)395

5.2.1.3 Da Ofensa aos Princípios do Juiz Natural, do Devido Processo Legal e do Duplo Grau de Jurisdição

Com base, ainda, na redação dos artigos 18 e 31, da Lei de Arbitragem,

encontram-se manifestações contrárias à aplicação da arbitragem em matéria

trabalhista e qualquer outras, sob o argumento de que esta afronta o inciso LV

da Constituição, que trata do acesso à via recursal; o inciso LIV, que trata do

devido processo legal; e o inciso XXXVII, que diz respeito ao juiz natural e à

proibição dos tribunais de exceção.396

Cláudio Armando Couce de MENEZES contra-argumenta a ofensa aos

princípios do juiz natural e do duplo grau de jurisdição, no sentido de que o

juízo arbitral tem sua atuação autorizada, legal e constitucionalmente, além da

vontade das partes. Da mesma forma, rebate a alegação de ofensa ao duplo

grau de jurisdição, questionando a existência deste:

"Será que essa garantia [o duplo grau de jurisdição] realmente foi agasalhada pela Constituição? Juristas do peso de Barbosa Moreira...Nelson Nery Júnior... e Manoel Antônio Teixeira Filho... respondem negativamente. E com inteira razão".397

Jesualdo Eduardo de ALMEIDA JÚNIOR também contra-argumenta

explicando que o princípio do juiz natural consiste numa dúplice garantia: a

proibição do juízo ou tribunal de exceção e o julgamento por autoridade

competente. A arbitragem é autorizada por lei, tendo previsão legal geral e

abstrata, anterior ao conflito. A autoridade competente, neste caso, é designada

395 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Agravo Regimental na Sentença Estrangeira (SE 5206 AgR / Reino da Espanha). Relator: Min. Maurício Corrêa. Diário da Justiça, 30 de abril 2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 01 fev. 2005. 396 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 160. 397 MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Solução Viável para o Descongestionamento da Justiça do Trabalho? Síntese Trabalhista n. 106, abr. 1998, p. 143.

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por lei: o árbitro, escolhidos pelas partes. Diante disso, o autor repele qualquer

argumento de inconstitucionalidade pela suposta violação ao princípio do juiz

natural. Nas palavras do autor:

"... repita-se à exaustão, não há que se falar em inconstitucionalidade em função da violação do princípio do juízo Natural, visto que o juízo arbitral já encontra-se legalmente previsto em momento anterior ao que ocorre o fato a ser julgado, não existindo qualquer julgamento de exceção".398

O autor contra-argumenta, também, a suposta violação ao princípio do

duplo grau de jurisdição, esclarecendo que este tem por finalidade controlar a

decisão judicial dizendo sobre seu erro ou acerto. Quando as partes resolvem

submeter o litígio futuro ou presente à arbitragem estão plenamente cientes de

que a decisão do árbitro será soberana; aceitam a disposição legal, que impede

o acesso a recursos. Assim, segundo o autor, não há qualquer violação ao

princípio do duplo grau de jurisdição pela utilização da arbitragem.399

5.2.1.4 Da Indisponibilidade e Irrenunciabilidade dos Direi tos Trabalhistas

Trata-se de um dos argumentos mais importantes na defesa da

inaplicabilidade da arbitragem aos conflitos trabalhistas, tendo por base o

disposto no artigo 1º. da Lei nº. 9.307/96: "As pessoas capazes de contratar

poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos

patrimoniais disponíveis".

Antes de analisar com maior profundidade este argumento, fazem-se

necessários alguns esclarecimentos iniciais.

O que seriam o chamados "direitos patrimoniais disponíveis"?

Direitos patrimoniais, segundo Paulo Dourado de GUSMÃO, são aqueles

cujo objeto é passível de valoração econômica. Nas palavras do autor:

398 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Arbitragem: Questões Polêmicas. Disponível em: <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 399 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. Arbitragem: Questões Polêmicas. Disponível em: <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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"Os direitos subjetivos podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros têm conteúdo econômico, tendo por objeto coisa estimável em dinheiro, enquanto os não patrimoniais têm objeto não suscetível de avaliação em dinheiro. Estes últimos formam o grupo dos direitos personalíssimos [...], dos direitos pessoais [...] e dos direitos subjetivos públicos".400

Tânia Lobo Muniz explica que patrimônio é o complexo de bens,

materiais ou imateriais, móveis, imóveis ou semoventes que pertença a pessoa

física ou jurídica e que possa ser passível de apreciação econômica, como

esclarece a autora: "Os direitos que possuem por objeto um bem inerente ao

patrimônio de alguém e que possa ser apropriado ou alienado é que constituem

os direitos patrimoniais".401

E os direitos disponíveis, quais seriam?

Partindo da sua negativa, buscando saber quais são os direitos

indisponíveis. Sabe-se que estes não são passíveis de renúncia ou transação. A

renúncia consiste em um negócio jurídico unilateral, pelo qual o titular de um

direito dele se desapossa402 - vale recordar que o artigo 9º. da CLT proíbe a

renúncia de direitos trabalhistas - ; a transação, de acordo com o disposto no

artigo 840, do Código Civil, consiste em um ato bilateral com concessões

mútuas das partes a fim de prevenir ou extinguir um litígio – o que,

tipicamente, ocorre nos acordos firmados todos os dias, na Justiça do Trabalho.

Aldacy Rachid COUTINHO destaca a falta de precisão dos termos

indisponibilidade, irrenunciabilidade e intransigibilidade, em relação aos

direitos trabalhistas e o seu uso indiscriminado:

"A problemática exsurge diante de uma atestada carência de uniformidade de tratamento quanto ao seu conceito e conteúdo; outrossim, não poucas vezes a noção de indisponibilidade vem confundida com a de irrenunciabilidade de direitos ou de imperatividade de regras jurídicas. São indisponíveis os direitos subjetivos não passíveis de atos de disposição translativos ou extintivos pelo titular, com vistas à salvaguarda de direitos. [...] Outrossim, a indisponibilidade impede a manifestação do trabalhador em atos de disposição, tal como a

400 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 252. 401 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 118: "... a expressão direito patrimonial disponível proporciona uma gama de possibilidades aos contraentes, principalmente no que se refere àqueles que atuam na área mercantil e internacional, alcançando todos os direitos ou bens que compõem o patrimônio das partes, os quais têm a possibilidade de dispor livremente, de acordo com suas vontades." 402 GONÇALVES NETO, Francisco. O Direito do Trabalho e a Arbitragem. Juris Síntese, nº. 43, set./out. 2003.

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irrenunciabilidade, a intransigibilidade e a incredibilidade, não estando excluída a incidência de outras regras jurídicas que disciplinam a prescrição e a decadência, situações de despojamento decorrentes de uma omissão não tolerada".403

Para a autora, há um patamar mínimo de salvaguarda que deve ser

respeitado e o caráter indisponível dos direitos trabalhistas deve-se à sua

própria natureza e sua função social, acolhendo-se os ditames constitucionais

da primazia do trabalho sobre o capital e da garantia da preservação da

dignidade humana. Quanto à irrenunciabilidade, para a autora, esta é a regra

geral, por ser aquela corolário do princípio da proteção, mas que, dentro da

estrutura do ordenamento jurídico, a norma pode estabelecer direitos que

possam ou não ser renunciados pelo seu titular. Na dúvida sobre quais direitos

são irrenunciáveis, opta-se pela irrenunciabilidade: "A fórmula implícita

decorrer inequivocamente do conteúdo da regra jurídica, como na hipótese de

salário mínimo ou de uma jornada máxima. Na dúvida, há de se optar pela

irrenunciabilidade – in dubio pro operario".404

Carlos Alberto CARMONA traz a seguinte definição de direito

disponível:

"Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim disponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto".405

Assim, para o autor, são direitos indisponíveis, dentre outros, as questões

relativas ao direito de família, ao direito de sucessão, às coisas fora do

403 COUTINHO, Aldacy Rachid. A Indisponibilidade de Direitos Trabalhistas. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. vol. XXXIII, 2000, pp. 9 - 17. 404 COUTINHO, Aldacy Rachid. A Indisponibilidade de Direitos Trabalhistas. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. vol. XXXIII, 2000, pp. 9 - 17: "A indisponibilidade absoluta decorre da tutela do trabalho por envolver direitos fundamentais, voltada ao indivíduo como integrante de uma classe social ou de uma categoria profissional e, assim, são absolutamente nulos os atos praticados em contrariedade com as regras jurídicas que sobre esses dispõem, tais como o direito de greve, anotação da CTPS, salário mínimo; a indisponibilidade relativa, por tratar de interesse individual, determinaria ao empregado tutelado a defesa por iniciativa sua, como na hipóteses do salário, nos termos do art. 468, da Consolidação das Leis do Trabalho, em que acarreta uma nulidade relativa". 405 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 48.

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comércio, às obrigações naturais, ao direito penal, por serem matérias que não

estão ao alcance da autonomia da vontade. Entretanto, as conseqüências

patrimoniais referentes ao direito de família ou ao direito penal, para ele, são

passíveis de solução extrajudicial, como o quantum relativo à pensão

alimentícia ou a apuração da responsabilidade civil decorrente de um ato

delituoso. Nas palavras do autor:

"São arbitráveis, portanto, as causas que tratem de matérias a respeito das quais o Estado não crie reserva específica por conta do resguardo de interesses fundamentais da coletividade, e desde que as partes possam livremente dispor acerca do bem sobre que controvertem".406

Alex Oliveira Rodrigues de LIMA define direitos indisponíveis como

"aqueles referentes, por exemplo, à capacidade das pessoas, alimentos,

casamento, procedimentos especiais de jurisdição voluntária, interesse público,

criminais e falimentares, entre outros".407

Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS colocam que direitos

patrimoniais disponíveis são:

"...aqueles de índole particular, em que as partes podem dispor sobre eles, através de um negócio jurídico". Salientam que os direitos ou interesses indisponíveis "como os difusos, os coletivos, os individuais homogêneos, estão completamente fora da área de abrangência da arbitragem. [...] Na hipótese de existir dúvida a respeito da natureza do bem, ou seja, se é ou não disponível, cumprirá ao juiz togado decidir a respeito".408

Segundo Tânia Lobo MUNIZ, os direitos disponíveis seriam "aqueles

suscetíveis de livre disposição pelas partes através de negócio jurídico".409

Márcio YOSHIDA define o direito patrimonial disponível como:

406 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 48. 407 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues. Arbitragem: Um Novo Campo de Trabalho. 2ª. ed., São Paulo: Iglu, 2000, p. 15. 408 Conforme FURTADO, Paulo; BULOS, Uadi Lammêgo. Lei da Arbitragem Comentada. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 27. Esta relação de direitos apresentados pelos autores como indisponíveis torna-se questionável frente à previsão constitucional para utilização da arbitragem aos conflitos coletivos de trabalho, que, via de regra, tratam essencialmente de direitos coletivos. 409 MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 2000, p. 118: "... a expressão direito patrimonial disponível proporciona uma gama de possibilidades aos contraentes, principalmente no que se refere àqueles que atuam na área mercantil e internacional, alcançando todos os direitos ou bens que compõem o patrimônio das partes, os quais têm a possibilidade de dispor livremente, de acordo com suas vontades."

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"...aquele que assegura o gozo ou fruição, ao arbítrio de seu titular, de uma riqueza ou qualquer bem, apreciável monetariamente. Não abrange os direitos personalíssimos, os políticos e os direitos de natureza em geral, insuscetíveis de renúncia ou transação".410

Grande parte das normas trabalhistas são normas de ordem pública.411

Estas "criam direitos inderrogáveis à vontade das partes sobre as quais

incidem, ressalvadas as hipóteses de flexibilização permitidas pelo sistema

jurídico aplicável".412

As normas de ordem pública, por sua vez, estão relacionadas ao interesse

público, que é "aquele que se impõe por uma necessidade coletiva, devendo ser

perseguido pelo Estado, em benefício dos administrados, o relativo a toda

sociedade personificada no Estado; o interesse geral da sociedade".413

O princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, por sua vez,

ganhou grande repercussão com a vigência da Consolidação das Leis do

Trabalho, vigorando inquestionável até a década de 80. A partir de então, numa

época de transição do governo militar para o governo democrático, o

desenvolvimento das organizações sindicais como grupos de pressão social, a

intensificação da prática das negociações coletivas, demonstraram que, como

coloca Márcio YOSHIDA:

"...a reivindicação extremada de direitos era uma faca de dois gumes: a conquista de generosas concessões e apriorísticos aumentos salariais, quer decorrentes de repasse de inflação, quer em virtude de produtividade (jamais medida), junto aos Tribunais ou sob a pressão de greves, resultava em seqüentes dispensas de trabalhadores, mais inflação, menos emprego"...

O autor destaca que a abertura comercial propiciada pela década de 90

exigiu das empresas nacionais novas formas de otimizar resultados para

tornarem-se competitivas frente ao mercado mundial, impondo aos operadores

do Direito e a toda sociedade a discussão acerca da flexibilização das normas

trabalhistas. A própria Constituição de 1988 levantou o debate ao permitir, no

410 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 95. 411 SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol I, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 205. 412 SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Op. cit., p. 207. 413 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 880.

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artigo 7º., a redução salarial e a redução de jornada através de negociação

coletiva, dando sinais da relativização do princípio da irrenunciabilidade dos

direitos trabalhistas. Diante disso, como coloca o autor:

"O molde teórico do contrato de trabalho imutável, engessado pela indisponibilidade dos direitos laborais, bem vestia os figurinos do Estado Novo paternalista, mas hoje já não mais se justifica.[...] A renunciabilidade de direitos trabalhistas não pode mais ser vista como procedimento excepcional após a Constituição de 1988".414

Feitas estas considerações, pode-se partir para a análise dos argumentos e

contra-argumentos acerca de inaplicabilidade da arbitragem em razão da

indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.

Maurício Godinho DELGADO defende a inaplicabilidade da via arbitral

aos conflitos trabalhistas em razão do princípio da indisponibilidade dos

direitos trabalhistas, segundo o qual qualquer renúncia ou transação lesiva ao

empregado é passível de invalidação. Assim, segundo o autor, não pode o meio

de solução escolhido contrapor-se aos princípios do ramo do Direito de que se

ocupam, nem dos ditames constitucionais, especialmente, aqueles voltados à

proteção da dignidade humana e da defesa de direitos sociais. Para este autor,

portanto, a arbitragem é inaplicável aos conflitos trabalhistas, sem qualquer

exceção. 415

Cássio Mesquita BARROS também defende que a arbitragem não é

plenamente aplicável aos conflitos trabalhistas, sejam eles coletivos ou

individuais. Para ele, seria necessária uma complementação da Lei de

Arbitragem para adequá-la aos conflitos trabalhistas. Explica o autor que,

embora a solução privada de conflitos trabalhistas seja uma alternativa

414 Conforme GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 90 a 95. 415 "A LA dispõe que o instituto aplica-se à regulação de direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, L. 9.307/96) - o que cria certa dificuldade de inserção, neste restrito grupo, dos direitos juslaborativos, principalmente quando considerados no plano das relações bilaterais do contrato empregatício. É que vigora, no Direito do Trabalho, especialmente em seu segmento jusindividual, o princípio da indisponibilidade de direitos, que imanta de invalidade qualquer renúncia ou mesmo transação lesiva operada pelo empregado ao longo do contrato. A fórmula arbitral, que pode levar a uma considerável redução ou supressão de direitos, teria força para esterilizar, ou mesmo atenuar, semelhante princípio básico do ramo justrabalhista especializado? Em princípio, parece-nos que a resposta é negativa." (DELGADO, Maurício Godinho. Arbitragem, Mediação e Comissão de Conciliação Prévia no Direito do Trabalho Brasileiro. Síntese Trabalhista, n. 159, set. 2002, p. 9).

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extremamente benéfica para as partes, não se pode esquecer que o Direito do

Trabalho se constitui de normas tutelares que limitam e restringem a

aplicabilidade da arbitragem. A primeira limitação diz respeito ao momento da

formalização do recurso à via arbitral. Os direitos trabalhistas são indisponíveis

e inderrogáveis antes da extinção do contrato de trabalho – neste sentido,

inclusive, dispõe a Súmula nº. 330, do TST, que permite a renúncia posterior

ao contrato de trabalho - e não se pode considerar indisponível o direito ainda

não surgido que, portanto, ainda não faz parte do patrimônio do trabalhador.

Todavia, considera o autor, não ser esta uma limitação tão importante, tendo

em vista que a própria Constituição admitiu a indisponibilidade relativa ao

prever a redução do salário e da jornada através de negociação coletiva, no

curso do contrato de trabalho, e o artigo 468 da CLT permite a renúncia de

direitos durante do contrato, sob as condições de esta ser bilateral e não

importar em prejuízo ao trabalhador. Nas palavras do autor:

"A indisponibilidade, com mais propriedade, deve aplicar-se a cada direitos subjetivo em particular, com relativa independência da situação em que se encontra a relação de trabalho. Assim porque se a situação é a posteriori a atribuição do benefício confere certa disponibilidade ao trabalhador, pois as limitações ou a proibição legal não é total [...]".

Para ele, a real limitação está na matéria a ser levada à via arbitral, pois,

nas matérias em que há representação do Estado, como, por exemplo, aquelas

referentes ao salário mínimo, não há, no seu ponto de vista, direitos

disponíveis. Além disso, para o autor, o trabalhador tem tratamento na

legislação brasileira semelhante ao dispensado ao "menor de idade",

decorrência da cultura e da própria realidade laboral.

"Em suma, a arbitragem poderia ser aplicada supletivamente aos dissídios individuais que tenham por objeto direitos disponíveis. Quanto aos dissídios coletivos, a aplicação seria facultativa. [...] A nosso ver, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, precisaria ser complementada e adequada ao direito do trabalho para ter aplicação sem maiores dificuldades".416

Fernando Galvão MOURA e Nelma de Sousa MELO também entendem

ser inaplicável a arbitragem aos conflitos trabalhistas individuais, sob o

416 BARROS, Cássio Mesquita. A Regulação da Arbitragem Trabalhista Brasileira. Disponível em <http://www.arbitragem.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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argumento de que os direitos individuais trabalhistas são indisponíveis e pelo

receio de que os entendimentos sedimentados pela Justiça do Trabalho sejam

desviados, pela aplicação da arbitragem, com a criação de novas regras.

"A arbitragem é desaconselhável quanto tem em mira a solução de conflitos individuais de trabalho. [...] Nos aliamos ao entendimento dos professores e Juízes que se posicionam pela não aplicabilidade (pelo menos no estágio evolutivo atual do instituto e do nível cultural e mentalidade de nosso povo) da arbitragem nos dissídios individuais".417

Sergio Pinto MARTINS418, por sua vez, destaca a necessidade de

previsão legal ou constitucional para a utilização da arbitragem aos conflitos

trabalhistas. Tendo por principais argumentos a impossibilidade de o

empregado transacionar seus direitos frente ao empregador e a

irrenunciabilidade de tais direitos, o autor manifesta-se contrariamente à

aplicação da arbitragem aos conflitos laborais individuais, mas admite

exceções, como se vê a seguir:

417 MOURA, Fernando Galvão; MELO, Nelma de Sousa. Arbitragem no Direito do Trabalho. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006: "Há o perigo sim, pelo menos por enquanto, de usarem o instituto da arbitragem em dissídios individuais para inserir novas regras trabalhistas na relação de emprego (ou a vontade deles), desviando de certos entendimentos sedimentados da Justiça do trabalho, se aproveitando do fato de que a sentença arbitral faz lei entre as partes e não pode ser modificada pela justiça estatal, cabendo apenas a sua nulidade, se houver o recurso. Por isso, diante de nossa realidade cultural, social e econômica, concluímos que, pelo menos pro enquanto, não deve ser aplicada a arbitragem nos dissídios individuais, mesmo porque, como já dissemos, o instituto mais apropriado a esses dissídios é a mediação..." 418 "Poder-se-ia afirmar, entretanto, que a arbitragem só é permitida quanto a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1° da Lei n° 9.307). Como no Direito do Trabalho o trabalhador não pode transacionar seus direitos diante do empregador, apenas em juízo, não se poderia falar em arbitragem. Contudo, no que diz respeito ao conflito coletivo, é a Constituição que determina uma forma alternativa para a solução da citada divergência por meio da arbitragem, sendo que nesse ponto não se aplicaria o art. 1° da Lei n° 9.307. Lembre-se até mesmo de que a Lei Maior também permite a flexibilização de direitos trabalhistas, com a assistência do sindicato dos trabalhadores, o que ocorre para a redução de salários (art. 7°, VI), para a compensação e redução da jornada de trabalho (art. 7°, XIII) e para o aumento da jornada de trabalho nos turnos ininterruptos de revezamento (art. 7°, XIV), sempre mediante acordo ou convenção coletiva (art. 7°, XXVI). Nos conflitos individuais haveria a impossibilidade da arbitragem diante da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Apenas alguns direitos trabalhistas poderiam ser renunciados como o aviso prévio concedido pelo empregador quando o empregado tiver outro emprego. O aviso prévio dado pelo empregado pode ser dispensado pelo empregador, mas outros direitos não. Seria necessária lei determinando a possibilidade da utilização da arbitragem para solucionar conflitos individuais do trabalho, de maneira que não se aplicasse o art. 1° da lei nº 9.307/96. Direitos patrimoniais disponíveis são diferentes de direitos irrenunciáveis. Direitos indisponíveis são normas direcionadas às partes e não exatamente normas de ordem pública absoluta". (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 88).

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"Nos conflitos individuais haveria a impossibilidade da arbitragem diante da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Apenas alguns direitos trabalhistas poderiam ser renunciados como o aviso prévio concedido pelo empregador quando o empregado tiver outro emprego. O aviso prévio dado pelo empregado pode ser dispensado pelo empregador, mas outros direitos não".

O autor ainda faz uma diferenciação relevante acerca de direitos

patrimoniais indisponíveis e direitos irrenunciáveis. Para ele, as normas

trabalhistas são classificadas da seguinte forma: normas de ordem pública –

absolutas ou relativas -; normas dispositivas e normas autônomas - individuais

ou coletivas. As normas de ordem pública absoluta são aquelas inderrogáveis

pelas partes por referirem-se a um interesse público que se sobrepõe ao

individual, como: as normas referentes à saúde do trabalhador; as normas de

ordem pública relativa consistem naquelas disposições em que, embora haja

um interesse protetivo por parte do Estado, é admissível sua flexibilização; as

normas dispositivas referem-se àquelas disposições em que o interesse tutelar

do Estado é menor, dando margem para que as parte convencionem outras

regras; por fim, as normas autônomas são aquelas estabelecidas pelas partes

sem interferência do Estado.419

Com esta diferenciação, o autor acaba por apresentar uma base para

argumentos de defesa da aplicação da arbitragem, como é possível vislumbrar

nas seguintes opiniões que se seguem.

Isabele Jacob MORGADO apresenta o seguinte raciocínio: para ela, o

que diferencia os direitos disponíveis dos indisponíveis é a possibilidade de

renúncia ou transação acerca daqueles. Os direitos patrimoniais seriam, a

priori , disponíveis, sendo, apenas alguns, por expressa previsão legal, tidos

como indisponíveis, em virtude do desequilíbrio da relação trabalhista. Mas,

diante da existência de disposição Constitucional, permitindo a disponibilidade

de certos direitos trabalhistas tidos como indisponíveis, e, tendo em vista que

não há nenhum dispositivo de lei afirmando a indisponibilidade dos direitos

laborais e que a grande maioria dos direitos pleiteados na Justiça do Trabalho

419 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 79.

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são de caráter patrimonial, passíveis de transação e renúncia, conclui pela

possibilidade de submetê-los à arbitragem. 420

Zoraide Amaral SOUZA, por sua vez, classifica os direitos indisponíveis

em absolutos e relativos. A indisponibilidade absoluta, segundo ela, refere-se

ao direito à vida, à personalidade e ao trabalho livre. A indisponibilidade

relativa, por outro lado, refere-se a um conjunto de direitos e garantias como o

alimento, o registro do contrato de trabalho na carteira profissional, o salário,

dentre outros. Exemplifica, com várias referências legais421, que vários direitos

admitem renúncia e transação, o que conduz ao convencimento de sua

disponibilidade.422

A autora apresenta a idéia de que os direitos trabalhistas são

indisponíveis enquanto vigorar a relação de trabalho. Encerrada esta, todos os

direitos se tornam disponíveis, justificando seu argumento com a possibilidade

420 "De um modo geral, diz-se que os direitos dividem-se em disponíveis e indisponíveis, quando puderem ou não ser transacionados ou renunciados. [...] Como os direitos pleiteados na Justiça do Trabalho, na sua maioria, são patrimoniais, estes seriam, em princípio, totalmente disponíveis. Todavia, o Estado, considerando o desequilíbrio da relação capital x trabalho, em virtude da debilidade econômica deste, houve por bem tutelar alguns dos direitos que considerava mais relevantes, elevando-os à categoria de indisponíveis. Daí por que a indisponibilidade dos direitos trabalhistas é necessariamente determinada por lei. Em geral, esta vem prevista em normas específicas, visto que inexiste, no ordenamento jurídico brasileiro, norma que determine a indisponibilidade de todos os direitos trabalhistas indistintamente. Vislumbra-se, portanto, a existência de regras que prevêem, expressamente, a disponibilidade de direitos laborais, mesmo naqueles direitos tidos, em princípio, como indisponíveis, como, por exemplo, os previstos nos incisos VI e XIV do art. 7° da Carta Federal. [...] Daí por que, os direitos trabalhistas que, inicialmente, apresentam-se como irrenunciáveis em virtude da tutela estatal, são perfeitamente disponíveis, à medida em que a transação se configura como um meio de solução dos conflitos. Assim, não restam dúvidas quanto à plena aplicabilidade da Lei n. 9.307/96 aos conflitos laborais, quando estes envolverem direitos passíveis de transação ou renúncia. Desde que exista cláusula compromissória ou seja firmado compromisso remetendo a solução do conflito à arbitragem, não há por que se criar óbices à utilização da arbitragem também nos dissídios individuais". (MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, pp. 44 - 45). 421 Art. 7°, VI, CF (redução de salário mediante negociação coletiva); enunciado 276 do TST (renúncia do aviso prévio); enunciados 265 e 291 do TST (supressão do adicional noturno); arts. 472 § 2º e 475 §§ 1º e 2º, CLT. 422 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, pp. 191 e 192: "Observa-se que algumas normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, atinentes ao contrato individual do trabalho, podem estar sujeitas à negociação pelas partes contratantes (empregado e empregador). [...] Do exposto, pode-se constatar que diversas regras constitucionais e legais, referentes ao contrato individual de trabalho, admitem renúncia e transação, o que conduz ao convencimento da disponibilidade de direitos que a princípio são considerados indisponíveis".

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de proceder-se à conciliação, na Justiça do Trabalho, sem questionamentos

quanto à natureza do direito que está sendo pleiteado.423

Analisando o argumento da autora extrai-se a idéia de que a

indisponibilidade dos direitos trabalhistas está diretamente ligada à duração do

contrato de trabalho, idéia que se justifica quando se identifica

indisponibilidade com proteção ao empregado; em outras palavras, enquanto o

empregado está sob a dependência econômica do empregador, há uma

presunção legal de que a renúncia de direitos seria eivada de vícios de vontade;

após o término do contrato, não mais estaria o empregado sujeito ao

empregador, estando, portanto, livre para manifestar sua vontade.

Outro contra-argumento, bastante interessante, refere-se à possibilidade

de acordo diante da Justiça do Trabalho, situação esta que abriria um

precedente autorizador da arbitragem. Este argumento, utilizado,

principalmente, pelos que defendem a natureza jurisdicional da arbitragem,

ganha real relevância quando se tem em conta que os acordos fazem parte,

inquestionavelmente, da prática forense laboral, Francisco GONÇALVES

NETO assim opina a respeito:

"Se nada obstante os direitos trabalhistas serem tutelados por norma de ordem pública, impositivas, são objeto de transação perante o juízo trabalhista, sê-lo-ão

423 "Apesar da vedação expressa contida no art. 1º da lei 9.307/96, que prevê a aplicação da arbitragem apenas para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, não vislumbramos óbices maiores para a sua aplicação, conforme veremos a seguir. [...] De sua redação, apreende-se que se estivermos diante de direitos indisponíveis não será possível utilizar-se do meio alternativo da arbitragem? Há que se ponderar a respeito das expressões "direitos patrimoniais disponíveis" e "direitos indisponíveis do trabalhador", já que o argumento mais forte sobre a inaplicabilidade do instituto da arbitragem na relação trabalhista reside, exatamente, na indisponibilidade de alguns dos direitos dos empregados. Assim, ao leitor menos avisado, a redação do artigo transcrito parece colocar uma pedra de cal sobre o assunto. No entanto, a leitura do art. 25 da lei em comento e seu parágrafo único enseja maior reflexão. [...] Vê-se, pois, que a própria lei procurou encontrar uma solução para que o sistema arbitral, após sanado o empecilho para sua utilização, volte ao seu curso normal. Em termos trabalhistas, o que deve ser analisado relativamente aos direitos do empregados está no momento em que os referidos direitos são considerados, realmente, indisponíveis. Há indisponibilidade enquanto a relação jurídico-material existir, isto é, a indisponibilidade está diretamente ligada ao desenvolvimento da relação trabalhista. Assim, após a sua extinção, não há que se falar em indisponibilidade, já que todos os direitos passam a ser disponíveis. Tanto é verdadeira esta afirmação que a própria Justiça do Trabalho, que possui como princípio básico a conciliação, antes de qualquer ato do juiz, no momento da tentativa do acordo, não faz perguntas sobre se o direito que está sendo submetido à conciliação, é disponível ou indisponível. A razão é simples: neste momento não há o que se perquirir, pois a relação material já se extinguiu". (SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, pp. 188 e 189).

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também perante o juízo arbitral, cuja jurisdição e natureza de sentença não diferem, posto idênticas".424

Carlos Alberto CARMONA também contra-argumenta afirmando que

embora seja reconhecido o caráter protetivo do direito laboral:

"...é 'fato incontestável' que nem todos os direitos inseridos na CLT "assumiriam a feição irrenunciável [...]: se assim não fosse, não se entenderia o estímulo sempre crescente à conciliação (e à conseqüente transação), de tal sorte que parece perfeitamente viável solucionar questões trabalhistas que envolvem direitos disponíveis através da instituição do juízo arbitral".425

Márcio YOSHIDA não só defende a aplicação da arbitragem à solução

dos conflitos individuais de trabalho, como elenca os direitos que, para ele,

podem ser levados à via arbitral: os direitos relativos a salários e jornada de

trabalho, por força do disposto no artigo 7º. da Constituição; os direitos

decorrentes de contrato de trabalho já extinto, pois se não fossem considerados

disponíveis tais direitos seria inviável a conciliação na Justiça do Trabalho; os

direitos que complementam as disposições convencionais e legais mínimas

resultantes dos poder normativo da Justiça do Trabalho - vale observar que a

obra em questão é anterior à Emenda Constitucional nº. 45 -; os direitos

coletivos decorrentes de leis ou convenções e acordos coletivos, em razão da

previsão constitucional do artigo 114; os direitos decorrentes do artigo 7º. da

Lei de Greve, referentes à regulamentação das relações obrigacionais no

período de paralisação; os direitos relativos ao contrato de trabalho em vigor,

que se constituíram anteriormente à arbitragem, onde o autor cita o exemplo no

qual as partes transacionaram o grau de insalubridade para fins de pagamento

de adicional, acordo que projeta efeitos para o futuro, mas que esteia em

condições preexistentes e direitos já constituídos e não futuros.426

Paulo César PIVA também questiona os acordos feitos perante a Justiça

do Trabalho frente à irrenunciabilidade de direitos. Dispõe ele que a aplicação

da arbitragem é preferível a um "mau acordo" homologado pelo Poder

424 GONÇALVES NETO, Francisco. O Direito do Trabalho e a Arbitragem. Juris Síntese, set./out. 2003. 425 CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 49-52. 426 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 96.

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Judiciário, que lhe suprima direitos irrenunciáveis em razão do excesso de

demandas e alegando-se a supressão do tempo. Diante desta realidade, conclui

ele que a arbitragem como "uma forma de solução de conflitos, em muito

auxiliará para o restabelecimento do prestígio do Poder Judiciário que se

encontra perturbado diante daqueles que o procuram".427

Rodolfo PAMPLONA FILHO também se manifesta favoravelmente à

aplicação da arbitragem nos conflitos trabalhistas e critica o argumento da

indisponibilidade de direitos como forma de afastar sua aplicação:

"... talvez já seja hora de assumir, sem hipocrisias, que os direitos trabalhistas talvez não sejam tão irrenunciáveis assim, mas a própria possibilidade da conciliação judicial por valores menores do que o efetivamente devido já demonstra a real disponibilidade na prática (e com chancela judicial!)".428

Defende o autor a elaboração de uma lei específica para a Arbitragem

Trabalhista que enfocasse as peculiaridades da relação laboral.

Um dos contra-argumentos mais interessantes e complexos acerca do

tema é apresentado por Iara Alves Cordeiro PACHECO. Esta, parte da análise

427 "Aos extremamente legalistas, é totalmente impossível a utilização da arbitragem para a solução dos conflitos individuais trabalhistas, tendo em vista a vedação expressa do art. 1º da L.9.307/96, que prevê a sua aplicação apenas para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Ora, na prática vimos que a justiça especializada encontra-se abarrotada de demandas e, não obstante limitações à indisponibilidade de direitos, busca-se abreviar a solução daqueles litígios através da transação com realização de acordos que são homologados sem a observância dos rigores legais que direcionam a matéria, em especial a irrenunciabilidade de direitos. E assim o é porque o trabalhador, muitas vezes, pressionado pela inevitável urgência na busca da solução do litígio, às vezes, movido por extrema necessidade, aceita um mau acordo para sanar sua iminente, sofrida e constrangedora situação de insolvência. Assim, se oportunizada às partes a aplicação da arbitragem como alternativa e solução dos dissídios individuais, tem-se claro que o resultado será alcançado com maior brevidade e, caso efetivamente venha ser utilizada como mais uma forma de solução de conflitos, em muito auxiliará para o restabelecimento do prestígio do Poder Judiciário que se encontra perturbado diante daqueles que o procuram". (PIVA, Paulo Cesar. Arbitragem como Eventual Solução de Problemas Trabalhistas. Síntese Trabalhista, n 145, jul. 2002, p. 29). 428 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Atualizando uma Visão Didática da Arbitragem na Área Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006: "Ora, em função do Princípio tradicional da Irrenunciabilidade de Direitos, há quem entenda que o Juízo Arbitral seria totalmente inaplicável às relações individuais de trabalho, o que tem encontrado respaldo nos setores mais conservadores da doutrina e jurisprudência. Todavia, os tempos parecem estar mudando no horizonte, pois, pouco a pouco, a flexibilização dos direitos trabalhistas no plano individual, ainda que com a assistência das entidades sindicais, parece estar ganhando cada vez mais corpo. Além das previsões constitucionais do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV (flexibilização de direitos trabalhistas com base na negociação coletiva), a política do atual Governo federal, com envio de projetos de reestruturação da legislação laboral, também infere que grandes transformações estão por vir, com o incentivo, cada vez maior, de formas de solução extrajudicial de conflitos, entre as quais a arbitragem se destaca."

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dos artigos 219, 320, 331, 351 e 447 a 449, do Código de Processo Civil, de

onde retira as características dos direitos indisponíveis, diante dos quais "a

revelia não se induz, a confissão não produz efeito, a transação não se admite, a

renúncia é irrelevante".429

Feita esta primeira análise, conclui Iara Alves Cordeiro PACHECO430

que o trabalhador possui direitos indisponíveis com caráter absoluto, que são

aqueles referentes aos seus direitos da personalidade – os quais, todavia,

admitem reflexos patrimoniais.

Partindo da classificação de Sergio Pinto MARTINS, afirma a autora,

que os trabalhadores estão sob a égide de quatro espécies de direitos: direito de

personalidade; direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta;

direitos decorrente de normas de ordem pública relativa, os quais podem ser

flexibilizados, mediante negociação coletiva, nos casos autorizados pela

Constituição; direito decorrentes de normas dispositivas, que podem ser

pactuadas pelas partes. Destes direitos, a arbitragem só não seria aplicável aos

429 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, pp. 41-43. 430 "Os direitos indisponíveis são irrenunciáveis, intransigíveis, imprescritíveis e, com relação a eles, a revelia não se induz e a confissão não produz efeito. Já os direitos patrimoniais disponíveis são direitos que admitem renúncia, transação, alienação, transmissão e prescrição. Daí a pesquisa das características dos direitos indisponíveis, assim como daquelas dos direitos trabalhistas, a fim de verificar se possuem a mesma natureza, ou seja, constatar se os direitos trabalhistas são disponíveis ou não. Os direitos indisponíveis ligados ao indivíduo são aqueles referentes ao estado da pessoa, direitos de família puros e os direitos da personalidade. O trabalhador possui direitos indisponíveis no âmbito relativo aos direitos da personalidade, que são inatos, absolutos, extrapatrimoniais (embora possam ter reflexos patrimoniais), intransmissíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, como é o caso do direito à vida, à integridade física, à liberdade em todos os seus aspectos, ao nome, à intimidade, à vida privada, etc. Outrossim, adotada, em parte a classificação de Sergio Pinto Martins, os direitos trabalhistas podem ser originários da normas de ordem pública absoluta, que são inderrogáveis; de normas de ordem pública relativa, que podem ser flexibilizadas, mediante negociação coletiva, nos casos autorizados pela Constituição (art. 7º, VI, XII e XIV); e de normas dispositivas, que podem ser pactuadas pelas partes. Concluímos que o empregado é detentor de direitos de quatro espécies: direitos da personalidade; direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta; direitos derivados de normas de ordem pública relativa; e direitos decorrentes de normas dispositivas. Dessa forma, diante do comando do art. 1º da lei n. 9.307/96, nada impede a utilização da arbitragem, com relação aos direitos decorrentes de normas dispositivas, bem como aos direitos derivados de normas de ordem pública relativa. Quanto aos direitos da personalidade, o impedimento se dá quando o empregado ajuíza ação inibitória, para evitar a violação do direito que está na iminência de acontecer ou para requerer a cessação da violação em curso, ou pleiteia o reconhecimento da lesão já perpetrada com a conseqüente indenização. Caso se trate de lesão já concretizada e o ofensor reconheça a caracterização do ilícito, havendo discordância tão-somente no que tange ao quantum, ou seja, a repercussão patrimonial do direito, será possível firmar o compromisso para o arbitramento da justa compensação." (PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Op. cit., pp. 127 e 128).

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direitos decorrentes de normas de ordem pública absoluta e quanto aos direitos

da personalidade, quando o empregado ajuíza ação inibitória, para evitar a

violação do direito "que está na iminência de acontecer ou para requerer a

cessação da violação em curso, ou pleiteia o reconhecimento da lesão já

perpetrada com a conseqüente indenização", uma vez que, ocorrida a lesão e

restando apenas a discussão acerca de suas repercussões patrimoniais referente

à indenização, já é possível a utilização da arbitragem.

Neste sentido, Francisco GONÇALVES NETO defende a possibilidade

de submeter, inclusive, direitos decorrentes de normas de ordem pública

absoluta, desde que façam parte do patrimônio do empregado e seja respeitado

o mínimo legal.431

O autor também analisa a natureza jurídica do Direito do Trabalho,

donde conclui pela inexistência de incompatibilidade desta com o instituto da

arbitragem, pois, segundo o autor, independente do ramo a que pertence a

origem histórica do Direito do Trabalho remete ao seu caráter privatístico de

regulação de interesses privados que se coaduna com os propósitos do instituto

da arbitragem.432

Georgenor de Sousa FRANCO FILHO defende a aplicação da

arbitragem argumentando a tendência de flexibilização das normas trabalhistas

e a inexistência de outro documento legal referente à arbitragem trabalhista no

Brasil. Não obstante, o autor reconhece as dificuldades práticas na aplicação da

431 GONÇALVES NETO, Francisco. O Direito do Trabalho e a Arbitragem. Juris Síntese, set./out. 2003. 432 "Seja o direito do trabalho privado (Lazcano, Barassi, Deveali, Enneccerus, Queirós Lima, De la Cueva e outros), seja ramo do direito público (Stolfi, Balzarini, Veranessi, Castorena, Otto Mayer, Pic, Hirosê Pimpão e outros), tenha natureza de direito misto (Roubier, Carnelutti, Pérez Botija, Garcia Oviedo, Pergolesi, Ripert, De Litala, Orlando Gomes e outros), tenha natureza de direito unitário (Süssekind, Dorval de Lacerda, Santoro-Passarelli, Evaristo de Moraes Filho, Joaquim Pimenta e outros), seja direito social (Radbruck, Von Gierke, Cesarino Jr. e outros), não implica em incompatibilidade com o instituto da arbitragem. Amauri Mascaro Nascimento entende que o direito do trabalho é ramo do direito privado, explicando que seu conjunto de normas e instituições “surgiu nas suas origens com características marcadamente privatísticas, tanto que é do direito civil e do contrato de arrendamento que evoluiu o contrato de trabalho. Com as modificações históricas de natureza político-social, alterou-se bastante essa fisionomia, mas o fenômeno não é isolado e próprio do direito do trabalho e predomina em todos os ramos do direito, inclusive no direito civil”. Concluindo, o renomado professor, com acerto, diz: “O direito do trabalho é portanto ramo do direito privado porque regula interesses imediatos dos particulares, é pluricêntrico, e tanto a convenção coletiva de trabalho como o contrato individual não se desvinculam do âmbito do direito do direito privado. ”Vale inferir que o conteúdo desta posição reforça a compatibilidade retro asseverada..." (GONÇALVES NETO, Francisco. O Direito do Trabalho e a Arbitragem. Juris Síntese, set./out. 2003).

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arbitragem aos conflitos individuais, principalmente, em razão das condições

do empregado brasileiro, pelo custo do procedimento e pela pouca confiança

que o instituto ainda inspira para os atores sociais.433

Alexandre Nery Rodrigues de OLIVEIRA defende a aplicação da

arbitragem aos conflitos individuais trabalhistas argumentando a inexistência

de renúncia de direitos perante o juízo arbitral. Segundo este autor, dizer que

haveria renúncia de direitos laborais, pela submissão a tribunal de arbitragem

trabalhista, apenas pela possibilidade de que o mesmo decida contrariamente a

algum trabalhador, "ensejaria a mesma discussão em relação à Justiça do

Trabalho, e não há que imaginarmos que no seio Judiciário o improvimento de

uma pretensão importe em renúncia da mesma e sim no seu não

reconhecimento."434

433 "Embora a Lei n. 9307/96 se destine a "dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (art. 1º, in fine) [...] verifica-se uma tendência mundial no sentido de flexibilização das normas trabalhistas, o que faz ensejar que se admita a aplicação dos comandos desse diploma legal à arbitragem trabalhista. Não fosse por esse motivo, restaria ainda outro, indiscutível, de que inexiste qualquer outro diploma legal vigente no Brasil que disponha sobre arbitragem, com os pormenores que esta lei apresenta. Aliás, a adoção da arbitragem importa em voltar a meios simples e informais, que existiam no início dos anos 30, com o Decreto n. 22.123/32, quando não haviam as exigências formais posteriores ao Decreto-lei n. 1237/39, que organizou os primórdios da Justiça do Trabalho. Por isso, como recorda Roberto Davis, é que a Lei n. 9307/96 deve ser aplicada não apenas à arbitragem trabalhista em matéria coletiva, senão também nas relações individuais de trabalho. Nesse particular, reporto-me ao que afirmei alhures, no sentido de que se apresenta profundamente difícil a arbitragem em matéria individual, quer pelas reais condições do operariado brasileiro, quer pelo custo da arbitragem, quer pela pouca confiança que os parceiros sociais ainda possuem nesse mecanismo". (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 23). "O nosso mundo está vivendo, indubitavelmente, uma fase de transição resultante da nova revolução tecnológica. [...] a liberação e a mundialização da economia incrementou a concorrência entre países, impondo-lhes a necessidade de produzir mais e melhor. [...] Nos dias atuais, todavia, a maior preocupação das entidades internacionais, assim como de algumas nações, é com o desemprego estrutural advindo da nova tecnologia e, sobretudo, da robotização e da automação. A finalidade de reduzir esse desemprego fomentou a utilização da flexibilização do Direito do trabalho, experimentada ao ensejo de dois choques petrolíferos dos anos 70 e 80. E sua aceitação vem se generalizando, quer na elaboração de normas legais e convencionais, quer na aplicação das mesmas." (SÜSSEKIND, Arnaldo [et. al.]. Instituições de Direito do Trabalho. Vol I, 19ª. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 208). Se por um lado é aclamado por harmonizar-se à realidade laboral que há muito se distanciou do contrato típico do emprego, por outro, é questionado por tocar em direitos consagrados constitucionalmente. Portanto, este argumento deve ser analisado de forma responsável, sem subjugar direitos mínimos. 434 OLIVEIRA, Alexandre Nery Rodrigues de. Arbitragem e Justiça do Trabalho: Análise da Lei 9.307/96. Disponível em <http://www.universojuridico.com.br>. Acesso em 20 dez. 2004.

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5.2.1.5 Da Hipossuficiência do Trabalhador

Outro argumento apresentado contra a arbitragem aos conflitos

individuais trabalhistas é o fato de ser inaceitável a inserção de cláusula

compromissória no contrato individual de trabalho diante do evidente

desequilíbrio que há na relação laboral.

A característica essencial do instituto da arbitragem é a liberdade:

liberdade para escolher os árbitros, o procedimento, as normas que serão

utilizadas, e, principalmente, para optar por sua utilização.

No contrato de trabalho, essa liberdade, via de regra, não existe, uma vez

que o empregado não está, em princípio, em condições de impor sua vontade,

limitando-se a aceitar o que lhe é imposto para obter o emprego. O Brasil tem,

atualmente, um índice de desemprego de 9,5%.435 Diante deste número, não é

difícil concluir que aquele que depende do emprego para subsistir, não irá

questionar qualquer cláusula do contrato de trabalho a fim de conseguí-lo.436

Diante deste argumento, Iara Alves Cordeiro PACHECO coloca que a

inserção de tal cláusula só seria possível mediante acordo ou convenção

coletiva de trabalho, sob o auspício da entidade sindical. Nas palavras da

autora:

"Tendo em vista a desigualdade entre empregado e empregador, impossível a inclusão de tal cláusula nos contratos individuais de trabalho, somente podendo ser admitida nos acordos ou convenções coletivas, sob o crivo da entidade sindical, que deve afastar a aplicação da eqüidade".437

Isabele Jacob MORGADO compartilha dessa opinião, observando que,

salvo nas raríssimas hipóteses em que empregado e empregador se encontram

em posição de igualdade para negociar, o mais correto é que a inserção da

cláusula arbitral seja feita em acordo ou convenção coletiva aplicável a toda a

435 Números de novembro de 2006. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 10 de janeiro de 2007. 436 Conforme BBC Brasil. O Mundo teve Desemprego Recorde em 2003, diz OIT. 22. jan. 2004. Disponível em <http:// www.bbcbrasil.com.br>. Acesso em 21 out. 2004. 437 PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Os Direitos Trabalhistas e a Arbitragem. São Paulo: LTr, 2003, p. 127.

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categoria, a fim de que não paire dúvida quanto à inexistência de vícios formais

ou qualquer coação por parte dos empregadores.438

Dayse Coelho de ALMEIDA, ao comentar um julgado do Tribunal

Regional do Trabalho de São Paulo, que afirmou a incompatibilidade da

arbitragem com o Direito do Trabalho, questiona os preconceitos que

envolvem a discussão quanto à possibilidade de aplicação da arbitragem aos

conflitos trabalhistas:

"A decisão ora comentada parece, sob melhor juízo, fundada em alguns "pré-conceitos", o primeiro deles de que a arbitragem é um campo de fraudes e má-fé, o que não pode prosperar sob nenhum ângulo [...] o argumento que mais pesa na questão é a posição de hipossuficiência que o legislador quis colocar o empregado".439

Afirma a autora que a aplicação da arbitragem, diante desse argumento,

requer algumas cautelas, como a inserção da cláusula arbitral em acordo ou

convenção coletiva, amparando sua opinião no exposto por Isabele Jacob

MORGADO, autora acima citada.440

438 "Considerando a posição desvantajosa da grande maioria dos trabalhadores em relação aos empregadores, a arbitragem, nos dissídios individuais, deverá se revestir de algumas cautelas, para que não se transforme num meio de burlar as normas trabalhistas de proteção ao empregado, ou mesmo de imposição a este do meio alternativo de solução. Assim, não deve ser permitida a inserção de cláusula compromissória em contratos individuais, salvo naqueles casos raríssimos em que o empregado se encontra em posição de "igualdade" com o empregador, tendo força de negociar diretamente com este, sem que ponha em risco seus direitos. Para que não padeça de nenhum vício formal, seja fonte de abusos por parte dos empregadores ou, ainda, possua a presunção de que foi imposta ao empregado, a cláusula compromissória deverá vir inserida em acordo ou convenção coletiva de trabalho, que é aplicável para toda a categoria, pois parte do princípio de que os sindicatos defendem os interesses dos trabalhadores, e desta forma, só permitiriam a inserção da cláusula compromissória se constatassem vantagens para os trabalhadores." (MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 46). 439 ALMEIDA, Deyse Coelho de. Arbitragem na Justiça Laboral. Disponível em <http://www.recantodasletras.com.br/textosjurídicos>. Acesso em 01 dez. 2006: "JUÍZO ARBITRAL. LEI Nº 9.307/96. INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO DO TRABALHO. A Lei nº 9.307/96 está direcionada às relações civis e comerciais e portanto, não tem aplicação subsidiária no âmbito desta Justiça Especializada pelo portal do artigo 8º consolidado, eis que lhe falta a conditio essencial da compatibilidade com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Nem a presença de um sindicato de trabalhadores por trás dessa aparente "negociação" afasta a manifesta fraude (art. 9º, CLT), até porque a entidade que se prestou a esse papel sequer detém o munus representativo dos bancários, tendo a reclamante sido reconhecida como tal, à luz da prova produzida. ( PROCESSO TRT/SP Nº.: 00958200201602005 (20030321942) RECURSO ORDINÁRIO; Órgão Julgador: 4ª. Turma)". 440 ALMEIDA, Deyse Coelho. Arbitragem na justiça laboral. Disponível em <www.http://recantodasletras.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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Márcio YOSHIDA também contra-argumenta indicando a necessária

participação dos sindicatos, pois isso "teria o duplo condão de evitar o temido

desequilíbrio de forças entre a empresa e hipossuficiente, e de eliminar

qualquer eiva de nulidade fundada nos preceitos legais que obrigam sua

intervenção para a redução ou transação de alguns direitos trabalhistas

específicos", sendo inserida a cláusula arbitral através de convenções ou

acordos coletivos.441

Carlos Alberto CARMONA destaca que muitos estudiosos defendem a

incompatibilidade da arbitragem com os conflitos trabalhistas em razão da

possibilidade de fraude, que deixaria o "obreiro à mercê do empregador", sendo

predominante o entendimento de que os direitos trabalhistas não comportariam

renúncia ou transação em razão do disposto no artigo 444 da CLT, fazendo crer

que os direitos trabalhistas são indisponíveis, e, portanto, não poderiam ser

submetidos à arbitragem. Entretanto, o autor defende a aplicação da

arbitragem, recordando que o constituinte de 1988 não impediu a aplicação da

arbitragem nas convenções coletivas, e que há hipóteses legais de autorização

do uso da arbitragem nos conflitos laborais, como a Lei nº. 7.783/89 que já

dispunha, antes mesmo da Lei de Arbitragem, sobre a possibilidade de solução

arbitral nos conflitos advindo do exercício da greve, e a Medida Provisória nº.

1539-34, de 1997 previu a aplicação da arbitragem para conflitos decorrentes

da participação dos trabalhadores nos lucros da empresa. 442

O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se, em 2005, sobre diversos

casos em que a rescisão do contrato de trabalho foi estipulada por sentença

arbitral, através da qual se permitia ao trabalhador o saque do saldo da conta de

FGTS. Eis a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL – FGTS – VALIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL – DISPENSA SEM JUSTA CAUSA – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA N. 7 DO STJ – ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE – RECURSO IMPROVIDO. A Justiça do Trabalho tem equiparado a sentença arbitral a uma sentença judicial, sendo plenamente válida, portanto, para por fim a uma relação de trabalho. A dispensa sem justa causa – que deve ensejar o levantamento do saldo do FGTS – foi consolidada antes mesmo da sentença arbitral, e devidamente reconhecida pelo Tribunal de

441 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 96. 442 Conforme CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 49-52.

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origem. Entender de forma diversa, como pretende a recorrente, incidiria em reexame de provas, vedado pela Súmula n. 7 desta Corte. Assim, configurada a despedida imotivada, faz jus o autor ao levantamento do saldo do FGTS. Na linha de entendimento esposado pela 2ª Turma: "O princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas milita em favor do empregado e não pode ser interpretado de forma a prejudicá-lo como pretende a recorrente" (REsp 635.156/BA, Rel. Min. Castro Meira, DJ 09.08.2004). O acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de origem encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte, razão pela qual deve ser mantido em sua integralidade. Recurso especial a que se nega provimento.443

Neste e em outros julgados, o STJ reconhece a sentença arbitral como

válida para por fim ao contrato de trabalho e autoriza o saque pelo trabalhador.

Trata-se de uma importante manifestação de nossos Tribunais, e uma prova de

que a arbitragem vem sendo utilizada em âmbito trabalhista.

Diante de todo o exposto, pode-se verificar que a possibilidade de

aplicação da arbitragem aos conflitos individuais, como dito anteriormente, não

é matéria pacífica na doutrina: na mesma proporção em que os argumentos

contra a aplicação se multiplicam, também os contra-argumentos se

desdobram, enriquecendo o mundo jurídico, contribuindo para que a solução de

conflitos ocorra da forma como ela deve ser: justa, seja no Judiciário, seja no

Juízo Arbitral.

5.3 Arbitragem Trabalhista no Direito Comparado

A experiência comparada revela-se sempre como uma rica oportunidade

de expansão de conhecimentos acerca de determinado instituto. Este estudo

comparado revela-se ainda mais importante diante da pouca experiência

vivenciada pelo Brasil com relação à arbitragem.444

443 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Rescurso Especial (REsp 659631 / BA ; 2004/0065506-3). Relator: Min. Franciulli Netto. Diário da Justiça, 02 de maio de 2005. Disponível em <http://www.stj.gov.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 444 Uma advertência, porém, deve ser feita antes de iniciar este estudo: ao falar da realidade de uma nação sem estar efetivamente nela inserida, corre-se o risco de a cada passo equivocar-se. Lembre-se, portanto, que as experiências aqui relatadas, são retiradas de fontes bibliográficas confiáveis, porém a margem de erro ao relatá-las sempre existe, uma vez que não se está a vivenciá-las.

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5.3.1 Espanha

A arbitragem, de forma geral, no Reino da Espanha, é regulamentada

pela Lei nº. 60, de 23 de dezembro de 2003. Como identifica sua exposição de

motivos, tal Lei foi editada no intuito de favorecer a difusão e prática do

instituto, propiciando maior eficácia a ele como meio de solução de conflitos. É

uma lei voltada especialmente à arbitragem comercial internacional, tendo por

base a Lei Modelo elaborada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito

Mercantil Internacional, de 1985, por entendê-la o legislador não apenas uma

Lei propícia à arbitragem mercantil, mas adequada a toda e qualquer

arbitragem. Todavia, o artigo 1º. exclui, expressamente, a aplicação dessa Lei à

arbitragem laboral.445

Geralmente, na Espanha, a arbitragem só é aplicável aos direitos

disponíveis, excluindo-se determinadas matérias de seu âmbito.446

A aplicação da arbitragem aos conflitos laborais encontra respaldo,

445 "Debemos indicar que la LA excluye de manera expresa su aplicación en el ámbito laboral (Art.1.4. LA, 'Quedan excluidos del ámbito de aplicación de esta ley los arbitrajes laborales"). [...] La progresiva implantación del arbitraje en España (aunque escasa en comparación con el resto de la Comunidad Europea e Internacional) como método de resolución de conflictos alternativo a la vía judicial, se encamina a paliar y reducir los elevados costes y la prolongación en el tiempo que supone someter un litigio a los tribunales de justicia ordinarios, ofreciendo una solución alternativa, ágil, rápida, eficaz y económica de las controversias, interpretaciones, incumplimientos o ejecuciones que puedan surgir entre las partes en un contrato o vínculo jurídico-contractual. Es de salientar el avance actual y la continua concienciación social ante la implantación del arbitraje en España, camino largo y difícil por recorrer, debido a la escasa tradición de su utilización y por su desconocimiento, circunstancias éstas que están siendo superadas por medio de la actuación de organizaciones arbitrales, contando con el agradecimiento y apoyo de los Magistrados, Jueces, Secretarios judiciales y demás personal de la Administración de Justicia, encaminado al fomento e implantación del sistema arbitral, al suponer una 'futura' descarga de trabajo judicial y una mejora en el servicio a los ciudadanos que podrán disfrutar de una tutela judicial efectiva real." MÉNDEZ, Iago Pásaro. El Arbitraje em España: Um Futuro Alentador. Disponível em: <http://www. porticolegal.com>. Acesso em 01 dez. 2006. 446 Iara Alves Cordeiro PACHECO informa que a arbitragem na Espanha é aplicável aos direitos disponíveis, salvo às questões já decididas pelo Judiciário por sentença com trânsito em julgado, com exceção de aspectos de sua execução; matérias conexas a outras que envolvam direito indisponível; questões que exigem, por lei, a intervenção do Ministério Público; e questões referentes às relações de trabalho. (Conforme PACHECO, Iara Alves Cordeiro. Op. cit., p. 26).

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179

porém, no artigo 37 da Constituição Espanhola de 1978447, reconhecendo o

direito aos trabalhadores e empresários de adotarem medidas em relação a um

conflito coletivo; neste mesmo sentido, tem-se o Estatuto dos Trabalhadores

(Real Decreto Legislativo nº. 1, de 24 de março de 1995).448

Encontra-se em vigor até o dia 31 de dezembro de 2008, o III ASEC –

Acordo sobre Solução Extrajudicial de Conflitos Laborais -, assinado pelas

principais entidades empresariais e sindicais da Espanha, regulamentando a

arbitragem laboral para os conflitos entre empregados e empregadores e suas

respectivas organizações representativas. Sua aplicação não abrange os

conflitos que versem sobre a seguridade social - salvo aqueles que recaiam

sobre seguridade social complementar, inclusive planos de pensão -, e os

conflitos de que sejam parte o Estado, Comunidades Autônomas, entidade

locais ou organismos autônomos dependentes dos mesmos.

O ASEC encontra fundamento legal no disposto nos artigos 6º. e 7º. da

Lei Orgânica de Liberdade Sindical, artigo 154.1 da Lei de Procedimento

Laboral, e no Título III da Lei do Estatuto dos Trabalhadores.

447 Constitución Española. "Artículo 37. 1. La ley garantizará el derecho a la negociación colectiva laboral entre los representantes de los trabajadores y empresarios, así como la fuerza vinculante de los convenios. 2. Se reconoce el derecho de los trabajadores y empresarios a adoptar medidas de conflicto colectivo. La ley que regule el ejercicio de este derecho, sin perjuicio de las limitaciones que puedan establecer, incluirá las garantías precisas para asegurar el funcionamiento de los servicios esenciales de la comunidad." Ley del Estatuto de los Trabajadores "Artículo 4. Derechos laborales. 1. Los trabajadores tienen como derechos básicos, con el contenido y alcance que para cada uno de los mismos disponga su específica normativa, los de: [...] d) Adopción de medidas de conflicto colectivo [...]". 448 "O Estatuto dos Trabalhadores (Lei n. 8, de 10 de março de 1980), com aprovação do texto refundido através do Real Decreto Legislativo n. 1, de 24 de março de 1995 prevê como direito laboral dos trabalhadores, no seu artigo 4º., item 1., letras “c” e “d”, a negociação coletiva e a adoção de medidas de conflito coletivo, respectivamente. O Título III do Estatuto analisa a negociação e as convenções coletivas, estando estabelecido na parte final do seu artigo 85 que os laudos arbitrais terão a mesma eficácia e tramitação que os acordos nos períodos de consulta, sendo suscetíveis de impugnação nos mesmos termos que os laudos para solução das controvérsias da aplicação de convenção coletiva. Conforme o artigo 91 do Estatuto dos Trabalhadores, as partes, não obstante a Convenção Coletiva ou o Acordo, poderão estabelecer procedimentos como a mediação e a arbitragem para a solução das controvérsias coletivas derivadas da aplicação e interpretação das Convenções Coletivas. Caberá recurso ao laudo arbitral no caso de não observação dos requisitos e formalidades necessários para a sua elaboração ou no caso de não resolução de algum ponto submetido a sua decisão. As mesmas regras do Estatuto acima citadas servem para a solução das controvérsias de caráter individual, quando as partes expressamente solicitem tal procedimento." (VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho, Curitiba, n. 91, 2000, p. 77-105).

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180

Submetem-se ao referido Acordo: os conflitos coletivos de interpretação

e aplicação definidos no artigo 151 da Lei de Procedimento Laboral449; os

conflitos surgidos durante a negociação de uma convenção coletiva ou outro

acordo ou pacto coletivo, que levem a ao bloqueio da negociação por um

período de 5 meses a contar da constituição da mesa negociadora; os conflitos

que ensejarem a convocação de greve ou que suscitem sobre a determinação

dos serviços de seguridade e manutenção no caso de greve; as controvérsias

coletivas que surjam com a aplicação e interpretação de uma convenção

coletiva em razão da existência de diferenças substanciais que resultem no

bloqueio na adoção do correspondente acordo, dentre outras hipóteses. O

acordo não se aplica aos conflitos individuais.450

O acordo prevê a atuação do Serviço Interconfederal de Mediação e

Arbitragem (SIMA), que, nos termos do artigo 5º., é uma instituição paritária

constituída por representantes das organizações sindicais e empresariais mais

representativas, signatárias do acordo. Ela tem personalidade jurídica própria,

com as características de uma fundação tutelada pelo Ministério do Trabalho e

Assuntos Sociais. Seus recursos têm natureza pública e sua atuação é gratuita.

Trata-se de um suporte administrativo para aplicação dos procedimentos de

solução de conflitos.

O SIMA é regido por normas internas que determinam seu

funcionamento, a forma de determinados atos, como a recepção de demandas,

citações e notificações, registro e certificação dos documentos necessários,

execução das tarefas necessárias para o bom desenvolvimento dos

procedimentos, conforme dispõe o artigo 6º. do Acordo.

449 Ley de Procedimiento Laboral. "Artículo 151. 1. Se tramitarán através del presente proceso las demandas que afecten a intereses generales de un grupo genérico de trabajadores y que versen sobre la aplicación e interpretación de una norma estatal, Convenio Colectivo, cualquiera que sea su eficacia, o de una decisión o práctica de empresa. 2. También se tramitará en este proceso la impugnación de Convenios Colectivos de conformidad con lo dispuesto en el Capítulo IX del presente Título." 450 Os conflitos podem submeter-se aos procedimentos previstos no Acordo, sempre que suscitem num dos seguintes âmbitos: a) setor ou sub-setor de atividade que exceda o âmbito de uma Comunidade Autônoma; b) empresa, quando o conflito afete a vários centros de trabalho radicados em diferentes Comunidades Autônomas; c) empresas ou centros de trabalho que se encontrem radicados em uma Comunidade Autônoma quando estejam no âmbito de aplicação de uma convenção coletiva setorial nacional, e da resolução do conflito possam derivar conseqüências para empresas e centros de trabalho radicadas em outras Comunidades Autônomas.

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181

O SIMA terá uma relação de mediadores e árbitros indicados pelos

signatários, estando à disposição das partes demandantes.

A arbitragem só é realizada mediante pedido escrito de ambas as partes,

de mútuo acordo, no termos do artigo 8º.

Os procedimentos desenvolvidos pelo SIMA são regidos pelos princípios

da celeridade, gratuidade, igualdade processual, audiência, contraditório e

imparcialidade, respeitando-se a legislação vigente e os princípios

constitucionais, como informa o artigo 9º.

Para que o laudo arbitral tenha eficácia geral contra terceiros, o artigo 11

do Acordo exige a presença dos requisitos de legitimação previstos nos artigo

87, 88, 89.3 e 91 do Estatuto dos Trabalhadores e artigos 152 e 154 da Lei de

Procedimento Laboral, que consistem, de forma geral, na legitimidade das

partes, na tentativa anterior de conciliação, a observância das normas para a

formação da comissão negociadora, disposições sobre a aceitação e

impugnação do laudo arbitral.

O procedimento da arbitragem laboral é estabelecido no artigo 18 e

seguintes do acordo. A submissão do conflito à arbitragem não requer por

pressuposto a passagem por procedimento de mediação, mas as partes podem

fazê-lo. Após a formalização do compromisso arbitral, as partes não podem

mais adotar outros procedimentos com relação ao litígio, nem mesmo recorrer

à greve.

Para promover o procedimento arbitral será necessário requerimento

escrito apresentado perante o Serviço Interconfederal de Mediação e

Arbitragem assinado pelas partes, manifestando-se sobre o árbitro ou os

árbitros que solicitam para dirimir a questão ou a delegação ao SIMA, a fim de

que designe os mesmos.

O requerimento deverá conter: a identificação do empresário ou dos

sujeitos coletivos legitimados para o procedimento, incluindo, se for o caso, a

identificação das demais organizações empresariais ou sindicais representativas

no âmbito do conflito; a exposição das questões concretas que serão

submetidas à arbitragem, especificando sua origem e desenvolvimento, a

pretensão e as razões que a fundamentam e o prazo para prolação do laudo; o

compromisso de aceitação da decisão arbitral; a opção pela arbitragem de

direito ou de eqüidade; o domicílio das partes afetadas; data e assinatura destas.

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182

A atividade do árbitro inicia-se imediatamente após sua designação. O

procedimento se desenvolverá segundo os trâmites que o órgão arbitral

considere apropriados, podendo solicitar o comparecimento das partes, a

entrega da documentação complementar e ter o auxílio de peritos, se for

necessário. É garantido o direito de audiência das partes, além do respeito aos

princípios da igualdade e do contraditório. Caso as partes não tenham

estipulado de outra forma, o prazo para prolação do laudo será de 10 dias úteis

a partir da designação do árbitro, prazo que pode ser prorrogado em até 40 dias

úteis em razão da complexidade da questão.

O laudo arbitral é vinculante e imediatamente executável. Tem a mesma

eficácia de uma convenção coletiva. Será depositado no SIMA e remetido à

autoridade competente para registro e publicação. Quando objeto de depósito,

registro e publicação na forma prescrita pelo artigo 90 da Lei do Estatuto dos

Trabalhadores, passa a ter os efeitos de sentença definitiva, com o caráter

executivo conferido pela disposição adicional sétima da Lei de Procedimento

Laboral.451

O laudo arbitral só admite recurso de anulação, no prazo de 30 dias,

quando: os árbitros tenham excedido suas competências, resolvendo questões

alheias ao compromisso arbitral; tenham violado os princípios inerentes ao

procedimento arbitral; extrapolem o prazo estabelecido para pronúncia do

laudo, ou este afronte normas constitucionais ou legais.

O laudo poderá ser executado nos prazos previstos pela disposição

adicional sétima da Lei de Procedimento Laboral.

5.3.2 Itália

O instituto da arbitragem na Itália passou por reformas em 2006. O

Decreto Legislativo nº. 40 de 2 de fevereiro trouxe modificações ao Código de

451 Disposiciones Adicionales. Séptima:"A todos los efectos del Libro IV de la presente Ley se entenderán equiparados a las sentencias firmes los laudos arbitrales igualmente firmes, dictados por el órgano que pueda constituirse mediante los acuerdos interprofesionales y los convenios colectivos a que se refiere el artículo 83 del Texto Refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores."

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183

Processo Civil, que regula a chamada arbitragem ritual. Tal reforma teve por

intuito racionalizar o instituto da arbitragem, incentivando sua utilização.

A arbitragem ritual, segundo Marco Antônio César VILLATORE,

desenvolve-se como um verdadeiro procedimento judicial, e o seu laudo

adquire poder de sentença após a homologação. 452

A Arbitragem ritual é a forma mais complexa de arbitragem, sendo

regulada pelo Código de Processo Civil, e resultando num laudo que, se

proferido com a observância das normas ali previstas, assume a mesmo valor

de uma sentença judicial. Essa modalidade, antes da reforma, era considerada

pouco difundida na prática, principalmente em razão de sua complexidade, ao

contrário da arbitragem não ritual ou livre, extremamente difundida em razão,

especialmente, de sua utilização no comércio internacional, tendo sua força

vinculante no consenso e na prévia aceitação das partes.453

De acordo com o artigo 806 do CPC, podem ser solucionadas por meio

da arbitragem todas as controvérsias que não tenham por objeto direitos

indisponíveis, salvo expressa proibição legal. Nesse artigo já há referência aos

conflitos laborais ao dispor que as controvérsias do artigo 409454 –

controvérsias individuais de trabalho – podem ser solucionadas por arbitragem

somente se houver previsão legal ou nos contratos ou acordos coletivos de

trabalho.

Para a elaboração do compromisso, o artigo 807 exige a forma escrita,

assim como para a cláusula compromissória voltada aos litígios futuros, que

pode ser feita no contrato ou em ato separado, de acordo com o artigo 808. A

452 VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, 2000, pp. 77-105. 453 Conforme FOGLIANI, Enzo. Breve Prememoria sull'arbitrato. Disponível em: <http://www.nic.it>. Acesso em 01 dez. 2006. 454 "Art. 409 (Controversie individuali di lavoro) Si osservano le disposizioni del presente capo nelle controversie relative a: 1) rapporti di lavoro subordinato privato, anche se non inerenti all'esercizio di una impresa; 2) rapporti di mezzadria, di colonia parziaria, di compartecipazione agraria, di affitto a coltivatore diretto, nonché rapporti derivanti da altri contratti agrari, salva la competenza delle sezioni specializzate agrarie; 3) rapporti di agenzia, di rappresentanza commerciale ed altri rapporti di collaborazione che si concretino in una prestazione di opera continuativa e coordinata, prevalentemente personale anche se non a carattere subordinato; 4) rapporti di lavoro dei dipendenti di enti pubblici che svolgono esclusivamente o prevalentemente attività economica; 5) rapporti di lavoro dei dipendenti di enti pubblici ed altri rapporti di lavoro pubblico, sempreché non siano devoluti dalla legge ad altro giudice."

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184

sua validade deve ser avaliada de modo autônomo em relação ao contrato a que

se refere.

O artigo 808-ter trata da arbitragem não ritual (livre), que, como informa

Marco Antônio César VILLATORE, seu laudo arbitral tem efeitos apenas

contratuais.455 Essa forma de arbitragem tem sua aplicação prevista para os

contratos coletivos de trabalho de acordo com o artigo 412-ter do CPC.456 O

referido artigo dispõe que, frustrada a tentativa de conciliação ou esgotado o

prazo previsto para tentá-la, as partes podem convencionar no sentido de levar

a solução da controvérsia à arbitragem também através da organização sindical

às quais aderiram ou tinham conferido mandato, se os contratos ou acordos

coletivos nacionais de trabalho prevejam tal faculdade.

O artigo 808-ter dispõe que as partes podem optar pelos efeitos

contratuais do laudo, em derrogação à disposição do artigo 824-bis (que

equipara o laudo à sentença judicial). O laudo contratual pode ser anulado pelo

juízo competente, dentre outras causas: se a convenção de arbitragem for

inválida ou se os árbitros prolataram suas conclusões exorbitando seus limites

de atuação; se os árbitros não foram nomeados segundo os critérios da

convenção arbitral; se o laudo foi proferido por quem não podia ser árbitro; se

o princípio do contraditório não foi observado. Ao laudo contratual não se

aplica o artigo 825, do CPC, que dispõe sobre o procedimento de depósito para

execução do laudo arbitral.

A figura do árbitro é objeto do artigo 809 e seguinte. O número de

árbitros é definido pelas partes, dando-lhes liberdade para escolherem um ou

mais árbitros, desde que em número ímpar. Caso seja indicado um número par,

455 Conforme (VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, 2000, pp. 77-105). Informa, ainda, o autor que a arbitragem não ritual é regulada pela Lei nº. 533/73, sendo que nesta modalidade, o conflito é levado ao árbitro pelas partes e sua decisão terá efeitos contratuais. Sua aplicação também é prevista na Lei nº. 604/66 e Lei nº. 300/70 (Estatuto Italiano dos Trabalhadores). Ainda há referência à aplicação da arbitragem não ritual aos contratos coletivos nacionais de trabalho no artigo 412 - terceiro do Código de Processo Civil. 456 "O artigo 412-terceiro do Código de Processo Civil italiano nos apresenta regras sobre a arbitragem não ritual ou livre prevista dos contratos coletivos nacionais de trabalho. No caso de a tentativa de conciliação não dar resultado ou decorrer o prazo previsto na lei, as partes podem concordar em nomear árbitros para a resolução da controvérsia, também por meio da organização sindical competente, no caso de previsão anterior dentro do contrato ou do acordo coletivo nacional de trabalho". (VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, 2000, pp. 77-105).

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se as partes não dispuserem de outra forma, mais um árbitro deverá ser

nomeado pelo Presidente do Tribunal. Na falta de indicação de número,

procede-se à nomeação de três árbitros. Não pode ser árbitro, nos termos do

artigo 812, aquele que é privado, no todo ou em parte, da plena capacidade

legal de agir.

A aceitação dos árbitros para exercer tal atividade deve ser feita por

escrito ou por assinatura de adesão ao compromisso, ou, ainda, da ata da

primeira reunião, nos termos do artigo 813. Este artigo ainda esclarece que aos

árbitros não compete a qualidade de oficial público ou de encarregado de um

serviço público.

As partes podem recusar os árbitros, na forma disposta pelo artigo 815,

dentre outras, pelas seguintes causas: a) se o árbitro não tiver a qualificação

expressamente convencionada pelas partes; b) se o árbitro, ente, associação ou

sociedade da qual ele seja administrador tiver interesse na causa; c) se o árbitro

ou seu cônjuge é parente até quarto grau ou é companheiro(a) ou "commensale

abituale" de uma das partes, de um dos representantes legais de uma das partes,

ou de algum dos advogados (defensores); d) se o árbitro ou o cônjuge tem

causa pendente ou grave inimizade com uma das partes, ou com um dos seus

representantes legais, ou com algum dos advogados; e) se prestou consultoria,

assistência ou defesa de uma das partes em fase precedente ao fato ou se lhe

serviu de testemunha. A parte não pode recusar o árbitro que escolheu ou

contribuiu para que fosse escolhido, salvo por motivos conhecidos após a

escolha. A recusa deve ser apresentada através de recurso ao Presidente do

Tribunal, em 10 dias da notificação da escolha ou do conhecimento da causa de

recusa, o qual se pronunciará a respeito, ouvido o árbitro e as partes.

O procedimento a ser seguido para a realização da arbitragem é delineado

no artigo 816 e seguintes do CPC. A sede da arbitragem é determinada pelas

partes, dentro do território da República. Se as partes não convencionaram de

outra forma, os árbitros podem praticar atos necessários para a solução da

causa em lugares diversos da sede da arbitragem, inclusive, no exterior.

O artigo 816-bis dispõe sobre o desenvolvimento do procedimento

arbitral dispondo que as partes podem estabelecer, na convenção de arbitragem,

ou por ato escrito separado, as normas que deverão ser observadas e o idioma a

ser utilizado. Na omissão das partes, caberá aos árbitros a faculdade de regular

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186

o desenvolvimento do procedimento, respeitando sempre o princípio do

contraditório, dando oportunidades equânimes de manifestação e defesa. Resta

claro que as partes podem estar acompanhadas de defensores para o

desenvolvimento do procedimento. As partes ou os árbitros podem, ainda,

autorizar o Presidente do Colégio Arbitral para deliberar acerca do

desenvolvimento do procedimento a ser seguido.

A instrução probatória é objeto do artigo 816-ter. Ela pode ser delegada

pelos árbitros a um deles. Os árbitros podem tomar os depoimentos pessoais

diretamente ou pedir que as testemunhas respondam, por escrito, a

determinados quesitos. Se a testemunha se recusar a comparecer perante o

árbitro, este pode solicitar ao Presidente do Tribunal que determine

coercitivamente o comparecimento da testemunha. Os árbitros podem, ainda,

ser assistidos por um ou mais peritos técnicos; podem, também, solicitar à

Administração Pública informações escritas sobre atos ou documentos da

própria Administração, necessário para a solução da causa.

A intervenção de terceiro e a sucessão no direito pleiteado é objeto do

artigo 816-quinquies. Dispõe tal artigo que a intervenção voluntária ou a

convocação de terceiro é permitida apenas com a concordância do terceiro, das

partes e dos árbitros.

A possibilidade de opor exceção de incompetência é prevista no artigo

817. Segundo este artigo, se a validade, conteúdo ou amplitude da convenção

de arbitragem ou a regular constituição dos árbitros for contestada no curso do

procedimento arbitral, os árbitros decidirão sua própria competência. Da

mesma forma, se os poderes dos árbitros forem contestados no curso do

procedimento. A parte que não alegar no primeiro momento de defesa posterior

à aceitação dos árbitros a incompetência destes por inexistência, invalidade ou

ineficácia da convenção arbitral não pode mais, por este motivo, impugnar o

laudo. Também não poderá impugnar o laudo a parte que não alegou, no curso

do procedimento, que as resoluções das partes exorbitam dos limites da

convenção de arbitragem.

Quanto às medidas cautelares, o artigo 818 não permite ao árbitro que as

conceda, salvo se houver permissão legal para tanto.

O procedimento arbitral pode ser suspenso em determinadas hipóteses,

como dispõe o artigo 819-bis, especialmente, se surgirem questões prejudicais

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sobre matéria que não pode ser decidida com eficácia de coisa julgada pelo

árbitro. 457

O artigo 820 fixa o prazo para prolação da decisão. Este pode ser fixado

pelas partes na convenção ou em acordo anterior à aceitação dos árbitros. Se

este não foi fixado, os árbitros deverão prolatar o laudo em 240 dias da

aceitação da nomeação. Tal prazo poderá ser prorrogado, mediante declaração

escrita de todas as partes endereçada ao árbitro; ou pelo Presidente do Tribunal

indicado no artigo 810, inciso II, por requerimento motivado de uma das partes

ou dos árbitros, ouvidas as partes. O termo só pode ser prorrogado antes de seu

esgotamento.

Os árbitros decidirão segundo as normas de direito, salvo de as partes

optarem pela decisão por equidade, como autoriza o artigo 822.

O laudo é decidido por maioria de votos com a participação de todos os

árbitros e é em seguida redigido. O laudo deve conter o nome dos árbitros, a

indicação da sede da arbitragem, a qualificação das partes, a indicação da

convenção de arbitragem, a exposição de motivos, o dispositivo e a assinatura

dos árbitros ou da maioria deles com declaração de que esse foi decidido com a

participação de todos e que os demais não quiseram ou não puderam assinar,

além da data de assinatura, conforme dispõe o artigo 823.

O laudo, salvo o disposto no artigo 825, tem, a partir da data de sua

última assinatura, os mesmos efeitos da sentença judicial, conforme preceitua o

artigo 824-bis.

O artigo 825 dispõe que a parte que pretende exigir o cumprimento do

laudo no território da República peticionará, depositando-o, juntamente com o

ato que contém a convenção de arbitragem, no protocolo do Tribunal da sede

da arbitragem. Este, verificando a regularidade formal do laudo, declara-o

executivo. Contra o ato que nega ou concede a executoriedade ao laudo

admite-se protesto mediante recurso à Corte de Apelação, dentro de 30 dias da

comunicação, de acordo com o disposto no artigo 825.

457 Diante da suspensão, se nenhuma das partes solicita a continuação do procedimento

dentro do prazo fixado pelos árbitros, ou este não foi fixado, em 1 ano da cessação da causa de suspensão, o procedimento será extinto. No caso de questão prejudicial que não possa ser decidida pelo árbitro, o procedimento se extingue em 90 dias da determinação de suspensão se nenhuma das partes entregar aos árbitros comprovante de que a questão foi levada ao Judiciário.

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188

O artigo 826 trata da hipótese de correção do laudo. Esta poderá ocorrer

para corrigir omissão ou erro material ou de cálculo ou se houver divergência

entre as vias originais do laudo ou se relativa à assinatura dos árbitros; também

poderá ocorrer para completar o laudo com um dos elementos essenciais que

estiverem faltando.

A laudo é passível de impugnações. Estas podem ocorrer por nulidade,

por revogação ou por oposição de terceiro. De acordo com o artigo 827, os

meios de impugnação podem ser propostos independentemente do depósito do

laudo.

O artigo 828 trata da impugnação por nulidade que deve ser proposta em

90 dias da notificação do laudo, perante a Corte de Apelação da sede da

arbitragem. A petição para a correção do laudo não suspende o termo de

impugnação; todavia, o laudo pode ser impugnado relativamente às partes

corretas nos termos ordinários, a decorrer da notificação do ato de correção.

O artigo 829 arrola as principais hipóteses de nulidade, que dentre outras,

são: se a convenção de arbitragem for inválida; se os árbitros não foram

escolhidos com as formas e nos modos prescritos em Lei, contanto que a

nulidade seja alegada no juízo arbitral; se o laudo for prolatado por quem não

podia ser escolhido árbitro conforme artigo 812; se o laudo for prolatado fora

dos limites da convenção de arbitragem; se o laudo não tiver os requisitos

essenciais indicados no artigo 823; se for prolatado fora do prazo estabelecido;

se no procedimento não foram observadas as formas prescritas pelas partes

sobre expressa sanção de nulidade; se o laudo concluir o procedimento sem

decidir o mérito da controvérsia e este devia ser decidido pelos árbitros.

A parte que deu causa a um motivo de nulidade, renunciou-a, ou não a

excepcionou na primeira momento ou defesa sucessiva à violação, não pode

mais, por este motivo, impugnar o laudo.

A impugnação por violação das regras de direito relativas ao mérito da

controvérsia é admitida se expressamente disposta pelas partes ou pela lei. É

admitida no caso de impugnação das decisões contrárias à ordem pública. Ela é

sempre admitida nas controvérsias previstas do artigo 409 (conflitos laborais,

como visto acima).

O artigo 830 dispõe sobre a impugnação por nulidade. A Corte de

Apelação decide sobre a impugnação por nulidade e, se acolhida, declara com

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sentença a nulidade do laudo. Se o vício incide sobre uma parte do laudo que

seja divisível das outras, declara a nulidade parcial do laudo.

A possibilidade de revogação e oposição de terceiro está prevista no

artigo 831, sendo propostas perante a Corte de Apelação da sede da arbitragem.

Esta Corte pode reunir as impugnações por revogação e por oposição de

terceiro no mesmo processo.

O artigo 823 traz disposições sobre a remessa a regras arbitrais pré-

constituídas. No caso de divergência entre o previsto nas regras pré-

constituídas e a convenção de arbitragem, prevalecerá a convenção.

O reconhecimento e execução dos laudos estrangeiros são abordados pelo

artigo 839. Aquele que pretende fazer valer na República Italiana um laudo

estrangeiro deve propor recurso ao presidente da Corte de Apelação na

circunscrição em que reside a outra parte; se tal parte não reside na Itália, é

competente a Corte de Apelação de Roma.

O recorrente deve providenciar o laudo em original ou em cópia

autenticada, juntamente com o ato de compromisso ou documento equivalente,

em original ou cópia autenticada. O presidente da Corte de Apelação,

verificada a regularidade formal do laudo, declara com sentença a eficácia do

laudo estrangeiro na República, salvo se: a) a controvérsia não puder ser objeto

de compromisso segundo a lei italiana; o laudo contiver disposições contrárias

à ordem pública. Contra a ordem que acolhe ou nega a eficácia do laudo

estrangeiro é admitida oposição a ser proposta com citação perante a Corte de

Apelação dentro de 30 dias da comunicação, como dispõe o artigo 840.

As causas de negativa de reconhecimento ou execução do laudo

estrangeiro estão arroladas no artigo 840.

A Lei nº. 533, de 11 de agosto de 1973458, também prevê a utilização da

arbitragem não ritual nos conflitos individuais de trabalho, dentro dos

parâmetros do artigo 409 do Código de Processo Civil, desde que nos casos

458 "Diante da justiça sobrecarregada e da possibilidade de meios alternativos de composição dos conflitos de interesses trabalhistas, surge a arbitragem irritual , preferida pelo legislador, e adotada concretamente pelos parceiros sociais. [...] A arbitragem "independente" prevista nos contratos coletivos está no Decreto-Lei, como no art. 5º da Lei n. 533/1973. A arbitragem livre será admitida "se os contratos e acordos coletivos nacionais previrem tal faculdade e que essa possibilidade deverá ocorrer sem prejuízo das partes de recorrer à autoridade judiciária. " (Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 134).

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190

previstos em lei ou em contrato ou acordo coletivo de trabalho, como já

exposto no próprio Código de Processo Civil.

Segundo Franco PORTENTO, a reforma deixa claro que toda arbitragem

é ritual, salvo se partes estabelecerem expressamente, e por escrito, que a

controvérsia será definida mediante determinação contratual, quando, então, se

está diante da arbitragem não ritual, nos termos do artigo 808-ter.459

5.3.3 México

A Constituição Mexicana traz, no seu artigo 123, XX, a previsão de que

os conflitos entre o capital e o trabalho, sujeitar-se-ão à decisão de uma Junta

de Conciliação e Arbitragem, órgãos públicos, formados por igual número de

representantes dos trabalhadores e dos empregadores, e um do Governo. O

inciso XXI ainda dispõe que, se o empregador se negar a submeter suas

divergências à arbitragem ou a aceitar, o laudo prolatado pela Junta, o contrato

de trabalho será dado por encerrado e ele será obrigado a indenizar o

trabalhador com o valor de três meses de salário, além das responsabilidades

decorrentes do conflito.

A Lei Federal do Trabalho dispõe que é da competência da Junta de

Conciliação e Arbitragem avaliar as solicitações de modificação das condições

de trabalho estipuladas nos contratos coletivos de trabalho e nos contratos-lei

(documentos semelhantes à convenção coletiva brasileira), quando existam

circunstâncias econômicas que justifiquem tal alteração ou quando o aumento

do custo de vida origine um desequilíbrio entre capital e trabalho, como dispõe

o artigo 426 da referida Lei.

A Lei Federal do Trabalho trata da formação e competência das Juntas

Federais de Conciliação e Arbitragem, no artigo 604 e seguintes. Cabe a elas o

conhecimento e resolução dos conflitos de trabalho entre patrões e

trabalhadores derivados da relação de trabalho ou de feitos intimamente com

ela relacionados. Formada por representantes do Governo, dos empregados e

459 PROTENTO, Franco. Breve Introduzione alla Riforme dell'arbitrato. Disponível em <http://www.altalex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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191

dos empregadores, a Junta funciona como Pleno ou Juntas Especiais conforme

a classificação dos ramos da indústria e outras atividades.

O Pleno tem por principal atividade conhecer e solucionar conflitos que

afetem a totalidade dos ramos de atividades representadas na Junta, além de

uniformizar os critérios de solução das Juntas Especiais. Já às Juntas Especiais

cabe, especialmente, a solução dos conflitos de trabalho suscitados nos ramos

da indústria e de outras atividades representadas.

O artigo 621 trata das Juntas Locais de Conciliação e Arbitragem, que

funcionam em cada entidade federativa. A elas cabe conhecer e solucionar os

conflitos de trabalho que não sejam de competência da Junta Federal de

Conciliação e Arbitragem. Os artigos seguintes tratam do regime de escolha e

de trabalho dos representantes do Governo, trabalhadores e empregadores.

Comunicado o laudo, em três dias as partes podem solicitar a correção de

erros e o aclaramento do mesmo, nos termos do artigo 847. As resoluções das

Juntas não estão sujeitas a nenhum recurso, porém é possível a revisão de atos

de execução dos laudos, convenções, resoluções ou de providencia cautelar

proferidos pelos presidentes das Juntas e funcionários habilitados, nos termos

do artigo 849 e seguintes da Lei.

Segundo o artigo 857, os presidentes das Juntas de Conciliação e

Arbitragem e das Juntas Especiais podem, a pedido da partes, decretar algumas

medidas cautelares: o seqüestro provisório de bens e as determinações

necessárias para que o demandante não se ausente ou se oculte durante o

procedimento.

O procedimento ordinário perante as Juntas de Conciliação e Arbitragem,

isto é, aquele voltado à solução dos conflitos individuais e coletivos de

natureza jurídica, é definido pelo artigo 870 e seguintes. A demanda é

protocolada na Junta e encaminhada para o Pleno ou para Junta Especial. Este,

recebida a demanda, designa audiência, em 15 dias, para tentativa de

conciliação, apreciação de exceções e realização de provas. Dentro de 10 dias

do encerramento da instrução é formulado um projeto de laudo formulado pelo

auxiliar da Junta e entregue a todos os seus membros. Feitas as últimas

diligências ou se não forem necessárias, parte-se para a decisão e votação do

projeto de laudo, que deverá ser realizada em 10 dias. Se o projeto for

aprovado, será considerado o laudo.

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Os procedimentos especiais são previstos no artigo 892 e seguintes da

Lei, sendo aplicáveis, especialmente, aos conflitos que tenham por objeto a

cobrança de prestações que não excedentes ao valor de três meses de salários.

O procedimento inicia-se com a apresentação da demanda pelo autor e suas

provas perante a Junta, que designará audiência em 15 dias. Concluída a

instrução, a Junta passará a decisão da questão.

Nos conflitos coletivos de natureza econômica, o procedimento é

definido no artigo 900 e seguintes. O trâmite é voltado à realização da

convenção pelas partes. Para tanto, pode-se tentar a conciliação a qualquer

tempo. A greve suspende o trâmite dos conflitos coletivos de natureza

econômica pendentes, na Junta de Conciliação e Arbitragem, salvo se os

trabalhadores manifestarem por escrito estarem de acordo com o

prosseguimento do trâmite. Tais conflitos podem ser levados à Junta pelos

sindicatos de trabalhadores titulares dos contratos coletivos de trabalho, pela

maioria dos trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento, sempre que

seja afetado o interesse profissional, ou pelo empregador ou empregadores,

mediante petição escrita. A Junta, recebida a demanda, designará audiência em

5 dias, onde as partes serão ouvidas e será tentada a conciliação. Se restar

infrutífera, as partes irão expor suas razões e solicitarão as demais provas. A

Junta, na mesma audiência, nomeará três peritos para que investiguem as

causas do conflito, no prazo de até 30 dias, podendo as partes nomear também

um perito para acompanhar o feito. Os peritos apresentarão seu parecer que

será entregue às partes. Estas em 72 horas poderão formular as observações

que julgarem convenientes. Se necessário, será designada audiência para

esclarecimentos dos peritos. A Junta providenciará as últimas diligências

necessárias e dará o prazo de 72 horas para as fazerem suas últimas alegações

por escrito. Encerrada a instrução, o auxiliar, em 15 dias, formulará um

relatório a ser entregue aos membros da Junta. O presidente designará

audiência para votação e decisão em 10 dias.

Vale ressaltar que o artigo 919 confere à Junta o poder de aumentar ou

diminuir o pessoal, a jornada, a semana de trabalho, os salários e, em geral,

modificar as condições de trabalho da empresa ou estabelecimento, desde que

não reduza os direitos mínimos consignados em Lei, para atingir o equilíbrio e

a justiça social nas relações laborais.

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193

O Código de Procedimentos Civis também trata da arbitragem, de forma

geral, dispondo que qualquer matéria pode ser submetida a ela, salvo a que

envolva estado e capacidade de pessoas. 460

Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR explica que o procedimento arbitral é

definido pelas partes ou pelo árbitro ou tribunal arbitral. A sentença arbitral

não está sujeita à homologação pelo Judiciário, cabendo às partes convencionar

se a decisão será ou não recorrível. A execução procede-se de imediato, através

do Judiciário.461

A arbitragem, em âmbito laboral, ainda não tem o mesmo prestígio que a

Jurisdição, sendo este ainda o meio preferencial para a solução de conflitos.462

Quanto aos conflitos individuais, Sergio Pinto MARTINS destaca que o

sistema arbitral "é aplicado apenas aos conflitos coletivos que objetivam novas

condições e trabalho, sendo inaplicável aos dissídios individuais".463

5.3.4 Paraguai

Até 1992, a arbitragem era obrigatória para os conflitos coletivos

econômicos, sendo aplicada pela Junta Permanente de Conciliação e

Arbitragem, segundo o artigo 1º. do Código Processual do Trabalho.

Conforme o artigo 36º. do referido Código, a Junta de Conciliação e

Arbitragem tem competência para conhecer e decidir sobre os conflitos

coletivos econômicos mediante duas fases obrigatórias no procedimento: de

conciliação, e, sendo esta frustrada, de arbitragem.

O procedimento da Junta é determinado no artigo 284 e seguintes do

Código. Sobre a arbitragem, especificamente, tem-se o artigo 296 que

determina sua utilização caso as partes não consigam solucionar o conflito

através da conciliação. A Junta designará audiência imediata, estabelecendo-se

460 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 146. 461 Conforme FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 47. 462 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Op. cit., p. 148. 463 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 84.

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por escrito o compromisso arbitral. Segundo o artigo 297, assinado o

compromisso ou estabelecido por resolução da Junta, dentro de 8 dias as partes

podem, de comum acordo, nomear um árbitro ou cada parte indicará um árbitro

e estes indicarão um terceiro, formando uma Comissão de Arbitragem, de

acordo com o artigo 298, que proferirá decisão obrigatória.

Os árbitros podem ser recusados, no prazo de 3 dias, perante a Junta: em

razão de terem interesse direto no conflito; serem parentes até o quarto grau

por consangüinidade ou segundo grau por afinidade com alguma das partes; e

terem com qualquer das partes inimizade manifesta. A escusa dos árbitros

deverá pautar-se também nestes motivos.

Os árbitros atuarão sem sujeição às formas legais de procedimento na

recepção das provas oferecidas pelas partes e das que considerarem necessárias

para a decisão da causa, e terão ampla faculdade para efetuar as investigações

necessárias para o melhor esclarecimento da questão, nos termos do artigo 301.

O artigo 302 dispõe que, concluída a apresentação das provas, os árbitros

decidirão, em 15 dias; este prazo poderá ser prorrogado se as partes assim

acordarem. O laudo arbitral será apresentado à Junta Permanente para que

adquira força executiva.

Se as partes não acordarem sobre a designação dos árbitros ou da

Comissão de Arbitragem, a Junta Permanente será o Tribunal Arbitral

Competente. A Junta, na função de Tribunal Arbitral, tem competência

normativa para estabelecer as condições de trabalho a serem cumpridas pelas

partes. Para tanto, poderá realizar as investigações que estime necessárias para

o esclarecimento do conflito, praticar inspeções, recorrer a laudos técnicos ou

periciais, interrogar as partes ou entidades públicas ou privadas. Para essas

diligências, fixará um prazo máximo de 30 dias. Nesse prazo designará uma ou

mais audiência públicas para a recepção das provas, conforme preceitua o

artigo 304.

O procedimento a ser seguido pela Junta não contém formas solenes,

devendo priorizar a igualdade das partes e a garantia de defesa, como dispõe o

artigo 305.

Após a fase probatória, o artigo 306 prevê o proferimento da decisão em

15 dias. O laudo arbitral será comunicado às partes pessoalmente e será

obrigatório pelo prazo por elas determinado, que não poderá ser inferior a 1

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ano. Seus efeitos equivalem ao de um contrato que estabelece novas condições

de trabalho. Se não for cumprido ensejará ações individuais de execução,

conforme o artigo 308.

O artigo 310 permite que, depois de 1 ano da vigência das novas

condições de trabalho, os laudos possam ser reconsiderados a pedido da partes,

sempre que haja variação nas condições de caráter econômico-social que

afetem as relações de trabalho preestabelecidas.

As partes podem estipular em contrato coletivo de condições de trabalho

a utilização da arbitragem, estipulando o procedimento, como dispõe o artigo

311. Somente na falta de tal estipulação será aplicado o procedimento disposto

no Código.

Contra o laudo arbitral não há qualquer recurso. Porém, as partes podem

pedir, em 3 dias da notificação do laudo apresentado à Junta, que o mesmo seja

levado, via consulta ao Tribunal de Apelação do Trabalho, à revisão, conforme

artigos dispõem os 312 e 313.

Dentro de três dias da executoriedade do laudo, o Presidente da Junta

designará audiência para buscar o cumprimento do mesmo. Caso não haja

acordo sobre esse ponto, será iniciada sua execução, como prevê o artigo 319.

Dado peculiar da legislação do Paraguai é o fato de o devedor poder

oferecer fiança pessoal ou real para garantir o cumprimento do laudo. A Junta,

após ouvir a outra parte, analisa a fiança oferecida e poderá conceder prazo de

30 dias para o cumprimento do laudo, que não sendo cumprido neste termo,

ensejará execução contra a parte e seu fiador, se for o caso, como dispõe o

artigo 320.

Embora tais disposições estejam em vigor, após a Constituição de 1992,

elas perderam seu caráter obrigatório, isto porque o artigo 97 da Constituição

estabelece que o Estado favorecerá as soluções conciliatórias dos conflitos de

trabalho e a arbitragem será optativa. 464

A Lei nº. 1.879/02 trata, atualmente, da arbitragem e da mediação, de

forma geral, no Paraguai. No seu artigo 2º., a lei delimita como objeto da

arbitragem as questões transigíveis e de conteúdo patrimonial, sobre as quais

464 Conforme CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa. Mercosul: a Integração, o Direito e os Conflitos Coletivos de Trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 173.

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não haja sentença com trânsito em julgado. Estão excluídas da arbitragem as

questões que requeiram intervenção do Ministério Público.

A arbitragem é convencionada através do "acordo de arbitragem", o

pacto pelo qual as partes decidem submeter controvérsias presentes ou futuras

relativas a determinada relação jurídica, contratual ou não, à arbitragem,

podendo ter a forma de cláusula compromissória ou acordo independente,

como expõe o artigo 3º. da Lei.

As partes podem determinar qualquer número de árbitros para compor o

Tribunal Arbitral desde que seja ímpar. Caso não estipulem, três árbitros

decidirão a questão, conforme dispõe o artigo 12. As partes decidirão a forma

de escolha dos árbitros, mas, se não o fizerem, nos termos do artigo 13, cada

uma nomeará um árbitro e, então, haverá a indicação de um terceiro por eles.

Aquele que foi escolhido como árbitro deverá revelar todas as

circunstâncias que possam comprometer sua imparcialidade ou independência,

conforme preceitua o artigo 14. As partes também podem recusar o árbitro por

elas indicado em razão de motivo conhecido posteriormente à escolha.

Ao Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 19, é facultado decidir acerca

de sua própria competência, incluindo as exceções a respeito da existência ou

da validade do acordo de arbitragem. A cláusula compromissória é analisada

como acordo independente do contrato.

Salvo expressa disposição contrária das partes, o Tribunal Arbitral pode

ordenar medidas cautelares provisórias para proteger o objeto do litígio,

exigindo da parte que requereu a medida uma contracautela, como dispõe o

artigo 20. As medidas serão efetivadas por ordem judicial em 3 dias do pedido

do Tribunal.

Cabe às partes convencionar o procedimento da arbitragem, mas na

omissão destas, caberá ao Tribunal Arbitral dirigir o procedimento observando

as disposições da Lei, como coloca o artigo 22.

Como dispõem os artigos 26 e 27, salvo se as partes convencionaram de

outra forma, dentro do prazo por elas fixado ou pelo Tribunal Arbitral, as

partes poderão expressar suas razões e formular suas alegações, fazendo

referência aos meios de prova que pretendem produzir, com respeito ao

contraditório, realizando-se as audiências necessárias para a produção de

provas.

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197

A questão será decidida pelas normas de direito eleitas pelas partes,

podendo ser decidida por eqüidade, se as partes autorizarem expressamente,

conforme preceitua o artigo 32.

O laudo arbitral deverá ter a forma escrita, entregando-se uma cópia para

cada parte quando de sua comunicação, como dispõe o artigo 36. Ele poderá

sofrer correções a pedido da partes nos 15 dias posteriores à notificação,

conforme o artigo 38, podendo, ainda, a parte, pedir que sejam supridas

omissões dos árbitros através de laudo adicional, no mesmo prazo acima

exposto, nos termos do artigo 39.

O laudo arbitral só está sujeito a recurso por alegação de nulidade,

perante o Tribunal de Apelação, em 15 dias da notificação, nos termos do

artigo 40.

Ressalta-se, também, que Código de Processo Civil também traz

disposições referentes à arbitragem, de forma geral.465

5.3.5 Portugal

A arbitragem laboral em Portugal está prevista no Código do Trabalho

(Lei nº. 99, de 27 de agosto de 2003), que sofreu recente reforma através da Lei

nº. 9, de 20 de março de 2006, que trouxe novas disposições sobre o

procedimento arbitral.

Ao contrário do Brasil, Portugal apresenta as duas modalidades de

arbitragem laboral: voluntária e obrigatória. Ambas estão regulamentadas no

Capítulo IV do referido Código. A primeira modalidade é tratada 564 e

seguintes.

A arbitragem voluntária pode ser utilizada pelas partes a todo tempo,

sendo estipulado o procedimento pelas mesmas, ou na omissão delas, seguirá

as regras dispostas no Código. Podem ser submetidas à arbitragem todas as

465 Conforme SOUZA, Zoraide Amaral. Arbitragem – Conciliação – Mediação nos Conflitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004, p. 150.

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questões laborais que resultem, nomeadamente, da interpretação, integração,

celebração ou revisão de uma convenção coletiva. 466

O artigo 565 do Código dispõe que a arbitragem será realizada por três

árbitros, sendo um nomeado por cada uma das partes e o terceiro escolhido por

estes. Os árbitros podem ser assistidos por peritos e têm o direito a obter das

partes e do Ministério responsável pela área laboral e de atividade as

informações necessárias que disponham para solucionar a controvérsia.

Os árbitros devem enviar o texto da decisão às partes e ao Ministério

responsável pela área laboral, para depósito e publicação, no prazo de 15 dias a

contar da decisão.

A decisão arbitral produz os mesmos efeitos de uma convenção coletiva,

devendo apresentar os mesmos requisitos exigidos para ela, nos termos do

artigo 566.

A arbitragem obrigatória é regulamentada no artigo 567 e seguintes do

Código. É prevista para os conflitos que resultem da celebração ou da revisão

de uma convenção coletiva de trabalho, sendo promovida: a requerimento de

qualquer das partes, depois de ouvida a Comissão Permanente de Concertação

Social, desde que tenham participado das tentativas de negociação infrutíferas

ou da tentativa frustrada de solução por arbitragem voluntária; por

recomendação da maioria dos votos dos representantes dos trabalhadores e dos

empregadores com assento na Comissão Permanente de Concertação Social;

pode ser promovida também por iniciativa do ministro responsável pela área

laboral, ouvida a Comissão Permanente de Concertação Social, quando

estiverem em causa serviços essenciais destinados a proteger a vida, a saúde e a

segurança da população.

466 "A Arbitragem Voluntária tem o seu quadro legal previsto na Lei 31/86, de 29 de Agosto. Trata-se de uma lei que se limita a definir alguns princípios delimitadores e um conjunto de regras, na sua maioria susceptíveis de serem afastadas pelas partes, sem qualquer preocupação de prever um regime exaustivo regulador das arbitragens. Esclarece o artigo 1º deste diploma que, “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”, podendo a convenção de arbitragem ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória). A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito, embora o legislador seja bastante flexível na forma de tal acordo (artigo 2º), podendo uma mera troca de correspondência ser aceite como consubstanciando um válido compromisso arbitral." (JÚDICE, José Miguel. Arbitragem. Disponível em <http://www.plmj.pt>. Acesso em 01 dez. 2006).

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O artigo 568 dispõe que a arbitragem obrigatória pode ser determinada

por despacho fundamentado do ministro responsável pela área laboral, depois

da oitiva das partes ou, da contraparte requerida e das entidades reguladoras e

de supervisão do setor de atividade em causa.

Por força do disposto no artigo 569, nas 48 horas seguintes à notificação

do despacho, as partes devem nomear o árbitro, comunicando sua escolha em

24 horas à outra parte e aos serviços competentes do Ministério responsável

pela área laboral e ao secretário-geral do Conselho Econômico e Social. Nas

próximas 72 horas os árbitros procedem à escolha do terceiro árbitro,

comunicando em 24 horas, a essas entidades. A decisão arbitral produz os

efeitos da arbitragem voluntária, conforme o artigo 571.

O artigo 599 prevê a utilização da arbitragem, durante a greve

envolvendo serviços da administração direta ou indireta do Estado ou de

empresa que se inclua no sector empresarial do Estado, que se destinem à

satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a fim de definir quais serviços

mínimos serão mantidos e os meios necessário para assegurar sua consecução,

diante da ausência de acordo entre os grevistas até 3 dias após o aviso prévio

da greve.

O Código do Trabalho é regulamentado pela Lei nº. 35, de 29 de julho de

2004, que também sofreu alterações em razão da Lei nº. 9, de 20 de março de

2006, em matéria de arbitragem, especificamente, no seu Capítulo XXXIII, que

trata da arbitragem obrigatória.

Nessa lei, encontram-se disposições importantes sobre o termo de

aceitação a ser firmado pelos árbitros constantes nas listas, perante o Conselho

Econômico e Social, declarando estarem isentos de qualquer impedimento –

nos termos do artigo, está impedido de proceder à assinatura do termo quem,

no momento desta ou no ano anterior foi ou seja membro de corpos sociais de

associação sindical, de associação de empregadores ou de empregador filiado

numa associação de empregadores; exerça ou tenha exercido qualquer

atividade, como caráter regular ou dependente, ao serviço das entidades

referidas acima, nos termos do artigo 412.

A declaração de independência pressupõe que o árbitro presidente e o

árbitro de cada parte não têm, no momento, nem tiveram no ano anterior,

qualquer relação, institucional ou profissional, com as entidades abrangidas

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pelo processo arbitral, nem têm qualquer outro interesse no resultado da

arbitragem.

O árbitro que tenha atuado em processo de arbitragem fica impedido, nos

dois anos subseqüentes ao seu termo, de ser membro dos corpos sociais ou

prestar atividade a qualquer das partes nesse processo, conforme dispõe o art.

415.

O artigo 424 preceitua que todas as pessoas que, pelo exercício das suas

funções, tenham contato com o processo de arbitragem estão sujeitas ao dever

de sigilo.

A lei detalha o procedimento de arbitragem determinando ter início nas

48 horas subseqüentes à designação do árbitro presidente (artigo 425). Nas 48

horas seguintes ao início da arbitragem, o Tribunal Arbitral notifica as partes

para que apresentem, por escrito, em 5 dias, a posição e respectivos

documentos sobre cada uma das matérias que será objeto da arbitragem (artigo

426).

O Tribunal Arbitral deve enviar, no prazo de 48 horas, a cada uma das

partes a posição escrita da contraparte e respectivos documentos, fixando um

prazo não inferior a 5 nem superior a 20 dias, para que se pronunciem sobre

eles. As partes devem trazer, nesse prazo, todos os documentos probatórios a

respeito do conflito (artigo 427).

O tribunal arbitral pode decidir ouvir as partes, no prazo de 5 dias a

contar da recepção das alegações escritas. Assim, as partes deverão ser

convocadas com a antecedência de 48 horas (artigo 428).

Decorridas as alegações, o tribunal arbitral deve convocar as partes para

uma tentativa de acordo sobre o objeto da arbitragem (artigo 429).

Caso haja necessidade, o tribunal arbitral pode requerer o apoio de perito

aos serviços competentes, nos ministérios responsáveis pela área laboral e pela

área de atividade, ou, na falta de perito, o tribunal arbitral pode nomear um.

As partes são ouvidas sobre a nomeação, podendo sugerir quem deve realizar a

diligência (artigo 432).

A decisão arbitral é proferida no prazo de 30 dias, a contar do início da

arbitragem, devendo dela constar, se for o caso, possíveis acordos realizados.

Esse prazo pode ser prorrogado, com a concordância do tribunal e das partes,

por mais 15 dias. Caso não seja possível formar a maioria de votos para a

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decisão, esta é tomada unicamente pelo presidente do tribunal arbitral (artigo

433).

Os encargos resultantes do recurso à arbitragem são suportados pelo

Orçamento do Estado, através do Conselho Econômico e Social467. Constituem

encargos do processo: os honorários; abono de ajudas de custo e transporte dos

árbitros; os honorários, abono de ajudas de custo e transporte dos peritos; os

custos suplementares com pessoal administrativo, devidamente comprovados.

Os artigo 439 e seguintes regulam o nº. 4 do artigo 599 do Código do

Trabalho – da greve envolvendo empresas de serviços essenciais, que devem

manter serviços mínimos durante o período, os quais são definidos por

arbitragem, caso o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho

aplicável nada preveja ou não haja acordo entre os representantes dos

trabalhadores e dos empregadores, quanto à definição dos serviços mínimos e

aos meios necessários para assegurá-los, o que também é detalhado por essa

lei.

A 6ª. Conferência sobre Meios Alternativos de Resolução de Litígios,

realizada em Porto, em agosto de 2006, teve por tema "Arbitragem como fator

de competitividade", e defendeu a necessidade de promover um novo

paradigma na resolução de conflitos. Após 20 anos da Lei de Arbitragem

467 Parte do discurso proferido pelo presidente do Conselho Econômico e Social na cerimônia de assinatura do termo de aceitação dos Árbitros Presidente e de parte, me Lisboa, 27 de setembro de 2006: "Com este acto de aceitação ou posse, dá-se um passo decisivo na montagem do sistema de arbitragem obrigatória em Portugal. Para que o processo fique concluído e possa entrar em funcionamento, falta apenas, para já, assegurar os meios financeiros caso exista algum caso em 2006 e ultimar a parte administrativa para que o Conselho Económico e Social seja dotado dos meios necessários em 2007. Espero que tudo se conclua a tempo e em breve. [...] Como se sabe, a arbitragem obrigatória é um mecanismo que se põe em prática pela primeira vez em Portugal. É um recurso de que se poderá lançar mão quando tiverem falhado os meios que a lei prevê para resolução consensual ou pacífica dos conflitos laborais. Aliás, são notórias as restrições que CSE do Conselho da Europa, que Portugal oportunamente ratificou, coloca à arbitragem obrigatória. Poderá haver quem se interrogue sobre a constitucionalidade de a arbitragem obrigatória ter sido colocada no âmbito do CES, que, nos termos da Constituição da República, é “órgão de consulta e concertação no domínio das políticas económica e social”, e não da concertação em caso de conflitos laborais. Todavia, é de salientar que poucos outros locais institucionais poderiam oferecer a independência indispensável ao correcto funcionamento da arbitragem. É de notar que a jurisprudência do Comité Europeu dos Direitos Sociais, do Conselho da Europa, estabelece que os sistemas de arbitragem, de qualquer tipo de arbitragem, seja voluntária ou obrigatória, devem ser independentes, e acrescenta que o resultado da arbitragem não pode ser predeterminado por critérios pré-estabelecidos. Assim se compreende o rigor que a lei portuguesa põe na independência das individualidades que integrem o colégio arbitral. Sendo nova para o país, esta experiência é nova também para o CES, designadamente para os respectivos Presidente e Secretária-Geral." Disponível em <http://www.ces.pt>. Acesso em 01 dez. 2006.

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202

Voluntária, a procura pelo meio de solução ainda não é tão expressiva como a

do Judiciário, sendo que há quem defenda a necessidade de alterações na lei,

tendo em vista as dificuldades observadas, na prática, para o aperfeiçoamento

do instituto.468

5.3.6 MERCOSUL

No MERCOSUL, a primeira referência aos meios de solução de

conflitos encontra-se no Anexo III do Tratado de Assunção, de 26 de março de

1991, na intenção de harmonizar as legislações para o fortalecimento do

processo de integração. O Protocolo de Ouro Preto adicionado ao referido

Tratado traz a previsão, no seu artigo 44, de revisão do sistema de solução de

controvérsias do MERCOSUL.469

Como explica Welber BARRAL, as disputas comerciais que surgiram

entre os Estados Parte, desde da assinatura do Tratado de Assunção,

favoreceram o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de um sistema de solução

de controvérsias.470

Segundo esse autor, um traço comum era perceptível na tradição

jurídica dos países do MERCOSUL quanto à arbitragem: "todos eles tinham

468 Conforme LUSA, Luísa Bessa e. Conferência no Porto: Fabricar um Novo Paradigma de Resolução de Conflitos – 20 Anos da Lei de Arbitragem Abrem Caminho a Ajustamentos. Jornal da Tarde. Disponível em <http://www. smmp.pt>. Acesso em 01 dez. 2006. 469 Anexo III Soluções de Controvérsias. "1. As controvérsias que possam surgir entre os Estados Partes como conseqüência da aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas. No caso de não lograrem uma solução, os Estados Parte submeterão a controvérsia à consideração do Grupo mercado Comum que, após avaliar a situação, formulará no lapso de 60 (sessenta) dias as recomendações pertinentes às Partes para a solução do deferendo. Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá estabelecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivo de contar com assessoramento técnico. Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada uma solução, a controvérsia será elevada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes. 2. Dentro de 120 (cento e vinte) dias a partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados Partes uma proposta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período de transição. 3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes adotarão um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o mercado Comum." 470 Conforme BARRAL, Welber. Solução de Controvérsias Privadas no Mercosul. Disponível em: <http://www.eca.oab.org.br/materiais>. Acesso em 01 dez. 2006.

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normas nacionais centenárias aprovando a arbitragem, mas na prática,

insignificante".471

No Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991, tem-se um

sistema provisório de solução de controvérsias, com base, inicialmente, na

negociação direta. Se esta resultasse infrutífera, ter-se-ia a intervenção do

Grupo Mercado Comum. Se, por fim, disso não resultasse a solução do

conflito, partir-se-ia para o procedimento arbitral.472

Vale ressaltar, também, o Acordo Sobre Arbitragem Comercial

Internacional do MERCOSUL, de 23 de julho de 1998, ao trazer minuciosa

descrição do procedimento arbitral a ser adotado na solução de controvérsias

surgidas dos contratos comerciais internacionais entre pessoas físicas ou

jurídicas de direito privado, no termos do seu artigo 1º.

Outro documento relevante é o Protocolo de Cooperação e Assistência

em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (Protocolo de Las

Leñas), de 27 de junho de 1992, que, no seu Capítulo V, traz disposições sobre

o reconhecimento e execução de Sentenças e Laudos Arbitrais, determinando

eficácia extraterritorial quando estes contiverem os requisitos exigidos pelo

artigo 20: a observância das formalidades externas necessárias para que o laudo

ou sentença sejam considerados autênticos no Estado de origem; a emanação

de um órgão jurisdicional ou arbitral competente; a citação da parte executada

e respeito ao direito de defesa; a força executória ou de coisa julgada da

decisão no Estado de origem; a não contrariedade a princípios de ordem

pública do Estado em que se solicita a execução ou reconhecimento.

Da mesma forma, tem-se o Protocolo sobre Jurisdição Internacional em

Matéria Contratual de Buenos Aires, de 1994, que reafirma a necessidade de

471 Conforme BARRAL, Welber. Solução de Controvérsias Privadas no Mercosul. Disponível em: <http://www.eca.oab.org.br/materiais>. Acesso em 01 dez. 2006. Explica o autor que precederam o Mercosul em matéria de arbitragem o Tratado de Direito Processual Internacional, de 1889; o Código de Bustamante; a Convenção de Arbitragem Internacional de Nova Iorque; a Convenção do Panamá, a Convenção Interamericana sobre a validade extraterritorial de decisões judiciais e laudos arbitrais – Convenção de Montevidéu. 472 Conforme VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, 2000, pp. 77-105.

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acordar soluções jurídicas comuns entre os Estados Partes. 473 Em 2002, origina-se o Protocolo de Olivos, que remodelou a solução

de conflitos no MERCOSUL. Este parte, também, das negociações diretas,

para a intervenção facultativa do Grupo Mercado Comum, caso elas não

tenham sido suficientes para solucionar o conflito, e consolida a arbitragem ad

hoc como forma de solução de conflitos do MERCOSUL. O procedimento

arbitral é detalhado no artigo 9 e seguintes. Cada Estado-Parte na controvérsia

nomeará um árbitro constante da lista formada por 12 árbitros indicados por

todos os Estados Partes. Os Estados Partes divergentes escolherão de comum

acordo o terceiro árbitro que atuará como Presidente do Tribunal Arbitral. Os

Estados Partes atuarão através de representantes que poderão ser

acompanhados de assessores para a defesa de seus direitos.

Os textos de apresentação e de resposta delimitarão o objeto da

controvérsia. O Tribunal Arbitral poderá conceder medidas provisórias a fim

de prevenir danos irreparáveis.

O laudo é emitido em 60 dias, prorrogáveis por mais 30, a contar da

comunicação de aceitação do árbitro presidente. Ele está sujeito a recurso de

revisão perante o Tribunal Permanente de Revisão, formado por 5 árbitros

473 Quanto à demora para a vigência do Protocolo de Buenos Aires: "Apesar do entusiasmo inicial com os acordos sobre arbitragem no Mercosul, muitos anos se passaram antes que o acordo pudesse entrar em vigor em 2002. Este atraso não foi provocado por nenhuma sensibilidade particular do tema, mas antes pelos fatores gerais mencionados acima a respeito da incorporação dos acordos do Mercosul nos direitos nacionais. Sendo a arbitragem internacional um tema relativamente técnico, ela não suscita oportunidades políticas nos Congressos Nacionais. Em conseqüência, problemas políticos urgentes ocuparam as prioridades do Congresso ao longo desses anos, e os temas do Mercosul são deixados para quando for possível. Além disso, a crise econômica do final dos anos 1990 teve um impacto importante em diminuir o comércio regional, reduzindo também as pressões do meio empresarial em favor desta matéria. Uma regra específica do Acordo do Mercosul também influenciou o atraso no Congresso brasileiro. A versão final alternava a regra a respeito da escolha da lei aplicável pelas partes da arbitragem, e alguns legisladores brasileiros temiam que este texto pudesse confrontar com a lei nacional de arbitragem. Como explicado na seção seguinte, este problema foi posteriormente eliminado pela interpretação que o Conselho do Mercado Comum aprovou essa regra, o que permitiu a ratificação pelo Congresso brasileiro.[...] Para eliminar a suspeita do Brasil, o Conselho do Mercado Comum aprovou uma declaração interpretativa em 2002, afirmando que o artigo 10 do Acordo do Mercosul "deve ser interpretado no sentido de permitir às partes contratantes escolher livremente as normas jurídicas aplicáveis, respeitando a ordem pública internacional". Se o direito aplicável não for escolhido pelas partes, "os árbitros decidirão com os critérios estabelecidos pelo artigo 10" do Acordo do Mercosul (ou seja, princípios de direito nacional privado)." (BARRAL, Welber. Solução de Controvérsias Privadas no Mercosul. Disponível em: <http://www.eca.oab.org.br/materiais>. Acesso em 01 dez. 2006).

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205

indicados por cada um dos Estados Partes, sendo o 5º. membro indicado por

unanimidade dos Estados. O pedido pode ser feito no prazo de 15 dias da

notificação do laudo. A revisão é restrita às questões de direito e às

interpretações jurídicas referentes à controvérsia e poderá confirmar, modificar

ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tribunal Arbitral Ad

Hoc.

Os Estados Partes envolvidos na controvérsia podem optar por levá-la

diretamente ao Tribunal Permanente, em instância única.

Os laudos dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc são obrigatórios para os

Estados Parte na controvérsia a partir de sua notificação e terão, em relação a

eles, força de coisa julgada após transcorrido o prazo para recurso.

Qualquer dos Estados Partes na controvérsia pode solicitar

esclarecimento do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc ou do Tribunal

Permanente de Revisão, dentro de 15 dias subseqüentes à sua notificação.

Os laudos do Tribunal Ad Hoc ou os do Tribunal Permanente de Revisão,

conforme o caso, deverão ser cumpridos no prazo que for fixado. Caso não

tenha sido estabelecido um prazo, os laudos deverão ser cumpridos no prazo de

30 dias da data de sua notificação.

Se um Estado Parte não cumprir total ou parcialmente o laudo do

Tribunal Arbitral, a outra parte tem a faculdade, dentro do prazo de 1 ano,

contado a partir do dia seguinte ao término do prazo de 30 dias para

cumprimento, de iniciar a aplicação de medidas compensatórias temporárias,

tais como a suspensão de concessões ou outras obrigações equivalentes do

setor afetado ou de outro setor, com vistas a obter o cumprimento do laudo,

indicando o Estado Parte com 15 dias de antecedência, para que proceda ao

cumprimento. Tais medidas compensatórias podem ser questionadas pelo

Estado Parte, que deverá cumprir o laudo perante o Tribunal Arbitral Ad Hoc

ou do Tribunal Permanente de Revisão.

A reclamação de particulares é prevista no artigo 39 e seguintes, devendo

ser apresentada à Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte

onde tenham sua residência habitual ou a sede de seus negócios. Essa Seção

elevará a reclamação sem mais trâmite ao Grupo Mercado Comum. Admitindo

a reclamação, o Grupo Mercado Comum procederá de imediato à convocação

de um grupo de especialistas, que deverá emitir um parecer sobre sua

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206

procedência, no prazo de trinta 30 dias de sua designação. Após ouvir as partes,

o grupo de especialistas elevará seu parecer ao Grupo Mercado Comum.

Se, em parecer unânime, verificar-se a procedência da reclamação,

qualquer outro Estado Parte poderá requerer a adoção de medidas corretivas ou

a anulação das medidas questionadas. Se o requerimento não prosperar, o

Estado Parte que o efetuou poderá recorrer diretamente ao procedimento

arbitral.

Recebido um parecer que considere improcedente a reclamação por

unanimidade, o Grupo Mercado Comum imediatamente a dará por concluída.

Caso o grupo de especialistas não alcance unanimidade para emitir o parecer,

levará suas conclusões ao Grupo Mercado Comum que dará por concluída a

reclamação.

Sobre a aplicação da arbitragem nos Estados Partes, Jouberto de Quadros

Pessoa CAVALCANTE revela que, em todos os Estados, a arbitragem é

facultativa, sendo que, no Uruguai, há divergências doutrinárias e

jurisprudências sobre a aceitação do instituto; ela poderá ser pública, como na

Argentina, privada, como no Paraguai, ou admitir as duas formas, como no

Brasil.

O autor ressalta ainda haver dificuldades a serem superadas para que os

meios extrajudiciais de conflitos trabalhistas tenham aplicação prática

expressiva dentre os países do MERCOSUL e se consiga a almejada

harmonização. Nas palavras do autor:

"... apesar de países adotarem a negociação coletiva, a conciliação, a mediação e a arbitragem como as principais formas extrajudiciais de conflitos coletivos, essas formas se apresentam de maneiras bem distintas de cada um dos estados-membros, o que representa, no nosso modo de ver, distinções relevantes a serem superadas num processo de harmonização, como: a) o desprestígio da negociação coletiva no Paraguai; b) o controle administrativo que se faz sobre os instrumentos normativos na Argentina e Paraguai; c) a não aceitação da negociação coletiva com a Administração Pública no Brasil; d) a não aceitação doutrinária e jurisprudencial da arbitragem no Uruguai etc. Por outro lado, consideramos primordial a harmonização das legislações internas nesse aspecto, até por conta dessa obrigação estar delineada no Tratado de Assunção e na Declaração Sociolaboral e ser ponto fundamental no processo de integração regional, apesar de não vislumbrarmos uma receita pronta para que isso efetivamente venha a ocorrer, além da necessidade de fortalecimento de negociação direta e, pela necessidade de se evitar conflitos de longa duração,

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com prejuízos para toda uma coletividade, a instituição efetiva da arbitragem pelos estados".474

5.3.7 União Européia

A União Européia tem manifestado interesse pelos modos alternativos de

solução de conflitos, especialmente em relação aos conflitos cíveis e

comerciais e priorizando a mediação e a conciliação. É o que se pode observar

nas discussões lançadas, em 2002, pelas Comissões das Comunidades

Européias, através do chamado "Livro Verde" sobre modos alternativos de

resolução dos litígios em matéria civil e comercial. O objetivo desse projeto é

lançar uma ampla consulta aos setores interessados sobre as melhores formas

de solucionar os conflitos cíveis e comerciais, para que se possa elaborar uma

orientação política para futuras iniciativas perante o tema. Todavia, a

arbitragem foi excluída dessa discussão, sob a seguinte explicação:

"A arbitragem é, de fato, um modo de resolução de conflitos que é mais equiparado aos procedimentos jurisdicionais dos aos modos alternativos na medida em que a decisão arbitral se destina a substituir a decisão judicial. A arbitragem é muito regulamentada, tanto a nível dos Estados-Membros como a nível internacional, com a Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre o Reconhecimento e a Execução de sentenças arbitrais estrangeiras [...], ou ainda, no quadro do Conselho da Europa, a Convenção Européia de 1996 que estabelece uma lei uniforme em matéria de arbitragem". [sic]475

A Arbitragem, perante a União Européia, portanto, via de regra, não é

considerada um meio alternativo de solução de conflitos.476

Segundo Marco Antônio César VILLATORE, há referências à

arbitragem laboral, tanto na Carta Social Européia, de 18 de outubro de 1961,

cujo artigo 6º. prevê o favorecimento à instituição e utilização de

474 CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa. Mercosul: a Integração, o Direito e os Conflitos de Trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, p. 176. 475 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS. Livro Verde sobre os Modos Alternativos de Resolução dos Litígios em Matéria Civil e Comercial. Bruxelas, 2002. Disponível em <http://ec.europa.eu/civiljustice/adr/adr_gen_pt.htm>. Acesso em 01 dez. 2006. 476 Esta afirmação está expressamente posta no site oficial da União Européia: <http://ec.europa.eu/civiljustice/adr/adr_gen_pt.htm>. Acesso em 08 jan. 2007.

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procedimentos de conciliação e de arbitragem voluntária voltada aos conflitos

laborais, e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos

Trabalhadores, de 9 de dezembro de 1989, cujo artigo 13 também menciona a

necessidade de encorajar, nas práticas nacionais, a instituição e a utilização da

conciliação, da mediação e da arbitragem.477

O autor também cita outros documentos relevantes para o

desenvolvimento da arbitragem, no âmbito da União Européia, como a Decisão

nº. 3, de 29 de março de 1990, do Conselho dos Ministros ACP-CEE, que

adotou a regulamentação geral às regras processuais de conciliação e

arbitragem aplicáveis aos contratos de obras, de fornecimento e de prestação de

serviços financiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento. Da mesma

fora, cita o Protocolo nº. 33, de 3 de janeiro de 1994, estabelecendo a utilização

da arbitragem para solução de litígios.478

Dentre os documentos relativos ao desenvolvimento da arbitragem, na

Europa, também se destaca a Convenção Européia sobre Legislação Uniforme

em Matéria de Arbitragem, de 20 de janeiro de 1966, limitando a arbitragem

aos direitos transigíveis, conforme dispõe seu artigo 1º, Anexo I.

O Direito Comparado é sempre uma fonte eficaz para descobrirem-se

erros e acertos no desenvolvimento de determinados institutos, como a

arbitragem, desde que respeitada a realidade cultural, econômica e jurídica de

cada País.

Diante deste brevíssimo estudo, limitado a relacionar os principais

documentos legais de cada País a respeito da arbitragem, é possível observar

que alguns Países vêm apostando nesse instituto como forma de solução de

conflitos, como é o caso da Itália e de Portugal, que reformaram recentemente

as legislações pertinentes, a fim de impulsionar o seu desenvolvimento;

também é possível vislumbrar a atitude dos atores sociais em buscar tal

alternativa, mesmo quando a lei não lhe propicia isso, como no caso das

entidades sindicais e empresariais, que se uniram para formar o ASEC na

477 Conforme VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, 2000, pp. 77-105. 478 Conforme VILLATORE, Marco Antônio César. Arbitragem na Solução de Conflitos de Trabalho e o Direito Comparado. Gênesis - Revista de Direito do Trabalho. Curitiba, nº. 91, 2000, pp. 77-105.

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Espanha; por outro lado, vemos questões culturais impedindo a aplicação de

excelentes legislações, como é caso do México e, até mesmo, do Brasil, como

adiante se exporá. De qualquer forma, esta análise da experiência comparada

só vem corroborar a importância do tema de nosso estudo e revelar a

necessidade de aprofundamento do debate acerca de sua aplicação em âmbito

laboral.

5.4 Vantagens e Desvantagens da Arbitragem Laboral

Como todo instituto jurídico, a aplicação da arbitragem apresenta

vantagens e desvantagens que devem ser ponderadas. Dentre as vantagens,

destacam-se: a celeridade que resulta, dentre outros fatores, da ausência de

formas solenes e do afastamento de recursos no que tange ao mérito da

decisão; 479 a confiabilidade, uma vez que são as próprias partes que escolhem

o árbitro, ou a instituição que irá solucionar o conflito, o que justifica uma

sensação de maior segurança quanto à imparcialidade da decisão;480 a

liberdade, marca característica do instituto, já que as partes são livres para

optar pela arbitragem, para escolher os árbitros e principalmente para definir a

forma de arbitragem, indicando as regras que serão aplicadas na solução do

conflito, inclusive podendo optar pelo julgamento por eqüidade;481 a

especialização técnica dos árbitros, sendo possível dirigir o conflito à

479 Conforme MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, pp. 39 e 40: "A celeridade na solução dos conflitos, resultado tanto da ausência de formas solenes, como as exigidas no processo comum, quanto por afastar a possibilidade de interposição de recurso referente ao mérito da questão, pois, como vimos, o recurso só é possível em questões processuais. Outrossim, a desnecessidade de homologação judicial diminuiu demasiadamente o tempo gasto para a solução arbitral." 480 "Na arbitragem, são as próprias partes que escolhem o árbitro, tribunal arbitrai ou instituição de arbitragem que solucionará o conflito. Essa faculdade confere maior neutralidade ao julgador e, consequentemente, maior segurança das partes quanto a sua imparcialidade e confiabilidade, diferentemente do que ocorre no Judiciário, onde a lide é solucionada pelo juiz a quem for distribuída, que não necessariamente possui a confiança das partes." 481 "As partes podem escolher a forma de arbitragem pela qual o conflito será solucionado. Optando pela de direito, escolhem as regras a serem aplicadas ao caso concreto, funcionando como verdadeiros legisladores. Mas podem, também, preferir o julgamento com base na equidade que desobriga o árbitro de necessariamente fun-damentar sua decisão em norma jurídica, permitindo-lhe julgar com mais liberdade e justiça" (MORGADO, Isabele Jacob. Op. cit, p. 40).

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especialistas, no seu objeto, que terão condições de analisar de forma mais

criteriosa a causa;482 o sigilo, uma vez que o procedimento arbitral só será

público se as partes assim convencionarem, pois, tratado-se de interesse das

partes, nada as obriga a divulgar o conflito e seu julgamento, ao contrário do

processo judicial, em que a publicidade é regra comportando algumas e poucas

exceções, especialmente no Direito do Trabalho;483 a informalidade, não

significando a ausência de formalidade, até porque os dispositivos da Lei nº.

9.307/90 não permitem este raciocínio, mas, no sentido de menor rigor na

atuação, de forma a não entravar o procedimento e não comprometer sua

celeridade;484 a flexibilidade, decorrente da liberdade conferida ao árbitro para

agir.

A principal desvantagem apresentada pela arbitragem é o custo, pois,

especialmente quando requer árbitros especialistas, pode tornar-se um

482 "A especialização técnica dos árbitros é outra vantagem a ser destacada. Escolhendo as partes livremente quem irá solucionar o conflito, podem recorrer a pessoas altamente especializadas na matéria. Isso porque nem sempre o magistrado designado para julgar a lide tem o conhecimento especializado necessário do objeto da mesma. No caso específico da Justiça do Trabalho, essa vantagem não chega a se destacar, haja vista que a mesma já se constitui em uma Justiça altamente especializada, com juizes técnicos em Direito Laboral. Isso sem falar que, em nível de custo, saem muito mais em conta que os árbitros especializados." (MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 40). 483 "A confidencialidade da arbitragem importa em dizer que o conflito não terá publicidade, evitando a divulgação de documentos e fatos que são de interesse apenas das partes, o que importaria até mesmo em divulgação de situações ao fisco, que não interessem às partes." (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 89.) "O conflito encaminhado à arbitragem não tem publicidade, os documentos e os fatos de interesse apenas das partes não são divulgados. Isso é vantajoso para o trabalhador, pois nos dias atuais o trabalhador que reivindica seus direitos perante a justiça passa a ser taxado como um mal trabalhador, "encrenqueiro", o que acaba por atrapalhá-lo na busca por outro emprego. Como é de nosso conhecimento, a confidencialidade e o sigilo no que tange às partes a aos documentos é admitida apenas na arbitragem. Segundo previsão constitucional, no processo Judicial comum, os atos são públicos, salvo a exceção do artigo 5º, inciso LX que dispõe que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". A partir dessa disposição nota-se que a ausência de publicidade nesses casos poderá gerar a nulidade do processo, com o argumento de que está ocorrendo violação do interesse público na divulgação de litígios. Isto não ocorre obrigatoriamente na arbitragem, tendo em vista que, pelo fato da mesma decorrer de um negócio jurídico de direito material, somente aos próprios pactuantes é que interessa a solução do conflito, não havendo necessidade de divulgação dos procedimentos para terceiros. (CASTELLARI, Fernanda Lauren Bonilha. As Vantagens da Utilização da Arbitragem para Desafogamento do Judiciário Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 Dez. 2006). 484 "É informal porque despida de rigorismo, daí a inexistência de excessivos pormenores de atuação que atravancam o desfecho satisfatório da pendência para ambas as partes, em outros momentos." (FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A Nova Lei de Arbitragem e as Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 18.)

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211

procedimento caro para as partes. Sérgio Pinto MARTINS pondera que,

havendo uma maior quantidade de causas sujeitas à arbitragem, os honorários

tendem a diminuir.485

Isabele Jacob MORGADO destaca haver outras formas de utilizar a

arbitragem sem que isso demande altos custos para as partes, como a

possibilidade de sua realização por membros do Ministério Público. Nas

palavras da autora:

"...o custo seria a grande desvantagem da arbitragem, por não raro demandar a contratação de pessoas altamente especializadas que, por conseguinte, custariam caro para as partes. [...] Entretanto, este é um argumento que não tem como subsistir, pois existem diversos meios de utilização da arbitragem, sem que necessariamente se constate um alto custo".486

Destacam-se, também, os benefícios que a arbitragem poderia trazer, se

mais utilizada, ao Poder Judiciário: não se trata apenas de reduzir o número de

demandas, mas de permitir-lhe, diante desta redução, poder fazer a distribuição

da justiça de forma mais racional.

5.5 Desafio Cultural

Durante a elaboração deste estudo foi possível perceber que o Brasil

desfruta de uma posição privilegiada para a aplicação da arbitragem, seja aos

conflitos trabalhistas, seja aos conflitos de qualquer área do Direito envolvendo

direitos disponíveis.

485 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 19ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 89. 486 MORGADO, Isabele Jacob. A Arbitragem nos Conflitos de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 41. Ressalte-se a viabilidade da arbitragem ser realizada pelos membros do Ministério Público do trabalho, como prevê o artigo 83, XI, da Lei Complementar n. 75/93. Com base neste artigo surgiu a resolução n. 44/99 do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. As partes conjunta ou isoladamente poderão iniciar o procedimento arbitral em dissídio trabalhista, mediante a convenção de arbitragem. Mediante a aceitação das partes do Membro do Ministério Público do Trabalho atuará como árbitro. Sem dúvida uma alternativa capaz de impulsionar o uso da arbitragem, seja pela credibilidade inerente ao MPT, pela especialização de seus membros e, principalmente pela viabilidade econômica.

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O Brasil tem uma legislação arbitral feita de forma adequada, voltada à

realidade mundial, às exigências do acesso à Justiça, que, mesmo após dez

anos de sua vigência, continua sendo um marco da legislação brasileira por seu

caráter inovador, como destaca Ives Gandra da Silva MARTINS:

"O décimo aniversário da Lei nº 9.307, de 23.09.1996, comprova que uma lei bem feita e aceita pela sociedade civil pode transformar construtivamente setor importante da vida nacional, tornando-se, assim, catalisadora de seu desenvolvimento. Não obstante as resistências, no passado, em relação à arbitragem, foi possível realizar verdadeira revolução cultural, dando-se maior eficiência e rapidez à solução de litígios. Criou-se processo ágil e flexível, adaptando-se às necessidades de cada caso, sem prejuízo de manutenção dos princípios básicos do contraditório e do direito à ampla defesa das partes. Conseguiu-se, assim, descongestionar os tribunais, em pequeno percentual, que, todavia, foi relevante em virtude da complexidade das causas, que deixaram de ser submetidas ao Poder Judiciário.Pode-se dizer que a nova lei funcionou como verdadeiro exemplo de "destruição criadora" no campo do direito, para utilizar-se a terminologia dos economistas."487

As vantagens da aplicação da arbitragem são notórias e parecem

multiplicar-se frente aos problemas enfrentados pela realidade forense dos dias

atuais. O que, então, impede que a arbitragem se desenvolva plenamente, no

Brasil?

A resposta para a indagação parece estar na cultura brasileira, que se

formou consolidada na prevalência da Jurisdição Estatal como meio de solução

de conflitos e, apesar dos percalços encontrados para cumprir sua função,

muitos capazes até de abalar sua credibilidade, é fato notório que, no Brasil,

este é o meio prevalente de solução de conflitos.488

Os próprios operadores do Direito foram condicionados a ver o Direito

do Trabalho como expressão do intervencionismo Estatal e, agora, têm

dificuldade para assimilar a necessidade de mudanças já sentida pelos

legisladores há uma década. Márcio YOSHIDA assim considera o fato:

487 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Dez Anos da Lei de Arbitragem. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 488 Com relação á falta de credibilidade por parte dos brasileiros na arbitragem: "Não me parece razoável duvidar da imparcialidade e da honestidade de todos os possíveis árbitros aprioristicamente, nem tampouco possível supor que a isenção de ânimo e a neutralidade são inerentes aos magistrados trabalhistas [...] Entendo descabido supor que a escolha do árbitro possa ser objeto de deliberação unilateral da empresa em detrimento da preferência do trabalhador ou de seu sindicato porquanto tal assertiva tem como pressuposto a manipulação irrestrita do poder econômico na indicação do julgador, notadamente venal." (GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 84).

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"Aprendemos a entender o Direito do Trabalho sob a ótica do intervencionismo estatal e de seus preceitos de ordem pública desde os bancos da faculdade, o que talvez explique a dificuldade de assimilar a mudança de diretrizes trazida pela Constituição de 1988"...489

Isso tudo se deve a diversos fatores, muitos deles relacionados à própria

formação histórica do País, pois, embora a arbitragem estivesse prevista desde

o início da legislação brasileira, como legado da legislação portuguesa, a

Jurisdição Estatal foi o meio prevalente de solução de conflitos. A evolução

legislativa até a vigência da Lei nº. 9.307/96 também contribuiu para que o

brasileiro se afastasse da arbitragem.

Como, então, transformar a arbitragem num meio popular de solução de

conflitos? Esse será um desafio cultural de consideráveis proporções, não há

como se negar.

Em primeiro lugar, vale ressaltar que, como bem destacam Rodolfo

PAMPLONA FILHO e Marcel Di Rezende BERNARDES, a arbitragem não é

panacéia490, não é remédio para todos os males do Poder Judiciário e da falta

de acesso à Justiça, acrescentando: "É natural que a arbitragem é apenas um

dos componentes de uma modificação mais ampla de mentalidade e de

paradigmas, não tendo o condão de, isoladamente, resolver a crise do Judiciário

Trabalhista".491

489 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 82. 490 "Se a arbitragem é tão boa assim, por que ela ainda não está totalmente disseminada na prática da sociedade brasileira? A resposta é simples. Porque ela não é uma "panacéia". [...] Definitivamente, a arbitragem NÃO É o "remédio para todos os males" e nossa intenção nunca foi fazer reles proselitismo em seu favor. A arbitragem realmente é uma das formas mais avançadas de solução de conflitos, pois incentiva a autonomia dos atores sociais, afastando a muitas vezes perniciosa intervenção estatal nas relações de Direito Material. O reconhecimento, porém, da existência de dificuldades é medida de honestidade que deve ser explicitada em função de alguns "óbices", que podem ser sintetizados em dois tópicos: o custo e a mentalidade." (PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Atualizando uma Visão Didática da Arbitragem na Área Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). "Concluímos que, mesmo crendo que a arbitragem não consiste numa panacéia e que deve ser entendida dentro de uma perspectiva hodierna, não há com negarmos a sua relevância, seja na área privada ou na área pública, quer no campo interno, quer no campo internacional, como sendo a ferramenta eficaz e célere no combate à formalidade excessiva, e que poderá ser uma alternativa correta para as partes que realmente desejarem solucionar seu conflito". (BERNARDES, Marcelo Di Rezende. A Arbitragem é Justiça para Todos. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). 491 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. Op. cit., p. 87.

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Rodolfo PAMPLONA FILHO destaca que, para ele, existem dois

obstáculos à implementação da arbitragem no Brasil: os custos, apesar da

gratuidade já ser uma meta muito próxima de ser atingida, e a dificuldade

cultural. Nas palavras do autor: "A segunda dificuldade reside na cultura do

cidadão brasileiro, que se vem caracterizando cada vez mais por uma

mentalidade demandista, às vezes se valendo do próprio atraso na prestação

jurisdicional para obter vantagens ilícitas".492

A idéia do Direito do Trabalho, como elemento de intervenção e

regulamentação de todos os aspectos da relação trabalhista, é característica dos

Países latino-americanos, e isto é possível vislumbrar com clareza no Brasil.493

"A busca por meios alternativos para solução de conflitos está cada vez mais comum na sociedade brasileira, principalmente por estarmos diante de uma grave crise que assola o judiciário. Contudo, para que ocorra uma aceitação desses meios é necessário que haja uma mudança na maneira de pensar dos cidadãos, ou até mesmo na cultura brasileira, para que passemos a utilizar efetivamente os métodos não convencionais como alternativas para crises".494

Fernanda Lauren Bonilha CASTELLARI sugere, como forma de

ultrapassar a barreira da insegurança das pessoas frente à idéia de que só o

magistrado é capaz de bem julgar, que ele passe a atuar como árbitro. A

sugestão realmente é interessante, porém, esbarra na proibição legal do

exercício de outras atividades pelo magistrado, que não o magistério. Todavia,

492 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Atualizando uma Visão Didática da Arbitragem na Área Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 493 "O direito do trabalho nos países latino-americanos, incluindo o Brasil, é, na verdade, o resultado de uma técnica intervencionista e regulamentadora, que invade todos os aspectos das relações trabalhistas. Se analisarmos os métodos de composição dos conflitos de trabalho, o estupor é ainda maior. A idéia comum em alguns países da América Latina, inclusive no Brasil, foi a de uma Justiça do Trabalho competente tanto para solução de conflitos jurídicos como para conflitos econômicos. Esse esquema, por não corresponder à atual dinâmica das relações de trabalho, acarretou um aumento de problemas e passou a gerar frustrações de toda ordem. Os países latino-americanos, à exceção do Uruguai, têm vivido um continuado processo de jurisdicionalização da vida coletiva. Essa atitude também se produz no setor das relações individuais. Nas sociedades contratuais, da qual bom exemplo é a dos Estados Unidos da América do Norte, incumbe às próprias partes a garantia do cumprimento das condições contratuais ajustadas. A lei, quando intervém, tem por objetivo assegurar o procedimento contratual." (BARROS, Cássio Mesquita. A Regulação da Arbitragem Trabalhista Brasileira. Disponível em <http://www.arbitragem.com.br> . Acesso em 01 dez. 2006). 494 CASTELLARI, Fernanda Lauren Bonilha. As Vantagens da Utilização da Arbitragem para Desafogamento do Judiciário Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 Dez. 2006.

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nada impede que o magistrado aposentado, já afastado do exercício de sua

função, atue como árbitro.495

A autora também ressalta a importância da divulgação do instituto para

que todos tenham conhecimento de sua existência e vantagens, pois o

descrédito na arbitragem pode estar relacionado ao seu desconhecimento. Nas

palavras da autora:

"...para que tal instituto seja aceito e utilizado é necessário a ‘aprovação’ dos cidadãos. Para tanto, interessante seria se as pessoas que possuem um determinado conhecimento em relação à utilização da arbitragem, passassem a divulgar tal conhecimento e a apresentar a arbitragem e as vantagens de sua utilização aos leigos, tentando com isso amenizar, se não o medo, a desconfiança que os rodeiam, de forma a provar para cada trabalhador e até mesmo para aqueles que ‘desconfiam’ da arbitragem, que não é apenas um juiz a pessoa capaz de solucionar litígios e que a mesma não é um óbice aos serviços dos advogados, juizes e promotores, mas sim um auxílio. Alguns meios eficazes de divulgação da arbitragem para a população seria o oferecimento de palestras, a utilização de propagandas, incentivos, dentre outros, tentando dar-lhes segurança e confiança para a utilização da mesma". 496

Não é apenas a população que precisa rever seus conceitos sobre a

arbitragem, todavia, é necessário que esta quebra de paradigma alcance,

também, os operadores do direito, como indica Selma Ferreira LEMES:

"Com o advento da Lei de Arbitragem [...] o advogado não pode deixar de considerá-la no momento de assessorar na redação de um contrato, ou diante de um conflito instaurado. Deve sopesar os fatos e circunstâncias (valor, complexidade da matéria, instituição de arbitragem que elegerá para administrar a Arbitragem, etc) e redigir convenientemente a cláusula arbitral. Atualmente, este é um dos principais problemas práticos que as partes câmaras de arbitragem e árbitros se deparam ao instituir uma arbitragem. Cláusulas que indicam a arbitragem e no mesmo contrato remetem as partes ao judiciário elegendo o foro [...] Às vezes são vários contratos conexos, em que uns elegem a arbitragem e os outros o for judicial [...] o que se constata é ainda um despreparo deste profissional, que desconhece as peculiaridades do instituto, seus conceitos e

495 Como no Brasil tem-se uma cultura processualista e uma errônea idéia de que só quem é detentor de cargo público, como o juiz togado, é capaz de analisar minuciosamente um conflito para poder solucioná-lo, por que não permitir a atuação desses, ou até mesmo dos representantes do Ministério Público como árbitros? Como dito outrora, o juiz togado conhece as peculiaridades do conflito e as normas possíveis de serem a ele aplicadas, além de agir com imparcialidade e impor sua decisão, o que nos leva a crer que poderia ser um bom árbitro." (CASTELLARI, Fernanda Lauren Bonilha. As Vantagens da Utilização da Arbitragem para Desafogamento do Judiciário Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). 496 CASTELLARI, Fernanda Lauren Bonilha. As Vantagens da Utilização da Arbitragem para Desafogamento do Judiciário Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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abrangências. [...] Na arbitragem espera-se que o profissional do direito seja mais um negociador e gerenciador de conflitos do que um gladiador".497

Antes de ser uma ameaça à atividade da advocacia, a arbitragem se revela

como um campo de trabalho a ser explorado498:

"A visão de que a arbitragem ameaça o campo de atuação de advogados, procuradores e magistrados é uma barreira a ser transposta para que possa haver aplicação da arbitragem aos dissídios individuais, uma vez que as comissões são permitidas não há razão justificadora para negar que o direito arbitral poderia auxiliar e muito a justiça do trabalhista".499

O sucesso da arbitragem em âmbito trabalhista também dependerá da

atuação sindical. Márcio YOSHIDA afirma que os sindicatos terão papel

decisivo para o sucesso da arbitragem trabalhista, quebrando as barreiras da

tradição da jurisdição estatal para implantar um sistema diferenciado de

solução de controvérsias:

"O envolvimento da classe dirigente sindical dos trabalhadores e patronal será decisivo para o sucesso da arbitragem trabalhista. Deles dependerá a inclusão das cláusulas compromissórias em acordos e convenções coletivas do trabalho como via de solução preferencial de conflitos individuais e coletivos. Árdua tarefa num país tradicionalmente acostumado ao intervencionismo estatal nas

497 LEMES. Selma Ferreira. Arbitragem como Ferramenta dos Advogados. Advocacia e Negócios. Set. 2004. 498 "A arbitragem represente para o advogado a renovação na lida jurídica aferida em duas óticas. A primeira imprimindo-lhe a necessidade de estudar e entender o direito da arbitragem, que não encontra correspondência no processo judicial, em muitas situações. Para isso deve ter a percepção que a arbitragem é um procedimento mais célere; que não terá a disponibilidade de provimentos e recursos do judiciário; que é uma via especializada em razão da formação dos árbitros indicados; que deve estudar e avaliar a conveniência em autorizar os árbitros a resolverem a demanda por equidade, que muitas vezes poderá ser favorável ao seu cliente, principalmente, entre outros fatores, quando a matéria de prova for mais difícil; que a prova oral tem grande valor probatório etc. A segunda por determinar que empreenda estudo calcado na Análise Econômica do Direito, na disciplina do Direito & Economia, ao analisar, especialmente na área empresarial, que os conflitos que surgirem no âmbito dos contratos representarão custos de transação". (LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem: Visão Pragmática do Presente e do Futuro. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006). 499 ALMEIDA, Dayse Coelho. Arbitragem na Justiça Laboral. Disponível em <www.http://recantodasletras.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. "A arbitragem, no momento, não traz tanta segurança para os trabalhadores. Por ser um instituto novo, ainda é vista como uma ameaça e não como um auxílio. Interessante que ela é encarada como uma ameaça não somente pelas partes conflitantes, mas também pelos magistrados e advogados que erroneamente crêem ser ela um meio intimidador dos seus conflitos." (CASTELLARI, Fernanda Lauren Bonilha. As Vantagens da Utilização da Arbitragem para Desafogamento do Judiciário Trabalhista. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006).

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relações do trabalho e ao paternalismo exacerbado da legislação trabalhista que finda por repercutir nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho".500

É essencial não esquecer que a arbitragem não substituirá o Poder

Judiciário, não havendo qualquer motivo para tê-la como ameaça, mas como

aliada. Não se trata, apenas, de reduzir o número de demandas, mas de permitir

que o Poder Judiciário, diante dessa redução, possa fazer a distribuição da

Justiça de forma mais racional.

Com a redução do número de processos, é permitido aos juízes

dedicarem mais tempo às causas de maior complexidade, o que significará

mais qualidade na prestação jurisdicional. Para tanto, a arbitragem deve ser

vista sem preconceitos, como explicam Cláudio Armando Couce de

MENEZES e Leonardo Dias BORGES:

"Ora, a arbitragem, "se decolar", acabará por auxiliar o Poder Judiciário, posto que os Juízes poderão se dedicar com mais profundidade às questões jurídicas de maior complexidade; os Juízes terão condições de prestar a jurisdição com melhor qualidade; poderão se atualizar mais; enfim...Tudo em razão da provável diminuição das ações". 501

Da mesma forma, manifesta-se Márcio YOSHIDA: "A implementação

da via arbitral para a solução de conflitos coletivos e individuais do trabalho é a

evidente alternativa diante do grave panorama do Judiciário Trabalhista".502

Reitera-se o que foi dito no início deste trabalho: a arbitragem, assim,

como os demais meios alternativos de solução de conflitos, não suprimem a

Jurisdição, ao contrário, visam a colaborar na efetividade de sua função

500 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 80. 501 MENEZES, Cláudio Armando Couce de; BORGES, Leonardo Dias. Juízo Arbitral no Processo do Trabalho. Síntese Trabalhista, n. 109, jul. 1998, p. 123. 502 GARCEZ, José Maria Rossani. [coord.]. A Arbitragem na Era da Globalização. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 81: "A tramitação dos processos trabalhistas enfrenta toda a sorte de dificuldades nas três instâncias da Justiça do trabalho, com as suas superlotadas pautas de audiência e as prateleiras abarrotadas de autos, que insistem em se multiplicar, vertiginosamente, todos os dias. A conseqüência natural é a queda da qualidade dos serviços prestados à comunidade, quer pela morosidade na tramitação dos processos (não se espera que uma reclamação trabalhista percorra todas as instâncias, até sua execução em menos do que sete ou mais anos), quer pela precariedade do atendimento às partes litigantes e aos seus advogados, quer pela sobrecarga de trabalho para os juízes encarregados de julgar ou instruir um excessivo número de processos. [...] Como a atividade jurisdicional do Estado não têm conseguido se desincumbir da sua missão de julgar os litígios trabalhistas, de forma célere e eficaz, nada mais razoável do que viabilizar às partes interessadas a utilização de uma via mais simplificada e mais democrática de solução de conflitos".

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pacificadora, como pode ser vislumbrado nas vantagens apontadas pela

doutrina advindas da ampla aplicação da arbitragem, especialmente quanto aos

conflitos trabalhistas.503

Selma Ferreira LEMES destaca que o próprio Judiciário, de certa forma,

vem contribuindo para o desenvolvimento do instituto da arbitragem: a

ratificação da constitucionalidade de partes importantes da Lei de Arbitragem

pelo STF e as decisões judiciais respeitando os princípios da referida Lei são

indícios de que o Poder Judiciário está, paulatinamente, aceitando melhor a

arbitragem.504

Welber BARRAL evindencia que, embora o desconhecimento da

arbitragem por parte, especialmente, dos juristas, seja um obstáculo ao seu

desenvolvimento, é sensível o seu progresso.505

Ives Gandra da Silva MARTINS comprova esse progresso,

especialmente, em âmbito trabalhista, revelando que a arbitragem, como meio

alternativo de conflito trabalhista, não é apenas uma possibilidade, mas,

realidade. Nas palavras do autor:

"Em dez anos, realizou-se evolução que, em outros países, levou quase um século. Tudo mudou no campo da arbitragem. As estatísticas são eloqüentes. De um número insignificante de processos arbitrais, em 1996, ano em que foi promulgada a nova lei, passou-se para cerca de 4.000 arbitragens realizadas anualmente, das quais cerca de noventa por cento no campo trabalhista e do direito do consumidor, e as demais em questões comerciais, internacionais e

503 "A arbitragem, em nenhum momento, frise-se, pretende suplantar ou concorrer com o sistema judiciário, devendo ser vista, no nosso humilde entendimento, como parceira do sistema público, aliviando o gargalo de processo que clamam por solução" BERNARDES, Marcelo Di Rezende. A arbitragem é Justiça para Todos. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006. 504 LEMES, Selma Ferreira. Arbitragem: Visão Pragmática do Presente e do Futuro. Disponível em <http://www.lex.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006 505 "Estas palavras de júbilo não se materializaram, e o entusiasmo inicial teve que ser reduzido diante das barreiras imprevistas, como a difundida ignorância sobre a arbitragem entre os juristas brasileiros e a persistência da tradição formalista. Apesar disso, a arbitragem está progredindo no Brasil, e até mesmo de forma impressionante em alguns setores econômicos, embora de forma muito mais lenta do que se previa quando a nova lei foi aprovada. Ao lado disso, a maior utilização de cláusulas compromissórias se explica antes pela ineficiência proverbial do judiciário do que pelas vantagens teóricas do mecanismo arbitral. As inúmeras complicações do judiciário brasileiro, agravadas pelo procedimento formalista, é que têm sido a maior razão para o recurso recente à arbitragem." (BARRAL, Welber. Solução de Controvérsias Privadas no Mercosul. Disponível em: <http://www.eca.oab.org.br/materiais>. Acesso em 01 dez. 2006).

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domésticas. Basta lembrar que, enquanto uma ação trabalhista leva longos anos para terminar, uma arbitragem na matéria é concluída num mês".506

Assim, com este estudo, espera-se dar uma contribuição, ainda que

pequena, para que esse desafio cultural seja superado definitivamente,

almejando-se a construção de uma nova postura frente aos meios alternativos

de solução de conflitos, isenta de preconceitos e receios.

506 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Dez Anos da Lei de Arbitragem. Disponível em <http://www.jus.com.br>. Acesso em 01 dez. 2006.

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6

Conclusão

Os conflitos fazem parte da convivência humana em sociedade e, desde

os tempos mais remotos, os homens buscam formas eficientes de solucioná-los.

Há, porém, aqueles que, por sua relevância e pela magnitude dos interesses

envolvidos, merecem atenção diferenciada e formas de solução adequadas às

suas peculiaridades. É o que ocorre com os conflitos trabalhistas.

Decorrentes de uma relação historicamente tensa, que, inclusive, deu

origem ao Direito do Trabalho, tais conflitos envolvem os dois pilares do

desenvolvimento econômico e social de toda Nação: o capital e o trabalho.

O Estado tomou para si o poder-dever de solucionar tais demandas e

consolidou a Jurisdição como forma prevalente de distribuição da Justiça.

Todavia, há décadas vem sendo denunciada sua ineficiência para cumprir tal

tarefa, sendo que sua crise já se faz sentir, especialmente, na Justiça Laboral.

O mundo passou por profundas transformações nas últimas décadas: a

revolução nos meios de comunicação, que contribuiu para conscientizar os

cidadãos dos seus direitos; a entrada da mulher no mercado de trabalho e seus

impactos na realidade econômica e na base familiar; a necessidade de proteção

de direitos coletivos e difusos e a abertura das economias nacionais ao mercado

mundial. São apenas alguns dos fatores que levaram ao desenvolvimento

daquilo que juristas e sociólogos denominam de "explosão de demandas".

A realidade laboral também sofreu e vem sofrendo uma profunda

mudança de paradigma. A introdução das máquinas, nas linhas de produção, a

substituição e supressão da mão-de-obra humana, o desenvolvimento de novos

modelos e tecnologias de produção, a proliferação das formas precárias de

trabalho e do trabalho informal, a necessidade de flexibilização de direitos para

garantir competitividade perante o mercado global, além das próprias

dificuldades econômicas enfrentadas pelas empresas dos países periféricos,

fazem com que a relação capital/trabalho, empregado/empregador, seja uma

fonte considerável de conflitos, requerendo uma forma de solução adequada às

suas necessidades: justa e célere.

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O Poder Judiciário parece não ter acompanhado o ritmo dessas alterações,

especialmente, a Justiça Laboral. Embora sensível à necessidade de mudanças,

o que se reflete no esforço de muitos juízes e servidores para racionalizar seu

trabalho, e na própria preocupação do Poder Legislativo, que opera constantes

reformas almejando melhorar o atendimento aos jurisdicionados, o Poder

Judiciário encontra-se, hoje, defasado, carente de recursos financeiros e

humanos, preso a um processo formalista, com um número considerável de

recursos, operando, muitas vezes, em estruturas precárias, tendo por resultado a

sobrecarga de demandas e a morosidade na solução destas.

Na Justiça do Trabalho, a crise de eficiência é ainda mais evidente.

Significa, por um lado, que o trabalhador terá de esperar anos para receber as

verbas pleiteadas, ou sucumbir a um acordo – recebendo menos do que

pretende, e, geralmente, do que lhe é realmente devido -; por outro, restará ao

empregador a espera pelo fim da demanda ou a possibilidade de pagar verbas

que, muitas vezes, não deve, para pôr fim ao conflito. Esta é, de certa forma, a

realidade forense trabalhista: resta aos trabalhadores e empregadores a espera

ou o acordo e com ele, são "negociados" direitos de toda ordem, sem qualquer

questionamento, sob os auspícios do Estado e sua chancela.

Diante dessa realidade, tornou-se evidente a necessidade de se buscarem

soluções alternativas aos conflitos laborais, como forma de manter a própria

relevância do Direito do Trabalho, ameaçada por sua inaplicabilidade, ou

aplicabilidade tardia, frente aos percalços do Judiciário Trabalhista.

Dentre os diversos meios de solução aplicáveis aos conflitos trabalhistas,

como a conciliação e a mediação, este estudo analisou a possibilidade de

aplicação da arbitragem. Instituto milenar previsto, no Brasil, desde as

Ordenações Portuguesas, a arbitragem vem, paulatinamente, obtendo prestígio,

especialmente, junto ao comércio internacional, ganhando novo alento com a

Lei nº. 9.307, de 1996, que remodelou o instituto, tornando-o um meio célere e

confiável de solução de conflitos.

Destaque-se ter sido possível vislumbrar, no desenvolvimento deste

estudo, que a aplicação da arbitragem às demandas trabalhistas não é assunto

pacífico dentre os operadores do Direito. Quanto aos conflitos trabalhistas

coletivos, não resta qualquer dúvida quanto à possibilidade de aplicação da

arbitragem, uma vez que ela é autorizada pela Constituição de 1988. Quanto

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aos individuais, porém, a situação é bastante diferente. Dentre os diversos

argumentos apresentados favoráveis à inaplicabilidade da arbitragem, dois

parecem obter destaque: a indisponibilidade e a irrenunciabilidade dos direitos

trabalhistas e a hipossuficiência do trabalhador.

Quanto ao primeiro argumento, tudo se resume da ausência, seja na lei,

seja na Jurisprudência, de um rol que especifique, com clareza, quais são os

direitos trabalhistas indisponíveis e, por conseqüência, irrenunciáveis. Conclui-

se que nem todos os direitos são indisponíveis e irrenunciáveis, pois a própria

Constituição permite, no seu artigo 7º., que alguns sejam flexibilizados,

mediante negociação coletiva. Acresça-se, que, se assim o fosse, restaria

completamente inviabilizado o instituto da conciliação no Direito do Trabalho,

pois, na prática, o que ocorre é a abrangência de todo e qualquer direito nos

acordos firmados judicial ou extrajudicialmente. Da mesma forma, conclui-se

que nem todos os direitos trabalhistas são disponíveis, portanto é evidente

serem determinados direitos referentes ao trabalhador intocáveis, como os

direitos de personalidade e aqueles referentes à sua saúde, por força, inclusive,

dos princípios constitucionais que elevam o trabalho à dimensão essencial da

dignidade humana. Tal restrição, não obstante, não se aplica aos reflexos

patrimoniais desses direitos, quando já existente sua violação. Assim, entende-

se ser possível e vantajosa a aplicação da arbitragem aos conflitos trabalhistas

individuais, desde que estes não envolvam, portanto, direitos de personalidade

ou direitos relativos à saúde dos trabalhadores e, ainda, que se observe a

restrição que se preconiza na seqüência.

Quanto ao segundo argumento, é notório que a relação

empregado/empregador é desigual. O Brasil passa por uma de suas mais sérias

crises de emprego, sendo evidente que, nesta situação, para obter o emprego

necessário à sua sobrevivência, o trabalhador submeter-se-á a qualquer cláusula

imposta pelo empregador. Assim, não há como vislumbrar, a não ser em

raríssimas hipóteses, as figuras do empregado e do empregador,

convencionando uma cláusula arbitral num contrato individual de trabalho,

pois não há paridade nesta relação para que se possa afirmar ter o trabalhador

aderido de livre e espontânea vontade à cláusula arbitral. Assim, para que seja

possível a aplicação da arbitragem, sua previsão só pode ser inserida em um

acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho, no qual o trabalhador

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estará amparado pelo sindicato, e este deva zelar pelos interesses de sua

categoria evitando-lhe, em tese, prejuízos. Por óbvio que isto requer o pleno

conhecimento da arbitragem e suas implicações pelas entidades sindicais, o

que, hoje, não se pode afirmar venha constituir a regra.

A experiência comparada revela que a arbitragem vem conquistando seu

espaço, nas legislações contemporâneas, o que pode ser aferido nas recentes

reformas legislativas da Itália e de Portugal, sendo que, em muitos pontos, é

possível observar a proximidade com a legislação brasileira. Quanto à

arbitragem laboral, merece destaque a iniciativa das entidades sindicais e

empresariais espanholas, ao firmarem o acordo para aplicação da arbitragem e

da mediação, buscando alternativas para a solução dos conflitos laborais,

mesmo quando a lei não lhe é tão favorável. A necessidade de alternativas é

sentida e almejada não só pelo legislador, mas pelos próprios cidadãos.

Por outro lado, a experiência comparada deixa claro que o receio e o

desprestígio que pairam sobre a utilização da arbitragem laboral não é algo

exclusivamente brasileiro, haja vista o exemplo mexicano, no qual, embora se

tenha uma legislação eficiente, prefere-se a via Judicial para a solução dos seus

conflitos trabalhistas.

Eis o principal obstáculo a ser superado para a aplicação da arbitragem: o

obstáculo cultural. Ao contrário da conciliação, divulgada e incentivada,

inclusive pelo próprio Poder Judiciário, a arbitragem é praticamente

desconhecida dos brasileiros, do que se explica seu desprestígio e descrédito.

Apesar da existência de uma legislação adequada, moderna, à qual se

assemelham as reformas legislativas mais recentes da Europa, e das inegáveis

vantagens que podem advir de sua aplicação há, ainda, uma barreira cultural a

ser superada para a implantação definitiva da arbitragem, especialmente, em

âmbito laboral. Essa barreira se inicia no preconceito que envolve a arbitragem

dentro do próprio meio Jurídico. Muitos advogados, juízes, promotores,

procuradores e demais profissionais do Direito, desconhecem sua disciplina e a

vêem como uma ameaça ao seu trabalho e ao sistema prevalente. Tal reação,

certamente, é resultado do desconhecimento de que a arbitragem pode ser um

novo campo de trabalho para os profissionais do Direito e, simultaneamente,

um aliado do Poder Judiciário na busca de maior racionalização da distribuição

da Justiça. Aos advogados, a arbitragem mostra-se como campo promissor de

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trabalho, não só como procuradores, mas como árbitros, exigindo-lhes, porém,

seu estudo e o conhecimento de suas particularidades. Ao Poder Judiciário a

arbitragem poderia beneficiar, retirando de seu âmbito um número considerável

de demandas, deixando-lhe aquelas que exijam sua intervenção, por sua

complexidade e pelos interesses que envolvem. Como mencionado diversas

vezes, neste estudo, o Judiciário é imprescindível e a arbitragem, pelo menos

neste estágio cultural, não pretende substituí-lo.

A utilização da arbitragem laboral requer, sem dúvidas, uma política de

difusão da mesma, divulgando seus benefícios, como a celeridade, a

confiabilidade, o sigilo, a especialização, esclarecendo a todos sobre seu

funcionamento e isentando-a de qualquer preconceito injustificado, seja no

meio jurídico, seja entre os cidadãos em geral.

Assim, é esperada, sinceramente, com este estudo, a contribuição para

que mais um passo seja dado rumo ao reconhecimento efetivo da arbitragem

como meio de solução de conflitos trabalhistas, permitindo que todos usufruam

seus benefícios, embora cientes de que o desafio cultural a ser enfrentado será

difícil e de que, como sabiamente evidenciou Albert Eistein, "...é mais fácil

quebrar o núcleo de um átomo do que um preconceito".

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